Projeto Memórias do Comércio de Bauru 2020-2021
Entrevista com Wallace Sampaio
Entrevistado por Claudia Leonor, Luís Paulo Domingues e Willian Carneiro
Bauru, 17 de maio de 2021
Entrevista MC_HV_091
Transcrita por Selma Paiva
(00:30) P1 – Então, Wallace, eu gostaria de pedir para você repetir o seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – Ok. Wallace Garroux Sampaio. 30 de novembro de 1949. Nascido em Bauru.
(00:47) P1 – E o nome dos seus pais, Wallace?
R - José Ferraz Sampaio.
(00:54) P1 – E a sua mãe?
R - Marina Garroux Sampaio.
(00:59) P1 – Sim. É uma família tradicional aqui de Bauru, né, Wallace?
R - É, uma família que estava no comércio há muito tempo, desde 1936, no comércio em Bauru, né, através do meu pai.
(01:12) P1 – Isso. Mas, assim, eles chegaram muito cedo em Bauru? A família Ferraz Sampaio, que momento que eles chegam em Bauru, você sabe precisar?
R – Olha, é no início de... tanto a família do meu pai quanto a família da minha mãe chegaram aqui por volta de 1920, década de vinte. Perdão, 1920, isso. Por volta dessa fase, tanto a família da minha mãe quando a família do meu pai.
(01:43) P1 – E eles já vieram para fazer comércio? O que você sabe desse momento mais antigo, Wallace?
R - Olha, o meu avô por parte de pai era administrador de fazendas. Ele estava na região de Piracicaba, meu pai nasceu lá em Piracicaba. E acabou vindo para Bauru, trabalhou em comércio aqui, trabalhou numa loja antiga aqui de Bauru, a Casa Lusitana, que não existe mais. Mas era um armazém muito grande, estilo do Mappin em São Paulo, tinha de tudo, um armazém muito grande aqui em Bauru. Então, ele trabalhou lá na Casa Lusitana, foi gerente da loja, depois arrendou a empresa comercial. Isso em 1936. E em 1940 ele abriu a loja lá no próprio, comprou o prédio, comprou a loja e transformou na Casa Sampaio, que existe desde essa época, desde 1939.
(02:40) P1 – Que é lá na ponta da Batista de Carvalho?
R – Em frente a antiga Estação Ferroviária de Bauru. É, ali mesmo.
(02:49) P1 – Isso. E, Wallace, da sua vida, você cresceu aqui em Bauru?
R – Cresci, eu passei praticamente toda a minha vida em Bauru. Eu cresci junto do comércio do meu pai, me formei lá dentro do comércio dele. Eu saí apenas numa época, um período de dois anos, que eu estudei em São Paulo. Ainda garoto, com 14 anos de idade, eu fui estudar no Arquidiocesano, em São Paulo, como aluno interno. Era um sonho meu estudar interno, como meus irmãos haviam estudado no passado. Então, realizei o sonho no Arquidiocesano por dois anos, depois retornei à Bauru.
(03:31) P1 – Que é um colégio excelente ali, na Vila Mariana?
R – Na Vila Mariana, é. Muito bom, muita saudade de lá. Naquela época era internato. Eu morava no Arquidiocesano. Poucos anos depois eles terminaram com o internato e aí virou uma escola normal, a partir de lá, né?
(03:49) P1 – Aham. Mas então era um hábito da família os meninos e... meninas também iam para o Arquidiocesano ou não?
R – Não, eu só tenho irmãos.
(03:58) P1 – Só tem irmãos?
R – É, meu pai casado duas vezes. Casou-se a primeira vez, teve três filhos, a esposa faleceu. Depois ele casou-se com a minha mãe, vieram mais três filhos. Então, seis homens.
(04:12) P1 – Nossa, era uma turma grande. (risos)
R – Grande, grande.
(04:17) P1 – Wallace, antes de você ir para São Paulo com 14 anos, o que você lembra desse Bauru mais antigo? Onde vocês iam, os meninos frequentavam, o que vocês faziam?
R - Naquela época o que a gente frequentava eram duas coisas só: havia a Rua Batista de Carvalho, que hoje é o calçadão de Bauru, né? Era a rua central e havia um verbo até: “batistar”. Você ia “batistar”, que é passear na Rua Batista. E o clube, que era o Bauru Tênis Clube, que era um clube na cidade que existia. E a chácara, que meu pai tinha uma chácara, que a gente frequentava muito. Mas eram basicamente esses três locais, além da escola. Então, era “batistar”, ali que se paquerava, ali que se conhecia as meninas. E no clube, aonde a gente tinha, na época, com 15, 16 anos, as chamadas “brincadeiras dançantes”, que eram muito da época, umas matinês que você dançava e se divertia por aí. Assim foi a infância e o começo da juventude.
(05:21) P1 – Isso. E lá na Batista, o que tinha de interessante? O pessoal fala muito da Lalai, né?
R – A Lalai. A Lalai era um ícone da época, né? Mas havia também a Loja Americana, onde ela existe até hoje e a Americana, naquela época, tinha uma lanchonete muito grande, muito espaçosa, com banquinhos e tal, todo mundo frequentava. Tinha o cachorro-quente da Americana, que era famosíssimo, que era a primeira máquina que a gente via a salsicha ficar rolando na maquininha, né?
(05:56) P1 - E era prensado, né?
R – Não, era um cilindrozinho...
(06:00) P1 – O pão.
R – Não, o pão não. A salsicha.
(06:03) P1 – Ah...
R – Isso tem até hoje em São Paulo, restaurantes que fazem linguiça desta forma, aqueles mais tradicionais ainda têm. São pequenos cilindros de alumínio que ficam virando, né? E ali era aquecida a salsicha. Mas tinha a Lalai, que era famosíssima, tinha a sorveteria. E o Centro tinha restaurante, tinha padaria, tinha sorveteria, ele tinha todos aqueles acessórios que hoje existem na cidade em bairros, na zona sul, em algum lugar, tudo aquilo era concentrado no Centro, tendo a Rua Batista como eixo. Mesmo os restaurantes de Bauru ficavam lá.
(06:42) P1 - Que restaurantes que tinha, que você se recorda, Wallace?
R – Olha, tinha o Fuentes, que hoje existe ainda em São Paulo, né? O Fuentes saiu daqui de Bauru para São Paulo, ali atrás do prédio do Correio, daquela pracinha que tem ali do lado da São João, né? Tinha o Fuentes aqui em Bauru. Tinha uma churrascaria muito famosa, todo mundo frequentava, Churrascaria Gaúcha, ficava na praça. Ah, e tinha também, fazia parte do calçadão a Praça Rui Barbosa, né?
(07:12) P1 – Hum hum.
R - Hoje é uma praça deteriorada, fizeram a modernização dela, acabaram com a praça. Mas na época era uma praça muito arborizada, com lago, com pontinha, com coreto, aquelas coisas e o coreto funcionava. E havia o ‘footing’, que você ficava com as mulheres, com as meninas, né, andando num sentido em volta da praça e os meninos no sentido contrário. Então, você chegava lá e tinha dois círculos de gente andando na praça.
(07:45) P1 – (risos) E era paquera, local da paquera?
R – Paquera, dava uma piscada aqui, depois tinha esperar mais meia hora para cruzar de novo, né? (risos)
(07:56) P2 – (risos) E o cinema, Wallace? Tinha bastante cinema em Bauru, né?
R – Bauru tinha, tinha sim. Tinham três cinemas na mesma área, na mesma região. Tinha a Rua Batista, ficava lá na Rua Primeiro de Agosto, que é a primeira paralela abaixo, né? Na Primeiro de Agosto tinha os três cinemas de Bauru, ali. Tinha o Cine Bauru, que era um cinema mais popular. Tinha o Cine São Paulo, que todo mundo ia, se chamava Cine Teatro São Paulo, um prédio muito bonito. Hoje é a Magazine Luiza lá. E tinha um outro cinema, que era o chamado Cine Capri que, para a época, era um cinema moderno, para a época mais moderno, não moderno que a gente conhece hoje, mas moderno para a época. E a tradicional “Sessão das Seis” no domingo, que era no Cine São Paulo, onde toda a garotada ia para a “Sessão das Seis”. Lotava o cinema.
(08:47) P1 - Encontrava todo mundo?
R - Encontrava todo mundo lá. Era uma cidade pequena, Bauru tinha menos habitantes, todo mundo se conhecia. Quando você falava que conhecia alguém, você perguntava: “Ah, de que família é?”, fatalmente você conhecia alguém da família de alguém. Então, todo mundo era mais ou menos conhecido. Hoje não, hoje nós somos anônimos aqui, né? Mas naquela época era uma cidade ainda provinciana, era uma cidade em desenvolvimento largo perante a região, uma cidade nova, Bauru é do início de 1900, surgiu junto com a ferrovia, ao lado de municípios como Jaú, por exemplo, que tem uma história muito grande. Botucatu, a época das fazendas, muito anteriores a isso. Mas Bauru, então, era uma cidade moderna para a época, mas provinciana ainda, nesse sentido.
(09:40) P1 – Você falou do Fuentes. Quem que era o proprietário do Fuentes, Wallace?
R – É a mesma família que é proprietária até hoje. Eu não o conheci pessoalmente, eu não sei, eu não me lembro o nome dele. Mas era a mesma família que é proprietária até hoje do Fuentes. Pelo menos era, até alguns anos atrás, quando eu ia no Fuentes, faz alguns anos já que eu fui. Mas era deles.
(10:06) P2 – Wallace, nessa época, quando você era criança ainda ou adolescente, o movimento de trens em Bauru era muito grande, né?
R – Era.
(10:16) P2 - E trazia consumidores para a cidade, para comprar?
R - Olha, trazia sim, porque Bauru era um entroncamento ferroviário. Você tinha aqui a Paulista, a Noroeste e a Sorocabana. A Paulista que fazia, normalmente, até São Paulo, né? E a Noroeste que adentrava o Mato Grosso. Então, Bauru você tinha toda a carga que vinha de São Paulo destinada ao Mato Grosso, fazia o transbordo aqui em Bauru, dos trens da Paulista para o tem da Noroeste e ia lá para o Mato Grosso. Então, Bauru era uma cidade interligada com todo o estado, pela ferrovia.
(10:53) P2 - Certo.
R – E a ferrovia você tinha tanto a ferrovia de transporte de carga, que passava por aqui, quanto de passageiro. Com 14 anos de idade eu ia sozinho para São Paulo, para o internato, na ferrovia. Eram seis horas de viagem, com vagões extremamente confortáveis, limpos, organizados. Tanto que uma criança, praticamente, de treze anos, com treze anos eu já estava lá. Viajava sozinho para São Paulo, para ir para o internato, pela ferrovia.
(11:26) P2 – Legal. E a escola aqui em Bauru que você frequentou, onde era?
R – Tá. Era muito perto ali da Casa Sampaio, duas quadras dali, o Curso Brasil. O Curso Brasil era uma escola particular, que tinha só o chamado primário, né? O curso primário. Então, eu fiz o curso primário lá, depois fui fazer o ginásio no Colégio Estadual Ernesto Monte, que hoje fica ali ao lado da prefeitura, né? Mas eram os melhores colégios da época de Bauru: era o Curso Brasil, que era um curso particular e o ginásio estadual, que era a melhor escola de Bauru. Já existia uma escola particular, que era o Guedes, né? Guedes de Azevedo, foi muito grande, hoje desapareceu. Mas na época só quem não passava no colégio estadual era que ia para o Guedes, para passar de ano lá. A escola estadual era muito forte, muito disciplinada, muito bem arrumada, muito bem resolvida. O ensino do estado de São Paulo, o ensino estadual público.
(12:28) P1 – Ô, Wallace, o Ernesto Monte tinha professores fantásticos, né?
R – Sim, sim, sim. Era uma época que você tinha o professor, você desenvolvia uma empatia muito grande, admirava os professores. As crianças, os jovens admiravam os professores. Diferente de hoje, que crianças e jovens veem o professor como uma coisinha coisa qualquer ali, né? Naquela época não. Naquela época os professores do ginásio, por exemplo, que davam aula no ginásio e no científico, eram considerados da sociedade bauruense, eram pessoas importantes, homenageadas e tal. O trabalho do professor era muito reconhecido pela sociedade.
(13:10) P1 - Tinha alguma matéria que você tinha mais identificação, algum professor?
R - Olha, eu sempre estudei bastante, tá? Eu sempre tive facilidade para estudar, eu estudei bastante, né? Mas eu me interessava muito mais por História, por Geografia, pelo Português. Matemática também, mas menos Matemática. Mas eu não tinha assim uma predileção por uma ou por outra matéria, muito grande.
(13:38) P2 – Sim. Ô, Wallace, você já sabia quando você era novo ainda, na escola, que você iria seguir a carreira de comerciante mesmo, ou você tem pensou em outra coisa também?
R – Não, não, nunca pensei em outra coisa. Isso era uma coisa tão natural, porque a empresa do meu pai era empresa grande para a época. E criado ali dentro, seu universo estava dentro da empresa. Mas nunca pensei em ter outra profissão diferente, nunca me ocorreu isso.
(14:10) P2 – Certo. E quando você começou a trabalhar na loja?
R – Olha, eu sempre trabalhei. Eu estudei e desde criança eu trabalhava. No começo atrapalhava, né? Achava que trabalhava, mais atrapalhava do que ajudava. Mas sempre trabalhei dentro da loja, sempre, sempre, sempre. Sempre estive lá. Teve um hiato que eu saí fora, lá na faixa dos vinte e poucos anos, até eu me casar. Fui trabalhar fora, buscando uma alternativa para aquilo, e depois retornei. Então, foram dois anos que eu trabalhei fora e depois retornei para a loja novamente.
(14:48) P1 – Ô, Wallace, mas quais são as suas lembranças mais antigas? Porque primeiro era uma casa de secos e molhados a Casa Sampaio, que nem era a Lusitana?
R - Era um armazém secos e molhados, tá? A Lusitana sempre teve variedade: vendia tecidos, vendia roupa, vendia de tudo. A Casa Sampaio não, era secos e molhados, mesmo. Naquela época você vendia para fazendas ainda e saía, que tinha dia que vinha pessoal de fazenda para comprar, depois você entregava aquilo, aquele bando de caixa de madeira que era colocado, né? Então, era uma época bem interessante. As pessoas compravam fiado, quem pagava era o dono da fazenda, ou sei lá quem pagava aquilo. Mas era tudo fiado, não havia dinheiro circulando. Vendia e depois você recebia. Isso era típico do armazém.
