P1 – Boa noite, Yarui! Tudo bem?
R – Boa noite! Tudo bem e você?
P1 – Tudo ótimo. Então, a gente vai começar com a pergunta mais simples: eu vou pedir para você falar para a gente o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Ok, o meu nome é Yarui, eu sei que a pronúncia é mais difícil para os brasileiros, o que é certo é Yarui, mas eu aceito Yarui e também tem o nome português, nome brasileiro, Yara. Eu sou nascida dia 22 de abril de 1991 e a cidade onde eu nasci se chama Xinzhou, é uma cidade muito pequena que fica na província de Hubei, que fica quase na central da China, uma província no centro da China.
P1 – Certo. E qual o nome dos seus pais, Yarui?
R – O nome do meu pai é ________ e minha mãe é _____.
P1 – Você tem irmãos?
R – Não, eu sou filha única.
P1 – Certo. E qual a atividade dos seus pais?
R – Os meus pais, ambos meus pais são professores, a minha mãe é professora de inglês, literatura inglesa, numa faculdade que se chama Hubei. E meu pai é professor de educação física, também da mesma faculdade, universidade.
P1 – E vamos começar a falar um pouquinho, então, sobre a sua infância. Nesse período que você passou na sua cidade natal - você disse que ainda criança você acabou se mudando para Wuhan - você tem alguma lembrança desses primeiros anos?
R – Sim, a cidade onde eu nasci, eu entendo que, na verdade, só é uma cidade onde meus avós moram. Então, eu fui nascida lá, mas acho que mais, depois de alguns meses juntos com meus pais, a gente foi para uma outra cidade, porque meus pais trabalham na outra cidade, uma cidade pouquinho maior que Xinzhou. Então, eu cresci, até eu tinha seis ou sete anos, nessa segunda cidade se chama Jingzhou e depois, com sete anos, que eu tinha, mudamos para o Wuhan, que é a cidade capital da província de Hubei. Então, minha memória na minha infância, vamos dizer...
Continuar leituraP1 – Boa noite, Yarui! Tudo bem?
R – Boa noite! Tudo bem e você?
P1 – Tudo ótimo. Então, a gente vai começar com a pergunta mais simples: eu vou pedir para você falar para a gente o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Ok, o meu nome é Yarui, eu sei que a pronúncia é mais difícil para os brasileiros, o que é certo é Yarui, mas eu aceito Yarui e também tem o nome português, nome brasileiro, Yara. Eu sou nascida dia 22 de abril de 1991 e a cidade onde eu nasci se chama Xinzhou, é uma cidade muito pequena que fica na província de Hubei, que fica quase na central da China, uma província no centro da China.
P1 – Certo. E qual o nome dos seus pais, Yarui?
R – O nome do meu pai é ________ e minha mãe é _____.
P1 – Você tem irmãos?
R – Não, eu sou filha única.
P1 – Certo. E qual a atividade dos seus pais?
R – Os meus pais, ambos meus pais são professores, a minha mãe é professora de inglês, literatura inglesa, numa faculdade que se chama Hubei. E meu pai é professor de educação física, também da mesma faculdade, universidade.
P1 – E vamos começar a falar um pouquinho, então, sobre a sua infância. Nesse período que você passou na sua cidade natal - você disse que ainda criança você acabou se mudando para Wuhan - você tem alguma lembrança desses primeiros anos?
R – Sim, a cidade onde eu nasci, eu entendo que, na verdade, só é uma cidade onde meus avós moram. Então, eu fui nascida lá, mas acho que mais, depois de alguns meses juntos com meus pais, a gente foi para uma outra cidade, porque meus pais trabalham na outra cidade, uma cidade pouquinho maior que Xinzhou. Então, eu cresci, até eu tinha seis ou sete anos, nessa segunda cidade se chama Jingzhou e depois, com sete anos, que eu tinha, mudamos para o Wuhan, que é a cidade capital da província de Hubei. Então, minha memória na minha infância, vamos dizer assim, até uns dez anos era principalmente eu morando onde os meus pais trabalham, que sempre foi faculdade, colégio, assim, universidade. E cresci muito no sentido de comunidade, porque na China a gente tem uma atmosfera, um jeito, esquema de viver em conjunto diferente daqui do Brasil. Porque, se for condomínio, que eu também morei sempre em condomínio, mas os vizinhos todos se conhecem e tem uma sensação de como se fosse uma aldeia pequena, que todo mundo se conhece, de vez em quando passa no seu vizinho para comer, jantar, almoçar e também é muito comum que onde que os meus pais trabalham, fica no mesmo quadrado do terreno de onde existe os condomínios, quase como se fosse uns dormitórios de pessoas que trabalham naquela faculdade. Então, a minha infância sempre foi passar tempo com as crianças, os colegas e os meus pais. E a minha mãe e o meu pai, quando eu era muito pequena, começaram a fazer mestrado. Então, eles combinaram que... ainda até hoje eu não tenho muita certeza, mas, assim, eu acho que a minha mãe começou a fazer mestrado quando eu tinha uns quatro anos, cinco anos e o meu pai fez um mestrado quando eu tinha uns dois anos ou, sei lá, não tenho certeza, enfim, mais ou menos assim. (risos)
P1 – E dessa infância, então, em Wuhan, ali nos arredores da universidade, quais eram as brincadeiras favoritas que você tinha? Que lembranças você tem, de convivência com as crianças, o que você gostava de fazer?
R – É uma pergunta muito interessante. Acho que isso realmente é como que eu relatei, que essa sensação que como se fosse um condomínio fechado, só que todo mundo se conhece. Então, como meus pais eram professores, eles sempre davam aulas durante o dia, eu tive que brincar primeiro com meus amigos e a maioria do tempo sozinha. E o jogo, talvez, que eu lembro era aquele clássico, eu não sei como falar em português, em inglês é “hide and seek” (esconde-esconde), que você esconde em um lugarzinho e aí a sua amiga te busca. E a minha mãe contou que eu tive uma melhor amiga da infância que, na época, a gente morava no quinto andar e a gente começou a fazer esse mesmo jogo repetitivo, que cada vez já sabe e uma outra amiga esconde, mas, assim, a gente começou se escondendo do quinto andar, do quarto andar, do terceiro andar e para os adultos não faz sentido, tipo, a gente já sabe e só queria ensaiar, assim. E também teve aqueles jardins que parecem paisagem, na faculdade, que tinha uma piscina pequena, mas eu acho que não é piscina, eu não sei como falar em português, mas em inglês é ______ (07:17) tipo: teve uma montanha falsa, aqueles jardins asiáticos para as pessoas passearem e também uns dos lugares que eu frequento bastante. E eu acho que é isso. Também sempre eu brincava com os meus amigos, talvez também uma reunião dos pais também, da minha amiga, tipo: meus parentes reúnem com os parentes dessa amiga e eles, sei lá, fazem alguns jogos juntos, a princípio eu lembro que é Mahjong, que é muito popular. Então, os adultos brincam e jogam Mahjong juntos e as crianças ficam lá jogando, assim, brincando.
P1 – E você gostava de ouvir histórias, quando você era criança? Alguém te contava histórias?
R – Gostava, sim, principalmente porque até hoje, a gente, tirando os meus pais, quando eu também, a gente também tem o contato com os colegas que os meus pais com quem eles trabalharam, também os amigos de infâncias que eu cresci e passei esses tipos de dias de jogo juntos. Então, toda vez a gente [se] reúne, eles sempre trazem esse tipo de histórias, que lembra que: “A Yarui era pequenininha, ela era muito magra”. Eles gostam de comentar os passados, as histórias. Ah, lembra que a filha dela... a minha filha sempre gosta muito de chorar. Então, a gente tem um nome, “nickname” (apelido), para a menina que era minha amiga e que chorava muito. Então, assim, eles gostam e também gosto de escutar tudo isso também, é divertido.
P1 – Yarui, você tinha algum sonho de infância? Algo que você pensasse em ser, quando você crescesse?
R – Eu acho que é uma pergunta interessante e também é difícil, porque acho que eu não tenho memória de que eu tive um sonho muito forte de querer ser, assim, eu querer um dia ter alguma coisa ou virar alguém, muito pouco. E também, eu nunca fui uma criança que curti muito os animes, os “cartoons”. Como se fala “cartoons”?
P1 – Desenhos animados.
R – Sim, desenhos animados. Eu acho que a minha mãe e meu pai, principalmente a minha mãe, curtia mais que eu saía da casa para brincar lá fora ao invés de, assim, ficar dentro do quarto, em casa. Então, toda vez que elas conseguem, elas sempre me levam lá fora nos parques, nos jardins. Então, quando era muito, muito na infância, que não era na adolescência, que já acho que é uma outra história, eu não tive muita leitura, ou sei lá, escola, esse tipo de memória. Mesmo que eu frequentava a escola, eu acho que eu praticava dança e tudo mais, mas eu não tenho essa consciência tão certa de qual seria meu sonho.
