P/1 – Então, senhor Helio, primeiramente muito obrigado por ter aceitado o nosso convite e participar do nosso projeto sobre as Memórias do Comércio em São Paulo. Pra começar nossa entrevista eu gostaria que o senhor falasse pra gente o seu nome completo e o local e a data do seu nascimento.
R – Helio Seibel, nasci em São Paulo, em 27 de janeiro de 1953, mais especificamente no Bom Retiro, na Rua Afonso Pena.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Bernardo e Rosa.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Tenho irmãos, tenho dois irmãos, mas um mais velho que chama Saulo e um mais novo que é Samuel.
P/1 – E o senhor mencionou que morava no Bom Retiro quando nasceu. Como é que era a sua, a casa da sua família ali no Bom Retiro?
R – Nós morávamos num apartamento, na minha lembrança, muito bom, na verdade eram dois quartos, um dos meus pais outro de nós três, né, mais a sala e tal, mas muito... As memórias que eu tenho são as melhores possíveis, era muito gostoso lá, era na época que ainda dava pra brincar na rua, nós morávamos muito perto da Escola Politécnica, então tinha lá umas praças e tal, foi muito bom.
P/1 – E como é que era a vizinhança ali, tinha muitos amigos, quem eram os seus amigos?
R – Tinha, eu tinha... Eu estudava pertinho, né, a escola no primário, a escola era ali, a três quarteirões, ia a pé; amigos da escola e amigos do... Filhos de amigos dos meus pais também, uma comunidade muito interativa.
P/1 – E quais costumavam ser as brincadeiras da criançada, dos irmãos, dos vizinhos?
R– É de jogar bola, né, na rua, e o que eu fazia mais? Era basicamente, ai, brincar e correr, tinha o jardim da Luz que era também do lado, dois quarteirões, então, era menor, nós íamos muito ao jardim da Luz e tal, era brincadeira normal de criança, na rua.
P/1 – E como é que era esse bairro do Bom Retiro, ali, que pessoas moravam ali, o que que o pessoal fazia assim, de comerciante?
R – Olha, naquela época que eu morava lá era basicamente, quer dizer, tinha uma grande, uma certa concentração de imigrantes de origem judaica, vamos dizer assim, o pessoal mais oriental, os coreanos e tudo, começaram a chegar já um pouco mais tarde, né, acredito que na década de 60, 70, então era um bairro mais caracterizado por um comércio de confecção, tinha muito negócio de confecção e fiações, esse tipo de coisa, malharia e tal e... E o que mais que tinha lá? Moradores, normal. Ah, tinha também a faculdade de... Além da Politécnica tinha a faculdade de Odontologia da USP, então era um bairro interessante, um bairro misto, né, médicos, dentistas, etc.
P/1 – E os seus pais, a que eles se dedicavam?
R – Meu pai era... Sempre foi... Trabalhou no comércio como comerciário e como comerciante. Meu pai é imigrante, né, veio, chegou no Brasil em 1925, da Polônia, bem garoto, e enfim, veio só com o irmão, com a missão de conseguir amealhar recursos para trazer o resto da família, então com 14 anos e o irmão com 16, não dá pra se ganhar muito. Ele fez de tudo durante a vida. Quando eu nasci ele já estava, ele já tinha um comércio, na verdade uma pequena indústria de móveis, e que depois virou... Teve uma loja de móveis e tal, então meu pai sempre trabalhou nisso daí.
P/1 – A loja dele era no Bom Retiro mesmo?
R – Não. Ele tinha uma loja, isso foi um pouco depois que eu nasci, na Vila Mariana, Rua Vergueiro. Uma pequena loja de móveis.
P/1 – E essa loja, algum filho assumiu?
R – Não, não, essa loja ele vendeu em 60, 1960, e em 61, o ano seguinte, comprou essa empresa, que é onde eu estou até hoje, né, que é a Léo, Léo Madeiras, que era uma pequena loja na Rua do Gasômetro, uma loja de 200 metros quadrados, que trabalhava com produtos mais ou menos da época, né, o compensado e lâminas de madeira, e que pertencia ao senhor Léo, naquele momento.
P/1 – Antes da gente entrar na Léo Madeiras, vamos falar um pouquinho mais do seu pai. O senhor sabe a circunstância que se deu essa viagem, essa imigração dele pro Brasil?
R – A circunstância; eles na verdade, o que eu sei, vamos dizer assim, que é um pessoal de origem muito muito pobre, menos que humilde, né, vamos chamar assim, e que imigrou como milhões e milhões e milhões de pessoas da Europa, buscando uma oportunidade melhor. Tinha uma questão, na Polônia particularmente, sempre uma coisa assim um tanto antissemita, mas não foi, eu acredito, nunca foi esse... Ele nunca me levantou isso como sendo a principal razão. Ele não pegou a questão Hitler, né, então era muito mais por uma questão, de fato, econômica. Tentar uma vida melhor.
P/1 – E o senhor sabe em qual cidade ele chegou quando veio ao Brasil, um pouquinho dessa trajetória dele no Brasil, antes do Bom Retiro?
R – Ele chegou primeiro em Curitiba, porque tinha algum vizinho que já tinha vindo pra Curitiba e, mas assim, mais como um ponto de chegada, né, poder ter um primeiro lugar de pouso, mas rapidamente começou aí a viajar o Brasil inteiro, o irmão dele não, ficou mais fixo no Rio de Janeiro, mas meu pai, por razões provavelmente da natureza dele, sempre acabou viajando muito pelo Brasil. Trabalhou de vendedor, de muita coisa que ajudava, facilitava essa atividade de se locomover tanto.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe veio em 1931, também da Romania, hoje é a Romania, é um pedaço lá que era meio Rússia, e veio para a Bahia, morar na Bahia porque os irmãos dela já tinham vindo antes para o Brasil e estavam situados na Bahia. Então eles também, dois irmãos que vieram, se instalaram etc., e montaram uma casa pra trazer as irmãs, elas eram na verdade três irmãs que vieram nessa época de 31.
P/1 – E como é que o senhor descreveria o seu pai e a sua mãe?
R – Como eu descreveria o meu pai e a minha mãe (risos)?
P/1 – É.
R – Nossa, pergunta ampla, né? Bom, antes de mais nada, pessoas, eu acho, de alto valor, num standard de valores muito elevado, né, valores éticos, morais, integridade, né, eu acho que sempre esse foi um papel importante de cultura que nós recebemos, eu e meus irmãos. Segundo aspecto, acho que a questão de trabalho, né, quer dizer, o valor relativo ao trabalho, ao mesmo tempo também um valor muito grande à questão de estudos e cultura em geral, então não só o estudo acadêmico, mas também a cultura como um todo, leitura e teatro, livros e cinema e tal, e muito carinhosos conosco.
P/1 – Agora a gente vai falar brevemente aqui sobre as suas lembranças na escola, em qual escola o senhor estudou quando era criança, lá no Bom Retiro? Como é que era, o que que o senhor achava da escola?
R – Olha, eu estudei numa escola judaica lá, chamava Scholem Aleichem, que é o nome de um escritor famoso, no primário, né – que mudaram as classificações ¬– mas isso lá dos seis aos dez, seis anos aos dez anos. E eu, na época, na época eu não achava nada, eu achava muito bom, ia pra escola, voltava, fazia as coisas e tal, não achava nada e tal. Gostava? Gostava e tal. Hoje, muitos anos depois, eu reconheço que era uma escola que tinha um diferencial importante no sentido de ensino de formação, né, quer dizer, então dava um valor muito grande a se questionar, a duvidar das coisas, a ir mais fundo e tal, mas isso, numa época de seis a dez anos; acho que é impossível você ter consciência disso, era muito mais a direção pedagógica da escola que acredito eu que influenciou muito a mim e aos outros estudantes dessa escola depois, na vida futura.
P/1 – E depois, como é que foi a trajetória ali na escola, foi estudar aonde?
R – Depois eu fui pra um colégio estadual, Colégio Estadual São Paulo, né, que fica no Parque Dom Pedro, até hoje deve estar lá, onde eu fiz o ginásio e colegial, e no colégio estadual era uma escola, na época, né, a gente, os bons alunos iam pra escola estadual, né, e realmente de fato era uma escola muito boa, que marcou muito, pra falar a verdade, a minha vida depois. Principalmente uma professora de matemática que eu tive lá durante alguns anos que fez uma diferença muito grande na minha vida, a dona Suzana, e até, mês passado até tentei encontrá-la, se fosse possível agora, com o Google e tal, mas acho que merecia uma homenagem minha a ela, e enfim, eu fiz o ginásio e o colegial lá, e é o Parque Dom Pedro, né, pra todo mundo que sabe, é muito próximo da Rua do Gasômetro que é a rua que eu iniciei, e tem muito a ver na minha história o fato de ter estudado num colégio perto de onde meu pai tinha a loja.
P/1 – Tá. Antes de entrar na loja, o senhor mencionou ter estudado numa escola judaica, né, e nasceu ali no Bom Retiro, onde a colônia judaica é muito presente ainda hoje, né? Qual foi o valor de ter sido criado, assim, próximo à colônia judaica, que diferença fez na sua vida isso pro senhor?
R – Aí é muito relativo, porque, como todas, eu acredito... Porque no caso talvez... Bom, então vamos lá, no caso particular da questão do judaísmo, acho que tem uma, talvez uma única comunidade que tem uma característica que mistura duas coisas muito distintas que é a questão de religião com a questão de tradição histórica, né? Então, vamos assim dizer, você vai encontrar pessoas judias que tem um nível de adesão à religiosidade muito diferente entre si. Meu pai, na verdade, não era uma pessoa religiosa, muito, quase que ao contrário, mas preservava muito essa questão dos valores da história do judaísmo, né, então eu vivi na verdade numa casa em que você tinha a consciência, então lá se celebrava o negócio lá da páscoa, da saída dos judeus do Egito, da escravidão, muito mais pelo valor da liberdade, né, de ser livre, e não pelo fato de ser uma coisa que Deus fez, mandou ou etc. Então, na verdade, a minha convivência com o judaísmo foi sempre nesse sentido muito aberto, e a própria escola que eu estudava era uma escola que inclusive não só não pregava, vamos dizer, não defendia o sionismo, como pelo contrário. Então nunca estudei hebraico na minha vida, por exemplo, né, nem uma palavra de hebraico e tal, porque não era esse o valor, a gente foi criado e educado para estar integrado na realidade brasileira e produzir nesse país.
P/1 – Falando um pouquinho ainda daquela loja de móveis do seu pai na Rua Vergueiro, o senhor tem alguma lembrança dessa loja, o seu pai costumava levar os filhos pra visitar a loja dele?
R – Levava porque a gente gostava muito... Nas férias, né, principalmente porque férias sempre é um negócio... Um período longo de férias escolar e pra quem tem um pequeno comércio e tal, evidentemente não se tira férias, né. Então as crianças ficam aqui e é um problema o que fazer com elas. Então acho que minha mãe mandava a gente lá pra loja, mas é só, vamos dizer, em 60, só pra ter uma ideia, eu tinha sete anos, quer dizer, e meu irmão mais novo, cinco, porque o mais velho era bem mais velho, já tinha outro caminho. Mas a gente ia lá, gostava muito porque tinha umas pilhas de colchões, isso eu lembro bem, que a gente gostava de pular de uma pilha pra outra e tal, e passava o dia lá, ia de manhã e voltava de noite, lá, todo sujo e não sei o que. Naquela ocasião, eu não... Pior que meu pai até vendia televisão, mas nós não tínhamos televisão em casa, então era divertido ver um pouco lá de televisão e tal. A atividade era bem lúdica mesmo.
P/1 – E além dessas brincadeiras e ver televisão, o seu pai passava alguma tarefa pra vocês, algum...?
R – Não, com sete anos e cinco anos, não.
P/1 – Nem de brincadeira, ficar no caixa de brincadeira, atender telefone?
R – Não, não tinha nem caixa, não, era um negócio muito pequeno (risos), não tinha caixa, não.
P/1 – E ali no Bom Retiro, o senhor lembra de uma rede de comércios que o senhor frequentava, por exemplo uma padaria, um mercadinho?
R – Não, tinha, sim, tinha onde minha mãe fazia as compras, tinha lá... O Bom Retiro é um bairro com muito comércio, tinha até a loja de presentes, que comprava presentes, né, até eu me lembro que a origem desse... Do Mickey, que é uma loja até famosa, tinha lá no Bom Retiro. Tinha, às vezes, ela precisava comprar roupa, malha, e a gente ia na loja lá dos conhecidos, mas enfim, não especificamente uma ou outra mas muitas. Muitas.
P/1 – Tinha alguma que era a preferida?
R – Não, na minha casa tem um... Tem um problema que influenciou talvez na formação que era o seguinte: primeiro três filhos homens, né, e segundo, um valor muito importante pra essas questões de lado cultural e tudo. Então, realmente, o nível de consumo, vamos chamar assim, de consumismo sempre foi muito muito baixo por mera falta de interesse. Graças a Deus o mundo não é assim, mas se dependesse muito do nosso perfil, realmente o consumo seria bem menor.
P/1 – E o senhor mencionou quando a gente falou da escola lá no Parque Dom Pedro, o senhor mencionou que a proximidade com a Rua do Gasômetro foi muito importante pra se encaminhar pra sua vida profissional. Então, quando é que começou essa vida profissional, de que forma, como é que o senhor, pode falar assim, o início, pra gente?
