P/1 - Boa tarde, seu Joaquim.
R - Boa tarde.
P/1 - É um prazer ter o senhor aqui com a gente. A gente queria começar sabendo um pouquinho da vida do senhor, da sua infância. Então, a gente queria saber o seu nome completo, a data do seu nascimento.
R - Meu nome é Joaquim Cabral Guedes. Eu nasci em Portugal, em 27/02/1924, numa cidade chamada Maia. Na época não era cidade, era concelho, hoje já foi levada a Maia. E estudei durante uns sete anos num curso comercial intenso e estava seguindo Economia, mas fui interromper exatamente para seguir para o Brasil. Meu avô visitando um tio que eu tinha no Brasil, comerciante também, porque lá a nossa família já é toda de comerciante, meu pai, avô, todo mundo. E ele chegou lá com a surpresa, disse que eu tinha que vir para o Brasil de qualquer jeito, que meu tio precisava de mim. Foi uma choradeira lá em casa, louca. A minha irmã perdeu quase dez quilos, de tanta saudade. A minha mãe chorava. Bom, o único que enfrentou foi o meu pai, falou: “Olha, meu filho, você é que sabe!” “Tá bom!” Aí eu vim. Durante um ano sofri aqui de saudades, que não foi brincadeira, nunca tinha saído dos pais, né? Aí enfrentei. Fiquei trabalhando com meu tio, fazia de tudo lá. Era uma espécie de tudo. Até escrita comercial eu fazia, porque eu tinha já uma formação para poder fazer isso. Bom, aí aos vinte e um anos era procurador do meu tio. Ele pôde tirar umas férias, viajou. Aos vinte e três me casei. Aos vinte e cinco assumi a administração da casa, e por aí afora fui crescendo.
P/1 - Vamos voltar um pouquinho nesse período de Portugal. Qual é o nome de seus avós, o nome dos seus pais, a origem do sobrenome da família, e qual as lembranças que o senhor tem da sua infância, como que era a infância em Maia?
R - É, ótima, como todo garoto. Eu estudava numa cidade, no Porto, ia todos os dias para o Porto de trem, né, durante uns sete anos, né? E levava...
Continuar leituraP/1 - Boa tarde, seu Joaquim.
R - Boa tarde.
P/1 - É um prazer ter o senhor aqui com a gente. A gente queria começar sabendo um pouquinho da vida do senhor, da sua infância. Então, a gente queria saber o seu nome completo, a data do seu nascimento.
R - Meu nome é Joaquim Cabral Guedes. Eu nasci em Portugal, em 27/02/1924, numa cidade chamada Maia. Na época não era cidade, era concelho, hoje já foi levada a Maia. E estudei durante uns sete anos num curso comercial intenso e estava seguindo Economia, mas fui interromper exatamente para seguir para o Brasil. Meu avô visitando um tio que eu tinha no Brasil, comerciante também, porque lá a nossa família já é toda de comerciante, meu pai, avô, todo mundo. E ele chegou lá com a surpresa, disse que eu tinha que vir para o Brasil de qualquer jeito, que meu tio precisava de mim. Foi uma choradeira lá em casa, louca. A minha irmã perdeu quase dez quilos, de tanta saudade. A minha mãe chorava. Bom, o único que enfrentou foi o meu pai, falou: “Olha, meu filho, você é que sabe!” “Tá bom!” Aí eu vim. Durante um ano sofri aqui de saudades, que não foi brincadeira, nunca tinha saído dos pais, né? Aí enfrentei. Fiquei trabalhando com meu tio, fazia de tudo lá. Era uma espécie de tudo. Até escrita comercial eu fazia, porque eu tinha já uma formação para poder fazer isso. Bom, aí aos vinte e um anos era procurador do meu tio. Ele pôde tirar umas férias, viajou. Aos vinte e três me casei. Aos vinte e cinco assumi a administração da casa, e por aí afora fui crescendo.
P/1 - Vamos voltar um pouquinho nesse período de Portugal. Qual é o nome de seus avós, o nome dos seus pais, a origem do sobrenome da família, e qual as lembranças que o senhor tem da sua infância, como que era a infância em Maia?
R - É, ótima, como todo garoto. Eu estudava numa cidade, no Porto, ia todos os dias para o Porto de trem, né, durante uns sete anos, né? E levava aquela vida de jovem, uma vida alegre. Sempre fui católico, porque a igreja era quase em frente a nossa casa.
P/2 - Quanto tempo era de Maia ao Porto?
R - Levava de Maia ao Porto naquela época quase uma hora, quase uma hora, mais ou menos isso. De trem. Na época tinha trem e caminhonete, né, e hoje tem aeroporto, tem tudo, o negócio mudou completamente. Mas tive uma vida normal, bem sadia. Era meio traquina, como todo garoto era, né?
P/1 - Como que eram as brincadeiras na sua infância?
R - Eu pintava o sete, né? Eu um dia chego em casa, me levaram em casa nos braços, no colo, porque eu subi aqui, eu subi ali e coisa, e machuquei o pé, cortei um pouco a perna no vidro e tal. E meu pai ficava doido. Dizia: “Ah, meu filho, você...” Era uma coisa. Chegou uma fase que desapareceu tudo, mas quando garoto andava sempre. Por exemplo, quando a gente é garoto, a atiradeira - sabe a atiradeira? -, a gente fazia atiradeira. Há um árvore que chama-se Castanheiro, que dá castanhas, que forma uma galha bonita. A gente cortava, eu subia em cima das árvores com canivetezinho e pssiii, pssii, ia cortando. (riso) Levei não sei quantos pontos aqui. E assim sucessivamente, né? Só fazia traquinagem. Meu pai sofria comigo: “Esse garoto, esse rapaz qualquer dia me aparece aqui todo e tal!” Mas, são coisas, né? Chegou uma fase que tudo desapareceu.
P/2 - Só para a gente registrar, diz o nome dos seus pais.
R - Meu pai chamava-se Jayme Cabral Guedes, Jayme com “Y”. Era um sujeito austero e coisa, do tipo zangado, mas não era zangado não, no fim era mole como outro qualquer. E a minha mãe, Arminda Dias da Silva. A minha mãe botava os paninhos quentes sempre: “Ah, meu filho!” Depois a minha irmã também aquela coisa. A minha irmã é mais velha do que eu, ainda é viva, tem 86 anos, lúcida, perfeita, uma coisa maravilhosa.
P/2 - E o sobrenome Cabral, tem um?...
R - Cabral. O meu avô era de uma região lá, de uma província, de Trasmontes, que exatamente donde nasceu Cabral também. Pedro Álvares Cabral é daquela região. E pode ser que tem uma ligação, mas nunca me interessei ou me interessa verificar isso e tal. Mas deve haver essa influência, porque é da mesma região, entendeu? E meu avô era um homem dinâmico, ele era hoteleiro. Hoje a nossa casa lá era o antigo hotel do meu avô, um hotel enorme. Hotel de São Romão, que depois mudou de Maia para São Romão, que é uma outra vila pegada à Maia, chama-se São Romão de Coronado. Hotel de São Romão, né? (riso) Hoje, eu depois herdei aquilo, o meu tio é que ficou com aquilo e passou para mim. Hoje a minha irmã mora lá. E a gente alugou as lojas embaixo, tem uma casa enorme.
P/1 - Conta para a gente como que era essa casa, e como que essa história de hotelaria, seu avô? Como era o nome do seu avô e que história é essa?
R - Ah, meu avô era um homem fantástico, era uma camarada fantástico. Ele gostava muito de mim, ele queria que eu fosse almoçar com ele aos domingos, senão ficava zangado. Você vê a afinidade que havia, que ele depois veio aqui ao Brasil visitar o filho, né, e chegou lá e disse: “Meu filho, tens que ir ao Brasil, meu filho precisa de ti, você tem que ir para lá.” “Mas não sei o quê e tal.” E acabei vindo. Como eu falei, foi uma saudade louca que eu tive, mas depois tudo passa, né? Mas o meu avô era um camarada muito... Na época, comerciante, assim, de mão cheia. Meu avô era conhecido mais como Seu Guedes, Seu Guedes de São Romão. Você vê, o Guedes de São Romão, do lugar, já ele era uma pessoa de proa. Já o meu pai era Cabral, e eu também fiquei Cabral. Eu desde que fui para escola, Cabral. Eu não gostava que me chamasse Cabral, queria que me chamasse de Joaquim, porque garoto é sempre o primeiro nome, né? Aí começaram a me chamar de Cabral, e é Cabral mesmo. Bobagem, né, coisas de garoto. No entanto, Cabral tinha que ficar. Já o meu tio aqui também, Cabral. E esse meu tio veio para aqui pelo seguinte: ele trabalhava com meu avô, e meu avô era um sujeito austero e tal. E ele, coitado, tinha aqui uns tios, que era inclusive... Esse é que era um guarda-livros, que incluso fui um guarda-livros também lá do Lidador, o irmão do meu avô. Ele disse: “Não, eu quero ir para o Brasil!” Escreveu para o tio: “Não, vem meu filho, e pápápápá.” E juntou-se com um e abriram o Lidador, né? Assim começou a casa O Lidador e tal. E ele, na época a gente tinha uma loja, agora é que temos duas, compramos o prédio ao lado e a gente abriu e ampliou. São dois prédios do Lidador. Mas foi na minha gestão, na minha gestão que já a gente funcionou.
P/1 - Mas como era esse comércio do seu avô?
R - O comércio antigamente era um comércio muito delicado porque ainda se produzia poucas coisas no Brasil, entendeu, então praticamente 90% era tudo importado. Principalmente o nosso ramo, que era uma delicatesse, naquela época era uma casa fina de comestíveis, onde a gente tinha tudo. Vinhos de toda parte, comestíveis também, importava-se tudo, quase tudo. Queijo importava da Holanda, de Portugal, de todos países aí. Porque quase não havia produtos, só tinha o Queijo de Minas. Agora é que já se faz tudo aqui, não tem problema nenhum. Mas ainda assim ainda se importam Camerbés, tem aquele queijo branco suíço, ainda se importa porque aqui não se faz. Há certo lugares que é único, não adianta. Por exemplo, esse queijo suíço só na Suíça mesmo, um queijo deste tamanho, pesa cem quilos. (riso) Coisa louca. E a gente tinha tudo isso desde o início. Então, o meu tio como era um gourmet, era um sujeito que gostava muito de coisas delicadas. É a criação, nasceram no comércio, aquela coisa, tinha contato com tudo isso. Então, ele foi transmitindo tudo aquilo que ele conhecia e formou uma casa boa. E naquela época havia muitas lojas iguais ao Lidador. Olha, Colombo, Confeitaria Colombo; Casa Carvalho; Casa Malta; Portuguesa Jorge, que era em frente à Câmara, ali na Rua Primeiro de Março, já não existe aquilo; Brasil Store; Bar Carioca, que é no Largo da Carioca; Bardelas; Casa Gouveia, que é ali na esquina da Santo Estevão com a Travessa do Ouvidor. Umas nove casas por aí. Não tem nenhuma agora. (riso)
P/2 - Mas me diz uma coisa: lá em Portugal a sua família já tinha algum negócio desse tipo?
R - O meu pai era comerciante, tinha uma mercearia, uma mercearia comum, o que aqui é uma mercearia. E já tinha vinhos, tinha essas coisas todas, especiarias, licores, vinhos, conhaque, tinha tudo isso que já pertencia a uma mercearia. Isso era mais, quer dizer, não tinha só comestíveis como batata, bacalhau, essa coisa tudo existia.
P/2 - Que especiarias que tinha?
R - Uma série de coisas. Confeitaria, também tem coisas de confeitaria também, doces, essas coisas todas. Então a gente gostava, o melhor freguês éramos nós. (riso)
P/1 - E o seu avô, qual era o comércio dele?
R - O meu avô também foi mercearia, depois é que ele abriu o hotel. Construiu o hotel, foi construído por ele, e ele trabalhava. Ah, também tínhamos tecidos. Porque naquela época aquelas lojas tinham mercearia e tecidos, né? Só tecidos, roupas não, tecidos para fazer roupa. Todo tipo de tecido que você imaginava tinha. E o meu avô também sempre se dedicou à mercearia e depois é que ele construiu o hotel.
P/1 - O senhor morava no hotel do seu avô?
R - Não, eu morava com os meus pais em outro lugar. O lugar que eu nasci chamava-se Gemunde. Aliás, um nome de origem moura: Gemunde, com “G”. Você vê que até soa diferente: “Gemunde”. Então foi ali que nós nascemos, que era naquela própria freguesia. O meu pai era o presidente da junta. Que a administração de uma freguesia tem a junta, tem o regedor, o regedor é o policial, né, entendeu? A junta é a parte administrativa, o regedor é a autoridade. E depois tem na câmara, que tem no concelho é que tem já polícia, aquela coisa toda, tem xadrez. Mas nesses lugares de coisa tudo depende dos concelhos, o concelhos é onde está a câmara municipal, onde tem o administrador da câmara, tudo isso, que é o administrador da câmara, o presidente da câmara. Aí tem os vereadores e aquela coisa toda. É uma formação um pouco diferente do que a gente conhece aqui, mas parecido tudo. Tudo parte de um princípio, né?
P/1 - Como que era a casa do senhor, como que era a imagem que o senhor tem da sua infância, daquela casa que o senhor nasceu?
