~P/1 – Seu Aníbal, boa tarde
R – Boa tarde
P/1 – Queria agradecer, em nome do Museu da Pessoa, do senhor estar aqui hoje com a gente, muito obrigada. Eu queria começar fazendo uma pergunta muito simples: Qual o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R – Aníbal Lopes, na...Continuar leitura
~P/1 – Seu Aníbal, boa tarde
R – Boa tarde
P/1 – Queria agradecer, em nome do Museu da Pessoa, do senhor estar aqui hoje com a gente, muito obrigada. Eu queria começar fazendo uma pergunta muito simples: Qual o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R – Aníbal Lopes, nascimento dez de junho de 1922
P/1 – Onde o senhor nasceu?
R – É um patrimônio, chama-se Restinga
P/1 – Na cidade?
R – De Franca
P/1 – Interior de São Paulo?
R – Interior de São Paulo
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Miguel Lopes Sales
P/1 – E da sua mãe?
R – Maria Floriano Molina
P/1 – E dos seus avós, você se lembra o nome?
R – Ah minha filha, não lembro
P/1 – Não lembra. O que os seus pais faziam?
R – Ele trabalhava com pedras, canteiro. Aquelas pedras de rua, calçada
P/1 – Pavimentação?
R – Pavimentação, paredes
P/1 – E a sua mãe?
R – Mamãe era doméstica
P/1 – E o senhor cresceu em Franca?
R – Saí de lá com oito anos
P/1 – Me conta um pouquinho o que o senhor lembra da história dos seus pais, como eles se conheceram?
R – Olha, meu pai, a gente até conversava com ele, falava em castelhano com ele, mas não tive muita intimidade de saber dos meus avós. Só via fotografia dos meus avós, mas não conheci
P/1 – O seu pai nasceu onde?
R – Na Espanha, Almeria
P/1 – E ele veio pro Brasil em que época? Mais ou menos, não precisa ser exato
R – Ele veio pra Argentina primeiro
P/1 – Ah, ele veio pra Argentina. Por que ele veio, o senhor sabe?
R – Não sei. Eu acho que naquele tempo tinha o café, depois ele teve dois filhos, dois espanhóis; veio pra Argentina, teve dois argentinos e depois ele veio aqui pro Brasil. Na Argentina, o meu irmão mais velho, o José, era de 1903, parece. É. E minha irmã não me lembro. O meu irmão depois, o primeiro argentino, 1915 e o segundo 1916. Aí, veio aqui pro Brasil
P/1 – E depois da Argentina, o senhor lembra em que cidade da Argentina ele morou?
R – Depois da Argentina meu pai veio pra Franca, pra fazenda. Aqui que eu nasci. Ele teve uma em 1918, um em 20, eu em 22 e outro em 1928
P/1 – E o senhor lembra como ele conheceu a sua mãe?
R – Não lembro, filha, não sei
P/1 – Tudo bem. E o senhor comentou que tem quatro irmãos aqui no Brasil. Qual o nome deles?
R – Uma era Maria Açoriana Lopes, Aurélio Lopes, depois Aníbal Lopes, que sou eu, e Valeriano Lopes
P/1 – E todos vocês cresceram em Franca juntos?
R – É, em Franca
P/1 – Me conta um pouquinho...
R – Depois nós fomos pra Birigui, em 1930, eu tinha oito anos
P/1 – Antes de chegar em Birigui, eu queria saber como era a sua casa lá em Franca?
R – Ah, a casa era de fazenda.
P/1 – Como era essa fazenda?
R – Eu tinha oito anos, filha, eu não me lembro. Era casa de fazenda, aquelas filas de casas nas fazendas. Plantava pra comer e colhia café
P/1 – Como que era plantar café?
R – Ah, café, aí eu não sei porque eu tinha oito anos e quase não ia, ficava mais em casa. Mas a plantação você faz a mudinha, diversas, depois leva no terreno e planta café
P/1 – O senhor é um dos irmãos mais jovens.
R – Quase fui o caçula
P/1 – O penúltimo?
R – É, penúltimo
P/1 –Os seus irmãos mais velhos então trabalhavam mais?
R – Trabalhavam, trabalhavam
P/1 – E o que o senhor fazia em casa enquanto eles iam pra lá?
R – Ah filha, eu era ainda pequeno. Agora, quando comecei ir na roça tinha mais ou menos uns dez anos, foi lá em Birigui, fazer plantação, colher café, arroz, plantar feijão. Meu pai trabalhava de podar café pro dono da fazenda, seu Nicolau
P/1 – Ah entendi, seu pai trabalhava pro seu Nicolau
R – É, pro seu Nicolau. E nós tinha café a meia, tinha terreno, plantava café e tinha terreno limpo também pra fazer plantação
P/1 – Pra vocês?
R – É, pra gente. Arroz, essas coisas. Agora o café era colhido, levavam uma parte pro terreiro da fazenda, cercava e depois dividia, a metade era pro patrão e a metade era pra nós
P/1 – Entendi. E quais eram as brincadeiras daquela época? Quando o senhor ia brincar com seus irmãos do que vocês brincavam?
R – Ah, eu fazia bola de meia, a gente brincava. Tinha campo de bola, era mais bola, futebol. À noite ia pro Jardim, era perto da cidade a fazenda do seu Nicolau, a gente ia pro Jardim e ficava lá até umas nove horas e vinha pra casa (risos)
P/1 – E brincava com os vizinhos também?
R – Brincava também. Festa junina, ah, fazia fogueira e a gente visitava, tinha uns tios lá que soltavam rojão. Nossa, eu tinha uns primos que eram animados, aqueles foguetinhos, bomba. Eu não era muito entusiasmado assim, não, mas a gente visitava, quase todos faziam fogueira, ia descendo a colônia
P/1 – E qual era a comida que você mais gostava na festa junina?
R – Junina? Não me lembro. Você sabe, no interior não tinha muita coisa pra escolher, entendeu?
P/1 – Mas o senhor lembra de uma comida que sua mãe cozinhava e que o senhor fecha os olhos e ainda lembra do sabor, do cheiro, tinha?
R – A gente comia muito polenta
P/1 – Polenta
R – Polenta a gente comeu muito, ainda mais na guerra de 32. Eu me lembro que a gente levava almoço pros meus irmãos num caldeirão e todo mundo comia no caldeirão
P/1 – Todo mundo comia junto
R – Junto
P/1 – Nossa, como que era isso?
R – Aí que depois minha mãe mandava prato, essas coisas assim. Mas eu me lembro uma vez (risos), pode contar?
P/1 – Pode contar tudo
R – Uma vez era frango, outra hora outras coisas. Eu fui pegar um pedaço de frango e meu pai me deu uma bronca. Eu passei uma vida, não era muito agradável aquele tempo
P/1 – Porque não tinha muito frango pra todo mundo, é isso?
R – Não, tinha, tinha. Mas era coxinha, era asa, era peito, essas coisas. Mas eu cismei de pegar e ele me deu, não achou ruim, mas a gente teve uma vida... Era mais arroz e feijão, e tinha horta. No fundo tinha mangueirão, mangueirão você sabe o que é
P/1 – Não, o que é?
R – Chiqueiro, os porcos. Criava porco. Aquilo lá, carne de porco. Minha mãe fazia gordura, colocava numa lata de 20 litros, a carne conservava ali. Então quando ia fazer ela pegava aquela gordura, derretia. Assim foi a vida que a gente vivia lá no interior
P/1 – Era aquele fogão a lenha dentro de casa?