R – Então, meu pai, como eu falei, comprou em 61... Então em 61 eu tinha oito anos, não estava ainda no ginásio. Mas nesse tempo... E era uma loja assim pequena, que tinha somente dois funcionários braçais, né, e não tinha nenhum outro de nenhum outro tipo de qualificação. Mas eu gostava de ir na loja com ele, eu ia lá, fazia nada, também, pra te falar a verdade, ficava lá, enfim, ficava lá. Mas eu gostava, achava divertido. Eu sou péssimo jogador de futebol, péssimo, não sou ruim, péssimo. Pra falar a verdade, em quase todos os esportes. Não, todos. Então, depois de tentar algumas vezes entrar nessas atividades esportivas, eu mesmo tinha o mínimo de autocrítica que realmente não tinha chance. Então eu... O pessoal ia jogar bola e eu ia lá com meu pai ficar lá na loja. E isso foi oito, nove anos de idade, dez anos, sei lá. Então eu era muito familiarizado, era uma linha de produtos muito pequena, as coisas relativamente repetitivas e tal, fácil de absorver, né? Então quando eu entrei no ginásio, já um pouquinho mais velho, tal, o que acontecia? Às vezes faltava algum professor, ou coisa que o valha, e tal, tinha alguma coisa, como era muito perto, então eu ia muito, eu ficava na loja, tal. E aí, quando... Isso até eu lembro, eu tinha acho que 12 anos, meu pai um dia tinha, sei lá, uma terça-feira que era feriado, começou já, o negócio dele pequeno mas estabilizado, ele pegava às vezes, tirava um fim de semana prolongado com a minha mãe, mas na escola geralmente não tem aula mas o comércio abre, então eu ficava lá cobrindo, né, vamos chamar aquele dia lá, na segunda-feira por exemplo. Então isso tudo foi me fazendo ficar muito inteirado das coisas, muito por dentro do negócio, muito familiarizado com a operação. E isso foi fundamental depois, quando chega mais pra frente um pouco, nas minhas opções, né.
P/1 – E o senhor sabe, mais ou menos, como é que se deu essa negociação com o seu pai com o Léo pra adquirir a loja?
R – Olha, eu sei. Meu pai estava sem atividade, né, ele tinha vendido a tal loja de móveis, e um amigo em comum do senhor Léo e do meu pai apresentou. O senhor Léo, na verdade, ele... A história que eu sei, porque a empresa foi fundada em 1943 pelo seu Léo, por isso que chama Léo. E em 61, portanto dezoito anos depois, a empresa, apesar de pequena, tinha uma tradição ali na Rua do Gasômetro, e o segundo que eu escuto, que eu escutei na época, trabalhava o seu Léo e a esposa do seu Léo. E segundo dizem, a versão que eu conheço, é que ela, na verdade, é que era mais a alma comerciante do casal, e ela faleceu em 60, e o seu Léo decidiu então vender a loja, né, e seguir outro rumo na vida, como de fato seguiu, foi ser representante etc. Não queria ter aquele negócio, aquela obrigação de abrir e fechar no horário e tudo. E aí, em função dessa apresentação, do interesse do seu Léo de vender e do meu pai que estava procurando alguma coisa, saiu o negócio.
P/1 – E, no caso, a Rua do Gasômetro trouxe destaque pra esse setor madeireiro e de ferragens, né? Por que que aconteceu isso exatamente nessa rua? Em que época começou esse perfil?
R – Olha, aí eu acho que é uma coisa que vocês vão perceber, deve ser em várias regiões da cidade, vários comércios. Muito tem a ver, evidentemente, com o negócio da estrada de ferro, né, a estação da Luz e tudo, que era o ponto de chegada de todo mundo na cidade de São Paulo, e também, naquela época ou por aí a rodoviária, que também funcionava ali pertinho, na Duque de Caxias e tal, no centro, né, bem perto. Então eu acho que esse... Porque o comércio, esses comércios – mas vamos falar especificamente do Gasômetro que é o que eu conheço ¬ a gente vendia praticamente pro Brasil inteiro, e muito, e principalmente evidentemente o interior de São Paulo, que as pessoas então vinham de trem ou de ônibus, ou mesmo com caminhão, né, que também a... Não tinha a Marginal, mas era muito central, né, nós estamos a, sei lá, 300, 500 metros da Praça da Sé, então é muito central. Então esse tipo de situação favoreceu o estabelecimento de comércios em geral. No caso da Rua do Gasômetro, eu não sei o que vem antes e o que vem depois, a questão do tipo de construção de armazéns. É um tipo de produto grande, pesado, volumoso, então não dá pra fazer lojinhas. E aí, eu não sei muito bem como que é a dinâmica, porque eu acho que a primeira loja, que eu me lembre – que eu saiba, né, não que eu me lembre – da Rua do Gasômetro, é do início de 40. A Léo é de 43, acho que tem uma de 42 ou 41. Mas tem antes disso, serrarias que funcionavam nessa região também, tal. Então eu acho que é uma coisa desse tipo, assim como outros comércios, Santa Ifigênia e tudo o mais. Não, Santa Ifigênia é diferente. Não a... Como é que chama? A Florêncio de Abreu, a Florêncio de Abreu, por exemplo, também é importação e tal. E aí foi prosperando nessa característica como hoje um shopping center. Por que é que shopping center dá certo? Porque a pessoa vai no shopping center porque acredita que lá vai encontrar o que ela precisa, o que ela quer. Esse tipo de rua eu acho que tem essa mesma característica, você vai no Gasômetro porque você acha que você vai encontrar o que você precisa num tipo de produto, na Santa Ifigênia porque vai encontrar outro, na Consolação o negócio de lustre, e assim sucessivamente, né? Eu acho que essa é a característica que se criou muito em São Paulo.
P/1 – E como é que era a Léo Madeiras nesse período que o seu pai a adquiriu? Era uma loja só ou já tinha alguma outra loja?
R – Não, não, era uma loja só. Ali nesses dois salõezinhos, de, como eu lhe falei, uns duzentos metros quadrados, já arredondando pra cima, pra falar a verdade. E até na época, também, a altura do galpão baixinha, então não era alta não, mas era ali. Na época era isso, a gente achava... Não achava pequeno, vamos chamar assim. Depois, lógico que com o tempo foi ficando bem apertado mesmo.
P/1 – E bom, e nessa situação, quando é que você começou a realmente de fato trabalhar na loja, como é que foi esse início?
R – Então, vamos dizer assim, eu pra mim tenho um marco bem claro que é quando eu comecei a trabalhar período integral, né, porque eu trabalhava... Né, e tal, né, mas foi em abril de 69. Então eu estava começando o segundo colegial, meu pai chega lá em casa e comenta que ele tinha alugado o salão ao lado, do Chico, que era de uma loja de automóveis usados. Esse era um salão que tinha seiscentos metros quadrados, que eu conhecia evidentemente e tal. Então, hoje seiscentos metros quadrados realmente é uma área mínima, mas na época, pra quem tinha duzentos, ir pra um local de seiscentos era um esforço muito grande, assim, em todos os sentidos, né? E aí eu peguei, foi na janta, né, aí eu falei: “Ah, então, amanhã eu vou pra escola, eu vou me transferir pro noturno, eu faço colegial, o segundo colegial esse ano a noite, dou uma ajuda nessa transição e ano que vem, terceiro colegial...”. Por que, como eu falei antes, só pra relembrar, essa questão do estudo era um valor em casa mais importante até do que o trabalho. Então, apesar de protestos veementes da minha mãe que não queria de jeito nenhum, mas o meu pai gostou da ideia, tal e pronto, assim foi feito. Então era fim de abril, terminei as provas lá, o negócio de bimestre, março e abril, as provas bimestrais e no dia dois de maio de 69 eu comecei. E aí a ideia era ficar, como eu te falei, esse período.
P/1 – E nesse início, quais eram as suas atribuições?
R – Nesse início as atribuições... Era engraçado. Aconteceu um episódio muito, uma história interessante na minha opinião. Como eu lhe falei meu pai tem essa lojinha e alugou ao lado, né, colado. Mas isso criou uma dinâmica muito particular porque a gente chegava de manhã, parava o carro lá em algum lugar, né, e ia pra loja. E aí a gente acabou, assim, sem nunca ter combinado nem planejando nem nada, simplesmente aconteceu naturalmente que ele ficava lá no local, lá na lojinha original e eu ia pra esse local novo, né? Mas o local novo, evidentemente, em semanas, ele passou a ser o local em que os clientes iam, porque era aonde tinham os produtos e tal, apesar de ser do lado. Então a gente pegava e eu ia lá, então o que eu fazia, na época? Era vendedor, caixa, comprador, com as coisas, né, a parte de compras normalmente naquela época quem via era meu pai, e fazia tudo, né, assim, nesse sentido, né, da loja. Não tinha assim... Mas já tinha mais funcionários, devia ter na época, já éramos uns dez, vamos chamar assim. Tínhamos quatro pessoas no armazém, mais uns dois vendedores. Bom, pra falar a verdade era isso.
P/1 – E apesar de ser uma loja que era do seu pai, o senhor já recebia o salário nessa época?
R – Recebia, um salário mínimo.
P/1 – E o senhor se lembra o que o senhor fez com o seu primeiro salário?
R – Não, não fiz nada de especial, muito provavelmente, porque, de qualquer maneira, mas uma coisa eu lembro de interessante, que o salário mínimo, eu ganhava um salário mínimo e era um dinheiro bem representativo em relação aos meus colegas, né, que era óbvio que eram a minha base de comparação. Então eu... Tanto que eu tenho uma questão na vida que eu sempre me senti rico, desde que eu nasci, porque é um conceito muito relativo, esse de rico. Então eu tinha uma autonomia, uma liberdade, quer dizer, uma sensação de liberdade, na verdade, ou de autonomia, muito importante pra mim, isso com certeza influenciou na minha decisão de continuar trabalhando, seguramente. O fato de ter meu salário etc. e tal.
P/1 – E, falando um pouquinho assim desse início ainda, hoje a Léo é uma das maiores do setor no Brasil. Mas eu gostaria de saber quando, nesses primeiros anos de administração do seu pai, como é que a... Em que posição no mercado, vamos dizer assim, a Léo estava? Como era o nome da Léo naquela época?
R – Ah, o nome da Léo, o nome no ponto de vista de... Acredito que de... Em termos de imagem relativa à seriedade e à confiança, acredito que sempre foi um nome bom. Agora, era uma empresa muito menor que praticamente a totalidade das que existiam. Eu tenho dificuldade de tentar me lembrar de alguém que fosse menor que a Léo, sinceramente. Quando meu pai fez essa expansão... Não, enquanto ele não fez a expansão é seguro, é certeza, era a menor e tal. Mas quando ele fez a expansão... Mas também, era... Tinha muita gente mais representativa, mais importante do que ele, sem dúvida alguma. Quase todo mundo, diga-se de passagem.
P/1 – E o senhor começou a trabalhar ainda no período escolar, né, no segundo ano. Como é que foi essa, continuar estudando e trabalhar ao mesmo tempo? O senhor tem uma lembrança de alguma dificuldade ou, desse período?
R – Não, olha, uma coisa que eu, pelo menos... Lógico, baseado na minha experiência, é evidente, eu não tenho outra né? A gente simplesmente se acostuma. Eu até lembro meus primeiros dias, assim, semana, ou duas semanas até era pouco, né? Porque eu lembro que você fica com poucas horas pra dormir e tudo. E fica cansado e tal, mas é fantástico como o corpo rapidamente se organiza. Uma questão importante, sem dúvida, é a questão do tipo de foco e prioridades que você acaba dando na vida. Então, pra mim felizmente ou infelizmente não tive muito problema de conflito. Então não sofri, não gastei muita energia nem tempo conflitado: “Pô, não dá pra fazer isso, não dá pra fazer aquilo”. Porque não dava mesmo, né, mas também não sofri com isso. Então foi um negócio assim relativamente tranquilo. O que aconteceu foi que quando chegou no final do ano, aí fui me envolvendo cada vez mais, me envolvendo cada vez mais, naquele ano de 69. Quando foi na virada do ano, que eu ia parar pra fazer o terceiro colegial etc., a coisa já... Eu já estava... Já era uma peça muito significativa naquela operação, então eu falei: “Ah, vamos fazer o seguinte, eu vou ficar aqui mais um semestre, não precisa fazer cursinho de um ano inteiro, faço de um semestre”. Mas quando foi, eu acho que mais ou menos em abril, maio, meu pai ficou doente, teve um problema de saúde importante, assim, no sentido que ele ficou vários – não me lembro agora – semanas ou meses assim de cama mesmo, de pressão e tal, e aí, aí eu falei: “Bom!”. Porque eu ia fazer Engenharia, então eu falei: “Bom, já vamos, já também”... Mas também tudo... Eu tive essa questão, tudo levou segundos pra resolver, talvez superficialmente, mas levou segundos, então falei: “Ah, não dá pra fazer Engenharia, então vou fazer alguma coisa que dê pra fazer de noite, o que que tem pra fazer de noite?” “Ah, Administração de Empresas” “Então vou fazer Administração de Empresas”. Aí eu lembro que meu pai até: “Não, mas qual é a melhor escola de Administração de Empresas?” aquela coisa, “não, Fundação Getúlio Vargas”, então tinha que ser na Fundação Getúlio Vargas. Bom, e assim foi, quando foi no segundo semestre de 70, né, ah, aí eu falei: “Bom, enfim, então é isso aí”. É porque a... Realmente é um conceito diferente, hoje falam tanto de geração y, né, é curioso. Então eu me lembro que em julho desse ano eram férias escolares, então, mas meu pai estava doente, então eu trabalhava e tal e não ia pra escola à noite porque estava de férias em julho. Chega em casa ele pega, me abre o jornal, tinha uma página, um anúncio do cursinho Anglo Latino oferecendo bolsas, tudo, mas era assim: você fazia uma semana de aulas e fazia o exame no sábado. Aí ele pega, me dá o anúncio e fala: “Poxa, olha aí, porque que você não faz essa semana de aulas e depois faz o exame no sábado?”, eu falei: “Mas pai, o que adianta eu fazer, mesmo que eu ganhe a bolsa, eu vou fazer o cursinho quando? Eu já trabalho de dia, estudo a noite, vou fazer... Não tem cursinho de madrugada.” “Não, mas você está sem fazer nada mesmo agora em julho”, então não fazer nada era porque não tinha escola a noite. “O que que custa você fazer essas aulas?”. O pior de tudo é que eu pensei assim: “Pô, até que ele tem razão”, e fui lá e tal, fiz o tal das aulas e não sei o que e fiz o exame e ganhei uma bolsa lá não sei de quanto. Realmente, eu nem sei se ele tinha tudo isso tão, né, maquiavelicamente planejado, com certeza não, mas depois que você ganha, aí é duro de devolver, né, e aí eu falei: “Puxa vida, o que que eu faço?”. Ganhei a bolsa, me inscrevi lá no Anglo e o primeiro dia de aula no colégio, voltei pro colégio e comecei a conversar com os professores: “Olha, estou com essa situação, eu trabalho durante o dia, não posso não trabalhar. Estou com o cursinho e tem o colégio”, então eu propus um acordo lá pros professores que era: eu viria fazer as provas, mas eles me davam presença. Bom, aí foi uma maratona enorme: “Não, mas como, isso não pode” “Pode” “Não pode” “Pode” “Não pode”, bom, no fim consegui lá, então, concordaram um esquema parcial disso daí. Então eu saía do trabalho, eu ia pro Anglo que era na Rua Tamandaré, fazia um pouco de aula e tinha um intervalo e aí dependendo do programa das aulas eu pegava um táxi, ia pro colégio, já calculava na hora de chegar na hora de intervalo dos professores, passava na sala dos professores, dava tchau, fazia um marketing ali, assistia às vezes uma aula ou duas, às vezes não assistia, pegava outro táxi e voltava pro cursinho. Então esse foi o segundo semestre de setembro.