R - Ah, era uma casa grande, enorme. (riso) Era grande, era grande. Tinha uma mercearia, em cima a gente morava, tinha um quintal que a gente tinha frutas de todos os tipos. Tinha vinho também, plantação de videira que a gente tirava umas duas pipas por ano. Duas pipas são mil litros, são quinhentos litros cada pipa. Tinha vinho branco, vinho tinto. A minha mãe então gostava, chamava o pessoal para cultivar ali, plantava-se batata. Tudo tinha em casa, não se comprava nada. Tudo o que a gente precisava de horta tinha em casa.
P/2 - E vocês vendiam também o que produziam na mercearia, ou não?
R - Não, era mais para consumo, quase tudo para consumo. Tinha coelhos, eu gostava de criar coelhos. Era uma coisa. (riso) Criação de coelhos, era engraçado aquilo.
P/2 - Tinha outros animais, outros bichos?
R - Ah, tinha aqueles animais domésticos: galinhas etc. porcos tinha, sempre se matava porco, na época se matava porco. Como não havia ainda frigorífico, conservava tudo no sal, né, umas caixas grandes, salgadeiras, como daqui para lá, com sal e tudo, então ficava ali envolto no sal. Então, nada estragava, né, porque o sal não deixa estragar nada. (riso) É uma coisa curiosa, né? Hoje é tudo frigorífico, geladeira, congelador, não tinha nada disso.
P/1 - E como é que era o comércio da região como um todo, o que o senhor lembra de comércio daquela época em Portugal?
R - Era um comércio mais calmo, entendeu, mais calmo. O meu pai naquela época já fazia, vendia à prestação, engraçado. Já vendia à prestação. E eu saía muitas vezes cobrando depois na data, de bicicleta. E lá ia eu e tal, que era o mais velho, né, dos dois, que tinha mais dois irmãos mais novos. E eu é que era o cobrador, ia lá e coisa e tal, corria as freguesias todas.
P/1 - Mas era uma prática comum, ou seu pai inovou com isso?
R - Não, eu acho que ele foi um dos que inovou ali naquela região, porque não me constava que alguém costumava vender assim à prestação, facilitando, facilitando e tal, porque tinha que ser tudo no dinheiro. Não, mas a gente facilitou. Como tinha tecidos e uma série de coisas, calçados - lá também tinha calçados - a gente tinha lá uma série de coisas. A casa, a mercearia era grande, né? O meu pai era conhecido Jayme Guedes, o Jayme Guedes de Gemunde. Gemunde que era a região. Você vê, não era Cabral, era Jayme Guedes.
P/2 - Como ele fazia? Anotava o nome, o endereço, como que era feito?
R – Ah, sim, tudo direitinho, o nome da pessoa, endereço, tudo. Naquela região só nós é que tínhamos telefone ali. Era até público, quando ia lá a pessoa pagava a chamada, fazia. Era os Doze Castelos da Maia. (riso) Era o número. Castelo da Maia era a estação, que é outra regiãozinha pegada. Doze, Castelos da Maia, era curioso aquilo. O pessoal vinha da freguesia lá telefonar: “Pois não, minha filha, telefone e tal.” E pápápá. Era muito atencioso, era o Jayme Guedes, meu pai.
P/1 - O senhor falou que na infância do senhor era bastante arteiro, bagunceiro?
R - Ah, eu era um traquina danado.
P/1 - E a juventude? O senhor, assim, quando estava se aproximando dos dezesseis, dezessete anos, como é que era, o senhor estudava, ajudava o pai?
R - Bom, eu tirei o curso primário, depois eu fui tirar o curso secundário, que é esse que eu me formei em comércio. Porque existe lá em Portugal escolas comerciais, que aqui também tem, escola comercial e industrial. Então, a escola comercial é uma espécie de um Liceu. Depois vai para a faculdade. Mas não havia faculdade naquela época. E depois seguia o Instituto Comercial, que é a formação de Economia. Eu ia seguir Economia. Mas parei e vim para aqui. Tenho o curso comercial, que é pesado, você aprende inglês, francês, datilografia e estenografia - que é taquigrafia, a mesma coisa -, e todas outras matérias: Geografia, Matemática, tudo isso.
P/2 - Quantos anos?
R - São sete anos. É duro, viu, não é fácil não. E depois dali e que passa para o Instituto Comercial que segue Economia. Hoje não, já tem a faculdade de Economia, mudou a coisa um pouco, né? Estou falando a sessenta anos atrás, não setenta. (riso)
P/2 - E seus irmãos, quantos irmãos?
R - Eu tinha três irmãos. Uma irmã e dois rapazes. Estes já faleceram, os rapazes.
P/2 - O senhor era o mais velho?
R - Eu era o mais velho deles. E a minha irmã que é a mais velha, a minha irmã. Eu, dos rapazes, era o mais velho. Morreram até mais cedo, mais novos.
P/2 - E a sua irmã trabalhava?
R - Ela também trabalhava com o meu pai, todo mundo trabalhava ali com meu pai.
P/1 - Como é que o senhor se divertia na juventude?
R - O meu pai é engraçado, ele era um homem muito coisa. Uma vez chegou lá um cidadão, eu me lembro disso, que era um padeiro, trabalhava na padaria. E nós tínhamos a nossa casa, era comprida, e tinha uma outra casinha logo pegada depois do quintal. E o meu pai montou uma padaria para esse rapaz. Mas depois houve lá qualquer coisa, anos depois, né, que um dos meus irmãos teve que enfrentar a situação. Para não fechar a padaria, teve que enfrentar. Ainda existe essa padaria, já de outro dono, né? Porque o padeiro brigou com o meu pai, ou qualquer coisa, eu não sei. Sei que a gente também foi padeiro à força, porque foi forçado, né? Padaria Guedes, lá está Padaria Guedes também. Era Mercearia Guedes e noutra casa lá mais distante uns cem metros, Padaria Guedes. Aí o meu irmão é que aguentou o leme. Eu estava estudando, não podia. Os meus irmãos estudaram também um pouco, mas depois desistiram. Um deles também teve o curso comercial, o mais novo. Esteve aqui também. Esteve aqui, mas depois teve que ir para lá porque ele juntou aí um pessoal que eu não gostava, né? Aí eu falei com o meu tio, e coisa e tal. Chamava-se Alberto. Aí foi para lá, foi logo depois que casou, teve filho, tudo isso. Mas sabe como é, se o sujeito não tiver, aparece um amigo sempre que o desvia para coisas que não servia. Aí um dia eu fui encontrá-lo no Bola Preta. Era sócio, frequentava o Bola Preta. Mas se frequentasse boa, mas era gente ruim que estava levando meu irmão. E ele se deixava levar um pouco pela conversa, eu fiz com que ele voltasse lá para os pais, que era melhor.
P/1 - O senhor lá ia ao cinema, namorava muito, como é que era?
R - O cinema, havia poucos cinemas, só mais nas cidades, não é, porque fora da cidade havia pouco cinema. Aquele cinema de coisa, tudo manual. (riso) Teatro, havia teatro, já se frequentava muito teatro. Futebol também. E romarias, festas. Romaria é uma coisa fantástica. Sabe o que é uma romaria?
P/1 - Conta para a gente como que era isso?
R - Por exemplo, tem um lugar lá, Santa Eufémia, era uma romaria de três dias. Mas o negócio é interessante porque vai gente de todas regiões, vendem louças, vendem discos, coisas assim, tudo artesanais. E aquela festa, aquela romaria, danças, banda de música, duas, três bandas de música disputando a que toca melhor. E é uma coisa, tudo, e aquela gente toda de roupa nova, porque na época vai tudo enfeitado.
P/1 - Como que era a moda da época?
R - Na época andava todo bem vestido, todo mundo bem vestido. Chapéuzinho, algumas senhoras também usavam chapéu. É, coisa da época, né? E era assim uma alegria, todo mundo ia à romaria, era uma festa. Porque a romaria era um dia de festa. Ouvir música, banda de música, né, aquelas coisas. E tinha as procissões. Quando era coisa de igreja tinha as procissões. Geralmente as romarias têm sempre a parte católica no meio, né, a igreja sempre orienta a coisa, aquelas procissões, aquelas missas cantadas, isso tudo faz parte. E depois da romaria as pessoas cantam, dançam, fazem aquelas coisas todas. (riso) Se divertem de toda forma. E há muita romaria por lá naqueles lugares distantes, naturalmente. Antigamente se ia de bicicleta ou de cavalo, né, com carroça. Mas a garotada só bicicleta que usava, não tinha outra coisa.
P/2 - O senhor frequentava a igreja desde cedo?
R - Sim, aos domingos eu ia à missa. O meu pai era exigente, nos forçava a ir na missa. A gente era amigo do padre na época. O padre era um camarada todo, era até um sujeito amigo e coisa, brincalhão, era um padre camarada. A gente no domingo não podia deixar de ir, tinha que ir na missa. O que eu acho que está certo, né? Hoje aqui eu vou de vez em quando, mas também vou à missa de vez em quando. Isso é uma coisa boa porque a gente, assim, tendo uma formação cristã é ótimo. Porque a gente começa a ver, começa a pensar nas coisas boas. Não é fanatismo, eu detesto fanatismo, eu gosto da coisa como deve ser, né, mas fanatismo não, eu detesto isso.
P/1 - O senhor pode explicar para a gente como foi essa viagem de Portugal para o Brasil, o que motivou essa viagem, e como foi a viagem em si?
R - Bom, a viagem, foi o meu avô que esteve aqui e disse: “Olha, meu filho, você tem que ir para o Brasil, o teu tio precisa de ti.” O meu tio não tinha filhos, estava sozinho na empresa, o sócio tinha falecido, e ele estava só, precisava de uma pessoa para ajudar. E ele achava que eu era quem estava mais indicado para isso. Eu vim, naturalmente tive uma saudade louca de lá. A viagem minha foi boa até a Madeira. Foi boa não, foi péssima até a Madeira. Enjoei, não podia nem olhar para as coisas, ficava todo bruuuu. Cheguei na Madeira, comprei uma cadeira dessas de vime que tem, que a gente se deita na cadeira para dormir, comprei uma cacho de bananas, porque eu tinha medo de enjoar, entendeu? Aí vim e coisa. E três dias depois já tinha tudo passado, porque é assim mesmo que passa.
P/2 - Quantos anos o senhor tinha?
R - Eu estava com dezoito anos.
P/2 - E veio sozinho?
R - Sozinho. Encontrei pessoas amigas. Por sinal, dois rapazes que eram de Lisboa, mas voltaram. Um deles ainda é vivo, um é que já faleceu. Eles tinham um magazine lá em Lisboa, mas estava numa crise grande, e eles vieram para aqui.
P/1 - Por que estava em crise?
R - Porque acontece. Como agora nós estamos numa crise aqui. Essas coisas econômicas que acontecem em qualquer país. E depois volta por razões que a gente até desconhece.
P/2 - O senhor falou que foi na época da Segunda Guerra, né?
R - Ah, eu vim em 1942, em plena guerra, em plena Segunda Grande Guerra. Não vi uma mosca, nem um avião sobrevoando, não se viu nada. Portugal era neutro naquela época, estava fora da coisa. E foi a nossa sorte. Então, eu vim no navio, no navio a gente nunca viu nada, nem submarino, nem avião, nem navio de guerra, não se viu nada. Naturalmente que o pessoal que viajava ficava sempre com medo, né, porque batia numa mina, pum. Porque as minas estavam aí, todas submersas no mar, como é que a gente ia ver, né? Mas felizmente correu tudo bem. Nem vi nenhum aviãozinho sobrevoando naquela época.
P/2 - E qual era o percurso do navio? Saía de Porto?
R - Não, ele saía de Lisboa. Hoje também sai de Leixões, que é um porto que tem no norte, que é pegado ao porto. Leixões. Mas era cheio de coisas: Madeira, Cabo Verde, Rio de Janeiro. Tinha que fazer escala, porque tinha que se abastecer nesses lugares onde tinha óleo. Quer dizer, o navio usava óleo naquela época.
P/1 - O que o senhor conhecia do Brasil, e o que o senhor imaginava que ia encontrar aqui, assim?
R - Não, do Brasil eu conhecia alguma coisa já. Eu tinha inclusive até colegas brasileiros que estavam estudando lá comigo. E o Brasil sempre o sujeito pensa que é um paraíso, e não deixa de ser. Eu considero o Brasil, hoje, o melhor país do mundo. Eu já viajei um bocado, conheço vários países, inclusive Estados Unidos e tal. Eu acho, a gente quando está viajando, um mês depois fica com uma saudade do Brasil, louca. A gente tem pelo Brasil, assim, um amor, um carinho todo especial. E você repara que nós temos tudo aqui, produz tudo aqui, é uma coisa. Agora, o que tem faltado, que eu acho, é tecnologia. Esses ministérios têm que cada um investir mais em tecnologia. Porque o Brasil é um país que dá tudo, tudo, tudo, tudo quanto você pode imaginar. Nós somos os primeiros em soja. Por exemplo, podemos ser os primeiros em outras coisas, né? Por que razão? Agricultura. Olha, você quer ver uma coisa? Você come fruta, melão, por exemplo, o ano inteiro, de janeiro a janeiro. Isso é uma hipótese. Eu, por exemplo, sou um deles, que eu como melão todo dia, uma fatia de melão de manhã. Muito bem. Vai na Europa fazer isso. (riso) Não tem, meu filho, só no verão, só os quatro mesinhos, no máximo seis meses. Tem importado. Agora, mas nós temos aqui. Nós temos maçãs deliciosas. Há dez anos atrás não tinha nada disso. Porque eu digo: “É só tecnologia que está precisando.” A nossa maçã é mais gostosa do que a da Argentina, do que qualquer outra. As nossas frutas são maravilhosas, doces, gostosas, né? Agora, tudo tem que acompanhar uma tecnologia, que é básico para tudo hoje.