(15:40) P1 – Já que é uma entrevista histórica, caracteriza para a gente assim, o que é o “secos”, o que é “molhado”? Para deixar registrado.
R – Ah, tá, vamos lá. O que era “seco” era arroz, feijão, essa matéria mais seca, né? E o “molhado”, confesso a você que eu nem sei direito o que era molhado, viu? Se se tratava de bebida, ou o que... não sei o que era...
(16:04) P1 – Azeite, azeitona, bebidas...
R – Azeitonas, uma série de coisas que tinham líquido nela. Mas o nome tradicional é “secos e molhados”. Mas nunca me detive, agora você me pergunta, nunca me ocorreu perguntar o que eram os “molhados”. (risos)
(16:21) P1 – (risos) Wallace, mas a forma de vender também era diferente, né? Não tinha embalagem, não era...
R – Completamente diferente. Você tinha vendedores, cada vendedor tinha seus clientes. Então, cada vendedor tinha um balcãozinho onde ele atendia e aí já tinha sua própria clientela, que procurava aquele vendedor. A pessoa trazia uma lista de compras, um papel, uma lista de compras. Era separada aquela compra e mais alguma coisa que ele resolvia comprar na hora. Mas era assim que funcionava, era muito pessoal. Ou seja: cada cliente tinha o seu vendedor e se direcionava para ele toda vez que ia na loja.
(16:59) P1 - Existia essa fidelidade, a pessoa sempre comprava com o mesmo...
R – Sim, esse contato pessoal. Através disso o vendedor conhecia o cliente, conhecia a família, conhecia o gosto que eles tinham, até de oferecer algum produto que sabia que a família dele gostava. Era assim que funcionava, era muito pessoal, muito pessoal.
(17:21) P1 - E marcava em caderneta?
R - Sim, marcava em caderneta e aí fazia o acerto, depois. Normalmente quando ele fazia uma compra, ele pagava a anterior, a do mês anterior. Era uma caderneta mensal. Ele ia comprando durante o mês e, quando ele vinha fazer a nova compra do mês, ele pagava a anterior. Era assim que funcionava, não existia venda à vista.
(17:48) P1 – (risos) Não circulava muito dinheiro pelo jeito, não?
R- Não, dinheiro não, só no dia do pagamento. Porque naquela época havia uma data que você concentrava aquele pagamento. Normalmente início de mês, final de mês, início de mês, você concentrava os pagamentos. Era basicamente no finalzinho, nos dois últimos, dois primeiros dias do mês, concentrava.
(18:12) P1 – Wallace, eu lembro da casa Sampaio já como supermercado. Eu tenho essa lembrança, mas eu queria que você descrevesse para a gente essa Casa Sampaio dos secos e molhados, onde era a porta, o que a gente via a hora que entrava, como se a gente tivesse nesse ambiente.
R - É, basicamente você tinha, por exemplo: os cereais eram expostos em sacaria. Ou seja: ficava as sacas de arroz, de feijão, de farinha, tudo ali. Você tinha aquelas canecas galvanizadas que você pegava e ia pesando a quantidade que a pessoa queria. Havia muita venda a granel, né? E era aquela cara de armazém mesmo, era tudo meio misturado, tinha bacalhau, barricas. As azeitonas ficavam na barrica de azeitona. E também você pegava aquela concha e pesava a azeitona que a pessoa levasse. Então, era basicamente tudo a granel, o que era vendido. E aí você tinha isso, aí você tinha fumo de corda, com aqueles rolos de fumo, que a pessoa comprava aquilo por pedaços. Já tinha alguma coisa de material agrícola, já existia, já vendia enxada, vendia lima, vendia corda. Vendia, enfim, aquilo que era usado na agricultura, já era vendido também, né? Mas basicamente era só venda a granel que existia. Você comprava, por exemplo: bolacha a granel. Tinha umas latas de bolacha, umas latas quadradas, de mais ou menos uns quarenta centímetros de lado. Ficava aquilo, você pegava um celuloide, que era uma radiografia que você limpava a radiografia, recortava a lata e ficava uma tampa com o visor da lata, né? E ali você escolhia a bolacha que queria e era pesado. Até isso era a granel.
(20:03) P1 – E era pacote de saquinho de papelão?
R - Saquinho de papel. Não existia sacola. A sacola era saco, aqueles sacos brancos, que você colocava toda a compra dentro dele. Quando era para entregar, havia umas caixas de madeira, normalmente, uma caixa de bacalhau, que era aproveitada para isso. Então, você utilizava aquelas caixas para entrega e a pessoa, quando levava, levava em saco, tá? Você pegava tudo aquilo que ela comprou e colocava dentro do saco, levava o saco embora, com as compras, tá?
(20:42) P2 – Ô, Wallace, como é que funcionava a propaganda, nessa época? Muito diferente de hoje, né? Tinha muita propaganda em jornal, né? Como que era?
R – Não. Nessa época do armazém eu não tenho memória de propaganda, eu não tenho. O que você tinha eram os veículos, o caminhão de entrega, aquele negócio, a placa da loja, mas não havia uma publicidade, assim, externa, era o boca a boca que funcionava. Era basicamente nisso, era aí que você formava o conceito da empresa comercial, não era com publicidade, era com boca a boca.
(21:21) P2 – Sim.
(21:23) P1 – Melhor propaganda.
(21:24) P2 - Jornal anunciava, né? O pessoal anunciava no jornal, nessa época?
R – Não, os armazéns não anunciavam. Você tinha algum anúncio de jornal dessa época de papelaria, ou classificados, que já existia, com venda de imóvel, com venda de veículo, mas muito pouca publicidade, mas os armazéns nunca houve, naquela época, uma publicidade “Arroz por X reais o quilo”. Isso não existia, isso não existia.
(21:56) P1 - Era a qualidade do produto e o atendimento da casa, mesmo.
R – Exatamente, exatamente. Cada empresa formava um conceito, se dirigia a um determinado tipo de público, formava aquele conceito e trabalhava dentro dele. Então, era tudo boca a boca, mesmo.
(22:13) P1 – Wallace, nessa época tinha os meninos que ajudavam a levar a compra, ou não, eram sempre compras muito grandes e eram os adultos?
R - Não tinha, porque as compras eram grandes, não tinha essa figura do entregador, não tinha.
(22:30) P1 - Maravilha.
R - Quem morava na cidade morava muito perto. A cidade de Bauru terminava, vamos dizer, nessa época, se você contasse dez quadras para cima e dez quadras para baixo da Batista de Carvalho, você praticamente concentrava toda a cidade ali, né?
(22:49) P1 - Era onde as pessoas moravam. Wallace, em que momento se dá a passagem dos secos e molhados, para o supermercado?
R – Bom, quando surgiu o supermercado, década de cinquenta, né, surgiu em São Paulo, foi a primeira loja de supermercado e aquilo atraiu atenção. Era uma loja ali na Rio Branco, foi o primeiro supermercado que eu me lembro, deve ter sido o primeiro de São Paulo, foi na Avenida Rio Branco. Que deu, depois, origem ao Pão de Açúcar, tá? Mas nós vimos aquilo lá e depois teve um professor de Inglês aqui em Bauru, que tinha um curso de Inglês, ele era americano, né? Mas tinha um curso de Inglês aqui em Bauru e ele abriu o primeiro supermercado em Bauru, que era uma coisa nova que tinha por aqui, tanto é que era no padrão americano, por isso que ele trouxe isso para cá. E logo em seguida ficou claro que aquilo era o caminho e o meu pai transformou o armazém em supermercado.
(23:54) P1 – E esse primeiro supermercado, qual que era?
R - Ele chamava-se Sumesa. Ficava perto do Senai, ali na Virgílio Malta. Depois meu pai comprou essa loja, tá, do Sumesa. Mas era ali perto do Senai. Foi o primeiro supermercado de Bauru, né?
(24:19) P1 - E aí mudou completamente, né? A forma de...
R – Aí mudou, era uma novidade, supermercado já nos moldes de hoje, com gôndolas, com geladeira da Kibon para vender sorvete, que era uma coisa que não existia. Eu me lembro de criança duas coisas que eu adorava em São Paulo: era sorvete Kibon, que só vendia no carrinho, aqueles carrinhos amarelos em São Paulo e não tinha em Bauru. E frango assado, o frango de vitrine, que também só tinha em São Paulo. Então, você imagina a situação: ia com meus pais para São Paulo, a gente ia para o hotel, ficava no hotel e comprava um frango assado daquele para a gente comer dentro do hotel, porque eu era louco para comer aquele frango assado.
(25:09) P1 - Ai, que ótimo!
R – É, então quando foi supermercado, já foi montado o supermercado, o começo foi difícil, as pessoas não estavam habituadas com aquilo, né? Tinha o guarda-volumes, que era tradicional no supermercado, começou a deixar ali. E as pessoas reagiram muito mal àquilo, achavam que estavam desconfiando delas, né? Então, foi um começo difícil, tá? Quantas vezes eu passei noite empacotando Modess, por exemplo? Tinha que embrulhar com aquele papel, aquele papel meio cor-de-rosa, que você usava de papel de embrulho, né? Porque senão era uma vergonha você expor Modess numa prateleira, sem estar coberto.
(25:50) P1 – (risos) Eram os costumes da época, né?
R – Sim, ninguém pegaria aquele pacote de Modess, de jeito nenhum, se ele não estivesse embrulhado.
(26:00) P1 - Mas dentro do embrulho rosa todo mundo sabia o que era, né? (risos)
R – Sabia que era, mas não estava vendo. Então, ia. (risos)
(26:11) P1 – (risos) Que ótimo! Wallace, mas aí aumentou muito o mix de produtos, nesse negócio do supermercado?
R – Ah, bastante, porque nessa época do supermercado já era tudo produto embalado. Ou seja: já tinha começado a entrar biscoito, farinha, embalagem empacotada, arroz empacotado, né? E, quando passou para o supermercado, já existia um grande volume de produtos à venda pré embalados. Então, por isso que facilitou para o supermercado, né? Embora o supermercado mantivesse ao lado a venda a granel dos cereais básicos, o arroz, feijão, tal, continuavam lá durante o período de transição, do granel para o empacotado.
(26:55) P1 - Eu lembro dessas estruturas, assim. Até os anos setenta ainda tinha uma certa estrutura, assim.
R – Tinha, ainda tinha. Você ainda tinha uma coisa híbrida, porque tinha muita gente habituada a chegar para escolher o arroz com a mão. A pessoa enfiava a mão no saco do arroz, olhava o arroz: “Esse aqui não está bom, ah eu quero desse aqui”, né?
(27:16) P1 – Que é algo impensável hoje em dia, né?
R - Impensável, impensável, né?
(27:23) P1 – (risos) Wallace... Diga, desculpa.
R – Eu estive em São Paulo essa semana que passou, eu estive numa - não sei, não me lembro o nome agora - loja que vende flores e vasos, muito grande, ali perto do Ceasa, né? E dentro tinha uma cerealista. E tudo a granel. Todo tipo de condimento, todo tipo de farinha, todo tipo, tudo a granel, um mundo de coisas. Para você ver as voltas que o mundo dá, né? De repente é um armazém, vamos dizer, sofisticado, o produto é caro, não é barato não, mas com tudo a granel. São as voltas que o mundo dá aí, né?
(28:01) P1 – Hum hum. É o comércio de origem que permanece, né?
R - Pois é.
(28:07) P1 – Maravilha. O Luís Paulo tem uma pergunta.
R – Pois não.
(28:12) P2 – Até nesse mesmo assunto, quando deixou de ser um armazém e ficou um supermercado mais moderno, mudou bastante coisa para vocês também, né? Como, por exemplo, os fornecedores, eram outros, né? Vocês tiveram que se adaptar?
R – Não, houve uma evolução natural. Antes de ser supermercado já havia o produto embalado. Ou seja: a bolacha já não era mais na lata que você vendia, já tinha bolacha empacotada. Você já tinha Cream Cracker, Maisena, aquelas bolachas tradicionais, todas empacotados. Então, foi uma transição, não houve uma grande mudança, houve uma certa sofisticação, vamos dizer, onde você tinha no armazém uma, duas marcas do mesmo produto, de repente, no supermercado você passou a ter três, quatro, cinco diferentes. No armazém você trabalhava com sardinha Coqueiro, por exemplo. E só tinha Coqueiro, você não tinha outra. Aí, quando abriu o supermercado, você tinha Coqueiro e ao lado dela você já tinha outras marcas. O que mudou foi colocar à disposição do público várias marcas diferentes dos mesmos itens, porque os itens não mudaram muito. Tem coisa que aconteceu nessa nossa época, eu me lembro, por exemplo, quando surgiu o plástico. Não existia, você só tinha balde, bacia, qualquer coisa que você tinha era galvanizada. E de repente uma fábrica inventou um balde de plástico, bacia de plástico. Era uma novidade, assim, como se tivesse o homem chegando à Lua. A invenção do plástico daquilo, né? Aí começaram as primeiras indústrias, grandes indústrias de plástico, a Trol, a Atma, né, que se especializaram nisso e começou a diversificar a linha de produtos plásticos. Então, assim, foram se incorporando outros materiais porque, na época, o que existia e o que já vendia no armazém, era o balde galvanizado, bacia galvanizada. Se vendia panela de ferro. Você tinha o alumínio iniciando, começando a existir, não era usual a panela de alumínio, como hoje. Então, foi diversificando os materiais que eram utilizados a partir da indústria que foi se diversificando também, né?
(30:33) P2 – E, Wallace, você, dentro da estrutura da empresa, passou por todas as partes? Como que foi seu caminho? Você atendia clientes?
R – É, atendia cliente, fazia vitrine, fazia de tudo, cartaz de preço. Eu sempre me liguei à área comercial, compra e venda. Foi sempre a minha área. Meus irmãos cuidavam da parte financeira, enfim, área contábil, aquela coisa toda. A minha área era compra e venda, era ali que eu me realizava, dentro da loja.
(31:12) P2 – Muito bom. Mudou muito essa área, para hoje?
R - Para hoje?
(31:20) P2 – É.
R – Olha, os princípios são os mesmos, os princípios continuam os mesmos, tá? O que mudou hoje, basicamente a grande mudança veio com a informática. Você tinha uma evolução natural do comércio. Com esse mundo digital que entrou, a partir do instante que ele se iniciou, aí você teve uma verdadeira revolução dentro do varejo. Mas até lá, até essa fase digital, não. Você tinha mesmo o supermercado, uma evolução do armazém e as coisas vinham caminhando naquela forma lenta, até que chegou a época digital, aí teve uma ruptura. Época digital que eu digo é a época das telecomunicações, que precedeu a parte digital, né? Mas aí você começou a mudar efetivamente o varejo, com a velocidade muito grande.