P/1 – E a, o vestibular correu tudo certo, como é que foi?
R – Correu tudo certo, foi, diga-se de passagem, muito melhor do que eu imaginava. Entrei em terceiro lugar da GV, primeiro lugar do noturno, que tinha, felizmente o GV naquela época tinha curso noturno, e, que não tem mais, né, há muitos anos, se fosse hoje eu não poderia fazer a GV, né, não poderia ter feito a GV. Foi bem.
TROCA DE FITA
P/1 – Continuando aqui a nossa entrevista, então o senhor acabou de passar no vestibular. Como é que foi essa entrada na universidade, na GV ali, pra conciliar com o trabalho? Continuando nessa temática, conciliar com o trabalho.
R – Não, aí foi normal, eu com relação a esse aspecto, depois você vai ver mais pra frente eu comentar que isso também foi uma questão fundamental na história da empresa, na minha vida e da empresa. Normal, as aulas começavam mais ou menos sete da noite e ia até, sei lá, onze, onze e pouco, onze e meia, e não era uma coisa... Só ficava cansado porque eu sempre fui dorminhoco pra dormir de manhã, então era duro de acordar. Mas então, até o contrário, sabe, eu lembro, por exemplo... Acho que uma coisa que foi legal – minha mãe me esperava pra jantar, né, então lá, onze horas, onze e meia, sei lá que horas que eu chegava – ela... Então era bom, ainda conversava um pouquinho, e foi uma coisa assim, importante, no sentido de até de solidificar uma relação. Às onze e meia não tinha mais ninguém em casa acordado, e eu também, na época, como eu te falei, eu não tinha essa questão dos conflitos, mas vamos dizer, a GV, por exemplo tinha... Já tinha naquela época um Centro Acadêmico muito interessante: ativo, assim, bacana, diferente e tal, e realmente, nos cinco anos de faculdade eu devo ter passado lá pelo Centro Acadêmico, sei lá, três vezes ou quatro vezes porque não dava, né, eu não tinha como me permitir ao luxo de perder aula e conseguir manter o padrão da faculdade e trabalhar o dia inteiro. Isso, e ainda pegar não dava, e depois, aí tinha os fins de semana, porque tinha muito negócio de trabalho em grupo e trabalhos em geral, né, normal nas faculdades, então isso se faz no fim-de-semana. Então realmente acabava o fim de semana ficando pra essa parte acadêmica, reforçando mais uma vez, o fato de trabalhar na minha casa não era de forma alguma atenuante pra não ser um bom estudante.
P/1 – E nessa época já estava consolidado na sua cabeça essa ideia de seguir a carreira como comerciante, empresário, ou você ainda pensava em algum outro tipo de atividade, outro...?
R – Não, eu... Então, aí é que está, logo que, o meu pai – como eu lhe falei – começou... Chegou ao Brasil com 14 anos e tal, e portanto, sem fazer muitas contas, ele tinha estudado na Polônia até um certo período do que seria o ginásio no Brasil, o primeiro grau, né, e tal, e era uma pessoa muito culta. Mas ele tinha... O grande sonho da vida dele era estudar. Então, quando... Logo quando eu estava no primeiro ano da faculdade, que eu entrei na faculdade, no caso, ele... Vou fazer um pequeno parênteses... Ou seja, eu tinha acabado de fazer 18 anos, meu pai fez 60, meu pai era bem mais velho que eu, mas que eu também não tinha percepção na época. E o grande sonho da vida dele era, na verdade, estudar. Então eu não me lembro se foi naquele ano ou no ano seguinte, talvez no ano seguinte, ele decidiu, fazer, começar a estudar. E na época ele fez o chamado Madureza, que era o supletivo, e tinham até um curso muito famoso, Madureza Santa Inês lá, não sei. Bom, e então aí as coisas até se inverteram, de certa maneira, a gente saía de manhã, eu deixava ele no Madureza, ele estudava de dia, lógico, de manhã, e evidentemente que também o Madureza ginasial ele tirou com muita facilidade, era uma pessoa super preparada. Sei lá, em um ano ele fez lá os quatro anos que equivaleria ao ginásio. O Madureza colegial já foi mais árduo porque Física, Química, Biologia, essas coisas já não era do mundo dele, né, mas terminou também, fez o supletivo colegial, não lembro quanto tempo levou, e aí fez o cursinho e entrou na faculdade de Direito, e ele acabou se formando exatamente no ano que ele completou 70 anos. Então, ele teve, durante também muitos anos, quer dizer, foram sete, oito anos nessa trajetória estudantil, né, vamos chamar assim, do meu pai, que pra ele foi a época acho que mais feliz da vida dele – ele adorava e tal – ele foi se desligando muito do negócio. E então, na verdade quem era, durante esses anos todos, essa rotina... Eu estou fazendo simultaneidade entre o fato de eu estar na faculdade à noite, durante alguns anos, ele ter começado os estudos, e aí ele então ele vinha depois da escola, no caso, vinha pra Léo, a gente almoçava junto. Então isso também acabou provocando com que eu assumisse o negócio muito, com 19 ou 20 anos no máximo, vamos dizer assim, já era eu a pessoa que tocava o negócio, porque meu pai foi se ocupando muito com esse lado dos estudos. Mas pra mim, ou seja, tua pergunta básica, como é que eu lidava com isso, eu lidava com naturalidade.
P/1 – E nesses primeiros tempos de faculdade, você já tinha percebido que a escolha tinha sido acertada, a escolha do curso?
R – Não, o curso foi ótimo, eu acho que eu tenho também uma dívida com a GV, que eu tenho procurado retribuir, mas a... Naquela época não, naquela época a empresa é muito pequena, então toda aquelas teorias lá, e os nomes pomposos e mesmo contabilidade, tudo, é um pouco distante da... Pelo menos pra mim foi, talvez uma limitação minha, daquela realidade daquele negócio tão pequeno. Eu não conseguia fazer uma associação entre aplicar os conhecimentos adquiridos na faculdade com aquele negócio com aquelas características, né? É um negócio pequeno de um setor também muito... não só amador, mas eu diria assim, com práticas de comércio, assim, muito arcaicas, vamos chamar assim, né? Então a questão da faculdade seguiu num caminho, mas a opção de ficar trabalhando, eu acho que na verdade eu fui fazendo ela todo dia, todo mês ou todo ano, quer dizer, eu nunca tive, assim, um dia... Tanto que eu sempre brinco assim, se eu fosse fazer uma entrevista de emprego – que eu nunca fiz – e me perguntarem o que eu quero ser daqui dez anos, eu acho que eu nunca saberia responder, porque simplesmente as coisas foram simplesmente acontecendo. E outra coisa que eu também tenho consciência é que a única vez na vida que eu trabalhei, que eu fui trabalhar por alguém, vamos chamar assim, foi realmente lá em 69, que eu fui mesmo dar uma ajuda, eu fui pra isso, fui dar uma ajuda pro meu pai. Mas, já em 70, ou seja, poucos meses depois, quando eu renovei meu contrato comigo mesmo, já é porque eu queria, porque eu gostava, porque eu me sentia bem, me dava prazer.
P/1 – Agora vamos falar desse início do seu... Da sua administração na Léo, vamos dizer assim, que o senhor realmente tomou conta do negócio. Como é que era a Léo naquela época, isso querendo dizer tanto fisicamente, a loja, quanto no mercado, aquela mesma pergunta que eu fiz na época do seu pai.
R – Não, aí é uma história longa, né, assim, de muitos anos eu quero dizer, nesse sentido, e vamos dizer assim, eu acho que a minha situação aconteceu numa conjunção de fatores muito particulares, no seguinte sentido... Quer dizer, acho rara a circunstância em que você tem assim, um jovem, né, vamos chamar de 16 aos 23, ou seja, durante sete anos, é bastante tempo... Hoje você faz um programa de trainee de um ano e já é longo, né, então você faz um programa de sete anos e num nível de detalhe e profundidade de cada microssituação que acontece no negócio... Inclusive por uma razão muito simples, porque não tem outra pessoa pra fazer, né, quer dizer, hoje você não tinha um problema de delegação porque não tem pra quem delegar. Então, qualquer coisa que você vai fazer, desde desenhar o talonário de nota fiscal ou qual vai ser a cor da fachada ou que produto põe a venda, ou a que preço que você vai vender, que preço você não vai vender, se contrata, se manda embora, se aumenta, se diminui; é tua, a decisão é tua. Então, isso daí também te dá um nível de experiência, durante sete anos, muito único; eu acho que é muito difícil repetir uma situação dessas. E ao mesmo tempo, eu vejo muita gente que às vezes o filho vai trabalhar com o pai, mas o pai está muito ativo, então é muito difícil porque o filho trabalha com o pai mesmo, fica lá fazendo: “Ah, vai trabalhar aqui, vai trabalhar na área, sei lá, na loja, ou na contabilidade, ou no depósito”, ou sei lá onde, ou nas compras e tal. Não era o meu caso. O meu caso, eu acabei, né, nesse sentido, muito rápido a fazer tudo. Então eu comprava, vendia, fazia preço, fazia a parte financeira, fazia a parte administrativa, interagia com a contabilidade; quer dizer, era uma experiência muito particular, muito única. E meu pai, na verdade, ele estava ótimo, porque ele queria mesmo era mais cuidar lá da faculdade. Até tinha uma situação muito engraçada, às vezes ele chegava tarde, entrava um grupo de dois, três, quatro jovens, né, jovens, da mesma idade que eu, até, e: “Ah, seu Bernardo está?” e tal, “ah sim, o que é?”. “Não, nós somos da faculdade e viemos fazer um trabalho”, né, então ele marcava lá na loja pro pessoal se encontrar. Então é uma situação muito particular essa experiência que eu tive de conhecimento do negócio muito grande, muito única. Como que a Léo se posicionava? A Léo, durante esses sete anos, eu acho que ela continuou, porque como eu te disse, em 69, quando ele fez a expansão, foi um esforço muito forte inclusive financeiro, né, quer dizer, ele não tinha capital pra financiar essa expansão, então tomou dívida. Então durante os anos seguintes, um ou dois ou três anos nós liquidamos as dívidas, pagamos as dívidas e a empresa foi ficando pequena, mas sólida, né? Nesse meio tempo também, esse salão que a gente tinha pego de 600 metros, o fundo vagou, então ampliamos pro fundo. Então era uma loja... Eu diria nessa... Durante esse período, já não era aquela menorzinha das menorzinhas, mas estava longe de ser das mais representativas, né?
P/1 – E essa loja que o senhor assumiu, como é que ela era fisicamente? Era... A parte de mostruário, a apresentação da loja, como é que era?
R – O nosso negócio tem uma característica que é o seguinte: pra falar a verdade, a gente fala “a loja”, mas na época não tinha praticamente loja, era muito mais um depósito. Você tem um balcão de vendas, não tem mostruário, né? Quando era só madeira, o mostruário é a própria mercadoria, né? Depois, quando entramos com ferragens, aí sim começa a ferragem a ter o mostruário de ferragem, mas nesses primeiros anos, como era só madeira, não tinha, assim, esse conceito loja. Era um depósito, não sei, de seiscentos metros quadrados que você pegava lá uns 20 ou 30 metros quadrados da frente e falava: “Bom, aqui a gente atende cliente, o resto é estoque”.
P/1 – E essa vivência no balcão, o trato com cliente, era uma coisa que o senhor gostava, ou o senhor já pensava em um dia ir pra uma parte mais de bastidores ali?
