P/1 – Senhor Jose, primeiramente, muito obrigado por aceitar o nosso convite e participar do nosso projeto. Pra começar nossa entrevista gostaria que o senhor falasse pra gente o seu nome completo e o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Jose Evangelista de Castro. Sou paranaense, nasci em Santo Antônio da Platina, em 23 de dezembro de 1947. Sou casado.
P/1 – E a data do seu nascimento?
R – Vinte e três de dezembro de 1947.
P/1 – Ah, sim. E o nome dos seus pais?
R – Orlando Peres de Castro e Maria Rodrigues de Castro.
P/1 – E o senhor tem irmãos também?
R – Tenho, tenho. Hoje nós somos em sete irmãos, né? Éramos em oito, mas, infelizmente, uma falecida e eu tenho... Quer que eu fale o nome dos irmãos?
P/1 – Pode falar.
R – Então, tenho a Leonice, tenho eu – que sou o José, tenho o João, tenho o Iraci, tenho o Darci, tenho a Neusa, tenho o Ademir. Já deu sete, né?
P/1 – Muitos irmãos, né?
R – Tem bastante irmãos.
P/1 – Então o senhor era o segundo filho?
R – Eu sou o segundo filho dos oito que são vivos, né?
P/1 – E a que se dedicavam ou se dedicam seus pais?
R – No início meu pai era lavrador, trabalhava na agricultura. E depois até mais ou menos 1958, quando a gente começou a crescer. E mudamos pra cidade e o meu pai se engajou nessa carreira de comerciante de carne.
P/1 – E que lembrança o senhor tem dessa cidade natal, onde o senhor nasceu?
R – É, uma lembrança assim de muito sofrimento que a gente, uma família assim como se diz, uma família que sempre lutou com dificuldade, mas sempre com dignidade (corte no áudio) e a nossa vida sempre foi de muita luta e eu tive a necessidade de sair atrás de alguma coisa pra melhorar a vida até da família, né (corte no áudio) a recordação que eu tenho lá de grandes amigos, dos meus irmãos que estão lá. E a vida da gente depois mudou, com a minha vinda pra São Paulo.
P/1 – Mas a sua cidade (corte no áudio) natal era uma chácara, era uma fazenda?
R – A princípio era um sítio, né? Meu pai tinha um sítio (corte no áudio) com uma certa idade meu pai comprou um pedaço de terreno (corte no áudio) simples pra gente, mas sempre com aquela dignidade, aquela vontade de vencer honestamente né? Então foi o caminho que a gente trilhou.
P/1 – O senhor se lembra qual era o que seu pai plantava ali, qual era a cultura que ele plantava?
R – Ah, lá na agricultura? Era uma agricultura familiar, né? O meu pai praticamente ele plantava assim pra ele ter pra despesa da casa, despesa dos filhos. E tinha lá, sei lá, um canavial, um mandiocal, onde ele cultivava pra ter algumas criação, tipo, umas vaquinha, uns porquinho, a vida mesmo do caboclo lá do mato que tinha esse sonho.
P/1 – Pelas contas que eu fiz aqui de cabeça o senhor deixou a sua cidade com 11 anos?
R – Não, na verdade eu deixei a cidade, lá a minha cidade natal, eu já tinha os meus 20 e poucos anos, que eu saí de lá, que eu vim direto mesmo pra São Paulo. Eu vim em 1976. Tinha algumas passagens que eu vim, voltei. Vim pra São Paulo, ganhei alguma experiência no meu, na minha profissão. Voltei lá e praticamente como se fosse um instrutor dos meus irmãos, pra que meus irmãos também, certo, ganhasse também uma boa condição de trabalho, né? Foram se aperfeiçoando no ritmo da carne. Tanto que hoje, sei lá, uns cinco ou seis açougues lá que eles também trabalham, as minhas irmãs, os meus irmãos. E são engajados naquele negócio. Um tem um sítio que cria algumas vaquinhas também. Mas eles não passaram assim pro lado meu que vem pra São Paulo e procurou e criou os filhos aqui no ritmo de São Paulo. Eles continuaram lá no interior e os filhos deles também são estudados, são uns meninos já formado, os meus sobrinhos, né? E a vida é assim. É porque eu vim mesmo pra São Paulo e tô aqui desde o dia 06 de janeiro de 1976. Foi quando eu vim, montei um comércio aqui, que é esse comércio que a gente tá falando sobre ele hoje. E a vida vai indo assim.
P/1 – O senhor chegou quando criança, quando criança e jovem e adolescente, o senhor chegou a trabalhar também com a agricultura, com a criação?
R – Ah, sim. Nossa, toda a vida ajudei meu pai. Como o filho mais velho sempre era companheiro do meu pai que tinha que ajudar, né? Que ele tinha tantos filhos e necessitava de alguém que ajudasse ele. Eu e a minha irmã mais velha sempre fomos as pessoas que ajudavam ele, até em sair e ganhar algum dinheirinho à parte pra trazer pra dentro de casa. Então, trabalhei com meu pai, sim, desde oito anos de idade, que eu me lembro, que eu tinha oito anos de idade eu já tava lá.
P/1 – O senhor se lembra dessas atribuições, desse trabalho do seu pai?
R – Lembro. Lembro do meu pai, no caso, ele (corte no áudio) ele pegava o leite dos vizinhos e mandava eu e a minha irmã ir pra cidade e entregar esse leite pra ele ter um lucro, né? Pra ele ter um dinheiro lá pro... Então, ele pegava o leite dos vizinhos, botava num latão e dava pra eu e a minha irmã, que a minha irmã é dois anos mais velha do que eu. E a gente ia lá, os dois menino lá pro, pra cidade pra entregar o leitinho, pro meu pai ter um rendimentozinho extra, né? Então, lembro sim, ajudo o meu pai desde os oito anos de idade.
P/1 – E nessa sua juventude no campo o senhor chegou a trabalhar também com corte de gado, com...?
R – Não, lá era mais assim mesmo pra criar, pra criação, né? O meu pai criava os porquinhos dele. O que sobrava do que ele criava ele vendia pra também ter algum lucro, né? Então a vida do meu pai foi assim.
P/1 – E essa segunda cidade que o senhor se mudou, que o senhor viveu? Então o senhor saiu lá da sua cidade natal e foi morar em qual lugar?
R – Não, não. Eu saí do sítio e fui morar nessa cidade, que é Santo Antônio da Platina. A gente morava num sítio do lado da cidade e a gente foi morar em Santo Antônio da Platina. E lá, em Santo Antônio da Platina, começou com açougue e eu também já comecei ajudando ele na luta lá do açougue. Isso por volta de 1958, 1960, já tinha esse açougue lá.
P/1 – E como é que foi seu primeiro contato com açougue? O que o senhor aprendeu ali nesse primeiro contato?
R – Bom, eu fui trabalhar com meu pai, né? E nesse trabalho a gente... Os pais de antigamente não ensinavam os filhos como ensinam hoje, né? Aliás, os pais hoje não ensinam os filhos; quem ensina mais é a própria escola, né? E a nossa escola ali, no caso, era a escola do pai e a mãe. Alguma vez você morava no sítio e o pai te ensinava você a escrever teu nome, o pai e a mãe, que quase não sabia nada e ensinava. E como foi trabalhando no açougue, os primeiros passos que eu dei no açougue meu pai que falava: “Ó, fica lá no canto lá, limpando o osso ou limpando alguma coisa e ajudando cortar”. E já a gente já, com aquele, como que se faz, já com a vontade de aprender, praticamente a gente ia aprendendo sozinho, que antigamente era diferente de cortar um quilo de carne. Hoje você tem máquina que corta uma carne, você tem máquina que corta o osso. E antigamente você tinha que cortar quase na porrada, com o machado, com o facão. E era assim. Hoje, não. Hoje é diferente o trabalho. Então, comecei aprendendo ali com o meu pai. E algumas, quando eu fiquei tipo assim vai, 14, 15 anos que eu vi que era aquilo que eu gostava, eu saí em cidades vizinhas, trabalhava com alguém pra aprender alguma coisa (corte no áudio) com o meu pai.
P/1 – E como é que foi conciliar esse trabalho nessa época, porque você era tão jovem, com a escola? Como é que foi pra conciliar isso?
R – Bom, a escola era assim: graças a Deus eu acho que o homem já nasce inteligente sozinho, né? Não adianta o cara, não adianta você querer por inteligência numa pessoa que não quer que não vai virar, né? O que vira é a própria força de vontade da pessoa. Eu ia na escola duas, três vezes na semana e três ou quatro eu não ia porque eu ficava em casa estudando e não tinha tempo e o meu pai falava que pra ser açougueiro e pra (corte no áudio) necessidade de estudar. Pra quê? Era o pensamento dele, mas a gente sempre teve boa vontade. Então, alguma vez eu tinha que sair da minha casa fugido pra ir pra escola. Porque o meu pai falava: “Não, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo”. Mas a gente foi assim aprendendo meio que sozinho meio que, como se diz, na força de vontade mesmo, né? Foi então, era dois dia na escola, dois dia trabalhando, dois dia na escola, dois dias ou três dias trabalhando. E assim fomos indo.
P/1 – E esse açougue do seu pai era próximo à casa onde vocês moravam?
R – Próximo, próximo. Era distância do tipo, vai, um quilômetro. Dez quadras, por exemplo, longe do açougue.
P/1 – E tinha outros tipos de comércio ali nessa região também?
R – Tinha, normalmente aquelas, antigamente tinha aquelas venda, né? Que o cara falava venda de secos e molhados. Tinha algumas pessoas que até hoje são comerciantes, os filhos até hoje são comerciantes. E meu pai começou lá no meio dos comerciante ali, meio vindo da roça e nunca tinha nada na mão. De repente começou a ganhar um dinheirinho e começou, sabe, a se soltar. Comprou várias propriedades na cidade. E a gente foi ajudando ele, sempre ajudando ele. E assim foi. Tem vários comerciantes lá vizinhos nossos ainda que hoje ainda têm comércio lá.
P/1 – Você lembra quais que eram os hábitos alimentares da população daquela época? Que carne que saia mais no açougue?
R – Na verdade, hoje você chega no açougue e você pede um quilo de bife, né? Antigamente você chegava no açougue e pedia um quilo de carne. Você falava pro açougueiro: “Corta em bife” e ele fala: “Não, eu não sou seu empregado, eu não vou te cortar o bife.” Então, o que era antigamente? As pessoas compravam vai... chegava no açougue (corte no áudio) carne e ele levava pra casa, a própria (corte no áudio) a sua bisavó, por exemplo, ela levava carne, ela mesma limpava, ela mesmo cortava, ela tinha um martelinho que ela batia o bife com a mão, né? Hoje, não; hoje, você chega no açougue e tá tudo embaladinho, bonitinho, já leva as carninha cortadinha, os coxões mole, as alcatras, tudo já no jeitinho, a carne já vai moidinha. Antigamente tinha aquelas máquina de moer carne; o cara botava a carne e moía na mão. De vez em quando moía um pedaço do dedo junto (risos). Agora, hoje não, hoje mudou tudo. Mudou o sistema tudo de trabalhar.
P/1 – Mas antigamente tinha algum tipo de corte que era favorito ali ou o pessoal consumia picanha, como é que era?
R – Não, não. A picanha tipo vai, 1985, 1990. Foi nessa década de 1985 até 1990 que começou a aparecer picanha. Antigamente o que tinha era o coxão mole, o coxão duro. Cada região trata de um nome, né? Tem, vamos supor, aqui em São Paulo é coxão mole, coxão duro, lagarto, ou alcatra ou filé mignon – isso aí não muda. Agora, hoje, já inventaram um monte: a carne que era alcatra então ele virou picanha, maminha e o baby beef. Então já não é mais alcatra. Quer dizer, ainda tem muita tradição. Tem freguês que chega no açougue e fala: “Eu quero um quilo de alcatra.” Então você já corta o quilo. Outro pede: “Não, eu quero só picanha.” E o outro: “Eu quero só maminha.” Mas dá (corte no áudio) é a mesma coisa o cara... Vamos supor, o cara chega no açougue: “Eu quero um quilo de costela gaúcha.” Mas que tipo de... “Eu quero um tipo de costela de…” “Eu quero um quilo de costela...” Só que a costela, o boi só tem uma costela, ele não tem (corte no áudio) o cara que vai inventando. É, por exemplo, o cara chega hoje no açougue: “Me dá um quilo de patinho americano.” Não existe isso, patinho só existe um patinho. O cara pegou a paleta do boi, cortou e falou que era patinho americano. Quer dizer, é tudo coisa que o cara vai criando, inventando (corte no áudio)
P/1 – E naquela época tinha, na época (corte no áudio) do seu pai, tinha hábito de fazer churrasco como tem hoje ou era diferente?
R – Não, o churrasco antigamente era coisa assim só mesmo pra cara rico, né? Não tinha negócio do cara ir lá e comprar carne pra fazer churrasco, não. Tinha churrasco quando, por exemplo, o casal filho do fazendeiro mandava matar dois ou três bois, cortava a carne lá, misturava tudo, enfiava no pau e botava lá do lado da terra. Antigamente era assim. Quando eu cheguei em São Paulo em 1976 que a gente começou a vender, que o pessoal começou a pegar o gosto pelo churrasco mesmo. O cara comprava um quilo de bife e acendia o carvãozinho lá e jogava e falava que era churrasco. Então, o que começou a pegar mesmo do churrasco foi de 1985 a 1990, começou a aparecer grandes churrascaria aqui, que o cara do sul lá trouxe o nome de picanha. Não sei aonde o cara arrumou esse nome. A picanha. Aí tinha a picanha, tinha a maminha, tinha costela, tinha não sei o que lá. Mas até 1985, não. O cara só comprava carne mesmo só mesmo pra ele consumir na hora do almoço e na hora do jantar dele. Uma festa assim ou num casamento, o que é que tinha lá? Tinha um salgadinho, umas coxinha, aqueles negócio. Ou, quando o cara fazia um jantar que fazia lá uma massa, um arroz ou um pernil assado. Antigamente as festas eram todas assim. Hoje não. Hoje, o cara já faz um medalhãozinho com molho madeira, strogonoff, pé pé pé, pé pé pé, pé pé pé, tudo criatividade do próprio comerciante, que ele cresceu muito, né?
P/1 – Só pra administrar esse açougue, onde ele comprava a carne que ele vendia? Como é que ele fazia pra armazenar essa carne, como é que era?