P/1 - Seu Joaquim, o senhor chegou no Rio de Janeiro em 1942. Como que era a cidade naquela época, o senhor desembarcou e viu o quê?
R - Não, a cidade já era uma cidade interessante, uma cidade igual às europeias, já tinha coisas. Não tinha, assim, os edifícios, mas começaram a construir depois. Era tudo mais baixinho e tal. (riso) Depois a coisa foi evoluindo, né? Cada prédio velho que tem ainda aí na avenida, por aí afora, que depois apareceu os arranha-céus, né?
P/1 - Foi impressão boa que o senhor teve?
R - Sim, maravilhosa, não tem dúvida. Só quando a pessoa vem de um país e coisa, que se adapta lá, aí sente saudade, isso é do ser humano. Mas a gente vai vivendo e se adapta.
P/2 - E quanto à temperatura?
R - A temperatura, bom, nós lá tínhamos o inverno rigoroso, é bravo. Não precisa mais nada. As crianças quando iam para a escola, até mais ou menos umas dez horas, não conseguem escrever, não têm força nas mãos. Sabe disso? Do frio, da friagem. E mesmo não adianta usar luvas. (riso) Aí depois começa a esquentar e tal, e aí então começa a segurar a força, né? É friagem, o frio é terrível. E o sujeito nem sempre tem (sofás?) em todos os lugares. Agora, a primavera é agradabilíssima. Depois vem o verão, o verão é quente. O outono é a época das colheitas, das frutas, de todas aquelas coisas. Depois entra o inverno de novo. É que lá as estações são distintas, aqui nós temos verão e inverno, é um inverno que não chega a ser inverno. Vamos dizer, é a primavera e o verão, é o que nós temos aqui. E é suportável o calor.
P/2 - O senhor se adaptou bem ao calor?
R - Sim, não tem nada demais.
P/1 - O senhor foi morar onde quando chegou aqui?
R - Eu morei ali na Santa Luzia. Eu morava com o meu tio, ele morava ali. Ainda existe o prédio ali. Não tem o Maison de France? Depois, vindo para a cidade tem ali um edifício ali redondo, né, de três andares, ou quatro, e eu morei ali. Meu tio morava ali, mas tinha que ir a pé ao Lidador, que dali era pertinho. Quer dizer, são quinhentos metros.
R - Ali perto da Santa Casa, naquela Rua Misericórdia, com Santa Luzia.
P/1 - O senhor acha que naquela época tinha muito mais gente morando perto do centro da cidade? Como é que é isso?
R - Sim, já se procurava morar perto do trabalho, para facilitar a chegada, as conduções eram mais difíceis, não havia tanto ônibus. Havia o trem, tudo funcionava, mas tudo mais lento e em menos quantidade. Que não tinha quantidade de ônibus que tem hoje, porque também não havia necessidade. A população cresceu muito, né? Então, todo mundo procurava morar perto dos estabelecimentos, do comércio, para ter facilidade. E o bonde, tinha o bonde, vocês lembra-se do bonde, o elétrico? (riso) Passava em tudo, era o melhor transporte. Na Rua da Assembleia passava o elétrico lá.
P/1 - Qual que o senhor usava mais, o senhor usava mais o bonde?
R - Bom, onde eu estava... Depois eu morei ali perto da Rua do Senado, eu tomava o bonde, o bonde era prático. Mas Santa Luzia também vinha a pé, porque era pertinho. Aquele Ministério do Trabalho, não tinha nada disso, Ministérios da Fazenda, nada naquela época, foi tudo construído depois.
P/1 - O senhor pode contar para a gente o que o senhor viu de mudança, assim, na década de 1940, 1950, 1960, por alto? O que o senhor viu surgir?
R - Ah, mudou muito, na cidade houve uma transformação grande, construção, todos esses prédios velhos. Tanto é que eles ali na Rua da Carioca, eles estão tornando aqueles prédios como patrimônio, não deixam derrubar, para ficar lá alguma coisa do antigo, senão o pessoal não quer saber como que era antigamente a cidade. Era aquilo ali, a Rua da Carioca era exatamente aquilo. (riso) A Assembleia era a mesma coisa, a Primeiro de Março, a avenida, tudo era assim, casas baixinhas, três, quatro, cinco andares no máximo. Não havia elevador, né, você tinha que ir a pé e olhe lá.
P/2 - E lá onde o senhor morava tinha outros portugueses também da mesma região, vocês se encontravam?
R - Não, aqui não, aqui não, eu nunca tive assim. Porque vivia mais com o meu tio, né, era mais isolado. A gente se encontrava. Quando eu era jovem passava o tempo e a gente se juntava com os amigos, mas não tinha nenhum português, era quase todo mundo brasileiro. A gente ia fazendo camaradagem e tal, ia ao cinema, ia no Cassino da Urca, só para ver o espetáculo, né, jogar que era bom não. Aliás, eu condeno hoje não haver cassino no Brasil, porque isso é uma coisa que atrai muito turista, e só joga quem quer, ninguém é obrigado a jogar.
P/1 - O senhor poderia falar como que era o Cassino da Urca para a gente?
R - Ah, era interessantíssimo. Tinha muitos espetáculos. Lá era bom assistir um espetáculo. Os artistas vinham de toda parte do mundo, que eram espetáculos bons para atrair o pessoal lá dentro. E depois o pessoal no fim ia lá na roleta, jogava dez, vinte. Naquela época era o quê, era Cruzeiro? Não, acho que era Cruzeiro ou Mil-réis. Mil-réis, Mil-réis. A moeda mudou, era Mil-réis, depois veio para Cruzeiro, depois Cruzeiro Novo, né, e Real.
P/2 - E que outros lugares o senhor frequentava? Ia no cinema?
R - É, o cinema. O cinema a gente era o prato do dia, né? (riso)
P/2 - Qual cinema o senhor frequentava?
R - Ah, ali na Cinelândia, todos aqueles. Era no Palace, no Metro, todos aqueles ali a gente ia. Estava sempre em dia com os filmes. (riso) A gente era um grupinho.
P/2 - Tinha algum filme que o senhor lembra?
R - Não, assim de coisa não tenho. Era um grupinho que a gente ia ao cinema, depois ia para o café e coisa, e ficava ali.
P/1 - Café, onde é que tomava café naquela época?
R - Ah, na Cinelândia tinha café de monte. Tinha o Amarelinho, tinha na esquina um outro, ali perto do Odeon, tinha lá na esquina da Senador Dantas com Passeio também. Como era? (Angriance?) E o que não faltava era café à brasileira.
P/1 - E a moda? Para se frequentar o cinema, o cassino, um café, tinha que ir com uma roupa especial, uma roupa mais bonita?
R - Não, esses lugares não podia ir de coisa, tinha que ir direitinho, vestido com gravata etc. Agora, nos outros lugares já podia ir. Mas antigamente pouca coisa, gente andava assim, isso é tudo novo. (riso)
P/1 - E o futebol, continuava sendo a coisa?...
R - Ah, o futebol sempre foi. O meu tio, por exemplo, era um doente por futebol, e que sempre queria ir a um jogo. Ele era vascaíno, gostava de ir ao coisa, e então fazia questão de que eu fosse com ele. Eu ia para acompanhar, mas eu nunca fui, assim, ligado a futebol, entendeu, não era muito ligado. Mas eu ia, e acaba gostando também, naturalmente. É sempre um espetáculo bom. Quem é que não gosta de futebol? Só não gostava daquelas coisas, às vezes propositais que se fazia, como dar uma canelada, um chute na canela, aquilo dói para burro. (riso)
P/1 - O senhor praticava também, jogava?
R - Não, futebol eu nunca fui craque não. Gostava muito de bicicleta naquela época, gostava de bicicleta. Mas não aqui, lá em Portugal, aqui não. Aqui eu queria era um carro logo. O primeiro carro que tive foi um Jipe alemão, uma coisa.
P/1 - Que ano foi isso?
R - Ah, isso em 1945, talvez.
P/1 - Como que o senhor comprou, era importado?
R - Não, eu acho que um dos meus tios me deu, eu não sei, não me lembro. Aí eu tinha um outro tio aí. Este trabalhava com perfumaria.
P/2 - Onde?
R - Era na Rua dos Inválidos. E era atacadista. Ele que fornecia a essas casas, o Camiseiro, aqui na Rua da Assembleia, todas essas lojas de camisarias que tinham. Então, ele era distribuidor. Ele recebia das fábricas e também tinham os importados, e era o distribuidor. Ele era Manuel Cabral Guedes, o apelido dele era Neca, que é o apelido de Manuel, Neca, então chamava de Neca. Era um sujeito elegante e coisa e tal, andava sempre bem vestido, camisa de seda, ele era um camarada fino, meu tio Neca. (riso) Engraçado. Eu acho que foi ele que me deu um jipão desses alemães, mas estava sempre enguiçado.
P/1 - Aí o senhor veio ajudar um tio, e frequentava a loja do outro?
R - Eram amigos, os dois eram amigos. O outro gostava sempre de vir correr os comércios, falar com as pessoas e tal, então sempre passava no Lidador. Se davam bem.
P/1 - E o senhor visitava a loja dele também?
R - Eu ia lá também e coisa, me dava muito com ele, ele gostava muito de mim. Eles eram muito vaidosos, esses meus tios. Ele tinha na época um Buick conversível, que acabou ficando para mim. Quando ele faleceu eu fiquei com ele. Buick. Buick é um carro, e era conversível, a capota arriava.
P/1 - Qual a fabricação?
R - O Buick eu acho que é da Chrysler, né?
P/1 - Americano?
R - É, americano. Antigamente só tinha carros americanos, europeu quase não vinha.
P/1 - Com um carro desse o senhor passeava onde?
R - Ah, Copacabana, bababá, babababá. Mas como eu casei cedo, meu filho, facilmente fui amarrado. (riso)
P/2 - Antes de falar do casamento, e os carnavais aqui no Rio, o senhor gostava?
R - É, eu gostava muito de ir aos bailes, os bailes eu frequentava.
P/2 - Que bailes?
R - Vários, tinha uma série de bailes para ir. Na Urca, lá no Cassino tinha baile. Em vários. Todos os bailes que existisse eu estava lá. Agora, eu só não gostava de rua porque o sujeito andava com aquelas coisas, jogava, machucava as pessoas. Agora está mais até, apesar de coisas, o carnaval de rua está melhor, né? Mais gente. Mas naquela época era uma brincadeira, sujava todo mundo, pupa, não queira saber. Era um entrudo, um entrudo, chama-se entrudo.
P/1 - E o senhor trabalhava, morava no centro da cidade, passeava em Copacabana, assistia o jogos do Vasco em São Januário. Como que era a cidade do Rio de Janeiro, o que o senhor fazia?
R - Era uma vidinha boa, a gente todo domingo se encontrava, o domingo era para passear. Também ia muito a Petrópolis, viajava a Teresópolis. A gente procurava diversificar os nossos recreios, né? A gente tinha sempre um grupinho que ia para aqui, para ali, para acolá.
P/1 - Quem formava esse grupo?
R - A gente era já amigos, né, formava amigos assim. O ponto de encontro era sempre na Cinelândia, a Cinelândia que era o ponto principal. Onde estavam aqueles cinemas, aquelas coisas todas, muitos cafés. O pessoal se juntava ali, ali é que se criava na época todo o grupo.
P/1 - O senhor mantém amizade dessa época?
R - Não, quase todos já foram.
P/1 - Mas o senhor manteve essas amizades por um bom tempo?
R - Muito tempo, naturalmente, era bom. São o quê? (riso) Isso já vem mais de sessenta, sessenta e um anos. É muita tripa, né? (riso) E quando eu olho para trás, estou com setenta e nove, não é fácil, né?
P/1 - Vamos perguntar agora para o senhor, como o senhor conheceu a sua esposa? Fala para a gente como é que foi.
R - Espera aí, deixa eu ver se eu me lembro. Ela era professora de música, professora de piano, já naquela época. Eu acho que foi numa condução.
P/2 - Ela é brasileira?
R - Ela é brasileira. Acho que foi numa condução. É, foi, foi. Conheci e tal. Ela morava em São Cristóvão. (riso) Era exatamente, foi numa condução que eu conheci. A mãe dos meus filhos. Eu depois, naturalmente, fiquei viúvo, hoje moro com outra moça, uma amazonense agora. E dessa eu não tenho filhos, só tenho filhos da primeira.
P/2 - Com quantos anos o senhor casou?
R - Eu casei com vinte e três anos, garoto.
P/1 - Qual era o nome da sua esposa?
R - O nome dela? Era Maria. A atual é Marília. A outra era Maria Raposo La Pene Lopes, que o pai era francês. La Pene.
P/1 - Esse período que o senhor está no Rio de Janeiro e começa a ajudar o seu tio, como era o comércio do gênero que a sua família trabalhava, que são bebidas e alimentos finos?
R - Era um comércio. Não era armazém. Armazém é uma coisa, armazém é onde tem batata, milho, essas coisas todas, salgados. Já o nosso comércio era um comércio mais fino. Tanto é que a classificação era comestíveis finos. A classificação do nosso comércio era líquidos e comestíveis finos. Quer dizer, bebidas é os líquidos, e comestíveis finos são as coisas mais refinadas: compotas, conservas, tudo isso, enlatados, principalmente, coisas assim mais finas.
P/1 - Existiam outras casas que tinham esse perfil também?
