P/1 – Boa tarde!
R – Boa tarde.
P/1 – Antes de mais nada, eu queria agradecer a sua contribuição, a sua participação no projeto Memória do AFS Intercultura Brasil – 60 anos. E começar essa entrevista, perguntando seu nome, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Pedro Leitão, Pedro Wilson Leitão Filho. Eu nasci em Belém do Pará, em 07 de fevereiro de 1947.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais e a profissão deles?
R – Pedro Wilson Leitão, ele era funcionário público, fiscal de alfândega, e minha mãe, Grací Figueira, era de casa, ela não tinha uma profissão.
P/1 – E seus avós? Poderia falar um pouquinho sobre eles? O que eles faziam também?
R – Os meus avós maternos, eles eram da cidade de Oriximiná (PA), interior do Pará. Meu avô era agente alfandegário e minha avó era professora. Os meus avós paternos eu não sei, eu não os conheci.
P/1 – O senhor sabe a origem da sua família? Poderia falar um pouquinho?
R – Parte da minha família, por parte do meu pai eram portugueses; por parte da minha família [materna], há dúvidas se eles eram holandeses ou alemães. O nome da família da minha avó era Von Zeler. Eu já tentei localizar isso, tem parte na Alemanha, parte na Holanda. E tem muitos Von Zeler que foram para Amazônia, que vivem, que foram para uma cidade, chamada Alenquer (PA). E lá eles adaptaram o nome para Vanzeler, assim como Wanderley , nada mais é que um Van Derley, que juntaram no Brasil (risos) então eles viraram Van zeler, mas a origem deles é essa.
P/1 – O que você fazia quando criança, né? Em Belém?
R – Eu nasci no Pará, eu nasci no Belém. Vivi lá até os oito anos de idade. As memórias que eu tenho eram minhas memórias de garoto urbano indo à escola e Belém do Pará ainda muito parte da floresta, né? Assim, na casa em que eu morei, em Belém do Pará, você tinha no quintal o que se chamava de igarapé. Eu tava a uns 500 metros do centro da cidade e eu morava numa casa que tinha um igarapé; um quintal onde tinha peixe no fundo; tinha alguma tartaruga, algumas coisas assim que apareciam por lá. Um quintal grande com árvores: mangueiras, goiabeiras, muitas flores e tal... Isso era a vida em Belém do Pará. Hoje quando eu vou lá e eu visito a casa – a casa não tem mais nada a ver a família – a casa ainda tá lá em parte; e, hoje, é um ambiente completamente urbano e você não consegue imaginar que aquilo 50 anos atrás tivesse esse clima que eu tô te falando.
P/1 – Quais eram as brincadeiras preferidas? O que você fazia? Você tem irmãos?
R – Não.
P/1 – Então, com quem você brincava? Com a vizinhança? Primos?
R – Eu brincava com meus primos, que eram mais velhos; eu me lembro de jogar botão, ou de vê-los jogar botão. Eu me lembro de memórias que tenho assim é de ir, eventualmente, tomar banho de rio, de umas praias que tinham perto de Belém, Mosqueiro, mas eu me lembro claramente dessas cenas de banho de rio; e uns locais que há pouco tempo eu revisitei em Belém tinha, nessa época, muito a ver com a Amazônia, embora a Amazônia não fosse um conceito, falado a respeito naquela época, mas era uma coisa muito presente, né? As fantasias que eu tinha, que os garotos da minha época tinham eram todas relativas a uma cultura amazônica: as lendas, o que tinha nos rios, aos animais, aos botos, as cobras; uma coisa muito associada à cultura indígena, na verdade, né?
P/1 – Você lembra de alguma delas?
R – Ah, lembro, vagamente, se eu parar para pensar... Lembro da história do boto, que até pouco tempo, eu fui entender o porquê da história do boto. O boto que engravida moças solteiras, você sabe dessa história?
P/1 – Então, voltando sobre a lenda, do boto. Eu conheço, mas acredito que em cada região deve ter um acréscimo, algo diferente. Eu gostaria que você explicasse.
R – Eu acho assim, eu não consigo me lembrar de histórias específicas, mas eu me lembro do clima das histórias, as histórias eram em geral com a respeito de animais que se transformavam. Pessoas que podiam se transformar em animais e ganhar, por exemplo, capacidades que os animais têm. Se transformar em homem e voltar a forma animal e nesse sentido serem punitivos, vingativos, malévolos, eu me lembro desse clima. E porque eu sei disso? Porque eu me lembro, não, exatamente eu não me lembro, mas eu tive recentemente no Norte, dois anos atrás, eu fiz uma viagem pelo interior da Amazônia de barco com a família e tal; e em um lugar, no rio Tapajós, veio um senhor, uma espécie de intelectual local falar com a gente à noite, e contou essas histórias, que eram as histórias da minha infância. Então eram todas essas pessoas que têm a capacidade de se transformar, principalmente em cobra. Cobra é um animal muito importante na Amazônia porque é muito perigoso, eu me lembro, de garoto, viver assombrado com essa história de cobra. Porque você podia ter cobra no seu sapato, você podia ter cobra no seu banheiro, no vaso sanitário, atrás da porta. Imagina você morando numa casa que tinha um igarapé atrás, onde passavam animais, então, podia perfeitamente ter isso. Eu me lembro dessa assombração, dessa coisa era o que mais preocupava. Tinha uma história da minha infância, fui uma vez, no interior do Pará, fui para Óbidos visitar lá um tio, um parente, nem sei exatamente se era parente, da família mesmo, mas era chamado de tio Coelho. Esse cara morava e criava gado, à beira de um rio que alagava. Então, quando o rio subia, que é normal subir, o gado todo era posto em plataformas; e esse cara tinha na casa dele duas jiboias que viviam no teto, um teto sem forro; viviam nas armações. E ele tinha um rádio, isso deve ser ano [19]50 por aí, 56, 57 ele tinha um rádio de válvula imenso que esquentava, rádio antiguíssimo. As jiboias se prendiam a ponta do rabo lá e ficavam estiradas, com a cabeça perto do rádio porque o rádio era quente. E isso me causava pânico, horror; eu queria sumir do corpo, mas as pessoas lidavam com aquilo, viviam com aquilo. Enfim, são as poucas memórias assim que eu tenho dessa coisa, dessa minha vida no Pará, que era ao mesmo tempo urbana, muito urbana, porque eu morava no centro da cidade e ao mesmo tempo a cultura de floresta. Você vivia com essa imagem de floresta, de vida selvagem na cabeça, embora eu vivesse na cidade, frequentasse um grupo escolar e tudo mais.
P/1 – Quais são as lembranças da escola?
R – Eu estudei num grupo escolar. Primeiro, eu fui para uma escola menor, onde eu fui alfabetizado, depois eu fui para esse grupo escolar. Eu tenho muito pouca memória do grupo escolar; eu tenho mais memória dessa escola particular. Eu me lembro do processo de alfabetização, me lembro do calor nas cidades; de você estar na escola, dos braços suarem e prender na carteira; me lembro das aulas de caligrafia; me lembro dos ditados, quando começa aprender a escrever, me lembro desse processo. Aí com oito, oito e meio; oito anos pra nove anos, não sei, entre oito e nove anos eu vim para o Rio de Janeiro.
P/1 – Você se lembra, com que você ia pra escola?