R – A lenha, a lenha. Eu me lembro que eu subia no fogão pra esquentar no frio, nossa! (risos) Uma vez me queimei aqui a perna
P/1 – E o senhor mencionou que foi pra Birigui com dez anos
R – Com oito anos
P/1 – Com oito anos. Como que foi essa mudança de Franca pra Birigui? Por que vocês mudaram?
R – A gente foi pra Birigui, a gente fazia baldeação em Bauru
P/1 – Baldeação?
R – O trem.
P/1 – Ah, ia de trem
R – É. Ah, não tinha ônibus assim
P/1 – Como era o trem?
R – Era trem de passageiro, mas não é que nem esse mais moderno, era de madeira. E em Birigui a gente viveu aquela vida, fiquei até os 15 anos em Birigui. A gente ia noitear no Jardim, a gente já começava a namorar um pouquinho assim (risos)
P/1 – Mas por que vocês foram pra Birigui?
R – Ah, por causa do café
P/1 – Também café
R – Ali era café novo, a fazenda tava, o seu Nicolau era o dominador da zona noroeste
P/1 – Era dele também a fazenda
R – Do seu Nicolau. Ele que era o dono. Tinha as casas assim, depois (inaudível)
P/1 – Não entendi
R – A casa dele no centro, mais ou menos, da fazenda, perto já da cidade a casa. Ele tinha fazenda. Não era longe o cafezal, não
P/1 – Como era essa casa em Birigui, o que o senhor lembra dela?
R – Da casa dele?
P/1 – De Birigui
R – Ah, a casa era casa de colônia. Era quarto, aquela janela fechada com tramela. Chão. Tomava banho de bacia. Puxa vida (risos). A cama era de madeira
P/1 – E o senhor dormia com os quatro irmãos? Como é que era?
R – Dormia em dois, três. Tinha quatro quartos a casa, então dividia. As duas irmãs, minha mãe, meu pai e depois meus irmãos. Dormia três ou quatro juntos num quarto só. Aqueles colchões de palha, você chegou ver?
P/1 – Não, nunca vi
R – Não?!
P/1 – Como que é?
R – Tinha os buracos, remexia a palha. A palha de milho, entendeu? Ele ficava fofo e quando dormia ele arriava (risos). Ai ai
P/1 – E nessa época o senhor já foi trabalhar na roça
R – Aí eu tinha 13 anos, eu fazia carrinhos. Pegava essa lata de marmelada, naquele tempo tinha aquela lata de marmelada retangular, mais ou menos 15 por 20, pegava carretel, cortava no meio assim e pegava uma varetinha e fazia o eixo e colocava assim. Furava na latinha assim, seria isso a lata, só que era menor assim, furava e colocava os eixos aqui, e era o carrinho. Colocava uma linha. E trenzinho, pegava as folhas de bananeira, cortava os gominhos assim, mais ou menos, ia no pé de café cortava os forquilhas, enfiava assim e fazia aquele conjunto de vagões (risos). Ai meu Deus do céu, quanta coisa! E na máquina a gente colocava algumas coisas em cima pra imitar que era máquina de café
P/1 – Que coisa, o que era?
R – Umas coisas redondas, um canudinho, podia ser até de folha de mamão, colocava em cima. Eu ia nos mamoeiros, tinha aqueles mamões verdes e fazia desenho. Meu pai então viu aquilo lá, eu tinha 13 anos, eu não gostava da roça. Uma vez eu fingi que tava com dor de cabeça (risos), eu fugia da roça. Aí tinha um amigo do meu pai que era genro do meu padrinho de crisma, trabalhava na cidade, meu pai me levou lá, conversou com ele e aí comecei a trabalhar com 13 anos lá na cidade. Ia e voltava, não ficava, porque era perto a cidade. Comecei a trabalhar de marceneiro
P/1 – O senhor começou a fabricar os brinquedos com uns 13 anos
R – Sim, e criança na roça já fazia muita coisa, brinquedos
P/1 – O senhor se lembra do primeiro brinquedo que o senhor construiu?
R – Ah, foi esse carrinho de lata de marmelada. E carrinho de forquilha. Pegava aqueles carrinhos pra gente sentar...
P/1 – O que é forquilha?
R – Forquilha? É qualquer coisa que era assim ó, ele vinha com dois galhos e terminava em um galho só. Seria isso assim, aqui terminava. Eu fazia a roda com facão, pegava as tábuas assim, fazia a roda com facão e colocava atrás duas rodas e na frente duas rodas. E aqui na frente era... A forquilha era assim, ó, assim. Aqui tá eu aqui, e aqui a gente sentava, colocava uma tábua em cima da forquilha e aí era o assento. E colocava duas cordinhas na roda da frente que era pra manejar a roda da frente, pra virar, essas coisas
P/1 – E o senhor fazia esse brinquedo pra todo mundo?
R – Hein?
P/1 – Todo mundo pedia brinquedo, como era?
R – Muitos faziam. Eu me divertia assim, fazia carrinho com caixão. Uma vez nós tínhamos um carrinho, eu e meu irmão, amarramos numa carroça e as carroças lá, ela levava esterco pra fazenda, pra cafezal, palha de milho, de arroz, palha que as máquinas beneficiavam. Então não sei se eles vendiam naquele tempo, sei que eles vinham pegar, mas acho que dava de graça, o fazendeiro pegava pra levar pro cafezal pra estercar a terra, assim. E meu irmão, nós tínhamos um carrinho com um caixão (risos), eu amarrava atrás de um carroça e subimos os dois no carrinho (risos), arrebentou e ele achou ruim comigo, deu uma bronca
P/1 – Aníbal, o senhor chegou a ir pra escola nessa época?
R – Eu não cheguei, meu irmão caçula que entrou no grupo lá em Birigui. Eu aprendi com meu irmão, o Zé. Nós moravámos na mesma colônia, ele morava perto da gente e eu estudava à noite. Depois eu fui pra cidade e comecei. Eu fiquei lá, meu pai veio em 37, eu fiquei um ano na marcenaria na casa, tinha uma irmã lá, fiquei um ano lá na casa dela até 38. E lá eu estudei com um professor à noite pra ter mais um esclarecimento, aí eu aprendi bem as quatro operações, mas não lia muito. Mas não tive diploma não
P/1 – Mas o senhor gostava do professor?
R – Gostava, filha, até que gostava. Aí eu já pagava à noite pra ele
P/1 – E me conta como é que foi, o seu pai descobriu o seu talento pra fabricar as coisas e depois
R – Ele viu que eu fazia aquelas coisas em casa. Eu gostava mesmo de fazer coisinhas assim, mesmo na roça, então ele me pôs lá e eu fui direto. Aí fiquei lá um ano, em 38, e em 38 eu vim pra São Paulo, com 15 anos
P/1 – Mas o senhor começou a trabalhar em Birigui
R – Em Birigui
P/1 – O que o senhor fazia? Onde que era esse trabalho?
R – Lá? Tinha uma marcenaria, fazia móvel, banquinho, fazia mesa, cristaleira, ajudava assim, já fazia alguma coisa. Mas eu comecei a aperfeiçoar mais aqui na capital, eu já comecei a entrar em marcenaria aqui. Eu vim pra cá, pode falar?
P/1 – Pode, mas deixa eu perguntar antes uma coisa. O senhor falou que quando foi pra Birigui já começou a namorar.
R – Ah sim, ali já tinha 15 anos. Não ainda não, que eu fui com oito anos, mas quando eu tinha uns 12, 13 anos, mas de brincadeira assim.
P/1 – O senhor lembra da sua primeira namoradinha?