(32:17) P1 – Wallace, eu me lembro de um momento assim, de um dia, de a gente ter ido à Casa Sampaio e tinha copos importados, coisas da Argentina, da Vareco, tinha uma linha sofisticada também de produtos.
R – É, houve uma época que nós fechamos, porque veja bem, ali era a rua central, tá? E o Centro ficou impossível você trabalhar com o supermercado. Os supermercados foram para os bairros e lojas muito mais amplas do que a nossa, com estacionamento, que a gente não dispunha de estacionamento nenhum. Então, num determinado momento, nós deixamos de trabalhar com supermercados e passamos a ser uma loja de utilidade doméstica, vamos dizer. E nessa época sim, a gente trabalhava com louça, prataria, cristais, utilidades em geral. E tínhamos também uma sessão de ferramentas e ferragens. O prédio já eram dois andares, você tinha um andar que era utilidade doméstica e um andar que era ferragens e ferramentas. Então, já deixamos de trabalhar com o gênero alimentício.
(33:28) P1 – Hum hum. E tinham esses produtos importados?
R – Tinha, tinha. É interessante, essa linha de utilidades importadas sempre existiu. Mesmo no período que você não tinha importação aqui no Brasil, você tinha um mercado externo fechado. Você não tinha, por exemplo, gêneros alimentícios importados como você tem hoje, massa de macarrão italiana. Era tudo produzido no Brasil. Mas essa parte dos utensílios de cozinha, basicamente porcelana, vidro, cristal, isso existia importado e sempre existiu. Não sei qual é a razão que tinha, mas essa importação sempre existiu.
(34:13) P1 - Entendi. E você falou dessas outras redes, né? Então, assim, já que você tem essa visão do todo, como presidente do Sincomércio, né, eu queria que você falasse um pouco dessas outras lojas, que são famílias muito tradicionais também: Santo Antônio, Júlio Meca. O que você se recorda assim desses nomes? Kurozawa, esses nomes mais antigos.
R – Isso. Toda essa geração de supermercados deixou o comércio, as lojas não existem mais. Foram substituídas, foram vendidas, passou para a rede que era do João Svizzero, da família Svizzero, que era Rede Santo Antônio, foi a maior rede de supermercados de Bauru, né? Hoje é Pão de Açúcar, as duas maiores lojas que ele tem. Outras foram assumidas pelo Confiança. Enfim, aquela geração do setor de supermercados deixou de existir. Passou-se à nova geração, com novas empresas, novos empresários, que absorveram o mercado. Então, todas essas redes novas de supermercado de Bauru são mais novas, elas são do final da década de noventa, tá?
(35:28) P1 – Hum hum. Agora, teve alguns nomes, eu me lembro, que trouxeram algumas inovações também, né? O Santo Antônio do Estoril, que tinha uma estrutura com posto, lava-jato, uma parte de importados grande no mezanino. E tinha também o Morita, aqui na Nações. Era o Morita?
R – Era o Morita. Depois foi...
(35:53) P1 – Que foi a primeira escada rolante de Bauru? (risos)
R – Isso. Depois foi o Paulistão. No lugar do Morita veio o Paulistão.
(36:02) P1 – Isso.
R – É interessante que eu não sei hoje se é o proprietário, mas o Morita foi o proprietário do prédio até o tempo que estava com Paulistão era dele. Acho que até hoje é deles. O pessoal do Morita...
(36:13) P1 – Eles são de Bauru, Wallace?
R – Não, não. Eles são da região de São Paulo. Eles não são do interior, não. O Morita, né? Tenho impressão que é um grupo da capital. Mas não existe mais como supermercado, só ficaram como donos do prédio.
(36:31) P1 – O prédio, né?
R – É. E aí, depois dessa época, que você tinha o Santo Antônio, Kurozawa, Sampaio, Júlio Meca, depois foram sucedidos pela Rede Confiança, tem várias lojas em Bauru, que surgiram posteriormente e que hoje têm várias lojas em Bauru, fora de Bauru, é uma grande rede comercial, né, do Jad Zogheib.
(36:57) P1 - Que vem também de secos e molhados, né?
R - Sim, veio de um armazém. Ele começou em... Arealva.
(37:06) P1 – Isso.
R - Uma cidade pequena, aqui próxima de Bauru. De Arealva o pai dele veio para Bauru e tinha um armazém próximo onde ele tem a loja do Confiança da Falcão, né? Aí, do armazém, ele abriu o supermercado.
(37:22) P1 - Maravilha. Ô, Wallace, como que você começou a se envolver nessas atividades do Sindicato do Comércio? Era meio naturalmente? Como é que foi a sua trajetória dentro do Sindicato do Comércio?
R – É interessante isso. Eu fui convidado por um amigo meu, que é diretor do Sincomércio até hoje, o Orlando Burgo, tinha uma loja de calçados na esquina da quadra um da Batista, né? E eu me lembro até hoje das palavras dele: “Não, Wallace, vamos lá no Sindicato!” Eu nem sabia o que era sindicato, né? “Vamos lá no sindicato, aquilo não dá trabalho, é uma reuniãozinha lá uma vez por semana. Você vai olhar aquilo e vai gostar e tal”. E eu acabei entrando para a diretoria do sindicato. Não existia nem esse prédio que nós estamos hoje. Era um prédio da antiga Drogadada, que era na esquina da Rio Branco com a Primeiro de Agosto. Tinha duas salinhas lá do Sincomércio, né? Aí, depois, com o passar do tempo, era época da contribuição compulsória, ou seja, a contribuição sindical tinha um valor expressivo na época. E aquele dinheiro foi sendo juntado, juntado - era o Rasi que era o presidente do sindicato na época - e permitiu que a gente conquistasse esse terreno, que foi doado pela prefeitura. Na época foi aberta a Avenida Nações Unidas e construída essa sede que a gente tem aqui. Essa época eu já estava como diretor do sindicato. E, de lá para cá, eu sempre disse o seguinte: “Isso é igual cachaça. Você tomou a primeira vez, gostou, vai ‘garrá’ a tomar. Se não gostar, você não toma mais”. Então, a gente toma gosto por aquilo que faz. Para você ver, o sindicato é uma atividade não remunerada, você não tem remuneração nenhuma. Diferentemente do sindicato de empregados, que permite a remuneração da diretoria do sindicato, né? O patronal, não. Então, a gente faz isso porque gosta. E eu estou nessa acho que há quase trinta anos, já.
(39:28) P2 - E precisa ser eleito, para ser o presidente?
R – É, você tem uma eleição periódica, a cada quatro anos tem uma eleição, né?
(39:36) P2 – Sim.
R – Mas, se você precisa... o sindicato é uma atividade muito específica, ela sempre tem a característica de negociação coletiva, manter relação com sindicatos e empregados. Isso exige uma especialização muito grande da entidade. E das pessoas, você tem que estar especializado nisso. Eu me especializei isso, né? E é essa a razão de eu estar à frente até hoje aqui, né? O sindicato sempre primou por fazer um trabalho de qualidade nesse sentido, e isso explica o fato da gente estar até hoje no Sindicato. Mas basicamente é porque eu gostei da cachaça. Às vezes perguntam: “Mas você está tanto tempo lá, não ganha nada, não sei o que” “Pois é, mas tem louco pior do que eu”, eu falei: “Quem é provedor da Santa Casa ou diretor do Esporte Clube, ou presidente do Esporte Clube Noroeste, é mais maluco do que eu”. (risos) Porque esses, além de não ganhar nada, têm que por dinheiro do bolso ainda para sustentar a Santa Casa ou para sustentar o futebol.
(40:39) P1 – Maravilha! (risos)
(40:41) P2 – Quais são as diferenças entre os três sindicatos patronais? Nós temos três, né?
R - Como assim você diz “três”?
(40:52) P2 – CDL é Câmara de Diretores Lojistas, né?
R – Não sindicato, as entidades patronais, né?
(40:58) P1 – Isso, isso.
R – Nós temos CDL, Associação Comercial Industrial e o Sincomércio. A diferença básica que tem é o seguinte: o sindicato, eu chamo Sincomércio porque é a sigla que a gente adota e como ele é conhecido hoje, aqui em Bauru. O Sincomércio, basicamente, tem a representação legal da categoria. Ou seja: por lei, pela CLT, o Sincomércio representa toda a categoria econômica da base onde a gente está trabalhando. Então, nós temos capacidade de propor ações coletivas, por exemplo, que beneficiam todo o comércio, independente dele ser associado ou não associado. Assim como as convenções coletivas que nós assinamos, que beneficiam ou criam obrigações para todas as empresas. Já o CDL e a Associação Comercial representam os seus sócios, os associados exclusivamente. Então, basicamente é essa diferença que existe. Aí depois, em cada cidade, cada local, você tem perfis diferentes da entidade, né? Então, aqui em Bauru, a CDL sempre cuidou da parte do SPC e do comércio do calçadão. A Associação Comercial sempre cuidou da parte de indústria e tudo mais, da parte mais política. E o Sincomércio, toda área de negociação coletiva e toda a área trabalhista. Então, sempre se respeitou essas especializações e as entidades, aqui em Bauru, vivem harmonicamente, ao longo dos anos. Diferentemente do que ocorre na maioria das cidades, onde há uma competição entre sindicatos, associação comercial, CDL, há rusga. Em Bauru não, a gente tem uma divisão muito clara de condições e trabalhamos em harmonia há décadas. Desde que eu estou no sindicato a gente construiu isso e a gente vive em harmonia aqui em Bauru desde daquela época, já.
(42:49) P2- Sim. Inclusive com os Sincomerciários, né?
R - Também, também. A gente tem o outro lado da moeda, né? Um lado da moeda é o sindicato das empresas e o outro lado é o sindicato dos comerciários. E a gente tem que ter um bom relacionamento com eles, porque é a partir daí que você consegue fechar as convenções coletivas. E convenção coletiva é um pouco, eu brinco, de engenho e arte. É engenho na forma que você tem que conhecer legislação, você tem que aplicar técnicas de negociação. E arte, porque é uma arte de encantamento que você tem que usar, pra poder conseguir negociar, não apenas, nós negociamos não apenas com o Sindicato dos Comerciários aqui de Bauru, né? Nós temos mais três sindicatos em Botucatu, o sindicato de Marília, que a gente negocia. Mas também temos Condutores de Veículos. Temos... que mais tem?
R2 – Movimentadores.
R – Movimentadores de Mercadoria, enfim. Há outras categorias que também são representadas, de empregados, pelo Sincomércio. Então, manter esse volume de negociação que a gente tem, com capacidade, nós temos que trabalhar pensando que o antagonismo é natural. Ou seja: há um conflito de interesses, só que um defende os interesses dos empregados e outro das empresas. Mas administrar esse conflito e conseguir ser criativo com isso, aí eu digo que é a parte da arte. Ou seja: você precisa ser meio artista para conseguir, né?
(44:22) P1 – (risos) O William vai fazer uma pergunta, Wallace.
(44:26) P3 – Oi, Wallace, boa tarde, tudo bem?
R – Boa tarde.
(44:29) P3 – O senhor estava falando da questão do senhor Orlando Burgo, né, que convidou o senhor. Tem outras pessoas também mais antigas lá no calçadão, né? Wilson, do Wilson Roupas; o Zé, do Kuekão; o Zogheib, do Hotel Fenícia, do Hotel da Nações. Gostaria que o senhor pudesse falar um pouco da memória deles também.
R – Ah, tá. Nós não podemos esquecer da Casa Carvalho, que existe até hoje, né?
(44:51) P3 – A Casa Carvalho.
R – Já está na terceira geração dos Carvalhos, né? Começou com o Itacolomy, depois o Cássio, agora o Fernando, os filhos dele, continua até hoje lá. Mas nós tivemos lojas extremamente importantes em Bauru. A Unidas, que é da família Zogheib, foi uma rede de loja muito importante na parte de móveis, né? Hoje não tem mais a loja, mas tem também o hotel, tem um hotel em construção, parece uma igreja construindo aquilo, porque faz trinta anos que não acaba. Mas está permanentemente em obra aquilo lá, né? Ali ao lado do... como que chama?
(45:32) P1 - Do Alameda, ali?
R – Do Alameda, exatamente.
(45:34) P1 – Ali do lado do Alameda Quality.
R – Do lado do Alameda, é. Mas houve várias famílias. A família Burgo, por exemplo, com a loja de calçados. Ela já foi vendida e a loja mantém o nome Burgo, né? Mas nós tivemos a Casa Lusitana, saudosa memória. Aliás, foi o meu primeiro emprego.
(45:53) P1 – Ah, é?
R - Eu me formei trabalhando pra Casa Lusitana, trabalhei dois anos na Casa Lusitana, antes de voltar a trabalhar com o meu pai. Aliás, incentivado por ele. Ele dizia: “Para aprender a ser comerciante, tem que ser comerciário na vida”. Então, eu fui comerciário dois anos. Abri caixa, calculava nota, fazia lá, aprendi a fazer lá tudo aquilo que eu vim aplicar no futuro, depois. Mas nós tivemos várias lojas importantes em Bauru, era uma época que você tinha lojas muito estruturadas, lojas muito bonitas. Tivemos a época da Capristor, que era uma loja de artigos femininos finos, tinha toda essa parte aqui em Bauru. Enfim, era um comércio bastante interessante, bastante diversificado. E com uma imagem do Centro, que a gente não recuperou até hoje. O Centro hoje tem uma imagem decadente, né? E a gente tem que reconhecer que é isso, apesar de trabalhar. Mas é um processo natural. Quer dizer: houve uma descentralização muito grande do comércio, né? Isso se verificou em todos os centros, se verificou em São Paulo. E hoje São Paulo, por exemplo, já vive o resgate do Centro. Eu estive essa semana, eu fui ao Largo do Arouche, queria ver aquela feira de flores que existia no Largo do Arouche. Bateu uma saudade, eu falei: “Eu quero ir lá ver aquela feira de flores”, né? Para as flores é triste de ver, porque não tem nem sombra do passado. Mas imagino que seja também em função da pandemia. O Centro está vazio, né? O Centro não tem mais pessoas trabalhando ainda, de volta ao Centro. Mas você vê uma série de construções de prédios, de moradias no Centro. Então, esse movimento de resgate do Centro é um movimento que é cíclico, ele fatalmente virá em Bauru. Quando, exatamente, eu não sei, mas haverá esse resgate do Centro. Nós passamos um período do comércio que foi o grande período dos shoppings, né? Quando surgiu o Shopping Bauru, por exemplo, surgiu o primeiro shopping, na década de setenta. Patinou por vinte anos lá, até chegar na década de noventa, que ele ganhou um impulso e seguiu em frente. Mas hoje nós já vivemos um fenômeno que ocorreu nos Estados Unidos há uns dez anos, que está começando a ocorrer aqui, que é a valorização da loja de rua. O comércio está voltando ao comércio de rua, tá? Os shoppings chegaram a um grau de sofisticação tão grande, ficou tão caro o empreendimento shopping, que muitas empresas estão voltando para o comércio de rua. O comércio é assim, é cíclico, ele vai, volta. Então, hoje a tendência o que é? Não é mais shopping, hoje é comércio de rua.
