P/1 – Bom Sr. Jackson, primeiramente eu gostaria de agradecer a sua participação, em nome do Museu da Pessoa. Para começar eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Bom dia, Lucas. Meu nome é Jackson Martins Cruz. Eu sou natural de Belo Horizonte, Minas Gerais.
P/1 – E o dia do seu nascimento?
R – Trinta e um de março de 1952.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é José Antônio Cruz e minha mãe é Gina Martins Pereira Cruz.
P/1 – Você poderia descrever eles para mim? Como eles eram? O que eles faziam?
R – Sim. Meu pai era filho de funcionário público e minha mãe filha de fazendeiros. A família muito grande, tanto de um quanto de outro. Foram empresários de autopeças e eu convivi com essa família grande dentro deste ambiente comercial e agrícola.
P/1 – E o Sr. tem irmãos?
R – Tenho. São sete irmãos. Nós somos oito, eu tenho sete irmãos e todos os irmãos trabalham na empresa atualmente. Na Empresa de Transportes Martins.
P/1 – E como é o Jackson nessa escadinha? É o mais velho? O do meio?
R – Ele é o mais velho. Eu sou o mais velho dos oito. Estudei... Meu pai teve condições, porque era comerciante e empresário do transporte rodoviário de carga, e tive condições de estudar. Ele e minha mãe ambos formados até o nível secundário e davam muito valor ao estudo. Então eu pude concluir, apesar de estar trabalhando e casado, eu conclui o curso de Administração de Empresas.
P/1 – E você tem alguma lembrança dos seus avós? Você lembra o nome deles?
R – Tenho. Sebastião Augusto Martins e Milita, Maria Assunção Pereira.
P/1 - E você tem alguma lembrança gostosa desse período com os seus avós? Alguma coisa que marcou?
R – Sim. Por força, mesmo viajando naquele tempo, estrada de terra, ao viajar para visitar os parentes, os avós, eu viajava de trem, viajava às vezes de ônibus ou de caminhão, porque a própria empresa de transportes naquela época já tinha caminhão. E a gente parava na fazenda para fazer uma visita familiar. Era muito gostoso. E na época de chuva a gente ficava preso, porque tinha muito atoleiro e a gente ficava preso na fazenda. Não podia transitar, a não ser com a ajuda de trator ou de junta de bois. Então tinha que, às vezes, esperar a chuva passar. E a gente ficava na fazenda. E eu lembro que uma das coisas mais... Da comida, né? Eu lembro da comida, que a coisa mais gostosa que tinha era comer angu com limão. Espremia um limão no angu e comia. E depois visitar o chiqueiro, os porcos, enfim. A vida da fazenda, né? Tem muita lembrança boa.
P/1 – E você sabe qual a origem do nome da família?
R – Não. É português! Mas ficou muito longe. Inclusive, minha mãe escreveu um livro sobre a família. Outra tia, a Mércia, escreveu também uma outra versão, ou uma outra imagem, né? Um outro foco. E tem também, na cidade de Nova Era, o padre Vidigal que fez também um livro sobre família, de genealogia. Mas não sei até onde que foi a origem da história. Eu sei que é português, mas não tenho certeza de até onde eles chegaram.
P/1 – Tá certo. E voltando um pouquinho para a infância, fala um pouco para gente como era a sua casa na infância? Você tem lembranças do ambiente? Como era?
R – O ambiente era uma casa grande, porque com oito filhos, né? Então o quarto dos homens cabia os sete homens (risos), então parecia, não vou dizer um quartel não, mas era comprido o quarto e muito grande. E todos ali dentro. A casa era nos fundos do terreno da minha vó. Com o passar do tempo minha vó ficou viúva e meu pai construiu uma nova casa na frente do terreno e aí nós mudamos para frente.
P/1 – E você tem lembranças da rua, do bairro? Como era? Era bem cidade?
R – Sim. Era capital, né? De Minas Gerais. Mas o bairro da Lagoinha era um bairro tranqüilo, próximo do centro. Vizinhos todos já pessoas antigas e que a gente conhecia já todo mundo. A transportadora, no início no bairro Floresta, depois mudou para a própria rua Itabira, que era a rua onde nós morávamos, Então ficava o serviço muito próximo da casa. A gente almoçava em casa, trabalhava, era muito próximo o ambiente de residência e de trabalho. E os vizinhos todos moradores antigos do bairro, amigos, conhecidos. Uma coisa assim... Não vou dizer interiorana não, mas quase. Quase. Muito mineiro.
P/1 – E como era o Jackson criança? O que ele gostava de fazer, do que ele brincava?
R – O Jackson criança não tinha nada a ver com o Jackson de hoje. Estudava muito, eu gostava muito de línguas, gostava de inglês, alemão. Cheguei a estudar russo. Então, a atividade nessa época, eu não tinha compromisso com o trabalho, era mais para estudo mesmo e... Descobertas, né? Adolescente ainda eu tinha curiosidade muito grande com o rádio, com a televisão, que estava começando, né? E muita leitura. Então essa vida de estudante é que preencheu a adolescência até entrar no exército, que por decisão minha meu pai não interveio e nem buscamos nenhum meio de não servir. Eu queria servir o Exército, eu queria conhecer o que era o Exército. Aí entrei, fiquei dez meses e 14 dias no Exército. Dei baixa como cabo. Eu servi na 4ª Companhia de Comunicação, em Belo Horizonte. Era uma Companhia nova, dedicada ao rádio e à construção de linhas aéreas e subterrâneas de comunicação, à própria comunicação em si, com a utilização dos equipamentos. Então eu servi em uma Companhia até, podemos dizer, moderna para aquele tempo, né? Isso ajudou muito no futuro porque eu também me dediquei tanto a telefonia e informática, que eu sou responsável hoje pela área de telefonia e informática da Empresa de Transportes Martins.