R – Não, não, não. Gostava e é o que eu gosto, na verdade. Hoje a vida até mudou, mas o que eu gosto de fazer, na verdade – isso eu já descobri há algum tempo – eu gosto de fazer negócio. E aí negócio pode ser grande, pequeno, médio, o tamanho não é tão relevante. Então, eu acho que nesse ponto o comércio dá uma dinâmica muito única porque o nosso comércio, também... Lembrando, não é auto serviço, atendimento pessoal, então você... É diferente o conceito, né? Então você interage com os clientes, os clientes são clientes normalmente habituais, quer dizer, tem muito cliente que compra todo dia, duas vezes por semana, então forma um tipo de relação muito particular.
P/1 – E o senhor mencionou que no início era só madeira. Quando é que começou o comércio das ferragens também e por qual motivo, como é que foi?
R – Não, porque tinha lá o maior comerciante na época, era o meu ídolo. Tinha lá o questionário que era o meu ídolo. Era uma empresa chamada Jamal, dois irmãos, e eles tinham um negócio de madeira e, eu não sei exatamente em que ano começaram com o negócio de ferragem. Que deu muito certo, porque ferragem naquela época basicamente só existia na Rua Florêncio de Abreu, uma ferragem mais genérica. A ferragem da Rua do Gasômetro é uma ferragem mais especializada pra movelaria, né, pra indústria de marcenaria. E aí, lógico, você fica numa situação e fala: “Poxa vida, todo cliente meu que compra madeira é praticamente obrigado a ir no Jamal pra comprar ferragem, então temos que ter ferragem também”. Então, simplesmente por uma decisão dessa natureza começamos a trabalhar a linha de... Incorporar na linha de produtos a linha de ferragens.
P/1 – Vamos falar um pouquinho das questões técnicas desse tipo de comércio. Pra madeira, como é que é a relação com o fornecedor, quem são os fornecedores, onde é que a Léo comprava essa madeira que era comercializada?
R – Bom, então, quem eram, né?
P/1 – Quem eram.
R – Porque, como realmente a história acabou ficando longa, né, são muitos anos e mudou muito. Quando eu comecei, em 69, 70; nessa época o produto básico era... O produto, a matéria-prima básica do marceneiro era o compensado e a madeira serrada, e basicamente vindas do sul do Brasil, do Paraná, Santa Catarina. Então compensado de pinho, de cedro, imbuia, basicamente madeiras da região Sul do Brasil. Logo nos primeiros... Início do ano 70, começou a exploração de madeira de origem tropical, e foi migrando realmente a indústria de madeira pro Norte do Brasil, né? Norte e Centro-Oeste, Mato Grosso e depois o Norte, Amazônia, Rondônia, todos esses lugares. Então comercializamos muito mogno, cerejeira, que eram madeiras nativas dessa região, e o compensado feito com uma madeira também, lá chamava popularmente violinha, que é uma madeira mais rosadinha, também vinda dessas regiões do Mato Grosso. Então a indústria... Continuava o fornecimento do Sul, mas o grosso vinha dessa região.
P/1 – E como é que era a entrega lá na loja, era feita por caminhões?
R – Caminhões.
P/1 – E era a Léo que contratava alguém pra buscar essa mercadoria ou...?
R – Não, os fornecedores... Pra isso tinham já os motoristas, né, os caminhões, autônomos normalmente, que faziam e fazem esse transporte acho que até hoje.
P /1 – Até hoje continua o mesmo sistema?
R – Não, hoje mudou muito porque de uns dez anos pra cá, o painel básico da indústria da marcenaria não é mais o compensado, em grande parte. 80%, hoje em dia, provavelmente é o MDF, né, que mudou completamente. Aí sim. É um painel feito de madeira reflorestada, ou de pinus ou de eucalipto, por empresas muito maiores. E tudo hoje é certificado, é FSC, né, no caso todos os produtores desses painéis, é tudo madeira ecologicamente correta. Então mudou muito esse perfil, mas o transporte, pra falar a verdade, continua. Antes eram caminhões menores, hoje são caminhões maiores, mas no fim, na essência é a mesma coisa.
P/1 – E no caso das ferragens, como é que era essa relação com os fornecedores, quem eram esses fornecedores?
R – Não, enfim, é um... É muito pulverizado, porque são puxadores, dobradiças, corrediças etc. Mas na ferragem é interessante, mudou muito, muito, aí sim, mudou substancialmente. Primeiro que os produtores nacionais deixaram de existir com a abertura da China, né, então realmente, hoje, o volume de ferragem importada que se encontra no Brasil é grande, eu diria até que alguns itens nem se fabricam mais no Brasil. Os próprios fabricantes viraram importadores, das ferragens básicas de móveis e tal. E aumentou muito a linha de funcionalidades, quer dizer, isso que eu acho um incremento muito bacana que tem na, nesse setor, né? Mas é muita gente.
P/1 – E também não teve mudanças significativas, tirando essa questão da origem chinesa?
R – Não, não tem não, tem um nível de sofisticação muito maior, funcionalidade... Você tem essas gavetas que você pega, você dá um toque e elas já fecham sozinhas. Então eu acho que melhorou muito, no caso das ferragens muito. Faz muita diferença tanto visualmente quanto na funcionalidade do móvel, essas portas de correr, né, que são super bacanas. Você, com um toque, assim, ela já abre, fecha, portas dessas de display, assim, muito... Ferragem, eu acho que é uma área que tem sofisticado muito.
P/1 – Então nesse campo, inclusive, tem uma preocupação estética, com o design das peças...?
R – Muito grande.
P/1 – E tem alguém que cuida especificamente dessa parte?
R – Tem, tem, cada linha de produto... No caso da Léo, né?
P/1 – Sim.
R – Cada linha de produto tem o gerente de produto responsável, que visita feiras, que visita tendências e acompanha, e a gente vai atualizando a linha em função da demanda de mercado.
P/1 – Historicamente, quem costumam ser os clientes da Léo? São pessoas do varejo, do atacado? são outras lojas que depois revendem?
R – Não.
P/1 – Quem costuma ser o grosso da clientela da Léo?
R – O grosso da clientela da Léo, é o seguinte, vamos dizer então... A Léo, nesse meio tempo também uma outra mudança que houve foi a introdução, a incorporação na linha de produtos da área de máquinas. Então, né, vamos dizer, tinha madeiras, depois a parte de ferragens, e anos depois, até logo no plano Collor, aquelas coisas, nós introduzimos a linha de máquinas, máquinas pra marcenaria e ferramentas elétricas, né, tipo plaquetas, furadeiras e tal. E mais tarde, uma linha que, aí sim, já sai fora do setor, que é uma linha que nós chamamos de construção seca, que são essas paredes de Drywall, materiais acústicos, forros, divisórias etc. Bom, então na linha de marcenaria, o cliente básico da Léo, a gente fala assim: “Ah, é uma marcenaria”. É uma marcenaria, ou seja, um móvel por encomenda. Mas quando a gente fala móvel, você tem que pensar o seguinte, que móvel é um conceito muito amplo, então, vamos dizer, você não vai encontrar nenhum ambiente que você não vai encontrar coisas do nosso... da linha de produto que nós vendemos. Então você tem desde – óbvio, né ¬– os móveis mais baratos, residenciais, mas muito de instalações comerciais, lojas, muito desses stands de feiras, pra todo mundo, esse universo que faz essas feiras tipo Anhembi etc. É um universo muito importante. Nós temos clientes, por exemplo, que trabalham especializado em hospitais, que é um móvel com particularidades, então trabalham só pra hospitais. Hotéis, hoje é um... Hoje não, já faz tempo, é um setor muito grande, muito significativo. Restaurantes, escritórios, enfim. Então o universo é muito grande. Normalmente o canal pode ser uma marcenaria, vamos dizer, as grandes lojas de varejo de roupa, elas trocam suas lojas, seus layouts e seus mostruários com uma certa frequência que eu não sei exatamente qual é. Até alguns anos atrás, inclusive, quando eles não tinham aderido a moda, ao modismo da terceirização, você não encontrava uma empresa média pra grande no Brasil que não tivesse uma marcenaria própria. A maior marcenaria que eu conheci, na minha vida era a marcenaria do Bradesco, que, pra vocês terem uma ideia, quando ela fechou ela fez um leilão lá dos equipamentos dela, dos estoques que ela tinha. Ela tinha; o estoque da marcenaria do Bradesco era maior que o da Léo. Era maior que o da Léo. A do Itaú era gigantesca. Então todo esse pessoal não deixou de fazer o serviço, é que eles simplesmente passaram a fazer com empresas contratadas, enfim, uma tendência, mas o serviço continua sendo feito do mesmo jeito. Nós todos acompanhamos agora recente essa mudança que o Itaú fez em todas as agências dele, essa remodelação de visual. Eu nem imagino quantas empresas devem ter trabalhado pra poder cobrir ou reformar, sei lá eu, não sei quantas mil agências em um ano ou dois anos. Então o canal é, vamos dizer, uma marcenaria, mas muitas vezes quem compra nem é a marcenaria, é o próprio consumidor.
P/1 – Então desde sempre a Léo já oferecia esse serviço de marcenaria pros clientes, de por exemplo, o pessoal comprar um pedaço de madeira e pedir pra cortar de um jeito?
R – Não.
P/1 – Quando é que começou esse tipo de serviço?
R – Não, não, vamos até deixar claro, não. Não porque o nosso cliente, ele é um industrial. O meu cliente é um industrial, ele tem as marcas pra cortar. Isso começou alguns anos atrás, em função também de uma, da introdução de produtos novos, o tal do MDF que a gente comentou, mas é o MDF revestido, e esse MDF revestido, pra você dar um corte de boa qualidade, não é uma máquina qualquer. Aquelas... As máquinas antigas que tinham disponíveis no mercado, nas marcenarias do mercado, não dariam o corte com a precisão necessária. Ia lascar, ia dar um mal acabamento. Então a gente, na verdade, começou a cortar como uma prestação de serviço no sentido com o espírito de poder proporcionar ao nosso cliente – que é um industrial da marcenaria ¬– a possibilidade de fazer um móvel com um bom acabamento, e pra isso ele precisava ter um corte de qualidade. Tanto que nós não vendemos pedaços cortados, nós vendemos a chapa inteira. Só que pros clientes que preferem, levam cortado.
P/1 – Além desse, tem algum outro tipo de serviço que a Léo oferece pros clientes?
R – Não. Serviços muitos, mas assim, esses serviços assim... Bem, que são entendidos como serviços no produto, tem a questão... Depois de cortar, você também tem, normalmente, que dar acabamento no topo; então é uma operação... Tem uma fita de bordo, uma fita no bordo, né, que se aplica e tal. Também entregamos com a fita já colada.
P/1 – E é importante pro funcionário da Léo, além de ser um bom vendedor, ele também ter esses conhecimentos sobre o tipo de madeira e como se cortar uma madeira? Qual o peso que se dá isso na escolha de um funcionário?
R – Não, não. Enfim. Não como cortar, mas o conhecimento técnico do produto, né, é muito importante, sim. Aí tem o processo de seleção, mas normalmente, lógico, uma pessoa que nunca trabalhou nesse ramo não tem por que ela iria conhecer. Então é feito todo um processo de treinamento, que não é adquirido em dois ou três ou quatro meses. Não, é mais tempo de trabalho e principalmente, dependendo muito do interesse da pessoa, né? Agora eu acho importante, um conceito até bem natural, que eu acho mais... Inclusive pra nós, eu acho que quando qualquer um de nós entra numa loja de qualquer coisa, a gente espera encontrar alguém que entende daquilo. Então, se você vai comprar um tênis, né, um tênis todo bonito aí no teu pé, você quer saber se aquele tênis é bom pra basquete ou corrida ou etc. Ou qualquer coisa. E porque ele é isso, ele é aquilo... Então, eu acho que qualquer produto que a gente vá comprar, eu acho que a gente espera de quem nos atende uma explicação sobre aquele produto, né?
P/1 – E como é que é o processo de treinamento lá na Léo hoje?
R – Aí é um processo... Tem uma parte assim mais acadêmica, em sala de aula, vamos chamar assim, e uma parte muito onjob mesmo, né, no trabalho. Visitas a fabricantes, catálogos, o próprio fornecedor, a parte técnica, ele contribui bastante no treinamento das pessoas, né?
P/1 – Hoje, qual é o carro-chefe da Léo Madeiras? Qual é o produto...
R – Você diz de linha de produto?
P/1 – Isso.
R – Olha, o carro-chefe, na verdade, do setor, acabou, se tornou realmente o painel, que é composto... Quando você pensar em qualquer tipo de serviços de marcenaria, seja lá o que for, se quiser fazer um home theater, ou um armário, ou uma loja, ou uma prateleira, enfim, qualquer coisa, você vai... Você parte sempre da base com que isso vai ser feita, que é o painel, né, ninguém mais faz hoje de madeira maciça. Então esse é o produto, é o carro-chefe. Em cima disso você vai agregando, ou eventualmente um revestimento especial: “Ah, eu quero revestir com fórmica”, então reveste com fórmica, ou com folha de madeira natural, que é... Ainda existe, né, então folha de madeira natural: “Ah, eu quero laquear”, então vai aplicar a laca. São os diversos tipos de acabamento, e aí vem a questão da montagem, os acessórios pra montagem, se você vai pregar ou vai colocar uma dobradiça, ou você vai colocar... Hoje tem dispositivos de montagem bastante interessante, depois você vai: “Ah, bom, que cara que eu quero dar?” “Quero botar um perfil de alumínio”. Vamos pôr o perfil de alumínio. Tipo puxador, ou vai ser... Vai correr de que jeito e tal, então são as funcionalidades do... Então, toda essa linha nós trabalhamos.