(48:31) P1 - O comércio tem essa dinâmica, de ser...
R - Isso.
(48:35) P1 - ... muito ágil também.
R - Muito, muito, né?
(48:38) P1 – Agora, você falou uma coisa interessante nessa pergunta do Willian, que essa caminhada do comércio por essas ruas, né? Ruas inteiras que eram completamente residenciais: a Gustavo, a Rio Branco, vão deixando de ser residenciais e elas passam a ser comerciais, né? O pessoal fala: “O comércio subiu”. (risos)
R – É, o comércio de bairro em Bauru hoje cresceu muito. Bauru é uma cidade dinâmica, Bauru tem um comércio de bairro muito importante. Especialmente o comércio da zona sul. Mas você tem razão, na minha época de criança, por exemplo, a Rua Bandeirantes era rua residencial, que é a primeira acima da Rodrigues Alves. Você tinha o comércio centrado na Rodrigues Alves, Batista de Carvalho e Primeiro de Agosto. Fora disso era tudo residencial. Eu me lembro de criança ter uma época que a Avenida Duque de Caxias era saudada assim como uma grande modernidade de Bauru. Porque Bauru, no começo, terminava na Rua Quinze de Novembro. Depois ela foi continuou crescendo com moradias, até que abriram aquela Avenida Duque de Caxias. Mas a cidade acabava na Duque de Caxias. Dali para cima era rua de terra, você tinha que andar em rua de terra. Meu pai tinha uma chácara, minha avó morava na primeira rua abaixo aqui da Duque de Caxias.
(50:03) P1 – A Padre João? Não, é uma antes.
R – Pra lá. A Bento Cruz, Rua Bento Cruz. Eu vinha de cavalo da chácara para a casa da minha avó. Onde tem a Etec hoje era um terreno vago, eu amarrava o cavalo lá numa árvore, ia para a casa da minha avó, que era ali pertinho. Depois pegava o cavalo e ia para chácara de novo.
(50:24) P1 - E a chácara era onde, Wallace?
R - A chácara? Na Avenida das Bandeiras, quando você vai lá para a __________ (50:34). É aquela parte ali entre as linhas, a linha férrea que existe ainda hoje e a linha da Sorocabana que existia lá em cima e não existe mais. Mas era ali a chácara, dos dois lados daquela avenida ali.
(50:48) P2 – Sim, sim.
R – Não é? E dali a gente ia a cavalo para cá, para a casa da minha avó.
(50:52) P1 - Algo inimaginável hoje, né?
R – É, hoje não dá para imaginar mais, né? Aliás, hoje é proibido cavalo na cidade, né? Tem uma lei da década passada aí que proibiu carroça na cidade.
(51:05) P1 - É proibido?
R – É, em Bauru é proibido carroça na cidade. _________ (51:11) muito trânsito. E tinha muito carroceiro que gostava de uma cachacinha e saía aprontando com a carroça pelo trânsito todo. Chegou num ponto que tiveram que proibir, aqui.
(51:28) P2 – E será que é possível acontecer em Bauru... apesar que eu estou falando de cidades menores, né? Jaú e Araraquara, por exemplo, têm um centro da cidade muito bem conservado, estruturado. O melhor lugar para você ter uma coisa em Jaú é lá no Centro mesmo, né? A gente vai conseguir...
R – É, Araraquara também.
(51:51) P2 – Araraquara.
R – Bauru tem essa característica diferente, como ela é da década de vinte, a estação de Bauru é de 1930 para frente. Então, Bauru não tem um Centro histórico. Não tem. Você vai para Jaú, por exemplo, você tem um estilo de moradia. Estive em Sorocaba agora, passei naquela Sorocaba antiga do Centro ali, você tem um estilo de moradia, você tem um estilo de prédio. Você tem em São Paulo, em bairros, você encontra isso naquelas residências com janela e a porta na beira da calçada e sem grade ainda. Janela com veneziana, abria para a calçada e não tinha grade, não tinha nada, né? Mas Bauru é uma cidade mais nova, então Bauru tem um estilo eclético de edificação. Você não tem um Centro histórico que tem alguma beleza cultural. Por quê? Porque já são construções mais modernas, mais lineares, né? Não tem aquele Centro antigo a ser preservado, que cidades como Jaú, Araraquara, como outras tantas têm. Porque permite aquele trabalho de preservação, dá um resultado interessante. Bauru é uma colcha de retalhos, você não tem um estilo predominante. Do ponto de vista arquitetônico, quando você anda pelo Centro, você encontra exemplo de tudo, né?
(53:09) P2 – Sim.
(53:12) P1 – Ô, Wallace, mas ainda pensando nessa questão do William, desse Centro histórico que se expande, a gente também tem nos bairros, que estão mais longe desse Centro, grandes centros comerciais. O Mary Dota, ali no Independência, ali perto da Hípica também, tem um grande centro comercial ali, né? É um comércio que se espraiou na cidade, né?
R – É. Você tem, vamos dizer, o comércio cresceu em direção à zona sul, até em função do shopping aqui. Já iniciou lá em 1970, mas na zona sul, a migração do comércio central para lá. Nos bairros, é o desenvolvimento do comércio local, tá? É um comércio local que foi se desenvolvendo, foram criando centros comerciais. Mary Dota é praticamente uma cidade hoje, né? Aliás, tem a representante aqui, a Katiana é a representante oficial do Mary Dota, né? Mas tem comércio importante nos bairros. É interessante o que ocorreu no final do século passado com o SPC, que antes era aquele serviço de proteção ao crédito, a pessoa era negativada no SPC, você tinha que praticamente mudar de cidade e tal, né? Mas no começo dos anos 2000, o CDL, a associação que mantinha o SPC, cometeu um erro enorme. Eles começaram a colocar serviços públicos no SPC. Então, se você não pagava a conta da água, se atrasava, você era negativado pelo DAE, era negativado pela Cpfl. E assim foi com a área de serviço público. Com isso se chegou a um volume de negativação enorme dentro da população de Bauru. E as pessoas negativadas não tinham acesso ao crédito no comércio central. Você fazia a consulta no SPC: "Não, você não pode, porque você está negativo lá". Isso alavancou o comércio de bairro, porque no bairro ninguém pedia o SPC de ninguém, você está ali você sabia onde ele morava, onde ele trabalhava, o que o filho dele fazia. Você tinha esse histórico, então ninguém consultava o SPC coisa nenhuma. Então, esse movimento errado, na época eu alertei que estavam fazendo, cometendo errado, mas como aquilo trazia recurso para a entidade, porque essas _______ (55:42) pagavam, a entidade ganhava e prejudicava o comércio central. Porque aí que floresceu o comércio de bairro, porque você sabe se ele está trabalhando, se ele perdeu o emprego, você sabe que a mulher dele costura para fora, enfim. Você tem a vida daquilo ali, né? Então, muito em função dessa, vamos dizer, modernidade que existia do serviço de proteção ao crédito, a pessoa perdia o crédito no comércio da área central e passou a consumir no bairro e com isso o com comércio de bairro cresceu. Hoje é um comércio muito importante, o de bairro.
(56:15) P1 - É muito representativo né?
R - Bastante.
(56:23) P1 – William, quer fazer alguma pergunta? O William também é um representante do Mary Dota, Wallace. (risos)
R – Ah, é da comunidade lá da Katiana?
(56:31) P1 – É, o nosso representante ali, ele rodou todas as lojas ali da avenida, dos arredores.
(56:40) P3 – Sim, eu moro na avenida mesmo, na primeira quadra da avenida, né? Então, eu nasci em 1998, então eu acompanhei muitas lojas novas, lojas que se mudaram, né? Estudei no bairro, mesmo.
R – Naquela época tinha aquele ‘desperfume’, que tinha a fábrica, o frigorífico Mondelli?
(57:08) P3 – Sim, é.
R – É, mas naquela época era um absurdo, porque eles ferviam, era muita carne, eles ferviam sebo. Eles davam uma leve processada no sebo e vendiam aquilo para fábrica de sabão, para outras coisas. Mas o ferver o osso, para tirar aquele sebo tudo, era insuportável o cheiro que tinha lá, tá louco!
(57:29) P3 – O cheiro da fumaça, né, que sai também? (risos)
R – É.
(57:33) P3 – Hum hum. Então, eu tenho umas perguntas que eu anotei aqui. A gente conversou com o ‘seu’ Cilso José de Moraes e ele disse que trabalhou para o senhor na Sampaio.
R – Trabalhou. Ele diz que eu sou o pai dele, o segundo pai dele. Ele trabalhou comigo, trabalhou muitos anos comigo. O Cilso era um garoto que eu contratei, eu estava fazendo algum serviço de prateleiras, de gôndola, naquela época você não tinha isso vendido, comprado pronto, você tinha que fazer _________ (58:04), né? E era feito com metalon, eu contratei uma serralheria para fazer algum serviço, o Cilso era um menino e eu vi que ele tinha potencial. Então, o contratei para trabalhar na loja. Ele trabalhou acho que mais de vinte anos comigo lá na loja. Excelente pessoa, excelente pessoa.
(58:21) P1 – Maravilha! (risos)
(58:21) P3 – Sim. Ele trabalhou com as ferragens, né? Com as ferramentas também, não foi?
R – Nas ferragens, ele trabalhava na parte de ferragens.
(58:30) P3 – E naquela época era muito difícil conseguir essas ferramentas mais especializadas, coisas miúdas assim, ou não? Como é que era?
R – Ah, você só tinha ferramenta manual, né? Posteriormente que surgiram... eu lembro de ir na loja da Sears em São Paulo, onde é o Shopping Paulista hoje, né e a Sears tinha uma linha da Kraft, que era a linha como a Black & Decker, de ferramentas manuais elétricas, que eram marca própria da Sears. Eu ia na loja da Sears e ficava babando de ver aquele tipo de ferramenta que eles tinham lá. Porque nós só tínhamos ferramenta manual. Então, para furar, para fazer um buraco, era com um ferro de pua.
(59:15) P1 - Era à manivela. (risos)
R - Você não tinha ferramenta manual. E a gente conviveu com isso, depois entrou um monte de ferramentas manuais, começou com a Black & Decker, depois veio Bosch, Makita, várias delas, né? E eu me lembro de eu andando em São Paulo, por exemplo, na região ali da Major Sertório, por ali, né? Eu não sei o que eu estava fazendo lá e eu vi uma loja da Hitachi e me chamou atenção aquela loja da Hitachi. Eu fui entrar para ver o que era aquilo e era uma calculadora elétrica. Eu nunca tinha visto uma, foi a primeira vez que eu vi. E aí eu comprei aquelas calculadoras e trouxe para Bauru. Elétrica e à pilha, era uma calculadora desse tamanho assim, com quatro pilhas que funcionava aquilo. Aquilo era uma modernidade, a coisa mais moderna que as pessoas já tinham visto, ficava fila de gente para ver como é que funcionava aquela calculadora. Mas vocês imaginam essas evoluções, porque foi o primeiro equipamento eletrônico que existiu, foi uma calculadora da Hitachi. A partir daí surgiram outros e tudo mais e chegamos aonde chegamos hoje e não sabemos onde vamos parar, né?
(01:00:30) P3 – É. Sim. A gente acha que a calculadora é uma coisa assim, né, tão fácil, pequenininha hoje em dia e, na verdade, ela é super recente na história, né?
R – E é interessante para você ver como o comércio é cíclico, né? Por um bom tempo, com o comércio digital, dez anos, né, de existência praticamente, se pensou: “Não, vai tudo ser” - primeiro era shopping – “shopping e depois vai ser tudo digital, vai quebrar até o shopping, porque vai ser tudo digital”. E hoje nós estamos num período de valorização da loja física. As grandes redes. A Amazon nos Estados Unidos, por exemplo, já tem vários pontos de venda com loja física. Muito mais no sentido de showroom do que, realmente, uma empresa vendedora, né? Mas esse contato com o produto, aquele de pegar, de ver, de sentir, é uma necessidade que todos nós temos. Então, hoje nós estamos tendo a valorização da loja física novamente. Evidente que temos o boom do comércio digital, comércio eletrônico e ele continua, mas ele vem casar com a loja física. É interessante isso, você pensava primeiro que um ia excluir o outro, né? Como a televisão fosse acabar com a rádio, né? Não acabou, o tempo todo aí, né? Como pensamos que a internet ia acabar com o jornal, acabar com a revista. Revista praticamente acabou mesmo. Mas os jornais continuam, o jornal de papel. Então, as coisas são cíclicas e vão se agregando, vão somado, mudando a característica. Eu, teve uma época que eu achei que loja física ia acabar tudo. E quando você vê hoje, você vê o renascimento da loja física.
(01:02:15) P1 – Você falou uma coisa que eu acho importante: esse contato com o produto, conhecer o produto, né, ver se ele é bom mesmo. Mas acho que também tem a figura do vendedor, né, do comerciário, aquele que passa também uma certa garantia, uma credibilidade da loja.
R – É, vai mudando de figura, né? Você pega os grandes magazines, por exemplo, hoje e não tem mais a figura no vendedor. Ele tem um atendente lá, que vai te indicar onde que você tem a calça, da cor que você quer, mas você compra sozinho, né? Quando não compra pela internet, tá? Então, aquela figura do vendedor, do comerciário vendedor, aquele que te atendia e vendia, essa figura está em extinção. Você pega, por exemplo, Casa Bahia hoje. Que Casa Bahia era o polo de excelência dos comerciários, era o top de carreira do comerciário ser vendedor da Casas Bahia, né? Era bem remunerado, tinha belas comissões. Não tem mais hoje. Hoje você vai lá, tem a pessoa que te indica e você compra pela internet. Mesmo sem saber, você está comprando pela internet. Porque esses grandes magazines viraram um grande showroom. Dificilmente ele tem algum produto em estoque, né? Então, você vai ter esse contato físico com o produto, a venda é feita pela internet, você vai receber dali dois, três dias. Mas, com isso, aquela figura do vendedor perdeu um pouco, porque você negociava preço, o vendedor tinha uma autonomia para dar um desconto. Hoje não tem mais nada. Hoje é tudo na internet. Ele vai já no computador, o preço é esse, é isso aqui e acabou. “Ah, como é que é a geladeira?” “A geladeira está aqui, você viu a geladeira aqui, tem a outra ali. Você quer ver essa, você quer saber como ela funciona?” Abre na internet lá que tem tudo, você tem, né?