P1 – E, falando em escola, quais lembranças que você tem, dos seus primeiros anos de escola? Você tinha alguma matéria que você gostasse, alguma coisa que você se lembra até hoje, algum professor que marcou?
R – Sim, quando eu frequentava a minha primeira escola, que eu acho que a escola, até... como se diz? Pré-primária, antes de você entrar no “primary school”. Na verdade, na minha infância toda eu era muito magra, ainda estou, mas eu era muito mais magra e todo mundo... porque o meu pai é gordo, então, todo mundo que vejo na família sempre fala: “Nossa, o pai comeu tudo, todas as comidas da casa”. (risos) Porque eu nunca fiquei gordinha, sabe? Tipo: igual as criancinhas. E meus pais sempre falam que eu odiava comer qualquer coisa, nem... não sei dá para falar, mas é besteira, aquelas coisas que não são tão saudáveis, que as crianças gostam: balas e tal e dando também as refeições normais. Então, quando eu frequentava essa escola, eu tinha uma memória que eu tive dificuldade de comer lá, porque eu não quis comer de jeito nenhum, não consegui tirar soneca, que lá na China todo mundo tira, depois do almoço, por volta de uma hora, duas horas e tal. E aí eu só lembro que eu fiz aula de dança, que aparentemente eu era boa, também não lembro muito, mas teve as fotos daqueles shows, sabe? Show de final do ano, de festa, que os professores ensinavam as crianças e aí teve as fotos que eu acho que foram os amigos dos meus pais que tiraram, até meus pais que tiraram. Eu era a única pessoa, criança desanimada, no meio das muitas crianças, tentando dormir, ficando _______ [13:18], quando todas as outras crianças estavam fazendo isso, mas acho que é mais ou menos isso. Até eu ter sete anos, e depois porque, assim, como que eu tive essas mudanças para várias cidades, principalmente de Xinzhou até Wuhan, então, quando você fala de infância, eu naturalmente relato sempre aquela parte diante de sete anos, que mudamos para Wuhan. E mudamos para o Wuhan e não mudou muito o ambiente e ainda é uma faculdade que eu morava, mas uma faculdade bem maior. E eu lembro que meus pais começaram a incentivar muito, porque eles ficam fazendo exercício físico, esporte, eles ficavam muito preocupados que eu não comia, que eu não tinha apetite, eles tinham muitas preocupações que eu sou ______ (14:15), que não cresce correto e tal. Então, comecei a praticar Wushu que, como que o meu pai é professor físico e ele tem muitas dessas facilidades, ele sempre tem um colega que ensina basquete, tem um colega que ensina natação, tem um outro colega que ensina Wushu. Então, comecei a praticar Wushu com um dos colegas do meu pai, sim.
P1 – E conta para gente o que é Wushu?
R – Wushu é uma arte marcial, “Martial Arts”, que é o Kung Fu. Desculpa, que é assim que realmente é o nome mais conhecido pelo mundo ocidental, que é Kung Fu. Então, praticava Kung Fu desde que eu tive sete anos e mesmo que tudo mundo no mundo ocidental conhece Kung Fu pelos filmes, que tem essas ações muito fantásticas, cinemáticos, muito bom de assistir, quando você pratica e pratica do básico, não tem nada daquilo que você viu nos filmes: eram muitas práticas que tem a ver com a flexibilidade, que você faz muitos alongamentos, todos os dias e teve muitas ações repetitivas, que você faz um ”kick” (chute), né? Não sei como fala “kick”, mas é tipo: as pernas ficam altas. E aí acho que depois de praticar uns dois, três anos, o meu professor começou introduzir um “stick”, que é uma das ferramentas que o Kung Fu usa, que tem a “sword” (espada), não sei como falar ”sword”. E tem outras coisas, mas era mais ou menos assim. E a ideia era que os meus pais querem que eu fique lá fora, fazendo movimento e sentido fome, porque eu gastei energia assim. (risos)
P1 – E, tirando os esportes, nessa época, depois dos sete anos de idade, tinha alguma matéria que você gostava de estudar, na escola?
R – Teve. Eu era sempre boazinha na escola. Quer dizer: não tenho vergonha de dizer ‘sim’ e também não tenho muito orgulho de dizer ‘sim’ também. (risos) Mas eu era sempre boazinha na escola, eu fazia muito bem, tanto em chinês, também matemática e a minha escola começou a ensinar inglês depois que a gente teve uns dez, onze anos. Então, o foco, nos primeiros quatro, três anos na escola era chinês e matemática e alguma coisa sobre ética, de: “Ah, tem que respeitar os idosos, tem que compartilhar as coisas”. Coisas assim, mais básicas, que eu não sei como funciona aqui no Brasil. Então, a gente tem o chinês, que a gente começou a aprender todos os desenhos, a metodologia de como é escrever o Pinyin, que são as letras, de ajudar como pronunciar. Por exemplo: meu nome que eu escrevi aqui é o meu nome em Pinyin, que não é de chinês, chinês a gente usa ideogramas, né? Que aí, infelizmente, não dá para tentar pronunciar, porque [eu] não conhecia ideogramas. Então, eram os primeiros três, quatro anos, focando em chinês, em matemática. Eu não sei se eu curti estudar isso, inclusive, eu acho que eu lembro que eu sofri muito em estudar chinês, porque não era fácil não, teve muitas complexidades com o sistema de ajudar a pronunciar, que são aquelas dificuldades também que eu entendo que os estrangeiros, quando aprendem chinês, é muito difícil para eles acertarem as pronunciações, porque parece um canto. Tem tons diferentes, a boca às vezes dá diferença muito sutil, porém significam outra coisa. Então, sofri aprendendo chinês. Eu lembro que a minha mãe me criticou muito, não é que criticou, mas esforçou: “Você tem que estudar, filha”. É muito típico os “parentes rule”, os parentes chineses fazendo isso, porque a explicação da cultura chinesa é muito importante. Mas eu sempre gostava de praticar esporte. Então, eu acho que a aula de educação física era, talvez, um dos meus favoritos, porque eu podia sair da sala e curtia muito fazer, não sei como... “jump rope”...
P1 – Pular corda.
R – Pula corda, sim, e eu era do time especial da escola de pular cordas, porque eu pulava muito bem e tal. E acho que é isso. Mas depois talvez eu comecei a curtir mais com inglês também, porque minha mãe também, como que ela é professora de inglês, começou usar um método, que é um método que ela acredita que ajuda mais incentivar, que me introduziu os [filmes da] Disney: o “Lion King”, Rei Leão, “Beauty And The Beast”, Bela e... se fala em português: a Fera, essas coisas assim. E eu acho que é isso a minha memória da escola infantil.
P1 – E, avançando um pouco mais na sua vida escolar, chegando na sua adolescência, o que mudou para você? Você chegou a mudar de escola também?