R – Bom, quando a gente começou o açougue era diferente. Então, vamos supor, meu pai tinha dois cavalos, ele montava num cavalo e eu montava outro. E a gente ia lá no pasto, trazia o boi no laço, laçava o boi, trazia pro matadouro, a gente mesmo matava o boi, tá entendendo? Matava o boi, cortava, colocava dentro duma carroça ou... Naquele tempo nem carro tinha, né? Tô dizendo, fazendo pela Prefeitura, que a gente... O cara tinha lá na época tipo de um container, certo, só que era puxado por cavalo. Então, o cara pegava, cortava o boi em quatro, pendurava ali, os caras levavam até no açougue, lá na minha cidade. Então, o começo do açougue foi assim. Até que a higiene foi proibindo, porque tem contaminação. Você abate um animal, vem uma mosca contaminada, bota ali alguma coisa na carne lá, se você come te deu uma dor de barriga, já deu problema. Então, o começo foi assim, meu pai pegava uma carroça e foi até um sitiante e comprava o porco. Trazia o porco pro matadouro, ele mesmo matava e cortava, aquela carroça levava lá pro açougue. O boi meu pai pegava o cavalo, ele pegava um cavalo eu pegava outro, ia lá laçava o boi; trazia o boi lá no laço, trazia no matadouro, os cara matavam. Então, o começo foi assim. O armazenamento antigamente não tinha geladeira. Baseado naquilo que a gente começou a... Então, você abatia o boi, vamos supor, tipo sexta-feira. Da sexta-feira (corte no áudio) no açougue porque a carne vai quente. Então, existe um procedimento que, quando você abate o boi, você tem que esperar a carne esfriar. Você não consegue cortar ela; abater o boi e já cortar a carne, não consegue. Só se for num machado desse... Você cortando com uma serra não consegue. Então a carne tem que descansar. E era assim, como não tinha geladeira, o meu pai trazia pro açougue e deixava ele a noite inteira. De madrugada o meu pai ia pro açougue, eu e o meu pai, a gente cortava toda aquela carne e tinha que vender na sexta, no sábado e no domingo. O que sobrava no domingo à tarde já tinha que salgar tudo, não tinha geladeira. Então o começo era cruel mesmo pro açougueiro ali, onde eu comecei ali. Hoje a gente vê tanta coisa que facilita a vida do trabalho. Até hoje o índice de contaminação que as pessoas têm por carne é muito baixa por causa do cuidado que tem, né? Então antigamente era assim.
P/1 – Então no caso tinha uma produção muito grande de charque, também, que é aquele salgado?
R – É, antigamente você vendia assim, no açougue, muita carne charqueada, como o cara falava. Carne charqueada, carne de sol. E em cada região cada um fala uma coisa. No Paraná fala charque; em São Paulo, carne salgada; no nordeste, carne de sol. Mas, na verdade, é uma carne só, né? Então, como não tinha geladeira, a gente tinha que salgar tudo e pendurava. Depois você deixava ela tomar sereno que era pra ela voltar um pouco (corte no áudio) e cortava ela pra vender pro cliente, antigamente.
P/1 – E nesse lugar onde está o açougue do seu pai tinha bastante outros comércios, armazéns, né? Tem algum que o senhor se lembra especialmente? Que o senhor gostava de visitar ou por algum motivo o senhor se lembra mais?
R – O comércio de carne? O comércio de carne ou qualquer coisa?
P/1 – O comércio ali da região. Ali onde era o açougue do seu pai.
R – Olhe, tem algumas pessoas que têm ainda lá algum armazém. Tem uns que deixaram o armazém, passou pra outro, virou lanchonete. O cara tem casa de chope, bar, barzinho, tem esses tipo de barzinho. Tem uma pessoa lá que eu ainda lembro, que ele ainda tá vivo hoje, o Claudinei, né? Que é uma pessoa que tem, hoje ele tem, além da loja que ele tem, também tem uma loja chamada Choupão, certo? Que é lá de Santo Antônio da Platina. Tem alguma, uma pessoa que fazia o pão tipo quase artesanal que é o Sr. José Chagas, que é uma pessoa que deve estar vivo ainda, que é uma pessoa assim que a gente começou lá junto. É assim os dois que eu me lembro. Tinha uma lojas de roupa, chamada Lojas Americanas, que depois ele acabou, que hoje é uma potência, né? Lojas Americanas. Mas ele começou lá pequenininho, o negócio. (corte no áudio) Uma loja que, pelo amor de Deus, tem... Lojas Americanas hoje são... Mas começou lá no Paraná. O Habib´s, essa pessoa que criou o Habib´s também era lá da minha cidade, o português, o seu Antônio, que também ele mexia, além de... Eu acho que ele começou fazendo os hambúrguers dele lá, as... Como é que se fala?
P/1 – As esfihas.
R – As esfihas. Eu acho que ele começou fazendo lá, que ele mesmo fazia pra demonstração. Por que ele fazia essas esfihas? Por exemplo, pra ele acabar com a carne de gordura de dentro do açougue, certo? Então, vamos supor, tinha carne muito gorda? E ele o que é que ele ia fazer, tirar a gordura e jogar fora? Tinha que aproveitar, então ele começou a fazer aquele negócio com tomate, com cebola e tal e fazia aquele molho e botava na massinha e botava no forno, aquilo era maravilhoso. Até quando compra esfiha lá na minha casa lembro do pessoal lá que começou lá. Hoje, na verdade, são os filhos deles que cuidam desse Habib´s aí.
P/1 – E o senhor comentou que você e seu pai pegavam o boi e levavam até o matadouro. Esse serviço ele era pago? Ou depois, até mesmo pra transportar a carne abatida pro açougue, como é que funcionava?
R – Bom, na verdade, o lucro começava ali de você ir lá e comprar o boi. Então, por exemplo, você ia lá, chegava no pasto e o cara falava: “Ó, eu quero quinhentos, quinhentos contos”, na época. “Ah, eu quero quinhentos contos desse boi.” E, você levava aquele boi, pegava ele, levava pro açougue lá, abatia, pagava uma taxa pra Prefeitura. Então, pagava mais cinqüenta. Então já ficou em quinhentos e cinqüenta. Aí chegava no açougue e você calculava o lucro. Você embutia, o seu lucro já começava ali. Vamos supor, você chegava lá, sempre tem um preço por arroba. Então, uma arroba é 15 quilos. Hoje, por exemplo, uma arroba de boi tá na faixa de cento e vinte reais a arroba. Então custa oito reais, isso aí custa pra todo mundo. Então, o cara vai lá, vê lá 20 bois, cada um tem 15 arroba; então deu trezentas arrobas, paga as trezentas arrobas, manda abate e o frigorífico. O frigorífico faz isso, manda abate e te vende pra você por um preço. No caso, hoje, um quilo de traseiro custa, vai, nove reais e um quilo de dianteiro custa seis e cinquenta, sete – acaba fazendo uma média, tá? Então, o nosso lucro já começava ali. Hoje, hoje a gente tem que dá esse lucro, o lucro do fazendeiro até no frigorífico, o frigorífico tem um lucro. Aí tem a parte do que são os impostos, e já passa, né? Aí ele calcula aquele imposto e passa pra você. Então, a gente já compra a carne no ponto. Que, na verdade, o consumidor já paga desde que sai lá do... Faz esse trajeto aí até chegar no prato dele.
P/1 – O senhor mencionou que, desde muito jovem, o senhor ia pra outras cidades, pra conhecer, pra trabalhar.
R – Ah, certo.
P/1 – Quando é que começou, qual a idade que você tinha e pra onde é que você foi nas suas primeiras viagens?
R – Bom, na verdade, nessa primeira viagem foi quando eu fugia do meu pai, né? (risos) Porque eu queria aprender as coisas, meu pai não queria me ensinar e meu pai era assim. Ele era uma pessoa muito amorosa, de coração muito bom, mas era muito violento. Então, se ele falasse assim: “Você faz isso” e virava a cara. Aí se você falava: “Como que é, pai?” já recebia um tapão na orelha, pá! Então, uma vez, como toda a vida eu fui uma pessoa assim muito, muito sabe, querida pelo pessoal, muito prestativa, molequinho. O cara falava assim: “Ô Zé, você engraxa a minha botina?” eu ia lá e pegava a botina do cara e engraxava. “Ô Zé, você faz isso?” Faço e tal. “Ô Zezinho, você...” Então, alguma vez a pessoa convidava: “Ô Zezinho, você não quer ir lá no, vamos supor, no meu açougue lá em Joaquim Távora?”, por exemplo. “Tem um pessoa, lá, mas eles não têm. Você não quer ir lá e ensinar alguma coisa pra eles?” Quer dizer, eu tinha dez anos de idade e já passava alguma coisa dos ensinamentos que eu tinha ali, já passava pro pessoal. Dez, 12 anos. Então eu ia ali: Joaquim Távora, Siqueira Campos, ali em volta, Abatiá, que tinha uns pequenos comerciante de carne ali que o cara pegava um pedaço de carne, tacava o machado e vendia. Então eu ia ali, aprendia com eles e também ensinava alguma coisa que eu sabia, né? Então quando eu tinha 16 anos foi a primeira vez que eu vim pra São Paulo. Vim, assim, também já fugi do meu pai, né? Fugi do meu pai e meu pai não sabia nem onde eu tava. Eu vim e arrumei um serviço aqui num açougue na rua, alameda... Alameda Barros, ali atrás perto da antigamente Marechal naquele lado ali, onde tinha o canal cinco ali, a TV Globo, né? E eu fui trabalhar num açougue ali com um português e também aprendi muito. Que os açougueiros ali são tudo cobra criada. Então ali eu aprendi a corta bife, eu aprendi como que separava todas as carne certinho, cada pedaço de carne, como que tinha que fazer. Porque lá no Paraná era meio na pauleira, né? Então foi a primeira vez que eu vim pra São Paulo. Eu tinha, te falei, tinha 14, 15, mais ou menos nessa faixa. Andei ficando aqui uns, fiquei uns cinco, seis meses. O Juizado de Menor me pegou, fez eu ir embora, botou eu no ônibus, fez eu ir embora. Cheguei lá no Paraná fiquei um pouquinho, voltei de novo. Aí eu vim pra trabalhar num restaurante com uma pessoa, né? Vim pra, sabe, pra corta carne num restaurante com o cara. “Ah, vamos lá pra São Paulo, não tenho quem corta a carne. Você vai lá cortar pra mim?” Vim, aprendi também. Vim, depois o Juizado me pegou, fez eu voltar de novo. Então, a minha vida foi assim, eu saí muito. Vim umas três vezes, quatro vezes pra São Paulo ali, no início, pra aprender as coisas.
P/1 – Então vamos detalhar esse, esse (corte no áudio). Nessa cidade, quem que te levava: eram os donos de comércio? Como é que era uma viagem, como é que era feitas essas viagens?
R – É, normalmente de ônibus, né? Pegava o ônibus ali na rodoviária e ia até lá na cidade, tipo, a cidade tinha uma hora, uma hora e pouco de ônibus, ficava lá uma semana, 15 dias e quando o meu pai dava por falta de mim ele tinha que fazer eu voltar pra lá. Quando meu pai não ia me buscar, né?
P/1 – O senhor era pago pra isso?
R – Não, nunca recebia nada por isso. Nem do meu pai recebia. Quando que eu, que eu tinha que ter o meu dinheiro, assim, sempre pegava alguma coisinha pra fazer, sei lá, engraxar um sapato ou mais ou menos isso.
P/1 – E essa primeira viagem pra São Paulo, como é que surgiu o convite, quem é que te trouxe?
R – É uma pessoa, na verdade, o paranaense ele já é assim, é, parece que ele já gosta de música sertaneja já desde quando nasce, né? Então eu aprendi tocar meu violãozinho, tocando meio do jeito que conseguia aprender lá, meio de ouvido e tal. E aí comecei a cantar com uma pessoa e o cara falou: “Pô, Zé, vamos pra São Paulo, vamos tentar lá, vamos ver se a gente canta umas músicas lá e aí você já, você já arruma um emprego por lá e você já fica por lá.” Então eu vim assim, vim com uma violinha debaixo do braço, vim cantar também e foi um convite, uma pessoa me trouxe de lá do Paraná. Ele me trouxe, fiquei na casa dele uns dias, depois fui morar numa pensão, que não deu certo ficar na casa dele, né? E a gente cantava na rua, eu cantava nos botecos também. Era assim.
P/1 – Você tem lembrança dessa viagem, de quanto tempo durou, como é que foi?
R – Ah, lá no Paraná até aqui em São Paulo tipo umas seis hora de viagem, né? Seis horas de viagem. E até teve uma coisa curiosa, uma vez que esse meu... Eu vim algumas vezes com ele, não foi só uma vez. Vim uma vez, não dava certo, voltava. Ai pegava, ia lá na Bolsa de Cereais pegava carona com os caras que vinham trazer cereais pra cá e os caras me davam carona e eu ia, eu voltava com eles de caminhão. Uma viagem ele comprou a passagem, mas ele só tinha dinheiro pra comprar pra vim pra São Paulo. Se chegasse aqui não tinha dinheiro, tinha que dá um jeito de voltar, entendeu? Aí eu saí meio fugido lá do meu pai, não jantei, tava com uma fome, e vim pra São Paulo. Quando chegou ali na Maristela, antigamente, na Maristela, na Castelo Branco, chegamos lá aquela fome, eu falei pro Carlinhos: “E agora, Carlinhos, você tem um dinheiro pra gente toma um café?” “Não, não tenho nada, não.” Eu falei: “Então vamos lá.” Peguei o violão, começamos a cantar umas música e o pessoal começou a gostar. Eu falei: “Paga um café pra nós, né?” Aí os caras pagaram um café lá, um pão com manteiga. Já era uma hora da manhã. (risos) Então é uma coisa curiosa que aconteceu na vida da gente, né? Não é... É que eu tinha 15, 16 anos, mas já tinha essa vocação de sempre fazer alguma coisa pra pedir alguma coisa. Não pedir alguma coisa pra fazer, tá entendendo? Então, a gente (corte no áudio). Sempre oferecendo mais pra depois pedir alguma coisa, tá entendendo? Então sempre foi assim a vida.
P/1 – E na primeira vez que você chegou em São Paulo, você se lembra o que você pensou, o que você viu?
R – Quando eu cheguei em São Paulo?
P/1 – A primeira vez.
R – Acho que eu cheguei em outro planeta. Pô, acostumado no Paraná, você só via a luz da lua, praticamente, aquelas lâmpadas quase não acendiam, né? Aquelas lâmpada lá do interior. Quando eu cheguei em São Paulo e vi aqueles prédio, com aquelas luzes. Nossa! E trem? Metrô naquele tempo não tinha. Aqueles trens que passavam perto da gente e pitttz, né? E carro e buzinava em cima da gente, eu falei: “Meu Deus, que eu tô fazendo aqui?” Então, cheguei em outro planeta, né? Ou eu morri ou tô sabendo tudo, (risos)
P/1 – Você lembra onde que era esse lugar?
R – Olha, cheguei ali na Estação Rodoviária, ali na Júlio Prestes. Foi a primeira vez que eu cheguei ali na Praça Marechal, ali. Até eu lembro que quando eu cheguei eles estavam construindo aquele... Pra colocar o cavalo do Caxias lá, né? Aí eu falei pro meu amigo: “Nossa, aqui tá evoluindo. Já tem até cavalo lá em cima, olha? E os cavalo de aço, né?” Que tem um cavalo, do Caxias, lá com aquela espada, né? Quando eu cheguei eles estavam construindo; passou uns tempo que eu cheguei lá, já tava (corte no áudio) bom lá, né? Foi muito engraçado.
P/1 – E nessa primeira vinda a São Paulo, o senhor ficou aonde? Hospedado onde, em que bairro?
R – Olha, eu fiquei ali na Rua Guaianases, ali na Guaianases, tem até o número 1.3 (corte no áudio). Tinha uma hospedaria ali que o pessoal que vinha do Paraná sempre parava ali, os caminhões que vinha com cereais, os que traziam de lá, os caras sempre paravam ali. Então fui direto. Cheguei ali já encontrei algumas pessoas lá do Paraná, quer dizer, você já fica mais seguro, né? Alguma vez eu não tinha dinheiro pra pagar a pensão, eu pedia pros caras pra gente dormir dentro do caminhão. Então a gente dormia dentro. O cara da hospedaria era um cara muito bacana, então ele falava: “Não, não vou ter quarto, não. Se você quiser tomar banho, essas coisas, pode tomar banho, o banheiro aqui, essas coisas e tal, mas dormir aqui não dá.” Então o cara arrumava e a gente moleque dormia dentro da cabine do caminhão lá. Algumas vezes quando não tinha dinheiro era assim.