(01:04:07) P1 - As lojas são showroom?
R – São as diferenças que tem. Quer dizer, a ponto de um mercado mais evoluído, por exemplo, você compra no Estados Unidos uma geladeira, isso há vários anos, ela é customizada para você. Você vê a geladeira, você fala se você quer com quatro gavetas, com duas gavetas, você quer o freezer embaixo, freezer em cima, prateleirinha, sem prateleira. Ela é todinha customizada para que você compre e rapidamente você recebe. É a tendência que a gente tem hoje em dia, né, no comércio. Mas o contato pessoal, quer dizer, não do vendedor, aquele que vai te apresentar o produto, continua fundamental. Nós somos carentes disso. Não dá pra gente _______ (01:04:52). Da minha geração então, por exemplo: quando eu recebo alguma ligação de marketing qualquer, quando está conversando com máquina, eu só não xingo, mas eu desligo o telefone. A gente precisa do contato pessoal. Quando está achando que você está conversando com gente, você faz a pergunta de um jeito, ela responde, você pergunta um jeito diferente, ela dá a mesma resposta, eu falo: “É máquina que eu estou conversando aqui, né? Tchau”.
(01:05:20) P1 – (risos) Wallace, é muito diferente de um tempo atrás, né? Que você ia na loja, você tinha aquele vendedor, ele sabia de você, da sua família, você ia na loja de calçado comprar para os quatro filhos e era aquele vendedor, só ele te atendia, né? Era na Capristor, na Yara, na Stop Magazine. A Casa Sampaio era exatamente isso, né? A pessoa te conhecia, né?
R – É, hoje isso está acabando. Porque primeiro, naquela época, você dependia da informação do vendedor, né? Só o vendedor dispunha de informações necessárias para você adquirir um produto. Hoje você tem tudo na internet. Então, você vai pra uma loja, você já sabe de que material aquele calçado é feito, que tipo de forma que ele tem, a que público que ele se destina. Então, aquela figura está desaparecendo, tende a desaparecer. O que eu acho que vai ficar é isso: aquele que vai fazer o contato pessoal, o relacionamento com a pessoa. Você sente isso hoje, por exemplo, em supermercados. As redes de supermercados que trabalham no treinamento do seu funcionário, embora ele seja o repositor, seja uma operadora de caixa, seja qualquer função, para que ele tenha essa interação com o cliente, ele tende a ter sucesso. Quando você pega uma rede que é fria, o funcionário não é treinado para isso. Então, onde é que está o leite em pó? Ele fala: “Tá lá”. Esse aí vai ter problema sério, tá? Aquele que treina, porque nós somos carentes de contato pessoal, todos nós somos, né? Então, a gente quer ter esse contato, quer bater um papo, ter uma pequena conversa, seja com o repositor do mercado, seja com a moça que trabalha na feirinha, o cara que trabalha no açougue. Isso faz parte do varejo. Esse tipo de contato vai continuar existindo, esse contato humano, esse relacionamento humano que você tem, né?
(01:07:28) P1 – Wallace, e a gente pode pensar, dentro desse relacionamento humano, esses dias que são datas especiais, que a gente sabe que o comércio tem uma boa performance: Dia das Mães, Dia dos Namorados, né, tem toda uma preocupação de cativar esse cliente, de encantar...
R – Não vou passar a fumaça em ninguém aí, tá?
(01:07:52) P1 – (risos) Fica à vontade. A gente tem datas muito especiais, assim, que as associações, as ruas, as lojas se mobilizam nesse atendimento, né? Como você vê essa mobilização toda?
R – Hoje, com a pandemia, está muito mudado, porque nós temos, hoje, restrição de público. Mesmo fora, com o comércio aberto, você tem uma restrição, que é uma restrição legal, que é aquela parte dos decretos, né? E tem uma outra restrição que independe de decreto, das pessoas terem receio de expor. Grande parcela da população tem esse receio de se expor. Evita ir à loja, evita ir no comércio com muita gente, né? Mas, mesmo assim, as datas promocionais são significativas ainda. São e sempre serão. Bastante significativas. O que muda, com o correr do tempo, é o perfil daquele presente que é comprado na data especial. Nós vivemos uma época que a loja de brinquedo era um tremendo sucesso. Toda criança queria um brinquedo. Menina queria boneca, moleque queria um carrinho. E hoje em dia tudo é eletrônico. Mas, de repente, você está vendo a volta do brinquedo lúdico, o brinquedo chamado educativo, daquele brinquedo físico outra vez. Enfim, são ciclos que o comércio tem.
(01:09:21) P1 - Maravilha. Lu, quer fazer alguma pergunta? Willian? Willian.
(01:09:25) P3 – Então, sobre a Batista de Carvalho. Para quem não conhece, a Batista tem duas praças: a Rui Barbosa e a Machado de Mello, lá perto da estação ferroviária, né? E, como os trens passavam lá, lá era um point, né? As pessoas desembarcavam e já entrava, ali, na quadra um, quadra dois. E aí, depois que acabou o trem, aí depois a estação ferroviária foi uma rodoviária, né?
R – Rodoviária.
(01:09:58) P3 – Isso. E aí quando saiu também a rodoviária, foi inaugurada lá no governo do Sbeghen, né? A quadra um e a dois, hoje em dia, têm pouco fluxo de pessoas, né? Como que o senhor vê isso aí?
R – O grande fluxo de pessoas na quadra um e dois era na época da ferrovia. É que você tinha os hotéis de Bauru que ficavam na Machado de Mello. A pessoa ficava por ali: Hotel Avenida, na Rua Monsenhor Claro, o Hotel Tapajós, ali na Monsenhor Claro, era tudo centralizado na ferrovia. Quando houve a passagem da ferrovia para rodovia, o comércio não sentiu muito, porque a rodoviária era na Machado de Mello também. Que era tudo em frente, aquela esquina tinha a loja do Expresso de Prata e paravam os ônibus. Com a mudança da rodoviária, aí sim, o comércio sentiu, né? Porque a ferrovia foi uma coisa paulatina, ao longo dos anos que ela foi minguando. A rodoviária não, da noite para o dia saíram os ônibus de lá e foram para onde estavam lá na... então aí houve uma queda muito grande do público da Machado de Mello, da quadra um e dois, a ponto delas hoje serem primas pobres do calçadão, né? Quadra um e quadra dois.
(01:11:16) P3 - Existe algum projeto de revitalização do Centro?
R – Projeto de revitalização do Centro é interessante. A gente tem que analisar o que ocorre no mundo. A gente fica falando de Bauru e eu sempre fui atento a isso, sempre me preocupei com isso. O que ocorreu no mundo todo para revitalizar o Centro, que é o que está ocorrendo em São Paulo hoje. Você tem que trazer moradia para o Centro. Eles querem esse projeto de recuperação: “Nós vamos fazer arco, nós vamos fazer prédio, nós vamos fazer calçadão, nós vamos reformar a praça”. Tudo bobagem, né? Você consegue requalificar o Centro com a volta de moradia e é uma volta natural. Porque você tem muito terreno disponível, muito imóvel disponível, porque são antigas residências, estão lá abandonadas. E as ruas de prédios comerciais, né? E você tem toda a infraestrutura urbana pronta. Você tem água, você tem esgoto, você tem tudo pronto ali. Você tem escolas, tem várias escolas fechadas, que os prédios continuam lá. Então, a revitalização do Centro passa por habitação. O grande erro que se comete é não discutir isso, tá? Então, em Bauru, por exemplo, eu discuto, eu já converso com N prefeitos sobre isso e a gente não consegue. Cada um tem um projeto mirabolante para o Centro, né? Quando o grande projeto seria você isentar de IPTU, você fazer os imóveis do Centro para novos empreendimentos residenciais. Você permitir, por exemplo, construção de residência sem garagem no prédio. O Centro normalmente não exige, a virtude de São Paulo é essa: os prédios são baratos no Centro, porque você não tem garagem. Em São Paulo você usa metrô. Aqui não tem metrô, mas você tem ônibus circular. Então, se não houver a volta da moradia, não funciona. E a estação ferroviária, o que tem é que a prefeitura fazer aquilo que ela já projetou: fazer prédio administrativo naquilo, o restante é sonho. Aqui fazer aquilo de mão grande, fazer shopping, fazer centro cultural, não dá. Centro cultural em ferrovia, o único que deu certo é na Estação da Luz em São Paulo e olha lá se deu certo ainda, né? Todos os outros que tentaram não deram certo. Então, a revitalização do Centro passa por isso, por você voltar com moradia. E cabe ao poder público incentivar isso, para que você tenha moradia no Centro, um novo perfil, mas isso é uma coisa que não se discute seriamente. Não se olha para aquilo que acontece no mundo. A primeira grande reforma urbana de Centro que houve foi em Londres. O que Londres fez foi fantástico. Quer dizer: aqueles prédios todos, que eram prédios de instituições publicas, como aqui em Bauru tem alguns, que ficaram inúteis, porque não se tem mais atividade física grande, foram requalificados para moradia. Eram prédios comerciais e foram transformados em prédio para moradia e, através da moradia, se revitalizou o Centro de Londres, aproveitando e não teve que ficar derrubando prédio não, fizeram foi requalificar os prédios que já existiam.
(01:14:24) P1 - Até mesmo as igrejas, né, são transformadas em casas noturnas, em hotéis.
R – É, uma requalificação natural, você tem que aproveitar a estrutura urbana que está lá, né? E com essa facilidade. Às vezes você prefere criar um bairro novo, depois do Mary Dota, fazer outro bairro novo lá, como fazia na época da Cohab, né? E quando você tem uma estrutura inaproveitada na era central. E a área central que eu digo é desde a linha férrea lá embaixo, até a Duque de Caxias. É uma área muito grande, muito grande, muito grande, poderia ter moradia ali. E com moradia você torna a vida no Centro, porque o centro comercial, do jeito que ele é hoje, do jeito que São Paulo ainda é, né, mas está mudando, ele morre quando fecha o comércio. A partir das dezoito horas o Centro de Bauru é um grande vazio. Como é que você resolve isso? O pessoal fala: “Não, temos que abrir bar, temos que abrir restaurante”. Para, gente! Tem que ter moradia, tendo morador você tem o tráfego à noite. Ninguém fica recluso dentro de casa. Então, a chave da recuperação do Centro é moradia e isso virá, mais dia, menos dia virá aqui em Bauru também.
(01:15:37) P1 - E você tem pessoas vinte e quatro horas por dia ali na região, né?
R - Claro, você vai ter padaria, porque a pessoa desce do apartamento ou sai da casa e vai comprar pão. Você vai ter café aberto à noite, enfim, você vai ter aquela infraestrutura que você tem no bairro hoje, né? Que é natural que tenha lá. E a partir daí você revitaliza o Centro. Fora disso é utopia.
(01:16:01) P2 – Tem um projeto do pessoal da Unesp, que é para botar os estudantes que vêm de fora para morar lá no Centro, né?
R – Sim! Você tem uma série de coisa: para ser moradia pra estudante, moradia para recém-casado. Quer dizer: a pessoa, quando casa, o próprio comerciário que trabalha no Centro, enfim, quando você casa, ninguém tem a perspectiva de casar com quatro filhos. Aí casa, é um casal, tá? Então, um apartamento pequeno, depois não, tem filho, família, você muda para um apartamento maior. Mas essas unidades, você vê lá em São Paulo hoje, é comum você encontrar apartamento com menos de trinta metros quadrados. Eu já vi apartamento com dezenove metros quadrados, nem imagino como é que é isso. É morar no meu quarto, um apartamento inteiro do tamanho do meu quarto. Mas isso tem e agora, por quê? Porque é uma pessoa solteira, há muitos solteiros hoje, muitas pessoas que não casam hoje por opção, né? E há muito casal, que o brasileiro hoje já tem um filho muito mais tarde do que tinha. Antigamente você casava com 20 anos, né? Com 21, 22 tinha que ter filho já, se não tivesse tinha uma coisa anormal, né? E hoje não é mais assim, então você pode ter moradias muito pequenas, você pode ter uma densidade habitacional muito grande no Centro. E você permite que você tenha um tipo de construção diferente, mas precisa de incentivo do município para isso, né? Principalmente, não é incentivo de dar dinheiro não, é incentivo de mudar a legislação. Para você ter uma ideia, a legislação hoje obriga você a construir no Centro uma garagem por apartamento, o que não faz o menor sentido.
(01:17:37) P1 - Aí inviabiliza, né?
R - É.
(01:17:42) P1 - Até porque muita gente, nesse perfil mais novo, anda muito de Uber, né?
R - Sim, Uber é uma nova realidade, a ponto de você ter já estudos que indicam que os jovens... eu, quando jovem, o meu sonho era fazer 18 anos, para ter carta e para entrar no filme até 18 anos do cinema. Era meu sonho. Até que o dia que eu fiz 18 anos, fui no cinema assistir um filme de 18 anos e fiquei frustrado, porque ninguém pediu minha carteira de identidade. E ninguém pediu. Mas a juventude de hoje, essa juventude que está chegando agora aos 18 anos, grande parte deles não tem mais o sonho de tirar carta de motorista, não. Porque é a geração do Uber. Então, não tem mais a perspectiva de: “Ah, não”. A minha geração e muitas, isso perdurou até ontem, né? Você fazia 18 anos, tinha que tirar carta. Essa molecada de hoje não tem mais essa perspectiva de: “Ah, eu preciso tirar a carta com 18 anos”. Vai tirar o dia que for necessário. Porque é o Uber hoje que funciona, né? Especialmente São Paulo, especialmente na capital.
(01:18:48) P1 - É.
R - É muito mais difícil.
(01:18:49) P1 – É, justamente por causa dessas questões de estacionamento, de estacionamento no Centro e tudo...
R – Mais importante, se você fizer na ponta do lápis, para quem mora em São Paulo, é mais barato usar Uber do que manter um carro.