P/1 – E voltando um pouquinho, me conta como era ser o mais velho entre tantos irmãos. Vocês brigavam muito, vocês brincavam juntos? Como era?
R – Olha, eu acho que a vantagem de ser uma família grande é que não tem tempo pra muita briga não, porque a influência de muitos, se você vai criar caso com um ou ficar nervoso com um o outro vai e apazigua, né? E com relação a ser mais velho é que você tem que dar o exemplo para os mais novos. Então o pai e mãe sempre cobravam isso e a relação foi muito boa. Não lembro de nenhum atrito ou algum fato de briga com nenhum dos irmãos. Foi tranqüilo. A infância foi tranqüila, com avós, uma família muito grande. Muitos tios! A minha mãe tem 12 irmãos. Meu pai, que a família é menor, quatro irmãos. Sempre tinha familiares junto, então a vida... Cresci com a família, né? Passeios eram com tios, eram primos. Eu sou o mais velho também dos netos, então os passeios nas cidades do interior sempre saia com uma tia, ou não. Porque acabava sendo uma vela, vela no sentido de fazer companhia. Então às vezes a tia mais nova pedia que a gente fosse passear com elas e tal. Assim, eu vivi num ambiente mais maduro, peguei uma responsabilidade até mais cedo do que normalmente acontece. Inclusive, já no início de... Por volta de 1970, que eu entrei na transportadora como um empregado registrado, meu pai me emancipou. Então, juridicamente, ele autorizou o cartório a emancipação para que eu tratasse dos negócios oficiais ou eu fosse o representante da empresa junto ao Governo. Então essa emancipação ou essa responsabilidade veio um pouco mais cedo do que normalmente aconteceria com outros.
P/1 – E você disse que a transportadora, durante um período, foi na mesma rua que sua casa. Seu pai levava vocês lá? Como era? Vocês passavam alguns dias lá?
R – Sim. Adolescência a gente não saia... Ficava dentro da transportadora. Ficava mais atrapalhando o trabalho (risos) do que ajudando. Mas desta forma é que aprendi todos os... Passei por todos os serviços, todos os departamentos da transportadora, porque vivi a juventude, a adolescência, dentro da transportadora. Porque a adolescência é o engraçado: é a época da rebeldia, a época da curiosidade. E posso dizer que ela foi bem aproveitada lá na transportadora, conversando com os ajudantes, os arrumadores, os motoristas. Inclusive, naquela época tive a oportunidade de aprender a dirigir sem ser em auto-escola, dirigindo os próprios caminhões da transportadora. Então os motoristas deixavam. E aos 18 anos, para tirar a carta, não foi uma tranqüilidade porque a parte da mecânica eu desconhecia. Eu não sou bom ou desconheço muito de mecânica de caminhão. Então eu optei, lógico, se estou trabalhando com caminhão eu optei por tirar a carteira profissional. Eu não passei no primeiro exame, de máquinas, de mecânica. Tive que repetir. Diferente do segundo irmão, o Sebastião, que era mecânico nato, gostava dessa atividade e acabou sendo o responsável por mecânica. Então eu repeti, fui fazer o exame de direção e era pra ter sido feito com o automóvel de um amigo, mas ele chegou atrasado e, eu não querendo perder a prova, falei assim: “Ah, eu vou de caminhão!”. Saí com o caminhão Mercedez Benz... Nós chamamos ele de “bicudinha”. Então saí com o caminhão caixa seca da transportadora até o local do exame. Eu arranhei as marchas da saída até a chegada! Falei assim: “Ah, não vou passar.” Mas estava lá e falei: “Vou fazer. Dê o que dê.” Eu peguei o caminhão, o examinador pediu pra dar uma ré, era uma subida forte. Ele pediu pra dar uma ré, dei a ré, ele falou assim: “Agora engata uma primeira, dá uma volta no quarteirão.” Eu pá, pá, primeira, segunda, não deu nem tempo de por terceira e ele falou assim: “Pode parar que você já passou”.
P/1 – E voltando um pouquinho, você falou pra gente que sempre gostou de estudar, de ler. Quais são suas primeiras lembranças da escola?
R – Bom, da escola... Para ir à escola meu pai me levava ou me levava um dos funcionários da transportadora. Nós tínhamos que atravessar duas ruas e uma avenida, que era uma das maiores avenidas de Belo Horizonte, que era a Avenida Antônio Carlos. E o grupo escolar era o grupo escolar Silviano Brandão, que era um grupo, uma escola... Naquela época a gente chamava de grupo escolar e era uma escola muito boa, muito bem conceituada. E era assim que se dava: ou a mãe levava ou os funcionários da transportadora me levavam para atravessar. Depois, maior, eu já passei a ir sozinho e, quando os irmãos também chegaram à idade escolar, quem os levava era eu. Eu lembro de uma professora, Araci... Aracira de Almeida. Mas as lembranças já estão muito velhas (risos). Muito longe. E no tempo de ginásio, que também naquela época a gente chamava de ginásio, eu lembro de um professor de inglês. Ele era alemão, tinha saído da Alemanha por causa da Segunda Guerra Mundial, veio para o Brasil e aqui ele dava aula de inglês. Eu tive contato com ele e pela sua influência ele achava... Inclusive ele autografou o livro meu de inglês dizendo que eu tinha uma boa dicção e muito interesse em inglês e ele estava me dando os parabéns pelo estudo do inglês. E com mais dois anos eu passei a me interessar pelo alemão e fui ter aulas de alemão com a filha dele. Aulas particulares de alemão com a filha dele, onde eu fiquei três anos aprendendo alemão, uma língua muito difícil, né? A declinação. E eu lembro disso desta época.