P/1 – E aí vocês tentaram a sorte como cantores de música caipira, né?
R – É, sertaneja.
P/1 – E como é que foi essa experiência?
R – (risos) É, foi assim, foi crescendo. A gente cantava um pouquinho, aí apareceu o pessoal que se interessou. A gente que gosta mais de você são os caras picaretas. Os caras picaretas encostam, que levam você para um lado, que levam pra outro e tal. E se ele recebia algum dinheiro ele não dava pra gente, ele ficava pra ele. Então foi assim. Meu amigo a gente participou de programa de calouro, cantamos. Chegamos na semifinal e naquele tempo do Chacrinha, do Sílvio Santos. Então, a gente, né, nós cantamos muita música sertaneja e lá no Paraná fomos convidado pra... Só que não deu certo, porque esse caminho aí é complicado, né?
P/1 – Mas conta pra gente mais um pouco, então? Como é que era o nome da dupla de vocês, que vocês cantavam?
R – Lá no Paraná nossa dupla era Campina Verdejante. A gente cantava as músicas do Tibagi e Miltinho, lá atrás do... As músicas do Tião Carreiro, as músicas do Pedro Bento e Zé da Estrada. Músicas românticas, né? Música raiz. Agora o cara fala que o Menino da Porteira é do Sérgio Reis. Menino da Porteira não é do Sérgio Reis. Menino da Porteira já tinha, quando o Sérgio Reis começou a cantar, já tinha quase... Então, a gente cantava esses tipos de música, né? Algumas raízes, algumas românticas. Tibagi e Miltinho era só mesmo música romântica, né? Depois foi evoluindo, hoje ainda tem o Trio Sertanejo que a gente canta nas festas do Rotary, que eu sou rotaryano. A gente canta nas festas do Rotary, na maçonaria, que também pertenço ao pessoal lá, né? A gente escolhe o compasso. E a gente ainda tem hoje. Quer dizer, na música não conseguimos nada. Na música só conseguimos aprender a beber. É alguma coisa, né? Beber cerveja, tomar caipirinha e tinha que ter juízo porque se você cantasse bêbado, a boca não funcionava. Então você tinha que primeiro cantar e depois tomar. Mas foi uma experiência boa. Tivemos algum sucesso aí, né?
P/1 – Como é que foi a experiência de ir na TV, cantar no Chacrinha, ficou impressionado?
R – Fiquei impressionado e o problema era a barriga que quase não continha, (risos) não continha o... O cara pensava assim: “Caramba, eu vou cantar pra todo mundo do Brasil. Vão tá me vendo.” Dá um nó na barriga, né? “Caramba”, mas era assim. Você chegava quando começava, já se soltava, você já, parece que o cara já... Então cantamos lá no Chacrinha, cantamos no Bolinha, no Sílvio Santos, mas foi bacana. Mas não virou nada. Tinha que ter muita, sabe? Você tem que ter um dinheiro pra gravar um disco. Fizemos no Sílvio Santos, na semifinal e ele falou: “Agora vocês tem que arrumar um patrocinador pra patrocinar. Vão dez mil reais pra vocês entrar no, naquele tempo, no longplay. Ele fazia um longplay. Eram 20 caras, cada um gravava, cada dupla gravava, um cara cantava uma música. Falei: “Pô, bixo, eu não tenho. Eu tive que pedir para um cara me emprestar um terno pra eu cantar aqui e você quer que eu arrume dez mil, dez mil reais no dia de hoje, né? Onde eu vou arrumar isso?”, “Ah, não, então você tá fora.” Fazer o quê? E sempre foi assim, as pessoas. Você vê aí um cara que passou por programa de calouro e tudo é porque ele teve uma projeção assim muito grande. Mas o cara de calouro...
P/1 – Tive que fazer uma pausa aqui pra trocar a fita, tá?
R – Tá.
P/1 – Que legal.
R – E aí como eu faço as festa da Band, meu buffet inclusive nós vamos fazer, agora dia 16, nós vamos fazer as festa deles, duas mil e quinhentas pessoas. Aí tava lá o seu Netinho lá todo metido e eu falei: “Boa tarde.” “Você não me é estranho, mas eu não tô reconhecendo.” Eu falei: “Eu faço, o Programa do Netinho, o filé mignon da TV brasileira, há quase cinco anos e eu faço.” “Ah, você que é o Zé, e tal.” Mas os caras da Record na época que gravaram lá.
P/1 – Gravou? Então, o senhor com toda essa experiência no mundo da TV, né?
R – É.
P/1 – Mas o senhor também falou que quando bem jovem trabalhou no açougue da Alameda Barros. Como é que foi? Em qual dessas viagens pra São Paulo que isso aconteceu? Como é que foi o convite e como é que você conheceu as pessoas que trabalhavam lá?
R – Bom, desse da Alameda Barros foi assim que eu cheguei. Chegamos lá do Paraná e eu falei pro meu colega, o Carlinhos, eu falei: “Carlinhos, e você tem dinheiro, como é que tá? Porque eu não tenho dinheiro. Eu trouxe alguns trocadinhos que eu trouxe pra viagem. Você tem dinheiro?” Ele falou: “Ah, não tenho dinheiro, não. Nós vamos ter que cantar nos bares aí e pedir dinheiro pros caras.” Eu falei: “Não, isso eu não faço. Não tenho essa cara não de fazer isso aí.” “Não, mas eu faço.” “Mas eu não acho justo. Então, o que é justo a gente vê se arruma algum emprego por aqui, alguma coisinha pra fazer e tal.” Aí ele foi na banca e comprou um Diário Popular, né? Do tempo do Diário Popular. Aí tava escrito lá: Precisa de menor pra trabalhar no açougue na Alameda Barros. Fui lá o cara falou assim: “É você que precisa do serviço? Mas magrinho assim desse jeito você não aguenta nada, você é um, um...” Falei: “Não, mas eu trabalho sim se o senhor precisar. O que o senhor precisa que faz no açougue?” “E quando você vai trabalhar?” “Não, já começo já.” “Ah, já começa já? Ô, então você é dos meus. Então pode começar.” Falei: “É, mas eu tô só com essa roupa e a minha roupa ficou”, tinha deixado lá na hospedaria, né? Lá na Guaianases, 1013. Ele falou assim: “Não, mas eu quero ver como é que você trabalha.” Aí já comecei lá fazendo uma limpeza, limpando as mesas, pegando o pano. Açougueiro sempre é muito porco, né? O açougueiro ele acompanha. Eu peguei já limpei as mesas, deixei tudo limpinho. Ele falou: “Ô você gosta das coisas limpinhas, bem arrumadinhas e tal. Então na hora do almoço você vai lá, traz uma roupa pra você que eu vou mandar você fazer uma entrega.” Aí comecei a fazer algumas entreguinhas ali e tal, porque ele tinha os açougueiros, né? Era um emprego pra menor. Então, vamos supor, eu ganhava, na época, era meio salário. Nessa época eu não tinha um salário mínimo. Era salário mínimo e meio salário mínimo. Meio salário mínimo era o cara que tinha menos idade. Aí ele pegou e falou assim: “Vou te pagar meio salário mínimo.” Eu fiz as contas e falei: “Pô, duzentos e 50, né? Pô, só de pensão vou pagar duzentos e 50.” Daí ele colocou eu pra fazer as entregas. Todas as entregas que eu fazia eu ganhava alguma coisa, davam uma caixinha. Ia entregar no bar o cara dava um café. Era... Então, e aí fiquei ali acho que uns dois meses, será? Três meses. E aí o Juizado de Menor me pegou e fez eu ir embora. Mas foi assim, foi ali no...
P/1 – Mas o senhor mencionou que aprendeu bastante coisa lá, né?
R – É.
P/1 – Então o senhor aprendeu em que sentido? Técnicas de corte ou manejar equipamentos?
R – É sim. Divisão de carnes, né? Porque lá no Paraná nessa época não tinha muita divisão. O cara chegava e pedia: “Me dá cinco quilos de carne” o cara pegava a faca e tchu, cortava e ia tudo misturado: coxão mole com coxão duro, com lagarto, com pescoço, com tudo. E ainda o cara botava um pedaço de osso de contra peso, né? Pra (corte de áudio). E ali então a gente foi ensinando como dividir as carne e tal e ali eu aprendi alguma coisa. Aprendi. E essa foi a primeira vez que eu tive ali, né? Fazia as entregas, conheci muito o centro da cidade ali nesses três meses porque você ia muito pra Praça da Sé, ia pra não sei onde, sempre pra fazer entrega. E sempre a sacola na mão, não tinha bicicleta nem nada. Pegava 15, 20 quilos de carne e jogava aquele saco nas costas e ia embora. Sacola nas costa e ia entregar pro pessoal. Molequinho, magrinho, mas...
P/1 – Sem perceber, deu uma diferença no hábito de alimentação do pessoal de São Paulo e do Paraná?
R – Ah, totalmente diferente, né? Até porque a gente, no meu caso, não tinha casa pra você comer. Você tinha que comer num bar. Você chegava naqueles botecos lá e pedia um PF, um prato feito, né? Então era ali, chegava num bar e pedia um pão com manteiga e um pingado. Então a comida da gente era esse aí, não tinha negócio de fazer comidas diferentes, pra o que você comer no almoço não podia comer à noite, que, sabe? “Pô, já comi arroz e feijão no almoço, vou comer de novo?” Nós, ali, não. Um PF no almoço, um PF na janta. Um copo de café com leite, um pão e manteiga, um PF, um copo de café com leite três horas da tarde, um PF à noite e era só isso. Não tinha negócio nem do cara... Até porque não tinha dinheiro e a alimentação é totalmente diferente. Lá no Paraná o cara era arroz, feijão, mandioca, farinha. Aqui, não. Era aquele pratinho feito e era aquilo mesmo.
P/1 – E aí o senhor foi pego pelo Juizado de Menores?
R – É.
P/1 – O que aconteceu? O que aconteceu pro senhor?
R – Não.
P/1 – Cobram multa ou simplesmente mandam de volta pra casa? Que acontece nesse caso?
R – Não, ele só perguntou, porque eu tinha documento: “O que você tá fazendo aqui?” “Não, eu vim trabalhar e tal.” “Mas você veio com quem?” “Ah, eu vim sozinho.” Porque não podia nem falar que tava com outra pessoa senão a pessoa adulta era responsável, né? “E aonde você tá?” “Ah, tô lá no, na hospedaria.” “Cadê a sua roupa?” “Tá aqui.” “Então, você não pode ficar mais aqui. Você tem que voltar lá.” Como é que você faz? Hoje tem celular, tem telefone, mas na minha casa não tinha nem panela, não tinha celular, não tinha telefone, não tinha nada! Pra me comunicar com a minha mãe eu mandava uma carta e 15 dias chegava a carta lá. Você mandava uma vez uma carta a que você mandou anterior não aparecia lá. Então era difícil até. Aí o Juizado pegava e falava, pegava um passe: “Qual a empresa de ônibus que vai lá?” “Vai a Princesa do Norte”. Pegava e: “Você deixa esse menino lá na Rodoviária.” E da Rodoviária alguém lá do Juizado do Paraná tava te esperando lá, levava você e entregava na mão do pai. Eu era de menor, né? Então era assim que funcionava. Por umas duas ou três vezes aconteceu isso. Meu pai até acostumou. O Juiz lá do Paraná até tava acostumado com me receber lá na Rodoviária e me levar pro meu pai. Mas era assim.
P/1 – Mas o seu pai te encorajava a vir pra São Paulo pra trabalhar ou ele queria que você ficasse lá pra trabalhar no açougue dele?
R – Não, ele queria que eu trabalhasse só. Eu falava: “Pai, dá cinco conto pra eu ir no matinê.” “Que matinê, o quê, rapaz. Homem não vai em matinê, homem só vai na missa e vai dormir.” Com ele não tinha esse negócio de matinê, cinema, não tinha nada. Meu pai era severo, era duro. E eu saia e falava: “Puxa, mas eu queria ter uma vidinha”, mesmo com aquela idade queria ter minha vidinha normal, né? E então, quando eu me irritava muito com o meu pai, fugia dele e ia embora.
P/1 – E continuando a sua carreira como cantor e açougueiro, como é que foi, depois da sua volta pro Paraná?
R – Lá no Paraná cantei algumas vezes, tinha uma rádio, um programa ao vivo, então o pessoal da cidade cantava lá e a gente cantava com o pessoal ali e eles levavam a gente pros show, né? Contratavam alguns shows, por exemplo, aquelas Casa Pernambucanas. Pernambucanas é mais conhecida. Riachuelo, Casas Buri. Então eles contratavam, vai, vamos numa cidade pequena e chamavam a gente pra cantar. Davam um cachezinho, a gente cantava as nossas músicas lá. Mas era coisa, não era dinheiro que você dizia: “Ó, cada um vai recebe mil reais”, hoje, por exemplo. Era assim 50, 30 reais. “Ó, te dou 30, te dou 50, vocês vão lá, cantam duas, três música lá.” Casas Buri contratavam a gente, Casa Pernambucanas contratavam, Riachuelo, tinha outra Casa lá chamada Casa dos Retalhos. Lojas Americanas que contratava a gente. Então a gente fazia essas músicas lá. Alguns programas de calouro que tinha lá. De calouro não, programa de cantor jovem da cidade, da região, que ia cantar, eles davam comida. E era gostoso. Mas não ganhava dinheiro não; só mesmo pra satisfazer o...
P/1 – Mas quando você ganhava dinheiro, você lembra no que você gostava de gastar?
R – Não, o meu dinheiro sempre ia pra mão da minha mãe. Todo dinheiro, até o dia que eu saí da minha casa definitivamente que eu tinha já 21 anos. Não saí da minha casa, é que vim trabalhar em São, Paulo, é que o dinheiro, todo dinheiro que eu pegava era cinco, um, dois, nunca eu ia no bar e gastava aquele dinheiro. O dinheiro ia sempre pra mão da minha mãe. Minha mãe falava assim: “Ó, Zezinho, tá aqui, isso aqui é pra você ir no cinema, isso aqui você guarda pra isso, isso pra aquilo.” Mas do meu pai mesmo nunca... Meu pai falou: “Ó, vou lá na loja comprar um par de sapato pra você.” Não. Sempre, desde que eu me conheço por gente minhas coisas sempre eu comprei. Quando não tinha dinheiro andava descalço, andava de chinelo. Hoje, andar de chinelo Havaianas é chique, né? A gente andava por necessidade. Uma Havaianas custa quanto? Quinze contos? Um par de sapatos custa cem. Então, você andava mais de Havaianas porque tinha o cara que falava: “Pô, mas você só anda de Havaianas?” Aquele frio danado e você andando de Havaianas. Então era assim, as minhas coisinhas sempre fui eu que comprei. Sempre fui eu.
P/1 – E como é que foi voltar pra São Paulo depois?