(01:19:01) P1 - É. Wallace, avançando um pouco no tempo aí, já mais para um desafio mais atual, né, a gente está fazendo a entrevista on line porque a gente está vivendo um momento muito de exceção, né? E você, à frente do Sindicato do Comércio, teve um grande desafio de como lidar com essa questão da pandemia, principalmente do comércio, dos cabeleireiros, enfim, são setores que foram muito atingidos por essa necessidade de isolamento físico, né? Então, queria que você fizesse um balanço desses desafios que foram para o comércio, para o sindicato, para você como presidente do sindicato.
R - Veja bem, foi algo muito novo, é ainda algo muito novo enfrentar a pandemia, né? Não se sabe exatamente como é que esse vírus funciona, como é que ele evolui. Mas desde o início, ano passado, o comércio de Bauru ficou fechado por noventa dias, né? Foi a primeira cidade do estado de São Paulo a fechar o comércio, Bauru. Mas, antes do fechamento, nós já tínhamos proposto o comércio, naquela ocasião, funcionar por seis horas, que era uma forma de você eliminar uma viagem de ônibus do comerciário. Trabalhando doze horas, ele vai e volta, grande parte ainda almoça em casa, porque é no interior, então se almoça em casa. Então, estava abrindo por seis horas. Quando passaram os primeiros trinta dias, que foram terríveis com o comércio fechado, né e sem perspectiva de abertura, nós fizemos um protocolo pelo Sincomércio, para permitir a abertura do comércio. Um protocolo completo, envolvendo não apenas lojas comerciais, como bares e restaurantes, porque bares e restaurantes estão integrados com shopping. Nós não representamos bares e restaurantes, mas o shopping precisa dessa parte. Então, nós fizemos um projeto de autorregulamentação e esse projeto de autorregulamentação, nós fizemos no início de abril, quer dizer, com trinta dias de pandemia aqui. No mês de abril foi transformado em lei municipal. Então, o nosso protocolo foi transformado em lei, visando a abertura do comércio. Interessante se você no notar, se você pegar o nosso protocolo, ele tem todas as diretrizes que existem em qualquer decreto estadual e municipal hoje. Tudo aquilo nós já colocamos na forma de autorregulamentação. Apresentamos o projeto de lei, o projeto de lei funcionou por um período e o Tribunal de Justiça cassou a legislação nossa aqui e voltamos a fechar. Então, o desafio foi, ano passado, defender uma tese que nós defendemos, de que o comércio pode e deve permanecer aberto durante a pandemia. O que tem que ter é protocolos rígidos de atuação para o comércio. Mas fechar o comércio é um contrassenso, é um absurdo aquilo que foi feito. Bauru completou, nós completamos cento e setenta dias de comércio fechado, isso num período de treze meses. Quer dizer: praticamente um semestre fechado em treze meses. É um absurdo. Eu não sei como a grande parte das empresas conseguiu sobreviver a isso. É o lockdown mais longo que eu tenho conhecimento no mundo, no mundo. Eu não conheço outro lockdown que tenha esse período no mundo. E isso foi imposto no estado de São Paulo. E o pior, vejam vocês, por defender essa tese e por a prefeitura de Bauru estar totalmente alinhada com o governo estadual, o prefeito de então aqui, eu brincava que ele era uma paródia do Dória, né? Porque ela era um Dória piorado, né? Mas o Dória falava que tinha que fechar dez dias, ele mandava fechar vinte aqui, porque ele achava que isso era bonito, isso era lindo. E, por um certo sentido, a população viu, isso foi o discurso fácil do administrador público, para mostrar para população que estava fazendo alguma coisa. Ao invés de investir em Saúde, que é caro, né, caro você investir em Saúde, mandaram fechar o comércio. Mas então o ano passado nós tivemos uma briga permanente pela abertura do comércio. E nos colocou numa posição de oposição clara ao prefeito municipal de então. Como ele era um caso perdido, não tinha jeito de recuperar, o jeito foi removê-lo da prefeitura, tá? E, pra felicidade nossa, ele teve aqui em Bauru como prefeito de primeiro mandato para segundo, quinze mil votos em Bauru.
(01:23:58) P1 – Aí ele não se reelegeu?
R – Não ficamos contentes, tão contentes, que eu queria que ele tivesse menos de dez mil, queria que a surra fosse maior ainda. Mas isso nos colocou num movimento político muito grande, porque embora eu represente o comércio, a falta de liderança dos setores de bares, de restaurantes, de academias, como não havia uma liderança, nem de sindicato...
(01:24:23) P1 – A parte de serviço, né?
R – ... nós acabamos assumindo essa liderança em Bauru, tá?
(01:24:29) P1 – Hum hum.
R - E uma liderança proativa e uma liderança de luta, de ir contra o status quo. Você veja, isso chegou... é tão sem sentido o que acontece no estado de São Paulo, que eu me lembro que, no mês de dezembro, foi decretado o lockdown na Alemanha, por volta do dia cinco de dezembro, que terminava no dia trinta e um de dezembro. E eu não vi nenhum comerciante na Alemanha reclamando do lockdown. A Alemanha entrou no lockdown, passou o Natal, passou tudo, a gente falava: “Meu Deus do céu, como é que vai ser o comerciante alemão, cara? Né, no Natal? Vai ser uma revolução”. E eu não acompanhava nada de reclamação, o comércio fechou numa boa. Aí fui pesquisar o que acontecia e vi que, na Alemanha, naquele lockdown de dezembro, o governo federal pegou 90% das despesas que a empresa tinha naquele período, com folha de pagamento, com imposto, com água, luz, tudo, 90% e creditou para as empresas 90% das despesas que ela tinha. Então, por isso que o comerciante alemão não reclamou do lockdown. Foi o lockdown e tudo bem, tá? Aqui nós tivemos cento e setenta dias sem nenhum tipo de compensação do estado, nenhum, zero. O que nós tivermos do governo do estado foram falsas promessas. Nós tivemos, no primeiro semestre no ano passado, um auxílio do governo federal, uma reforma do financiamento a juros baixos, com prazo, pequena monta, mas houve, do governo federal. Do governo estadual, nada. Ou seja: a autoridade coatora, aquela que determinava o fechamento, só fez falsa promessa. Anunciou que ia ter dinheiro de um monte de coisa aqui, do Banco do Povo, um bando de mentira. Nunca houve um centavo do governo no estado. Então, isso nos forçou a manter uma atitude de resistência muito grande durante esse período, né? E nós temos a convicção, que já tínhamos no ano passado, que estava errado, que o comércio deveria permanecer aberto, com regras rígidas, com protocolos sanitários rígidos, porque nós sabíamos que nós iríamos conviver com o vírus por muito tempo. Quando se dizia aqui em Bauru: “Não, não, não, nós vamos fazer o lockdown aqui e aí, no segundo semestre, está tudo resolvido”. Eu sempre falei: “Está resolvido nada, nós vamos conviver com esse vírus muito tempo”. Quando saiu a variante de Manaus do vírus, eu já tinha dito muito antes aqui, eu falei: “Gente, nós vamos ter várias variantes do vírus”. Cometeram a bobagem de apelidar a variante de “Manaus”, brasileiro ficou feliz da vida, nós temos um vírus para dizer que é nosso agora, né? “É o vírus de Manaus”. E aí ficamos conhecidos como “vírus brasileiro”. “Vírus de Manaus” só no Brasil, no mundo inteiro é o “vírus brasileiro”, né? Mas eu sabia, era claro que nós íamos conviver com esse período muito grande, como nós vamos conter esse restante de ano, como nós vamos ter mais lockdown ainda. Se você pegar hoje, sexta-feira, agora vai ter uma reclassificação do estado, quando se espera que ele volte a classificações regionais, daquelas regiões que existia. Bauru continua até hoje com 105%, 110% de ocupação de leitos de Covid. Então, pela lógica, Bauru vai voltar para a fase vermelha, você vai fechar o comércio de novo. Quer dizer: é uma loucura, uma insanidade isso. E, diante dessa perspectiva eu vi, em um determinado momento, que o meu horizonte enquanto presidente do sindicato, estava sendo um horizonte muito limitado. Eu precisava de um campo maior de atuação. Então, eu me afastei da presidência provisoriamente, já retornei, né, mas me afastei da presidência do Sincomércio, para poder assumir o movimento para toda a categoria, para eu poder falar em nome de bar, falar em nome de academia, em nome de escola privada. Enfim, falar de todos os setores do comércio e serviços privados e lancei um movimento chamado “Reage São Paulo”. O “Reage São Paulo” tem esse propósito de preparar as empresas para a disposição nossa. Se decretarem um novo lockdown, nós não vamos cumprir. Chega, basta de lockdown. Quer que a gente faça o lockdown, tudo bem, faça igual à Alemanha: dê condições para o comerciante permanecer fechado. Da forma demagógica como foi feita até hoje, basta! A orientação nossa vai ser claramente: “Ah, saiu um decreto mandando fechar? Não feche, resista. Abra. Deixa. Vai multar? Deixa que multe. Ah, vai ameaçar fechar? Deixa que ameace fechar. Quero ver fechar!” Tá? Porque nós vamos ter que conviver com o vírus, não tem jeito, nós vamos ter que conviver com isso não é só esse ano, nós vamos ter que conviver mais tempo. Não se discute aqui, por exemplo, parece que vai vacinar essa vacina e você vai estar imunizado pelo resto da vida. Não é a sensação que o brasileiro tem? “Então, até o final do ano vacina a população. Ah, não vai ser até o final do ano, vai ser até março, ou vai ser setembro”. Parece que acaba. O ano que vem vai ter outro drama, que é como é que você vai vacinar em janeiro quem tomou vacina em janeiro desse ano? E não se fala nisso! Então, comprou cem milhões da Pfizer agora, parece que estamos resolvidos. Vai ter que comprar mais duzentos milhões o ano que vem, para poder revacinar a população como um todo. A Inglaterra já está aplicando a terceira dose.
(01:29:55) P1 – Vai ser algo cíclico, né? É algo que parece cíclico, né?
R - Pois é, a Inglaterra já está aplicando a terceira dose da vacina durante o primeiro ano. E aqui não se discute isso. Parece que: “Não, não, você vai tomar uma vacina dessa...”. É igual a vacina da malária, daqueles negócios... não, malária não, você toma muito. Aquelas vacinas que tinha que tomar uma vez na vida, né, e aí você ficava protegido pelo resto da vida. Não é essa a realidade, nós vamos ter que conviver com o vírus, vamos ter que conviver com pandemia. Vamos ter que conviver com a falta de investimento na área da Saúde. Vocês conhecem o que tem aqui em Bauru, aquele hospital parado. Aquilo é um símbolo trágico do descaso do governo pela Saúde, né? Você imagina lá, aquele hospital é para trezentos leitos. Está pronto, pronto, tudo pronto, limpinho, mantido. Eu entrei naquilo, é chocante você ver aquilo. É um prédio de hospital projetado na década de setenta, então ainda é um prédio antigo, não é essa construção moderna de hospital. Parece que aquilo é uma coisa que foi paralisada no tempo, sabe? É um hospital de trinta, quarenta anos atrás novinho, prontinho. Basta você colocar os leitos lá, contratar os gases, o oxigênio da White Martins, ligar no encanamento e aquilo funciona. Funciona UTI, funciona centro cirúrgico, funciona tudo. Só que não houve investimento por parte do governo do estado, não houve investimento na Saúde. Bauru continua... hoje, tinha cinquenta leitos de Covid no hospital, tem 55 hoje. O resto é uns leitinhos que a prefeitura montou lá como Hospital de Campanha lá dentro, que vai acabar dentro de pouco tempo. Então, não houve investimento na Saúde. A única coisa que se fez foi fechar o comércio.
(01:31:51) P1 – É. Agora, nos momentos de abertura, Wallace, eu fico com a sensação que o comerciante se adaptou rapidamente, né? Assim, com uso de máscara, álcool gel, totens, o delivery...
R – O comércio de Bauru, até porque nós tivemos essa briga permanente, essa briga permanente. Então, para poder brigar pela abertura, eu precisava investir muito na conscientização da empresa, para que ela tivesse os cuidados necessários. Então, Bauru tem um comércio de uma responsabilidade enorme quanto a isso, enorme quanto a isso. O comerciante tomou consciência, ele sabe disso. Agora, por exemplo, nós publicamos um checklist diário. Nós estamos no checklist número cinquenta. Semanalmente sai um checklist novo, em que a gente coloca umas adaptações da lei e suas novas tendências, do que tem de necessidade, para a empresa checar aquilo diariamente, se está sendo cumprido, né? Então, houve uma adesão muito grande do comércio de Bauru, pra isso. Nós não temos problemas nessa parte. O problema que nós temos é que a tentação para o governo do estado voltar com o lockdown é muito grande. Então, esperamos, é provável que ele volte. Desnecessário. Nós assistimos, nesse período, uma banalização de uma palavra, que é incrível como isso aconteceu. A palavra ciência. Eu nunca vi a ciência tão maltratada, tão judiada, quanto ela foi nesse período. Aquilo que você imaginava cientista, qualquer, hoje, recém-formado em qualquer coisa, virou cientista. Basta ele ser contratado pela prefeitura, um biólogo contratado pela prefeitura, recém-formado, ele é chamado de cientista no dia seguinte, né? Então, nós banalizamos a ciência aqui no Brasil. Você vê burocratas posando de cientistas, um atrás do outro. Enquanto de cientista não tem nada daquilo. Você vê uma politização absurda. Essa história da cloroquina, por exemplo, que virou um tema político, né? Outro dia eu ainda brinquei, eu falei: “Qualquer dia, naquela CPI, vão dar voz de prisão para cloroquina. Vai entrar um delegado lá: ‘Cadê a Cloroquina, que nós vamos prendê-la!’” E você vê esse discurso político da cloroquina, quando a cloroquina é receitada pela maioria dos médicos do Brasil. A maioria dos médicos do Brasil receita a cloroquina. No tratamento não preventivo, no tratamento precoce. Aqui em Bauru isso é constante. Qualquer médico que você vai, você toma cloroquina. A Ivermectina é diagnosticada pelos médicos, como preventivo, pela maioria absoluta dos médicos. Agora, a ciência aqui não é o médico definir o que você toma, a verdadeira ciência é essa: você ter uma relação de confiança com o médico e outra, o médico que diz, eu vou ficar analisando agora a forma que ele usou, o remédio que ele me receitou? Nós nunca fizemos isso. Aqui virou de um jeito, falar: “Não, você tem que autorizar o médico a dar cloroquina para você”. Mas que coisa maluca, meu Deus do céu, quem tem que receitar para mim é o médico. Aí você vê o presidente discutindo com o governador, o senador fazendo a CPI para prender a cloroquina e os médicos que são os verdadeiros cientistas. Cientista verdadeiro é o médico, não é esses caras aí. Mas houve essa distorção, essa banalização da ciência, que é muito triste e tem tristes consequências. Consequência a ponto, vejam bem, de destruir a economia do estado de São Paulo. Você vive um paradoxo hoje que você não tem consumo e tem inflação e inflação de São Paulo é a maior inflação do Brasil. Por quê? Porque destroçaram a cadeia produtiva que existia.