R – Eu ia a pé porque era meia quadra, na esquina de casa.
P/1 – Então a vida era muito...?
R – Muito próxima. Uma curiosidade na minha cabeça: a rua onde eu morava era muito larga e, depois eu voltei à Belém, eu já tinha 20 poucos anos, eu já tava trabalhando, já era profissional. Eu voltei à Belém e fui visitar a casa onde eu morava, e a rua é micro (risos); ela tem dois, três metros de largura, e pra “mim” atravessar aquela rua, na minha memória era uma aventura. E como a rua era muito próxima do centro do que era hoje. Uma memória que eu tenho que é chocante hoje em dia. É o que o centro. Você conhece Belém do Pará?
P/1 – Não, nunca fui infelizmente.
R – Belém do Pará é uma cidade muito bonita, muito arborizada e que tem o centro da cidade... Belém é de 1630, alguma coisa assim, foi a capital central da Amazônia, foi a capital do Reino do Grão–Pará, pegava todos aqueles Estados. É uma cidade colonial e ainda tem resquícios coloniais. O casario mais interessante, é um casario do século XIX, final do século XIX, e com prédios interessantíssimos art noveau, e coisas desse tipo, estão muito deteriorados, mas você ainda vê. Só que quando eu era garoto, quando eu era criança, aquilo tava inteiro. Era muito agradável, era muito bonito você ir ao centro da cidade, você tinha aquele ar de comércio, bonito e a Amazônia tem cheiros, é um ambiente, você vive pelo cheiro, a relação tátil, a relação olfativa, na Amazônia é diferente.
P/1 – Mas, por que você veio para o Rio de Janeiro?
R – Eu vim para o Rio, porque minha família veio pro Rio; eu já tinha perdido meu pai, e aí minha mãe e minha tia, que viviam juntas, vieram para o Rio de Janeiro em 1956. Eu vim para o Rio de Janeiro numa outra aventura; eu vim de barco, vim de navio, avião naquela época era uma coisa...
P/1 – Caríssima.
R – Caríssima. Impossível, praticamente. Eu vim de barco para o Rio de Janeiro; cheguei aqui no Rio de Janeiro, fui morar no Flamengo, onde eu moro até hoje. Frequentei uma escola pública e tive a sorte de pegar aquelas escolas públicas maravilhosas, de excelente qualidade, onde eu terminei meu primário. Depois, eu fui pra uma outra escola 200 ou 300 metros mais adiante, uma escola particular que se chama Colégio Zacarias, de padres italianos, padres barnabitas; onde eu fiz meu segundo grau e tava naquela época chamava segundo ano científico; quando eu tava numa aula – aí já começa uma outra fase da minha vida –, eu tava sentado no final da turma com Viveiro de Casto, acho que o nome dele era, não sei, se era Eduardo ou Fernando Viveiro de Castro; e aí ele me contou: “Olha, esse aqui é um primo meu, chegou dos Estados Unidos, onde ele morou um ano com uma família, no programa assim, assim...” Quando eu ouvi falar isso, eu falei: “Eu quero isso. Eu vou fazer isso”. Entrou na minha cabeça e passou a ser um projeto; e aí eu fui atrás e descobri onde é que era esse negócio, era em Copacabana, na Rua Santa Clara, onde tava o escritório do AFS, eu fui lá e quis saber: “Eu quero fazer isso. Como é que se faz isso?”. Aí começou a história do AFS.
P/1 – E aí, você foi procurar um comitê? Era um comitê ou um escritório?
R – Era o escritório central do Rio de Janeiro.
P/1 – Na rua Santa Clara...
R – Isso.
P/1 – E aí, como foi o processo? Você foi lá, falando que gostaria de viajar (risos)
R – Cheguei lá encontrei, estava tentando lembrar os nomes das pessoas, justamente, eu estava fazendo uma lista de pessoas da minha época, que eu vi a lista de quem vocês estão entrevistando, tem pouca gente. O AFS pra mim tem um contexto que não tá representado nessa lista, eu não sei o porquê. Então eu fui lá, encontrei um grupo de pessoas muito comprometidas, todos eles eram ex-bolsistas, ex-AFSers, que trabalhavam na Secretaria Geral, o AFS ainda não era uma organização nacional, não tinha um Conselho Nacional, isso aconteceu justamente na minha época, quando eu de volta, já.
P/1 – Isso foi em que ano?
R – Eu devo ter feito isso, em [19]64 ou 65. Em 65, eu devo ter procurado o AFS. E aí, eu me inscrevi, eu não me lembro mais como é que era... Devo ter preenchido algum papel, alguma coisa assim. E aguardei por uma visita na minha casa. E aí, foi um casal de pessoas. Me lembro da moça quem era, Bebel Coutrin, e o outro rapaz eu não me lembro. E eles foram lá em casa, conversaram com a minha mãe, com a minha tia, conversaram comigo. O que tinha – digamos assim – de chamar atenção na minha experiência no Rio de Janeiro desde que eu tinha chegado de Belém, foi o fato de eu ser escoteiro. Eu era escoteiro no Fluminense, no Clube do Fluminense, era um grupo de escoteiro muito especial. E que tinha um modo de ser escoteiro muito mais, digamos assim, o que hoje chama de esporte de aventura, do que pra um experiência meio militarista como no geral se vê no escotismo. E era um grupo muito interessante com o qual eu me vinculo até hoje. Agora mesmo vai ter um almoço de jantar de natal, semana que vem. Então, eu vivia isso. Minha juventude no Rio de Janeiro era muito campo, era muito acampar; fazer caminhadas e excursões pelos parques, pelas áreas daqui; até mesmo viajar pelo Brasil, fazer acampamento em Porto Alegre, Minas Gerais...
P/1 – Você tinha uma vida muito solta, né? Como que era a sua formação? Tipo, você tinha bastante autonomia?
R – Não, eu não sei se eu tinha autonomia maior do que as outras pessoas não. A família se preocupava, participava, mas tinha essa coisa principalmente do escotismo, que era bastante, digamos, responsável, né? Como é que era minha vida? Eu ia pra escola todo dia, eu não lembro se de manhã ou se de tarde, acho que algumas época de manhã outras vezes à tarde; se tinha reunião no Fluminense no grupo escoteiro terças e quintas e com algumas frequências você tinha algumas atividades no fim de semana: caminhadas, escaladas... A gente escalava aqui o Pão de Açúcar, Corcovado, essas pedras todas aqui e isso era minha vida era muito orientada pra isso e pra garotada que morava no Catete, aqui próximo ao centro da cidade, onde eu sempre morei. E ai eu me interessei pelo AFS e sofri muito porque o resultado não chegava, não chegava e tal, e eu fui um dos últimos resultado a chegar em 65 e ai fui informado que eu ia pra essa família em Minnesota e adivinha? O pai da família era um chefe escoteiro. E aí, a vida teve padrões muito parecidos e, ao mesmo tempo um contexto muito diferente, porque o que que era a família? Você tinha as chamadas cidades gêmeas, que são as capitais do Estado de Minnesota, Minneapolis e Saint Paul, e você tinha assim na direção oeste... Minnesota é um estado cheio de lagos. O logo do Estado são 10 mil lagos, é belíssimo o lugar. O inverno extremamente rigoroso. Você pegava inverno de novembro a quase maio e esse ano que eu passei lá você tinha neve na porta de casa de um metro de altura do final de novembro até abril praticamente. Então, é um povo que aprendeu a lidar com o frio, com a neve, né? Eu continuei a ter o mesmo estilo de vida que eu tinha aqui no Rio: natureza, caminhada, só que fazendo coisas diferentes. Eu aprendi a pescar no gelo; eu aprendi a atirar. Era uma vida muito próxima da natureza que eles tinham. Eles caçavam, mas não caçavam por esporte. Você tinha em cada casa um campo enorme e você tinha cachorros. Você soltava os cachorros, os cachorros iam e espantavam os faisões. Você caçava faisão, você se alimentava de faisão, assim como você ia pecar. Eu nunca fui caçar alce, veado, esse troço todo, porque eu nunca tive coragem de atirar, mas o meu pai americano ia, caçava, então você passava o ano inteiro comendo das coisas que você caçou, pescou, colheu, fez. Era uma vida muito rural, mas rural num outro sentido, rural numa outra cultura.