R – (risos) Lembro assim, ela era... Até eram duas gêmeas, ela eraforte, viu? Mas eu não cheguei namorar de passear não, só ali de olhar. Agora aqui em São Paulo eu nunca fui muito de namorar, mas a idade vai puxando, vai puxando e a gente vai se entusiasmando
P/1 – Me conta um pouco então dessa vinda pra São Paulo, quando que aconteceu?
R – Quando eu vim?
P/1 – É
R – Em 38
P/1 – E veio só o senhor ou veio a família?
R – Não, vim eu, a minha irmã com o filhinho de um ano, que ela ficou lá também. Ela tinha, essa era de 1918
P/1 – E veio só o senhor e a sua irmã?
R – É, viemos os três
P/1 – E o filhinho
R – É, quatro. Eu, meu cuunhado, ela e o filhinho
P/1 – Por que veio só vocês dois, só os irmãos?
R – Não, vim eu, eu fiquei lá sozinho. Então veio eu, minha irmã que é casada, o marido e o filho dela, meu sobrinho, os quatro
P/1 – E onde vocês se estabeleceram quando chegaram?
R – Ah, na Rua Diana
P/1 – Onde é?
R – Vila Pompeia, paralela com a Caiowa, com aquela outra, que sai de lá do Palmeiras, como que chama?
P/1 – Antartida? Pacaembu?
R – Não filha, Rua Diana, tinha a Caiowaa, a rua, aquela lá... Tinha a Cotoxó, a Augusto Miranda, todas que sobem assim. Rua Caraíbas, paralela com a Diana
P/1 – E como foi essa chegada em São Paulo, o que senhor sentiu quando chegou aqui?
R – Ah, eu gostei, viu?
P/1 – Qual foi a primeira impressão?
R – Eu gostei. Era um sobrado, a gente olhava lá, via Santana. Sabe, naquele tempo não tinha quase casas. Eu gostei. Aí arrumei um serviço na Rua Diana mesmo, numa marcenaria e comecei a trabalhar
P/1 – Mas como era São Paulo nessa época?
R – Ah filha, naquele tempo era, nossa, tão bom! Eu pegava o bonde. Depois eu mudei de marcenaria, fui pra Canindé, já ouviu falar no Canindé? É lá pro lado onde o São Paulo tinha o campo, tem a Portuguesa de Esporte. Eu ia de bonde. Agora aí na Rua Diana eu fiquei de 38 até 40... fiquei uns três anos. Ali eu pratiquei bem, fiz ferramentas, essas coisinhas todas, tinha que comprar uma ferramenta e comecei já a fazer cadeira, essas coisas. E me aperfeiçoei um pouco
P/1 – O senhor ia de bonde todo dia trabalhar?
R – Não querida, eu morava perto na Rua Diana, era perto de casa
P/1 – Mas no Canindé era outra marcenaria?
R – Aí eu mudei pro Canindé em 42. É, fiquei uns três, quatro anos ali na Rua Diana. Fui pra Canindé e fiquei até os 47, cinco anos fiquei lá. Eu ia de bonde, o cara dura
P/1 – O que é cara dura?
R – Cara dura era um bonde mais barato, ele era até verde
P/1 – E por que chama cara dura?
R – Porque era mais barato (risos). Era o mais baratinho, pagava um centavo, os outros eram dois centavos. Não era centavo, não sei qual era o valor, eu sei que o dinheiro mais alto era contos, contos de réis. Pegava ele às seis horas, ia trabalhar, entrava às sete e meia. Era uma vida gostosa, viu? Com aquele frio, nossa senhora! Porque era um bonde aberto. Era aberto. Ele tinha as cortinas, mas às vezes, quando não tinha a gente ficava na frente também. Tinha uma vidraça pro condutor manejar o bonde, mas tinha lugar pra entrar. Quando os bancos enchiam assim, a gente ia lá na frente. E o cobrador ia cobrando o banco, aquela fileira assim, tin tin tin tin. Mas no frio era um pouquinho puxado, viu?
P/1 – E como era a sua rotina no Canindé?
R – Ah, trabalhava, saía de lá e vinha. Aí eu comecei a estudar também, fiz a unidade de quadra que era a Segunda Categoria do Exército. Tinha o Coleirinha, a farda era amarela, amarela era outro setor, e tinha a do Exército que era farda verde mesmo, soldado assim, com polaina, quepe. E tinha aqui na volta uma coleirinha branca assim. E a gente pagava o bonde, então eu fiz um ano aquilo lá, um sacrifício
P/1 – No Exército?
R – Não era Exército, a gente fazia à noite. É, treinava à noite, ia pro quartel
P/1 – Mas como era essa treino?
R – Fazia exercício. Pegava, saía em frente ao quartel na rua assim, pegava o fuzil, fazia instrução. E de domingo a gente ia fazer física nos campos. Ia lá pro lado da Mooca, era tudo campo ali na Mooca, era tudo vazio. O quartel que eu ficava era Terceiro do Quarto RI. Ficava ali na Dom Pedro II, acho que ainda tem esse quartel, ainda tem. E fazia instrução, treinava tiro, fazia caminhada com o fuzil na mão assim
P/1 – E por que isso? Por que o senhor foi?
R – Tinha que fazer.
P/1 – Era obrigatório?
R – Era obrigado. Tinha que fazer o Exército,Primeira Categoria, ou Segunda. Então pra eu não ir no Exército eu fiz a carteira Segunda Categoria
P/1 – Isso era em que ano, mais ou menos?
R – Isso era em 42, 43
P/1 – Já tinha passado a Revolução?
R – Já, a Revolução eu assisti lá em Birigui. Em 32, a Revolução eu assisti lá em Birigui
P/1 – O que o senhor lembra da Revolução?
R – Da Revolução, acho que de soldado que ia daqui de São Paulo pra lá, ia no trem. A gente vendia leite pra eles
P/1 – Como que era isso?
R – Eles iam de uma cidade pra outra. A companhia era dividida, então eles paravam o trem na subida, era uma subida, e a gente vendia leite pra eles. Era uma coisa interessante, viu? E depois, eu tirei Segunda Categoria e meu irmão, que eu era mais velho, ficou na Primeira Categoria e serviu o Exército, ele é da Cavalaria, quase que ele chegou ir lá pra Itália
P/1 – Na Segunda Guerra
R – Ele chegou a ir daqui de São Paulo até Espírito Santo, dali ele escapou, não chegou a ir na guerra
P/1 – E na Segunda Guerra o senhor já tava aqui em São Paulo?
R – Sim
P/1 – O que o senhor lembra?
R – Eu tava fazendo essa segunda categoria no tempo da guerra
P/1 – Como que era estar no Exército nessa época?
R – Bom, como eu estava fazendo aquilo não tinha perigo. Segunda categoria, só se fosse muito atacado, mas não chegou a ser atacado assim. O Getúlio mandou tropa pra lá. O Getúlio foi um safado, viu?
P/1 – Por quê?
R – Ele foi um ditador muito severo. Naquela época ele pôs pra pagar o INPS, a única coisa que ele fez, mas ele ficou muito tempo na ditadura, viu? Teve uma eleição em 45, foi a primeira eleição que eu votei, foi no tempo do Luís Carlos Prestes, teve ele como candidato que era Fiuza, eu votei pro Fiúza, não votei pro... Meu pai era comunista, viu?
P/1 – Ah, seu pai era comunista?
R – Meu pai era comunista. A tendência dele porque tinha o integralismo que era a Itália, Mussolini, o Hitler, era integralista. E a Rússia era o comunismo. O Prestes naquele tempo era. Sabe quem foi candidato naquela época em 45? Acho que votei pra ele, o Jorge Amado, aquele baiano
P/1 – O escritor?