R - Também, aquelas que eu citei. Colombo, Casa Carvalho. Só que nós nos especializamos muito em mais especialidades. Inclusive nós fornecíamos para algumas dessas casas também. Meu tio importava, nós importávamos salmão naquela época, enguias, crustáceos, nós importávamos uma série de coisas, né? Hadoque, filé de hadoque, que é um bacalhau preparado de outra forma, é fresco, defumado. Vinha muita gente, importava muito essas coisas. Até perdizes a gente tinha. Coelhos, perdizes, de caça, importados dos outros países, a gente tinha isso tudo. E todas as confrarias de bebidas, principalmente. Champanhes franceses, principalmente. Naquela época ainda não havia o champanhe brasileiro. Portugueses, italianos, franceses. Os que mais saíam eram os franceses, né? E vinhos também, a gente tinha toda essa coisa. Hoje temos navios de não sei quantos países.
P/2 - O endereço da Lidador era?
R - Sempre foi ali, Rua da Assembleia, 65, sempre foi ali.
P/2 - E o senhor ia a pé da Santa Luzia?
R - Ah, da Santa Luzia vai a pé mesmo, vai a pé, nem dá jeito. Se você quiser hoje pode tomar um taxi, mas tomar ônibus não, porque dá uma volta enorme e não resolve. Vinha a pé. Não havia perigo nenhum, tudo calmo, não havia essa insegurança que a gente tem hoje, esse medo, não tinha nada disso.
P/2 - E à noite?
R - Não, à noite andava como todo mundo. Antigamente vinha gente ver as vitrines na cidade, vinha de Copacabana, de Botafogo. Senhoras e senhores com os filhos ver as vitrines, ver as coisas e por aí afora. Hoje você vê alguém fazer isso? Aí é que está.
P/2 - Tem alguma loja em especial, assim, do centro da cidade, dessa época, que o senhor lembre, alguma vitrine mesmo, propaganda?
R - Acho que não estou. Está tudo mudado, tudo mudado. (riso) Ali na Assembleia mudou tudo, na avenida idem.
P/2 - O senhor comprava roupas onde?
R - Eu tinha alfaiate, eu mandava fazer sob medida.
P/1 - Onde ficava o seu alfaiate?
R - Ah, já faleceu. Vitor, que era ali na Treze de Maio, tinha também, era lá que ele tinha a oficina dele.
P/1 - Mas o senhor comprava o tecido, ele escolhia?
R - Ah, ele tinha, os alfaiates sempre tinham o tecido, tinha o mostruário, a gente via e fazia, escolhia, mandava fazer o terno com coletezinho naquela época. Porque eu às vezes uso um colete, que é bom. Quando está frio aí põe o colete.
P/1 - E calçados, por exemplo?
R - Ah, tinha muito, tem muita sapataria ainda.
P/1 - Alguma famosa da época?
R - O Galo, lá pegado a mim, Calçados Galo, que eram os italianos. Loja boa.
P/1 - Está aberta até hoje?
R - Não, hoje acabou tudo.
P/2 - Era onde?
R - Ali pegado na esquina da Assembleia com Quitanda, né, pegado a mim, pegado ao Lidador. E tinha outra do outro lado.
P/2 - E chapelaria?
R - Chapelaria, ah, Chapelaria Alberto. Esta é famosa, né?
P/1 - Tinha que usar chapéu nessa época, né?
R - Ah, todos. Eu usava chapéu. Não, quando eu era mais jovem não usava chapéu, comecei a usar chapéu agora mais, depois de uma certa idade. Mas eu usava mesmo cabelo, né? Mas tinha pouco cabelo, já tinha pouco, era meio ralo. (riso) Mas tinha muita sapataria ali na Rua da Assembleia, Rua do Carmo, Quitanda. Aquilo ali, sapataria era uma coisa louca.
P/1 - O senhor almoça onde, na loja mesmo, saía?
R - Não, a gente almoçava, tinha vários lugares. Eu almoçava ali, deixa eu ver se eu me lembro. Tinha o (Vestifália?), ali na Rua da Assembleia. Tinha a Columbia, mas a Columbia já é mais recente. Tinha na Rua Sete de Setembro também, tinha lá uns restaurantes. Minhota, lá na Rua São José.
P/2 - Qual é o nome?
R - Minhota, também. Tinha vários ali. É que eu não ia sempre no mesmo lugar, eu mudava. São José, Assembleia, Quitanda, Sete de Setembro, cheio de restaurantes, sempre tinha um restaurantezinho ali que era fácil.
P/1 - E quando teve a transição da época de 1950, começo de 1960, da capital do país sair daqui do Rio de Janeiro, o que o senhor viu de mudanças, assim?
R - Bom, para nós lá no Lidador - eu até acho que isso é importante -, a nossa casa é do tempo de 1924, né, e por ali passava muito político. O Dutra ia lá no bar com os amigos, o Dutra. O Lacerda foi um grande amigo meu. Sabe como que eu conheci o Lacerda? Interessante. Ele ainda era deputado, ia à Câmara e passava ali na porta porque era lá embaixo, a Rua da Câmara é em frente a Assembleia. Ela tem o nome de Rua da Assembleia porque antigamente já foi República do Peru, saiu, voltou a Assembleia. Primeiro Assembleia, depois República do Peru, depois Assembleia. Assembleia porque ela fica exatamente ao lado da Câmara, ela parte dali, né? Bom, aí o Lacerda era naquela época, ele era deputado, um dia ele entra lá no Lidador e pergunta: “Eu queria falar com o dono da casa e tal.” “Pois não?” Aí ele diz: “Seu Cabral, e coisa e tal.” “Pois não, Doutor Carlos.” Eu já conhecia ele, a gente lia aquela coluna dele no Correio da Manhã, e ele disse: “É o seguinte: eu não tenho um tostão, eu acho que perdi a minha carteira, não tenho dinheiro nem para ir para casa.” E “não seja por isso Doutor Carlos, vamos lá.” Aí ele veio na caixa: “De quanto o senhor precisa?” Sei lá, não me lembro agora o dinheiro, se foi “X” ou... Aí ele falou: “Ah, então eu queria fazer um (bonde?).” “Ah não, amanhã quando o senhor passar aqui me traga, não, amanhã quando o senhor passar aqui me traga, não tem problema.” O homem ficou, nunca mais me largou. Olha, ele foi governador, ele entrava lá na loja, sentava na minha mesa, ficava ali uma hora governando, né? Incrível, uma amizade louca.
P/2 - O que ele conversava?
R - Ah, era fantástico. Contava coisas. Esse foi pena não ser presidente. Se ele não tivesse morrido cedo ele seria Presidente da República, todo mundo gostava dele, um cara fantástico. Olha, quando ele saiu de governador, e ele abriu aquela Novo Rio, uma financeira que ele tinha, ele pegou o pessoal dele, os secretários, e fizeram uma financeira. Aí chega lá o secretário dele com os livros: “Ah, o Doutor Carlos mandou o senhor assinar aqui.” Eu disse: “Assinar o quê?” Aí eu ligo: “Doutor Carlos, para que isso?” “Não, eu faço questão!” Porque eu era membro do Conselho Fiscal, tive que assinar, né, que ele intimava. (riso) Eu era membro, eu era do Conselho Fiscal da Novo Rio. Não tinha que ver com o meu mundo, um ramo completamente diferente, mas ele fazia questão que eu tivesse. Essa amizade foi uma amizade firme, só por um gesto simples. Mas cada um sente a coisa como, né? Talvez para ele naquele momento ele tivesse dificuldade em chegar à coisa e eu fui franco, então ele ficou grato. Fantástico isso. Isso demonstra o caráter do homem, né?
P/1 - O senhor sentiu uma mudança das pessoas que circulavam no centro da cidade naquela época?
R - Ah sim, houve muita mudança. Era gente, você via ali a nossa volta, por exemplo, tinha clientes daqueles escritórios e eles depois iam lá no bar - nós tínhamos um bar sempre lá no fundo -, e iam tomar o seu uisquezinho no final, bater um papo. Dali grandes negócios saíram ali daquela casa. Por exemplo, tem uma refinaria de petróleo Capuava, União, que é em São Paulo. É Refinaria União de Petróleo, é, que é em Capuava, em São Paulo. Nasceu ali, foi ali de uma conversa de amigos, coisa e tal, aqueles industriais que iam lá conversar, comerciantes. E o presidente era o Alberto Soares Sampaio. Eram quatro irmãos: Alberto, Bento, João e Álvaro, eles tinham uma companhia ali na Rua da Quitanda, e sempre eles freqüentaram a nossa casa, desde o início. Tiveram altos e baixos. Então, já na Primeira Guerra, na Primeira Guerra é que eles sofreram lá um negócio qualquer e o meu tio ali sempre amigo deles e tal e coisa. Nasceu a refinaria dali. Quando a refinaria foi inaugurada, o Alberto Sampaio que era o presidente da companhia, dos irmãos era o líder, aí chegou perto de mim e disse: “Ô, Joaquim.” Ele me chamava de Joaquim: “Joaquim, você tem de estar ao meu lado na inauguração da refinaria. Está aqui o bilhete do avião, e papapá e coisa. Você tem que estar lá, não pode faltar.” Eu tive que ir. Na inauguração eu estava ao lado dele. Você vê que coisa, hein? Eles tinham, assim, pela casa um entusiasmo. E passava gente lá importante, o Chateaubriand, o Oscar Machado da Costa, Machado Coelho, essa turma toda, o Souza Leão, camaradas que encontravam-se ali. Há ainda alguns senadores daquela época que vêm lá no Lidador.
P/1 - Seu Joaquim, vamos dar uma volta agora, na volta a gente volta falando realmente da sua entrada e no trabalho na Casa Lidador, tá bom?
R - Ótimo.
(PAUSA)
P/1 - Seu Joaquim, por que o nome Casa Lidador?
R - Lidador é o seguinte: o fundador da casa nasceu na Maia, numa cidade portuguesa, né? A fundação da Maia foi exatamente por um guerreiro da época do primeiro rei de Portugal, de Dom Afonso Henriques. Chamava Gonçalo Mendes da Maia, dizem que o fundador da cidade. E ele tinha como apelido, ou como nome, vamos chamar, O Lidador. Porque ele era um guerreiro naquela época, tão hábil no lidar da espada, naquelas batalhas com os mouros, que Portugal foi todo conquistado aos mouros, que eles entraram na Península Ibérica que não lhes pertenciam. E exatamente aquele grupo de valentes formou uma língua, um povo, chamado Portugal, e criou uma língua portuguesa, e criou esse colosso que é o Brasil. Que isso não se pode esquecer nunca dessa gente, né? E essa boa índole que hoje tem o brasileiro, deve ao português pelo amor cristão, que o português sempre foi desde a fundação. Tanto é que na descoberta do símbolo, que era a Cruz de Cristo, que isso é um símbolo de cristandade, de amor à Cristo, amor ao próximo, tudo isso. Então, foi fundado a Maia. O nome da Maia tem... Inclusive tem uma estátua desse Gonçalo Mendes da Maia, que tinha como nome, ou seja, apelido, O Lidador. E o meu tio, como era da Maia, nasceu na Maia, em homenagem a ele botou o nome O Lidador. Muita gente pensa que é outra coisa, não, O Lidador é em razão disso, tá? Que hoje tem uma estátua lá, O Lidador Gonçalo Mendes da Maia. Que o nome dele era Gonçalo Mendes da Maia, da Cidade da Maia, e ele tinha o nome O Lidador. Eu acho que é um nome bonito, né, simpático. Uma homenagem muito oportuna, né, afinal de contas. E nós temos aí O Lidador, e todos estamos lidando dentro do Lidador.
P/1 - Como que era a Casa O Lidador quando o senhor chegou, como era o tamanho dela, a organização?
R - Era uma loja só, tínhamos aquela loja já com um movimento grande. O sortimento e a variedade de produtos já era uma condição da casa, porque o meu tio, inclusive, era um gourmet, um homem que conhecia a fundo o que era alimentação, coisas finas, coisas delicadas. Naquela época a gente importava salmão, como eu disse, filé de hadoque, isto, aquilo, até caças vinham de fora. Caviar. Que ainda hoje a gente mantém tudo isso, só as caças é que não porque já é bobagem. Mas o hadoque, salmão, a gente mantém tudo isso até hoje. Caviar, caviar , caviar russo, né, que é uma coisa caríssima hoje. Então, sempre foi uma casa que se destacou pelo sortimento que tinha. E foram assim muitas outras lojas do nosso ramo, que nem todo mundo ia importar, tinha que haver um, e o meu tio era um dos importadores que forneciam para as outras casas.
P/2 - E como que eram os produtos, como é que ficavam?
R - Tudo exposto nas prateleiras, tudo direitinho, tudo arrumadinho. Depois, naturalmente, frigorífico, as coisas de frigorífico tinham que ser mantidas nos frigoríficos. Ah, a gente tinha, espera aí, uma coisa curiosa: escargot. Escargot é o caracol. Importava-se escargot vivos. Tinha uma vitrine, nós tínhamos uma vitrine frigorífica que o pessoal se juntava na vitrine, e via no vidro, conversavam: “Papapá papapá papapá!” E o pessoal levava: “Ah, eu quero uma dúzia desses caracóis!” Eu falava assim: “É de escargot.” Então, levava os caracóis vivos, tirava depois a carne de dentro e ficava a conchinha, que depois a conchinha é para servir. Depois que aquilo é preparado e tal, põe lá dentro a massazinha com um garfinho comprido. O escargot. (riso) Era engraçado isso, tinha tudo isso.