P/1 – E você se lembra de sair com a sua mãe para comprar o material escolar?
R – Lembro (risos). Lembro porque ela tinha que comprar o material escolar não só para mim como para todos os filhos. Nessa época a gente encadernava ou colocava plástico nos cadernos parar ficar mais apresentável, então na época de início de escola era uma maratona, porque era comprar livros para todos os filhos e fazer, encapar os cadernos com os plásticos. Naquela época cada professor exigia ou aconselhava a ter uma determinada cor, então minha mãe comprava os plásticos e tinha que encapar conforme as orientações. Ô! Você tá indo... Nem eu lembrava disso se não fosse essa pergunta! (risos)
P/1 – (risos) Então vamos mais fundo ainda: E do comércio do bairro? Você se lembra de alguma loja que chamava a atenção? Que você e seus irmãos gostavam de ficar na frente olhando a vitrine ou coisa assim?
R – Sim. Nessa rua nós tínhamos duas serralherias, inclusive de dois amigos, e a própria transportadora pedia alguns serviços e nós tínhamos que distribuir entre os dois, porque ambos são amigos. Então tinha a serralheria da esquina, que era do Sr. Marssao, e a outra serralheria que era do lado, do outro lado... Todas as duas... A transportadora ficava no meio das duas serralherias, cada uma com os proprietários. Eu lembro mais a do Sr. Marssao. No momento não to lembrando o nome do segundo vizinho. Inclusive foi com esse Sr. Marssao que eu fui a primeira vez ao futebol. Ele era atleticano doente e pediu, falou assim: “Não, nós vamos lá. Eu vou te levar e você vai conhecer o estádio, o Mineirão, e vai ver o Lacir jogar.” O Lacir era um dos melhores jogadores do Atlético naquela época, só que nesse dia o Lacir ele não tava dando certo com a bola e toda vez que ele chegava perto da bola, ele escorregava ou ele caia e a bola passava. Então eu pensei: “Eu não vou torcer pra isso!”. Aí eu passei a ser cruzeirense a partir desta data (risos). Então um grande amigo. Faleceu já, meu também já faleceu. Todos grandes amigos. E em frente à empresa de transportes tinha uma empresa, de nome Tecbell, que era uma empresa que fazia serviços de manutenção das bombas da companhia Esso Brasileira de Petróleo. Nós também tínhamos muita amizade com eles. Às vezes se precisava de carro, precisar até de dinheiro, né? A gente sempre tava ajudando e apoiando uns aos outros. Nessa própria Tecbell o meu irmão, o Sebastião, aprendeu mecânica de bombas, aprendeu mecânica veicular. E depois ele foi fazer o SENAI, ele fez o curso de mecânica no SENAI, que era nessa Avenida Antônio Carlos. Então você vê que a ligação trabalho vizinhança, nessa época, nos influenciou e também nos levou a estudar ou fazer a complementação que era necessária para a empresa de transporte.
P/1 – Tá certo. E passando para a adolescência, você nos disse que boa parte você passou dentro da transportadora. E quando você não estava na transportadora? O que você fazia para se divertir? Quem eram os amigos? Para onde vocês iam?
R – Bom, como a família era a grande e o terreno da minha avó era grande, nós tínhamos pés de jabuticaba, tinha goiaba, tinha manga, então, assim, era brincando lá no terreiro mesmo, né? E a gente brincava era com... Nada de brinquedo moderno, porque naquela época, por exemplo, você soltava pipa. Em Minas é papagaio, né? Soltava papagaio, pipa, era com... Não lembro o nome... Manivela! Não era lata ou cordoalha de cerol. Naquele tempo não era assim. Então era com barbante ou fio especial, mas a gente tinha quer fazer uma manivela muito bem feita. Era um retângulo mais ou menos dessa altura, muito bem feito, caprichado. A gente tinha que lixar. Naquela época todo mundo fazia, nós próprios é que fazíamos a manivela e muito bem feita! Então soltava-se dessa forma. Depois, com o passar do tempo, é que foi fazendo-se diferente, né? Então eu me lembro disso. Brincar de rodinha com aro. Não sei se vocês se lembram disso, lembram? A gente pegava um ferro, fazia um U no ferro e soltava pneuzinho, rodinha, e fica brincando com isso. E às vezes também de carrinho de rolimã. Então eu lembro que a rua era uma descida e a gente podia fazer, usar carrinho de rolimã. Lembro-me muito bem disso aí. Construía, quebrava e aí construía outro. Procurava na mecânica as rolimãs. E era difícil porque às vezes precisava de quatro rolimãs, duas pequenas ou duas grandes, era difícil de achar, mas a gente sempre dava um jeito e fazia o carro. Lembro disso também. E das viagens, né? Porque, meu pai sendo transportador, até para próprio trabalho, ele ia de caminhão carregado com carga. Aproveitava o caminhão e a gente viajava junto. Quando a família era menor viajava muito de caminhão e passava sempre no interior: Nova Era, Coronel Fabriciano, São Domingos do Prata, as cidades que hoje a transportadora opera.