R – É, daí eu tive lá no Paraná, tipo, naquele período que eu vinha, o Juizado mandava de volta. Chegava lá no Paraná e ia ajudar meu pai e tal, e foi ali até mais ou menos, tipo, 19 anos. Aí eu fui fazer o tiro de guerra e quando eu terminei já tava com os meus 20 anos. Então, ajudei ainda meu pai, trabalhei em algum hotel ali, depois do exército ali, foi outra fase da minha vida. Até ali eu fui trabalhar num hotel, fui trabalhar em outro hotel e andei por ali ajudando meu pai mesmo, mas aí já não dava mais certo, não adianta. Meu pai ficou mais... Criava mais dificuldade, né? Porque você, a partir daí, você já é um homem, você não pode ficar, você já não vai aceitar. Logicamente, o filho sempre tem que escutar o que o pai tá falando, o filho tem que ter a personalidade dele, tem que saber o que é bom pra ele. Você não pode, por exemplo, falar, se o seu pai chegar e falar: “Não, não vai casar porque eu não quero.” Não, é assim. Se você gosta e se você quer, você tem que fazer isso, é o que eu sempre passo pros meus filhos. Então, quando cheguei naquela fase ali eu trabalhei num hotel e tal, saindo ali do meio da roça, trabalhando sempre naquela vida confusa ali. Aí fui trabalhar num, recebi um convite pra trabalhar num hotel da cidade ali, era o hotel top da cidade. Chamava até Hotel Municipal. E aí tinha, vamos supor, eles recebiam aquelas autoridades lá, governador ia fazer aquela campanha deles, sempre era a gente. Chegava no hotel ali, a gente hospedava. Como eu tinha muito, tinha boa aparência, sempre bem, era sempre o mais jovem daquele pessoal que trabalhava ali, sempre o dono do Hotel colocava eu pra atender aquele pessoal. Sempre eu era muito solto pra conversar. Conversava com todo mundo. Aí fui trabalhar nesse Hotel. Chegando nesse Hotel teve um casamento que era da filha do prefeito da cidade. Aí tava uma pessoa que tinha um pessoal de São Paulo, tinha uma senhora aqui da Frei Caneca e pediu pra que, a dona do Hotel pediu pra que eu atendesse aquela mesa ali, que estavam as autoridade ali, né? Eu tô atendendo e a mulher gostou do meu jeito e perguntou se eu queria vim trabalhar com ela aqui em São Paulo, porque ela tinha um hotel aqui na Rua Frei Caneca, se eu queria vim trabalhar com ela de garçom. Eu falei: “Ah, a senhora deixa o telefone; se eu precisar, eu vou.” E dali uns três ou quatro meses o Hotel lá também, o cara meio que com dificuldade pra pagar e chegava, sabe, você recebia o seu salário em cinco ou seis vezes no mês; eu ganhava quinhentos ele dava cem, depois dava cinqüenta. Eu não... Não tava certo. Eu peguei e vim pra São Paulo, lá na Rua Frei Caneca, Frei Caneca, 921. Era uma pensão, né? Até peguei o cartão dela, vim aqui em São Paulo, fui na casa daquele meu amigo Carlinhos no Horto Florestal. Aí ele que veio comigo. Cheguei lá na pensão, lá, a mulher me reconheceu. Falou: “Ah, você veio! Puxa, eu tinha certeza que você vinha. Você vai ter sorte aqui comigo.” Aí fiquei com ela. Cheguei lá e ela falou: “Quando você quer trabalhar?” Falei: “Não, já vim pra trabalhar, já tô aqui.” “Então, pode começar a trabalhar.” Trabalhei no dia e ali eu fiquei até, isso já foi 1968, mais ou menos, né? De 1968 fiquei lá até no meio do ano de 1970 trabalhando com ela. Só que era assim, eu trabalhava com ela no restaurante dela. E o restaurante dela não trabalhava em dia de sábado à tarde nem domingo. Aí eu ia fazer bico nos buffets. Eu ia fazer bico nos buffets e eu ia cantar com o pessoal que também ia cantar em banda e eu ia cantar com os caras e sempre ganhava um dinheirinho extra, assim. E fiquei ali trabalhando com eles todo esse tempo, então ganhei muita experiência. Eles eram uma família de italianos, que tinha uns restaurante e que tinha umas pessoas maravilhosas que me ensinaram muito, o que o meu pai e a minha mãe não tinham como me ensinar. Eles naquele período que eu fiquei com eles, eles me ensinavam, eu cantava pra eles, eles adoravam. Então, ali eu fiquei com eles até o final de 1970, isto é, meio do mês de 1970, meio do ano de 1970. Depois eu voltei lá pro Paraná que meu pai ficou doente. Aí eu assumi definitivamente o açougue dele. Fiquei até casar em 1973; aí passei o açougue pros meus irmãos também. Dali eu já comecei minha luta sozinho. Tinha o meu açougue.
P/1 – Foi quando, então, o senhor se casou em 1973?
R – É, casei em 1973.
P/1 - E já passou o açougue pros seus irmãos?
R – É, eu trabalhava com meu pai, casei, e passei o... Porque eu cuidava do açougue do meu pai, né? Aí quando eu casei, eu comprei o meu açougue e passei o açougue que era do meu pai, que ele tinha dois, passei pros meus irmãos. Meus irmãos foram cuidar em 1973 e fiquei lá até final de 1975, que depois eu vendi pra vim pra São Paulo, né? Que eu vim em 1976.
P/1 – E como é que foi essa decisão de vim pra São Paulo? O que te motivou a deixar o seu açougue lá e vir pra cá?
R – É que, por exemplo, eu vindo aqui pra São Paulo, eu tinha o meu irmão que tinha uma frutaria, em 1975, que eu vim visitar ele. E meu irmão tava montando uma frutaria lá na Rua Guaricanga, onde eu estou hoje. E o meu irmão falou: “Você não quer vim pra cá, trabalhar com nós?” “Mas o que é que eu vou fazer aqui?” “Ah, monta um açougue.” Então ele montou a frutaria e tinha um bom espaço e no fundo eu montei um açougue. Mas não foi em 1975 não. Eu vim em 1975, conversei com eles e aí no dia 06 de janeiro de 1976 é que eu vim pra São Paulo. Vim aqui e eu até falei pra ele: “Olha, João, eu venho, vou ficar aqui um ano, dois, depois eu vou voltar pro Paraná.” E eu sou casado pela segunda vez. Nessa época eu tinha a minha esposa, até ela ficou meio assim pra vir, né? E eu tinha a minha filha, minha primeira filha. Aí deixei eles lá e vim em janeiro de 1976 pra cá e montei esse açougue com meu irmão lá. Fiquei até no final de, até no meio do ano de 1978. Aí aconteceu uma fatalidade: minha primeira esposa, ela ficou grávida e, quando foi ter o meu segundo filho, teve uma parada cardíaca e foi embora. Ficou eu e a minha filha de três anos e esse meu filho recém nascido, que é o meu filho mais velho, Fábio. E fiquei viúvo com as duas crianças.
P/1 – E nesse período, então, o senhor tava se dedicando ao açougue sozinho?
R – É.
P/1 – E como é que era?
R – É, nessa frutaria aí eu fiquei com eles até o final, até o meio do ano de 1978, né? Foi quando a minha primeira esposa, Rose, faleceu. Aí a vida virou de cabeça pra baixo, né? Porque eu fiquei com uma menina de três anos de idade e um filho recém-nascido, sozinho, em São Paulo. Falei: “Vou vender minha parte e vou embora pro Paraná, né?” Mas nesse período apareceu uma pessoa que falou: “Pô, na Marcílio Dias não tem nada, não tem um estabelecimento. Por que você não abre um açougue lá?”, que é esse da foto que eu tenho aí, sabe? Esse que eu te dei a foto aí. Aí fui lá, olhei, acertei com o cara lá o aluguel. Falei: “Ah, vou montar aqui, então.” Aí comecei no meio de 1978 lá. Parei no meio do ano de 1978 lá na Guaricanga e no finalzinho do ano já tava no... Minha vida mudou radicalmente. Aí comecei ali no finalzinho de 1978 com dificuldade, até pelo ocorrido que teve lá com o falecimento da minha esposa, eu fiquei muito conhecido com o pessoal ali, o pessoal que me prestigiava, os vizinhos iam lá, me animavam, sabe? E aí comecei a minha vida. Daí conheci a Sônia, que é a minha esposa hoje. No final de 1979 nós casamos. Aí ela me ajudou até agora e a minha vida foi embora. (risos) Aí foi tranquilo.
P/1 – E desde esse início de vida aqui em São Paulo que o senhor veio pra ficar, o senhor ficou no bairro da Lapa, então?
R – Sempre no bairro, sempre na Lapa.
P/1 – Por quê? Por causa do seu irmão ou tem algum outro motivo que te levou pra esse bairro?
R – (risos) (corte de áudio) mulher que eu tava predestinado a desencalhar ela, né? (risos) Eu tinha essa missão, de desencalhar ela. Ela tinha 19 e tava encaiada. Eu com 30 anos, com dois filhos, vim lá do Paraná pra... Eu fiquei ali, gostei, né? Porque ali praticamente a Rua Guaricanga é uma família e eu me entrosei perfeitamente com aquela família ali da Guaricanga e aquele pessoal ali também, sabe? A gente se tornou uma família ali e a minha sogra também já morava ali há tantos anos e a minha vida é ali na Guaricanga ali.. Eu acabei comprando onde eu moro hoje, construí o meu prédio lá, graças a Deus.
P/1 – Me explica, e essa Rua Guaricanga, como é que ela é? É uma rua comercial, uma rua grande, era perto de onde?
R – Então, a Rua Guaricanga quem começou o comércio lá praticamente fomos nós. No final de 1975 o meu irmão montou essa frutaria. Não tinha nada ali. Na Rua Guaricanga não tinha comércio. Tinha uns dois ou três botequinhos que... Mas comércio mesmo, assim... Até o cara falou: “Pô você vai montar um açougue lá, você é maluco? Lá ninguém vai comprar nada de você.” E falou assim, né? Falei: “Não, o comércio quem faz é o comerciante”, né? Tem um cara, você, por exemplo, você tem um cabeleireiro específico que corta o seu cabelo. Se ele muda lá pros Jardins, muda lá pra Osasco ou qualquer lugar, você vai atrás dele. É uma questão de confiança. Mesma coisa é o comerciante. O açougueiro, por exemplo, que é o cara que corta carne do jeito que você gosta, também é mesmo estilo do cabeleireiro. O cara que faz suas camisas, a loja que você compra suas camisetas. Sempre é assim. Então o comércio é assim, sempre foi, sabe? Encaixando hoje, nossa (corte de áudio), conhecendo as pessoas, as pessoa me incentivando.
P/1 – E esse início de você ter o seu próprio açougue, como é que foi pra você conseguir treinar o funcionário, pra você contratar funcionários, como é que foi?
R – Não, toda vida foi eu mesmo que fui, eu comecei sozinho. Eu era o cara que matava o boi, que desossava, que lavava o açougue, que fazia a lingüiça (risos) até lingüiça eu fazia no açougue. Fazia lingüiça, fazia carne seca, sempre fui eu. Aí eu pego, por exemplo, eu gostei muito de pegar... Eu lembro quando eu tinha meus 13, 14 anos, eu pegava os meninos e ensinava eles, sabe? Ensinava do meu jeito. Então, têm vários. Olha, eu devo ter, mais ou menos, que eu ensinei assim, acho que umas, uns 30 profissionais. Olha, tem um cara que aprendeu a trabalhar comigo, hoje ele tá três vezes mais rico do que eu. Que rico! Tem três vezes mais do que eu. Eu não sou rico, eu sou um cara... Eu sou rico porque eu sou feliz, meus filhos são todos perfeitos, eu tenho saúde, eu moro num lugar que todo mundo gosta. Então, pra mim isso aí não tem dinheiro que pague. Mas eu digo assim, em dinheiro, eu tenho cara, menino que eu tirei da roça lá que eu ensinei que hoje o cara tem frota de caminhão, o cara tem, o cara transporta boi, transporta... Então, foi moleques assim que eu ensinei. Tem cara que tem rede de açougue, tudo menino que eu ensinei. Então, mas sempre passando isso, ensinando que primeiro você tem que fazer pra depois exigir alguma coisa. Então, sempre passava isso pra eles. Aqueles que assimilaram, que foram ouvindo a minha conversa e tal, hoje estão tudo bem. Então, no começo era assim: eu pego o menino, eu vejo que o menino tem jeito, então vai ensinando devagarzinho, com paciência, sem tapa na orelha que nem o meu pai dava. Sempre, assim, sabe? Incentivando. Então têm várias pessoas. Então quando eu chegava assim tipo três ou quatro tava comigo, um saía e ia trabalhar com outro, monta o seu próprio negócio. Então sempre foi assim. Ah, os meus filhos todos trabalham comigo. Eu tenho os meus três filhos, um é formado em direito; o outro é formado em administração; o outro fez jornalismo. Igual eu falei pra você que ele trabalha no açougue comigo como se fosse um açougueiro mesmo. E o cara é formado. Eles cortam a carne, eles vendem bife, eles embalam as carnes todas, trabalham lá normal, como se... O cara formado ali, só que mais, eu imagino que eles vão ter muito mais oportunidade de ter mais do que eu tive. Por quê? Porque eles são pessoas instruídas, né? São pessoas que foram numa escola, aprenderam a parte teórica. E aqui é tudo teórica e prática e mistura tudo junto e vai formando aquele bolo. Sobraram cem contos no fim do mês, tá bom demais, né? E pagamos todas as contas, tá bom demais. Mas eles não, são instruídos, têm várias coisa pra... Então a vida que eu ensinei pro pessoal, eu sempre peguei o açougue bruto. Aí pego alguém ensino, me ajuda. E assim foi. Hoje eu tenho, funcionário fixo eu tenho oito. Mas têm 80 freelancer que trabalham comigo no buffet.
P/2 – E na época que o senhor abriu esse primeiro açougue aqui em São Paulo como é que era essa questão de abater a carne? Onde que abatia? Se tinha que pagar alguma taxa, pra quem? Como é que era?
R – Não, aqui em São Paulo já era diferente, porque a carne já vem do interior. Então, por exemplo, quando eu comecei tinha o Tendal, que hoje é o… Como é que é... da Lapa?
P/1 – Tendal da Lapa.
R – É o museu lá da Lapa?
P/1 – Das Oficinas Culturais agora.
R – É, ao lado do Itaú. Antigamente era ali. Ali era o entreposto de carne que vinha que abastecia toda essa região aqui: Lapa, Pinheiros, Freguesia. Então, as carnes ali praticamente dali... O boi, por exemplo, é abatido lá em Araçatuba, que é perto do Mato Grosso. Então traz o boi pra Araçatuba, abate o boi, põe nos caminhões, traz ali. Ali tem uns distribuidores que distribuem aqui. Então funciona mais ou menos assim. E funcionava assim, né? Hoje já vem diferente. Hoje ou o boi ou a carne vem direto e te entrega no açougue ou você já tem as distribuidoras que vêm as carnes todas encaixotadas. O cara desossa lá, põe nas caixas e traz também encaixotada.
P/1 – Então, nesse início, todo comércio de carnes ali era feito a partir do Tendal da Lapa?
R – Era feito a partir do Tendal.
P/1 – Abrangia só essa zona oeste ou abrangia outras regiões da cidade também?
R – Olha, era uma distribuidora, né? Então, eles podiam vender carne pra São Paulo inteira. Tinha um outro entreposto na Penha. Tinha lá na entrada que vai pra Santos, ali na Imigrantes, né? Antigamente nem Imigrantes tinha, era só, como que chama ali a que vai pra Santos? Anchieta. Via Anchieta. Ali perto do Museu do Ipiranga, ali tinha também um entreposto grande ali, que recebia as carnes ali e distribuía pra aquela região.
P/1 – E a questão da armazenagem agora nesse novo momento, como é que era?
R – Agora?
P/1 – Do estoque ali. Não. Nessa época.