P/2 - E tinha algum lugar para comer, um bar?
R - Nós tínhamos o bar, mas o bar antigamente a gente só servia bebida nele. Uísque, uísque e essas bebidas da época, mas o uísque é que era o ponto principal. Como hoje, hoje também. Hoje a gente serve vinho em copo lá no bar, já tem uma máquina própria de vinho, refrigerada direitinho e coisa. E mudamos o bar, passamos para o fundo. Antigamente o bar era ali no corpo da casa. Mas houve lá um dia um negócio que eu não gostei, eu passei para o fundo, isolei. Porque, você sabe, o sujeito toma um uísque, e vai uma senhora lá para fazer uma compra e ele fica dando piadinhas: “Nhenhenhem!” Não pode. Eu cortei ele: “O que que há, tem que respeitar o pessoal que entra aqui!” Mas tem uns sujeitos que depois de uns três, quatro uísques fica meio eufórico, acha que é o tal, fica conquistador e tal, essas coisas. Então eu isolei o bar para os fundos, e ficou. Hoje até está bonito, parece um pub, um coisa, está elegante aquilo, né, tem tudo como manda o figurino.
P/1 - E as obras de mudança, o que mudou de lá para cá?
R - Não, O Lidador depois cresceu, nós depois compramos a outra loja ao lado, né, aumentamos, tem estoque em cima, temos o nosso depósito em Bonsucesso, onde a gente tem toda a coisa. E temos as nossas, ah, cestas de Natal, isso é importante. Quando eu cheguei, e não era só nós, era o comércio todo, criava as cestas de Natal. E a cesta de Natal era formada por mercadorias que durante o ano saía pouco, mas eles aproveitavam o Natal e botava aquelas - tudo mercadoria boa, naturalmente -, botava aquelas mercadorias. Coisa boa, mas muita gente não comprava porque não conhecia. Então, era mesclada a cesta, aquele cabaz de coisa. E era surpresa, quer dizer, quem comprava a cesta era uma surpresa, não sabia o que estava dentro, quer dizer, só sabia quanto custava. Mas os produtos que estavam eram sempre uma... Não que se fosse enganado, absolutamente, era mais para mercadorias que tinham. As pessoas: “Ah, tem isso, tem aquilo, tem aquilo outro e tal?” Aí eu comecei: “Ah, mas está errado isso.” Aí comecei a botar a relação do que levava cada cesta e a numerar as cestas: cesta número um, número dois, número três. Para o público saber o que estava comprando, não comprar mais nada, assim, no escuro, né? E começou. E nós hoje praticamente somos os pioneiros das cestas de Natal, criamos. A gente hoje chega a vender, o quê, este ano que passou foram umas vinte mil, mas chegou a se vender mais. Umas vinte mil cestas só no fim do ano, né? É muita coisa. A gente hoje faz cestas de todos os tipos, faz cestas até caríssimas, né, mas a gente faz cestas baratas, que começam com preços até menos de seis reais e por aí afora vai crescendo sempre. Catálogos, passei a fazer uns catálogos, a mostrar o que tinha nas cestas: “Papá papapá papapá.” Aí todo mundo começou a imitar, né, mas nós é que iniciamos isso, ninguém teve a ideia de fazer o negócio da cesta. Por quê? Era surpresa, surpresa tem limite, né? Então comecei a transcrever tudo o que estava na cesta e o freguês vinha: “Não, eu quero essa aqui que tem tudo isso, tem esse vinho, tem um queijo e tal.” E ficava contente. E foi aí uma das coisas que a gente, que isso foi obra minha. (riso) Modéstia a parte, posso dizer, né, criamos essa coisa. Depois cada um começava cada catálogo mais bonito do que o outro, todo ano e coisa, foi fotografias de mercadorias, disto e daquilo, formando para saber a composição que tem a cesta. E até fotografava, que é uma coisa que dá certa confiança ao povo, ao consumidor, né?
P/1 - A gente falou a pouco que a cidade sofreu grandes mudanças, mas que o patrimônio histórico tenta manter algumas coisas lá. A Casa Lidador foi tombada pelo Patrimônio Histórico?
R - Não, ali não foi, a Rua da Assembleia não está tombada. É porque logo nós temos um prédio pegado a ela que já é moderno, são cinco andares, já tem elevador. O Lidador é que não tinha. (riso) Três andares era mesmo no buts, né, a gente tinha que subir na escadinha e tal. Mas eu cortei, agora nos fundos tem elevador para todo o prédio.
P/1 - Quantas dependências têm a loja? Térreo, sobreloja, como é que é?
R - Nós temos a loja, primeiro andar e segundo andar. A parte antiga da loja. A outra é que tem, vai até o quinto andar. No quinto está a nossa contabilidade. Quem faz a contabilidade, ah, é independente. A gente aluga, o contador que tem outras escritas, também faz a do Lidador. Então, a gente ligou as duas lojas, fez sobreloja, ou não, porque a loja geral. E primeiro andar estoque, escritórios. Não, primeiro andar só escritórios. E no segundo, terceiro e quarto só estoque, né, aí depois estoque. A gente todo dia vem uma Kombi carregada do depósito lá do Bonsucesso. E as cestas são todas lá em Bonsucesso fabricadas.
P/2 - O depósito é em Bonsucesso?
R - É em Bonsucesso. São os três galpões que você vai botar vinte mil cestas. (riso) E é tudo feito lá, direitinho, então é lá é que sai. A venda é toda aqui, tudo é preparado aqui, mesmo lá nós mantemos um estoque sempre em quantidade. Agora, vinhos, por exemplo, a gente compra quinhentas caixas de vinho, né, porque o vinho está saindo muito, está frio, e gente tem uns preços excepcionais, aí o pessoal. Promoções mesmo. A promoção obriga a baixar o custo de vida. Queira ou não queira é uma coisa importante. Por quê? Dificuldade, crise, então, promoção. E olha, se eu for contar eu devo ter umas duzentas promoções lá, entre bebidas e conservas, né, porque há necessidade disso, há necessidade. Outra coisa: com essas mudanças a gente criou umas lojinhas. Nós temos seis lojas, fora a de lá. Temos uma em Botafogo, onde era Sears, que tem também um barzinho no estilo da casa; tem em Copacabana, na Rua Barata Ribeiro; temos no Leblon uma; temos outra na Barra, lá no shopping da Barra; e temos uma em Itaipava; e tem uma na Tijuca, no shopping e tal. Temos no shopping, são quatro no shopping e duas na coisa.
P/2 - Como vocês conseguem manter a?...
R - Mas como o nome Le Petit Lidador. São lojas menorzinhas. Le Petit Lidador.
P/2 - E o estilo é o mesmo?
R - O mesmo estilo. Tem uns três, quatro funcionários, tem um carro, uma Kombizinha para fazer entregas, que a gente entrega em domicílio, o que é importantíssimo.
P/1 - A organização também procura ser a mesma?
R - É o mesmo estilo. E eles todos os dias se abastecem, eles coisam pelo telefone e vai tudo daqui da matriz. E eles estão mantendo sempre a loja direitinho. Isso porque muita gente não quer vir à cidade, então já estamos nos pontos.
P/1 - Mas são filiais mesmo, não franquias?
R - São umas franquias particulares, de família. Para não ficar filial, a gente botou Le Petit, mudou o nome, Le Petit Lidador, que somos nós mesmos, então criou a franquia. Por exemplo, a minha mulher tem uma, o fulano tem outra, e todo mundo faz assim, cada um tem uma franquia.
P/1 - É um comércio familiar.
R - Mas o Lidador que é o coisa, é o procurador de todas elas, tem plenos poderes para administrar.
P/2 - Quando a loja começou a entregar mercadoria em casa, em domicílio?
R - Isto já foi, tem uns anos longos. Eu fui um dos primeiros até. As primeiras Kombis que apareceram, alemãs, que eram feias que nem um bode, mas eu comprei uma e já começava entregar de Kombi. Porque é um conforto agradável, né? Você vai em coisa, compra um caixa de vinho tinto, tem que carregar, botar no carro. A gente manda levar, né? Uma caixa de vinho são doze garrafas, é meio pesado. E a gente começou a funcionar, fomos umas das casas talvez que primeiro iniciou a entrega em domicílio.
P/1 - Que época, mais ou menos?
R - Ah, eu não sei, deve ter uns quarenta anos, por aí, há muito tempo. Eu tenho fotografias da Kombi. (riso) Era uma Kombi alemã, mas muito feia. E a gente então mantém essas lojas. Em Itaipava também tem um Le Petit Lidador, que é ali na Arcadia, fica lá embaixo, para quem vai para Teresópolis, né, e também está indo bem. E as franquias o cliente gosta porque é mais cômodo: “Ah, tem um Lidador.” O que nós temos lá também tem que ter lá, e se não tem, eles ligam e a gente logo providencia. Não pode deixar de atender o cliente.
P/1 - Pode se comprar pelo telefone?
R - Pode, isso nós temos lá no marketing, ali sempre a pessoa atende, temos uns quatro ou cinco funcionários. Agora deve ter uns quatro, agora, pelo Natal a gente põe uns dez, tem a mesa já preparada ali na sobreloja.
P/1 - Peça pela Internet também?
R - A Internet ainda não está funcionando bem. A Internet no início começaram a brincar muito. Os garotos para a Internet e faziam o pedido, e não era nada daquilo. (riso) Era tudo brincadeira. E ainda não está séria, entendeu? Porque os pais não estão em casa, aí os garotos vão e papapá papapá. Porque a garotada hoje estão para fazer aquilo e ficam imaginando coisas. (riso) Então, a gente deu uma brecadinha, né? Por telefone, no telefone ainda a pessoa fala, ouve a voz: “Mas tem coisa assim, não tem assim? O tipo desse vinho é meio seco, é meio doce?” Você não pode dar essas explicações na Internet, pode? A coisa fica meio fria, meio seca, né? O telefone ainda ajuda mais. Porque o pessoal quer: “Ah, eu queria falar com fulano!” E quer ouvir a voz e coisa, e isso tudo ajuda, né? Ao passo que na Internet é mais para um comunicado, um pedido, quase nada. A gente tem, tem e-mails, tem coisa, tem tudo isso, tem tudo aquilo que é necessário. O site, mais isso, mais aquilo. Quem entende isso é o meu filho, eu não quero saber. (riso)
P/2 - E promoções, propagandas, como que é feito?
R - Ah, nós temos uma empresa que cuida disso, e a gente dá toda orientação. Agora a gente está lançando, vai sair o número dois, uma promoção que a gente vai numerando assim: a cada quinze em quinze dias apresenta um grupo de produtos em preços bem convidativos. Hoje lançamos lá um uísque chamado Ballantines, 47 reais, o preço do custo, é quanto ele custa. Sabe a quanto se vende? A 90 e tantos. Botamos para quebrar, 47 reais. Tem outros. Tem, por exemplo, tem o , que é 51, o Chivas doze anos a 86. Estes três entraram hoje na promoção. Agora, o Ballantines, preço de custo. Porque o Zona Sul botou a 49, a gente botou a 47, empatou. É o custo mesmo. Porque a 49 é custo mesmo. Sabe quanto é que se paga de ICM [Imposto sobre Circulação de Mercadorias] nas bebidas? 25%. É muito dinheiro, isso é que precisava baixar um pouco. Se credita na compra, mas paga pela diferença da venda, aí a coisa é alta, né? E nós pagamos o nosso ICM rigorosamente, não tem conversa, não tem como sair, porque tudo é a nota fiscal, tudo é a notinha fiscal ali. A gente não faz nada, tudo acompanha, a mercadoria acompanha a nota fiscal, tudo certinho, papapá. Agora, está muito, outra coisa que eu até estou meio... Cartão de crédito. Nos apareceram dois trambiques lá, agora recente. Você vê, o pessoal nos dá o número do cartão, faz a compra, a gente liga para o cartão pedindo autorização, né, pede autorização e eles conferem, confirmam. Dá o número e tal, é confirmado. Para a segurança - aliás, eu tive uma discussão com eles - eles deviam nos dar, não dão, o nome e o endereço quando a gente pede. Quando a gente duvida do cliente a gente pede, eles não informam. A gente vai entregar, a pessoa recebe, né, assina a boleta, tudo é clonado, falsificado, olha aí o problema. Tanto é que eu mandei dois casos agora para a polícia por causa disso. Dois cartões que desapareceram. Agora, o cartão tem que ser responsabilizado, porque ele tem que nos ajudar, ele tem que dar. Porque se o cartão nos der o nome, a gente tem o número certo, se der o nome e o endereço, a gente confere se está com o cliente que deu o pedido. Se ele deu outro pedido está havendo cá alguma coisa errada e não manda, não é isso? Mas não, o cartão não ajuda nessa parte, está errado. Isso, até ontem eu falei com o advogado e a gente tem que fazer uma representação de que está errado. Numa fase dessa em que abusam dessa clonagem, dessa coisa toda, tem que ajudar o comércio. E quem é que pode ajudar? O cartão. Se o cartão me der o nome referente ao número e ao endereço, eu confiro se é aquele pedido que está. Porque o número ele já me deu, ele arranjou o número em algum lugar, então a gente vê se confere ou não. E o cartão não está nos dando isso, e isso nos prejudica muito o comércio.
P/2 - Desde quando a loja aceita cartão de crédito, faz muito tempo?
R - Aceitamos tudo, aceitamos todos cartões de crédito, cheques e coisa. Só não gosto muito de cheque pré-datado, entendeu, porque a pessoa pega a mercadoria depois perde, se enrola, ah, é uma confusão. Agora, o cartão de crédito, aceitamos todos eles, e pagam em duas vezes, tudo certinho. Conforme eles nos dão o coisa, o cartão nos facilita: “Não, pode e coisa.” Então a gente também dá duas vezes.