P/1 – E como era passear de caminhão com o seu pai?
R – Bom, eu sempre queria ficar em pé no banco para ver a estrada! Porque para mim era interessante de mais. Minas Gerais é um estado muito lindo! Muito montanhoso, então muito verde, muito rio! Então a curiosidade era muito grande para conhecer esses locais, né? Os pontos, atravessar as pontes. Mas é muito, muito rio mesmo! Muita curva! Estrada sobe e desce. E hoje, naquele tempo não tanto, mas hoje virou uma das estradas mais perigosas do Brasil, que é a 262 e a 381. Agora ficou uma estrada muito perigosa. Mas naquela época era gostoso, porque o movimento era menor e um pedaço era de terra. O asfalto veio bem mais tarde, então dava para parar e conhecer o comércio, o bar, a quitanda. Então era muito interessante.
P/1 – E daí o sr. foi ficando mais velho e como se deu essa vontade de entrar no Exército? Como o seu pai reagiu?
R – Ele apoiou, apesar de... Ele queria que alguém ajudasse na transportadora, mas ele já tinha um irmão que dava o apoio a ele e a empresa ainda tinha um movimento pequeno, então não houve necessidade de trabalharmos ainda. Tinha um gerente em Coronel Fabriciano, então dava pra levar a transportadora sem os filhos entrarem, neste primeiro momento. Assim, na época que eu me interessei em servir o exército foi para conhecer, né? Porque a vida sempre familiar junto com os pais, eles sempre com o cuidado, com o zelo e com a proteção, eu falei: “Não. Eu acho que preciso de uma coisa diferente. Preciso conhecer melhor a sociedade. Vou entrar no Exército, vou servir.” E aconteceram duas coisas importantes no Exército para mim que foi, no 1º dia no Exército, o comandante Crisódono, ele em bom tom disse a todos os recrutas que ali era pra esquecer pai e mãe, esquecer a família, porque você era um soldado e tinha que ter a sua responsabilidade. Então foi o primeiro recado que ele deu. E o segundo foi que eu fui preso. Fiquei um dia preso no Exército, de cana, por ter chegado atrasado no dia do meu aniversário. No dia do meu aniversário a farra foi boa e tal, fomos dormir mais tarde e no outro dia eu cheguei atrasado ao serviço e por causa disso eu fiquei de cana. Então foi a segunda coisa que aconteceu no Exército. Mas foi um serviço muito bom. Aprendi no Exército, por incrível que pareça, a gostar de música clássica. Tinha um cabo que colocava na vitrola os discos que ele gostava de música clássica e aquilo ficava tocando no quartel inteiro. Nessa época eu odiava! Odiava porque era o dia inteiro música clássica, então não gostava. Mas saindo do Exército, o interesse por música clássica veio e eu achei muito interessante. Nessa época também o Exército teve uma... Ele fez uma venda, ele desfez de uma... Não é câmera fotográfica, ele desfez de um ampliador de fotografia, onde você fazia fotografia naquele tempo, né? Naquele tempo não era digital. Então o Exército vendeu um ampliador, amplificador, e eu me interessei, comprei e passei a fazer foto. Fazer foto e revelar. Esse equipamento permitia ampliar e passar do negativo para o papel a fotografia. E eu gostei muito e até hoje eu gosto de fotografia por causa disso aí.
P/1 – E o que você gostava de fotografar na época?
R - Mais paisagens e animais, porque a vida da fazenda e no estado de Minas com as montanhas, então eu fotografava muito paisagens e animais. Eu lembro muito disso e gostava muito.
P/1 – E como se deu essa iniciação profissional? Já foi direto na transportadora, foi quando saiu do Exército? Como foi?
R – No Exército eu já ajudava o meu pai, mas ajudava sem nenhum compromisso, na digitação de conhecimento ou no carregamento do caminhão. Dependia. Às vezes faltava algum ajudante ou não, alguma pessoa, então ajudava a fazer qualquer trabalho. No tempo do Exército, depois que eu terminava o Exército eu voltava para a transportadora porque o serviço da transportadora ele, sempre, até hoje, o serviço de uma empresa de transportes passa a ser muito acelerado ou com mais serviço depois das 17 horas, quando os caminhões retornam das coletas, retornam das entregas e nós fazemos a concentração das mercadorias no armazém e passa-se a carregar o caminhão. Então o grande serviço de uma transportadora é a partir das 17, 18 horas. E nessa hora eu já estava voltando do Exército e aí eu ajudava digitando, digitando não (risos), naquela época não era... Naquela época os conhecimentos eram emitidos a mão. Lembro também que eu já me interessava por isso, por modernidade ou por mudar o modus operandi desde essa época. Por quê? Os conhecimentos sempre foram emitidos a mão e eu passei a observar que, eu tinha uma boa letra, uma boa caligrafia, mas os outros auxiliares tinham caligrafias não tão boas e deixavam a desejar o, por exemplo, o endereço. Ficava alguma dúvida com relação ao endereço, então você tinha que decifrar as letras das pessoas. Eu falei assim: “Ô, gente! Nós temos máquinas de escrever. Porque nós não destacamos o conhecimento do bloco e não passamos a datilografar? Então ao invés da gente escrever o conhecimento e calcular o frete...” porque cada um dos emissores é que fazia esse serviço, ele calculava tanto o frete quanto transcrevia os dados no documento. Então eu falei assim: “Não, vamos para com isso. Vamos colocar uma pessoa para fazer o cálculo.” Um funcionário fazia o cálculo na fita de papel ou de bobina, na máquina de calcular. Fazia o cálculo, anexava a nota fiscal e passava para o escriturário escrever. E o passo então para fazer a datilografia ficou muito mais fácil! Foi só tirar os grampos do bloco, colocar carbono, que nem hoje isso mais tem, né? (risos) Nem carbono tem mais, salvo algumas exceções. Então passamos a datilografar os conhecimentos.