P/1 – E, sendo assim, sentiu alguma dificuldade de adaptação? Primeiro, qual a cidade de Minnesota que você foi?
R – Eu fui pra uma cidadezinha chamada Maple Plain que tinha mil habitantes. Eu tinha que pegar um ônibus de meia hora pra ir pra aquela escola que mostrei a fotografia, Oregon High School, e eram várias comunidades que vinham de ônibus pra aquela escola. A maior dificuldade de adaptação que eu tive foi o fato de, como eu não fui criado com um pai, ter um pai é um fato importante na vida de alguém e esse pai que eu encontrei, era um pai muito forte.
P/1 – Rígido ou muito presente?
R – Muito presente e rígido. Uma coisa assim: “Não tem acordo. Você negociou uma coisa comigo, é isso”. E então, nesse ponto aí eu tive alguma dificuldade, porque eu não tava acostumado a esse tipo de tratamento, de relação. Mas, por outro lado, eu tive uma relação mais próxima com ele do que os outros dois filhos tinham, porque eu era muito chegado às habilidades manuais dele, que os outros garotos não se interessavam. Eu me interessava, eu vivia na oficina dele, eu ajudava a fazer coisas: na marcenaria, na carpintaria, aprender coisas.
P/1 – Qual era a profissão deles, da sua mãe e do seu pai?
R – A minha mãe era bibliotecária voluntária da cidade, ela que tomava conta da biblioteca da cidade e meu pai era fundamentalmente um ex-militar, um sujeito que lutou na Segunda Guerra Mundial, era técnico em eletricidade e era responsável pela manutenção das redes elétricas da região. Não sei qual era extensão da região, mas ele era isso. Toda vez que acontecia algum problema, e tal, ele era chamado pra resolver essas questões. E, era um cara que passava muito tempo em casa e generoso do jeito dele. Generoso quando ele queria. Por outro lado, foi um cara que eu sinto a presença a marca dele, coisas que eu aprendi a fazer na vida, foram com ele. Jeitos de fazer coisa e tal, tem a ver com ele. E a minha mãe era uma pessoa que era fundamentalmente carinhosa. Scrapbook, essas coisas dela assim, carinho, jeito, compaixão... Se eu queria algum momento, algum ombro pra cair, era ali.
P/1 – Qual foi o que mais te surpreendeu quando você chegou na sua cidade?
R – Eu tive muita dificuldade no início de compreender. Eu não tinha um inglês bom. Eu não me lembro de ter tido nenhuma dificuldade de adaptação grande, não me lembro de ter sofrido isso. O que eu acho que eu aprendi, que desde que eu cheguei nessa experiência, e é pra mim o que vale nela, é o que fez eu ter estimulado os meus quatro filhos a terem feito AFS, e eles fizeram: foi ter saído de um mundo que era muito específico pra mim. Essa coisa de Amazônia, de Belém, dessa família nucleada por duas mulheres, duas mulheres com a cabeça meio século XIX. Elas não eram conservadoras, mas ao mesmo tempo eram. Elas não eram conservadoras nos seus pensamentos, mas eram conservadoras nos seus hábitos. E eu ser um garoto criado nesse ambiente aí, portanto meio vitoriano, meio século XIX, mas com habilidades urbanas, eu sabia jogar futebol, eu sabia fazer pipa, eu sabia essas coisas que eu aprendi na rua. Esse era o mundo que eu tinha na cabeça. E, quando eu chego lá, eu descubro um mundo totalmente diferente. E a grande descoberta foi entender que era possível viver de formas diferentes no mundo, que o mundo acomoda uma diversidade que eu não sabia que existia e que passou a me fascinar. A partir daí, eu me declarei cidadão do mundo e aberto à diversidade de modos de viver no mundo. Acho que o AFS foi pra mim a porta de passagem pra uma visão global, globalizada, pra uma cidadania global. E foi aí, e foi isso que me fascinou com AFS; e foi a partir daí que eu trabalhei com o AFS e por aí foi.
P/1 – E só antes de nós continuarmos com essa fase do intercâmbio, mas pegando o gancho da descrição que você deu da sua mãe, da sua tia. Como que elas receberam a notícia de que você queria viajar, ir pros Estados Unidos, ir passar um ano fora?
R – Eu te falei que elas eram modernas em visão de mundo – não sei se exatamente visão de mundo. Elas eram um misto de conservadoras e abertas, então elas nunca me prenderam. Por exemplo, essa coisa do escotismo que você falou, era uma coisa que se fosse pra uma aventura, se fosse para estar no mundo, tudo bem.
P/1 – Elas apoiavam.
R – É, não houve nenhuma...
P/1 – E aí então retornando ao intercâmbio, a escola, como foi estudar numa escola americana? Foi uma escola particular, uma escola pública?
R – Era uma pública.
P/1 – A recepção dos alunos, dos professores?
R – Olha, foi ótima. Até porque quem pagava metade da bolsa do aluno que ia pra lá era a escola. Todo ano, a escola fazia uma coleta pra pagar a parte que ela tinha que cumprir no acordo com o AFS. A sensação que eu tinha era que a escola estava acostumada a receber os estudantes estrangeiros. Todo ano tinha estudante estrangeiro. A estudante estrangeira antes de mim era Marien Weisinger, uma suíça que era conhecida por ser uma excelente acadêmica, disciplinada, num-sei-o-quê num-sei-o-quê e, de repente, chega eu, que sou um brasileiro que não falava inglês direito – a Marien, possivelmente, falava inglês melhor que os americanos. Eu era bom de esporte. Eu jogava bola, eu fazia num-sei que, eu era bom de arte, era o oposto da Marien, né? Eu fazia as coisas mais lúdicas e eu me dava muito bem, eu descobri isso em mim. Eu não sabia que eu era tão sociável até eu ir pro AFS. O AFS foi também uma escola de sociabilidade, porque eles te convidavam, porque você era um pequeno embaixador, você era um pequeno diplomata. Você era convidado pra falar no Rotary Club, você era convidado pra falar no Clube dos Pais, você era convidado pra falar num-sei-aonde, pras senhoras que faziam tricô, pros veteranos de guerra... Então você botava lá sua gravata, seu paletózinho e ia lá falar de Brasil. Eu tinha meus slides de Brasil, eu tinha as minhas apresentações de Brasil que eu levei daqui. Você aprendia a fazer aquilo, então você tinha um status meio que diferenciado nessa história.