P/1 - Quando o senhor começou a usar cheque e cartão, assim?
R - O cheque já há muito tempo se usa. O cheque antigamente não havia quem se atrevia a soltar um cheque sem fundo, há alguns anos atrás. Agora é que está a coisa meio marota. Mas o cheque tem que ser mesma coisa que dinheiro, né, e tem que moralizar isso. Então, mas é desde que começou toda essa parte, isso é uma coisa que... Agora, a gente tem um certo cuidado, a gente analisa, confirma endereço, vê se está cadastrado, quer dizer, vê todos os meios que a gente pode usar. Agora, só não estou concordando com esse caso do cartão. Temos que ver isso, eles têm que nos ajudar, senão é uma venda que se perde. Pode ser gente boa e a gente vai dizer: “Não, não vou mandar porque só vindo aqui e tal.” E se o sujeito não pode ir lá? Não se pode estar julgando ele com isso, tem que haver mais liberdade nesse aspecto.
P/1 - O senhor falou de cadastro, a loja tem um crediário próprio?
R - Não. O que nós temos, nós faturamos, faturamos para empresas e faturamos para particulares. Temos lá um cadastro que o pessoal que compra paga no final do mês, a gente manda duplicata para o banco, ou paga diretamente. A gente emite duplicata, uma fatura, fecha a conta no fim do mês, emite duplicata e manda ou para o banco ou coisa. Mas é gente já. Mas quando um pede: “Ah, eu queria comprar, faturar e tal.” “Pois não!” A gente faz o cadastro dele, a ficha dele direitinho, tudo em ordem, vê que é tudo certo, abre. É indiferente... tanto pode vender à vista como à crédito. Desde que seja correto tudo, não há o menor problema. A gente tem medo de ser lesado, né, isso é que é desagradável, ninguém gosta. (riso)
(fim do CD 1/2)
P/2 - Conta aqui para a gente os horários de funcionamento atualmente.
R - A gente geralmente está abrindo às nove horas, até às oito. E sábado até às seis. E os shoppings aos domingos abrem, as lojas do shopping abrem aos domingos, não tem problema, que é o sistema do shopping. A gente faz isso. A gente antigamente abria às oito, mas agora com condução e tal, nove horas. Nove horas já é direto até às oito horas. O pessoal lá almoça, tem o horário deles de almoço, cada um tem um grupo, um vai almoçar primeiro que o outro, que é para estar sempre a loja com gente para atender. Nesse aspecto a gente não pode deixar. Nem pode fechar uma loja.
P/1 - E o horário, assim, de maior movimento na loja?
R - Olha, na hora do almoço há um movimento, à tarde, assim, até às seis horas ainda há um certo movimento. Nós entregamos muitas vezes até no mesmo dia. Se o freguês está com pressa a gente entrega. E assim por volta de dez horas, mais ou menos, começa. Onze horas. E vai pingando sempre, tem entra e sai, entra e sai, sempre aquela coisa.
P/1 - Isso variou muito nesses 60 anos?
R - Bom, tem fases que... Agora, por exemplo, nós estamos atravessando no comércio uma crise razoável. E é o que eu digo, o freguês hoje está comprando o que é barato, à procura de produto que esteja em conta, senão não compra. E a situação é essa. E antigamente o negócio já, o pessoal está mais. O dinheiro aparecia mais fácil, a gente comprava e nem perguntava preço, né, pelo telefone. Agora quer saber e quer desconto, hein? E aqueles que vão com dinheiro na mão, aí. De vez em quando vai lá um funcionário meu no escritório: “Freguês está pedindo um desconto e tal.” “Então faça para ele um desconto.” Senão o freguês fica zangado. A gente tem que se adaptar à situação, e a situação é de atenção e não perder nada.
P/1 - E durante o ano existe uma época que?...
P/2 - Natal?
R - Natal. No Natal de fato o movimento é intenso. A gente tem dias que sai dali quase meia-noite, né, para aprontar coisas e mercadorias que o freguês compra. Ele quer ser servido, tem que entregar, tem que preparar tudo. Isso são meses fora do normal, né? O mês que foi agora, que eu pensei que o Dia das Mães era bom, mas. A Páscoa também é razoável.
P/2 - E o dos Namorados agora?
R - Fraco, fraquinho. E o Dia das Mães também foi fraco, funcionou pouco. No comércio o pessoal cedeu mais para os celulares, foi o celular que tomou conta do consumidor. E eu acho justo, é um presente útil. Se o pessoal tiver equilíbrio, não telefonar demais, não tem problema. Agora, se fica papapá. (riso) Aí não vai, aí não dá, né?
P/1 - Seu Joaquim, o senhor pode descrever para a gente como é o logotipo da Casa Lidador, e se os funcionários usam uniforme?
R - O logotipo é exatamente as armas do Lidador, né, com a figura do Lidador, o guerreiro ali de elmo e espada. Olha, está aqui, eu dou um cartãozinho, olha aqui. Deixa que eu tenho aqui um cartão. Que exatamente é o emblema do...
P/1 - E os funcionários usam uniforme?
R - Ah, usam sim. Usam uniforme e usam crachá também, que isso é importante. Hoje tem que adaptar tudo. (PAUSA).
R - Esta que é a logomarca, que é exatamente o escudo e o guerreiro no meio, O Lidador, com o elmo e a espada.
P/1 - E o uniforme segue essas cores azul, vermelho e branco?
R - É, estamos agora fazendo um colete exatamente com essas cores: azul, branco e vermelho. Calça azul-marinho e tal, e o colete fica bonito e tal. O meu filho inventou essa e eu aprovei, está ótimo. Está sendo agora preparado, a qualquer momento vai sair tudo isso.
P/1 - Mas antigamente não se usava uniforme?
R - Não, a gente sempre usou camisa e coisa, agora é que eles vão usar colete, por causa do cracházinho, que fica melhor. A gente já vem há bastante tempo fazendo isso. É, muda a visão da coisa, né?
P/2 - É, vamos pensar agora um pouco nos clientes. Como o senhor observa, assim, a mudança no perfil desde quando o senhor começou a trabalhar até os dias de hoje?
R - Bom, hoje o cliente é mais diverso, é diferente. Antigamente havia aquele cliente que era fiel 100% na casa e só comprava ali. Hoje eles andam querendo ver se tem preço, discute um pouco. Gente mais jovem, né, antigamente tinha gente de mais idade, meia-idade, depois a clientela nossa era toda adulta. Hoje já tem jovens aí. Todos vão, mas gente dos seus trinta anos para cima era o cliente de antigamente. Hoje já tem jovens de dezoito até por aí afora.
P/1 - Mais mulheres, mais homens?
R - É, tem senhoras, tem de tudo, é meio a meio, mais ou menos na metade.
P/2 - E são pessoas que trabalham no Centro?
R - É gente que trabalho no Centro, você vê, que passam lá e vão comprar isso, um bombom, vão comprar uma caixinha disso, uma coisa, umas coisinhas interessantes que cada um gosta. E cavalheiros vão mais para vinhos, né, vinhos, uísque, tal, ver o preço, saber o preço, e vão comprar. Mas tem de tudo. E senhoras também aparecem lá, que vêm à cidade: “Ah, vamos no Lidador e tal.” Isso continua mantendo essa mesma, isso é uma coisa que é uma tradição já. E pelo telefone muita coisa, é o que eu digo, tem sempre uns quatro funcionários só atendendo telefone para atender o pedido de cada domicílio. E quem vai ali também compra, pede para entregar e a gente entrega em casa.
P/1 - E nas franquias, como é que é?
R - É a mesma coisa, mesmo processo.
P/1 - Eles também podem atender o telefone lá, ou tem que ser centralizado?
R - Ah, eles lá atendem, cada casa tem telefone. O cliente: “Olha, eu quero isso assim, assim, assim.” Tem o carro, nós mandamos levar. O sistema das lojinhas é a mesma coisa que O Lidador.
P/2 - Tem algum cliente mais antigo?
R - É, tem ainda lá alguns. (PAUSA)
P/2 - Alguns famosos? O senhor já mencionou alguns aqui, só para registrar.
R - Tem lá gente que passa, mas é diferente. Esses famosos está todo mundo em casa, ligam de casa, não vão lá.
P/2 - Não vão mais?
R - Não.
P/1 - Mas tem o cliente que conhece os vendedores pelo nome?
R - Mudou um pouco, mudou um pouco. No meu tempo, assim, da época que eu era jovem, muitos já pifaram, outros trincados não saem de casa. Ainda ontem eu estava lá na porta e chega um: “Ô Cabral, como é que você está, você está bem?” Aí eu olhei para ele e tentei lembrar quem era, até que me lembrou, depois me lembrou. E estava bem arrumadinho, elegante. Aí eu disse: “Você não pode ficar em casa meu filho, você tem que trabalhar até o final, depois fica doente. Fica em casa fica pensando em uma série de coisas.” E eu dando conselho a ele. “Ah, você tem razão, é isso mesmo, eu saio e vejo uma coisa ou outra e tal!” Isso é curioso. A gente tem que comentar que a pessoa tem que fazer alguma coisa, né?
P/1 - Seu Joaquim, voltando um pouquinho, mas ainda falando de cliente, em relação a, por exemplo, propaganda da Casa Lidador. Vocês anunciam em jornal, revista, TV, como é que é?
R - É, nós anunciamos. Não, na TV não. Estamos anunciando, agora na TV não está. Anunciamos encartes no jornal. Em O Globo, constantemente. Ainda hoje tem um pequeno anúncio. Então, anunciamos também nesses tabloides. E no rádio um pouco, mais para atender uns amigos e tal. Mais é jornal, jornal O Globo, JB, esses jornais, assim, de grande circulação. E estamos usando mais encartes, porque o encarte informa melhor. Você faz um encarte com um grupo de promoções e tal, papapá, e a pessoa guarda aquilo, depois na hora que der tempo vai ver o que lhe interessa. E a gente está usando esse sistema. Mas propaganda não pode parar não.
P/1 - Além disso o senhor investe em, de repente, eventos para conseguir chamar a atenção?
R - Ah, sobre eventos, eventos é o seguinte: eu creio, eu não sei por que, alguém que coisa: “Olha, eu vou te mandar um vinho para você oferecer num coquetel no evento.” Num lançamento de um livro, numa vernissage de pinturas, ou uma exposição de esculturas, essas coisas todas. Então o pessoal começou a procurar-me e digo: “Bom, você vai botar no convite a logomarca do Lidador e eu vou te oferecer o vinho para a festa.” Daí a pessoa diz: “Então, eu mandei tantos convites, mandei mil convites.” “Então você vai ter umas duzentas pessoas.” Eu fico logo fazendo os cálculos. “Vais ganhar duas caixas de vinho.” São vinte e quatro garrafas. “Ah, ótimo e coisa.” E o negócio pegou. Eu estava atendendo mais ou menos dez, doze pessoas por dia, e dei agora uma paradinha. Por enquanto os apoios culturais estão suspensos. Mas se o sujeito vem falar comigo, eu vejo qual é o caso, qual é o assunto. É que estava esticando para outras coisas, para isso, para aquilo, e eu não quero sair muito da parte cultural, que é o mais interessante, né? Então, é um lançamento de livro, é uma vernissage, pintura, escultura, né, umas coisas assim que sejam importantes, eu vou lá e atendo, mas vou filtrando, que é para. Mas tem lá o letreiro que está suspenso.
P/1 - Essa estratégia atraiu clientes?
R - Vem cá, eu acho que é uma coisa simpática, né, cria, assim, para a casa um bom juízo da empresa, que a casa é boa, que a casa ajuda. E de fato faço a coisa espontaneamente, né, muitas vezes até para colaborar junto com o artista. Porque o artista, coitado, fica ali pintando uma coisa, e leva um dia, dois dias para pintar um quadro, e no fim, depois quer vender alguma coisa. Então ele forma coquetel. E também quando eu dou coisas eu digo: “Olha, estou te dando vinho, mas você não dá um banquete não, você compra umas coisas simples, um queijinho, um provolone cortado em cubinhos, uma coisa para ajudar a tomar o vinho, que é uma gentileza que você vai ter.” Que antigamente ninguém dava nada, agora estão pelo menos oferecendo. “E o que é interessante é você vender os quadros.” Porque senão o pessoal vai ver a mesa cheia e o que é bom ele não vende. “Você tem razão, é isso mesmo.” Eu estou orientando também, dando conselhos nesse sentido. Porque o artista pinta, luta, sofre para fazer tudo aquilo, para fazer uma exposição, expor vinte, trinta quadros, depois ainda vai dar um banquete, e no fim ainda não compram nada, não pode. Aí ele faz o preço dentro das possibilidades. E o pessoal vai me agradecer, às vezes mandam um quadro, é uma festa, né? Porque essa ideia veio por qualquer motivo, não sei, eu achei que era interessante. E a gente colabora com essa parte da cultura, que é sempre bom.
P/2 - E a Casa Lidador valoriza muito a tradição dela, né?
R - Sim, naturalmente, isso é importante, tem que manter, o pessoal fica feliz. E depois é o seguinte, também quando o artista põe a logomarca do Lidador apoiando e tal, o pessoal analisa que é uma casa antiga, uma casa boa, sempre dá mais crédito, né? Sim, porque eu não vou atender uma coisa que não presta. Só se eu desconhecer, mas primeiro analiso, vejo o que é, leva o portfólio para eu examinar, ver aquela coisa, às vezes leva até um quadro para eu examinar e tal. Porque eu também apoio aquilo que eu vejo que de fato é bom, porque senão não interessa, né?