P/1 – E o estoque lá na Léo Madeiras, como que é? De quanto em quanto tempo a mercadoria tem que ser reposta? Existe uma pessoa específica que cuida dessa parte, como é que funciona?
R – Tem uma área. São dez pessoas, fora os gerentes das lojas. Tem, tem, é um departamento chamado Gestão de Estoque, que administra... Tem um software que, na verdade, programa as compras, os volumes de fluxo de mercadoria. Hoje nós trabalhamos com mais de dez mil itens, então é um número grande. Então é impossível fazer manualmente, e... Mas nesse software tem que ser alimentadas as parametrizações, né, que o sistema te calcula baseado no histórico. Muitas vezes histórico não representa a realidade no futuro, então tem que ser... ter algum ajuste, né, e... Mas nós trabalhamos basicamente com estoque de 60 a 70 dias, mais ou menos uma metade fica no depósito central e a outra metade espalhada nas lojas.
P/1 – E o... A questão da entrega da mercadoria? Hoje o cliente vai na loja, na Léo Madeiras fazer uma encomenda; como é que são esses transportes até a fábrica, ou enfim, até...?
R – A fábrica, ou enfim, onde ele estiver, né? Não, ele pode ir numa loja, levar da loja, e é uma grande parte das vendas, ou sair do depósito central também direto pro cliente. É um misto, muitas vezes o cliente vem com seu próprio... O nosso tipo de cliente normalmente tem uma caminhonete, um caminhãozinho pequeno, que ele usa, inclusive, pra fazer as entregas dele também, então muitas vezes ele vem ele mesmo e já retira. Já leva, carrega na hora e leva embora e pronto. Muitas vezes a gente manda no dia seguinte, a entrega é sempre, normalmente, no máximo, um dia mais um.
P/1 – A Léo tem a própria frota de caminhões?
R – É terceirizada, nós não temos caminhões próprios. Nós trabalhamos com caminhões terceirizados, sim, mas é uma frota contratada pra isso.
P/1 – Então vamos falar um pouquinho agora da ampliação da rede. No começo era a lojinha na Rua do Gasômetro, hoje nós sabemos que tem várias lojas, inclusive em outros estados. Como é que foi esse processo de expansão e quando foi que começou?
R – Então, voltando um pouquinho pra trás, assim, eu me... Então, eu me formei em 75, né, 75. Então, quando foi lá, janeiro, fevereiro de 76, eu me vi, assim... Não, janeiro e fevereiro era normal, porque sempre janeiro e fevereiro são férias escolares, né. Então quando foi em março, mais ou menos, eu falei: “Caramba, depois de sete anos estou sem atividade noturna”. Então é até ao contrário, o problema maior que eu lembro, que eu tenho mais clareza não foi de quando eu trabalhava, foi quando... Não quando eu trabalhava e estudava, foi quando parei de estudar, que eu falei: “Cacete, o que eu vou fazer de noite?” Então sobrou aquele tempo. E aí, rapidamente o que aconteceu foi que não foi só questão do tempo, acho que o tempo foi importante, mas tão importante quanto o tempo que sobrou foi o fato de parar de ter dois focos. Porque até então eu tinha... Tinha o trabalho, mas eu tinha a faculdade, e não tinha mais... Então eu passei a ter basicamente um único foco, que era a empresa, e aí realmente entramos, assim, numa seara, num... Dez anos, vamos dizer, de 76 até 86 que foi quando... Casei em 85. Realmente, um tanto quanto alucinantes de desenvolvimento, crescimento muito acelerado. Então, naqueles anos 70 ainda, 76, 77, 78, expandimos na própria São Paulo, e ainda em 78 abrimos a primeira unidade fora, em Campinas. Em 80, 81 em São José dos Campos, e aí foi uma sucessão de aberturas – pra quem estava saindo daquilo, né – bastante grande em bairros de São Paulo. Depois abrimos Santos e Curitiba, e enfim, foi uma sucessão bem importante. Isso foi indo até... Seguiu dessa forma até os anos 90, quando aí começa aquele negócio de... Quer dizer, já em 86 começaram os planos econômicos, né, quer dizer, o Cruzado, depois o... Etc. Verão e Bresser e... Bom, enfim, aquela lista que todo mundo conhece. E cada vez isso realmente criava uma turbulência no trabalho muito grande, muito grande. Mas como sempre, tudo tem vantagem e tem desvantagem. Então em 86, por exemplo – não sei se faz parte, mas aí o editor edita – foi quando a gente fez... No caso eu falo nós, assim, a primeira operação fora do negócio da Léo. Justamente, eu tinha o meu irmão mais velho, que seguiu outra carreira, seguiu a carreira de executivo profissional numa multinacional. E em 86 nós tivemos a oportunidade de comprar uma empresa industrial num setor completamente diferente, setor metalúrgico, uma empresa muito grande, muito maior que a Léo, que é a BRASIMET, e graças em parte ao plano de 86, lá do Sarney, nós até conseguimos comprar. E aí começamos então a diversificar as atividades. Só pra ter uma ideia... Que aí seguiu muito um caminho paralelo ao da Léo muito importante, porque em 90 compramos a Fórmica, que era um grande fornecedor da Léo e tal. Bom, enfim... Então o plano de expansão, ele foi seguindo esses anos e tal. Quando foi na década, assim, aí já pulando, já...
P/1 – Pode continuar.
R – Quando foi pulando a época dos anos 2000, a virada do milênio, eu enxergava um futuro complicado pro nosso negócio no sentido do tipo de situação que podia ser feito. E principalmente no resto do Brasil em função de uma das questões... Questão tributária, assim, estrutura tributária no Brasil é particular. Então, no Nordeste brasileiro a mercadoria chega com 7%, sai com 17, e assim por diante. Em outros lugares... Então, torna isso muito difícil de trabalhar, além da questão do tipo de gestão que o nosso tipo de negócio demanda. Em função disso, numa reflexão assim, um dia, eu falei: “Puxa vida, o que nós temos, né?”. Foi nos anos 2000, a empresa tinha 60 anos quase. É muito tempo e, poxa, tem um acúmulo de experiência e conhecimentos e know-how aqui muito grande. “O que tem dentro disso que a gente... que eu acho que tem valor pra alguma pessoa que está lá em Belém do Pará, ou em Fortaleza, ou não importa aonde, que eu possa ajudar essa pessoa a explorar melhor o negócio dele, a crescer o negócio dele, e que tenha valor pra ele, portanto, e ele me remunere alguma coisa sobre isso?”. E aí saiu o projeto da franquia. Então a gente formatou o processo, serviços... Na verdade é muito mais serviço que a gente vende, de compras, de marketing, de treinamento, de montagem de lojas, de tudo isso; e partiu pra expansão fora do eixo Rio-São Paulo, através do modelo de franquias.
TROCA DE FITA
P/1 – Então a gente estava falando da expansão da Léo, hoje a Léo ainda tem algumas filiais ou toda a rede está em sistemas de franquias? Como que está a divisão hoje?
R – Vamos dizer assim, as lojas de São Paulo e Rio de Janeiro, são, com exceção de duas, são todas lojas próprias, Então a gente definiu o mercado dessa forma, quer dizer, o que é fora do eixo Rio-São Paulo são lojas franqueadas. O que é no eixo Rio-São Paulo é, vamos dizer assim, também é franqueado, mas o franqueado é o mesmo acionista da empresa franqueadora, né, ou seja, um franqueado. A loja própria.
P/1 – E quais são as preocupações da Léo Madeiras pra conceder uma franquia a alguém? O que que a loja exige?
R – Ela exige principalmente, assim, principalmente, vamos dizer, como fator hiper-excludente, né, um alinhamento com a questão de missão, visão e valores. Vamos dizer, isso pra nós é um negócio assim hiper básico, e felizmente acho que temos conseguido um bom sucesso, então o nosso foco... Então, portanto, não é velocidade na expansão, é muito mais a qualidade da expansão, mesmo porque nós sabemos; nosso negócio não é um negócio pra ter mil lojas, duas mil lojas, né. Nosso plano, que a gente consegue enxergar, são 160, 180 lojas no Brasil, nesse Brasil de hoje. Pode ser um pouco mais se o Brasil for bem, tomara Deus, e então, se isso vai levar três ou quatro ou cinco anos, ou seis anos, pra mim não me importa muito, mesmo porque já faz bastante tempo até que a gente está muito mais preocupado com um trabalho no sentido de transformar em verdade aquela constatação biológica de que o ser-humano pessoa física, a própria natureza se encarrega de eliminá-lo, vamos chamar assim, né, da face da Terra, mas uma pessoa jurídica pode existir por séculos, desde que ela consiga ir renovando as suas células e tudo. Então a gente está muito mais focado no longo prazo. Então é isso.
P/1 – Como que é a preocupação pela escolha dos pontos de venda? Então vocês começaram na Rua do Gasômetro, que é um ponto muito conhecido desse setor; e as primeiras lojas que foram, que começaram a expansão, como é que foi a preocupação pra escolha dos pontos? Que locais vocês escolheram pra instalar as lojas?
R – Olha, nesse caso nunca teve uma ciência muito exata, não. Até agora nós temos procurado estar em ruas ou avenidas de fluxo, mas é o que tem até se tornado complicado em virtude dessa mudança, por exemplo, do próprio tamanho dos caminhões na entrada de mercadorias. São Paulo hoje tem áreas restritivas importantes, né, cada vez mais eu acho que a gente... E a gente também, o próprio tamanho dos nossos produtos cresceu, então precisa de armazéns maiores, com pilhadeiras e tudo mais. Então, as localizações, elas tem uma busca de uma funcionalidade logística, evidentemente um raio de influência, de atuação de proximidade dos clientes e uma certa visibilidade, mais ou menos o critério é esse.
P/1 – Então a preocupação é se posicionar em locais de grande fluxo, por exemplo, Marginais, Avenida Bandeirantes?
R – Não... Digamos assim, a Marginal, seria com certeza uma ótima alternativa. Mas hoje, por exemplo, se você pegar em São Paulo, nós estamos lá em São Miguel na Avenida São Miguel, em Guarulhos na Guarulhos, na Lapa, por exemplo, a gente está na Rua Clélia, que é uma rua importante, mas que é uma rua cada vez mais difícil de trabalhar, né? Na verdade, hoje só viabiliza uma loja nossa na Rua Clélia porque tem o depósito central que está numa localização que não tem esse problema de trânsito, né? Vamos dizer, quando você vai pra fora de São Paulo, também tem que respeitar essas questões de juntar a questão da visibilidade com a questão da logística. Isso.
P/1 – E esse mesmo caso da Rua Clélia é o que se aplica à Rua Paes Leme, aquela unidade da Paes Leme, que apesar de ser um ponto tradicional é uma rua pequena...?
R – É uma rua... O problema da Paes Leme não é nem a Paes Leme, o problema da que.... Foi ficando o Metrô e a Faria Lima chegou lá, né? Hoje nós ficamos cercados de um lado, né, somos vizinhos do SESC Pinheiros, e agora de um grande empreendimento imobiliário que está saindo do nosso lado, né? Por outro lado atende uma região, uma grande concentração, é a nossa melhor loja. Então a... É que nem eu mesmo comento lá com diretores e tudo: É que nem, talvez, alguém que tinha, sei lá, uma loja lá na – acho que nunca teve – na Avenida Paulista, não sei quando, e um dia não deu mais pra ter, né, nem casa dá pra ter mais na Paulista. Então um dia vai ter que acontecer alguma coisa, mas por enquanto dá, temos as restrições da prefeitura, dos horários de funcionamento e de descarga, então isso exige um trabalho de ter que descarregar de noite e tudo, é um complicador; mas nossas lojas, por exemplo em São Paulo, nenhuma... Acho que só temos duas lojas que pegam essa restrição, que eu acho que é essa e a da Rua Clélia. Todas as outras estão mais afastadas, estão na região do Aricanduva, entende, é tudo mais longe, não é um comércio pra estar na Rua Augusta ou não sei aonde. Não é um comércio de consumidor final. Eu até sempre costumo comentar de uma forma com os nossos... Com a equipe comercial. Eu sempre ouço dizer... Aprendi¬ que as pessoas – dizem que são mais as mulheres, mas acho que os homens também – quando eles estão um pouco deprimidos, uma das formas de sanar a depressão é ir fazer compra, né? O cara vai fazer uma compra e tal, e melhora de ânimo, né? E eu falo: “Olha, eu não sei...” acho que por mais deprimido que alguém esteja, seja homem ou seja mulher, eu acho que dificilmente vai falar “Ah, hoje eu vou comprar uma dobradiça”, sabe? “Vou comprar um sarrafo, uma tábua”. Acho que nunca apareceu na loja alguém que veio comprar uma tábua porque está meio deprimido. Então, o nosso tipo de cliente é um cliente que vai na nossa loja porque ele precisa de alguma coisa, não vai por lazer, né? Então as localizações são voltadas para o tipo de público pra quem nós trabalhamos.
P/1 – Nesse eixo do lazer, talvez tenha aquela categoria do marceneiro amador, né?
R – Do hobbista.
P/1 – É, do hobbista. É comum esse tipo de cliente? Esse tipo de cliente tem um atendimento especializado no sentido de ensinar alguma técnica, existe alguma coisa?