P/1 – E quais eram as disciplinas que você fazia? Como que eram as disciplinas? Eram as mesmas daqui?
R – Eu, bem ou mal, eu resolvi justamente experimentar o que eu não tinha aqui; porque a escola era formidavelmente diversa. Você podia fazer iniciação a carreiras de música, de teatro, de fotografia, instrumental, você podia se formar em mestre de obras, podia começar a fazer um curso de arquitetura. Já no High School, no colégio. Então, o que eu fiz? Eu fiz Inglês, que era obrigatório, foi ótimo, porque eu peguei Literatura Americana e isso me fez começar a ler literatura – o que não parou mais. Eu não tinha esse hábito de leitura, passei a ter por aí. Fiz Inglês; fiz História; fiz Sociologia, que era tudo que eu não sabia, porque eu fazia científico naquela época que você escolhia entre clássico e engenharia, eu tava em engenharia. Então, aproveitei pra fazer tudo aquilo que eu tinha curiosidade e não sabia o que era. Acho que eu fiz Matemática, não me lembro. E eu fiz, acho que era obrigatória, uma Educação Física. Eu me lembro dessas aulas de Educação Física, porque eram as primeiras do dia. Sete horas da manhã você tava de calção lá fora num frio alucinado e, quando eu vinha, eu tinha um sono profundo, porque a diferença de temperatura... Eu entrava num ambiente quente, eu queria dormir desesperadamente depois de ter corrido uma hora. Eu tive dificuldade no início com o inglês, porque eu não tinha um conhecimento de inglês escrito e mesmo de inglês em geral. Eu lembro de ter pegado umas notas baixas no início por erros básico de inglês. Eu me lembro de ter perdido uma prova porque o cara falou – era A Morte do Cacheiro Viajante, era o nome do conto – e aí, o cara falou “deaf, deaf” e eu entendi death. Então uma coisa é a morte, outra coisa é o surdo, né? E eu falei de morte, então, eu errei a questão e não tinha colher de chá! Eu fui lá e expliquei: “Po, mas é parecido” “É parecido, mas não é a mesma coisa, então...”. (risos)
P/1 – São coisas distintas (risos)
R – (risos) Coisas diferentes. E não tinha colher de chá, eu pegava nota baixa mesmo. Mas aí, eu fui melhorando, fui melhorando, fui melhorando e aí, eu acho que me adaptei. Ah! E eu fiz Arte também. A aulas de arte de pintura, de escultura foram fundamentais na minha vida.
P/1 – E os esportes?
R – Eu fiz wrestling. Eu fiz e me dei bem no wrestling, por causa dessa coisa que eu tava contando deles não saberem usar a perna e a gente saber.
P/1 – Pois é, conta pra gente, que antes a gente tava em off. (risos)
R – Eu tinha que fazer algum esporte era meio que esperado, né? Não era obrigatório, mas eu tinha que fazer algum esporte. Tinha as coisas que eu não sabia fazer. Por exemplo, eu tentei jogar beisebol, eu não só não entendia o jogo (risos), me vestiam naquele troço daquele jogador de beisebol, me colocavam um taco não mão e eu não sabia o que fazer com aquilo. Eu não conseguia acertar na bola... Futebol, eu não tinha físico, né? Porque os caras eram todos acima de três metros de altura, eu era muito magro naquela época. E outras coisas: o basquete, também não sabia jogar; acho que eu fiz atletismo no inverno ou no verão, não me lembro. Não, no verão. E aí, teve esse negócio do wrestling que foi no outono/inverno, eu me matriculei e era muito legal. Porque era assim uma espécie de programa físico, de preparação física duríssima. As aulas terminavam três horas da tarde, três horas você tava no ginásio e você treinava até cedo à tarde. E a primeira uma hora e meia, duas horas, era paulera, era ficar forte. Eu fiquei muito forte. Era ficar forte e depois, a última hora, era treino de luta, que é uma luta greco-romana, assim chamada, um esporte olímpico que tem suas especificidades. Eu não cheguei a aprender as especificidades, porque você é uma coisa assim que você tem que fazer aquilo desde garoto e eu entrei já velho pra fazer o wrestling, mas eu tinha esta vantagem. Que era uma vantagem um pouco de judô, que eu fiz aqui; um pouco de rua, de malandragem, de usar a perna num-sei-o-quê e de derrubar com rasteira, usar a perna... Eu consegui bem nesse negócio, mas eu gostava mesmo era da parte de preparação física. Era muito legal, muito puxado e eu me sentia muito bem fazendo aquilo.
P/1 – E desse período, o que mais te marcou do intercâmbio?
R – Olha, o intercâmbio mudou a minha vida. Mudou a minha perspectiva de mundo, mudou a minha visão de mundo – eu já te falei disso.
P/1 – Você sentiu uma mudança logo que você chega, assim, ou isso foi ao longo do tempo?
R – Não, isso foi ao longo do tempo. Naquela época, muito pouca gente falava inglês bem, hoje em dia, há um maior número de pessoas que consegue falar inglês e o Brasil é um dos países ainda é dos que se fala menos o inglês. Mas, naquela época muito menos, né? E eu voltei por Brasil em [19]66, então o fato de eu ter voltado falando inglês e eu acho que eu aprendi bem, porque esses cursos de inglês que eu fiz e a partir daí eu peguei gosto pela literatura, passei a ler muita literatura, enquanto eu tava lá e depois que eu cheguei aqui. Eu acho que quando eu fiz meu curso superior na Fundação Getúlio Vargas, eu acho que o que eu mais fiz foi ler literatura.
P/1 – E que curso que você fez?
R – Eu fiz Administração Pública.
P/1 – Administração Pública, então você imaginava fazer engenharia antes de?
R – É, é. Aí eu cheguei no Brasil em [19]66 e eu precisava trabalhar. Eu não tinha recursos. Minha família não tinha recurso de me manter num cursinho, em uma coisa assim desse tipo. Ai eu tive uma ideia, no dia seguinte que eu cheguei no Brasil, eu vim aqui no centro da cidade, na Câmara de Comércio Americano, e fui recebido por uma pessoa que eu não conhecia. Eu fui lá, assim, na cara e a coragem. Eu falei: “Olha, eu quero trabalhar e a única coisa que eu tenho no meu currículo que possa fazer alguma diferença é o fato de eu falar inglês, de eu falar e escrever inglês bem”. Aí, em seguida, eu não sei em quanto tempo, se no dia seguinte, mas muito pouco tempo depois... – eu até escrevi o nome desse cara aqui agora e me lembrei. Eu tava aqui me lembrando do nome dele, Sid Vieira, esse homem atendeu, pediu que eu fizesse um currículo, eu falei: “Mas eu não tenho currículo, eu não sei fazer nada. Eu nunca trabalhei, não sei nada” “Não faz mal, bota aí.” E, em seguida, uma semana ou alguma coisa assim depois, eu comecei a trabalhar como secretário bilíngue numa empresa de importação e exportação, aqui no centro da cidade do Rio, onde eu fique algum tempo, poucos meses, um, dois meses. Em seguida, eu recebi um chamado da GE [General Eletric] pra fazer um trabalho na GE, na área de Planejamento Estratégico, com o assessor do cara que era o planejador-chefe de planejamento estratégico. E foi um negócio extremamente interessante na vida, porque esse cara era um húngaro matemático que veio para o Brasil pra montar uma companhia siderúrgica nacional. E esse cara era uma espécie de monstro sagrado na GE e ele não fazia nada a não ser quando houvesse um problema. E aí, ele ia lá e resolvia com uns super engenheiros e num-sei-o-quê e esse cara não tinha secretária, porque a mulher dele não deixava, ele tinha um secretário. E eu era secretário dele, não tinha muita coisa pra fazer e comecei a estudar. Comprei uns livros de matemática e comecei a resolver, tinha tempo. E ele se interessava: “O que você tá fazendo?” eu falei: “Eu tô me preparando pro vestibular”. “E o que você tá fazendo?” “Eu tô fazendo exercício de matemática” “Deixa eu ver”. Aí ele vinha e resolvia os problemas comigo e acabou me ensinando. Aí, eu fiz o escolar e passei. Passei aqui pra Fundação Getúlio Vargas do Rio e eu saí da GE. Paralelamente a isso, desde que eu cheguei do AFS, havia um grupo de AFSers, como a gente chamava naquela época, que tocava o comitê Rio de Janeiro e era muito ativo. Eu acho que foi a única vez que eu vi o comitê Rio de Janeiro realmente funcionar. Pelo que eu entenda, tradicionalmente o comitê Rio de Janeiro é um dos menos ativos. Já teve risco de fechar... Eu sei que um dos meus quatro filhos quando foi não tinha comitê do Rio.