P/1 - E o cliente do Lidador é um cliente exigente?
R - Não, todo cliente é exigente desde que você, ele tem que ser bem atendido. E uma das coisas que nós primamos é atender bem o cliente. A gente tem que atender o cliente bem. Eu estou sempre em cima dos meus funcionários: “O cliente é o patrimônio da casa, vocês têm que atender o cliente como deve ser, ser franco, mostrar a mercadoria, ser hábil, não mostrar má vontade, sempre de boa vontade. Por que se o cliente não comprar, o que você vai fazer?” Eu converso sempre com eles assim. Tem que ser gentil, oferecer mercadorias que muitas vezes o cliente não conhece: “Nós temos isso, temos aquilo.” Que é para vender mais etc., e mostrar toda a lealdade e ser franco com o cliente, ser, acima se tudo, claro.
P/1 - Qual é o treinamento dos funcionários do Lidador?
R - Bom, a gente já admite funcionários que já têm prática e depois vai orientando no dia-a-dia. O meu filho de vez em quando reúne todos eles e dá uma série de explicações, tudo isso, e eles vão aprendendo. Porque tem que ensinar a turma, né, se a gente não der duro, sabe como é. Num grupo de dez ou vinte encontra dois que acha que aquilo é brincadeira. Tem que levar a sério. O sujeito entra na casa para atender diante do cliente, tem que levar aquilo a sério, não pode estar ali com isso ou aquilo, né?
P/1 - E o cliente de hoje, ele se diferencia muito de antigamente, ele tem mais pressa para comprar, ele quer entrar e achar o que ele está procurando?
R - É, de fato há mais um pouquinho de... Pouco tempo, o pessoal anda sempre um pouco correndo. Hoje o freguês entra lá e tal: “Ah, estou com pressa!” Às vezes pede: “Ah, anda rápido porque eu tenho coisa e tal.” Aquela coisa. Quer dizer, sai do escritório, passa. E antigamente a vida era mais calma, tudo mais pacato. Nós estamos noutra época, meu filho. (riso) Está aí a evolução das coisas, né?
P/1 - Seu Joaquim, a Lidador tem estacionamento próprio?
R - Não.
P/1 - Como que é o acesso do cliente à loja, como que ele pode chegar na Lidador?
R - Ah, ele tem ou que estar com o carro na garagem, porque ele está no escritório, ele saiu para fazer a compra e tal, ou então vem o chofer, pode encostar ali uma coisa de meia hora, que o guarda ainda deixa ficar, como as Kombis encostar para carregar e descarregar. Agora, tem que ficar dando voltas e vir buscar depois, ali não dá, na cidade onde é que tem? Agora, no shopping tem estacionamento próprio do shopping.
P/1 - E o Metrô ali nas cercanias ajudou a aumentar alguma coisa?
R - Para nós o Metrô não tem. É um transporte fácil, rápido, muita gente tem que usar o Metrô porque ele é econômico, né, e é ligeiro, tudo isso. Mas, assim, na questão de comércio não tem grande influência. Não vejo isso.
P/1 - E a proximidade, por exemplo, da Praça XV, existem clientes de Niterói que o senhor sabe que costumam ir bastante?
R - Sim, a gente também atende cliente de Niterói, até mandamos lá levar, vai pela ponte, vai o carro lá levar, depende do cliente. Muita gente passa ali, compra uma coisa ou outra, porque vai para as barcas, aqueles que vão de barca. Isso sempre tem, aquele freguês de passagem, não tem dúvida. O sujeito vê uma mercadoria barata e coisa, já está entrando, comprando. (riso)
P/1 - Vamos passar para produtos. Qual é o produto carro-chefe da Lidador?
R - O carro-chefe da Lidador são os vinhos e uísques, depois vem as outras coisas. Tem os Vinho do Porto também, que é uma outra seção, Vinho do Porto. Vêm depois os conhaques, vêm os vermutes, vêm todas essas outras bebidas. Mas o coisa é vinhos e uísques.
P/1 - Até hoje?
R - É, ainda o que se vende mais é vinhos e uísques.
P/1 - E qual o senhor acha que é cara do Lidador, o perfil, o produto que é o perfil do Lidador, aquele que o cliente pensa em casa em comprar e sabe que vai ter lá?
R - Não, o perfil do Lidador é que muita gente sabe que o que compra lá é bom: “Não, compra no Lidador porque é bom.” Por isso que eu fico em cima dos funcionários sempre. O cliente sabe que comprou ali, não tem dúvida, a gente procura sempre ser o melhor possível.
P/1 - Algum produto leva a marca Lidador?
R - Não. Eu já tive um uísque com a marca Lidador, mas o pessoal gosta das marcas, assim, conhecidas e tal, tem sujeitos que são muito conservadores, então. Vendeu, mas depois não compensava, deixei de importar.
P/2 - Quais são as principais marcas?
R - De uísques? O uísque que vende é o Ballantines, Johnny Walker, os dois, o Red e o Black, o Chivas, o famoso Grouse, Cutty Sark também está saindo bem. Tem uma série de uísques, tem muito, tem marca lá que não acaba mais. Tem o Grant’s também, é um uísque conhecidíssimo.
P/2 - Tem algum produto que não venda mais, que vendia antigamente, de comida ou de bebida?
R - Eu não me lembro assim de coisa. É para se vender até mais ainda, porque muita coisa vai tomando conhecimento público disso, daquilo, e compra. Por exemplo, veja uma coisa curiosa. Antigamente quase não vendia bacalhau, porque era bacalhau inteiro, numa caixa. Uma vez eu cheguei lá na loja e todo mundo pegava o bacalhau para ver: “Ah, me pesa essa bacalhau.” Então eu cortava, aquilo era uma dificuldade. O que eu fiz? Passei a fazer o bacalhau, cortei o bacalhau, o lombo do bacalhau, né? Do lombo eu faço o lombo, a apara, que é aquilo que sai do lombo, e tem vários preços. Tem lombo de três quilos em diante, é um preço, tem lombo até três quilos, é outro. Tem bacalhau em postas, que é a parte da barriga com o lombo, né, e tem a apara do bacalhau.
P/1 - O senhor que começou a cortar assim?
R - Cortou e começou a vender bacalhau. Porque forma-se o lombo é isso assim. Tira a cauda, corta, a parte de cima, que é o osso também, corta aquilo. Sempre há um desperdício. E depois, a barriga. Esta dá as aparas, que é gostosíssima. Para desfiar aquilo é uma delícia. E agora vende-se bem o bacalhau, está se vendendo: “Ah, eu quero um lombo, um lombo acima de quatro quilos e tal.” “A gente tem, lá tem.” Porque o bacalhau vem de vários tamanhos. E o bacalhau legítimo é o Gadus Mohrua. Porque há vários tipos de bacalhau, Gadus Mohrua é que é o legítimo bacalhau que nós sempre tivemos lá. Completamente, até de paladar é diferente. Depois tem o Macrocephalus, depois tem o Ling. Não, tem o Saithe, o Zarbo e o Ling. Você vê os tipos. Até fiz lá um quadrozinho mostrando os tipos de peixe, que é para a pessoa saber o que é que está comprando. Nós só temos o Gadus Morhua, que é o legítimo bacalhau.
P/1 - O senhor falou das cestas de Natal, que existem produtos que durante o ano não vendem tanto. Existem produtos que só saem em determinadas épocas do ano?
R - Sim, no Natal tem produtos que saem mais. Quer ver, champanhe sai muito, vinhos também sai bastante. E sai aquelas coisas de Natal, aquelas frutas secas, aquilo que é característico do Natal. Fruta seca é uma coisa. Hoje sai castanha, hoje numa cesta de Natal tem que ter castanha, tem que avelãs, as amêndoas, aquelas coisas todas, né? Isso o sujeito quebra aquela, é engraçado. E no Natal se vende a mercadoria que são características do Natal.
P/1 - Mas em relação a essa questão dos produtos serem importados, o senhor chegou aqui em 1942, em plena guerra. Como que era importar produtos numa época de guerra?
R - Havia escassez de alguns produtos, havia, mas sempre chegava aqui algo.
P/1 - Como que era isso, com quem se negociava?
R - Portugal era um país neutro, então, por exemplo, os navios traziam coisas. Vinhos, vinham vinhos de Portugal, da Espanha, da França, porque há um intercâmbio.
P/1 - Ocorreu algum incidente do tipo perder uma carga afundada, alguma coisa assim?
R - Não, assim nunca tivemos esse problema não.
P/1 - Graças a Deus, né? E quem são os fornecedores, quem foram e quem são os fornecedores da Casa O Lidador?
R - Muitos fornecedores acabaram, aqui no Rio. Muitos atacadistas acabaram, casas importantes aí foram fechando por falta de continuação da família, né, é o que dá. O Lidador está aí porque está o pai aqui. Primeiro o tio, o pai, agora filhos e netos. E um deles já casou, qualquer dia ele vai ter um bisneto. (riso)
P/1 - E como que se acondicionavam esses produtos na época que o senhor falou? Em 1942 já tinha uma maneira de conservar melhor, como era essa conservação?
R - Os produtos de conservação eram mais de frigorífico. Aí já tinha um frigorífico nessa altura, a gente guardava a mercadoria no frigorífico, aquilo que era de frigorífico. Porque conserva não precisa, vinhos, bebidas não precisa. Agora, tinha que tratar bem a mercadoria, limpar, arrumar direitinho, estar sempre com um aspecto bonito. E tudo que era, por exemplo, queijos, carnes, presuntos, essas coisas têm que ir tudo para o frigorífico, né, peixes, vai tudo para o frigorífico.
P/1 - Em relação a embalagens, se vendia a granel, por unidade?
R - Embalagens a gente tem, tem embalagens próprias, isso na hora que a pessoa leva já vai tudo embrulhado direitinho. Nessa parte não há problema.
P/2 - O depósito, desde quando vocês têm esse depósito em Bonsucesso?
R - Não, no Centro, o depósito era sempre em cima da loja, nos andares, né, e lá em Bonsucesso o depósito para grandes quantidades já tem há muito tempo também, deve ter uns trinta anos ou mais, deve ter mais, não me lembro mais.
P/2 - No início ficava tudo no Centro mesmo?
R - É, tudo no Centro mesmo, nos andares, a gente usava os andares para a coisa. Porque também comprava-se menos, havia menos, se renovava constantemente.
P/1 - Em relação à questão de embalagens, O Lidador tem uma sacola com logo, tudo direitinho?
R - Ah, nós temos sacolas, tem sacolas todas listradas assim. Sacolas, têm umas caixas também de papelão, próprias. Tem um isopor para botar uma mercadoria congelada, vai no isopor. Isso tem que ter, a parte do acondicionamento tem que estar sempre preparada.
P/1 - E antigamente como é que era, na década de 1940?
R - Mais ou menos a mesma coisa. As sacolas é que é mais recentes.
P/1 - Não existia sacola plástica. Como que era entregue, como que o cliente levava o produto?
R - Era embrulhado direitinho dentro de coisa, fazia umas alcinhas, o pessoal levava os embrulhos, ou ia numa caixazinha quando era quantidade, se preparava. Tudo funcionava bem, né, mas de acordo com a sacola, que é uma coisa mais ou menos recente, não é dessa época. Depois começaram a aparecer as sacolas em papel. A gente primeiro tinha as sacolas em papel, depois é que vieram as de plástico etc. Que a de papel era bem mais bonito, né? (riso)
P/2 - O logo sempre foi o mesmo?
R - Sempre a mesma coisa, sempre aquela figura.
P/1 - A casa embrulha para presente?
R - Ah, isso já é um papel especial, uma fitinha, um lacinho, por exemplo, um selozinho dourado.
P/1 - Existe um funcionário só para isso, ou todos fazem, como é que é?
R - Não, quem está na expedição tem que saber fazer, senão chega lá uma compra, chega na expedição e estão embrulhando direitinho. A compra vai para a expedição, a expedição logo já está preparando.
P/1 - Essa apresentação do produto, essa forma de entregar o produto ajuda, o cliente fica interessado no produto que está melhor embalado, melhor acondicionado?
R – Ah, sim, todo mundo quer o mais bonito, com melhor apresentação, isso é lógico. (riso) Você vai, compara alguma coisa qualquer, aquilo que te agrada mais, né? O cliente é a mesma coisa.
P/1 - No caso da Casa Lidador em especial, era super importante ter esse tipo de atendimento?
R - Ah, isso é uma coisa que a gente mantém desde o início, a gente tem preocupação em apresentar o produto o melhor possível, que é para o cliente sair satisfeito e voltar. Porque se ele sair satisfeito, ele volta. Qual é o prejuízo, né? (riso)
P/1 - E as cestas de Natal têm uma pessoa que faz, monta direitinho?
R - Não, a gente primeiro faz a coisa, planeja tudo certinho, faz os catálogos. E tem que fazer estoque, porque de repente sai uma quantidade maior e não vai fazer na hora. As peças são estocadas, a gente calcula de um ano para outro o movimento e vai fazendo a coisa. E sempre sobra alguma coisa. Sobra umas mais caras, umas mais baratas, depende, não se vende tudo, sempre tem uma sobra. Mas a mercadoria volta para a prateleira porque ela não sofreu alteração nenhuma, ela estava acondicionada ali na coisa. A cesta leva, é tudo empalhado com aquela palha de celofane, aquela palha bonita, ali, tudo direitinho. Não é uma palha comum não.