P/1 – E você se lembra do que fez com seu primeiro salário?
R – Olha, o dinheiro era tão pouco, quer dizer, o salário era tão pouco que era muito mais para ajudar a família, o pai. Não, não lembro.
P/1 – E quais eram as suas atribuições de início? O que você tinha que fazer quando você começou a trabalhar na transportadora?
R – Eu passei a trabalhar mais no escritório. Passando essa época de adolescência onde a gente fazia tudo, na qual eu aprendi a fazer todas as coisas, eu passei a trabalhar mais no escritório, onde emitia os conhecimentos de transporte, calculava frete, fazia faturamento, cobrança e apurava os impostos a pagar. Então eu fiquei nessa parte e depois eu cuidei da parte financeira, porque a empresa tem altos e baixos. Houve uma época em que, por questões comerciais de contrato, nós trabalhamos com uma grande companhia transportando adubo. Eram muitas viagens para... Adubo e... Teve um outro produto, usado para limpar água, para tratamento de água. Agora me falha a memória, eu não lembro qual que era o produto. Mas a gente trabalhava muito, carregava muitos caminhões, por exemplo, dez caminhões por dia, para abastecer a COPASA, que era a Companhia de Saneamento de Minas Gerais. E nós tínhamos que colocar o produto sulfato de alumínio, nós tínhamos que colocar o sulfato de alumínio nas diversas estações de tratamento. Então nessa época nós fizemos grandes investimentos em caminhões, era financiamento, e a companhia começou a atrasar o pagamento dos fretes. Então nós tivemos um aperto financeiro, deixamos de honrar alguns pagamentos. Os veículos tiveram até busca e apreensão. Então foi uma época muito difícil e complicada, mas como a família era muito grande e os tios empresários também, eles nos socorreram e passamos essa época difícil. Liquidamos tanto os empréstimos quanto o empréstimo familiar. Nós honramos todos eles e hoje a empresa se transformou, né? A empresa naquele tempo... Hoje nós faturamos talvez, se comparar com aquele tempo, mais de 100 vezes. A empresa teve uma evolução muito grande. Então eu passei a trabalhar no escritório, do escritório... E eu nessa época também, vi a necessidade de aprender conceitos de comércio, conceito mais sólidos e maduros porque, eu já era formado no segundo grau e eu, entrando na transportadora, conhecia a informalidade, conhecia o que meu pai me passou. Eu vi necessidade de fazer cursos específicos, tanto no SENAI quanto no Senac. Eu falei assim: “Já que eu estou aqui na transportadora, para me dedicar, tem que ser melhor do que eu aprendi.” Então eu fui procurar conhecimentos de Administração Financeira, conhecimentos de Faturamento, de Gestão, Liderança, no SENAI. Tinha uma unidade perto da transportadora, na rua Tupinambás, que era do Senac. Eu procurei, fiz vários treinamentos no Senac, e esses treinamentos ajudaram muito na transportadora, no meu desempenho do dia-a-dia, e acabaram me levando a fazer a faculdade.
P/1 – E como foi esse tempo de faculdade? O que você tem para contar para gente desta época de faculdade?
R – Isso tudo foi um encadeamento, né? Tanto o envolvimento na transportadora e eu vendo a necessidade desta, a falta de um conhecimento mais profissional, mais técnico, foram me levando a isso. Mas, voltando um pouco antes, eu era solteiro, não tinha... Inclusive na época do próprio Exército aí eu comecei a namorar um moça, uma outra moça e acabou que na época do Exército eu decidi por uma vizinha, que era filha também de um grande empresário do interior de Minas, de Oliveira. Ele era proprietário de uma agência de automóveis da Ford e também fazendeiro, tinha autopeças e posto de combustível. Era nosso vizinho e a empresa locava o imóvel onde nós temos o nosso... Tinha o galpão da transportadora e a empresa locava do pai da minha futura esposa. Então nós éramos vizinhos, eu não tinha interesse e nada com ela, mas no tempo do Exército ela pediu para fazer um trabalho de doença de Chagas, para mostrar a evolução e o ciclo do barbeiro e eu tinha um colega, meu xará também, Jackson Castro, que era um excelente desenhista e ele fez o desenho pra ela para uma exposição escolar. E a partir desta época eu me interessei por ela. Saí do Exército, dei baixa do Exército, continuamos namorando, trabalhando na transportadora. Aí eu casei, casei em 1974 e, junto com ela e ela vendo a necessidade também de eu me profissionalizar, acabou que ela pagou a matrícula da faculdade, a inscrição do vestibular, e eu falei assim: “Mas com o conhecimento que eu tenho isso não vai dar certo!”. Eu fiz muito pouco caso, fiz muito pouco do conhecimento que eu tinha e falei assim: “Isso não vai dar certo não!” Mas como estava pago eu fui fazer o vestibular.