(01:35:40) P1 – Entendi.
R – Destroçaram tudo. São Paulo, hoje, se você comprar um carro zero - São Paulo não, Brasil - você vai ter muita sorte se conseguir comprar e receber esse carro em cento e vinte dias.
(01:35:57) P1 - Não entrega?
R - Venda pequena, com venda reduzida de carro. Porque destruíram a cadeia. A montadora nós estamos descobrindo agora o que quer dizer montadora, né? A Volks é uma montadora? É, porque ela não produz nada, ela pega tudo aquilo e monta o carro. Destruíram essa cadeia produtiva inteira, né? Isso gerou uma inflação de alimentos, por exemplo, que seria inadmissível, nós não temos um aumento de demanda, para justificar a inflação. O que tem é o encarecimento do processo produtivo, porque a cadeia foi sendo quebrada. Aí o pequeno, que fornecia embalagem para embalar fubá, quebrou. O governo estadual quebrou esse cara. Aí você não tem embalagem. Falta fecho, falta não sei o quê. Falta as coisas mais prosaicas, para justificar o que nós temos hoje. Nós vamos levar anos para reconstruir a economia de São Paulo.
(01:36:52) P1 - É o período de exceção, né, Wallace? Agora, assim, eu fico pensando se tem alguns comércios e comerciantes encontraram saídas, né? Apostar no delivery, na entrega, assegurar essas regras de biossegurança, para a pessoa se sentir mais confortável. Estenderam, né? Os supermercados, alguns estenderam para 24 horas, horário para idoso. Me parece que o comércio também, de alguma maneira, procurou responder.
R - Você acabou de colocar o maior absurdo que eu vi nessa pandemia. Devia ir preso o prefeito de Bauru. Porque, no início da pandemia, quando você determinava o isolamento do idoso, vocês se lembram disso, a medida era uma medida unânime: isolar o idoso, porque era grupo de risco. Em plena época de isolamento de idoso, aquele imbecil do prefeito aqui em Bauru obrigou as empresas a terem duas horas por dia só para idoso, no supermercado. Como se não ocorre contaminação cruzada dentro do grupo de idosos, meu Deus do céu! Então, você tinha o mundo falando: “Fica em casa”. Supermercados se prepararam, eu trabalhei com isso naquela época, para fazer entrega no vizinho. Teve um momento que você teve um valor mínimo para entrega, né? Para idoso foi abolido. Você podia pedir um pacote de bolacha, que alguém ia entregar na vizinhança aquele pacote de bolacha. Quando nós estávamos com tudo isso estruturado em Bauru, vem o prefeito e inventa: “Nós vamos ter agora duas horas por dia, das sete às nove da manhã, só para idoso”. E virou um convescote de idoso. Isso em nome da ciência. E sempre: “Não, isso é em nome da ciência”. É um dos maiores contrassensos que eu vi, foi isso, né?
(01:38:44) P1 - É um período de muito desafio, né?
R – É. E de falta de bom senso. Falta de bom senso. Quer dizer: enquanto o comércio estava fechado, cento e setenta dias, a contaminação corria solta nos ônibus urbanos. Ônibus lotado o tempo inteiro. Assim como em São Paulo, no metrô. Diminuía o trânsito, diminuía os veículos e mantinha tudo lotado do mesmo jeito. Então, com o comércio fechado aqui em Bauru por noventa dias, você pegava um ônibus para vir para o Centro da cidade, por qualquer razão, não era o comércio, porque o comércio estava fechado. O ônibus continuava lotado. Simplesmente a empresa reduzia o número de veículos e mantinha a lotação máxima deles. Então, aquilo, olha, assemelhava aqueles primórdios da época do nazismo, quando mataram judeus lá, com o escapamento do caminhão, né? Enchiam de judeus um caminhão, botavam e matavam. Era isso o transporte público aqui no Brasil. É um absurdo. E, ao mesmo tempo, aquele que ia para TV e se jactava da ciência, porque ‘eu faço tudo em nome da ciência’.
(01:40:01) P1 - Wallace, e a gente conversou com o Jorge do Sesc, vocês estão com uma ação grande agora de arrecadação de alimentos também. Eu queria que você falasse um pouco dessa ação do sindicato.
R – Bom, o Projeto Mesa é um dos poucos orgulhos que eu tenho, tá? Eu sou uma pessoa que não tenho vaidade, se você perguntar para mim o que eu fiz na vida eu nem vou lembrar, porque o que eu fiz de errado eu lembro, esse marca, né, mas de certo eu nem lembro. Mas uma das coisas que eu me lembro muito bem é o Projeto Mesa. Eu tomei o primeiro contato com ele, o dia que o Danilo foi... na década de noventa, que o Danilo foi para Nova York ver um projeto de colheita urbana e voltou de lá e fez uma palestra daquilo. O dia que eu vi aquilo, eu falei: “Meu Deus, como é que pode, a maior economia do mundo recolher sobra de alimento, para atender morador de rua e a população pobre?”. Eu imaginava que nem existisse isso nos Estados Unidos. Década de noventa aquilo estava no auge do desenvolvimento, né? E quando eu vi aquilo, depois acompanhei o lançamento do Mesa São Paulo, eu sempre briguei para trazer o Mesa para Bauru. E a primeira cidade que teve autorizado o Mesa foi Bauru. Então, nós fizemos uma grande reunião e eu vi aquilo, aí nós chamamos uma reunião, convidamos a prefeitura, convidamos não sei o quê. Eu tive seis meses de reuniões, que tinha padre disputando com o pastor da igreja, que disputava com político, com vereador, com candidato a prefeito... virou um negócio tão grande, que um dia eu chamei o Sesc e falei: “Vem cá, nós começamos o troço errado aqui e nós vamos terminar de um jeito”. Encerrei o Projeto Mesa. “Para. Não tem mais Mesa, acabou”. Era incontrolável. Eu falei: “Para” “Mas como que para?” “Para, acabou, não tem mais Mesa” “Ah, mas não tem por quê?” “Porque eu não quero. Desse jeito eu não quero, não vai ter Mesa aqui. Pronto”. Depois de um ano passado, passamos um ano sem nada, aí conversei com o Sesc de novo. “Vem cá, vamos retomar o Projeto Mesa?” Aí já estava iniciando Santos. Foi o primeiro do interior, né? Então, a gente brinca que Bauru é o primeiro do interior, porque Santos é litoral, não se considera interior, né? Para ele é outra coisa. Mas aí eu falei: “Agora nós vamos retomar”. E nós retomamos o Mesa aqui, montamos o Mesa em Bauru em segredo, ninguém soube. Bauru só foi conhecer o Mesa, quando ele estava pronto para entrar em operação. Montamos, aqui eu convidei a USC. Salvo equívoco, foi a primeira experiência que o Mesa teve com uma universidade na área da alimentação, na área de técnica, participando do programa. Moldamos o Mesa aqui, para que a USC fizesse toda a parte de treinamento, toda a parte de vistoria das entidades, para haver cozinha, haver higiene de cozinha. Nós fizemos um projeto bastante complexo, bastante envolvente aqui. E começamos o Mesa em Bauru. Então, o Mesa me orgulha, tá? Para começar o Mesa, o Sesc não tinha caminhão, arrumamos um empresário em Bauru, que cedeu um caminhão alugado para a gente ficar com o Mesa. Depois aquele caminhão ficou pequeno, eu consegui a doação de mais um caminhão, compramos um caminhão usado, passamos para o Mesa. E hoje está estabilizado o projeto como está aí. E, para mim, é uma das coisas pouco valorizadas que se faz aqui. Tanto é que, quando foi lançar esse programa da arrecadação de alimento, eu queria aproveitar para divulgar o Mesa, tá? Porque Bauru não conhece o Mesa, Bauru não conhece o Mesa e o bem que ele faz. Mas, enfim, então isso é uma coisa que eu me orgulho de fazer. Na época eu fiz todo o trabalho de captação, procurar as empresas. Foi um trabalho difícil, porque cada empresa tinha uma entidade que ela assistia. Nós tivermos que trabalhar isso de uma forma conjunta. Fizemos um treinamento que era na forma de teatro, para treinar o pessoal do supermercado a manter a sobra alimentícia em condições de ser doada. Aquilo era jogado, era melancia em cima de tomate. Aquilo era sobra e vai para um canto lá, né? Então, é um trabalho enorme, mas é esse sucesso que a gente tem.
(01:44:25) P1 – E conta para... desculpa, desculpa. Pode continuar, desculpa.
R – Não. E aí nos chegamos nessa coleta de alimentos agora, né? Nessa campanha agora.
(01:44:36) P1 – Então, antes de falar da campanha, queria que você contasse para gente, para deixar registrado, como é que se estrutura o Mesa Brasil, né?
R – É, o Mesa Brasil, vamos dizer o Mesa Brasil pré-pandemia, porque pós-pandemia teve que mudar a característica dele. Mas vamos falar do pré-pandemia, porque vai voltar a ser amanhã.
(01:44:53) P1 – Isso, antes e depois. (risos)
R - É, o Projeto Mesa é um grande projeto de logística. É logística pura. E é um grande exemplo de atitude profissional, numa atividade amadora. Ou seja: atividade amadora no sentido de prestar serviço à comunidade, mas feito profissionalmente, com profissionalismo a toda prova. Isso é o que me seduziu lá no início dele, era ter esse modelo. Eu sempre pensei, eu falei, por exemplo, eu me orgulho daquilo pelo seguinte, eu imaginava o seguinte: “Bom, eu sou comerciante”. Que sentido tem eu falar: “Não, eu vou no hospital, na igreja aqui, eu vou cozinhar, eu fazer pão para vender. Pô, eu sou comerciante, não sou padeiro, né? O que eu posso fazer?” É aplicar na atividade essencial o conhecimento que eu tenho. E o conhecimento foi esse, isso não foi criação minha. Isso eu encontrei lá no Sesc e aqui em Bauru a gente levou isso adiante como um ponto de honra. Ou seja: uma atividade profissional naquilo que é uma atividade essencial e amadora. Então, o Mesa é um grande projeto de logística. Por isso que ele teve a complexidade que a gente montou aqui em Bauru. Quer dizer: hoje é padrão do Mesa isso. Mas a gente montou aqui fazendo a coleta, treinando dentro da empresa o funcionário, valorizando, convencendo a ele que aquilo era utilizado, que ele tinha que cuidar daquele material, fazendo com que ele cuidasse do estoque daquele produto, até que fosse retirado pelo Mesa. Fomos fazer o trabalho nas entidades assistenciais, que nos vimos que não bastava entregar o alimento. Fomos fazer a parte de auditoria nas cozinhas, ensinar técnicas de higiene, técnicas de manipulação de alimento, para aquelas cozinhas das entidades. Isso feito pelo USC. A USC é responsável por grande parte do sucesso do Mesa Bauru, por esta característica que ela teve. Então, eu acho que esse trabalho feito pelo Sesc, pela USC e pelo Sincomércio, feito com profissionalismo. Hoje é admirável a logística do Sesc. A logística do Mesa precede a essa logística que a gente vê hoje, no comércio eletrônico. Quer dizer, você fazer o que foi feito aqui, falar: “Eu coleto de dia, encho o caminhão e de tarde o caminhão está vazio”, né? E não precisa nenhuma entidade, não precisa pedir o que ela quer: “Ah, eu quero tomate, eu quero abobrinha”, porque nós temos controle do que ela tem, da necessidade que ela tem, do estoque que ela tem. Isso é uma coisa que nós antecedemos aqui no Mesa em uma década pelo menos, a parte logística. É uma logística que nós viemos a conhecer, hoje é comum isso, né, mas nós experimentamos e vivenciamos aqui muito antes do comércio como um todo. E numa atividade assistencial. Quer dizer: isso que eu acho que é fundamental. A gente utilizou a nossa capacidade de empresário, o know how do Sesc como entidade prestadora de serviço, para ter uma atividade linda como essa, com profissionalismo. Ela é altamente profissional, desde o instante que ela foi criada. E o Sesc faz maravilhas com isso, né?
(01:48:14) P1 – É.
R - Manter aquela equipe motivada e o pessoal vibra com o Mesa. Quem trabalha com o Mesa, vibra com o trabalho que faz. Aliás, sem paixão você não consegue fazer nada na vida bem-feito, né?
(01:48:26) P1 – E o Mesa, agora nesse período de pandemia, que você falou que tem uma diferença, Wallace?
R – Pois é, a diferença que tem é que você não tem mais o processamento do alimento agora, né? Porque todas as instituições processavam, faziam a cozinha.
(01:48:40) P1 – Sim.
R - Muita entidade, hoje, que não pode mais receber pessoas, então as entidades estão doando aquilo que arrecadavam pelo Mesa, vai para a entidade e ela doa direto para as famílias. Antes isso era feito transformado em refeição. As entidades faziam com as suas cozinhas, faziam as refeições e as pessoas, internas ou não, mas elas se alimentavam na própria entidade. Essa que foi a grande mudança, né? Como não se tinha como fazer a convivência dessas pessoas durante a pandemia, então até que ela volte, mudou esse perfil. Mas o sonho é que ele volte, porque a beleza do Mesa é você ter o produto doado aqui, aquilo que seria desperdiçado, transformado em alimento, em comida quentinha, para a pessoa comer na entidade. Isso que é bonito.
(01:49:29) P1 - É. Você tem uma ideia de volume, assim, que é arrecadado e distribuído aqui em Bauru?
R - Olha, nós chegamos a ter sessenta toneladas/mês. Hoje, nesse ano, nós estamos com quarenta e cinco. Houve uma queda, tá? Não apenas em função do supermercado, que a coisa reduziu, mas também da Conab, que fazia uma grande parte das doações, de assentamento e tal, então é uma coisa mais ou menos sazonal. Mas hoje ainda nós temos quarenta e cinco toneladas/mês de alimento coletado e distribuído.
(01:50:00) P1 - É expressivo, né?
R - Expressivo e desperdiçado. Fica totalmente desperdiçado, né?