R – É, o escritor Jorge Amado. Ele foi deputado por São Paulo, eu votei pra ele. E votei pro Fiúza (risos). Aí começou
P/1 – O seu pai era comunista
R – Era. Uma vez teve entrevista do Luís Carlos Prestes com aquele padre Sabóia, nossa, meu pai ficou até! Ele gostava de assistir. Meu pai não sabia ler, é, não sabia ler
P/1 – Mas ele entendia de política?
R – Entendia. Ele entendia, quando eu morava lá, ele comprava o jornal e eu lia pra ele. Ele gostava de saber das notícias
P/1 – O senhor lia pra ele?
R – Lia, lia o jornal pra ele. Só que eu conversava em castelhano pra ele, mas ele entendia também o português, é claro
P/1 – E o senhor lembra das notícias que o senhor lia pra ele no jornal?
R – Ah filha, agora não me lembro mais
P/1 – Mas não tinha uma notícia que impactou bastante? Na época da guerra
R – Não que eu me lembre. Sabe, o Hitler ia invadindo, eu ouvia, naquele tempo não sei se já tinha televisão. Não, não tinha, televisão veio em 51, 52, uma coisa assim. Mas depois apareceu, mais tarde apareceu a fotografia, apareceu na televisão lançando aqueles bombardeios.
P/1 – O senhor acompanhava a guerra pelo rádio?
R – Pelo rádio, a gente escutava
P/1 – E o senhor lembra do dia que acabou a guerra, como é que foi?
R – Lembro! Acabou em 45, até eu fui pra trabalhar no Canindé, que eu trabalhava lá, e o patrão disse, ‘não tem trabalho’. Quando os Expedicionários brasileiros chegaram na Estação da Luz eu fiquei ali naquele morro. Ó, mas tava assim de gente, nossa, uma alegria
P/1 – Foi uma festa?
R – Uma festa. No começo da Tiradentes parece. Uma festa. Tem até uma estátua lá, tiraram aquela estátua, uma estátua de um general. Eu fiquei no Canindé até 47, aí eu voltei pra trabalhar aqui pra Lapa
P/1 – Então me conta um pouquinho como que era a sua rotina na Lapa. O senhor foi morar onde?
R – Não, morava no mesmo lugar, na mesma casa que meu pai comprou em 39. Nós morávamos na Rua Diana em 38, em 39 ele comprou uma casa
P/1 – E aí ele veio de Birigui, é isso?
R – É, quando veio de Birigui e ficamos ali no bairro da Vila Romana. Até agora eu to ali, desde 39, ali perto da Rua Sepetiba. Tem diversas ruas.
P/1 – O senhor é um patrimônio, então, da Vila Romana!
R – Ah, olha! Ali a rua chamava Apodi. Agora tem diversas ruas lá. O nome indígena Sepetiba. Uma chamava Mangaratiba, tiraram, mudaram o nome. Tinha diversos nomes ali
P/1 – O senhor sabe o significado?
R – É indígena, nomes indígenas
P/1 – Mas o senhor sabe o que significa exatamente?
R – Essa rua não sei, viu
P/1 – Não tem problema
R – Eu não gravava as coisas. Que nem música, eu nunca gravei, interessei. Gostava de escutar
P/1 – E seu Aníbal, nessa casa morava todo mundo junto?
R – Todo mundo, a família toda
P/1 – Como que era?
R – Bom, ali, a mais velha, espanhola, ficou em Birigui. O outro não morou ali, parece, ele foi morar pra lá de Marília, o outro casal. Ali moraram os quatro brasileiros. A casa tinha dois dormitórios, sala, cozinha. Era poço
P/1 – Tinha poço?
R – É. Minha mãe, nossa, cozinhava em fogão de lenha assim. Às vezes tinha aquele fogão de carvão também. O vendeiro trazia o pão em casa de madrugada, o leite. Assim é a vida
P/1 – E como era nessa época? O senhor acordava que horas pra trabalhar?
R – Ah, cinco horas, cinco e meia, já pegava o bonde. Às vezes não pegava todo dia o cara dura, pegava o outro mais tarde. Depois veio o camarão
P/1 – O que é camarão?
R – Camarão é um bonde fechado, você não conhece?
P/1 – Não
R – Não?!
É fechado, um bonde maior e fechado. É que lá já tem a catraca. Você entrava nele que nem o ônibus
P/1 – Aí o senhor saía cedo pra trabalhar
R – Pra trabalhar, começava às sete e meia e saía às cinco horas. E quando eu fiz o Exército saía de lá, vinha pra casa , jantava, me trocava e voltava pra cidade de novo. Ficava até onze horas, um ano de sacrifício, viu? E só não ia de quarta-feira, o resto toda noite ia fazer aquele exercício lá, cumprir a obrigação
P/1 – Foi um ano fazendo isso?
R – Um ano e tirei o documento de Segunda Categoria. Eu me lembro que nós estávamos tratando os documentos, eu e mais três, amigos ali de perto, a gente ia junto e fomos tirar uma fotografia na Praça da República. Tinha umas pedras lá, não tem mais, eu fui outro dia lá não tem mais aquelas pedras, em cima das pedras tiramos fotografia. Já morreram os três, só tem eu, puxa vida
P/1 – Quem eram esses amigos?
R – Um chamava Paulo, o outro Vicare, o outro, não me lembro agora. Ah, chamava Pedro!
P/1 – Pedro. E eles trabalhavam com quê?
R – Um trabalhava na Melhoramentos, o outro ultimamente fazia janela persiana e o outro, o pai dele tinha marcenaria
P/1 – Também
R – Também, o pai dele tinha marcenaria
P/1 – E nessa época o senhor tinha quantos anos, mais ou menos?
R – Que eu fiz o Exército?
P/1 – A época que você saía com esses amigos?
R – Bom, aí foi quando eu fiz o Exército tinha uns 20 anos
P/1 – Como que era o seu trabalho nessa época? Era na marcenaria?
R – Na marcenaria. Que nem essas coisas, esses objetos assim, que nem esse aqui, eu ia de domingo
P/1 – Pode mostrar
R – Eu ia de domingo e fazia lá na marcenaria
P/1 – Qual é a história desse?
R – Eu ia nas lojas, eu via os desenhos, então matutava, eu falava: “Eu vou fazer esse boneco”, então fazia. Agora esse aqui não tinha, eu que inventei da minha ideia. Tem aquele da concertina…
P/1 – É um caipira.
R – É um caipira tocando pandeiro.
P/1 – Que madeira que é essa?
R – Ah, uma madeira fraca. Acho que é, poxa, não me lembro, é uma madeira molinha, não era mogno, não, naquele tempo não tinha mogno. Naquele tempo era cedro, acho que é cedro isso aqui
P/1 – Seu Aníbal, eu não conheço nada de marcenaria, me conta um pouquinho, naquela época o que o senhor mais fabricava, o que as pessoas pediram mais?
R – Eu comecei a fazer móveis, eu ia tirar na tora. A gente ia na serraria, escolhia a tora e mandava cortar. Não eu, eu era marceneiro, mas os patrões escolhiam as toras e mandava cortar mais ou menos dois centrímetros de espessura, um centímetro, três, quatro, cinco, até dez centímetros de espessura, fazia aquelas pranchas. Aí vinha pra marcenaria, a gente entabicava ela, você sabe o que é entabicar?