R – Então, quando eu, a partir de sete anos, comecei a morar em Wuhan e assim, desde então, me considero que não teve muitas diferenças grandes, desde a minha infância até a adolescência, era bem estável mesmo, até porque o trabalho dos meus pais, que eles não precisam viajar, fazer “business trip” (viagem de trabalho), era sempre uma casa que todo dia que eu almoçava com meus pais, de andar com os meus pais, meu pai sempre cozinhava em casa, eu cresci em um sentido que a presença, nesta casa, para os meus pais era muito predominante, assim. Então, mudanças... a China funciona assim: antes de você ter sete anos são aquelas escolas pré escolares, mesmo, assim. E aí, a partir de sete anos, até dezesseis anos, é ______ (22:09) obrigatória e gratuita. Então, era sempre só ter opções de escola públicas, meus pais me põem na escola mais perto de casa. E, a partir de que eu tive doze anos, que eu me formei na “primary school” (ensino fundamental I), aí precisei entrar no “middle school” (ensino fundamental II), que eu não sei se é ensino médio aqui no Brasil, mas eu acho que sim, ensino médio. Então, durante o meu ensino médio, teve, assim, acho que de doze anos até dezesseis anos, acho que comecei a adolescência. Aí sim teve as mudanças que eu acho que é uma das mudanças que marcam na minha vida, com certeza. Então, quando eu tive doze anos, eu entrei em uma escola de ensino médio, que é mais fácil para eu entrar, porque fica perto de casa. E aí, logo depois, por causa da competição da China, agitação é muito intensa, muito forte e, como que meus pais são professores, eles sempre querem me pôr na escola melhor, especialmente quando vou estar me aproximando da idade de frequentar faculdade, dezoito anos. Então, a ideia é preparar os filhos ao máximo que eles puderem, para entrarem em uma faculdade boa. E aí, então, depois acho que um ano ou meio ano eu fiquei nessa, ensino médio nessa escola, os meus pais tentaram me pôr em um ensino médio mais famoso daquele bairro, mas o bairro na China, o bairro de Wuhan é muito maior do que um bairro aqui em São Paulo, em Campinas. Então, vamos imaginar como se fosse uma zona oeste inteira de São Paulo, então como se fosse um distrito, um bairro, assim. Então, eles tentaram me transferir para aquela escola, só que o regime de educação, o sistema de educação lá na China não aceita esse tipo de transferência, porém eles se sentem como se fosse, eu sou sempre o ouvinte da escola, mas eu oficialmente não estou cadastrado no mesmo sistema daquele ensino médio. Então, eu sempre fico como se fosse uma estudante, mesmo que eu fique todos os dias lá, mas pareço uma pessoa de fora da escola, enfim. Aí eu comecei a sentir muita pressão, que eu preciso estudar bem, me comportar bem e até eu conseguir, assim, tirar bons pontos nos resultados nas provas, nos primeiros dois anos, um ano e tal. Mas depois eu acho que eu comecei, talvez, ser rebelde, talvez uns outros fatores. Teve essa memória de um dos professores que é mais, assim, discriminativa por causa de eu ser uma estudante como se fosse uma pessoa de fora dessa escola famosa, ela falava algumas coisas discriminativas para mim. Então, eu acho que marcou boa parte da minha adolescência, que eu acho que eu sentia meio assim: não sei se eu quero ser padrão, assim, não quero ser sempre uma estudante boa, comportada e boa da escola. E eu acho que não sei se eu quero essa nota mesmo e, assim, eu acho que essa é uma parte que eu acho que realmente é... talvez eu não sei ainda de certeza como que exatamente ela marcou, mas eu senti, se fosse uma outra trajetória, talvez eu teria sido uma pessoa diferente, assim.
P1 – E, nessa época de adolescência, além dos estudos, você manteve a sua prática esportiva ou você passou a ter outros gostos, outras atividades?
R – Sim, eu sempre era muito ativa com esporte, eu persisti no Kung Fu, depois, de sei lá, de três anos de prática. Teve essas brigas clássicas que os filhos tiveram com os parentes, porque: “Eu não quero mais, por que você quer que eu faço?” Mas logo depois eu comecei me apaixonar por natação e natação realmente foi um esporte que, desde [a] infância até agora, que é um esporte que eu ainda gosto. Então, comecei a nadar muito cedo, faço natação e também comecei a praticar violino, quando eu tinha nove anos. E pratiquei e aprendi por quatro anos e tive que parar, porque as aulas da escola, ensino médio era muito pesado e não tive tempo de praticar, porque a escola da China é muito assim: você entra [às] sete e meia, oito horas da manhã e você fica até cinco horas, seis horas da tarde. Então, você fica na escola o dia inteiro e, além disso, você tem lição de casa para fazer todos os dias e normalmente sempre demora uma hora e meia, duas horas. Então, depois que você sai da escola, você volta para casa, janta e tal e, a partir de umas oito e meia, oito horas tem que começar a fazer a lição de casa. Essa é a minha memória da minha adolescência, até eu ter 18 anos, que é antes de entrar na faculdade. Então, mas eu comecei também a cultivar um dos ”hobbies” que eu também acho que foi marcante da minha adolescência também, que eu comecei a conhecer as músicas ocidentais, combinando de aprender inglês, assim, cultura de fora, principalmente americana, né, porque eles são mais, assim, dominantes de cultura popular, de ”entertainment” e tal. Então, eu tive uma loja que é muito específica, eu acredito que não existe em nenhum outro lugar do mundo, que se chama - lojas de músicas, lojas de discos de música que, na época era CD, né - “Country to Ban”, que é ‘Sons Ilegais’. É tipo: não são permitidos pelo governo de ser vendidos na China, no continente, porém teve esse jeito deles fazerem “smuggling” (contrabando) e aí chega de navio. E aí, quando eles chegam, eles fazem um “click” no CD. Então, você vai perceber que todos os CDs perdem uns pedacinhos, mas não influencia no funcionamento do CD. Então, tinha uma loja muito pequena, assim, vendendo as músicas de fora, os CDs e tal. Então, a vida dessa loja não sei como que melhor descreve, mas parece aquela vida de Rua Augusta, sabe? Então, coisas de adolescência mais alternativas, mais “hipster”, “hippie” e tal. Então, comecei a frequentar muito, sempre essa loja, comecei também a fazer amizades com alguns adolescentes que eram um pouquinho mais velhos do que eu e, assim, comecei a sentir: “Talvez eu seja alternativa”, sabe? Mas naquela época você não sabe o que é, você só acha: “Isso aqui é ‘cool’ (legal), isso aqui é diferente”. É uma boa forma de fugir e escapar das coisas que você não gosta, que é fazer muitas aulas por dia, estudar muito, muito, muito, demais assim, na China.
P1 – E como foi a sua entrada na faculdade? Você já tinha, nessa época, uma ideia de que curso você gostaria de fazer?
R – Então, na China, quando você entra no colégio, que são uns três anos, últimos três anos antes de você entrar na faculdade, eu tive que escolher duas linhas principais, uma que é uma linha de... não sei como a melhor forma de traduzir, mas talvez é ‘Ciências Fortes’, “Hard Sciences”, que é de Física, Química, Biologia, essas aulas. E aí, a segunda linha principal é mais de Literatura, de “Arts”, de História e também tem essas aulas que na China também eu acho que é bem típico, mas a gente chama de Política. Então, você estuda todas as teorias de políticas, principalmente de marxismo, de Lênin, né? Que são aqueles russos, ______ (32:09) e aí comunismo, socialismo principalmente. Então, eu escolhi essa segunda linha no colégio, sendo assim as minhas opções na faculdade foram bem mais limitadas. Quer dizer: eu não conseguia mais escolher estudar Matemática, vamos dizer assim, na faculdade, mesmo que eu sempre gostava de Matemática, mas por causa que eu tive que escolher entre essas duas linhas, eu escolhi essa segunda, então, as opções eram mais assim, de Letras, de Administração mesmo, talvez de Economia, Economia é um ____ (32:55), uma escolha um pouquinho mais relevante como Matemática, que talvez você não precisa ficar focado em somente ler e escrever, mas você ainda assim fica em contato com os números e as lógicas. Então, por causa disso eu escolhi a Economia, Administração, na faculdade, porque eu gostava sempre de estudar Matemática e, na verdade, também foi uma escolha mais fácil, porque acho que é um ________ (33:29), uma escolha mais comum para os jovens escolher, talvez desde uma certa época de, sei lá, de 1990 e 2000, porque o mundo precisa de negócio e tal, então a China também teve a mesma tendência também da sociedade. Então, eu escolhi o “business”.
P1 – E conta para gente um pouco como foi essa sua experiência de fazer esse curso. Quando você começou a fazer, como você se sentiu, deu tudo certo, foi difícil?