P/1 – É, ficou um tempo fechado e retornou.
R – O Adriano tinha que ir para o Espírito Santos pra conversar com o AFS, um negócio assim. Mas não era isso na minha época quando eu voltei. Tinha um grupo de pessoas, principalmente uma moça que vocês deveriam entrevistar. Uma moça chamada Inês Fonseca e Silva e vários outros... O pessoal chegava, era um grupo de voluntários, a gente chegou a organizar seleção nacional, tinha reuniões todo fim de semana e era mais ou menos reuniões e festas. A gente se reunia pra festejar, pra estar juntos, porque a gente se conhecia, se gostava, num-sei-quê. E, aproveitava, fazia as coisas do AFS que precisava fazer. Faziam as seleções, era um grupo extremamente ativo. Pelo menos umas 20-25 pessoas direto fim de semana, durante anos. Dois, três anos, rolou assim. E aí, eu fui convidado pela Maria Helena Vilela, que morreu esse ano, que era uma AFSer, de uma das primeiras turmas, que era um amor de pessoa, era uma criatura excepcionalmente, generosa, fina, tudo. Maria Helena era semi-deusa (risos). E Maria Helena, não lembro exatamente como, virou Secretária Executiva do AFS. Alguém a convidou, não sei como foi. E ela me convidou pra ir trabalhar com ela, e a gente montou um grupo na Secretária Executiva – Maia, o outro nome que eu teria que lembrar – que era secretária executiva antes da Maria Helena, Maia, que também tinha um grupo na Secretaria Executiva; que foi exatamente o grupo que eu conheci quando eu me candidatei – era Maia, Simone, eu estou querendo me lembrar o nome da outra moça... Zé Fernando – E era um grupo excelente também. – E a Nancy. Não, a Nancy, não – eram quatro pessoas e Maia foi substituída pela Maria Helena. Aí que a gente criou o AFS do Brasil. Foi aí que foi criado o AFS do Brasil, numa convecção em Arcozelo. A gente criou esta instituição e nós fizemos pior. Nós não só criamos o AFS do Brasil, como a gente provocou essa história do intercâmbio não ser só com os Estados Unidos, mas ser entre o mundo inteiro. Só que a gente fez isso e não pensou na parte financeira. E isso acabou acontecendo, o AFS Internacional aceitou essa pluralização, só que nenhum, nenhum AFS Nacional, tinha as condições financeiras pra bancar, então essa transição demorou bastante, até que os AFSs nacionais pudessem garantir a recepção de pessoas de várias partes do mundo e ir para várias partes do mundo. Mas foi uma mudança, eu acho que importante, necessária, muito porra-louca que se pensou em ser proposta naquela época, mas eu acho que funcionou.
P/1 – O AFS já existia desde 56, só que o estatuto dele também é de 68, ou seja, a primeira ata e o primeiro estatuto surgiram muito tempo depois. Há o que? Uma formalização do que já existia?
R – O AFS era, até 68, uma operação informal no Brasil. As pessoas eram vinculadas à Nova Iorque. A Maia e todo mundo que veio antes recebia algum tipo de orçamento anual que se pagava e pagava outras ações aqui. Não existia como uma instituição nacional brasileira. E nós aqui, ativíssimos, o AFS passou a reunir, digamos assim – vocês já viram esse filme do Chico Buarque, Chico, um artista brasileiro, que tá passando agora?
P/1 – Ainda não.
R – Então vai ver. Pra você entender o quê que era essa geração 60. Era o que ele fala da Bossa Nova, era um grupo de pessoas no Rio de Janeiro que conseguiu influenciar o Brasil, porque o Brasil era desestruturado. Culturalmente era distante etc e tal. Então era um pouco, porque eu sinto isso, era justamente nessa época que tem esse grupo de pessoas no Rio de Janeiro, muito em torno da Bossa Nova, todo mundo cantava, tocava violão. Tem uma associação, uma coincidência aí. E tinha muito a ver, a gente se reunia pra cantar, tocar e tal, e o AFS tava no meio, mas era esse grupo, era um grupo meio elitizado, da zona sul, Rio de Janeiro. E aí, veio essa questão. Alguns eram advogados e começou esse negócio: “Por que que a gente não tem o AFS do Brasil?” “Por que que a gente não tem uma instituição nacional?”. Aí fizemos uma conferência primeira, a Conferência Nacional do AFS do Brasil, em Arcozelo. Aqui no Estado do Rio de Janeiro, numa propriedade do pascal Carlos Magno. E, aí criou-se o primeiro estatuto, o primeiro presidente do AFS do Brasil. Aí foi que mudou a secretaria e virou uma instituição nacional. Mas, dependente financeiramente dos Estados Unidos. E isso criava tensões e criava contradições, né? E com a nossa autonomia, a gente participa de um movimento de outros AFSs nacionais pelo mundo, porque antes era: “Todo mundo trocava com os Estados Unidos”. A Itália, a Tailândia, o Japão, a Alemanha, todo mundo mandava pros Estado Unidos e os Estados Unidos mandavam pra esses países. Aí chegou um momento que a gente: “A gente não quer isso. A gente quer todo mundo trocar pra todo o mundo” “Mas quem paga?” “A gente não sabe ainda. Mas vamos começar a fazer isso”. E isso foi feito e eu acho que isso foi um produto dessa geração, principalmente de um cara que era presidente do AFS, se eu não me engano, liderado por um italiano que era presidente do AFS da Itália, não me lembro o nome dele, mas é muito ativo, muito influente, muito importante. E, com isso, eu passei o tempo todo que eu estava estudando na Fundação Getúlio Vargas, eu trabalhei no AFS.
P/1 – Então antes de aprofundar essa história, só contar um pouquinho como foi a readaptação ao Brasil. Sentiu muita diferença de voltar do intercâmbio, de voltar do Estados Unidos e vir para o Rio de Janeiro? Sofreu com a adaptação ou foi uma transição normal?