P/1 – Não
R – Pegava, colocava num terreno assim e colocava umas travessinhas de madeira, mais ou menos assim, pra ela ir secando. Colocava três, uma no meio e duas na beirada pra madeira ir secando. Era assim. E depois tinha que lavrar ela
P/1 – O que é lavrar a madeira?
R – Pegar pra fazer o móvel, às vezes pegava a prancha. Bom, aí já é lavrada, cortada na serraria, é lavrada que fala. E depois a gente tinha que pegar as coisas pelo desenho, ia fazer o montante do armário, do móvel, pegava uma régua comprida, cortava. Primeiro cortava no comprimento de acordo com o que precisava do comprimento. Aí riscava, passava na serra de fita, aí ia na desempenadeira, uma máquina, você não sabe qual é a máquina (risos). É uma máquina com umas facas, ela é larga assim, uma mesa grande de ferro, ela trabalha com rolo, as facas, então você vai passando ela, desbasta dois cantos. Ela fica quadrada. Aí passa na turquia
P/1 – O que é isso?
R – Turquia é uma outra máquina que trabalha com serra. Ela tem um eixo assim, vai até a mesa, até o eixo e ele trabalha, tem a serra e fazia o tamanho que queria, de cinco centímetros quadrados. E assim depois ia pra furadeira, furava, aí fazia a espiga
P/1 – O que é espiga?
R – Espiga é uma travessa encaixar no montante, um atrás e outro na frente. Só que o da frente é quadrado e o de trás não, era mais ou menos cinco por dois, na frente não tinha que ser cinco por cinco, pra mostrar a largura da frente
P/1 – E fazia os detalhes do móvel também?
R – Sim, também fazia almofada, tinha que fazer canal, tinha as almofadas e a tábua, a madeira fininha de um centímetro
P/1 – E o que era mais difícil de fazer naquela época?
R – Tudo era difícil, trabalhoso, mas se tornava fácil porque a pessoa sabendo fazia tudo direitinho. Só que naquele tempo era mais madeira maciça, não tem como agora, compensado, folha, agora tá uma coisa bem mais fácil. Ainda veio a fórmica que facilitou também
P/1 – A madeira maciça é mais pesada.
R – Pesada. Fazia cada móvel bonito, entalhado, desenho. Cadeiras com aqueles frontões. O buffet, naquele tempo se fazia o bufê, tinha o bufê e o itajé
P/1 – O que é itajé?
R – O bufê era maior, o itajé era menor. Depois tinha cristaleira também, tudo quase, coluna era assim, e vidro. Maioria vidros assim. É um trabalho muito bonito, nossa, era artístico mesmo. Agora, agora é tudo compensado, fórmica
P/1 – Qual é a diferença de trabalhar com essas madeiras?
R – Agora é mais fácil, você já pega o compensado, corta, se vai fórmica corta a fórmica e cola com cola de fórmica, tem que passar. Antes não tinha cola de fórmica, era um pó, acho que chamava cascamito. Era um pó, misturava com a água e tinha que mexer bem. E tinha o tempo certo pra espalhar. Podia esperar até umas duas horas, a gente fazia aqueles fiancos de compensado, mais ou menos, tipo assim, de 50 por dois metros de altura, passava e colocava. Aí era na prensa. A prensa era uma prensa grande, colocava. Assim, tinha as pranchas, colocava e depois tinha a coisa de ferro pra apertar. Daí umas três, quatro horas podia tirar, ou no outro dia tirava. Aí ficava coladinha a fórmica
P/1 – Quantas pessoas trabalhavam com o senhor?
R – Ah, tinha muita. Tinha marcenaria que tinha dez, outra oito, seis. Tinha marcenarias grandes
P/1 – A sua marcenaria tinha quantas pessoas?
R – Eu não tive marcenaria, tive só dois anos com um sócio
P/1 – Mas nessa que o senhor trabalhava...
R – Eu trabalhei mais de empregado. E também larguei um pouquinho e fui trabalhar no comércio, vender roupas
P/1 – Ah, eu vou querer saber dessa parte!
R – É?! 20 anos eu trabalhei vendendo roupa
P/1 – Então me conta, por que o senhor deixou a marcenaria?
R – Foi um amigo, até parente lá do meu cunhado, eu tava já fazendo bico. Eu larguei da marcenaria e fazia bico, conserto; eu fiz telhado, assoalho, fiz de tudo. Então ele falou: “Você não quer fazer um negócio comigo? Eu to fabricando calções, você não quer ser vendedor?” Eu experimentei, isso foi em 62. Eu comecei e deu certo, viu?
P/1 – Por que o senhor largou a marcenaria um tempo?
R – Porque comecei a negociar mais coisa, só um tipo de mercadoria, eu ia vender nas feiras. Naquele tempo tinha as feiras cheias de mercadorias, principalmente roupa. Agora não tem, agora tem pouca, você vê nas feiras, não se vê roupa, tem alguma. Poucas, mas antes não. Então eu vendia, deixava uma dúzia, duas, pra um, pra outro. E eu ia com sacola. Eu pegava duas sacolas, uma eu deixava na Lapa e a outra eu ia pra Osasco, Carapicuíba
P/1 – Deixava na loja ou deixava com as pessoas?
R – Aí na Lapa deixava na banca de uma freguesa pra guardar. E a outra eu pegava e ia pra Osasco e vendia. Aí comecei a vender mais mercadoria. Um me fornecia conjuntinho de menina, aí comecei a evoluir. Depois, em 62, eu comprei um carro. Mas naquele tempo, eu construí o sobrado onde eu moro em 60, fiquei com dívida, viu? Fiquei com a metade da dívida, naquele tempo era 500 mil réis, não sei se era, eu gastei 250, fiquei devendo 250, comecei a negociar, negociar, em três anos eu paguei a dívida, comprei um carrinho velho. Aí já levava no carrinho e me facilitava, viu? Naquele tempo você contava o horário certo, mas se eu pegasse agora pra fazer isso, mas não dava pra fazer nem uma feira, eu fazia três, quatro feiras. Carapicuíba, Osasco, Santana, Pinheiros, Pirituba, tudo aquelas redondezas eu ia
P/1 – Quem entregava as roupas pro senhor?
R – Tinha esse fabricante que me entregava. Às vezes, ele não podia me entregar e eu ia lá buscar, depois quando tinha carro. Ele morava no Jabaquara. Depois tinha outro que morava lá pelo lado de Presidente Altino, ele que fabricava, ele tinha banca, começou a fabricar conjuntinho de criança e ele me trazia aquele saco cheio. E paguei a dívida em três anos, comecei e graças a Deus acertei bem
P/1 – E seu Aníbal, a gente deu um pulo nessa história
R – Deu, deu
P/1 – Eu queria entender, o senhor chegou a casar?
R – Ah, casei. Casei em 47
P/1 – Casou em 47. Onde o senhor conheceu a sua esposa?
R – Ali perto, era vizinha
P/1 – Era vizinha?!
R – Era vizinha
P/1 – E como é que começou a história de vocês?
R – Ah, a gente ia em bailinho, aqueles bailinhos de fim de ano. Eu quase não ia em salão, a gente se reunia e fazia baile sábado na casa de um, na casa de outro pelo rádio. Tem aquelas músicas do Francisco Alves, Carlos Galhardo, Orlando Silva e a gente se divertia fazendo aquele bailinho e conhecemos. Mas antes disso eu namorei umas duas, mas não deu certo
P/1 – Onde que o senhor conheceu as namoradas?
R – Ali perto de casa, vizinho. Ela tá aí na fotografia. Você viu? Não sei se você viu. Tá sim, num livrinho
P/1 – Depois a gente vê, depois eu quero ver. E o que vocês faziam pra se divertir naquela época?