R – A minha faculdade, eu escolhi sair de Wuhan e fui para uma cidade muito longe, que fica no sul da China, que se chama Cantão, é talvez mais conhecido por ser uma cidade muito perto de Hong Kong. Então, Hong Kong é praticamente uma ilha pequena e Cantão é uma província que fica lá no sul do continente da China, que é muito perto de Hong Kong. Então, eu escolhi lá por causa de, talvez, como eu expliquei que eu era mais assim, depois fiquei um pouquinho mais adulta, aproximando dos dezessete, dezoito anos, eu era algo assim: “Eu quero algo diferente”. Wuhan é uma cidade muito pesada com edificação. Então, tem um milhão de população, que são estudantes que vêm de todas as cidades, todas as partes da China, vêm para Wuhan para fazer faculdade. Então, Wuhan é uma boa cidade para ficar, para frequentar a faculdade, porque tem muitos estudantes e tem muitas faculdades também, para escolher. E mesmo assim eu escolhi sair de Wuhan e fui para Cantão, que é uma província que é conhecida pelos chineses, que é como se fosse um país estrangeiro, assim, tem uma cultura já bem diferente, o dialeto já é cantonês, não é mais mandarim, é um dialeto bem diferente mesmo, eu diria que a diferença é como se fosse diferença entre português e italiano, tipo assim: tem coisa parecida, mas você tem que aprender para falar, senão você não vai acertar como compreender e também como falar. Então, eu fui para lá, comecei a sentir essas coisas como se fossem desafiar: “Eu sou independente, eu quero ser, ficar longe da minha família”. Não tenho nenhum problema com os meus pais, eles me apoiam, mas eu queria sentir que consigo me virar, consigo resolver as coisas, ficar sozinha e tal. Então, eu acho que era difícil, um pouco, no início, porque teve essa diferença de dialeto que eu praticamente não entendia nada o que eles falam, mesmo que nós somos chineses, nós todos somos parecidos. Talvez também seja uma das coisas que os estrangeiros não entendem, porque a China é muito grande, o terreno é como se fosse o Brasil, só que a cultura entre as províncias, regiões, é muito grande. Então, essa parte do sul a cultura é mais... menos... eu não sei a melhor forma de descrever, porque eu ia falar que eles são mais contemporâneos, mais modernos, mas em um outro sentido eles também são bem mais conservadores também. Então, comecei a sentir essa que eu me joguei em uma cultura diferente, do tipo: “Eu já não tenho a minha zona de conforto, que eu preciso me sentir assim: eu não sou uma pessoa estranha entre todas as pessoas, eu estou me adaptando, aprendendo como eles têm costumes de fazer”. Então, é nesse sentido mais desafiador, porém também muito interessante, também acho que uma das coisas que me incentivou e me interessa também, por isso que eu escolhi. Mas a faculdade, o curso não era difícil para mim. Uma das coisas mais, assim, difícil, que eu preciso ainda aprender política. Então, preciso (risos) memorizar muitas coisas para fazer provas e essa é uma coisa que odeio, não sei por que eu preciso ainda aprender isso, como se fosse assim: eles querem que você escreva tudo e aí você já acredita. Eu acho que, quando uma pessoa é muito jovem, a gente ainda não tem muito entendimento de sociedade, de problemas filosóficos, de onde veio problema de sociedade e tal. Então, a gente tem muita pouca... como se diz? Bagagens de digerir esses tipos de conhecimento, essas filosofias e até mesmo aceitar, entendeu? Então, eu acho que esse foi um dos cursos que acho que foi mais tedioso, mas realmente teve essa continuidade de Matemática, que eu gostei. Então, curti cursar... agora que eu acho que é mais difícil de traduzir são esses nomes de Matemática, mas eu acho que talvez cálculos, ou... não sei como falar em português, mas é assim: tem vários gêneros de Matemática que eu preciso cursar e eu gostei, e coisas de logísticas também eu curti. Mas eu, depois, descobri que era bem mais operacional e eu tenho uma sensação que era focar mais na parte de fábrica, que é uma ideia, um conceito de negócio muito clássico, que tipo tudo começa com aquelas fábricas de carros, principalmente muitas teorias de administração começam com aqueles grandes empresários japoneses da Toyota. Então, muitas metodologias assim, aí tenho essa sensação que essas coisas são muito velhas e o que seria, na prática, devia ser muito diferente do que eu aprendi nos livros, nos ”tags books” na escola. Então, tive uma memória mais ou menos assim.
P1 – E em relação ao cantonês, que você estava comentando, as aulas eram dadas em cantonês, também?
R – Então, essa parte não, os professores todos falavam mandarim. Inclusive, a maioria dos professores não são da província de Cantão, eles vêm de todas as regiões da China. Mas o Cantão é uma das províncias mais ricas da China, por causa de ser perto do mar, por causa da tradição de fazer exportação e importação. Então, é um lugar que atrai muitos profissionais para trabalhar lá. Então, a faculdade é cheia de professores que vêm de todas as regiões e nas aulas sempre falamos mandarim, sim.
P1 – E quando você concluiu a faculdade, qual foi o seu passo seguinte? Você voltou para Wuhan? O que você resolveu fazer, depois disso?
R – Quando eu me formei na faculdade, fui para o Brasil direto. Aí começou também, durante a faculdade, a minha história com o Brasil, né? A minha mãe, como era professora de inglês, ela teve essas oportunidades de trabalhar lá fora. Então, acho que quando eu tinha uns treze anos, ela teve que participar de um programa na Austrália, que ela foi lá, ficando acho que nos ensinos médios ou colégio assim mesmo, de promover o mandarim, a cultura chinesa, caso que a escola se interessasse e tal. E aí, quando eu tive uns vinte anos, ela teve essa oportunidade de trabalhar aqui no Brasil, foi essa parceria que o governo chinês fez, que eles incentivavam uma parceria entre a faculdade chinesa e a faculdade brasileira. Então, na época, foi aquela faculdade [em] que minha mãe trabalhou e ainda está trabalhando, com a Unesp. Então, ela veio para cá trabalhar no Instituto Confúcio, na Unesp. E aí, em 2012, quando eu estava no segundo último ano da faculdade, meu pai e eu tivemos a oportunidade de vir para cá, para visitá-la, a gente ficou aqui por dois meses, ficamos principalmente em São Paulo, mas também conseguimos viajar e eu comecei [a] me interessar muito por este país. A minha mãe também compartilhou a experiência dela, como que ela trabalhou, os colegas e tal. E, por todas essas conexões e experiências que eu tive, eu achei que eu queria vir para o Brasil depois que eu me formasse, só para aprender português. Não sei o que vai rolar, mas, assim, eu não sei se eu quero trabalhar já direto, se eu trabalho, não sei, em uma empresa de Correio porque, na época, se você estuda Logística, muito dos meus colegas da faculdade entraram como se fosse nos Correios aqui no Brasil, mas Correios lá na China. E eu também queria sempre estudar lá fora, eu já estive fazendo aquelas provas de ir lá nos Estados Unidos para estudar, mas eu tive falta de competências que eu consiga entrar em uma faculdade boa e conseguir a bolsa. Porque faculdade lá é muito caro, né, nos Estados Unidos e, se eu não conseguisse a bolsa, eu acho que é muito dinheiro para minha família me bancar e eu não consegui, acho que eu não queria, assim, gastar tanto dinheiro, só para estudar. Então, mesmo que eu me preparei, acabei decidindo não ir, não tentar aplicar os programas imediatos. E enquanto a minha mãe ainda estava aqui trabalhando, era o último ano de contrato dela e aí eu venho e comecei morar aqui em São Paulo, junto com ela, por uns dois, três meses, que eu fazia curso de português, sim.
P1 – E como foi a sua adaptação, nessa pequena experiência? Quais as primeiras impressões que você teve do Brasil? Não só as que a sua mãe te passou também, que ela comentou para você como foi para ela, mas a sua própria experiência mesmo, de São Paulo. O que você achou de estar em um lugar tão distante, tão diferente?
R – Sim. A minha impressão, eu acho que não tenho dúvida, ainda foi, ainda é e foi assim: o clima é muito bom, o céu é sempre azul, sempre tem muitas cores, as paredes sempre tem alguns grafites, não tem nenhuma casa parecida com a outra; se você mora em um bairro, sempre cada casa é diferente; tem muitos verdes, o clima é muito agradável. Me parece assim: as percepções que eu gosto das cores e tal, desenhos. Então, isso me dá um efeito muito grande de como eu desenvolvo a minha memória de um lugar, um lugar para morar e tal. Então, por causa disso, sempre foi assim bem positiva, porque sempre tem sol, sempre tem céu azul, nuvens bem brancas e parece uma pintura, assim, que na China a gente só viu nas fotos que foram “photoshops” e aqui tudo mesmo sem "photoshop", parece com "photoshop". E as frutas também [são] bem gostosas, tipo, tudo para mim aqui é muito... as cores são mais saturadas, tanto para os sabores de comida, frutas são bem doces, azedos, muito salgado também, eu acho que os brasileiros colocam muito sal, demais, (risos) nas comidas gerais. Então, assim, eu acho que tudo é mais exagerado, mas de uma sensação boa, que é muito interessante e, de qualquer maneira, assim, me fez ver mais animação, com tanta saturação das coisas. Eu não sei como explicar, mas, assim: como se fosse você sair de um modo menos cores e de repente com muitas cores, eu acho que cor é uma palavra muito “metaphorical” (metafórica), né, que ela pode significar muitas coisas. Diversidade também, que as pessoas são sempre diferentes, cada um tem uma cara diferente, cabelo diferente, cor da pele diferente também. Então, isso realmente é uma das coisas que eu tive, pela minha primeira chegada no Brasil e continua, permanece, e ainda sim é uma das coisas que eu mais gosto do Brasil.
P1 – E você decidiu ficar, depois dessa primeira estadia ou você chegou a voltar e depois vir para cá?