R – Não, era armazenado ali. É, poucos açougues na época tinha câmara fria. Hoje, não. Hoje você tem uma câmara fria, que você traz, vamos supor, tipo 20, 30 peças de carne lá do interior e você tem um armazenamento bom. Eu, por exemplo, tenho. É fácil, a carne conserva bem, dez dias ali dentro da geladeira e com cuidado a gente vai... Hoje também tem as embalagens que você pode desossar a carne e embalar tudo aquilo. Eu tenho minhas máquinas de embalar que eu guardo tudo embaladinho. Questão de higiene, questão de segurança, de conservação da carne pra não contaminar hoje é muito bom, tá? Nos açougues lá do interior, dos bairros aí, que os caras não tão muito aí, né? A fiscalização tá cuidando muito bem disso aí.
P/1 – Mas na época do seu primeiro açougue já tinha essa câmara no seu açougue?
R – Não.
P/1 – Tinha uma geladeira?
R – É, tinha uma geladeira que você coloca. Aquelas geladeiras grandes que tinha dentro do açougue. E que começou a fazer alguma coisa de câmara assim foi a partir de 1990 pra cá, que os açougueiros faziam. Eu, nos últimos açougues que eu tive, sempre tive câmara fria. Então manda fazer a câmara que cabe lá 20, 30 peça de carne pra armazenamento. É maravilhoso. E também a carne tem outra qualidade pro cliente, pro consumo, né?
P/1 – Então, nesse início, lá na Lapa, quantas vezes por semana o senhor era obrigado a fazer as compras lá no Tendal pra não estragar a carne, pra repor o estoque? Como é que era?
R – Normalmente, três vezes por semana, né? Você pega a carne na segunda, pega na quarta e depois pega na sexta. Isso aí é mais uma questão assim de... Até quando a gente não tinha câmara fria e tal. Hoje, não. Hoje você pode pegar duas vezes por semana: você pega na segunda e pega na quinta, que a carne conserva melhor nas câmaras, né? Mas antigamente era três vezes por semana. Você pegava na segunda, pra trabalhar segunda, terça e quarta; pegava na quarta pra trabalhar quarta, quinta e sexta; pegava na sexta pra trabalhar sábado, domingo e segunda.
P/1 – E com essa implementação da câmara fria, da geladeira, ainda era necessário fazer o charque ou já não se fazia mais o charque?
R – Não, não pode nem fazer. Ih, se a Prefeitura pega dá um... Não pode nem fazer lingüiça, essas coisa já tem que comprar tudo feito. Dá licença, tomar um?
P/1 – Sim, claro. E quando é que foi que o açougue começou a crescer o suficiente pro senhor ver a necessidade de contratar funcionários? Como é que foi?
R – O açougue começou a crescer muito, principalmente... Não, eu toda vida não posso reclamar. Toda vida tive bastante cliente. Sempre umas duas pessoas a mais pra me ajudar, né? Mas a partir de 1990 que meu açougue começou a pegar mesmo. Foi na época do Sarney, naquela época que houve aquela, aquele negócio de abate, que ele tabelou a carne, que começou a dar problema. Então foi ali que você ganha clientela, quando não tem o produto que você ganha o cliente. E muitas pessoas me conheciam ali, principalmente na Lapa, que me conheceram ali. Porque tinham várias opções pro cara comprar. Só que eles não achavam as carnes pra comprar. Então veio comprar comigo, sentiu a qualidade, né? Sentiu a qualidade, a honestidade. Porque tudo que você faz na vida é honestidade que conta. É, por exemplo, se você vai num restaurante, você pede alguma coisa que não tá legal, o cara tem obrigação de te avisar que não tá legal. E a mesma coisa é a carne, você chega lá no meu açougue e você diz: “Olha, eu não vou te dá hoje porque não tá legal. Não é pra você.” Então, eu comecei a ganhar o cliente assim, certo? Nesse tipo de trabalho. Igual, por exemplo, o cara vai lá no Sílvio e diz assim: “Sílvio, eu quero um quilo de filé de pescada.” Se não tá legal, ele tem obrigação e ele faz isso que eu sei que faz: “Olha, não leva que não tá legal. Pega amanhã.” Quer dizer, ele tem interesse em vender, ele tem que vender, mas tem que... Tem um outro tipo de pessoa que consome aquilo ali que ele passa pra outras pessoas, né? É a mesma coisa isso. O cliente vai te conhecendo e vai pegando confiança em você. É o que ocorreu comigo. Hoje eu tenho cliente que liga lá e pede, tipo, duzentos, quatrocentos reais de carne e vira as costas e eu entrego na casa dele e ele não sabe nem se o peso foi certo, mas o que manda é a honestidade da gente, sempre a honestidade.
P/1 – Então, nesse período da década de 1970, que o senhor abriu o mercado na Marcílio Dias, não, o açougue na Marcílio Dias, até a década de 1990 o açougue permaneceu pequenininho?
R – É.
P/1 – Com pouco funcionário ou com nenhum funcionário? Como é que foi?
R – Não, ele era assim: De 1978 da Marcílio Dias até 1990 foi um açougue assim normal, né? Eu tinha bastante cliente, vendia muito, trabalhava bastante. Até porque não tinha muita condição de pagar funcionário. Então, por exemplo, nesse açougue da Marcílio Dias, no começo, tinha dia que eu tava na minha casa dez horas, esperava terminar o Fantástico, eu ia pro meu açougue receber as carnes, que o cara me entregava domingo à noite. Eu cortava ela, guardava tudo, ficava até uma e meia, duas horas da manhã trabalhando pra guardar tudo aquilo. Na segunda-feira, tipo seis horas, seis e meia eu já tava no açougue pra guardar, pra desossar, pra limpar o açougue pra começar o dia. Então, era assim. Não era questão, eu tinha até condição de... Necessidade de contratar funcionários, mas não contratava porque eu não tinha condição, não tinha como. Funcionário você tem que pagar. E na época eu tinha que pagar escola pros meus filhos, aluguel pra morar, aluguel pra trabalhar. Então, não tinha como, era a gente que tinha que fazer.
P/1 – O senhor mencionou o período do governo Sarney da sua dificuldade de encontrar carne, mas e o período da inflação? De que forma afetou o seu comércio?
R – A época da inflação era, assim, você tinha que... Normalmente o frigorífico vendia assim: ele te vendia a carne na segunda e você tinha que pagar na terça. Se você não pagasse na terça ele já corrigia, na quarta-feira já corrigia. Então, vamos supor, você comprava mil reais de carne pra você pagar na terça. Se você não pagasse na terça, na quarta-feira ele já corrigia. Se você não pagasse, eles não entregava a carne. Época da inflação foi difícil. Como eu, toda vida, fui uma pessoa muito controlada em parte de dinheiro, essas coisas, eu fazendo as coisas sempre com o pé no chão, muito pelo contrário, eu sempre ganhei dinheiro. Porque era assim: eu ia no frigorífico e falava: “Ó, eu quero dez traseiros.” ‘Vai custa mil reais.” Eu dava lá mil reais e ele me entregava a carne. Dez dias depois eu já ganhava em fração daqueles dez dias. Naquele tempo tinha o over night, tinha over... O cara aplicava o dinheiro, você tinha dinheiro na conta, passava. No dia seguinte, ele voltava e aplicava de novo naquela financeira. Eu, não. Eu pegava o meu dinheiro, ia lá, comprava o boi e o cara me entregava. Tinha vez que durante, assim, dez dias, a carne aumentava 30%. Era 30% e você já tinha carne, você tava com o dinheiro seguro. Era.
P/1 – E o senhor mencionou que na década de 1990 o comércio começou a crescer, o seu comércio.
R – É.
P/1 – Em que sentido? Que o senhor adquiriu novas lojas ou a sua loja foi ampliada? Como assim?
R – Não, eu fui ampliando, ampliando, ampliando a minha loja. E com o açouguinho ficou já uma casa de carne. Depois já ampliei pra o buffet, e aí eu criei o buffet paralelo. Porque era assim: o pessoal queria fazer churrasco; então, eu já preparava a carne e já tratava uma pessoa e ia fazer pra ele. E aí o buffet começou a caminhar junto, tá entendendo? E várias vezes o pessoal me ligava: “Dá pra você fazer espetinho pra nós?” Porque têm essas outras empresas aí que fazem, mas eles fazem tudo com muito conservante. Não vou nem citar o nome porque... Mas o pessoal me ligava: “Ô Zé, dá pra você fazer aí tipo 20 quilos de espetinhos? Trinta, 50, cem quilos?” Eu fazia. “Dá pra você temperar as caixas de carne?”. Essas empresas grandes, Estamparia São Tomás; empresa grande aí, Eletropaulo, Sabesp, faziam aquelas festa de dois, três mil funcionários e eu preparava a carne pra eles. Então, o meu foi crescendo assim, sabe? Junto. Eu arrumava o pessoal pra ir trabalha pra eles. Então era assim.
P/1 – E mesmo na década de 1990 o senhor ampliou o mercado. Então, como é que foi mudando a fachada dele, o senhor pode explicar? Como é que era antes, depois, o espaço que era utilizado, a localização dos balcões? Como é que foi mudando, assim, fisicamente?
R – É, então, vamos supor, o meu açougue nunca passou assim de 40, 50 metros, né? Aí chegou a 80, chegou a cento e 20 metros. Hoje, aonde eu estou lá, que é de minha propriedade, tá em cento e 60 metros. Distribuídos bem os balcões com freezer, com opção de bebidas pra churrasco, de bebidas pra... De salgadinhos pra festa. Então, você quer montar uma festa pra quinhentas pessoa amanhã, você vai lá e em uma hora eu monto pra você. E mando o pessoal pra trabalhar, pra fazer o negócio.
P/1 – E já instalou a câmara fria também?
R – Isso. Já toco tudo dentro da câmara fria. Já tem do lado, também, um, um, que é o meu escritório, que é o escritório do buffet. Já tem uma casa do lado, que lá tem toda a minha parte de informática, das festas, onde eu guardo meus equipamentos pro trabalho.
TROCA DE FITA
P/2 – O senhor tava falando do espaço físico do açougue. No começo, como é que era? Os produtos ficavam expostos em freezers, em vitrines? As pessoas escolhiam o produto e você dava? Elas pediam e você dava ou ia em outro lugar pegar, como é que era?
R – Bom, a gente vai falar de 1990 pra cá, né? Porque até ali sempre foi meio no pau mesmo, né? A carne chegava, você deixava um pouco dependurada; a geladeira era muito, muita, não tinha muita condição técnica de armazenamento. Mas hoje, não. Hoje a carne chega, você já deixa ela totalmente dentro de uma câmara. Ela sai do caminhão termoquímico que já é refrigerado, já entra pra dentro da câmara. Então, hoje ela fica conservadíssima assim. Já lá em 1990, mais ou menos, a gente tinha que deixar alguma coisa exposta, né? Então você passa naqueles açougues você vê aquele monte de carne na vitrine. Aquilo lá, aquilo hoje só mesmo em mercadão que ainda vê. Mas em casa mesmo, açougue, você já vê tudo arrumadinho dentro dos balcões frigoríficos, tudo muito bem conservadinho. Isso eu tô falando de muitos comerciantes de carne que têm esse cuidado, né? Que têm a noção do perigo de contaminação do produto, porque carne é um produto muito perigoso, né? Então, hoje, de 1990 pra cá começou essa fase. Já, até no ano dois mil, de 1990 até dois mil, 2002, 2003, 2005. Também de 2005 pra cá já teve outra mudança em relação à carne. Mas a gente tem esse cuidado, sim, de hoje tá bem conservado. A gente têm as câmaras frias. A carne já sai do caminhão já entra dentro da câmara fria, não tem mesmo quase contato, assim, com calor e frio, calor e frio. Tudo conservadinho.
P/1 – Antes da gente entrar pra essa parte do buffet, que começou a crescer junto com o açougue, o fornecimento, a compra no Tendal ali da Lapa durou até quando, mais ou menos? Porque hoje já não funciona dessa forma, né?
R – É.
P/1 – E de onde o senhor começou a comprar depois que o Tendal da Lapa encerrou as atividades mesmo?
R – É, eu não tenho assim mais ou menos base de até quando foi o Tendal; deve ter ido até mais ou menos 1984, mais ou menos. Não tenho noção assim de até quando foi. Mas antes de fechar o Tendal eu já comecei a comprar de outro pessoal que trazia do interior. Por exemplo, tinha uma, em Bernardino de Campos tinha um frigorífico lá que o cara abatia e o cara trazia, já com muito conhecimento deles. Eles já traziam e entregavam direto. Eles já abatiam e entregavam direto. Eles tinham um entreposto aqui na Leopoldina que também eu comecei a comprar deles, também, sabe? Um pessoal que a gente vai pegando conhecimento, pegando confiança, né? E o produto de muito boa qualidade. Então, depois desse período do Tendal ainda tinha esse, algumas distribuidoras que tiveram aqui na Vila Leopoldina.
P/1 – Já era com caminhão adaptado, frigorífico?
R – Ah, caminhões, sempre.
P/1 – Quando surgiram esses caminhões?
R – Eu, mais ou menos, por essa faixa aí, 1984, 1985 já vinham bem. Apesar que eles já vinham bem mais distantes, né? Mas era mesmo só pra transportar, vamos supor, do interior até chegar São Paulo. Aqui em São Paulo já saia nos caminhões normais, tipo caminhão baú, que não era refrigerado. Era um caminhão térmico, mas não era refrigerado, era só térmico.
P/1 – Hoje a legislação manda que até a porta do açougue tem que ser refrigerada.
R – Tem que ser refrigerado. O caminhão que entrega carne tem que ser termoquímico. E ainda têm pessoas teimando. Leva multa e prende o caminhão. Então isso aí.
P/1 – O senhor sabe a partir de que época que teve essa determinação de ter refrigerado o caminhão inteiro?
R – Ah, de 1990, da década de 1990, do meio do ano de 1995 pra cá já teve toda essa exigência, né?
P/1 – E isso também impôs uma transformação nos fornecedores? Teve fornecedores que não se adaptaram à essa nova legislação? Teve que mudar o fornecedor ou todo mundo se adaptou? Como é que foi?
R – Não, na verdade é que antigamente tinha os marchante, né? Que era o cara que o caminhão trazia carne até no entreposto e ali tinha um determinado comerciante que era tratado de marchante, que era o cara que comprava carne e revendia pro açougue, tá? Então era esses, aí que botavam no caminhão térmico e distribuíam. Esses aí acabaram, não existem mais. O que tem mesmo é o caminhão que traz direto. Alguns que trazem direto e te entregam direto. Entreposto de carne, em São Paulo, eu acho que, se tiver é muito pouco. Mas tá em extinção, já. Hoje tem entreposto, né? Que o cara compra a carne já desossada em caixa e aí vende pros açougueiros. Você quer caixa de coxão mole, tem; quer caixa de alcatra, tem. Então, tá mais ou menos isso.
P/1 – E isso vale tanto pra um açougue de bairro ou de rua quanto pra um mercado e supermercados?
R – É, o supermercado hoje é tudo carne, tudo caixa, né? Tudo caixaria. Eles não pegam carne pra desossar, não. Não existe mais isso aí. E tem algumas redes que tem também o local onde eles compram o boi, desossam ali e já mandam pronto, né?
P/1 – E o senhor trabalhou ali, a primeira experiência no açougue em São Paulo foi na década de 1960.
R – Certo.
P/1 – Na Alameda Barros?
R – Hum, hum.