R – Não, esse é um pouco um problema, porque de fato existe. A gente... O hobbista... O hobbista não, porque tem duas coisas, tem o hobbista e tem o... sei lá, não é o... Porque hobbista pra nós é uma pessoa assim, é como se fosse um profissional só que ele não trabalha por... ele não vende o serviço dele, ele trabalha por lazer, né? E muitas vezes tem uma oficina no sítio, em casa, e faz coisas e tudo, né? E gosta de fazer e é um cliente importante pra nós. Agora, realmente, o desenho do processo de trabalho da Léo não está montado hoje pra atender esse tipo de pessoa, e quem sabe menos que essa pessoa, então, menos ainda, né? Digamos assim, como na nossa história, a gente sempre está acostumado a trabalhar com o profissional, nosso processo de venda acaba sendo muito o seguinte: O cliente chega, fala: “Eu quero dez disso, cinco daquilo, 20 daquilo”. E às vezes pergunta: “Bom, você acha que eu devia levar a dobradiça A ou a B?” Mas é pouca coisa, ele não fica assim: “O que você me sugere pra tal?”. Então nós não estamos muito acostumados a esse nível de serviço. Muitas vezes, pelo contrário, é o cliente que ensina pra gente muita coisa. Como é que vai aplicar uma laca, como é que faz pra lixar e tal. Não é, digamos assim, o conhecimento técnico. Muitas vezes está até mais na cabeça do nosso cliente, pela característica que nós trabalhamos com profissional.
P/1 – Mas está nos planos da empresa investir nesse tipo de cliente, por exemplo, oferecer cursos de marcenaria?
R – Nós fazemos, nós temos dois projetos de escola, de um instituto. Nós temos também uma ONG, chama Instituto Léo, e o Instituto Léo patrocina dois tipos de cursos: um é o trabalho social em comunidades de baixa renda, pra jovens de 16 a 18 anos, e que faz cursos de marcenaria, cursos até longos, e profissionalizantes. Então isso é uma coisa, é um trabalho social de profissionalização, e algumas – evidentemente – algumas atividades correlatas durante o curso. Tem outro tipo de curso, aí já com empresário da marcenaria, com dono de marcenaria e tal, mas que é muito mais um curso de gestão, porque a gente percebeu... Nós percebemos na nossa história que muitas vezes uma pessoa que tem habilidade manual ou industrial até, de fazer alguma coisa, não necessariamente tem a mesma competência gerencial. Então a gente faz um de finanças, de marketing, desse tipo de projetos, né, em computador, desse tipo de coisa. Mas ficar dando curso, assim, pra consumidor, vamos chamar assim, isso já é uma atividade mais de uma empresa que nós somos associados, que é a Leroy Merlin, que tem esse foco.
P/1 – Voltando na questão da mobilidade, do fluxo, uma das soluções que costumam se apontar pros comerciantes é o comércio online, o comércio pela internet. A Léo Madeiras também está nesse mercado, como é que funciona?
R – Por enquanto não. Nós temos um... Bom, nós temos um site hoje com toda a linha de produtos, e estamos nos preparando pra essa situação. Mas basicamente, o gargalo é a questão logística, então nós, muito provavelmente, vamos começar com uma parte da linha de produtos que é muito mais fácil de transportar, tipo ferramentas elétricas e ferragens, produtos menores, e caminhando pra – eventualmente – pra parte de chaparias e tudo, que são outro tipo de transporte. Você não manda pelo Sedex (risos) uma chapa de MDF, né, não dá. Então esse transporte é muito caro, mas nós, hoje... Mas hoje o site nosso, o portal, ele tem realmente... Nós procuramos deixar depositado nele um conjunto de conhecimentos e informações muito grande, não só do produto como também de cursos e entrevistas, que está ligado com o negócio da TV Léo, exatamente.
P/1 – Sobre a TV Léo, como é que foi essa ideia e como que funciona, com qual finalidade?
R – Há muitos anos que a gente chegou a uma conclusão – assim, que não precisava ser tão conclusiva, é meio óbvia – que é muito importante, né, que nós nos comuniquemos com nossos clientes, levando as informações que julgarmos, acharmos relevantes, esperando que eles também achem, é lógico. E na época, isso há muitos anos atrás, como eu lhe disse, o mercado nosso tem um grau de informalidade muito grande, e o cliente, no caso pequenas marcenarias, até hoje muitas ainda nem tem registro CNPJ. Mas, lógico, agora cada vez mais microempresas simples e empreendedor individual, essa nova coisa que, novo sistema que o governo providenciou e tal... Mas na época, eu sei lá, acho que 70, 80% não eram nem registrados, não existia a empresa. Então como se comunicar com esse pessoal, visto que não dava pra usar a mídia de massa, nem televisão, jornal? Não era o público pra isso. E nós criamos então um canal de mala direta, que fomos investindo durante anos, mas muitos e muitos anos em formar o nosso cadastro, mas um trabalho muito grande esse; e fazíamos, mandávamos periodicamente, mandamos até hoje. Só que chegou uma época que isso foi ficando muito caro, em grande parte pelo correio e em grande parte pelos custos de gráfica. E aí decidimos: “Olha, já está ficando tão caro que talvez seja mais econômico a gente ir pra uma mídia de massa”. E compramos, durante alguns... Uns quatro anos, nós compramos meia hora na RedeTV!, canal aberto, e fazíamos e produzíamos um programa de meia hora, portanto, de televisão que passava no domingo etc. A coisa estava indo bem, aí começou a ficar... A RedeTV! resolveu mudar a política de preço e o preço ficou muito caro. Mudamos pra outra rede e chegou uma hora que eu falei: “Olha, eu acho que a mídia também está muito cara e com uma enorme...” – no meu modo de entender – até hoje, “com uma desvantagem, gigantesca, que é você ter que assistir naquele dia, naquele horário, naquele canal”. Então, como nós fazíamos? A nossa produção é de um conteúdo... Que a gente procura, né, ter a ousadia de querer fazer um conteúdo rico, que a pessoa... De treinamento, de formação, que a pessoa possa assistir duas vezes, três vezes, ver de novo: “Puxa, como é que é mesmo?” “Não lembro mais”. O cara assiste, a pessoa assiste, mas o dono da marcenaria assiste e quer mostrar pra um funcionário, e tudo. Ou seja, a possibilidade de poder repetir é muito importante. Então a gente decidiu e falou: “Ah, vamos sair da mídia de massa e vamos pra mídia hoje da internet, que a pessoa vê a hora que ela quiser, no dia que ela quiser, vê quantas vezes quiser, guarda, não guarda, está lá tudo disponível”. E com isso, então, migramos pra TV Léo ponto com, ou ponto tv, na verdade, né, tvleo.tv. E eu acredito realmente cada vez mais nessa mídia, acho realmente que vai dar muito certo, mas o conceito básico, seja qual for a forma de mandar a informação, é que a gente tem um trabalho enorme de informar. A gente comentou há pouco quais são as novidades de produtos, né, a linha de ferragens, muito na parte de máquinas e ferramentas, ferramentas sem fio, com bateria. Na parte de painéis, que eu falei, o carro-chefe... O volume de lançamento de padrões e de acabamentos novos é muito grande, então tudo isso daí, pra chegar ao conhecimento do nosso cliente é muito difícil. Então foi a solução encontrada pra isso.
P/1 – E vocês tem algum relatório da repercussão da TV Léo?
R – Tem, lógico, evidentemente, é medido com frequência. Felizmente, acho que cada vez mais a audiência, vamos dizer... É que é diferente, você não mede uma audiência como num programa de televisão, mas você mede o número de...
P/1 – Visualizações.
R – De visualizações, né? Nós, no caso temos usado o sistema... Acho que muita gente lá, do Youtube, né... Quer dizer, realmente ficou muito democrático, muito democrático esse processo, e muito eficaz. Então as... Tem medido sim, tem crescido, hoje toda a linha, por exemplo, toda a linha de máquinas e ferramentas e ferragens já tem filmes pra cada um dos produtos, inclusive não só do produto mas como se aplica o produto. Por exemplo, todo o sistema de portas de correr hoje em dia, com os apartamentos pequenos cada vez se usa mais. Mas muitas vezes, às vezes, uma marcenaria que não está acostumada a trabalhar com esses modelos tem dificuldade técnica de instalar, porque aquilo é bacana se fica muito bem colocado, se não... Né, não corre gostoso. Então todos esses filmes mostram tudo isso.
P/1 – E tem alguma... Vocês já investiram em programação da TV aberta... Tem alguma outra forma de marketing que a Léo investe?
R – Ela investiu, durante um bom... Na época também foram coisas marcantes na nossa história, em mídia assim, que era... Durante alguns anos nós fizemos em São Paulo, por exemplo o busdoor, né, que hoje acho que é até proibido. Então realmente, foi uma circunstância, uma coincidência, eu conhecia a pessoa que estava começando, participando desse negócio na época, e chegamos a ter quatrocentos ônibus com a marca Léo, e tal, então foi uma das formas. Fizemos um razoável, vamos dizer, bastante pra nós, outdoors. Outdoors convencionais, né, na época que podia, e foram, assim, as mídias mais importantes que nós fizemos.
P/1 – Falando um pouquinho agora sobre o sistema de pagamento, esse cliente que geralmente tem uma fábrica, uma firma... Qual costuma ser o sistema de pagamento, como é que ele paga, cartão, cheque, crediário?
R – Não, ele... Lógico que pode pagar em cartão, cheque, evidente, mas ele hoje, vamos dizer assim, um sistema muito convencional é o sistema chamada da... antes era duplicata, agora boleto, né? Que nós faturamos, 30 dias, 60 dias, pra esse cliente que tem cadastro. Entre 60 e 90, enfim, tem uma quantidade de condições de pagamento muito grande, e ele pode também... Muita gente... Hoje cresceu muito o negócio de cartão, né, inclusive tem cartão BNDES, o cartão BNDES por exemplo é um cartão voltado pra empresas, e muito dos produtos da nossa linha, toda a parte de máquinas e mesmo de painéis estão cadastrados junto ao BNDES, então o cliente pode comprar esses produtos via cartão BNDES. Também é bastante usado.
P/1 – Agora... Acho que é muito grande, talvez, mas, quando a loja era pequenininha, ali na Gasômetro, era normal a caderneta?
R – Era. Não, até hoje tem.
P/1 – Até hoje tem?
R – Até hoje tem, você acredita? Tem, a gente conseguiu informatizar a caderneta. Lógico tem a caderneta... em essa característica, né, lá da Léo, que é por isso que a gente... Nós, até eu comento, nós somos sempre rotulados, vamos chamar assim, como varejo, né? Mas na verdade, o negócio da Léo, ele não é nem o varejo como se conhece, o varejo normal do auto serviço, que o cliente passa com o carrinho e compra as coisas, também não é um atacado que está lá num depósito enorme, no meio de algum lugar e vendedores. Então é um híbrido, né, entre essas duas coisas e que torna o ramo assim um pouco particular. Mas tem, então... E uma dessas particularidades é o fato, como até comentei ali, muito cliente que compra todo dia, toda semana, quando você vai pro interior e pros bairros mais ainda, porque é pertinho, ele não precisa dar o trabalho de ficar fazendo uma lista de compras, “Ah, se eu esquecer alguma coisa eu vou lá na Léo e pego”, né? Então, pra alguns poucos clientes, ainda até mantem a caderneta, mas tem cheque pré-datado, ainda deve ter. Deve ter, não, tem bastante ainda, felizmente ou infelizmente.
P/1 – Então, tem esses clientes que vão lá na Léo só pra comprar uma coisinha... Então tem muitos clientes que moram no entorno das lojas ainda, que moram ali no bairro do Brás, que moram ali no bairro de Pinheiros e que vão lá?
R – Tem... Não, eu acho que Brás e Pinheiros, eu não diria assim tão... Tem, tem, lógico, se você andar em volta você vai ver marcenarias, mas tem aí, né, pega a Mooca... No caso de São Paulo, né, Mooca, Pari...
P/1 – Belenzinho.
R – Belenzinho... É muito próximo, né? Agora quando você vai pra São Miguel, na Zona Leste, lá, então com certeza num raio de, puxa, de cinco a dez quilômetros tem uma quantidade de clientes muito grande. Abrimos uma loja no Tucuruvi, Barueri... Nós criamos um novo modelo de loja que é uma loja pequena, sem estoque, então é um outro tipo de perfil. É uma loja que, justamente, ela tem, o foco dela é no relacionamento da equipe de vendas com os clientes, muito mais estando a disposição e criando um relacionamento mais próximo a esse cliente, e a mercadoria é entregue no dia seguinte, 24 horas.
P/1 – Nessa loja, que é uma, é uma tentativa, né? Inclusive, no layout da loja tem um desenho diferente...? Como é que surgiu essa ideia, por quê?