[TROCA DE FITA]
P/1 – Bom, Sr. Jackson, você estava nos falando que a sua esposa na época pagou a inscrição na faculdade. Continua para a gente.
R – Isso. Então ela pagou, eu fiz o exame. Passei. Eram 100 candidatos, eu passei em nonagésimo sexto lugar e entrei na segunda chamada. Eu comecei a estudar a partir de agosto de 75. Formei em 79, como administrador de empresa. E na faculdade de Administração nós tínhamos as duas vertentes: a Administração Comercial, Empresarial, Industrial e a Administração Pública. Eu me interessei pela Administração Pública e quis conhecer um pouco mais, aí fui para o Rio de Janeiro fazer um curso de especialização em Administração Pública no IBAN, inclusive com proposta para trabalhar em uma prefeitura do interior de Minas, que era na cidade de nascimento da minha mãe, Nova Era. Mas a veia empresarial comercial foi mais forte e eu continuei na transportadora. E nesta época, eu já casado, eu já tinha um filho e vinha um outro a caminho, eu vi a necessidade de ampliar os negócios do meu pai, porque a família crescendo, os irmãos crescendo, casando, eu já tinha o segundo irmão casado também. A minha esposa trabalhava para um banco, para o banco Denasa, e a empresa ainda não tinha renda suficiente ou faturamento suficiente para colocar ou ter toda a família dependendo só dessa fonte de renda. Então nessa época eu vi a necessidade de ampliar os negócios e falei assim: “Tanto ampliar os negócios da família quanto ampliar minha vida profissional...” Eu via a necessidade de mudar e sair de Minas Gerais. Então em 1980 eu e minha esposa tomamos a decisão de sair de Minas Gerais, vir para São Paulo abrir um filial da empresa. Isso tanto ajudou a minha vida pessoal e profissional, porque aqui em São Paulo, vendo o tamanho da cidade, a velocidade dos negócios, o próprio ensino na área de Logística estava começando nessa época e me ajudou muito. E também comecei a minha vida sindical. Então a empresa de transportes já era filiada ao Sindicato das Empresas de Transportes de Minas Gerais. Chegando em São Paulo eu me filiei, a empresa se filiou ao sindicato de São Paulo, ao SETCESP, e a partir da minha freqüência às assembléias, me interessando pelos problemas da classe, acabou eu sendo convidado a fazer parte da diretoria do sindicato. Mas, voltando um pouco antes, no curso de Administração de Empresas da FACE, Faculdade de Ciências Econômicas de Minas Gerais, eu pude também exercer a função de monitor. Assim, eu cuidei da monitoria da cadeira de TGA, que é Teoria Geral de Administração, e ganhei uma bolsa complementar da Universidade Federal para ser monitor de TGA. A partir desta data, eu já gostava de estudar e me interessei mais pelo estudo. E, vindo para São Paulo, com a necessidade de treinar os funcionários para desempenhar melhor as funções, eu desenvolvi um treinamento para ajudante de coleta. Esse treinamento que eu desenvolvi me ajudou e levou a que eu criasse uma outra empresa. Então, por volta de 82, eu criei uma empresa chamada Sietas, que era um Sistema Integrado de Treinamento para Transporte. E nessa empresa, investi em aluguel de uma sala na Praça Santo Eduardo, na Vila Maria, em cima da imobiliária MGP. Então eu aluguei uma sala, coloquei cadeiras, fiz um investimento bem forte em cadeiras, mesas, montar uma sala de aula com quadro branco, projetor. E desenvolvi mais seis treinamentos: treinamento de coleta e entrega, treinamento de cálculo de frete, treinamento de formação de preço do transporte, treinamento de digitação de cargas, de conhecimento de transporte e programação de coleta e entrega. Por incrível que pareça, eu fiquei um ano divulgando o trabalho e não consegui nenhum cliente. Nenhuma transportadora foi meu cliente. Não por falta de comunicação ou falta de investir e enviar folhetos para as transportadoras. É que a marca SETCESP era muito forte e era como se fosse um... Falta a palavra aqui... Não vou dizer máfia não, não é bem esse sentido que eu quero dizer. É que a marca SETCESP era fortíssima e ele estava imbuído de treinar. Então ele dava conta dos treinamentos...
P/2 – Como um monopólio?