R – Eu acho que eu sofri menos que outras pessoas. Eu vi muitos amigos meus: alguns não sofreram nada; vi muita gente sofrer, me lembro de reclamações. O que você tem quando você vivia, agora você vive em outros lugares, por exemplo, meus filhos: um foi pra Holanda, outro foi pra Alemanha, outro foi pra – como é que chama? Oh, meu Deus, ao lado da Austrália – Nova Zelândia e o outro foi pros Estados Unidos. Os Estados Unidos hoje são muito diferentes do que eram na minha época, muito diferente. Estados Unidos naquela época era um país afluente, hoje é um país pobre pra sociedade em geral. É um país riquíssimo – nacionalmente, mas a sociedade é empobrecida, diferente do que era na minha época. Naquela época, as pessoas se impressionavam muito com essa coisa dos direitos humanos, dos direitos do indivíduo, do respeito à individualização, da manifestação das suas ideias, liberdade de expressão e a gente vivia um regime militar, justamente nessa época. Eu saí daqui justamente um ano depois houve o Golpe de Estado. Quando eu voltei, as pessoas que sofriam mais eram aquelas pessoas que faziam comparações entre a garantia da individualidade, do direito de manifestação, do respeito que a sociedade tem, da introjeção de valores que a sociedade aparentemente tem. Quer dizer, é um pedaço da sociedade, né? É porque eles não foram pros outros pedaços das sociedade americana. Essa aparente falta de respeito, anarquia que a gente tinha com a individualidade era o que fazia as pessoas mais sofrerem. No meu caso, como eu não era rico, eu não era elite, eu não tinha a grana que meus companheiros de AFS tinham, né? Eu já vi aquilo mesmo, eu não sofri muito não. Eu não me lembro de sofrer.
P/1 – Ah, então aí o senhor vem, se torna um voluntário do comitê Rio.
R – Me torno um profissional.
P/1 – Um profissional. Quando é fundado o AFS e você tá lá como um dos fundadores, você já exercia algum cargo dentro da Secretária Executiva?
R – Não, não, era voluntário.
P/1 – Era voluntário. Então conta um pouquinho dessa tua trajetória dentro do AFS, do comitê Rio e tal.
R – Eu cheguei dos Estados Unidos, trabalhei, eu acho que dois anos como voluntário. Eu não me lembro se eu ocupava algum cargo no comitê do Rio, eu não me lembro. Pode ser, mas eu me lembro que a líder desse processo era a Inês Fonseca e Silva. Esse período de eficiência de funcionamento era todo devido, assim, a total tenacidade, “obstinácia”, loucura da Inês. Era uma doida varrida, totalmente obcecada e fazia as coisas acontecer, que nos chamava, nos recrutava, nos empurrava, nos convidava e promovia e fazia coisas geniais... Então eu fui voluntário, eu fui convidado pela Maria Helena para trabalhar no AFS. Eu trabalhei durante o período que eu estava estudando. Eu trabalhava à tarde, era um período à tarde que eu trabalhava, meio expediente no AFS. E aí, eu me formei em 1970 e já em 71, já no final de 70 e 71 eu fui pro meu primeiro trabalho profissional em Recife. Eu passei quase um ano trabalhando em Recife, eu acho. Com certeza eu fui pra Recife, eu não sei quanto tempo eu fiquei, eu acho que foi quase um ano. E aí, eu ganhei uma bolsa da Fulbright pra fazer mestrado nos Estados Unidos e aí eu me casei com uma moça que era do AFS, Cristina Nogueira, também aí o AFS foi pra dentro de casa.
P/1 – Todos, então, fizeram um intercâmbio pelo AFS?
R – É. E aí a gente foi pro Estados Unidos, passamos dois anos e pouco lá. Em seguida, de lá a gente foi direto pro Paraguai. Eu fui trabalhar no Paraguai; a gente passou dois anos e meio no Paraguai. Voltamos pro Brasil em [19]75; e nesse período de 75 à 79, eu não me lembro exatamente quando, eu fui presidente do AFS Brasil. Eu fui presidente do conselho do AFS.
P/1 – E como que foi essa questão? Porque quando você vai pro Paraguai, você se desliga da organização. Quando você se muda pra Recife, você também procura o comitê de lá ou também se afasta?
R – Me afasto completamente. Me afasto.
P/1 – Então é um hiato até o seu retorno e aí, você se aproxima do comitê Rio?
R – Quem eu acho que era, eu já não me lembro desses detalhes, o Secretário Executivo era o Cláudio Amaral, que era um garoto que eu tinha recrutado, que eu tinha ajudado a fazer seleção. Eu tinha outros amigos que sempre estiveram entorno, o Luiz Estevam Lopes Gonçalves que trabalhou comigo também, foi AFSer da minha época, que trabalhou comigo na Secretaria Executiva. Eu acho que tinha um vínculo com Cláudia Amaral, eu não me lembro exatamente. Certo é que eu retomei contato com o AFS, a Maria Helena, também. Eu acho que eu retomei contato com a Maria Helena, eu não me lembro se ela ainda estava na Secretaria Executiva. Eu não me lembro. Mas eu nunca perdi totalmente contato com o AFS, a não ser esses períodos que eu saía do Brasil e ia trabalhar em um outro lugar, mas você sempre encontra o AFS pela vida.
P/1 – E como surgiu a ideia de ser presidente? Foi uma indicação?
R – Alguém me convidou. O Cláudio me convidou quando tava mudando de administração e, em geral, essas coisas são convites, são pedidos. Enquanto você não quer ajudar aqui, tá precisando disso, disso e num-sei-quê.
P/1 – E como que era, fazendo uma comparação, a estrutura do AFS nos anos 60, quando foi fundado e tal, e nos anos 70, quando o senhor retorna?
R – Já era menos, digamos assim, aquele elã, aquela militância, né? Já tinha passado um pouco. O AFS passou a ser mais efetivo no interior do Brasil, nos Estados onde ele funciona melhor, no interior de São Paulo, no Paraná, no Rio Grande do Sul, Espírito Santo, alguns estados do Nordeste; ele sempre funcionou muito bem no Ceará e no Pernambuco. E a gente tinha, eu já não lembro mais direito como eram os membros do Conselho, eu não consigo me lembrar. Eu me lembro das reuniões, me lembro principalmente das relações com o Cláudio, que era o Secretário Executivo.
P/1 – E a estrutura física e o espaço? Mudou muito, cresceu?
R – Olha, eu não consigo me lembrar do espaço físico dessa época, porque eu vivi vários períodos. E aí, eu saí do Brasil outra vez por três anos; eu fui pra Inglaterra. Quando eu voltei da Inglaterra, [19]83-84, aí eu acho que eu passei a ter um outro envolvimento com o AFS, a Liliane já era Secretária Executiva, a Liliane Reis; as datas podem estar meio confusas aí e a Liliane tinha uma característica gozada, que ela não tinha sido AFSer, não foi AFSer.
P/1 – Ela não foi intercambista?
R – Era uma coisa curiosa: “Por que essa moça tá aqui?” e tal. Nenhum preconceito, era apenas diferente: “Como é que você sabe o que é isso?”. Porque a gente sabe quem viveu aquele negócio e quem não viveu. Mas aí eu acho que no tempo da Liliane tinha uma moça lá que trabalhava, chamada Cicinha.
P/1 – Já foi entrevistada.