R – Ah, a gente ia lá na Lapa. Dançava ali no bairro, mas no salão a gente quase não ia. E a gente ia na Lapa fazer o footing. Sabe o que é o footing? Ali na Rua Doze, os homens passavam pra lá e as mulheres subiam. E a gente descia a Lapa, subia, aquele trajeto
P/1 – Aí cumprimentava
R – Aí vinha pra cá, ia no cinema, também tinha muito cinema. Aí na Lapa teve muito cinema, vixi
P/1 – O senhor ia bastante no cinema?
R – Ia, todo domingo a gente ia no cinema. E de semana eu ia assistir bang-bang, de segunda-feira. Aí eu me distraía bem também. Mas de sair em salão quase não ia, não
P/1 – E essa sua esposa, como é que ela chama?
R – Alice
P/1 – Alice do quê?
R – Alice Marques Lopes. Chamava, agora sou viúvo.
P/1 – Como foi seu casamento, seu Aníbal?
R – Foi bom. Namoramos quatro anos. Eu casei, ela tinha 20 anos, namoramos uns três ou quatro anos, era mocinha, tinha uns 15, 16 anos, acho que 16. A gente namorava, ia de noite na casa dela, ficava ali. Eu gostava de ficar sozinho (risos), meu pai ia lá, ficava ali (risos)
P/1 – O seu pai?
R – Meu pai ia, sabe? Depois tinha um casal de português jogar baralho, a gente também jogava baralho. Mas ela não jogava muito. A gente namorou uns quatro anos e assim fomos tocando a vida. Em 47 casamos
P/1 – E foram morar onde?
R – Ali mesmo. Eu fui morar na casa do meu sogro. Ele tinha um quarto lá, fui pagar 50 reais de aluguel. Trabalhava ali perto, vinha almoçar em casa
P/1 – Aí o senhor trabalhava na marcenaria nessa época?
R – Trabalhava na marcenaria. Foi mais ou menos em 47
P/1 – E o senhor mencionou que o senhor construiu...
R – Em 60, o sobrado onde eu moro
P/1 – Como que foi construir a sua casa?
R – Mas em 49 fiz a primeira casinha no fundo. Nós compramos, eu e meu sogro, um terreno de dez por 45 de fundo, ele ficou com a metade, e em 49 eu construí uma casinha com quarto, sala, cozinha e banheiro e fui morar ali. Eu morei junto com ele, comia junto, sete anos
P/1 – Como que era morar com o sogro?
R – Eu morava, tinha separado o quarto, mas comia junto. Às vezes separava, fazia as despesas. Agora depois que eu casei eu tive uma vida mais saudável, não sei, o ritmo de comer. Sabe, portugueses, eu sei que a gente comia bacalhau toda semana, nossa senhora! Eu me alimentava melhor. No interior eu tive amarelão
P/1 – O que é amarelão?
R – Amarelão é uma doença que a gente pega, não sei se por andar descalço, pega o bicho. Não é criar bicho, é amarelão, anemia. Tinha bicha. Eu cheguei a ter bicha, lombria. Você ouviu falar de lombriga?
P/1 – Já
R – Pegava. Depois que eu casei comecei a me alimentar melhor, sabe? Eles são portugueses, ele morou na França, tinha conhecimento. Fiquei sete anos morando junto. Depois separamos, em 54
P/1 – Separou da casa ou separou da sua esposa?
R – De comer. Aí eu separei, fui comer sozinho, eu com a minha senhora
P/1 – Aí foram pra casa que o senhor construiu
R – É, fiquei ali morando. Ele faleceu em 71
P/1 – E como é que era essa casa que o senhor construiu?
R – Era simples. Assoalho, as portas
P/1 – Tinha quantos quartos?
R – Quarto, sala, cozinha e banheiro. Mas foi feita aos domingos
P/1 – Feita aos domingos?
R – Aos domingos
P/1 – Porque o senhor trabalhava
R – É, trabalhava e não podia pagar pedreiro, então pagava um pedreiro que trabalhava na prefeitura, ele vinha de sábado e domingo. Eu ia buscar pedra ali no bairro, tinha aquele terreno com pedra, eu ia pegar aquela pra fazer a base. Naquele tempo não tinha quase alicerce, então a gente fazia uma base. Ferro mesmo tinha pouco, colocava dois ferros assim pra fazer a base
P/1 – Demorou quanto tempo?
R – Ali?
P/1 – É
R – Ah, ali morei, depois fui morar lá onde morei novamente com o meu sogro, voltei lá. Aí em 60 eu vendi um terreno que eu tinha lá, tava pagando a prestação, vendi por 200 mil réis, naquele tempo acho que era mil réis e aí comecei a construir em 60
P/1 – Mas demorou quanto tempo pra ficar pronto?
R – Essa casa, esse sobrado?
P/1 – É
R – Num ano. Comecei em março, em outubro terminei. Tem três andares
P/1 – É grande então
R – Embaixo um porão, depois tinha a casa com quarto, sala, cozinha e banheiro, depois fiz outra no meio, com quarta, sala, cozinha, ia em cima, subia a escada. Depois, agora onde eu moro eu fiz um sobrado, de duas casas eu fiz um sobrado e tem a casa embaixo
P/1 – É a mesma ainda?
R – A mesma onde eu moro. O rapaz entrou lá e viu. Em 68 eu reformei, foi quando de duas eu fiz uma só, é onde eu moro, o sobrado. Uma trabalheira. Ah, começamos em março, em outubro terminamos
P/1 – Menos de um ano?
R – Menos de um ano. Eu fiquei ali direto, eu, dois pedreiros e um servente. Ali eu fiz de tudo, carpintaria, eletricidade, coloquei vidros, trabalhei muito
P/1 – Me conta um pouquinho, seu Aníbal, como é que foi o seu casamento. Você teve filhos?
R – Foi bom. Aqueles casamentos que fazia sanduíche, naquele tempo não tinha, tinha terminado a guerra, a vida era meio. Ainda deu pra fazer sanduíche. (risos). Foi bom. Fiz um baile na casa dele
P/1 – Um baile?
R – É, baile. Tinha uns amigos sanfoneiros, músicos, outro tocava violino e veio lá, não cobrou nada. E fizemos uma festa assim
P/1 – O senhor teve filhos?
R – Olha, eu vou ser franco, não tive
P/1 – Decidiu não ter filhos
R – Não é. Eu comecei, nós não tínhamos filhos, fomos no médico, tudo. Ela fez tratamento. Naquele tempo era muito assim, mas eu peguei de criação
P/1 – O senhor adotou? Quantos filhos?
R – Adotei uma. Adotei uma, não deu certo, mas não podia sustentar. O pai era, sabe essa gente que bebe e tal? Aí nós soubemos por intermédio de um cunhado: “Olha, tem uma menina assim e assim, ela acho que tá”. Trouxeram a menina, chamava Iracema, registramos ela como Iracema. Aí ficou, o pai cismou, veio atrás, descobriu onde morava. A mãe veio lá, ficou uns dias com nós, no fim fomos obrigados a entregar. E arrumamos outra, com oito dias. Um médico que trabalhava no Hospital das Clínicas, até ele morava ali perto mesmo quando eu fui buscar, tinha oito dias. É a que está agora
P/1 – É a sua filha? Como que ela chama?
R – (emocionado, chora) Maria Alice. Até agora tá com 51 anos, tenho uma neta. E to feliz, to feliz (emocionado). O meu esperma saía com os espermatozóides mortos, não tinham vida. Eu fiz um exame depois, saía morto
P/1 – Como foi ser pai da Maria Alice?