P/1 – O senhor notou alguma diferença na mudança do gosto da população em relação à carne? Tipos de (corte de áudio) que o pessoal pede mais? Tem uma diferença muito grande aqui em São Paulo da década de 1960 pra cá?
R – É, hoje o pessoal come o churrasco, né? Então o pessoal hoje é só carne. Hoje as vendas de carne que o pessoal corre atrás mesmo. O rico compra picanha; ele compra picanha até maminha, um baby beef. O pessoal mais pobre, esse pessoal, tem pessoal que compra o acém, compra a paleta pra fazer espetinho e faz lá. Mas o consumo assim de carne mesmo da população mudou muito. Eles hoje... Antigamente no natal o cara comprava leitão, comprava pernil, comprava lombo. Hoje o cara já faz churrasco em casa. O cara em vez de ter um trabalho de assar um pernil, vai lá compra dois, três quilos de carne e faz um churrasquinho e compra cerveja. E então mudou muito. O pessoal passou pra esse lado do churrasco e aí pegou com tudo.
P/1 – E tem algum tipo de carne que sai mais? O senhor consegue identificar qual é o tipo de carne que é mais pedido no seu açougue?
R – Ó, depende muito do bairro, do poder aquisitivo do bairro.
P/1 – E o seu especificamente?
R – Não, o meu lá é só carne nobre. Da parte de contra filé, alcatra e filé mignon pra cima. E o pessoal que compra carne pra churrasco é um baby beef, a picanha e a maminha. Raramente alguém compra um filé mignon pra fazer churrasco ou raramente o pessoal chega lá e pede um pedaço de acém. Não. É por causa do poder aquisitivo do cliente, né? Da minha clientela da City Lapa.
P/1 – No seu açougue, que cresceu bastante, começou a ter funções específicas pra cada um dos funcionários? Por exemplo, tem alguém que cuida só do estoque, tem alguém que cuida só do corte da carne? Como é que é hoje?
R – É, eu tenho um pessoal que... Porque, na verdade, agora já tô falando tipo 2010, 2009. Hoje nós temos um trabalho que, vamos supor, você chega lá no meu açougue hoje, tenho tudo preparadinho, tudo embaladinho à vácuo, com prazo de validade, super refrigerado, tá entendendo? Então você chega lá e fala: “Ó, eu quero comprar alcatra”, tudo, já tem tudo embaladinho, filé mignon, medalhão, tipo strogonoff, tipo escabeche, tá tá ta. Todos esses corte já tem tudo preparadinho no balcão. Você chega, vê o que você quer; se você quer congelar, tem um prazo pra você congelar. Então eu tenho dois funcionários específicos só pra isso. Então você chega lá, eu tenho meus cliente tradicionais lá de 25, 30 anos atrás, que o cara não que leva aquilo ali. Ele quer ainda ver a carne pra ele cortar. Então eu tenho um funcionário só pra atender esse tipo de cliente. Eu tenho dois funcionários só pra pegar a carne, limpar, cortar, embalar, deixar embaladinho ali. E tenho o funcionário que ele cuida só da parte de carne pra churrasco, que ele tira do boi, já embala, embala a maminha, a picanha, o baby beef, os espetinho. Já tem tudo, já tem os funcionários, tudo específico pra isso.
P/1 - E esse funcionário o senhor já trouxe ele com esse conhecimento ou treinou todo mundo? Como é que foi?
R – Olha, praticamente eles foram, eu já ensinei eles. Quer dizer, comecei ensinando os meus filhos, né? Como que tinha que ser feito. Que eu tenho três filhos que trabalham comigo. Os meus filhos eu falei: “Olha, acho que é melhor a gente fazer assim: vamos fazer uma experiência”. A princípio o pessoal rejeitava, até porque o brasileiro ele é sempre é desconfiado, né? Ele chega, mas é desconfiado. Por quê? Porque já fizeram coisas lá atrás que o caras não gostaram. Igual, por exemplo, o cara compra uma caixa de morango. Você vê os morango em cima tá tudo bonito; quando você tira ali embaixo o que tem? Aí os caras faziam a mesma coisa, pegava aqueles bifes bonitinhos, botava por cima da carne, quando você tirava lá embaixo tava aquele monte de pedaceira de carne. Então. E aí o cara começou a comprar sempre com o lado honesto, você põe a carne que tá em cima, você põe embaixo e você põe no meio. Então ele levou pra casa e confiou. Então, hoje, de cada cem clientes que entram, dez pedem pra cortar carne lá. O resto: “Não, não, eu quero pegar tudo aqui prontinho, que eu já levo o que eu quero, o que eu vou usar, o que eu vou usar agora. Quando vou usar eu já coloco”, então mudou muito. Eu tenho duas máquinas que a gente já embalou à vácuo os pacotinho e tudo, então mudou muito. E eu tenho esses funcionários que fazem assim.
P/1 – E nesse passar dessas décadas que o senhor tá trabalhando com isso, também mudou o gosto da população em termos de procurar carnes de outros animais, carnes diferentes? Por exemplo: coelho, javali e coisa assim?
R – É.
P/1 – Mudou? O senhor trabalha com esses tipos de carne ou não?
R – É, é muito difícil o pessoal procurar essas carnes. Só, pelo menos a minha clientela ali não, porque tem muita, muita, sabe... Tem muita coisa ali que o cara fala que é uma coisa e não é, tá entendendo? Eu, por exemplo, eu comecei a trabalhar com carne de avestruz, mas o cara quando começa a pegar mesmo, parece que o cara não quer que aquilo vá pra frente, sabe? Então, vamos supor, o cara trazia uma carne lá que era carne de avestruz saborosa, gostosa, comecei vender. Aí, quando ele não aumenta o preço, ele vendia a 20 já que vende a 40. Quando começa, quando o cara começa a pegar gosto, ele aumenta o preço e aí o cara fica meio impraticável de comprar. Mas o cara ainda procura, como o javali. É muito pouco, muito pouco. É tradição mesmo carne bovina, a carne suína e o frango, isso. E poucas pessoa pedem. Quando pede você sabe que você tem a fonte, uma fonte segura, que é coisa séria, que não é clandestino. E o que começou assim a mexer um pouquinho pra vender é o cordeiro, que o pessoal começou a pedir um pouquinho mais, sabe? Que ele é mais ou menos o preço equivalente à carne suína e bovina. E o cara olha, olha muito também o preço, sabe? Você vai comprar um quilo de carne de avestruz hoje, uma carne nobre de avestruz, paga cento e 20 reais o quilo. Não dá, né?
P/2 – E o senhor tinha comentado que no começo era bem no machado, no facão e depois vieram as máquinas de corte, até tava comentando das máquinas de embalar. Que maquinário que existiu? Hoje o que que é necessário pra trabalhar num açougue assim, que instrumento?
R – Tá. Bom, hoje, você tem até máquina de corta bife. Você tem até umas máquinas aí que o pessoal não usa muito porque não pegou muito. Mas hoje você tem necessidade, você tem essa máquina de embalar à vácuo. As mesas todas tem que ser de mármore e granito, não pode se ter madeira. As máquinas de picador de carne que você tem que ter, que você não pode ter... Você tem a carne moidinha. Igual eu falo: tenho a carne moidinha, embalada à vácuo ali. Pô, mas é fiscalizado com prazo de validade e tudo. Mas você tem que ter esses equipamentos, tudo muito bom. A carne que você corta e amacia ela passa no... Que bate o bife pra tia. Ela não precisa ficar dando marteladas na carne, né? Então você tem que ter tudo isso daí. As embalagens que você usa, mesmo que não seja à vácuo, você tem que ter as bandejinhas tudo de isopor, certo? Pra você colocar ela conservadinha. Antigamente você usava... Na época do meu pai ele mandava eu ir nas casa pedir jornal pra embrulhar a carne, né? (risos) E depois apareceu papel, aquele papel peixeiro que você embrulhava. O cara pegava aquele pacote de carne e enfiava debaixo do braço, chegava em casa com a camisa tudo cheio de sangue, né? E hoje não, hoje é tudo embaladinho; ali têm as bandeijinhas. Hoje têm aqueles rolos de resilite que passa, fixa bem, bem fechadinho, então hoje mudou totalmente. Até o tipo de embalagem da carne tá tudo diferente. Eu tô falando da minha área, né? Do meu açougue. Mas têm muito no bairro aí que o cara pega a carne, joga dentro dum saco e amarra a boca e vai embora. Embrulha no papel peixeiro mesmo.
P/1 – Ainda falando do açougue, o açougue ele faz entrega na casa dos clientes também. Existe esse serviço?
R – Ah, existe. Hoje praticamente o nosso ali, sessenta por cento é entrega.
P/1 – Como é que é feita essa entrega?
R – Ó, normalmente... Hoje, passa os pedidos até por email, né? ”Ô, Zé, passei um email pra você aí.” Aí abro o email lá, tá o pedido de carne lá. Então já vai tudo embaladinho. Então, por exemplo, o freguês fala: “Ó, eu quero, me pega uma peça de filé mignon, divide, (ele tem cinco pessoas em casa) divide tudo em pacotinho de cinco bifes.” Então hoje é assim. Aí depois de tudo pronto, embaladinho à vácuo e tudo, você fecha eles num saquinho plástico, coloca dentro duma caixa de isopor conservadíssimo e leva até o cliente. Hoje funciona assim.
P/1 – E vocês têm uma frota própria?
R – Não. É, nós temos dois carros de entrega. Entrega em Alphaville, Pinheiros, Itaim, esses tipos de cliente que a gente atende, né?
P/1 – E vocês estão acostumados a trabalhar por encomenda, então?
R – É, por encomenda.
P/1 – E quando é que começou o comércio a usar a informática, a internet?
R – Bom, praticamente começou junto. Quando começou mesmo, que a informática começou a usar mesmo lá no... Porque meus filhos... Eu, por exemplo, não sei nem mexer no computador. Quer dizer, eu mal vou ali, dou as minhas cacetada ali. Até não tem muito estudo pra mexer com aquilo ali. Eu tenho meus email, tenho tudo lá, mas quase nem mexo, quem mexe é o meu filho. Mas foi, começou assim. Hoje, as notas, nota fiscal tudo informatizada, tudo hoje é bonitinho. Você passa lá, você vai passando o código da mercadoria, ou fala o que é, ele já digita, quando aperta um botão já sai tudo a nota prontinha. Sai.
P/1 – Vocês costumam trabalhar com promoções ou brindes pra atrair clientes? Vocês têm... Que tipo de promoção que é?
R – A nossa promoção é o seguinte: dia de sábado as pessoas que vão lá, porque a gente também trabalha. Hoje, volto a falar, a gente foi evoluindo junto com... Até, por exemplo, até 1990 raramente uma mãe saía pra trabalhar fora. Hoje, sai, você casa a mãe já trabalha, a sua esposa trabalha, então você não tem muito tempo assim de... Alguma vez você come fora, ela come fora. Então o que que acontece? Você fica com, normalmente você faz uma comidinha em casa sábado e domingo. E o que eu criei? Lá no meu açougue eu criei um tipo de carne pronta. Então eu tenho três máquinas lá onde eu tenho picanha, costela, cupim, frango assado, frango frito, eu tenho é... Final de semana parece uma festa na porta do meu açougue. Que eu faço pra atrair o cliente? Eu instalo o barril de chope e dou o chope de cortesia. Então o cara chega lá e ele diz assim: “Pode demora bastante o meu filé, não tem problema.” O Sílvio mesmo, ele vai lá, fica quase uma hora lá e a mulher dele liga e ele fala assim: “Ó, inda tô na fila aqui.” (risos)
P/1 – (risos)
R – Então a gente arrumou esse tipo de atividade social. Você abre um... Logicamente agora não pode. Você abre um, se é de cortesia, e não tem menor, não tem problema. Pelo menos a gente acha, né? Analisando assim. Mas a gente achou esse tipo, esse atrativo assim que a gente vai lá e a gente. E o que mais atrai mesmo eu acho que é o atendimento, a pessoa chega lá é se sente como se chegasse na sua casa, né? Então no final de semana meu açougue é uma festa ali. Tem cara que fala: “Ó, Zé, eu não vim compra nada, só vim tomar um chope.” “Não, maravilha, bom, ótimo.”
P/1 – E quais são os dias e os horários de funcionamento lá no seu açougue hoje?
R – De segunda a sexta a gente trabalha das oito da manhã às sete da noite, das oito da manhã até às 19 horas. E no sábado a gente vai das oito até às 17 e no domingo das oito até às 14 horas.
P/1 – E quais são os horários de maior freqüência, tirando o sábado que você já falou?
R – (risos)
P/1 – (risos)
R – Que parece uma festa lá, né?
P/1 – Que parece uma festa.
R – Dia de semana é morninho, né? Não é aquele movimento corrido, não é. É mais movimento assim que a gente prepara e faz entrega. Aí o carro não para, é o dia inteiro. Liga um já pede, você já prepara; chega três, quatro pedidos, você já prepara os três ou quatro, coloca junto e já sai. Normalmente, os pedidos que são feitos no mesmo dia saem no mesmo dia. Só quando é pedido muito grande que aí a gente empurra pro dia seguinte. Mas, normalmente, é assim.
P/1 – E são muito conhecidos e famosos os cortes argentinos, né? Você chega a trabalhar com carne importada também?
R – Trabalho.
P/1 – Como é que faz pra comprar essa carne?
R – Aí você tem as distribuidora, né? Hoje eu tenho três ou quatro distribuidoras em São Paulo que distribuem as carnes argentinas que são, por exemplo, a carne argentina que vem pro Brasil são as carnes, carnes top, né? Que eles lá que eles mandam. Tem alguma picaretagem no meio, mas, normalmente eles mandam a carne boa. A carne que eles mandam pra Europa, por exemplo, eles mandam pro Brasil. Só que o preço é diferenciado, também. Ela é quase 50 a 60 por cento mais cara que a nossa carne. Nem se discute que a qualidade também é melhor.
P/1 – Tem muita saída também?
R – Tem, tem bastante cliente que prefere esse tipo de corte. O cordeiro é Uruguai e as picanhas, bife de chouriço, bife de anjo, tudo argentino.
P/1 – Dessas carnes todas que a gente tá falando, tem alguma, ou mesmo frango ou suíno, tem alguma que o senhor mais gosta? No seu gosto pessoal o que o senhor mais gosta?
R – Costela, costela. A costela de boi é a melhor carne que tem. Tem que saber fazer, né? Tem que saber fazer. Mesma coisa de arroz e feijão. É a carne, é a comida que o pessoal mais come, mas tem que se bem feita, né? A mesma coisa é a costela. A costela, pra mim, a melhor carne que existe do boi é a costela. Não tem...
P/1 – Vamos fala agora um pouquinho da relação com o bairro. O senhor já mencionou que os seus clientes ali da Lapa são um pessoal de um público com poder aquisitivo mais alto. Mas é um pessoal que mora no bairro ou têm pessoas que vêm de outros bairros, outros bairros em torno que compra no seu açougue?
