Uma ocasião da qual sempre me lembro foi aquela à época da faculdade de Letras, em que, sentindo a necessidade de viver aquela experiência para além da sala de aula, alguns colegas e eu resolvemos nos envolver com o movimento estudantil e também criar um jornal literário.
Sempre fomos estimulados por alguns professores a nos “politizarmos”, sobretudo fazendo voz contra o grupo político da atual reitoria e seus desarranjos na administração da instituição e sabotagens aos cursos de humanas. Sempre nos informavam a respeito das instâncias administrativas da faculdade em que seria possível, como alunos, termos representantes com voz e voto.
Pois bem, criamos o primeiro centro acadêmico do curso, e também um jornal em que alunos poderiam publicar suas criações literárias, resenhas e artigos. Não contávamos, porém, com a repercussão que a primeira edição teria.
Decidimos que o jornal deveria também ter algum cunho político, então criamos uma coluna de um personagem fictício que fizesse as vezes do nosso editorial. Assim nasceu Jean Eparlepah Français, cujo nome fazia uma alusão sonora à frase “eu não falo francês” que era, na verdade, uma crítica à tradicional falta de aulas na disciplina de língua francesa, do próprio curso.
O personagem e seu primeiro texto, de um escracho “macunaímico”, que atirava para vários lados, traçando um panorama geral dos problemas que seriam aprofundados nas próximas edições, incluindo a falta de aulas de francês, caiu como uma bomba entre os professores. Eles esperavam que os alunos esbravejassem apenas contra a reitoria, sendo eco de suas reivindicações. Jamais pensaram que criticássemos o próprio curso e tornássemos público um dos seus principais problemas – os dois primeiros anos de francês eram praticamente nulos, pois a professora quase nunca ia, sempre de licença médica, isso era uma situação que se arrastava por algumas gerações de formandos.
Vivemos ali...
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Uma ocasião da qual sempre me lembro foi aquela à época da faculdade de Letras, em que, sentindo a necessidade de viver aquela experiência para além da sala de aula, alguns colegas e eu resolvemos nos envolver com o movimento estudantil e também criar um jornal literário.
Sempre fomos estimulados por alguns professores a nos “politizarmos”, sobretudo fazendo voz contra o grupo político da atual reitoria e seus desarranjos na administração da instituição e sabotagens aos cursos de humanas. Sempre nos informavam a respeito das instâncias administrativas da faculdade em que seria possível, como alunos, termos representantes com voz e voto.
Pois bem, criamos o primeiro centro acadêmico do curso, e também um jornal em que alunos poderiam publicar suas criações literárias, resenhas e artigos. Não contávamos, porém, com a repercussão que a primeira edição teria.
Decidimos que o jornal deveria também ter algum cunho político, então criamos uma coluna de um personagem fictício que fizesse as vezes do nosso editorial. Assim nasceu Jean Eparlepah Français, cujo nome fazia uma alusão sonora à frase “eu não falo francês” que era, na verdade, uma crítica à tradicional falta de aulas na disciplina de língua francesa, do próprio curso.
O personagem e seu primeiro texto, de um escracho “macunaímico”, que atirava para vários lados, traçando um panorama geral dos problemas que seriam aprofundados nas próximas edições, incluindo a falta de aulas de francês, caiu como uma bomba entre os professores. Eles esperavam que os alunos esbravejassem apenas contra a reitoria, sendo eco de suas reivindicações. Jamais pensaram que criticássemos o próprio curso e tornássemos público um dos seus principais problemas – os dois primeiros anos de francês eram praticamente nulos, pois a professora quase nunca ia, sempre de licença médica, isso era uma situação que se arrastava por algumas gerações de formandos.
Vivemos ali nossa primeira experiência de conflito político. Um grupo de professores chegou a fazer uma carta aberta, de teor bem agressivo, criticando o centro acadêmico e o jornal, e distribuiu essa carta às classes e ainda deu aos alunos alguns minutos para que lessem. A carta questionava por que escondíamos nossas críticas por trás de um personagem, ainda que o nome dos responsáveis pelo jornal estivesse exposto na primeira página. Debochavam dizendo que tínhamos medo da tortura, de termos nossas unhas arrancadas como na época da ditadura e pediam um nome. Apenas um nome.
Fizemos uma carta-resposta, distribuímos centenas de cópias, rebatemos cada argumento, assumimos coletivamente a autoria do texto, assinamos a carta e reiteramos nossas críticas, além de questionar por que aqueles professores queriam um nome, e não vários. Quais as intenções? Na segunda edição do jornal, fomos mais diretos, esquecemos dos outros problemas da faculdade e nos focamos nas críticas internas do curso, sobretudo sobre aulas de francês.
A discórdia estava feita. Havia uma racha que só aumentou. Uma das professoras concorreu ao cargo de diretora e não teve nosso apoio direto. Aprendemos que a politização do aluno é boa quando é útil, parcial, quando atende a alguns interesses apenas. Fomos enxergando como é que funcionavam as coisas, um aprendizado para a vida. À insistência em saber um nome, em saber quem era o colunista, demos a nossa resposta definitiva. Dezenas de camisetas distribuídas aos alunos com a frase “Eu sou o Jean”.
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