R – Então, em 2013, me formei na faculdade, cheguei em São Paulo, comecei a morar junto com minha mãe e fazia curso de português por dois, três meses. E durante esses dois, três meses, eu comecei, assim, [a] ter contato mais de primeira mão com estrangeiros. Eu digo estrangeiros, que seja qualquer pessoa fora da China, dos chineses, porque antigamente eu só vivia principalmente com os chineses, talvez tive alguns professores de inglês que são estrangeiros, mas nunca virei amiga deles. Então, aqui no Brasil, naqueles cursos de português que eu fazia, eu tive que fazer as amizades com os mexicanos, italianos, tem, sei lá, americanos, tem pessoas de todos os lugares que vêm aqui para aprender português, fazendo programas de intercâmbio. E aí, um dos amigos da minha mãe, que é um professor na USP, começou a falar: “Ah, se você quiser estudar mais, que tal você olhar nos programas aqui do Brasil?”, que, inclusive, na USP tem a faculdade de Economia. Ou sei lá, de “Management”, bem boa. E aí ele me orientou para fazer uma aula de ouvinte na faculdade USP, assisti e eu gostei. Eu achei, assim, interessante, né? E aí comecei a olhar nos programas, esse amigo da minha mãe me ajudou e ele pesquisou nos sites, para ver se tinha alguns programas de mestrados que são amigáveis para estrangeiros, que dá bolsa e tudo mais. Então, acabei conhecendo um programa lá na FGV, no Rio… Na verdade, de São Paulo, eu comecei. Acho que foi isso. E aí me inscrevi, só que no dia que eu descobri o programa, eles já encerraram a inscrição, com uma semana só. Tipo: eu acabei de perder os prazos de processo seletivo. Então, a escola de São Paulo me indicou a escola no Rio, que têm os mesmos programas, mas ainda tinha duas semanas de prazo para inscrever, eu me inscrevi e acho que em umas duas semanas eu preparei todos os documentos, enviei, pedi a carta de recomendação também, dos meus professores da faculdade lá na China, tudo foi correndo muito rápido e eu consegui. E aí, depois, conhecendo assim, que tem um programa gratuito e aí ainda assim tem bolsa mensal, que não é muito, mas ajuda. Acho que isso foi ao longo de quatro ou três meses e depois eu morei em São Paulo. Então, tive que voltar para a China para fazer visto de estudante, aí foi tudo isso e mudei para o Rio, desde 2014. Aí começou a minha experiência, assim, mais independente, porque minha mãe voltou para a China no final de 2013 e eu comecei a morar sozinha no Rio, frequentava a faculdade, fazendo mestrado e comecei também, assim, realmente [a] entrar mais ou menos [nessa fase] de ser adulta, que precisava achar apartamento, pagar aluguel, compartilhar a vida com pessoas em apartamentos, porque era tudo muito caro no Rio, né? Você sempre compartilha um apartamento com mais de uma pessoa, duas pessoas e, assim, foi isso que comecei a minha história no Brasil, mais independente, individual.
P1 – E São Paulo é bastante diferente do Rio de Janeiro. Quando você chegou lá no Rio, você teve que passar por uma outra adaptação, e como você se sentiu, dessa vez independente, sozinha, no Rio de Janeiro? Que é outra paisagem, tem as praias. Como você se sentiu com essa nova paisagem?
R – Eu acho que o Rio é onde eu comecei, realmente, a praticar os meus “survivings”, (risos) a qualidade de sobreviver. Primeiro, era sempre as pessoas falarem: “Nossa, é muito perigoso, tem que tomar cuidado”. Minha mãe sempre se preocupava, mas, assim, eu comecei fazer muitas coisas sozinhas, para deixar tudo certinho, que aí pessoas, até os amigos da minha mãe, que ela trabalhou em São Paulo, ela teve altos conhecidos chineses que, por exemplo, jornalista de uma mídia chinesa que trabalhou no Rio, começou a falar assim: “Ah, eu vou ajudar a sua filha”. Mas, assim, ele começou a fazer as perguntas: “Você sabe se esse apartamento fica em tal rua?”. Eu falei assim: “Não sei, mas eu já fiz o Google de tudo, assim”. Eu fazia e-mails, sei lá, vinte, trinta e-mails, só para confirmar um aluguel e tudo era uma coisa que eu queria, sabe? De sentir que eu resolvo todos os problemas, coisas, deixar coisas planejadas, organizadas, para deixar minha mãe não se preocupar, que também é uma coisa que eu preciso fazer. Então, comecei lidar muito nesse sentido, assim, descobrir como que se cozinha em um apartamento, cuidar de uma janta, porque lá na China, mesmo que eu fui para outra cidade, para fazer faculdade, a gente sempre comia nas cafeterias, que na China a faculdade tem tudo: tem hospital, tem escola, como a que eu também cresci na infância e tem as cantinas, cafeterias muito grandes, como se fosse um restaurante por quilo, só que é bem grande, sabe? Então, eu nunca precisei cozinhar e tal. No Rio, eu comecei a fazer todas esses feitos de adultos. Em chinês, a gente fala que são quatro elementos: se veste, se alimenta, se mora, se hospeda e se faz todo o transporte. Então, são quatro _______ [55:42] que você cuida de tudo da sua vida. Então, no Rio... mas eu tive muitas ajudas dos amigos, as colegas da faculdade eram super gente boa e como que foi um programa incentivado para atrair os estrangeiros, então, os funcionários da faculdade também me ajudavam bastante. Mas o Rio é diferente. Entre Rio e São Paulo preciso admitir que, no primeiro ano, eu não sabia que eu ia gostar mais do Rio do que São Paulo, porque eu sempre falava que qualquer padaria de São Paulo, qualquer restaurante por quilo de São Paulo tem bem melhor qualidade do que no Rio. E no Rio era tudo mais caro, tudo menos organizado. Então, o primeiro ano eu não tive essa experiência de me virar carioca, só que a minha história, depois, mudou, porque depois de um ano eu consegui um intercâmbio pra Itália. Então, eu fui para Itália, Milão depois, no início de 2015. Fiquei lá por seis meses e, quando eu estava na Itália, eu comecei a sentir saudade do Rio, ao invés de São Paulo. Aí eu não sei porquê, talvez o mar e tal, mas eu não tive essa paixão tremenda antes de morar no Rio, diferente do que muitos outros amigos gringos que eles, assim: “O Rio é cidade maravilhosa”. Eu não tive esse de tipo de paixão ou, sei lá, conhecimento da cidade do Rio. E também não sabia que o Carnaval era mais famoso. Eu saí no Carnaval de 2014 com os meus colegas e amigos que eu conhecia quando aprendi português e nossa, me cansei, eu falei: “É isso que vocês gostam?” (risos) Porque eu acho que eu não sou desse tipo, assim, que não dorme e [faz] muito calor e muito lotado, assim. Então, primeiro ano eu não tive esse tipo de muitas paixões com o Rio, mas comecei a me adaptar sem consciência de todo o calor, de todo clima tropical, de esquema, a cultura da rua e tal. E aí depois morei na Itália, eu falei: “Eu acho que eu prefiro o Rio do que, pelo menos, Itália”.
P1 – E desse período que você passou em Milão, na Itália, você sentiu saudades do Rio. Você chegou, em algum momento, depois que você veio para o Brasil e depois para a Itália, a sentir saudades de Wuhan?
R – Sim, principalmente agora, por causa de pandemia, que eu não consegui voltar para Wuhan por mais de quase quatro anos, já. Eu acho que minha última vez que eu estive em Wuhan foi 2017, mas, assim, por causa dos meus pais, né, que eles moram em Wuhan e os amigos de infância, mas principalmente minha família mesmo, meus pais, meus avós. E porque meus amigos, meus colegas de Wuhan, que eu conhecia da escola, muitos deles também saíram da China, saíram de Wuhan, pelo menos e, por exemplo, minha melhor amiga mora agora nos Estados Unidos e tive outros amigos e amigas que somos mais próximos também, assim, moram lá fora. Então, eu tenho saudades mais de pessoas do que da cidade, em si. De relacionamentos, conexões familiares e a comida. (risos) Estômago, tenho saudade de comida chinesa de verdade. Mas, assim, da cidade, em si, eu acho que não é alguma coisa que eu não gosto, tipo a cultura da cidade de Wuhan, mas como aqui, talvez eu era sempre uma pessoa interessada de cultura diferente, então, algumas coisas que eu cresci conhecendo, é uma coisa que eu já me acostumei e ele não vai me deixar muito animada, assim, sei lá, apaixonada, que são as coisas que eu conheço. Posso, assim, simplesmente resumir dessa forma. Eu conheço, mas não sei se eu gosto ou também, eu não odeio não, mas eu conheço, conheço bem. (risos)
P1 – E em relação a sua questão do aprendizado do português, foi difícil para você?