R – Como se fosse. Não vou dizer como um monopólio, mas quase um monopólio. Um monopólio em bom sentido, porque ele tinha uma forte presença nas empresas de transportes e os treinamentos eram muito bons. O corpo de professores ou de instrutores do SETCESP era muito bom. Então eu fiquei com essa empresa de treinamento por um ano. Resolvi fechar a empresa de treinamento e eu já estava indo às assembléias do SETCESP. Eu lembro que, imediatamente após fechar a empresa, o gerente do SETCESP, que na época era o Pereira, me convidou, me escreveu um ofício perguntando que treinamentos eu tinha e se poderia ministrá-los no sindicato. Ora, eu recém encerrando as atividades, falei: “Pronto! Tenho agora.” Então eu mostrei os seis treinamentos que eu tinha e passei a dar aulas no SETCESP. Ou seja, o treinamento ou o investimento feito antes, me auxiliou demais na época em que o SETCESP me convidou a ser instrutor. Então eu passei a ministrar esses treinamentos para os transportadores e com esse envolvimento eu acabei entrando para a comissão de treinamento do sindicato. Eu fui como auxiliar dessa comissão de treinamento e no envolvimento e na relação com o SENAI, porque na época o SENAI é que era o nosso sistema social e sistema de treinamento do transporte. Então nós começamos a ter uma participação muito grande com o SENAI para que ele desenvolvesse os treinamentos para o transporte de cargas. Foi uma época muito difícil porque o SENAI era, pode-se dizer, 99% dedicado à indústria e o transporte tinha muito pouca coisa. Eu lembro que um dos primeiros treinamentos foi um treinamento obrigatório, que era operador de empilhadeira e que o SENAI que ministrava esse treinamento. E nós precisávamos de treinamento de motorista, ajudante de coleta e entrega, que é o nosso maior universo de funcionários. Então, o presidente da época do SETCESP que era o Adalberto Panzan, junto com o coordenador da comissão de treinamento, que era o Luís Orlando Fração, me convocaram para, junto com o SENAI, desenvolver esses dois treinamentos. Concluímos esses dois treinamentos e aí foi num crescendo. Aí o sindicato, a partir destes dois treinamentos, começou a desenvolver dez, 20, 30. Então hoje nós temos uma gama muito grande de treinamentos. Tanto é que, com o passar do tempo, esse setor do treinamento, com o nascimento do SEST SENAT, a partir da Constituição de 98 foi possível a criação do SEST SENAT e hoje o grupo originário do SETCESP está no SEST SENAT. Nós temos que voltar mais alguma coisa ai.
P/2 - Essa participação no sindicato iremos querer saber bastante depois, mas antes você poderia nos contar um pouco da história da Transmartins? Como foi a fundação dela com seu pai? Em que ano foi? Onde ela agia e que tipo de mercadoria transportava?
R - Sim. A empresa de transporte ela tem hoje mais de 60 anos. O início foi com o tio, o irmão da minha mãe. Ele tinha um caminhão e, na própria residência dele, na própria casa dele, ele ajuntava as mercadorias do comércio, das fazendas, dos negócios das cidades de Timóteo e Coronel Fabriciano. E ele continuava fazendo o seu serviço. Essa época era o início da implantação ou da criação da USIMINAS, da Companhia Siderúrgica de Minas Gerais, e o meu tio viu uma possibilidade, com a estrada de terra, muito caminhão, ele passar de ser transportador para autopeças. Ele viu que com o desenvolvimento da cidade de Ipatinga, com o surgimento da cidade de Ipatinga, com a USIMINAS sendo implantada, ele viu a possibilidade de o comércio ser muito melhor em autopeças. Ele falou assim: "Eu não vou mexer com autopeças mais." E meu pai foi chamado para ser o sócio dele na transportadora, e eles continuaram com o transporte. Em um determinado tempo ele viu então que: "Não. Eu preciso de capital, vou para autopeças mesmo." Pegou o caminhão da transportadora, vendeu e aplicou em uma loja de autopeças que ele construiu em Coronel Fabriciano, deixando a esposa dele como sócia do meu pai. Então, a partir desta data, pode-se dizer que o nome da empresa permaneceu, os clientes ficaram com o meu pai e ele é que passou a desenvolver a transportadora, com uma certa dificuldade, porque não tinha o caminhão mais! Mas a clientela já existente manteve a transportadora e ele foi desenvolvendo e sustentando o negócio e a família. Então a Empresa de Transportes Martins Ltda. surgiu com o meu tio e, com a saída dele, meu pai passou a tocar, gerenciar e administrar a transportadora. Ela foi crescendo, a família foi crescendo, tanto a do meu tio, lógico, né? A família do meu tio crescendo e a família do meu pai crescendo, chegou em 1970 eu e o meu irmão, segundo irmão, Sebastião, entramos como funcionários da transportadora, fomos desenvolvendo. Meu irmão foi motorista, foi mecânico, foi crescendo também. Depois ele passou a ser gerente da filial de Coronel Fabriciano. Em 1975 nós compramos a participação da esposa do meu tio. Ele propôs a venda para nós porque ele estava se dando muito bem no ramo de autopeças, a família dele crescendo, a nossa crescendo, isso uma hora ou outra poderia a vir ser um atrito e ele achou por bem nos oferecer a empresa e, no negócio de tio para sobrinho, nós fizemos a compra da transportadora, da parte do capital da esposa dele, através da venda de uns terrenos que a transportadora tinha em Coronel Fabriciano. Nós passamos o terreno para ele e fizemos, não lembro se 25 ou 50 notas promissórias pra ele, para pagar a parte dele. E nós fizemos a compra dos 50% dele para os três irmãos mais velhos e para o meu pai, porque 50% tinha que ser dividido. Meu pai adquiriu uma parte, 12,5% se não me falha a memória. Então os 50% nós dividimos para quatro. E ai os irmãos, eu, Sebastião e Ulisses, os irmãos mais velhos, entramos na sociedade em 1975. E aí, com a ajuda dos irmãos, dos três irmãos, investindo, trabalhando, suando... E transporte não tem esse negócio. É das seis até meia-noite. Caminhão dá problema ou quebra ou acontece algum acidente, então a gente está sempre envolvido 16, 18 horas no serviço. Assim, com essa juventude que entrou na transportadora nós demos um gás maior para a transportadora e os negócios foram ampliando.
P/2 - E como é que foi esse início de ter uma transportadora e não ter um caminhão? Como seu pai se virou?