R – Pegamos ela, registramos e ela tá até agora
P/1 – Conta como foi ver a sua filha crescer
R – Ah, foi bem criada. Teve todo o conforto (emocionado). Estudou. Teve todo o conforto, graças a Deus (emocionado). E ela tá me auxiliando muito (choro). Se eu não tivesse ela, tinha sobrinho, mas nunca (emocionado). E é a vida. Vamos continuar?
P/1 – Vamos! (pausa para entrevistado se recompor)
R – Bom, vamos lá
P/1 – Por que a Maria Alice é importante pra sua vida?
R – Ah, muito boa! Muito boa
P/1 – Por quê?
R – Não deu trabalho, se comportou bem, se comportou muito bem na vida dela moça, tudo. Namorou, casou com um arquiteto, estudaram juntos. E vai bem, tá bom. Tenho uma neta já com 18 anos, fez agora
P/1 – Ela fez Arquitetura também?
R – Não, ela fez, essas de mato, que faz
P/1 – Agronomia?
R – Não. Não é Agronomia. Estuda as plantas, bichos...
P/1 – Biologia?
R – Biologia! Mas ela quase não exerceu, sabe? Queriam mandar ela pra Mato Grosso, ela foi lá na USP e queriam mandar ela pra Mato Grosso. Eu falei: “Ah, filha”. Aí ela começou a arrumar escritório, trabalhou dez anos no Shopping Morumbi como secretária, ajudar o gerente. Depois ela teve a menina, trabalhou dois anos e a gente cuidou da menina. Aí deram um arrastão lá no shopping, mandaram ela embora e ela ficou só cuidando da menina, levar na escola. Até hoje ainda leva. Agora ela tá fazendo cursinho pra entrar na faculdade, se Deus quiser, tudo bem. Agora vai tirar carta (risos). Já fez a prova lá do Detran que precisa fazer
P/1 – Como se chama sua neta?
R – A neta? Beatriz Lopes Neves. Ela é muito boa, muito boa. Graças a Deus
P/1 – Seu Aníbal, deixa só eu entender uma coisa. O senhor vendeu roupa por muito tempo.
R – 20 anos, até 82. Aí comecei a fazer bijouteria, esses trabalhos que eu estou fazendo, aí que peguei a fazer mais firme. Já fazia de solteiro. Aí comecei a fazer Nossa Senhora Aparecida, fiz aquele santo da bengala, como chama? São Judas Tadeu. Fiz a Nossa Senhora das Cinco Cabeças, uma santa
P/1 – Nossa Senhora das Cinco Cabeças?
R – É, tem, não tem? Das Cinco Cabeças. Tá com a minha filha. Aí comecei a fazer. Bandeja, abajour
P/1 – Mas depois de vender roupa o senhor começou a fazer os objetos?
R – É. E trabalhar pra fora também, ir na dona Denise lá, conserto. Nossa, quantos consertos que eu ia, pegava sacola, às vezes eu ia de ônibus, não compensava ir de carro, ia de ônibus. Trabalho eu fazia em casa porque eu tenho em casa uma máquina, serra, eu faço lá e ia entregar
P/1 – E o senhor foi fazendo isso até quando?
R – Até ultimamente. Esse ano ainda fiz uma cama lá pra dona Denise, ela que fez questão de vir trabalhar comigo, mas ela veio lá e falou: “Aqui não dá pra fazer uma cama de quase dois metros quadrados, daqueles colchões grandes? Só que eu quero trabalhar junto com o senhor”. Aí ela comprou a madeira, levamos na indústria do marido, que ele tem uma indústria grande na Barra Funda e fomos. Ela vinha lá lixar, furar, nossa senhora. Eu gostei dela. Fizemos a cama lá. Então ela que me falou: “Seu Aníbal, o senhor não quer fazer uma entrevista assim”. Foi assim
P/1 – E o senhor chegou a ter uma empresa própria, uma loja?
R – De Marceneiro? Dois anos só, não deu certo. Aí me separei. Era na casa dele mesmo, da mãe dele. Tinha lá uma garagem, trabalhamos dois anos, aí me separei e comecei a trabalhar por conta por uma temporada, fazia fora. Depois fui trabalhar ali perto numa marcenaria que fazia vitrolas, rádio
P/1 – Fazia vitrolas?! O senhor fez vitrola?
R – Fazia várias vitrolas, aqueles móveis grandes de vitrolas, rádios
P/1 – E onde que o senhor faz as coisas, tem um galpão na sua casa?
R – Tem um quartinho lá. Lá eu fiz, bom, da minha filha, quando ela casou eles construíram num terrenos que nós cedemos pra ela, que era herança do meu sogro, e ele construiu. Eu fiz os móveis da cozinha, dormitório. O telhado. Trabalhei naquela casa, hum, nossa
P/1 – Na casa da sua filha?
R – Na casa da minha filha
P/1 – Fez tudo também
R – Fiz, ali trabalhei bastante. Ajudei a fazer a escada de concreto, fazia armação. Se fossem me pagar (risos), uns dez mil reais ali
P/1 – Foi presente
R – Eu fazia com gosto. Aí eu já tava aposentado porque me aposentei em 77. Ainda bem que lá em casa tenho dois aluguéis, na casa do fundo eu fiz a primeira casa, embaixo da minha tem uma, com quarto, sala, cozinha e banheiro. É o que me salva, viu?
P/1 – O senhor aluga?
R – Alugo. Eu me aposentei com quatro salários e meio, to recebendo dois salários
P/1 – Menos?
R – É, com dois salários. O salário está 600 e pouco, eu to recendo um mil e 300 de salário. Olha, não dá mais nem, pago convênio, 342 agora. Eu pagava da minha mulher também. A gente tocava. Graças a Deus agora to tocando
P/1 – O senhor chegou a casar de novo?
R – Nãããoooo, vai fazer dois anos agora, filha (risos). As viúvas quando eu saio, porque vou passear com a Terceira Idade. Até agora, sexta-feira, amanhã, ia pra Caxambu
P/1 – Isso que eu ia perguntar, o que o senhor faz depois que se aposentou? Como é a sua rotina
R – Ah, fiz serviço. Depois que eu aposentei eu ainda trabalhei com a roupa. Em 77 me aposentei e parei em 82 com a roupa.
P/1 – Mas agora assim o que o senhor faz pra se divertir?
R – Fazia biscate, serviço fora assim, na casa das freguesas. Arrumava porta, armário, recuperava armário antigo. Da dona Denise eu recuperei muitos móveis ali dela. Ah, eu podia. Porque eu sou meio daqueles espanhol teimoso, enquanto não tinha fim não largava. Eu queria saber o que acontecia com aquilo, entendeu? Não desistia não. Tem que ser assim, a pessoa fazer uma coisa e enfrentar até o fim, pra ver se dava certo, e dava certo, graças a Deus
P/1 – E o que o senhor faz atualmente? O senhor falou que vai viajar pra Caxambu
R – Ah, eu vou nessas Terceira Idade. Eu saía com a minha senhora também, a gente ia. Ultimamente ela já não ia, ela era diabética e sofria muito, sabe? O diabete é danado. E ultimamente as perninhas dela já... Fomos pra Portugal em 2005, é
P/1 – Como que foi essa viagem?