R – Eu acho que foi difícil, aquele curso de português que eu fiz me ajudou bastante, era um curso bem escolhido, os professores foram bons, a experiência e tudo foi boa, só que eu já sabia que é muito difícil para me desenvolver desde uma pessoa que sabe falar os básicos, para uma pessoa que consegue conversar normal com os brasileiros e entender tudo. E até mais, trabalhar com o português, porque trabalhar com português e falar português no dia a dia é outra coisa, eu acho. Então, no início não era difícil, porque eu só precisei conhecer esse sistema de gramática, tentar pronunciar aquelas letras mais específicas do português, a língua portuguesa. Então, essa parte no meio, de sair do básico para ser fluente, ser nativo é uma parte mais difícil, porém eu acho que a minha experiência no Rio sozinha me ajudou, me puxou também para melhorar mais rápido. Mas eu não tive muita pressão, assim, estresse de estudar, porque o mestrado era tudo em inglês, é um mestrado programado todo em inglês, os professores da FGV todos tiveram essas experiências internacionais, a maioria acho que já fizeram doutorados em alguma faculdade nos Estados Unidos. Então, eles quiseram fazer um programa muito parecido do estilo norte-americano, que é publicar artigos nas revistas conhecidas internacionalmente. São mais de inglês e a minha turma, se não me engano, tinha catorze, quinze pessoas e teve cinco estrangeiros e dez brasileiros e os dez brasileiros foram muito acolhedores, foram muito apaixonados para nós pegarmos a cultura brasileira, nos convida todos os dias para o boteco, aí depois fala: “Um dia ruim, vai para o boteco. Um dia bom, vai para o boteco”. Todo dia você tem que comer e beber uma cerveja. E aí, assim, comecei a me ‘imersar’ nesse mundo de português, mesmo assim eu estava ainda naquele trecho básico, porque eu não comecei a falar tanto. Então, foi uma viagem que eu fiz sozinha para a Bahia, depois de sete meses morando no Rio e, de repente, me deu um clique assim: na verdade, você consegue agora falar português fluente, conversando com uma pessoa que você não conhece e não sabia que ela ou ele pode falar inglês, porque você sabendo que uma pessoa consegue te ajudar em inglês, você vai ter um jogo psicológico que você nunca tenta tanto falar em português. Então, durante as viagens para a Bahia, eu arrumei também todo o roteiro, tal e aí comecei a perceber: “Agora eu consigo falar português”. E aí, desde então, eu acho que eu saí daquele bloqueio mais desafiador, de ser básico, para ser fluente. E começou mais assim, cada dia mais fluente, de aprender as gírias, assim.
P2 – Yarui, você comentou na imersão cultural que você teve no Rio. Você chegou a ir em alguma roda de samba? Como foi a experiência?
R – Eu acho, sim, realmente diferente dos meus amigos estrangeiros que eu conhecia no Rio, eu era uma página em branco. Antes, a parte de morar no Brasil, no Rio, eu não sabia que o samba, a Bossa Nova eram famosos, eu não conhecia nada, assim, simbólico e carioca do Rio. Eu só sabia que tem praias, Pão de Açúcar, que são lindos, mas eu não tenho mais profundidade de conhecer a cultura, de roda de samba. Mas eu acho que um dos primeiros passeios que eu tive, que teve uma colega polonesa e ela já é diferente do que eu, ela já não é uma página branca, ela é formada em Letras, Espanhola, lá na Europa, então, ela mais, assim, já conhece cultura latina e ela curtia futebol e tal. Eu também não sou nada, não tenho nada a ver com futebol, não tenho essa paixão de futebol, tal e a gente ia na Lapa, em Ipanema, então, conhecendo, assim, essas mais “landmarks”, que são os pontos de turismo, para registrar. E não tive também uma: “Uau, nossa, que interessante, amei de imediato”. Não teve também essa ‘cri cri’. Era alguma coisa mais, assim, vivendo ali e aí comecei assim: “Eu vou escutar música brasileira”. Então, eu pesquisei no Spotify MPB e também não sabia o que era MPB, eu comecei a escutar Caetano Veloso e tal. E aí, na época, a minha "flatmate” (colega de apartamento), que é uma moça, falou: “Nossa, você está escutando música muito clássica do Brasil”. Falei: “Ok, é bom porque eu não sabia e não conhecia nada assim”. Então, mas roda de samba e eu acho que foi bem depois, acho que uns dois ou três anos, que eu comecei assistir uma e tal.
P2– E essas novas experiências com comida, por exemplo, você teve alguma experiência bem diferente do que você esperava?
R – Eu acho que é diferente, mas é algo também que me fez gostar, porque eu comecei por São Paulo, percebi que tem a maior população japonesa fora do Japão, aqui no Brasil. Então, tem muitas comidas asiáticas que, no final, eu sei que não é igual como a gente come lá na Ásia, mas pelo menos é uma tentativa de ser asiática. Então, para mim já foi: “Olha, interessante”. É muito comum e muito popular em qualquer restaurante, assim, simples ou até mesmo por quilo, eu sempre falava restaurante por quilo, porque era um tipo de restaurante que eu gosto mais das culinárias brasileira. (risos) Porque eu acho que é muito fantástico esse tipo de restaurante: você vai lá e consegue comer qualquer coisa. Se você quer comer macarrão, então tem macarrão; se tem coisa mais, assim, brasileira: arroz e feijão, então também tem. E sempre tem uma coisa que é um pouquinho japonesa, pode ser um pouquinho de sushi simples… é muito comum, né? Então, acho que o restaurante por quilo já é uma mistura de tudo. Então, nunca senti difícil de me adaptar com a comida brasileira, eu adoro e continuo adorando comidas brasileiras.
P2 – E tem algum conhecimento que foi passado para você, de geração em geração, que você leva até hoje, no seu dia a dia?
R – Desculpa, conhecimento da cultura chinesa ou da cultura brasileira?
P2 – Da família, no sentido da sua família chinesa, mesmo.
R – Entendi. Eu acho que é uma pergunta muito, assim, depende como que eu interpreto, né? Também tem muitas coisas que eu posso relatar, porque a China é um país muito antigo. Então, temos uma história muito pesada, em um sentido de herança cultural muito pesada, porém, talvez mais sutil, que você não percebe que vai estar sendo passada essa herança das nossas éticas, de como se comportar, como lidar com a vida e tal, mesmo sendo um país oficialmente a Deus, né? Que a gente não tem religião, mas as grandes ondas, grandes no sentido de linhas de filosofias, tanto com Taoismo, de Confucionismo, de Budismo, são as três - na verdade, inclusive, se não me engano - linhas de filosofia mais dominantes. Então, a minha família também não é exceção, então é uma coisa misturada de Taoísmo, Budismo, que às vezes a gente não sabe que você está falando uma coisa Budista, mas é uma coisa que a gente já entende. E Taoísmo também, a gente não tem essas “labels”, que são essas tags: “Eu sou Budista, então eu confio isso, isso e isso”. Então, se eu tenho alguma herança que família está me passando, eu acho que é mais de família simples, que todos os meus avós são... como se diz? Trabalhadores no campo, cresceram arroz... como se fala ”farmers”?
P2 – Fazendeiros.
R – Sim, fazendeiros e tal. Então, mais simples, não tenho muito assim... também por causa dos meus pais serem professores, eles relativamente tiveram uma mente bem mais aberta do que muitos outros adultos que foram nascidos na década deles, porque a China é muito diferente, se você olhar nas décadas, gerações. Porque a China mudou tão rápido, né? Então, a cada três anos, de cinco em cinco anos, a sociedade já muda, de uma certa forma. Os meus pais sempre tiveram uma mente mais aberta, me davam mais liberdade de escolher o que eu gostaria de fazer e não me deixa tantas... como se diz? Coisas para atingir, alcançar, tipo: “Tem que ser casada até tal idade, tem que ter filho ou filha, o marido tem que aceitar o tipo de pessoa”, porque isso é comum na China. Inclusive que alguns dos meus amigos, os parentes deles não são assim, não têm tanto essa liberdade que eu tenho, assim, na minha vida.
P1 – Então, retomando a nossa conversa, quando você estava em Milão, na Itália, você já tinha planos, então, de voltar a morar no Rio?
R – Na época, eu não sei, eu sei que eu precisava voltar, sabia que eu precisava voltar para terminar meu mestrado, porque o intercâmbio que eu fazia antes que eu entregasse a minha dissertação, mas morar e assim, realmente, assim, adaptar e eu não queria morar em outros lugares, isso que eu não sabia. Inclusive que talvez eu queria voltar para a China ou ir para mais um lugar diferente, pode ser um país na Europa, pode ser em outro lugar. Era tudo assim, não tinha nada planejado na época. Era muito assim: alguma coisa diferente eu vou experienciar, ver como que é. E também essa pergunta se planejou algo ou se você já pretendeu fazer alguma coisa é algo que eu sempre quis balancear, especialmente depois de morar no Brasil, me ajudou, porque a China, a cultura chinesa é muito de planejamento, de deixar todas as coisas correrem no tempo certo, de forma correta, enfim. Tem muitos padrões, muitos caminhos para seguir, muitos, mas não tem tanto. E aí eu acho que isso sempre me deixa muito estressada, quando eu fiquei imersa no meio da cultura chinesa, tanto pela minha família mais extensa, além dos meus pais, que têm os avôs, os tios, os primos e tanto também dos amigos do colégio, da faculdade, que eu acho que isso não é algo que eu quis. Que é tipo: não é que eu não quero viver bem, mas eu não vou saber o que seria o que é melhor para mim, se eu não viver primeiro, tipo se eu não sei como explicar. Então, assim, eu não queria planejar muito, era mais assim adaptada a essa cultura latina, de viver no presente, não sei se é essa a cultura brasileira ou latina, mas, assim, mais ”carpe diem”, de não pensar muito no outro dia. Então, eu me adaptei muito rápido com esse tipo de filosofia. (risos) Então, não tinha pensado mesmo em voltar para o Rio e viver lá e, assim, ____ (01:16:25) lá.