R – Essa ideia, ela surgiu até em função de uma certa brincadeira, entre aspas, que eu sempre fiz, que eu sempre comentava assim: “Olha, né...” Porque lá naqueles meus inícios, nas minhas origens, quando a gente começou a desenvolver, nós tínhamos aquela loja lá, então o que aconteceu? Quando você... Um negócio sem planejamento, quando você: “Ah, quero vender mais, quero vender mais” e “Vamos lá” e, né... Quando você tem sucesso você esquece de um detalhe importante que é quando você vendeu mais você precisa comprar mais também, ou seja, você vende mais, você carrega mais, mas também é obrigado a descarregar mais, e isso foi criando... Isso logo, principalmente depois que eu me formei, justamente quando eu comentei que a gente começou uma expansão mais acelerada, a não dar mais conta de carregar e descarregar durante o dia, então a gente praticamente deixava o dia pra atender cliente e carregar e começava a descarregar praticamente a hora que fechava a loja. Então, mas não tinha dois turnos, não tinha duas equipes, era a mesma, né, então era muito puxado, e isso foi virando praticamente todas as noites. Então não só eu como todo mundo, isso aí realmente, começava às oito da manhã e muitas vezes saía meia-noite, onze, uma da manhã com muita muita muita frequência, várias vezes por semana. Aí eu falei: “Puxa vida, né, que beleza se não tivesse a mercadoria. Pô, se não tivesse a mercadoria esse negócio seria o melhor negócio do mundo, porque essa mercadoria, realmente, ela só atrapalha a gente, é pesada, desconfortável, barata por quilo, né, ela é muito barata por quilo e carrega e descarrega, e carrega e descarrega...” E eu um dia eu falei: “Puxa vida, já que eu repito tanto isso aí, que eu acho a mercadoria aqui atrapalha o negócio, por que não fazer uma loja sem mercadoria? Aí não tem que fazer inventário, não tem roubo...”, né, porque um dos problemas do comércio é roubo. “Não tem o que roubar, não vai roubar.” E não tem um monte de coisa legal, do ponto de vista de funcionalidade, né, quer dizer, é muito mais fácil de gerir. E eu falei... E outra coisa também que a gente percebeu é que no fundo a gestão do estoque toma um tempo enorme da equipe da loja, aí o cliente também devolve a mercadoria, e não sei o quê, é uma chateação. Então surgiu essa ideia: “E se a gente fizesse uma loja sem estoque, focando no relacionamento e fazendo as entregas do depósito?”. Então é uma ideia que tem, eu falei: “Não, já deu certo, é uma ideia que dá muito certo.”. Já são hoje seis ou sete lojas dessas. A única coisa, é lógico, você tem que estar na área de abrangência do centro de distribuição, mas é uma ideia muito vencedora.
P/1 – A tendência é continuar?
R – Continuar, sem dúvida alguma.
P/1 – E tem uma preocupação também em fazer uma loja um pouco menor, como é?
R – Essa loja é pequenininha, né? Essa é uma loja pequena. A loja convencional, uma loja normal, master, ficar menor é, hoje em dia, eu acho que é muito difícil, porque a mercadoria cada vez com mais itens, mais volumosa.
P/1 – O senhor já chegou até a mencionar um pouquinho pra gente quando falou sobre a mudança nas exigências dos clientes, né, que agora o senhor falou na questão da mercadoria, que agora é um material diferente. Mas e a questão do atendimento, a exigência do cliente mudou nessa questão do atendimento também, ou continua a mesma coisa?
R – Eu acho que é o... Eu acho que os clientes sempre vão se tornar mais exigentes, né, como uma tendência normal da vida, seja pelas... No próprio ramo que você está, ou até quando ele começa a comparar com outros ramos, outros tipos de loja que ele visita etc... Cada um de nós... A gente fala os clientes como se nós fossemos alienígenas, né, nós também somos clientes de alguns lugares, e compramos e tal. Eu acho que é uma tendência normal, de se tornar mais exigente. Eu até, particularmente, acho que em geral... Eu até comentei no começo que a gente em casa, lá na minha infância, não era assim muito consumidora, mas eu até hoje continuo sendo pouco consumidor, então deveria visitar mais lojas e tal. Mas a impressão que eu tenho na maioria das vezes é que a gente é mal atendido em geral, é muito comum você entrar numa loja, o vendedor estar conversando com outro e não te atende, né? Eu acho, então vamos dizer assim, eu acho o padrão de exigência ainda muito baixo, pro meu padrão, vamos chamar assim. Acho que nós somos mal atendidos quase que generalizadamente, apesar que também percebo melhoras.
P/1 – Seguindo nessa ideia da transformação, o que que mais mudou no seu trabalho desde que o senhor assumiu a loja ali do seu pai pra hoje? Quer dizer, de uma forma resumida.
R – Não... É evidente, eu comecei num trabalho que até lembro às vezes com saudades, realmente, não só pelo lado emocional mas pelo lado prático mesmo, que quando você tem um negócio assim pequeno que você tem... Que você cuida de tudo e tal, você ganha uma velocidade no processo de decisão e de execução muito grande. Até porque eu me lembro, lá naqueles dez anos que eu comentei de 76 a 86, e depois também... Mas eu nunca saía da empresa antes das 11, dez e meia, 11 da noite, e realmente, eu tinha uma hora e meia mais ou menos, uma hora de reflexão, de planejamento, assim e tal. E a vantagem é que você planejava a noite e tinha que executar no dia seguinte de manhã, né, então dá uma... Primeiro você não sai de uma, não consegue... Você não voa ao ponto de tirar os pés do chão, né, você está muito sólido em relação... linkando o plano com a realização do plano. Esse é o lado bom, você consegue fazer muita coisa rápida e, lógico que a maioria certa, algumas erradas. Quando você vai pra um tipo de estrutura que eu já estou há algum tempo, você começa a depender de um monte de gente fazendo as coisas que você quer que elas façam, né, que você pensa e tal. E eles também pensam, então muitas vezes essa transmissão da comunicação, de você convencer as pessoas e tal gasta bastante energia e muito tempo, né? Tem as vantagens também, é mais gente pensando, tende a sair mais certo, né, mas pra uma pessoa que nem eu que gosto muito mais de fazer do que de ficar... E tenho o meu ritmo e, enfim, não andar no meu ritmo é uma coisa desconfortável pra mim, né... Então eu tenho que aceitar estar no ritmo do outro, o que é muito desconfortável.
P/1 – O senhor ainda costuma, hoje... Costuma estar, frequentar o ambiente das lojas?
R – Eu tenho ido muito menos do que eu deveria e gostaria porque, na verdade, hoje, vamos dizer, hoje já há alguns anos eu acabo tendo muitas outras atividades empresariais. Tanto que hoje, a Léo, na verdade, no dia-a-dia, ela é tocada por um corpo profissional. Tem hoje um gerente geral, um diretor geral da Léo que está conosco há dois anos, e que assumiu essa função de diretor geral, então, na verdade, eu estou mais fazendo um certo coaching em relação a ele do que sendo executivo chefe da empresa.
P/1 – E essa relação entre patrão e funcionário, que antes era tão próxima, que o senhor estava sempre no ambiente da loja, hoje como é que fica essa relação?
R – Ela fica prejudicada em relação a maioria das pessoas, né? Evidentemente tem sempre um pessoal da velha guarda que a gente mantém esse mesmo relacionamento, mas eu reconheço que não consigo mais manter esse mesmo tipo de vínculo e de relação com tanta gente nova.
P/1 – O senhor já participou de alguma associação comercial, um sindicato?
R – Eu participo agora, já há alguns anos, de um instituto que chama Instituto de Desenvolvimento do Varejo, que foi fundado há uns seis anos atrás pelo Flávio Rocha da Riachuelo, a Luiza do Magazine Luiza, e que reúne umas 40 empresas, mais ou menos, de diversos setores, e que formaram esse instituto, como o próprio nome diz, um instituto de desenvolvimento do varejo, procurando criar melhores práticas e, principalmente, um trabalho em relação ao comércio ilegal, né. Não ilegal de pirataria, mas simplesmente de não tirar nota fiscal mesmo, que no Brasil se chama informal, a gente chama de informal, quando na verdade estamos falando de uma coisa ilegal. Informal é uma palavra até simpática, quando eu estou sem gravata, né, informal. Mas há uma confusão muito grande. E esse instituto, então, que fica muito prejudicado pelas práticas comerciais num país que o imposto é tão alto... Você concorrer um que paga e outro que não paga realmente dá uma diferença muito grande. Mas além disso, tem toda uma parte de representatividade junto às instituições brasileiras, né, Congresso, Executivo... De poder ter uma voz, visto que nós todos defendemos a democracia. Tem que se fazer ouvir, né? Então eu participo sim, fui até o presidente antes desse atual.
P/1 – Agora uma outra pergunta que é um pouco ampla, né, e o senhor responde da forma que o senhor entender. Como é que o senhor acha que a sociedade vê o comerciante hoje em dia?
R – A sociedade, lógico que você está me perguntando a sociedade brasileira, né?
P/1 – Sim.
R – A sociedade de uma forma, acredito... Geral... Eu acho que até o... Já pondo julgamento de valor, eu acho que, infelizmente, eu acho que não é questão assim do comerciante, eu acho que é uma questão do empresário em geral, né? Quer dizer, na verdade eu acho que não há nem uma consciência, mas muito longe de haver uma consciência, de que no mundo como ele existe, o único elemento, o único elemento que provoca riqueza no mundo é o empresário, né? Quer dizer, todas as outras funções; então, vamos chamar assim, sempre falam assim: O médico, o médico, é lógico que ele é um cara importante, né, o enfermeiro é importante, o lixeiro que limpa a rua é importante, você que é historiador é importante, o nosso amigo que é cineasta também é importante, todo mundo é importante. O professor, imagina, o professor é um sujeito... Eu mesmo, né, fiz meu tributo a uma professora. Mas nenhuma dessas pessoas gera riqueza, né? A única pessoa que consegue transformar a sociedade produzindo algo que gere emprego, que gera, tal, é uma pessoa ou uma instituição ou um grupo de pessoas que decidem empreender algo. O Estado muitas vezes é empreendedor, também, né, quando tem o papel de empreendedor. Então eu acho que a questão não é o comerciante, mas é o empresário em geral. E eu até tenho assim uma tese que cada esquina da cidade devia ter onde tem a placa das ruas, devia ter em cima uma homenagem a algum empresário daquela rua que pode ser um verdureiro ou um pipoqueiro ou um sapateiro ou um... Não importa quem, porque só mesmo uma pessoa que passou pelo que essa pessoa passou... E o negócio dele existe... Eu acho que mereceria uma homenagem de todas as pessoas da quadra, né? Eu acho que se o mundo enxergasse dessa forma, nós teríamos um mundo muito melhor do que temos nesse sentido. Agora, como o discurso, vamos chamar assim, populista é sempre muito mais fácil de se vender, né, quer dizer, então é muito mais fácil eu chegar aqui na Câmara e falar: “Eu acho que a gente devia trabalhar 30 horas por semana.” “Eu acho que todo mundo devia ter medicina gratuita.” “Eu acho que devia ter escola de alta qualidade pra todo mundo.” “Aposentadoria com 48 anos de idade já está bom demais porque agora a gente pode viver bastante.” Mas o que que adianta eu viver muito, né, e não poder viajar e tal? Então todo esse tipo de tese, ela é muito simpática de ser dita e de ser vendida, e as pessoas gostam de ouvir isso, né, eu também gosto de ouvir isso. E o outro discurso é um discurso mais pragmático mas menos simpático. Então é muito fácil você criar uma situação em que você tem assim, um, vamos chamar assim, um culpado pelos males que te afligem, né? Então durante muitos anos o Brasil e uma outra parte, não só o Brasil mas muitos países do mundo elegeram como um vilão os Estados Unidos, né, outros de repente elegem a China agora, outros elegem não sei quem, quer dizer, sempre vai ter um vilão pra ser responsável pelos nossos problemas. E tem uma parcela da sociedade, né, vamos dizer assim, muito habilidosa na manipulação da população, líderes políticos principalmente, muitos, na maioria das vezes, na minha opinião, mal intencionados, ou algumas vezes até bem intencionados, só ingênuos mesmo, e que conseguem fazer com que a população em geral julgue que o culpado dos seus problemas é uma determinada categoria de pessoas que na verdade é a única que realmente provoca algum bem-estar na sociedade, né? Ficou longa a resposta, né?
TROCA DE FITA
P/1 – Voltando agora um pouquinho mais pra parte pessoal, o senhor já falou um pouquinho do seu irmão mais velho, que se tornou um executivo, mas... Essa empresa é uma empresa familiar, né, que era do seu pai. Alguém mais na família se dedicou ao comércio ou se dedica ao comércio?
R – Então, o meu irmão mais novo, apesar de que fez... De formação é jornalista, e trabalhou como jornalista no começo, e até, diga-se de passagem... Mas meu pai ficava lá buzinando no meu ouvido: “É, mas e como vamos fazer, teu irmão... e não sei o quê”. E até eu: “Bom, mas o que que eu posso resolver o problema do meu irmão jornalista?” Mas aí, eu resolvi lá em 80, 81, falei: “Bom, pensando bem, por que que eu não faço um jornal?” Foi aí que começou também o processo de comunicação. E resolvi criar um jornal, já que eu tenho um irmão jornalista, e resolvi criar um jornal chamado Jornal da Madeira. E ele veio fazer o jornal, ele tinha tempo disponível pra isso, ficou lá, fizemos, infelizmente, só duas edições. Mas com isso, o fato dele ter se aproximado do negócio, conversado com clientes, com fornecedores, acabou fazendo com que ele optasse em vir trabalhar conosco, na Léo. E ele ficou 20 anos até sair pra dirigir a... Comprou a Livraria da Vila, que hoje é um marco na cidade de São Paulo, e com certeza a livraria mais charmosa de todas, né, e... Mas é comerciante. Comerciante de livros, mas é... Livreiro, né, ele gosta de dizer que é um livreiro, mas é comerciante. E de resto na nossa família, meu irmão mais velho, ele não, ele também é sócio nosso, também trabalhamos juntos, mas ele sempre foi mais na parte industrial. Então ele, se tivesse que colocar como, assim, subtítulos, Saulo Seibel, vírgula, industrial. E ele... De outros, tenho primos que tem comércio também, mas a nossa família é muito pequena também, né, então somos só nós mesmo.
P/1 – E agora, partindo pra um lado ainda mais pessoal, como é que é o seu cotidiano hoje, seu dia-a-dia, como é?