P/1 - Voltando à questão dos fornecedores aqui, com o passar desses anos, sessenta anos, começou a surgir uma necessidade de procurar novos produtos importados? O senhor sentiu uma mudança, por exemplo, o foco deixa de ser a Europa e passa a ser outro continente?
R - Não, é o seguinte.
(PAUSA)
P/1 - O senhor sentiu a mudança nesses últimos sessenta anos em relação ao mercado que o senhor tem que buscar para conseguir os produtos que a população quer, que o cliente quer?
R - Não, não, é o seguinte: todos os países têm os produtos especiais, sui generis do próprio país, tradicionais, então, tudo aquilo, através de catálogos, isso aquilo, a gente vai vendo. Porque dentro do nosso ramo de comestíveis finos a gente vai vendo o que precisa. “Isto apareceu, tem que ter.” E o público vai tomando conhecimento dessa novidade, o público não adivinha o que está produzindo aqui, ali, acolá. Então, a gente é que tem que ter a preocupação de expor os novos produtos para que o público tome conhecimento.
P/1 - A Lidador cria moda?
R - E a gente procura ter isso sempre exposto, as novidades, para o cliente tomar conhecimento e comprar o melhor. Ele viaja, vê um produto: “Olha, você não tem isso aqui?” A gente: “Não, já está vindo aqui, já temos aqui assim!” Porque o sujeito quando viaja, vai para aqui, para ali, para a Europa, Estados Unidos, outros lugares, ele toma conhecimento, e procura as casas do ramo especializadas para ver se tem o produto.
P/1 - O senhor lembra de alguns exemplos de produtos, assim, que não são tão famosos para o público em geral e na Casa Lidador tem?
R - Como você diz?
P/1 - Uma bebida que poucas pessoas conheçam.
R - É, toda bebida que aparece nós temos lá, tudo que aparecer aí. Que a bebida não tem havido grande diferença daquilo que já existe. Vem agora, parece, essas misturas com isso, com aquilo, com tal, com vodca. Isso é bobagem, né? Mas bebidas clássicas, uísque, vinhos, conhaques, champanhes, licores, portos e vermutes, essa coisa pouco evoluiu, aparece é novas marcas, mas o produto é o mesmo, é o mesmo, não houve alteração. Já está bem explorado tudo. Agora, pode haver uma conserva, uma coisa, uma novidade, mas aí é difícil, está tudo já tão explorado que tudo em matéria de conservas, em matérias de peixes, matéria de carnes, moluscos, tudo já está bem explorado. Não há mais, é aquilo que a natureza dá do modo que nós tomamos conhecimento, que todo mundo sabe.
P/2 - O senhor falou um pouco dos funcionários, como que é a relação de patrão, do senhor com eles?
R - Democrata. (riso)
P/1 - Democrata?
R - Tem que ser.
P/1 - Como que é isso?
R - Eu converso com eles: “Vem cá, você tem que atender e coisa. Olha, você para atender o cliente não é assim, tem que ser mais claro e coisa e tal.” Eu converso com eles como amigos, a gente tem que ser. “Agradecer ao cliente quando sai, fazer isso, fazer aquilo.” Eu ensino os detalhes que é necessário, que a pessoa gosta de receber claramente. Muitos não entendem, uns são meio crus, né, que a gente tem que esclarecer. E eles: “Ah, obrigado, bababá, bababá.”
P/2 - Tem muito funcionário antigo?
R - Temos, ainda temos lá alguns antigos, ainda temos. Deve ter lá funcionários da fundação. Mas foram morrendo, outros aposentaram, não quiseram mais trabalhar. Eu digo: “É bobagem, rapaz, trabalha, não deixa de trabalhar!” “Ah, eu estou meio cansado.” “Tá bom!” Mas a gente tem lá de dez a quinze, tenho alguns que deve ter uns vinte anos, né?
P/1 - E a família? A casa tem uma tradição familiar muito forte. E entre os funcionários que são da família também, que vieram de Portugal, depois chegaram mais gente?
R - Hoje já não vem mais gente, hoje o português não imigra mais, isso foi em outras fases, hoje já é difícil, portugueses mesmos só as pessoas antigas. Difícil mesmo. O pessoal vem aqui do Norte e coisa, daqui mesmo, pessoal que gostas de trabalhar e são bem habilidosos. O brasileiro é muito habilidoso, muito hábil, ele tem, ele sabe conversar.
P/1 - Há casos, de repente, do funcionário ter um filho que trabalha também na loja?
R - Por acaso tem lá um filho de um ex-funcionário meu, que está aposentado e o filho trabalha lá. (riso)
P/1 - E quando ele era criança frequentava a loja do senhor, o senhor lembra dele?
R - Eu não me lembro disso, mas devia acontecer isso. Ele hoje trabalha lá.
P/1 - Seu Joaquim, voltando a questão agora também aqui de formas pagamento e tudo mais, como é que foi, com tantas mudanças de moeda, a gente até chegou a falar disso aqui, como é que a Lidador lidava com tantas mudanças de moeda, variações cambiais?
R - Isso é fácil, isso é uma questão que o governo estipula as coisas e todo mundo obedece, né? Mudança de moeda, sobe, trocar as coisas, as siglas e vai. O Real, quando foi a mudança do Real também houve uma certa retração. Agora já está tudo habituado a isso, o pessoal já se habituou facilmente. O próprio público é que mesmo já condiciona a coisa.
P/2 - E com a alta do Dólar vocês também sofrem muita influência, né?
R - O Dólar, houve aquela alta do Dólar, e muitos importados naquela fase naturalmente ficam mais caros. Mas está abaixando, o Dólar já está a R$ 2,80, e vai a R$ 2,70. Eu já previ isso em dezembro, vai cair o Dólar, tem que cair. O Euro é que está aumentando, isso é que é ruim, porque muita coisa vem da Europa e tal. Eles têm que baixar o produto senão também não se compra. O francês, o espanhol, o português e tal, ele tem que baixar o produto. Se o Euro sobe, aí a gente vai pagar caro, então eles têm que baixar o produto para vender mais. Senão, onde é que nós estamos, né? Em vez de deflacionar, vai inflacionar? Isso tem que melhorar. As coisas estão se ajustando, nós estamos com um governo muito bom, o Lula, eu estou gostando muito dele, eu votei nele. Eu era Ciro, depois acabei votando no Lula. E ele está muito equilibrado, muito equilibrado. Você vê que é um homem inteligente, ele não é nenhum doutor nisso, naquilo, mas ele fala com muita segurança. O importante é ser equilibrado na coisa. Você vê que ele está indo em todos os pontos necessários. E formou um ministério, não é conhecido, mas é um ministério bom. Aí é a questão, aí é o valor do homem. Que mais?
P/1 - Seu Joaquim, e nesses sessenta anos quais foram as maiores dificuldades que o senhor acha que a Casa Lidador passou?
R - As nossas dificuldades são iguais as de todas, nós não somos mais do que os outros, a gente sofre os problemas da fase que se vai passando. Por exemplo, agora estamos passando certos problemas, crises, temos que ir ao encontro, baixar mercadoria, reduzir os custos, né? O pior é que os bancos não baixam os juros e a gente tem que recorrer ao banco, né, esse é que é o problema. São problemas que se criam na empresa. E a gente tem usar os meios para poder sobreviver. A gente tem que, por exemplo, crise, as vendas baixam, as despesas são as mesmas, mas pode cortar. Você não pode mandar gente embora numa fase dessa, é um desastre, tem que segurar o pessoal. Para segurar tem que recorrer ao banco, aí você sabe como é. (riso)
P/2 - É complicado. E a sua família atualmente, você tem dois filhos?
R - Dois filhos e quatro netos.
P/1 - O nome deles, poderia falar?
R - O Vitor é o mais velho, o Fernando a seguir, e os netos é Rafael e Bernardo, filhos do Vitor, e do Fernando é Gabrielita e o Nanito, o apelido, mas é Fernando. Estes são os músicos, e os outros do Vitor trabalham na loja, que fiscalizam as lojas Petit Lidador. Vão nas lojas, veem o que é que precisa, o que precisa comprar e tal e nos comunica. Estão sempre em contato com o pai que é o Vitor, né?
P/1 - O que o senhor acha dessa participação deles lá?
R - É fantástico demais, eles gostam, adoram isso. Isso é que é bonito, a família participar de uma coisa que foi fundada com todo carinho, né, porque assim a família vai continuar e a loja vai se fixando cada vez mais através do tempo.
P/1 - Seria um diferencial da Lidador em relação aos outros?
R - É uma das coisas, eu acho, que isso é importante, a continuação.
P/1 - Algum outro exemplo de loja que o senhor conheça que tem uma tradição assim forte da família?
R - É, está acabando, tem poucas aí, hein, tem muito poucas, em outros ramos mesmo. Tem algumas, naturalmente, mas tem poucas. Como eu disse, a maior parte fecharam.
P/1 - E o senhor Joaquim como consumidor, como é que o senhor Joaquim consome, é exigente, o que gosta de consumir?
R - Olha, eu, à medida que a idade vem vindo, a gente tem que moderar. Eu gosto de tomar um uisquezinho, um licorzinho, agora já diminuí isso, só uma vez ou outra. Eu gostava de tomar um vinho assim à refeição, agora também tomo de vez em quando. O negócio tem que se de acordo com o físico, com a nossa saúde, a nossa situação de saúde etc. Porque o organismo não reage como reagia antigamente. E hoje sou um pouco moderado, tudo o que eu faço é moderado. Sempre um (biribão?). (riso)
P/1 - Onde o senhor gosta de fazer compras, no Centro mesmo?
R - É, quando eu preciso alguma coisa faço uma compra, mas eu até no momento não estou comprando quase nada. Quando eu tenho que comprar um sapato ou uma bota que está coisa, já vou no meu conhecido: “Ô fulano, e tem e tal e coisa, número tal?” Ele já sabe.
P/1 - Procura uma casa de tradição também?
R - É, que já conheço, é muito mais prático. Existe a casa ou o vendedor que foi da casa, eu procuro esse vendedor. Se você já familiarizado com ele é melhor.
P/1 - E hoje, o que seria o roteiro de casas tradicionais no Centro da cidade para o senhor, o senhor lembraria, assim, da região da Rua da Carioca, da Rua da Assembleia, mais ou menos?
R - Na Carioca tem, ainda tem umas casas, tem ali o Bar Flora, que ainda existe, que é antiga. Tem casas ali que eu não tenho, assim, muita, conheço, mas não estou, assim, muito ligado a eles, conheço só de ver, de passagem, mas ligação assim não tenho muito. A gente se dedica mais ao nosso comércio, vive para aquilo. Quando quero vou comprar uma camisa, preciso disso, daquilo, umas gravatas e tal a gente... E quando viajo também eu aproveito, né, que é interessante.
P/1 - E como o senhor usa suas horas de lazer, como é que é?
R - Eu tenho um ranchozinho aqui na Parada Modelo, quem vai para Friburgo, no quilômetro três e meio, quando eu posso vou até lá. Tenho lá coisas, tenho o caseiro que toma conta da casa. Mas eu saio dali da loja ás nove horas da noite, todo dia, não dá para muita coisa.
P/2 - Só no domingo?
R - No domingo não. No domingo às vezes vou até lá, às vezes fico em casa. Eu moro ali em frente ao iate, ali na Avenida Pasteur. Vou almoçar no iate, depois volto. Uma vida pacata, não tem grandes. À noite não estou saindo no momento.
P/1 - E as missas de domingo de manhã?
R - De vez em quando eu vou, mas ali na Praia de Botafogo, Nossa Senhora da Imaculada Conceição, que é ali ao lado de um colégio que tem, que a gente dá a volta, tem uma torre. Ali eu vou de vez em quando. Mas sou católico, sou incapaz de sair de casa sem fazer a minha oração. Isso eu não faço, isso é uma coisa que vem comigo desde que me conheço. (riso) Como é que eu vou deixar isso, não pode, não ocupa espaço, nem tempo, é tão rápido.
P/1 - Seu Joaquim, queria agradecer a presença do senhor aqui, essa contribuição que o senhor está dando para esse projeto.
R - Muito bem.
P/1 - Eu queria perguntar para o senhor só o que o senhor pudesse mudar na sua vida, o que mudaria, e que o senhor achou de participar desse Projeto de Memória do Comércio do Rio de Janeiro?
R - Acho que isso é sempre válido, é importante. Porque fica, é bom para informar os jovens de hoje, o que é o comércio, como é a vida anterior. Porque afinal de contas a pessoa tem que seguir uma linha reta, né, e nada mais. Respeitar o seu próximo, levar uma linha reta nas suas maneiras de ser e de viver, né, porque esse negócio de querer enganar ‘A’, ‘B’ e ‘C’, isso não leva a nada. Eu acho que a pessoa olhando para a frente e respeitando sempre o próximo, e ser atencioso com todo mundo. Eu sou um camarada, olha, eu não sou capaz de soltar um palavrão - é engraçado -, eu não sou capaz de maltratar ninguém, não tenho jeito para isso. Eu sempre segui uma coisa, uma linha reta e sou amigo. Quando eu posso eu ajudo, quando não posso, paciência. E vou fazendo as coisas assim nessa base. E levo uma vida tranquila, feliz. Durmo bem, né, que é importante a gente ter um sonho tranquilo. E andando bem com Deus, e vivo em paz, que o mais importante, não é isso?
P/1 - Legal.
P/2 - Ótimo. Muito obrigada.
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