P1 – E quando você entregou a sua dissertação do mestrado, no Rio de Janeiro, você já tinha voltado da Itália e você chegou a pensar em arranjar trabalho aqui? Como isso aconteceu?
R – Isso aconteceu no momento que eu precisei considerar muitos fatores, de qual trabalho que eu gostaria de fazer, onde eu queria trabalhar e também teve que eu conheci o meu namorado quando eu estava naquela época de terminar a minha dissertação. E ele é francês, a gente se conheceu quando ele estava passeando no Rio de Janeiro, a gente se conheceu e, enfim. Teve mais uma escolha aberta e que talvez eu podia ir para a França, de repente, que é um país que eu não tinha conhecido também. Mas, por muitos fatores, principalmente porque eu acho que eu pensei que já morei no Brasil, já conseguia falar português e eu gosto de morar aqui. E eu não viajei para tantos lugares ainda, mas quando eu estudava na Europa, tive a oportunidade de conhecer alguns países tipo como Portugal... quais são os países que eu viajava? Países do norte, norte da Europa: Dinamarca, Noruega e também tive a oportunidade de visitar uma amiga americana, que eu fiz amizade com ela aqui no Brasil, no Rio, e ela voltou para Nova Iorque, que ela achou trabalho lá. Então, eu consegui ir lá visitá-la também, conhecendo os Estados Unidos finalmente, porque eu estudava tanto inglês na escola, isso também foi acontecer, em 2018. Eu fui visitar os Estados Unidos e também visitar minha amiga, que é a minha melhor amiga, que mora lá nos Estados Unidos. Eu acho que eu prefiro morar aqui no Brasil, aí eu não sei se é por causa que eu já me adaptei, que já curti bem, apegada com o lugar, com o Brasil, ”attachment” ou eu acho que por muitos fatores, então, decidi ficar aqui mesmo no Brasil e meu namorado também veio para cá e a gente se instalou aqui no Brasil.
P1 – E atualmente você está em Campinas. Você se mudou para Campinas também a trabalho?
R – Isso. É uma cidade que eu não conhecia e mudamos para cá principalmente por causa de trabalho mesmo, que eu estava com dificuldade de conseguir um emprego que me desse visto. Que tem essa questão que para imigrantes ficarem aqui estudando, de ser estudante, é uma coisa, e ficando aqui e trabalhar legalmente é uma outra coisa. Então, eu precisava de um visto e tal. E a Cpfl era a única empresa, na época, que eu conseguia entrevista, tal e tudo mais, e me ajuda com o visto. Então, decidimos mudar para cá, por causa que eu aceitei esse emprego, essa vaga.
P1 – E você também tem um trabalho como intérprete. Conta um pouco quais foram as experiências que você teve como intérprete de mandarim, de português e inglês também.
R – Quando eu estudava no Rio, eu tive a oportunidade de trabalhar mais, assim, essa experiência de trabalhar como intérprete, de mandarim para português. E uma das experiências mais interessantes que eu tive foi que eu trabalhei como intérprete para uma filmagem de ”Celebrity Show”, de uma TV chinesa, que tinha umas seis, cinco celebridades chinesas que vieram para cá, no Rio, e desfilavam em uma escola de samba, de Carnaval. E aí eles fizeram viagens, fazendo esses shows de viagem, de pontos de turistas. E também eles foram para Manaus, para filmar as experiências do Amazonas. Então, eu trabalhei como intérprete para esse tipo de trabalho, mas é algo mais combinado, de logística mesmo, junto com a interpretação. E aí depois eu tive a oportunidade de ‘interpretar’, mas, assim, para as reuniões de negócios. E também aí começou minha experiência de setor elétrico mesmo, que foi um emprego, que era uma empresa que se chama Shanghai Electric, eles precisavam fazer muitas reuniões de negócios de trabalho, para eles fazerem um projeto, assim, como se fosse uma aquisição mesmo, de concessão de um projeto, que fica lá no sul. E, de fato, assim, eu achei o trabalho, na verdade, bem desafiador, até porque eu não sou formada em Letras. E, realmente, trabalho de intérprete é diferente do que eu sou uma estrangeira, eu sou uma chinesa que consigo falar português. Então, tem que saber como tomar notas. Por mais, também, que você tem que ter um conhecimento de vocabulário de setor de energia, sei lá, conhecimentos de filmagem de TV, então, mais técnicas, essas palavras já são diferentes do que os vocabulários que eu uso no dia a dia. Então, a minha experiência de trabalhar como intérprete me deixou sentir que é um trabalho que eu consigo fazer, porém eu acho que não sou treinada para fazer isso. E segundo: eu também senti uma certa percepção que eu estou fora de assunto. Quer dizer, eu estou só aqui passando as palavras de um para o outro, mas não estou dentro de processo de conseguir negociar. Às vezes eu acho que, especialmente quando eu fazia isso para essa produção de TV, eu já pulei fora da tradução, eu estava fazendo uma ajuda de comunicação que os chineses queriam falar alguma coisa, mas eu falo do jeito que acho que é mais fácil para ser negociado com esse brasileiro ou brasileira, com quem que a gente está conversando. E isso até me deixou sentir, assim, mais interessada, mas intérprete, intérprete mesmo, eu acabei… assim, não me interessa muito trabalhar. Inclusive que eu fui contratada pela Cpfl para ser a assistente executiva, principalmente com esses auxílios na tradução. E aí eu gostei da experiência, porque o executivo que eu assistia, dava apoio, ele é um executivo muito experiente, muito inteligente, que eu aprendi muito com ele, que era um chinês, porém eu acho que eu preciso pôr a mão na massa de fazer as coisas, que eu não quero só traduzir um PowerPoint, eu quero ser essa pessoa que faz esse PowerPoint, que também pode dar a opinião como revisar, melhorar esse material, esse documento, essa análise. Até porque a minha formação é mais, assim, mais nesse lado, então me decidi sair daquela vaga e escolhi ser analista, desde o início deste ano, de 2021.
P1 – E quanto tempo você já está na Cpfl? Já faz mais de um ano, dois anos?
R – Quase três anos já. Eu entrei em 2019, em abril, e acho que chegando para abril do ano que vem são três anos exatamente. Então, quase três anos, mas com dois anos em pandemia. (risos)
P1 – É justamente isso que eu ia perguntar: como era essa experiência de você trabalhar… você conheceu a Cpfl durante um ano, digamos assim, presencialmente, mas depois você acabou trabalhando, durante a pandemia, em home office. Como foi essa experiência pra você?
P1 – Essa experiência, eu acho que junto, talvez, com muitas outras pessoas também que sobreviveram nessa pandemia, algo mais de experiência de trabalho, mas é uma experiência integrada de tudo: de trabalho, vida e tudo mais, né? De ter medo, de ser resistente, de não perder a esperança, porque era algo que realmente não tem, é história, que nós nunca vivemos um momento assim. Então, o trabalho, assim, é importante, mas eu não acho que ele é uma coisa que é tão... mesmo que realmente ele domina a maioria dos meus tempos, durante essa pandemia, porque, realmente, trabalho integralmente, oito horas por dia, mas eu acho que a experiência mais, assim, não sei porque esses últimos três anos a experiência é mais de pandemia do que o trabalho em si. Mas o trabalho, este ano de experiência de analista, eu acho que me deixou um desafio de usar o português para um outro nível, que eu preciso fazer as reuniões em português, fazer os materiais em português, deliberar os assuntos, discutir, analisar, argumentar tudo em português. Eu acho que com isso, eu acho, tá, espero que cada dia eu esteja parecendo mais brasileira do que nunca, que eu preciso não deixar... na verdade, também junto com essa cultura, de ser uma empresa brasileira 100%, porém com a acionista sendo chinesa. Então, juntando com muitos aspectos, parâmetros, mas em geral eu acho que é uma experiência super boa e válida e valorizada para mim.