R – Isso. Que eu conhecia, era casada com um garoto da minha época, que tinha o nome Ricardo Pereira. E eu me lembro da Cicinha pedir que ajudasse, eu passei a ajudar a escrever algumas coisas. O AFS aí tava mudando, o AFS mudou, mudou. O tipo de programa, o que fazia, a diversidade de coisas que fazia – começou a ter programas de intercâmbio de professores –, começou a ter competição, concorrência com vários outros. Na minha época - que eu chamo minha época os anos 60 – era só o AFS e um outro programa, né?
P/1 – Era o anual, né? O programa anual.
R – É, e tinha um outro que eu não me lembro agora o nome, mas ninguém fazia.
P/1 – O de verão? Tinha o summer já?
R – Já tinha o summer e já tinha... Pra nós nunca houve summer, pra nós sempre foi o ano inteiro. Agora receber, a gente recebia estrangeiros pra verão e estrangeiros para o programa de ano inteiro. Mas aí, já nos anos 80, quando eu volto a me aproximar do AFS, por conta da Liliane, por conta da Cicinha, por num-sei-que. Sempre por convite. Luís Estevan, né? Nessa época eu continuava envolvido... Aí, o AFS já ganhava outros contornos: ele já tinha mais concorrência; ele já fazia programas voltados pra professores, pra intercâmbio de professores; programas mais curtos. Aí, ele já tava no mundo competindo por oportunidade. E eu me lembro, nessa época, de ter escrito coisas, a pedido da Cicinha, sobre programas, de algumas reuniões – fui a reuniões em São Paulo. Voltei a me envolver uma outra vez com o AFS, por um período que eu não me lembro exatamente quanto tempo durou.
P/1 – Mas e sua passagem como presidente, como que foi? Que foi de 75 a 79. Você poderia falar um pouquinho sobre essa época? O que que mais te marcou desse período como presidente da organização...
R – Eu me lembro que a gente vivia, justamente, eu acho que essa transição do AFS, se eu não me engano. Eu me lembro da gente ter indicado Sílvio Bocaneira para ser nosso representante no AFS Internacional, no conselho do AFS internacional. Eu me lembro das discussões em torno justamente dessa internacionalização do AFS. Eu me lembro, de início, de discussões sobre independência financeira do AFS do Brasil, mas eu já não me lembro detalhes. Eu me lembro das reuniões, principalmente das reuniões com Cláudio Amaral. Era uma coisa, assim, de eu aconselhar. De eu ser quase, menos board, menos conselho e mais conselheiro. Eu não me lembro de um conselho muito ativo do AFS nessa época, não. Não consigo me lembrar disso.
P/1 – Quais eram as suas atribuições como Presidente?
R – Era manter a agenda de reuniões, interagir com o Secretário Executivo, trabalhar a pauta das reuniões, acompanhar os programas, a execução dos programas, acompanhar os números, prestação de contas. Eu acho que o usual de um chear de um conselho.
P/1 – E, de alguma maneira, o AFS sentia, assim – porque de 75 a 79 também tá no contexto da ditadura militar, mas já num processo de reabertura. Então, de que forma que o AFS vivenciava isso, esse período?
R – Eu acho que, nesse período, o AFS vivenciava isso mais no início do regime militar que no final, porque as gerações já tinham mudado. A geração 68 que vivenciou o golpe era uma geração muito mais...
P/1 – Combativa?
R – É. Eu acho muito mais que sensível, né? Porque viveu uma situação anterior a isso. E isso é uma coisa gozada, assim, quando eu falo com quem não viveu isso, novas gerações, as pessoas têm dificuldade de entender o que que era o medo. Se você não experimentou uma situação de medo, por exemplo, 67 ou 68 eu não sei se eu estaria aqui fazendo essa entrevista falando o que eu to falado, porque eu não sei quem você é. Não sei quem ele é. Eu não sei o que é que vocês vão fazer, o quanto que eu tô dizendo, pra quem que vocês vão mostrar isso. Eu poderia perfeitamente hoje à noite chegar em casa e alguém aparecer lá com um filme e dizer: “Olha, você disse isso, isso e isso. Você tá preso”. Você viver com isso no teu cotidiano, no teu dia-a-dia, você se cercear de falar com uma pessoa, você falar com o motorista de táxi, falar com o teu vizinho. Tu não sabes quem é nada, desconfia de todo mundo. Então se você não viveu isso, se você não sabe o que é isso, é muito difícil de você entender isso. E aí eu acho que 20 anos depois, já pra 79, né? Foram o que? Foram 20 anos de ditadura, né?
P/1 – Isso. De 64 a 85.
R – O final do processo, já é um final, é um pouco do que o Chico Buarque diz nesse filme dele mesmo, numa entrevista que ele faz. O “Apesar de você” já ganhar, você já sabe que vai perder, então o outro não é mais um desafio, é mais ou menos um escárnio. Vocês tão de saída mesmo, já, né? Então...
P/1 – E aí então você retorna depois de ter ido pra Inglaterra, saído, retorna nos anos 80 como um voluntário?
R – Isso.
P/1 – E aí fica quanto tempo?
R – É, eu fiquei até praticamente 2-3 anos atrás. Como voluntário, entre parêntesis, porque eu nunca mais voltei a fazer recrutamento, nunca mais voltei a fazer os programas que eu fazia nos anos 60, mas voluntário como: eu passei a fazer parte do conselho fiscal, eu fui, durante algum tempo, membro do conselho fiscal e eu acho que eu só saí do conselho fiscal porque eu fui pra São Paulo, quando eu comecei a trabalhar em São Paulo, porque aí não dava pra vir pra cá nas reuniões; eu fui – como é que chama? – fiador do AFS, do aluguel dos imóveis do AFS.
P/1 – Falando sobre a sua experiência no conselho fiscal.
R – Pois é, aí, dessa vez, eu acho que eu consegui ser bastante útil.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu trazia comigo um conjunto de experiências de um conselho fiscal profissional, que eu tinha vivido e montei um conselho fiscal, e aí eu tava lidando com, assim, 240 milhões de dólares. Então eu tinha que aprender a fazer isso. (risos) E eu consegui ajudar bastante a estruturar o conselho fiscal aqui, a trazer práticas que não eram conhecidas sobre como é que faz com dinheiro pra investir, gestão de arquivos, como é que você faz com contratação de auditorias, como é que você faz com prestação de contas. Aí eu já acho que eu era sênior o suficiente. Quando eu era presidente do AFS, eu era muito júnior, pra fazer uma gestão que fizesse diferença. Dessa vez, eu já vim com 30 anos de trabalho nas costas e tendo exercido algumas funções que me davam experiência e condição de chegar aqui e dizer: “Aqui, eu posso ajudar assim, assim, assim e assado”.
P/1 – E teve algum momento que tenha marcado, ou porque o AFS passou por alguma crise financeira e foi superada, ou alguma crise econômica que o Brasil tinha passado e que refletiu na atuação do AFS?
R – Teve vários momentos, vários momentos. Eu me lembro de o AFS, internamente, estar passando por uma situação complicada na época da Liliane, eu acho. E foi que eu acho que eu ajudei a fazer alguma coisa, mas muito pontualmente em programa, desenhos de programas, em textos, em falas, em reuniões. Eu me lembro de ter ido a algumas reuniões pra expor coisas, estender pontos de vista, coisas assim. E eu acho que, nessa última vez, era um tipo de ajuste interno de contas, de economias internas e tal. E na parte do conselho fiscal, também, eu acho que eu consegui ajudar em alguma coisa.