R – Não, o pessoal que também, que mora ali no City Lapa, né? Tipo ali mais pro alto da Lapa ali, tipo Tomé de Sousa, Duarte da Costa, Saldanha da Gama, Rua Mercedes, que é aquele pessoal ali que meus clientes tão ali do outro lado da Rua Tordesilhas, a João Tibiriçá, que forma... Então meus clientes estão situados ali. Como eu já tô atendendo a terceira geração, né? Que eu atendia as avós, comecei a atender as mães e agora já tô atendendo as netas. Então, mas muita gente dali mudou pro Alphaville, mudou pra Aldeia da Serra, que é um bairro mais nobre, né? E até os filhos dos comerciantes que antigamente eram da Rua XII ali, o pessoal que tem loja ali, eles mudaram pro Alphaville, Que tá acontecendo? Eu tô entregando a carne no Alphaville. Então eles me pedem a carne e eu entrego lá. E eu tenho pessoas que vêm de outro bairro, que vem ali da Freguesia do Ó, que vem da Casa Verde, Vila Anastácio, todos vêm ali porque eles, na verdade, eles vêm pelo conhecimento, pela qualidade do produto que eles vêm. Dali da minha Rua Guaricanga ali, daquele ladinho ali eu tenho muito pouco cliente ali. Por quê? Porque o... Ali se tornou muito comércio. Então muitas pessoas... Agora, sim, já na Rua Corrientes já têm parece que uns seis ou sete prédios e agora no final da Guaricanga vai sair parece que mais seis ou oito prédios. Tá saindo prédio pra todo lado ali. Então ali, daqui uns dias vai ser igual a Vila Leopoldina, igual tipo lá a Carlos Weber, Barão da Passagem. Então a Lapa tá se tornando isso aí. Só não cresceu mais porque foi tombado ali a City Lapa. Ali não pode construir prédio, não pode porque ela se tornou área de preservação, né? Mas cresceu muito e os meus cliente ali, lojistas da Rua XII, o pessoal ali do alto da Lapa, então é mais ou menos isso.
P/1 – E o senhor mencionou que... O senhor usou o feminino freguesas: avós, netas. Dá pra distinguir o público? A maioria é mulher ou é igual? Tem essa distinção?
R – Ah, noventa por cento das clientes são as mulheres, né? As senhoras avós, que na época eram as mães e as filhas. E agora já tão tendo netas. Mas normalmente noventa por cento é mulher. Lógico que têm uns homens também que vão lá fazer compra, os marido, mas sempre o meu relacionamento foi assim direto mesmo com as senhoras, né?
P/1 – Mesmo quando a compra é pra carne de churrasco?
R – É, normalmente. Como é mais na confiança, eles falam: “Ó, Zé, vou fazer um churrasco na minha casa, meu marido vai passa aí e pegar. Eu vou precisar pra tantas pessoas. Vê aí, conversa com ele, vê o quê... Dá a sugestão pra ele.” Normalmente, quem faz é a gente, né? Os homens vão lá mesmo pra tomar chope. (risos)
P/2 – Eu só queria perguntar: o senhor chegou a abastecer, ou abastece, de repente, estabelecimentos, restaurantes?
R – É, abasteço bastante. Inclusive, eu abasteço os restaurantes do Palmeiras, o pessoal lá do, que agora tá em fase de construção lá, né? Mas ainda tenho, abasteço o CT deles. É, faço muita coisa pra USP, pra Band, essas empresas grandes aí eu faço pra eles. E restaurante assim é, alguns restaurantes pedem até que eu já mande preparadinho pra eles. Os bifes à milanesa já prontos, os cortes tipo medalhão, medalhão de filé mignon, medalhão de picanha, já manda tudo preparadinho. Os pesos iguais, né? Porque vai servir um prato, tem que ter os pesos. Mas não muita coisa. Assim, tipo uns oito, dez. E o Palmeiras abasteço direto.
P/1 – E a maior parte do seu público hoje são (corte no áudio) ou comprar só pra consumo próprio?
R – Não, é mais só pra consumo mesmo, mais pra consumo mesmo.
P/1 – E a sua relação com o Mercado da Lapa, que é próximo dali? Te roubam cliente, atrai cliente pra você ou não tem nenhuma relação? Como é que é?
R – Não, não tem porque eu tenho bastante no Mercado são amigos meus, alguns comerciante lá de dentro, tipo, açougueiro, esses caras que tem loja que vende produtos pra festa pra criança, essas coisas. Eu tenho bastante conhecimento com pessoas que vendem laticínios, que vendem negócio de azeitona, essas coisas. Lá eu tenho mais amizade, mas não influi nada, não. Eles são meus clientes. Eu acho que, vai lá, noventa por cento dos comerciantes lá do, que não mexem com carne, são meus clientes, são pessoas que compram carne comigo só.
P/1 – E você chega a ver um pouco dos que vão no Mercado e aproveitam pra passar no seu açougue também ou é um público separado?
R – Não, não, totalmente diferente.
P/1 – E a CEAGESP?
R – CEAGESP? Muito pouco, muito pouco.
P/1 – Também é um público separado?
R – É um público separado.
P/1 – Tem alguma mudança na exigência dos clientes de antigamente pra hoje? Pessoas que pediam alguma coisa antigamente e agora pedem outra?
R – Não, normalmente é tradição, né? Já segue uma, mais ou menos aquilo que... A exigência que eles tão fazendo hoje é a exigência que todo mundo faz, por exemplo, o sistema de atendimento. É a preservação do cliente, o respeito, né? Pro cliente não ir embora. Porque, na verdade, meu estabelecimento é igual eu falei no começo, que a Guaricanga me adotou, né? Que é como uma família. Tem dia que é 30 pessoas dentro do açougue, tudo conversando entre eles que são tudo meus cliente e são amigo entre eles, que também são meus amigos. É mais assim uma amizade, né? Então.
P/1 – E na forma de pagamento, mudou esses anos todos?
R – Ah, mudou. Hoje oitenta por cento só trabalha com cartão, né? Antigamente era cheque. Cheque e dinheiro, antigamente. Até chegou um tempo que teve um período difícil aí que foi o período dos tickets de papel, aqueles troços tudo. Aquilo foi um caos. Hoje já mudou, o ticket é eletrônico, o cara vem passa o cartão. Antigamente o cara recebia o ticket, queria vender o ticket, tinha tempo de muitas empresa que compravam aquele ticket, né? Mas daí era tudo armação. Mas hoje não. Hoje 80% das vendas são cartão.
P/1 – Você se lembra em que momento que teve essa mudança?
R – Ah, foi mais ou menos nessa década aí de 2005 pra cá. De 2000 pra cima que mudou, né? O pessoal hoje tudo no cartão. É segurança pra todos, né? Dinheiro ou os cartões. Cheque também já praticamente não existe mais. E quando você pega é roubado e (risos), se não é roubado é cheque sem fundo. Não, mas tem um bom pessoal que ainda paga com cheque pela confiança, né?
P/1 – E esse pessoal que eram amigos, clientes antigos, ainda existe aquela caderneta pra facilitar a compra?
R – Não, caderneta não existe mais. Caderneta, isso aí, não existe mais. O que existe é assim: ainda têm alguns clientes que compram por mês. Eu tenho lá, tipo, vai lá, uns dez, de todos uns dez. Mas são todos pessoas de extrema confiança. Alguma vez até a gente, eu até prefiro que alguns seja assim, por quê? Chega lá, vamos supor, tem muitas pessoa que são aposentadas, que recebem no dia cinco ou dia dois ou dia três. Então é um dinheirinho que você vai guardando pra algumas coisa: pra pagar uma conta de luz, uma conta de água. Então, quando entra esse dinheiro você não precisa se preocupar. Como se fosse, por exemplo, uma capitalização, né? Você vai deixando alguma coisa ali, então não tem necessidade de você ficar preocupado: “Ó, dia cinco tem que pagar aluguel. Dia cinco tem que pagar... Então é assim.
P/2 – Deixa eu te perguntar: como é que surgiu essa idéia de estender o comércio do açougue pro buffet?
R – Ah, foi no comecinho de 1990, noventa e... Que eu achei que era um, que até foi uma senhora que ela era minha cliente, era morava na... Vou contar uma história. Ela morava na Tomé de Sousa e ela era minha cliente toda vida e aí ela mudou pro Alphaville. E aí o filho (corte no áudio) e disse: “É o meu filho vai fazer aniversário, mas ele queria uns espetinhos. Você tem como fazer?” Eu falei: “Tenho”. “Porque eu fui num aniversário do filho duma amiga minha e serviram uns espetinhos, mas como era ruim aquilo! Uma carne que não tinha gosto. Você faz pra mim?” Eu falei: “Faço.” Então tudo começou ali. Aí vamos supor: “Você faz uns dez quilos, 15 quilos?” “Faço.” Aí fiz, levou e ela disse: “Nossa, Zé, foi um sucesso. Minhas amiga todas pediram seu telefone pra você fazer pra elas.” Começou ali. A minha parte começou ali. Ali eu já contratei uma pessoa. “Ó, você quer que faz salada também?” Então já contratou uma pessoa pra ir lá e fazer salada. Já tinha o pessoal que vende o chope? Já comprava o chope e já levava. Então começou tudo ali. E é assim. E praticamente a minha clientela se estendeu ali. E hoje o pessoal faz. Da mesma forma que era o comércio de carne lá que eles confiam, a mesma coisa é o buffet. É aquilo que eu falo: a honestidade é tudo. Não adianta você querer... Você faz as coisas erradas uma vez. Uma vez você faz errado, mas a segunda você não faz. O pessoal não confia. Então, começou assim.
P/1 – E hoje como é que funciona? Vocês têm um salão próprio pra festa ou vocês sempre vão no local que o cliente escolhe?
R – Ó, tanto a gente tem o salão que a gente loca, quer dizer, eu loco o salão e faço o evento, como também trabalha em casa. Vamos supor, você vai fazer na sua casa: “Ó, eu queria fazer uma festinha pra 40 pessoas, 50 pessoas, você vai fazer?” Levo tudo, levo os equipamentos, churrasqueira, levo tudo. Se quiser mesa, cadeira, a gente loca, toalha... Chega lá a gente monta o buffet na sua casa.
P/1 – Então, o que o seu buffet oferece além do equipamento também é o produto, a carne?
R – O produto e a carne.
P/1 – E a equipe que vai produzir tudo?
R – Tudo, tudo.
P/1 – Por exemplo, churrasqueiro?
R – Tem churrasqueiro, tem garçom, tem barman, tem copeira, tem cozinheira, tudo. Garçom, garçonete. Aí os equipamentos eu tenho tudo; tem churrasqueira, têm 40 churrasqueiras lá. Uma é adequada a uma carne. Então você vai fazer um churrasco lá pra 40, 50 pessoas, leva uma churrasqueira. Hoje, a gente coloca a churrasqueirinha de mesa em cima da mesa. Você assa a carne e põe em cima a churrasqueirinha ali pro pessoal se servir. E é assim.
P/1 – O churrasco também tem várias formas de se fazer, né?
R – Tem.
P/1 – O churrasco do seu buffet é uma receita pronta ou depende do churrasqueiro? Como é que é?
R – Não, normalmente você vai num rodízio. Então lá no rodízio você tem lá picanha, baby beef, carneiro, tem tudo. Então a gente monta um cardápio baseado naquilo que você tem numa churrascaria. Aí as saladas a gente faz as saladas verdes, de maionese, de salpicão. E a sobremesa a gente geralmente leva fruta, leva sorvete. Quando a pessoa pede algum doce, algum bolo, a gente já tem também as pessoa terceirizada que fazem. Então monta uma festa na sua casa.
P/1 – E no caso o contato é por telefone? Como é que é feito esse contato entre o cliente e o buffet?
R – O contato é por telefone, por email, né? A gente já faz os orçamentos por email. Quando a pessoa não tem a gente manda por Sedex a proposta pras empresas, contrato. A gente manda tudo por Sedex, vai até no local leva. Funciona assim.
P/1 – E nesses eventos você costuma ter muitas empresas? Quais as empresas que você tem?
R – É, nós atendemos várias empresas aí. Agora na cabeça não vou lembrar as mais, as mais que a gente tá atendendo mais. A Band, que já é o quinto ano que a gente faz a festa dos funcionário da Band, que são dois mil e quinhentos funcionários, entre o pessoal da reportagem, o pessoal dali de novela, cantores, apresentadores, o pessoal que trabalha na parte de produção, faxineiro, então junta todo esses dois mil. Esse já é o quinto ano que a gente tá fazendo. Pra USP eu atendo tanto o pessoal dos calouros da USP, também já faço há uns cinco anos os calouro da USP, da recepção deles. Eu faço encontro de gerações, que são os médicos formados desde 1947, agora completou 60 anos de medicina que eu fiz a festa, deu mil e oitocentos médicos. E faço também o grêmio, que é o pessoal dos funcionários, o pessoal do auxílio lá de benefício, comissão de benefício. O funcionário do, também, do IML. Eu faço todo esse pessoal do Hospital Emílio Ribas. Então eu atendo todo o pessoal. A empresa Queiroz Galvão, empresa que fez o Rodoanel. O Unibanco, o HSBC. Então a gente têm vários clientes. Palmeiras. Palmeiras é cliente nosso. Nós já estamos fazendo, acho que a gente faz uns oito eventos pra eles. Faz dos atletas, faz dos funcionários, do tênis, de sinuca, faz vários. Inauguração do vestiário foi agora, né? Essa inauguração já da arena e já inauguraram o vestiário. Agora vai fazer a inauguração da (corte no áudio) e aí a gente tá lá trabalhando pra eles.
TROCA DE FITA
P/1 – Então vamos pra parte já final da nossa entrevista. Você tava mencionando o contato que você tem com as grandes empresas, né? E pra você chegar nessas grandes empresas você fez algum tipo de publicidade, algum trabalho voltado pra isso no seu buffet ou no seu açougue?
R – Não, sempre é indicação mesmo. É gente. Então, eu fazia, eu trabalhava pra uma faculdade aí, não vou falar o nome, e essa diretora da faculdade ela é irmã da secretária do seu Mustafá. Aí e tal ela falou: “Nossa, Zé, eu fui numa festa, fui numa festa assim chata pra caramba e você trabalha tão bem. Vou falar pra minha irmã pedir pra contratar você.” Quer dizer, então já fui lá, o seu Mustafá fez uma entrevista, aí eu fiz a inauguração do CT deles lá na Ayrton Senna. Nossa, eles adoraram o meu serviço e de lá não saí. Mudou a política. Quando muda a política, você sabe, muda a política o cara vem com umas idéias novas, né? Aí você vai lá e quebra a cara e chama o Zé pra apagar o incêndio. Então, eu tô falando do Palmeiras, mas a Band também foi assim. Eu tenho uma pessoa amiga que era amiga do diretor da Band. E ele ia fazer uma festa e o cara falou assim: “Pô, vou fazer uma festa, você não tem alguém que você sabe?” “Ah, o Zé lá, faz.” Então já comecei ali também. Então fui trabalhar num outro buffet, tava fazendo uma festa num buffet lá em Sorocaba, o pessoal do banco de eventos viu eu fazendo o trabalho, gostou. E eles já terceiriza gente também pra fazer. Então o contato é assim mesmo, nunca fiz uma propaganda. “Ó, churrasquinho do Zé” e tal no jornal porque o preço é barato e tal. Nunca fiz, nunca fiz. Faço alguma vez em algum jornal até porque tem muitos amigos, né? Tem o Jornal Gente que são meus amigos, lá o pessoal todo do Jornal e tal. Então eu faço alguma só mesmo pra mostra ali que a gente é amigo deles, porque eu não vejo necessidade.
P/1 – Bom, o senhor no inicio da sua atividade, o senhor trabalhava como funcionário do seu pai, começou a trabalhar aqui em São Paulo como menor ainda, mas funcionário também, né?
R – É.
P/1 – Como é que foi inverter a situação: o senhor de funcionário passar pra patrão? O que mudou nessa relação? Como é que era o senhor ser funcionário e como é que é o senhor ser patrão?