R – Foi boa. Mas ela já tava com depressão também, até minha filha. Mas o único meio de eu conhecer Portugal foi, ela já tinha ido uma vez com a minha sogra, em 86. Tinha ido ela, minha sogra e minha cunhada. E depois fomos em 2005 e ficamos um mês e meio lá na casa dos primos, em Figueira da Foz. Mas ela já tava, coitada, voltou, ficou boa, mas nunca ficou boa de vez. Mas ela tava com a memória boa ainda. Em uma semana ela foi embora (emocionado, chora). É a vida, e vamos tocando. E a gente, esse ano eu já fui três vezes
P/1 – Pra onde?
R – Fui pra Poços de Caldas, em Lindoia. Agora ir e voltar no meio dia já é umas três vezes, Aparecida do Norte
P/1 – O senhor viaja muito então
R – Eu tenho viajado sim, esse ano viajei bastante. Agora era para ir, mas faz um mês e pouco, não sei, estava almoçando, levantei, senti uma tontura e começou a adormecer os pés, ainda to fazendo tratamento. Fiz um check-up também com laboratório, até fui buscar o remédio terça-feira, minha filha foi comigo e comecei a tomar. Agora vou fazer aquele exame que entra naqueles tubos, como chama?
P/1 – Ressonância?
R – Ressonância, pra ver o que deu. Mexo bem o pé e tudo, só tenho um pouquinho dormente, mas estou andando, tudo. Tenho bengala caso precisar. Minha filha falou: “Pai, usa a bengala” (emocionado, chora). Mas to bom, graças a Deus. Memória. Eu tomo ginkgo biloba. E pra pressão tomo 25 miligramas, só pra controlar. A pressão tá boa, coração, fiz exame do coração, pus aquele aparelho 24 horas e tá bom. O diabete o médico falou: “Você tá com 110, é normal 110, não precisa fazer regime do diabete, não”. A minha senhora chegava a 140, 150, ultimamente tava com 130, 120, uma coisa assim, mas ela se controlava muito. Até eu brinco com as viúvas (risos). Eu gosto de brincar, sabe? “Eu quero arrumar uma viúva que seja virgem” (risos). Elas dão risada, ai ai. Agora essa viagem de vai e volta no mesmo dia ainda vou fazer. Teve uma senhora lá que vai fazer ainda duas viagens, a gente passa o dia alegre. Fui em Campos de Jordão. Bom, viajar, viajei bastante, mesmo com a minha senhora, pro Rio Grande do Sul. Quando nós casamos passamos uma semana lá no norte, fomos pra... Lá onde mora o ex-presidente, como chama aquele? Alagoas. Alagoas, Natal e Ceará, esses três lugares nós estivemos lá, foi bom, foi bom
P/1 – Que cidade o senhor gostou mais de ter conhecido
R – Ali? Ceará. Ceará eu gostei bem
P/1 – O que tem de legal lá?
R – Comer coisas, aquela, como é, parece camarão, grandão
P/1 – Lagosta?
R – Lagosta, nossa, que gostoso. É. Só que a minha senhora naquele tempo tava boa ainda. Agora, eu gostei bem de Alagoas, fomos na Praia dos Franceses ali, Natal. Fomos ver aquele forte lá onde os portugueses se concentravam pra combater os estrangeiros, tinha um forte ali. Agora não sei o que é agora lá, coisa de turismo, aquele forte, ali é onde os portugueses se defendiam dos holandeses que vinham explorar aí. É. Português, brasileiro não sei se naquele tempo eram os portugueses que dominavam aqui
P/1 – Seu Aníbal, me conta um pouquinho, quero saber da história desse abacaxi
R – Ah, eu cismei. Eu cismo de fazer. Falei, vou fazer um abacaxi. Isso aqui eu acho que é eucalipto. Eu não tenho torno, então eu falei pra um amigo que tinha torno, eu levei, fiz o desenho, porque eu faço algum desenho, eu estudei desenho. E ele não quis, não sei, eu peguei a tora e eu mesmo lavrei ela, arredondei e tudo e fiz
P/1 – Quando o senhor fez, o senhor lembra?
R – Ah filha, tem que desbastar com goiva, até a goiva tá aqui, eu trouxe. Formão, não sei se já mostraram
P/1 – Mas quando o senhor fez esse, o senhor lembra?
R – Ah, este aqui?
P/1 – É
R – Ih, eu não coloquei, eu colocava data, mas esse aqui, já faz mais ou menos uns dez anos
P/1 – É um abajur?
R – É um abajur, olha, põe a lâmpada aqui. E tenho abajur, muito abajur tenho, nossa senhora
P/1 – E aquele brinquedo ali, aquela cadeira?
R – Ah, uma cadeirinha
P/1 – O senhor que fez também
R – Sim, querida (risos). Eu tenho muita coisa. Eu quero que vocês vão lá filmar as coisas. A gente separa. Vocês fazem isso ou não?
P/1 – Pode fazer, tira foto
R – A gente marca um dia e toma um cafezinho lá em casa. Tem uma padaria lá perto, a gente vai na padaria porque eu não faço as coisas em casa assim. Olha, quanta coisa que eu aprendi a fazer, viu? Eu não sou desanimado não. Pra trabalhar não tenho moleza não, nossa senhora. Agora a cada 15 dias vem uma faxineira, ela tá lá hoje fazendo faxina. Ela lava a roupa, aproveita e já faz feijão, arroz, já dá pra dois, três dias. E como na minha filha aos domingos e restaurante, eles mandam marmitex, ali perto tem um restaurante. E de domingo também vou comer bacalhau. Graças a Deus me sinto feliz, viu, muito feliz (emocionado). É isso aí
P/1 – Seu Aníbal, a gente já está se encaminhando pro final da entrevista. Tem alguma coisa que eu não perguntei e que o senhor gostaria de falar? Que é importante pro senhor e o senhor queria deixar registrado?
R – O que seria... Ah, pergunta, às vezes, quem sabe
P/1 – Tem alguma história que o senhor queira contar, alguma coisa que o senhor queira deixar registrado? Se não lembrar não tem problema
R – Toda a vida tudo foi bom, não teve tristeza, nervosismo assim. Pra mim, graças a Deus, até agora deu tudo certo
P/1 – Como que foi pro senhor contar a sua história?
R – Contar?
P/1 – É. Como foi essa experiência?
R – Foi boa. Foi o que eu vivi. Conhecimentos. E a vida, sou eu só, só tenho eu da irmandade, só tenho eu. Tenho um cunhado muito bom, é o único cunhado, irmão da minha patroa, muito bom. É isso aí (emocionado). Nós em 67, eu, meu sogro e o meu cunhado compramos uma chácara aí no 29 da Anhanguera. Ali também nós vivemos muitos dias alegres, viu? Muitos. A gente se reunia ali, nossa, que beleza. Ele gostava de aves, teve criação de aves. Ele tem a chácara, mas andou vendendo, ficou só com uma parte. Ele também já tá com 82 anos. Ele lidava, nossa, animais, pombo de toda qualidade. Ali a gente viveu bem. Aí eu fiz um campo de bocha, um quiosque, nossa. Ia pra lá, fazia festa, aniversário da minha sogra. Ele tinha aquela sociedade de criança defeituosa, amigo, ele é sócio lá do Jaraguá, do Campestre Jaraguá, então ele levava a turma lá, e tinha essa sociedade que fazia aquelas festas. Ele cedia a chácara, muito bom, ele é muito bom. Agora vendeu, só tá com uma parte lá. Ficou viúvo também. É, mas a gente se divertiu, viajou bastante, lá pro Sul. É isso aí!
P/1 – Seu Anibal, em nome do Museu da Pessoa eu agradeço muito a sua presença qui hoje
R – Obrigado
P/1 – Obrigada eu
R – ObrigadoRecolher