R – Ah, o dia-a-dia, hoje eu não tenho assim, como, justamente essa rotina de abrir a loja, fechar a loja... Então varia um pouquinho em função do tipo de reuniões que eu tenho, né, e de compromissos assumidos. Então tem dia que eu estou na reunião de conselho na empresa A, então começa oito horas, tem dia que é outro local, tem um pouco de viagem, e tem... É que são... Hoje nós temos atividades industriais basicamente na Duratex, né, que é uma empresa que fabrica painéis, e tem a linha da Deca, torneiras, essas coisas, no comércio tem o negócio da Leroy, mas aí eu também só participo a nível de conselho. Temos investimentos na área imobiliária, enfim, então nas quintas-feiras normalmente eu me dedico mais a parte imobiliária, e assim vou dividindo um pouco o tempo.
P/1 – O senhor continua com aquela preocupação de sempre ter um foco, de durante o dia no trabalho, e a noite, outra coisa ou hoje em dia você se permite um horário de lazer?
R – Não, não, não, infelizmente até eu diria o seguinte: Quando eu tinha... Depois que eu terminei a faculdade, eu passei a simplesmente ter um foco só, né, durante, sei lá, 18 horas por dia que era o negócio da Léo. Depois, à medida que foram entrando outros negócios, durante uma certa fase foi até mais difícil porque eu continuava com o mesmo foco na Léo e aumentava as horas nessas outras coisas, inclusive, fins de semana e tudo o mais. Eu ouvi uma vez de uma pessoa uma definição sobre o que é que é ter uma aposentadoria feliz, que eu achei muito interessante, então a pessoa diz assim: “Olha, o importante pra você poder ter uma aposentadoria feliz é você desenvolver durante a tua vida um hobby.” Olha que bacana, aí ele diz: “Mas tome cuidado pra se distinguir com muita clareza o que é hobby e o que é lazer.” Aí ele falou então: “Ler um livro não é hobby. Leitura não é hobby, ver filmes, assistir filmes não é hobby. Então hobby é escrever um livro, porque você pode escrever um livro porque você é um escritor profissional, porque você escreve por hobby”, né? E aí ele deu uma definição que me marcou muito, que foi: “O que é um hobby? Um hobby é uma atividade profissional que você faz por lazer.” E eu, apesar de ter aprendido e absorvido bem a definição, até hoje eu não criei nenhum hobby, então acho que eu estou condenado mesmo a ou ter uma aposentadoria infeliz ou continuar não me aposentando, né? O mais provável é que eu fique nessa alternativa de não me aposentar, já que eu tenho esse privilégio, de poder estabelecer a minha, a data da aposentadoria.
P/1 – E já que o senhor não tem um hobby, o que que o senhor faz nas suas horas de lazer?
R – (risos) Olha, o que eu faço nas horas de, vamos dizer, hora de lazer chama a hora que não trabalha, né, hora que não trabalha é a hora de lazer. Vamos dizer assim, por definição, só tem dois tipos de hora. Tá certo, hora de trabalho e hora de lazer. Hora de lazer eu gosto de... Eu não viajo muito, viajo um pouco. Quando viajo gosto, lógico, eu ainda não sou avô, mas eu tenho uma sobrinha que já tem dois menininhos pequenininhos, então esse sim, pra mim, é um prazer enorme, poder visitá-los. Um tem três anos e o outro um ano, acho que é um prazer enorme, acho que como todo bom paulista a gente curte mesmo uma certa gastronomia, né, então comer fora faz parte do lazer, época mais, época menos gosto de também de ir no cinema, e vejo também filme na televisão. Agora comprei uma televisão bonita e tal, 3D e não sei o que, e ler um pouco, leio mais coisas profissionais mesmo.
P/1 – E o senhor já mencionou que, até pela educação na casa dos seus pais, não estão muito acostumados a comprar muitas coisas, esse espírito consumista... Mas ainda assim, o senhor abre alguma exceção pra algum tipo de mercadoria, algum tipo de produto?
R – Não, compro, lógico. Não, eu agora, eu gosto de... Não entendo praticamente nada, mas gosto dessa coisa de arte, então tenho visitado, frequentado galerias, museus, exposições, compro um pouquinho, mas nada significativo. Então quando eu falo consumista assim mais de, né, de roupa, essas coisas aí. Mas enfim, eu gosto, tenho um bom carro, moro bem, quer dizer, não tenho nada, está ótimo, não tenho problema nenhum quanto a isso, não.
P/1 – E o senhor mencionou que ainda não é avô, então a gente entende que o senhor tem filhos.
R – Tenho.
P/1 – Quantos filhos o senhor tem?
R – Não, eu tenho um filho só, de 25 anos, que se formou há algum pouco tempo e trabalha numa empresa nossa, nessa empresa de setor de imobiliária. Ele não é tão, assim, de comerciante assim, não. Ele gosta mais do setor imobiliário.
P/1 – Mas quando o senhor pensa no futuro dele o senhor gostaria que um dia ele alcançasse a sua posição e estivesse no seu cargo?
R – Não, não, não. Eu, minha vida toda, pra mim, eu sempre tive muito claro que eu realmente acabei tendo muita sorte na vida, Até nem comentei, mas, por exemplo, dos oito anos de idade até os 15, 14, 15, eu tinha decidido que ia ser médico. E tive sorte, com 15, falei: “Não, Medicina não é pra mim, tô fora, vou pra Engenharia”. E de Engenharia, por circunstâncias já do trabalho, fui pra Administração e está tudo muito bom. Acabei, por uma questão lá de dar uma ajuda pro meu pai, acabei ficando 40 anos aí tratando, trabalhando no comércio e indústria e tal, e é o que eu gosto de fazer. Então nunca tive muito problema com isso daí, mas também sempre tive muita consciência de que esse meu traçado, ele serviu pra mim, numa circunstância toda particular e pessoal e tal. Eu acho que ele não, eu não recomendaria, diria: “Olha, esse é um modelo a ser copiado”, muito menos pelo meu filho, né. E sempre defendi isso, assim como eu também ouvia do meu pai que a gente tem que fazer o que a gente quer. Eu acho que... Também acho que qualquer pessoa deve fazer o que acha que... É que hoje tem um problema, infelizmente, que tem muita opção, né, então isso é bom, mas atrapalha, é mais difícil. Se tem menos opção é mais fácil.
P/1 – O que o senhor acha que... Enfim, que o senhor aprendeu pra sua vida a partir desses anos todos no comércio? O que o senhor aprendeu pra sua vida pessoal?
R – Nossa, aprendi muita coisa, né, o que que aprendi na minha vida... Eu aprendi muita coisa, muita coisa. Aí é uma lista, assim, tem que escolher uma qualquer, né? Tem episódios do início da minha vida que eu... Uma característica que a gente não comentou; essas ruas que tem esses comércios concentrados, elas tem uma característica, acredito que todas – eu conheço a do Gasômetro – mas acho que todas, que faz com que os vizinhos, né, eles tenham uma relação muito particular. Eles são concorrentes, evidente, todo mundo trabalha no mesmo ramo, mas também são amigos porque... Pelo menos a minha experiência, né? Porque estão ali anos e anos e etc. Tem problemas comuns e tal, então forma uma relação muito particular nesse sentido. E com isso você pode, você convive com esses vizinhos. Quando eu era muito, né, no começo, muito garoto, lógico que eu participava de uns cafezinhos, lá, que se tomava todo dia e tal, que eles convidavam meu pai pra ir junto, eu ia lá, né, só escutando. E aprendi muita coisa nessas conversas, dos anos que eu estava lá também passei a admirar muito meus concorrentes, também amigos, pelo talento. Então muitas vezes eu peguei gente muito simples, com pouca instrução, mas extremamente inteligente, extremamente inteligente. Ainda hoje eu reconheço que – evidentemente que a importância da educação num país e numa sociedade é absoluta, mas eu também tive oportunidade de conviver com tanta gente que com pouca educação fez tanta coisa. Não precisa nem falar do nosso ex-presidente, né, que também não tinha muita formação acadêmica, mas muita gente extremamente inteligente, então isso, até hoje... Quando eu vejo a minha empresa mesmo, que exige lá pra um monte de cargos tem que ter curso universitário e tal, eu fico assim pensando: “Puxa, sei lá, sabe, parece, assim, eu acho que está deixando de fora gente talvez muito melhor do que a que vem do curso universitário”, mesmo porque muitos deles não tem a qualidade que se espera e tal. Então também há uma democratização. Não é o caso da pergunta mas, se é uma coisa que eu aprendi é o seguinte: Eu acho que eu faria muito menos faculdades no Brasil e muito mais formação técnica de valor, né, e... Mas aí, bom, enfim, então tem... Tem muita coisa que eu podia aprender, realmente, com as pessoas mais simples, né. Até hoje eu vejo, eu vivo esse... Não é um conflito, mas essa diferença todo dia, hoje eu mesmo sou um grande defensor na nossa empresa de fazer pesquisas de mercado e etc. E eu me lembro, na época, isso até antes de eu trabalhar, eu ia com minha mãe na feira ajudar ela e tal, e eu penso comigo, eu falo: “Será que algum feirante faz pesquisa de mercado?” Né? Eu acredito que não, então eu falo: “Poxa vida, quem precisa de pesquisa de mercado é quem não conhece o negócio, quem conhece o negócio como o feirante, ele não precisa fazer pesquisa de mercado”. Então acho que é a grande lição, assim. Não é lição, mas uma das coisas que eu aprendi e tenho pra minha vida inteira é o respeito a esses pequenos empresários, empreendedores extremamente talentosos, muito talentosos. Gente muito inteligente a minha volta.
P/1 – O senhor tem algum sonho, algum grande objetivo pra cumprir? Qual é esse grande sonho que o senhor tem?
R – Eu não tenho um grande sonho. É... Acho que o meu... O próprio negócio da Léo, o crescimento nosso, eu acho que ele não foi nem tanto, quer dizer, depois virou um sonho, mas antes de ser um sonho, eu acho que ele era mais uma reação a um processo psicanalítico de frustação, de baixa resistência à frustração, de lidar mal com a frustração, do que propriamente um planejamento estratégico importante. (pausa) Felizmente saiu o lado positivo, porque reagi; não saber reagir a uma frustração não é bom. Mas eu diria assim... Como ,de novo, essa característica de você ter uma loja do lado da outra, em frente a outra, então o que que acontece? Você está lá, como eu te expliquei, na loja, a loja é um balcãozinho e tal. Então você está na porta, então você vê os clientes comprando no vizinho, comprando do lado, comprando em frente e tal, o tempo todo, como os outros também veem na tua, e eu, muitas vezes, eu via um cliente comprando em frente porque, como eu te falei, os clientes vem com o caminhãozinho deles e muitas vezes tem o logotipo na porta, você sabe quem é, né? E eu falava: “Poxa, mas por que o fulano está comprando lá no outro e não em mim que sou muito melhor, vendo mais barato, tenho mercadoria melhor etc.?”. E na verdade, o projeto de expansão da Léo, acho que ele surgiu dessa má administração, essa frustração de estar sendo rejeitado, né, e eu falei: “Não posso tolerar isso daí, né?”. E aí eu acho que... Só que isso foi canalizado por uma agenda positiva, de levar, então, a esse cliente, a informação de que: “Olha, aqui você faz um negócio melhor”. Então, eu não saí fora da pergunta do sonho não, é que eu acho que continua, de uma certa forma, a mesma frustração, porque ainda eu sei que muita gente não compra da gente (risos), e eu acho que eu tenho um sonho de um dia poder agradar suficientemente uma parcela, a parcela do mercado que eu gostaria de agradar e que me fizessem jus à preferência (risos).
P/1 – O que o senhor achou de ter participado dessa entrevista, de ter falado um pouquinho sobre a sua história de vida, a história da Léo, uma história tão interessante... O que... Como é que o senhor sai dessa entrevista, sentindo o quê?
R – Então, deixa… Vou te comentar uma coisa interessante. Eu, quando recebi o convite e tal, eu normalmente não dou entrevista, agora até está uma moça do Valor lá me enchendo, coitadinha, querendo falar comigo. Porque eu não tenho... Como eu lhe disse, eu realmente sou, hoje, assumido, um comerciante, assim, assumido, eu gosto de fazer negócio. E isso aqui pra mim não é um negócio. Então por que é que eu estou aqui, né? E hoje eu constato assim com... Enfim, eu vou pular os adjetivos, que eu acho que eu estou numa fase da vida que se torna importante deixar o... Preservar certas memórias e certas lembranças, enfim, pra o uso que for, né? Então eu até pensei assim, quando eu peguei o papel eu fiquei assim uns cinco minutos, falei: “Pô, por que não? É um...”. Até tem... Foi um prazer, vocês são muito simpáticos, muito habilidosos, muito inteligentes e tudo, então foi um prazer. Mas, normalmente, a atividade dar entrevista pra mim não é um prazer, né? Ou depoimentos e tal, não é meu estilo. Então eu quis dizer, ressaltar, que na verdade eu acho um trabalho muito importante que vocês estão fazendo, o Museu da Pessoa, o SESC. Parabenizo, e... Porque acho que no fundo tem muita história interessante pra ser registrada, e no meu caso, eu acho que é uma obrigação minha de, enfim, se eu puder transmitir alguma coisa, de transmitir... Mas é um prazer.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não perguntou, não abordou, mas que o senhor gostaria de deixar registrado, que o senhor acha que está fazendo falta?
R – Não, não. Aí porque eu acho que o que pode ser são detalhes e historinhas e tal, mas aí realmente não é nem com 30 horas ou 50 ou 60 horas de gravação dá pra ir, acho que atendemos o objetivo, né? E qualquer coisa também pra mim é muito pertinho, é um prazer estar aqui.
P/1 – Tá ótimo. Em nome do Museu da Pessoa e do SESC São Paulo a gente agradece muito a sua participação.
R – Muito obrigado. Valeu.
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