P2 – Yarui, você estava morando no Brasil quando começou a pandemia, inclusive, China. Como é que foi a sua sensação quando começou e a sua família lá?
R – Como que eu falei, que a minha família é de Wuhan. Então, era uma sensação, no início, de medo, de muita preocupação, de sentir assim... eu acho que eu tinha pesadelos antes dessa pandemia chegar no Brasil, mas iniciou lá em Wuhan. Então, eu até lembro uns dias do final do ano de 2019, que eu mandava notícia para meu pai, porque, na época, só o meu pai que estava morando em Wuhan, minha mãe estava trabalhando em um outro país estrangeiro. E aí eu mandei para ele, falei assim: “Como assim já está dando casos de pneumonia que não estão identificados?”, porque a China já teve sars, que é um outro tipo de Coronavírus, em 2003. E aí eu compartilhei com ele, para ele tomar cuidado e ele falou: “Ah, não, não é algo sério e tal”. E em janeiro eu comecei, assim, acompanhando as notícias que cada dia os casos estão aumentando e, ainda assim, era reportado de ser uma pneumonia não identificada. E aí eu já achei muito preocupante, estranho. Depois, o governo anunciou o “lockdown” completo, que é algo tão chocante, não somente para o mundo inteiro, os estrangeiros, também para os chineses, porque nunca tivemos esse tipo de história. Wuhan é uma cidade muito movimentada, como eu disse que tem somente estudantes universitários, já tem um milhão de pessoas, né? Então, e também está aproximando do final do ano chinês, como se fosse Natal aqui no Brasil. Todo mundo está pegando trem, ônibus para voltar para casa e Wuhan é uma rede de ferrovia, porque ele fica no Centro. Todos os trens, de sul para norte, de leste para oeste, passavam por Wuhan. Então, quando eles anunciaram esse “lockdown”, eu fiquei assim, muito preocupada e só imaginando. Aí o meu pai teve sorte que, sem saber que ia ter “lockdown”, ele voltou para a casa dos meus avós para passar Ano Novo e ele decidiu voltar um pouquinho antes, porque ele não quis pegar trânsito. Sempre teve trânsito no final do ano. Então, ele ficou naquele “lockdown” total lá na casa dos meus avós, que é mais no rural, menos populoso e pelo menos eles conseguiam andar, sei lá, não sei, cinquenta metros, cem metros fora da casa dos meus avós. Mas o resto dos meus amigos, primos que estão morando em Wuhan, ficaram realmente trancados, trancados no apartamento deles mesmo, no condomínio. E aí, só imaginando aquela experiência, eu passava tipo, muito, assim, medo, medrosa. Realmente a gente não sabia ainda o que é esse vírus, qual fatalidade, será que o “lockdown” vai dar certo, que alguma coisa que Wuhan estava fazendo e ninguém sabia como lidar, né? Que eu acho que, enfim, era mais assim. Mas depois que o vírus passou pelo Brasil, eu já não passava mais pesadelos, mesmo que eu ficasse assim: “Nossa, agora chegou aqui”. Eu acho que até, quase assim, já passou esses tipos de emoções para mim, mas na parte mais, assim, no início, que descobrirmos essa pandemia, de [eu ter] ficado assim, falando com o meu pai quase todos os dias, por causa que eles ficaram no “lockdown” e com a minha amiga também, porque eu acho que muitos deles passaram muitas ansiedades, medo mesmo. Acho que medo é a palavra principal para descrever o que passou para eles, tá? Então, era assim.
P2 – E o seu pai ficou bem depois, em seguida?
R – Sim. Na minha família, não teve ninguém que pegou esse vírus e eu ainda não sei, mas parece que o vírus ficou muito contagioso na China, em Wuhan, naquela época. Teve realmente muitas histórias horríveis, de não ter vagas nos hospitais, era muito parecido com cenários de guerras. E em muito mais sentidos que, para nós, são sinais de guerras que passaram, porque era algo que tudo foi parado e não sabemos o que vai acontecer, nesse sentido. Então, o meu pai não pegou covid, não pegou o vírus, ninguém da minha família, pelo que eu conhecia, não teve, porém teve os parentes que pegaram os efeitos de ser “lockdown” total. Então, não podiam fazer exercício físico lá fora, teve os idosos que têm aqueles problemas cardiovasculares, é assim que fala, né? Coração, hipertensão e que precisava fazer esporte, pelo menos uma caminhada por dia, para ajudar e não podia fazer. Então, eu acho que teve esse conhecido, que não é tão perto da minha família, eu acho que logo depois que Wuhan saiu de “lockdown”, ele passou [por] um infarto e faleceu. Mas as pessoas falaram que, com certeza, sem ter esse “lockdown”, não ia acontecer tão cedo, porque ele ainda tinha, assim, uns setenta anos e tal, talvez. Teve mais esse tipo de história, esses casos na minha família.
P1 – E, indo para as perguntas finais, Yarui, a gente gostaria de começar pensando nos seus planos para o futuro. Quais são os planos que você tem, hoje em dia, para o futuro?
R – Hoje em dia, para o meu futuro, eu acho que a minha história com o Brasil ainda não vai acabar muito em breve, porém eu não sei se eu vou morar aqui para sempre, mas eu acho que o Brasil ainda tem muitos lugares que eu ainda não conheço. Então, pelo menos eu quero viajar, conhecer e também eu queria desenvolver mais profissionalmente no Brasil em sentido de carreira, de trabalho, que eu quero seguir aprendendo, treinando também. E por mais, assim, por perto, eu realmente quero conseguir uma passagem para voltar para a China em breve, para visitar a família, para passear na China, que eu já tive quatro anos que não voltei para a China. Então, queria que isso não ficasse tão difícil como está sendo agora neste momento, porque está muito caro e as políticas de quarentena estão muito restritas lá na China. Então, porque eu tenho trabalho fixo é algo difícil de realizar, mas eu acho que tem soluções que talvez eu precise tirar uma licença de seis meses assim, porque só de quarentena tem que ficar um mês já na China. (risos) Você só fica em hotel. Então, curtir a minha vida que eu acredito principalmente que é ainda aqui no Brasil. Então, curtir a minha vida aqui no Brasil o máximo que eu puder, já aproveitando tudo que eu tenho no presente, do meu trabalho, de onde que eu moro, nesse bairro de pessoas que eu estou conhecendo, conhecendo cada dia um pouquinho mais deles, fazendo mais amigos e melhorar no violão que eu estou tentando praticar durante essa pandemia. (risos) De fazer cursos online e de me dedicar um pouquinho mais no trabalho, de aprender mais conhecimento, ler mais. Eu acho que praticamente é isso. (risos)
P1 – Então, nós vamos para a última pergunta: como foi para você contar um pouco da sua vida para a gente hoje?
R – Como que eu resumo um pouco da minha vida para vocês hoje? Tipo a minha vida de hoje? Minha vida atual assim? Não sei se eu entendi bem a pergunta.
P1 – Tudo bem, eu vou repetir. Como você se sentiu contando para a gente hoje a história da sua vida?
R – Ah, entendi. Sim, acho super interessante e que o processo de contar história é uma forma muito boa de se refletir, de até mesmo fazer quase uma análise psicológica. (risos) Que normalmente você não fazia, se você assim for vivendo sua vida. Mas eu acho que é muito legal e também, todos os dias que mesmo que eu sempre fiquei assim, acostumada das pessoas falarem, “Nossa, você é uma chinesa morando aqui no Brasil”, “Ah, o seu namorado é francês, vocês são estrangeiros”. Assim, eles ficam muito encantados, tal e eu sendo... Como se diz? Protagonista dessa história que eu não sentia tanto, mas sempre assim, quando eu contava e eu preciso admitir que realmente não é uma história comum. Então, fiquei feliz que isso foi [o] que eu passei aqui. Eu acho que essa é a sensação, o sentimento que eu tenho de contar essas memórias e tal com vocês, compartilhar com vocês.
P1 – Então, em nome do Museu da Pessoa a gente agradece muito a sua entrevista, pelo seu tempo, pela sua disposição em contar a sua história para a gente hoje.
R – Eu queria agradecer também, eu acho que o trabalho realmente é uma iniciativa muito interessante. Museu é uma das coisas que eu sentia muita falta em Campinas e eu acho que aqui, comparando com São Paulo, com o Rio, faltam muitos desses lugares culturais, de cinemas um pouquinho mais independentes. Museus com mais temas diferentes. Inclusive acho que não tem Museu, infelizmente. Então, eu gostaria muito de apoiar qualquer desse tipo de iniciativa, eu gosto muito e enfim. É meu prazer e queria agradecer o trabalho de vocês de ficarem aqui juntos comigo.
P1 – A gente que agradece.
Recolher