R – Eu acho assim, que parece que o cara já é predestinado pra isso, né? Então, vamos supor, eu trabalhava, eu sempre, eu trabalhava com meu pai, mas eu queria aprender alguma coisa que... Então eu aprendia alguma coisa e trazia pra dentro do negócio, do comércio do meu pai, pra trabalhar ali e tava dando certo. Quando eu via que aquilo já tava cansando eu ia, saía e buscava. Então, na verdade, eu acho que eu já era predestinado, eu trazia as coisas sempre pro meu lado, né? Eu saía pra aprender e aprendia e trazia. A mesma coisa, o cara vai na Austrália aprender inglês. Ou até eu acho que pelas experiências que eu vejo de algumas pessoa eles vão lá até pra saber o que é a vida, né? Que a gente... Eu percebo assim, eu nunca saí do país, nunca fui fazer curso fora, nada, mas a gente vê o que o pessoal fala: “Nossa, eu tava na Austrália. Nossa, aqui é que é vida.” Então, ele tá valorizando o que ele tem aqui, eu acho que ele sai lá pra ele valorizar. Então a gente tá sempre valorizando o que tem dentro da nossa casa. Então é assim, eu sempre trabalhei naquele objetivo de ser comigo, sempre as coisas, sempre puxando, né? Que as coisas aconteçam do meu lado. Mas nunca também menosprezei o lado de ir lá e aprender as coisas e voltar. Voltar pra colocar ali. E eu nunca tive assim. Eu trabalhei em dois emprego, dois ou três empregos na minha vida que eu era mais, eu me dedicava mais ao trabalho do que o próprio (corte no áudio) uma pessoa. O cara que vem aqui, por exemplo, trabalhar com vocês, que você vê que o cara é aplicado, ele tem vontade de fazer as coisas, que ele vai pra cima mesmo, independente se ele ganha mil, ganha quinhentos, ganha dois mil, você pode perceber que dali há pouco ele já tá com o negócio dele. Dali há pouco ele já tá fazendo um negócio pra ele mesmo. Ou ele trazendo a parte de jornalismo, de filmagem ou de fotografia, ele mesmo vai procurar fazer pra ele. Então, já é assim. Eu penso que seja assim.
P/1 – É, uma pergunta bem aberta agora: como é que o senhor acha que a sociedade virou comerciante hoje em dia? A atividade de comerciante?
R – Olha, o comerciante hoje é aquele que se dedica, que é um cara honesto, que ele não pensa só no lado dele, ele é muito valorizado pela... A educação, o jeito de tratar as pessoas, como você. Porque o pessoal hoje ele é muito carente assim de afinidade, tá? Se você chega lá no meu estabelecimento: “Eu quero um guaraná.” “Três.” Vai no caixa, você vira as costa e vai embora. O cara chega: “Ah, você que um guaraná? Como é que você quer?” Olha. “Você quer ele mais geladinho, tem alguma preferência?” E você aumenta a conversa, a pessoa também conversa com você e dali a pessoa fala: “Ah, você que um canudinho?”, né, você tá indo lá compra um guaraná. Mas desse: “Você tem um copo?” Ou talvez o cara chega: “Veja uma pet Coca-Cola.” Uma pet Coca-Cola. Ele: “Quer que ponha numa sacolinha?” “Voce quer um copo?” Que uma vez o cara tá na rua, tá dois ou três: “Você que um copo?” Vou lá no forno, pego um copo, dou pra ele. “Você quer mais gelada, menos gelada?” Então, sempre assim. Então, o comer, o cliente ele é muito carente disso. Então, quando você chega num lugar pra comprar e você vê que o comerciante tá se dedicando, você compra. Alguma vez você fica: “Eu quero um sapato.” O cara traz um. “Ah, não.” Vai lá busca. “Ah, mas tenho outro.” De repente, o cara faz uma pilha de sapato na sua frente. Agora talvez você compra só porque o cara foi dedicado e é assim mesmo. E o cliente hoje ele é carente disso. Então, o cara chega lá, você conversa, aumenta uma conversa. Você tem um pirulitinho você dá pra uma criança, uma balinha, oferece uma água. Oferece: “Você não que tomar um copinho de suco?” “Quer tomar? Quer dar um refrigerante pro nenê?” “Ah, não, ele não pode.” “Ah, mas eu tenho suco.” Eu mesmo vou lá, abro um suco daquele Del Valle, ponho no copo pra dá pra criança. “Não, mas eu vou pagar.” “Não, que é isso. Isso aqui é uma cortesia da casa.” Então você tem esse tipo de... Então, o cliente ele é carente disso. Quando ele vê a dedicação ele valoriza muito. Valoriza. Mas se você chega e o cara te maltrata você alguma vez você compra por necessidade, não que você chega no cara e quer comprar. Isso aí é.
P/1 – O senhor hoje participa de alguma associação comercial ou de algum sindicato?
R – Não.
P/1 – Já participou?
R – Não, de sindicato, associação, essas coisa não. Eu pertenço a essas instituição aí tipo Rotary Club, da Escola de Compasso, que é maçonaria, que também tô iniciando agora. Mas só, só isso aí. Já fui convidado, mas o problema é tempo, né? Que você também tem o seu tempo muito ocupado.
P/1 – Como é que é sua atuação no Rotary?
R – É, eu procuro sempre ser determinado em fazer as coisas. Você sabe, é uma instituição que não tem fins lucrativos e nada, é só mesmo a sua dedicação, né? Alguma vez você tem que ir numa creche, tem que fazer alguma doação, você tem que doar o seu trabalho, ser voluntário, participar de alguma coisa. Então, quando eu sou determinado pra isso, tranqüilo pra ir.
P/1 – Então, entrando numa parte mais pessoal, que que aconteceu com a sua carreira de cantor, músico, como é que foi?
R – Não, continuo ainda. Continuo.
P/1 – É?
R – Continuo. É, tem vez que o cara contrata churrasco que eu já levo a viola, já ajeito pra tocar. Domingo, mesmo, nós vamos tocar. Nós fizemos o dia da ação global, agora que foi lá no Espaço Criança Esperança. Nós cantamos lá, cantamos seis músicas. Gravou, nós tivemos bastante acesso pela internet. Eles acessaram bastante. Teve ali acho que uns oitocentos acessos lá que o pessoal ouviu a nossa música que a gente tocou lá.
P/1 – E o repertório continua o mesmo?
R – É o repertório, ah, tem que muda alguma coisa. (risos).
P/1 – (risos)
R – O cara cansa um pouco do Menino da Porteira, já não que ouvi tanto, prefere mais o cara (risos), o cara do, como é que fala, o cara do Fio de Cabelo, pra conta a história do Fio de Cabelo. Então, a gente vai mudando assim alguma coisa. Mas o pessoal gosta muito das músicas tradicionais.
P/1 – Você ainda tem pretensão de gravar um CD algum dia?
R – Sei lá, né? O sonho nunca acaba, né? Tem cara aí que gravou o primeiro disco, ele já tinha quase 70 anos. Não gravar assim pra você (corte no áudio) mais pra uma questão de ego. Por exemplo, nós estamos fazendo uma programação do ano que vem fazer um CD, umas 12 músicas, mas assim, tudo pra distribuir pras pessoas gratuitamente pelo que a gente fez, né? Vamos ver, o sonho é assim, não acabou não.
P/1 – E como é que é o seu dia-a-dia hoje? Como é que é o seu cotidiano? O que o senhor faz? Que hora o senhor acorda, o que o senhor faz?
R – É, mas eu, como pessoa, você também tem que pensar na sua saúde, então você tem que ter uma atividade física, uma atividade esportiva. Eu, por exemplo, faço hidroginástica duas vezes por semana; jogo, ainda, meu futebolzinho na quinta-feira, né? Jogo meu voleizinho, faço minha caminhada. Esse é a minha parte de... E trabalho que me ocupa muito tempo, né? E normalmente durante a semana eu dou assim umas enroladas porque ninguém é de ferro, né? Deixa um pouquinho pro pessoal cuidar um pouco, mas tô lá em atividade; trabalho duas, três horas, enrolo uma hora, uma horinha e pouco lá. Mas tô lá sempre com os meninos com muito prazer, adoro fazer. As coisas que eu faço eu adoro. E tenho minhas atividade sociais aí, né? Duas, três vezes por semana. É.
P/1 – Bom, você já falou até bastante dos seus filhos. O desejo deles permanecerem e seguirem adiante com o buffet é uma coisa que o senhor sempre passou pra eles ou é uma opção própria? Como é que foi?
R – Olha, a minha filha ela já é casada, tem a família dela, tem a vida dela, ela já tem o rumo dela, né? O meu filho mais velho é o que é mais dedicado no buffet. Eu acho que esse não sai daí. Ele é formado em Direito, mas nem se preocupa. Ele se preocupa com as coisas da empresa, com as finanças da empresa. Então ele tá superligado ali. Pode ser que mais tarde ele, sei lá, deve pensar se ele vai fazer outra coisa. Mas o meu mais novo já tá pensando diferente. Ele já é formado em Administração, tá fazendo uma pós agora, deve terminar o ano que vem agora, tem 22 anos, já é formado numa faculdade, né? Fala alguma vez em sair do país pra ver se ele ganha mais experiência nesse ramo, que ele tá fazendo em ações e projetos, né? Então ele tem vontade de ir. E eu acho que pode ser só esse mais novo que vai, que deve sair, mas eu acho que os outros vão continuar. Só se for acontecendo alguma coisa muito importante pra ele, já divulgou, já trabalhou em empresa que prestava serviço em presídio, essas coisas, né?
P/1 – E isso é um desejo do senhor, é uma coisa que o senhor já queria pra eles?
R – (risos) É como dizia a minha mãe, né? “A galinha quer sempre os pintinhos debaixo dela.” Ah, eu não quero que os meus filho saiam de perto de mim nunca. Inda mais agora que tem um neto que, ixxxi, pra mim. Pra mim, logicamente que eles tem que pensar na vida deles, mas dali onde eles tão. Pra mim que saí lá da roça, cheguei aí e formei tudo eles, eu acho que daqui pra eles, eu acho que... Eu penso, tem hora que eu penso: “Puxa vida, será que eles não vão vim trabalhar mais comigo? Como vai ser, né?” Mas é opção deles aí. Mas eu acho que vai ser meio difícil pra eles sair de perto do...
P/1 – E a relação com o bairro: você continua por ali, vai abrir loja em outro lugar ou é na Lapa mesmo que o senhor gostaria de ficar?
R – Olha, o problema hoje de você abrir loja, coisa e tal, até você, aparece muita oportunidade financeira, pessoas que querem fazer investimento. Eu tinha o sonho de abrir algumas franquias, principalmente aí com... O meu filho também pensa nisso. Então a gente tá dando um tempo aí. Porque hoje, o problema todo é mão-de-obra, você não tem. E pra você seguir aquilo que você tem que ser, a mão-de-obra tem que ser adequada àquilo que você tá fazendo, porque hoje qualquer falha é fatal. Você tá acostumado com um tipo de produto, você leva e não é igual ao que você levou doutra vez, você pensa. Você dá até a segunda oportunidade, mas tem que pensar direitinho e a gente, no momento, a gente tá meio, assim, pensando em manter aquilo mesmo e investir mais no buffet; por exemplo, arrumar um espaço pra começar a fazer os eventos. Então, a gente tá pensando mais nisso. Mas abrir loja, meio complicado, que a concorrência tá muito séria e a mão-de-obra tá muito complicada.
P/1 – É, quais são as lições que o senhor tirou ao longo da sua carreira de comerciante? Que o senhor aprendeu pra sua vida pessoal?
R – Ah, pra minha vida pessoal o que eu agradeço assim, até por a gente, pela instrução que meu pai passou pra mim, né? Que é aquela instrução de honestidade, de dignidade, tem hora que até isso aí, tem hora que eu falo: “Pô, mas eu sô muito honesto, sou muito...” Isso me atrapalha muito. Mas então essa lição que eu tive de lá do meu pai, da minha mãe, valeu. Valeu muito. Nossa, valeu muito.
P/1 – Gostaria de saber do senhor qual é que é o seu sonho, o que o senhor pensa pro futuro? Não só pro seu comércio, mas pra sua vida toda, né? Ou pro comércio também. O que o senhor pensa pro futuro?
R – Bom, o meu sonho daqui pra frente é os meus netos, que meus neto me adoram e eu pego minha retirada, meu dinheirinho ali e eu fico pensando: “Pra quem que eu vou comprar uma coisinha aqui?” Não vejo isso aí, eu vejo isso aí como um ego, né? Igual, é aniversário da minha neta: “Ó, posso comprar seu sapato?”, certo? “Eu posso comprar o seu vestido?” Eu quero comprar com o meu dinheiro, né? “Ah, vô, mas você vai fazer isso! Ah, vô, não precisa, vô.” Pô, mas só que isso aí, não é que elas pegam isso por interesse, eu acho que isso mais com carinho, né? Pra você. Então, eu pretendo, vou tá aí trabalhando um pouquinho, juntando o meu dinheirinho, pá pá, comprando uma coisinha pro meu neto. Então, essa é a minha vida daqui pra frente. Tocar a minha violinha sempre, fazer sempre meu churrasco, chamar meus amigo lá pra gente tá sempre comendo um churrasquinho, tocando uma violinha. Então é isso aí, não tem muito mais que mexer. Mas ficar rico não vou ficar mesmo, porque se tivesse que ficar (risos) já tinha ficado. Porque o cara que é honesto mesmo, que leva as coisa sérias, que faz as coisas bonitinhas, não fica. Difícil. Só se for na Mega Sena mesmo. Mas trabalhando assim com dignidade, com vergonha na cara, as coisas, é difícil. Mas é o que eu falo, talvez eu não tenho aquilo que eu merecia ter, mas eu tenho tudo aquilo que eu preciso. Tenho uma casa pra morar, tenho uma casa pra trabalhar, tenho mais um apartamentinho e tenho a minha vida ali tranqüilo. Então, não tenho muito mais o que fazer, não.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não perguntou aqui nessa entrevista, mas que o senhor gostaria de registrar ou que você gostaria de falar mas que a gente acabou não abordando?
R – Não. É, basicamente... A entrevista foi assim cheia de aventuras, dá quase pra fazer um livro, né? Não dá quase pra fazer um livro, contar uma história! Pelo menos contar história dá. E o que eu mais preservo, assim, que ainda, graças a Deus eu tenho, meus irmãos. E, não tenho mais minha mãe nem meu pai mas tenho meus irmãos, que a gente se adora muito. São muito unidos. E sempre que encontra é uma festa. Então pra mim o que vale mais que tudo. Então a vida foi boa pra mim.
P/1 – Que você achou de ter participado dessa entrevista? De ter contado a sua história?
R – Ah, é bom sempre, né? A gente tá contando a vida da gente, até porque alguma vez a pessoa olha você assim e fala: “Puxa, esse cara é um cara de sorte. Olha, pô! As coisas aconteceram.” É, mas acontece... Também tem que correr atrás, né? Você tem que correr atrás do seu objetivo. Não é só você falar: “Ah, eu quero ganhar na loteria, eu quero ganhar na loteria.” “Joga na loteria?” “Não.” Você também tem que fazer a sua parte, né? Então, é isso daí.
P/1 – Ótimo. Então, em nome do Museu da Pessoa e do SESC São Paulo, nós agradecemos muito a sua participação. Muito obrigado.
R – Obrigado.
Recolher