(01:50:08) P1 - Maravilha. A gente está encaminhando para o final da entrevista, Wallace. Eu vou perguntar se o Willian, se o Luís Paulo tem mais alguma pergunta para a gente encerrar, né? (risos) O áudio, Lu. O microfone.
(01:50:29) P2 – Eu gostaria de saber o que você gosta de fazer, Wallace, quando você não está trabalhando?
R – (risos) Olha, eu fico muito pouco tempo sem trabalhar, né? Mas o que eu mais gosto de fazer, eu moro numa chácara, uma chácara dentro da cidade, não é um chácara muito grande, não é aquela chácara antiga, que tem a vaca e tal, né? São quatro mil, quase cinco mil metros que eu moro. Mas eu tenho galinha, eu tenho planta, eu tenho horta, eu tenho tudo e a minha diversão é cuidar dessa minha casa. Lá que eu me divirto, lá que eu descarrego, descarrego minha energia, lá que eu consigo os calos que eu tenho na mão. Aqui é calo de enxada na minha chácara, tá?
(01:51:10) P2 – Certo.
R - É um lazer que a gente faz, um lazer carregando pedra, né? Mas é lazer. Você consegue limpar a cabeça para preparar para o nosso dia a dia, que tem sido, nessa época de pandemia, terrível. Mas, por outro lado, é uma época de realização plena, sabe? Eu sempre tive uma visão de sindicalismo, de sindicato ou de entidades de classes, em certo sentido, que a entidade importante, a entidade eficaz, é aquela que atua pela empresa. Muitas vezes a pessoa fala: “Não, precisa ter uma grande sede, precisa ter um grande patrimônio, precisa ter não sei o quê”. Não, meu amigo, o valor da entidade é o que ela faz pela empresa, pelo empresário. Se ela está fazendo alguma coisa pelo empresário, pouco importa se ela é grande, se ela é pequena, se ela tem meia dúzia, se ela tem duzentos funcionários, não importa. Tem que fazer o que a empresa precisa. E nessa época da pandemia, nós pudemos exercitar a plenitude dessa função básica de uma entidade de classe de classe qualquer, que é trabalhar pela categoria que ela representa. Então, nós fizemos isso, deu muito trabalho, deu uma briga muito grande, porque você brigar com o governo municipal, brigar com o governo do estado o tempo todo, brigar contra a opinião pública, porque a opinião pública ficou... o estado, olha, nós vivemos hoje... só vou, para não pesar muito, mas nós vivemos num regime ditatorial do estado de São Paulo hoje. O estado de São Paulo é qualquer coisa, menos uma democracia, um regime democrático. Você tem uma Assembleia Legislativa que é submissa ao governo do estado. Não faz nada a Assembleia legislativa, se o governador não queira. A ponto da Assembleia ter votado uma lei no ano passado, que deu autonomia para o governo do estado legislar por decreto, na área tributária. Ou seja: nós tivemos um ‘tarifaço’ em fevereiro, em plena pandemia, que o governador baixou por decreto. Porque houve uma lei no ano passado em que o Legislativo abriu mão da sua capacidade de legislar, para o governador fazer por decreto. Você tem, por outro lado, qual é o outro pilar da democracia? É o Judiciário. Você tem o Judiciário hoje totalmente submisso ao governador. O Judiciário faz aquilo que o governador quer. Nós temos doze mandados de segurança que nós entramos contra o governo do estado nesse período, com decretos inconstitucionais, com a Constituição sendo rasgada, vilipendiada. Não conseguimos sucesso em nenhum. Alguns nós ganhamos em primeira instância, quando bate no TJ, o TJ reformula. O governador quer agora? Qual é o regime onde você não tem um Legislativo que funcione, um Judiciário que funcione e todo poder fica na mão do governante? Isso é um regime ditatorial. E é isso que nós temos no estado de São Paulo hoje. E é difícil você lutar contra isso porque, como todo regime ditatorial, ele manipula a opinião pública. O departamento de propaganda do governo do estado de São Paulo só tem paralelo no regime nazista. Naquilo que houve lá com o Goebbels, com aquela parte toda. Sempre me surpreendeu como é que a Alemanha, um povo culto, talvez o mais culto da Europa, no início do século passado, né, tivesse aprovado o regime nazista e o regime nazista teve aprovação majoritária do povo alemão, um dos povos mais cultos, com toda aquela barbaridade cometida. Ah, mas o alemão não sabia que o judeu estava sendo dizimado no país? Claro que sabia, meu Deus do Céu, como é que é possível? De repente a família do vizinho seu desaparece, você acha que foi abduzida, pô? Mas, enfim, a propaganda feita pelo governo do estado, a manipulação, os meios de imprensa tradicionais de São Paulo e eu digo aí redes de TV, basicamente Rede Globo, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, têm um comportamento vergonhoso durante a pandemia, vergonha a tradição da imprensa brasileira. Então, você lutar contra um governo ditatorial, você não tem saída, porque você vai no Legislativo, o Legislativo é incapaz de fazer qualquer coisa. Você vai na Judiciário, o Judiciário não te atende de forma nenhuma, desde que contrarie o governador. E você tem uma opinião pública manipulada pelo governo do estado. Manipulada. Você tem fenômenos, por exemplo: eu fui extremamente criticado. Eu tinha e tenho uma aprovação praticamente unânime do setor empresarial, dentro de Bauru. Mas tem uma esquerda, uma série de pessoas absolutamente contra mim, que desanca o pau, me chamam de “genocida”, teve atentado contra o sindicato, teve de tudo aqui. É um fenômeno interessante que ocorreu. O funcionário público, por exemplo, cada vez que eu manifestava contra o lockdown, ele era a favor do fechamento do comércio. Falava: “Tem que fechar, fecha tudo, fecha tudo”. Até eu descobrir qual era a motivação disso. Não era motivação filosófica nenhuma, não estava preocupado com pandemia, com nada. É que, fechando comércio, a repartição dele fechava. Então, como ele não podia falar, funcionário da prefeitura, não podia fazer a campanha: “Eu quero que fecha a prefeitura, porque eu quero ficar em casa”, ele fala: “Fecha o comércio”. Porque, fechando comércio, fecha a prefeitura, fecha o Judiciário, fecha o Legislativo e assim por diante. Então, foi uma atividade muito desgastante esse ano, muito difícil. E ela continua ao longo do ano. Mas, por outro lado, gratificante, tá? Quando eu lancei o “Reage São Paulo”, que é um movimento, o “Reage” não é um sindicato ou uma associação comercial, ele não tem personalidade jurídica, ele é um movimento, né, como outros movimentos que existem por aí, o “Reage”, em pouco tempo, alcançou o estado de São Paulo inteiro. Nós temos ramificações do “Reage São Paulo” no estado como um todo. E hoje nós trabalhamos para que a gente tenha realmente uma reação do comércio, se vier lockdown, não vamos aceitar e vamos continuar abrindo, do mesmo jeito. Vamos enfrentar autoridades que tiver que enfrentar. Chega! É hora de dizer um basta ao desmando do governo. Quer que a gente feche? Dê compensação. Não vai dar compensação? O comércio vai ficar aberto. Com responsabilidade, que isso nós sabemos fazer.
(01:57:39) P1 - Com certeza. Wallace, para gente encerrar mesmo, né, assim, essa é uma entrevista diferente, né? Você falou um pouco da sua infância... oi?
R – Nosso papo está bom.
(01:57:50) P1 – Ai, que bom... é, a gente gosta. (risos) Fala que ainda é trabalho. Mas, assim, você falou um pouco da sua infância. Não é uma entrevista jornalística, né, é uma entrevista de história de vida, né? O que você achou de ter passado esse tempo com a gente falando da sua trajetória, da sua experiência dentro do comércio, dentro das associações, né? Esse diálogo todo, as lições da pandemia. O que você achou de ter deixado a sua história registrada, assim, para o Museu da Pessoa, para o projeto do Sesc?
R - Eu acho muito interessante, porque a vida toda eu me pautei pelo futuro. Eu não costumo olhar muito aquilo que eu fiz. Aquilo que eu deixei de fazer, aquilo que eu errei, isso está arquivado, isso fica marcado com fogo na gente. Você não tira aquela marca. Mas eu nunca me preocupei com aquilo que eu fiz, ou se foi importante aquilo que eu fiz. Eu me preocupo com o amanhã. Estou preocupado hoje, por exemplo: eu me preocupo com aquilo que eu fiz nesse ano da pandemia em que eu tive uma briga quase heroica, de Davi contra Golias, aqui. Me preocupa muito mais o que eu vou fazer amanhã, como é que eu vou me preparar para esse novo lockdown que eu acho que vem e que eu vou ter que lutar contra essa parcela da opinião pública que vai estar gritando: “Fecha! Fecha tudo!” Porque aí fecha a prefeitura, fecha a Câmara, fecha a Unesp, fecha a USP, fecha tudo, né? Mas então foi muito importante, eu me lembrei de coisa aqui que eu nem me recordava. Por exemplo: me lembrei que eu vou ter que pesquisar o que era “molhado”, dos secos e molhados. (risos) Porque o Secos e Molhados que eu consigo falar um pouco mais é o da Rita Lee, né? E o dos Mutantes. Mas fora isso... (risos)
(01:59:33) P2 – Legal.
(01:59:35) P1 – E, assim, eu vou fazer mais uma pergunta: você falou do Secos e Molhados da Rita Lee. Assim, na sua juventude, onde que era a balada aqui em Bauru, Wallace?
R - Balada?
(01:59:47) P1 - É, onde se ia à noite, para paquerar, para namorar?
R – Eram as matinês que eu já te falei, que eram as brincadeiras dançantes, né? E à noite, o que a gente ia, quando jovem, tá, era, por incrível que pareça, uma coisa que é muito atual: posto de gasolina. Tinha um postinho ali na Duque de Caxias, onde é o Simão hoje, que era um posto grande. E ali, como hoje tem essa área de posto, tinha uma lojinha de conveniência, que era um pouco maior que a conveniência, era lá que a molecada se reunia. Não tinha a Getúlio Vargas ainda para a gente ir, né? Então, era lá que a molecada se reunia. Naquilo, bater papo, ouvir música, isso que é feito até hoje, né? Mas não existia essa figura da casa noturna, tá? Tinha só boate que você não podia entrar, porque à noite era só boate que existia. E boate daquela época era uma coisa perigosa, né? Afamada. Mas não tinha atividade noturna, não tinha. O que você tinha era isso: alguns bares que você parava. Tinha, por exemplo, um bar no Centro, na Rua Virgílio Malta, que tinha no meio do comércio, ali, tinha uma portinha, que era uma lanchonete. E, à noite, como não tinha movimento, você parava os carros naquela quadra toda e botava aquelas mesinhas na janela do carro. Como era no Drive-In, né? Mas só que era na rua.
(02:01:13) P1 – Ahhhhhhhhh...
R – E ali se reunia todo mundo, aquela molecada toda se reunia ali. Então, você tinha esses points que variavam, mas nada que tivesse noturno. Não existia show noturno, balada, essas coisas não. Isso é de outra geração.
(02:01:29) P1 – E bailinho à noite, baile no Tênis, Automóvel Clube?
R – É, isso tinha, o baile tinha. Carnaval que era famoso, carnaval sim, aí você ia até de madrugada. Era a única data do ano que você era liberado para chegar de madrugada ou de manhã cedo em casa, né? Então, era no carnaval. Mas fora isso baile tinha, baile de formatura, tinha bailes durante o ano. Não eram muitos, mas tinham bailes. O baile existia, mas sempre era um acontecimento, um acontecimento mais social e tal. Os pontos de encontro que a gente tinha era isso mesmo: era um bar aqui, um postinho ali e por aí tinha. Porque Bauru, nessa época, convivia com isso e a vida noturna era de adulto, era da época da Casa da Eny, né? E aí era só adulto e era a única vida noturna que existia era essa, na cidade. O restante não. Onze horas, meia-noite, acabou Bauru.
(02:02:26) P1 – (risos) Wallace, ficou faltando a gente falar alguma coisa?
R – Não, não. Eu acho que está um bate papo bom aqui, gostoso de conversar, né? Lógico que a gente teria muito mais a conversar, mas eu acho que a gente passou por uma coisa interessante, porque é fora do usual do que seria duma entrevista, do que falar do que eu fiz ao longo da vida e mais não sei o que, que eu fiz isso, eu fui aquilo, né? Isso é bobagem. Mas foi um bate papo gostoso, valeu a pena.
(02:02:57) P1 - Ai, agradeço demais, viu?
R – Espero que tenha contribuído com vocês. Para mim foi gratificante.
(02:03:02) P1 – Não, para nós, com certeza! Então, assim, em nome Sesc São Paulo, Sesc Bauru, do Museu da Pessoa, eu super te agradeço, foi fantástico, como eu achava que ia ser mesmo, é um pedaço da história de Bauru, a Casa Sampaio tinha que estar representada aqui no projeto, com certeza e o Sincomércio também.
R - Vocês me desculpem a demora em atendê-los, né? Porque, olha, parecia que cada vez que a Katiana me marcava aqui, davam uma porrada em cima do comércio. “Para tudo, Katiana! Vamos cuidar do decreto novo, vamos cuidar de coisa!”, né? É isso.
(02:03:37) P1 – Mas tudo tem a sua hora, né? A gente ainda está terminando Rio Preto, ainda tem algumas para fazer, que a gente começou depois, então a gente está...
R – A Katiana marcou com vocês sem me consultar, viu?
(02:03:50) P1 – Ah, é?
R – Eu estava em São Paulo, ela marcou com vocês, para quando eu voltar, ela falar: “Marquei com o pessoal do Sesc na terça-feira. Vai ser terça-feira”. Eu falei: “Tá bom então, Katiana”. Como quem manda aqui no sindicato é muito mais ela que eu, né, eu atendi. Falei: “Tudo bem”. Em plena segunda-feira.
(02:04:05) P1 – (risos) Fantástico, eu agradeço muito a ela também o empenho e a paciência também, todas as minhas mensagens. (risos) Tá bom? Então, obrigada, eu vou pedir para o Tiago desligar.
R – Obrigado pela atenção do Paulo, do Willian, do Tiago, que estava no trabalho de retaguarda lá, né?
(02:04:22) P1 - É, está em São Paulo. E aí, o nosso fotógrafo vai te procurar, viu, Wallace? A gente vai marcar uma sessão de fotos aí no sindicato, tá? Mas eu combino com a Katiana tudo. Você tem fotos antigas? Como é que é isso?
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