P-1 – E aí você sai do conselho fiscal quando vai pra São Paulo? E quando que você vai pra São Paulo?
R – Eu vou em 2009.
P/1 – E desde então não tem mais contato?
R – Não, a não ser... Não, tive como contato pelo fato de, cada vez que o AFS mudasse, me pediam pra mudar carta de fiança e também porque meus filhos durante esse tempo, eu acho que o último que foi eu já tava em São Paulo. Tava. O Léo foi o último, eu acho que foi em 2010 ou 11 e a gente aproveitou que o Léo tava no intercâmbio pra gente hospedar uma menina italiana que passou um ano com a gente.
P/1 – E aí como é que foi vivenciar ser família hospedeira?
R – Gênio!
P/1 – É? E você tem quatro filhos, quatro homens, e ainda uma menina, uma outra experiência: de ser pai de uma menina.
R – Muito interessante. Muito legal!
P/1 – Teve algum choque cultural?
R – Claro. A primeira coisa é que o uniforme tradicional da casa, que é cueca, não podia mais ser usado. (risos) “Isso vai acabar, não pode mais”. E isso acabou. A Ilária é lindíssima, foi queridíssima. Uma menina excepcional, vinha do norte da Itália, de uma cidadezinha micro de mil habitantes.
P/1 – E de área rural?
R – Não é bem rural, mas campo, já quase nos Alpes e tal.
P/1 – E foi pra São Paulo?
R – Foi pro Rio. São Paulo eu vou sozinho, né? A família continua no Rio. Eu tenho um apartamento em São Paulo. Eu vou pra São Paulo todo início de semana, segunda-feira terça-feira, e volto quinta sexta, mas a família ficou aqui e a Ilária veio pra cá. Eu não tive tanto contato com a Ilária, porque eu tava boa parte do tempo em São Paulo, mas a gente armou viagens, a gente viajou pelo Brasil com ela, foi pra Amazônia com ela. Tirávamos fim-de-semana pra aqui pelo norte Fluminense, fomos à Mauá, fomos a Friburgo. Enfim, a Ilária conheceu bastante. Ela fez sozinha, pelo AFS, uma viagem pelo Brasil, foi ao nordeste, voltou. Genial a Ilária.
P/1 – E tem alguma coisa que tenha te marcado, de uma diferença muito grande de hábito, por exemplo?
R – Entre ela?
P/1 – É, entre ela e vocês.
R – Não, mais com ela do que nós. Ela quando chegou em casa, o primeiro comentário que ela fez foi porquê que a gente comia tudo junto, né? Porque lá, eles comem o legume, a folha, a carne, o num-sei-quê, num-sei-quê, separado. E aí ela ficou tão alucinada com esse negócio, que um dia a gente foi pra um restaurante e ela falou “Tem problema de eu comer macarrão com farofa?”, porque ela adorava macarrão com farofa (risos). Então essa ideia de sair misturando foi um pouco além do que devia ou podia, sei lá. A grande diferença com a Ilária foi você tomar conta de um menina de 17 anos, belíssima, nesse país selvagem e cheio de homem tarado, né? Porque como a gente sempre teve filho, a gente nunca se preocupou com isso. De repente, eu tô andando atrás da Ilária gatézima e aquele bando de homem babando atrás da Ilária e eu não sabia o que fazer. “Eu fazia ‘Para com isso. Que é isso?’” (risos e tosses)
P/1 – Acaba meio de cão-de-guarda da Ilária.
R – “Que é isso, gente? Calma” (risos)
P/1 – Você viu como é uma mulher no Rio de Janeiro, pôde sofrer.
R – Pois é, eu não sabia.
P/1 – E as mais bonitas ainda padecem por serem belas. Então, agora a gente já tá caminhando pro final da nossa entrevista e eu gostaria de fazer duas perguntinhas pra você, né? Na verdade, três.
R – Veja lá, eu tenho dentista daqui a meia hora, viu?
P/1 – Rapidinho, né? Então, o que significa ser do AFS?
R – Ok, essa é fácil. Olha, significa fazer parte de um grupo de pessoas que, não sei se todos têm essa mesma visão de mundo, mas todos têm a oportunidade de ter essa visão de mundo que eu acho que é o que nos diferencia, que é a compreensão de que não tem problema nenhum em ser diferente. De que, pelo contrário, é possível e é desejável que a gente veja o mundo a partir de pontos de vista diferentes. Eu acho que essa cidadania mundial, essa tolerância com a diversidade, pra mim é o que melhor tem no AFS. Se todos têm essa visão, não sei, mas aquele com quem convivi, aquele com quem eu passei muitos anos, amigos principais, isso era o que nos caracterizava e o que nos fazia estar juntos.
P/1 – E, o que você acha do AFS estar contando a sua história a partir de vocês, de todos aqueles que fizeram parte, que construíram o AFS, né? Os colaboradores, os voluntários, os servidores, os intercambistas. O que você acha?
R – O que eu acho muito legal, logo quando eu cheguei aqui nessa sede hoje – que eu nunca tinha vindo aqui – a última sede que eu fui, foi ali em Botafogo, foi na última casa antes dessa aqui. E que foi também uma outra tentativa minha de me aproximar. Eu fui lá umas vezes e tentei me voluntariar pra fazer parte da seleção, etc e tal, mas não sei por quê não rolou, acho que nunca me chamaram. O que eu acho interessante quando eu pedi a lista pra ver quem tinha sido entrevistado, é que, pra mim, o AFS tem alguns nomes, tá associado a algumas pessoas. E o que eu vi agora é que tem momentos, tem outras pessoas e eu estou curioso pra ver como é que esse patchwork de nomes, de grupos, de pessoas foi se montando, porque eu não tenho essa visão geral, eu não vi se montando. Eu tenho a visão dos momentos, eu tenho a visão dos pedaços que eu participei, mas certamente deve ter uma diversidade muito grande de situações, de grupos, de desejos, de influências, né? E, que eu não tenho essa visão total. Então eu estou curioso de saber se um dia vai ser possível ver esse conjunto de coisas.
P/1 – Vai, vai se possível. E, o que achou te der dado esse depoimento? Como foi?
R – Eu te falei que eu me sinto ótimo, é um retorno a uma parte de mim. Quer dizer, um retorno, não, um contato. É botar na mesa outra vez uma parte de mim que tá sempre aí e eu vou fechar essa história por uma coisa que o filho mais velho, meu filho mais velho, disse. Meu filho mais velho fez AFS pra Alemanha e ele é diplomata hoje. Um dia eu perguntei pra ele: “Por que que você quer ser diplomata?” “Porque eu quero ser um intercambista a minha vida inteira” (risos) Então, é um pouco isso, entendeu? Pra mim, pelo menos, é uma experiência que não termina. Foi com meus filhos, foi com a Hilária, é com isso aqui e eu vou ser AFS sempre.
P/1 – Então eu gostaria de, agora, agradecer, gostaria de continuar com a nossa entrevista, mas infelizmente temos que terminar. Mas, agradecer à sua presença, muito obrigada pela sua contribuição, pela sua participação e agradeço em nome do Museu da Pessoa e do AFS Intercultura Brasil.
R – Muito obrigado. Eu é que agradeço. Foi um prazer pra mim.
P/1 – Valeu.
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