R - Ele se virou contratando autônomos. E por falar... Você falou em vizinhança, não foi, Lucas? Falou da época de vizinhança. Os vizinhos e parentes, que a família era muito grande, nós temos parentes que tinham caminhões, primos que alugavam os caminhões para as transportadoras. Eram caminhoneiros, eram autônomos e desde essa época usávamos o caminhão... Então a empresa não teve esse problema, apesar de não ter o capital e não ter o veiculo, tinha o autônomo que supria essa fase. E logo depois, aí comprou um caminhão Chevrolet Brasil. Era o primeiro caminhão fabricado a gasolina. Tinha Alfa Romeu, KB7, KB11, que era o internacional. Então veículos americanos, veículos importados. Tinha o Ford F8. Então ai, com a dificuldade, com o comércio, não tinha nenhum veículo, mas depois foi adquirindo, né? Então nós tivemos esses veículos todos que eu falei e continuamos trabalhando com autônomos também. Porque o autônomo no Brasil, uma que complementa a frota que a gente tem. Na época de safra, na época de maior necessidade a gente sempre recorreu aos autônomos e hoje, com uma frota que nós temos de 60 veículos, ainda usamos autônomos. Nossa! É muita coisa, ein! Vocês estão me fazendo de lembrar de coisas que já estavam apagadas da memória! (risos)
P/1 - (risos) E do período da abertura dessa filial em São Paulo, como é que foi sair de Minas e vir para São Paulo, uma cidade muito maior? Qual foi o impacto inicial para você?
R - Eu já buscava isto, porque na época da Administração, que eu fiz o curso de Administração de Empresas, tanto pós graduação ou... O que tinha de melhor naquela época era vir para São Paulo, para a FGV, fazer uma pós graduação na área empresarial ou ir para o Rio de Janeiro na área governamental. Então se eu quisesse evoluir na minha profissão eu tinha que sair de Belo Horizonte naquela época. Hoje Belo Horizonte tem muita faculdade, tem a antiga Católica, Fundação Dom Cabral, que é muito famosa em Administração. Mas então eu tinha que vir pra cá pra evoluir! Eu necessitava tanto evoluir a transportadora, pelo crescimento da família e para ampliar os negócios, que a oportunidade natural era São Paulo, porque nós já tínhamos... Trabalhávamos nessa época como re-despacho. Nós tínhamos uma parceria com a transportadora de São Paulo F Lebedenco, que levava as mercadorias dos nossos clientes de São Paulo para Belo Horizonte e nós levávamos de Belo Horizonte para o interior. Isso onerava demasiado o preço final do transporte porque era o preço de duas transportadoras e já estava ficando inviável pela grande concorrência já existente de uma, duas transportadoras que faziam direto. Então os clientes já estavam ficando insatisfeitos com o pagamento duplo de transportes. E eu vi então a necessidade de vir para São Paulo para acabar com esse custo. E o outro motivo era o desenvolvimento profissional meu como administrador de empresa. Só que trabalhando e sendo empresário e desenvolvendo uma nova filial, exigiu muito. Isso exigia muito a minha presença e acabou que eu não fiz a pós graduação logo em seguida. Eu tive que esperar. Até hoje eu não fiz pós graduação universitária, mas por causa do envolvimento com a transportadora. No início nós viemos aqui em 1980. Eu lembro que nós ficamos num galpão junto com mais quatro transportadoras. Foi muito difícil! Uma época muito difícil. Foi um ano que eu passei junto com quatro transportadoras, convivendo com os problemas das quatro. Ao invés de cuidar só da minha, tinha que auxiliar e não dava certo. A parte do aluguel que a gente pagava ia pra despesa do arrendador do galpão e acabava que ele não pagava a imobiliária. Então, olha, foi uma vida muito difícil e complicada porque nós, mineiros, sempre fomos responsáveis e cientes dos compromissos, né? Essa é uma característica do mineiro: honrar o fio do bigode e fazer os pagamentos sempre pontualmente. E isso começou a nos incomodar tremendamente. No final de um ano já não aguentamos. Então, da rua Curuçá 681, quase esquina com a Severa, nós saímos de um galpão de 780 metros, com quatro transportadoras, e fomos para um outro galpão próximo, na rua Padre João Antônio, na Vila Maria mesmo. E aí, evoluindo cada vez mais, né? E tanto crescemos, logo depois de um ano, que nós mudamos para essa Padre João Antônio. Crescemos mais ainda e mudamos para a rua Eli, porque o proprietário da Padre João Antônio solicitou o galpão. Ele vendeu, perguntou se nós queríamos comprar, oferta para quem estava alugando. Nós não tínhamos condições na época, então nós fomos obrigados a sair dali e fomos para a rua Eli, na Vila Maria também. E nesta época, que o Jânio Quadros era prefeito da cidade, as transportadoras em São Paulo, com o crescimento da cidade, saíram do Parque Dom Pedro, passaram pelo Brás. Com o crescimento novamente da cidade, as transportadoras saíram do Brás e foram para Vila Maria e Parque Novo Mundo. E a cidade de São Paulo crescendo cada vez mais e os munícipes reclamando, junto com o Jânio Quadros, da presença do caminhão no bairro e da sujeira que os motoristas faziam ou do barulho que o caminhão trazia e da desorganização dos caminhoneiros e da transportadora, os munícipes começaram a reclamar junto com a Prefeitura uma providência. E a providência na época foi expulsar as transportadoras do bairro, por causa dos inconvenientes: o caminhão parava na porta da rua, da garagem, tapava, no dia de manhã, o proprietário que queria sair. Tinha que buzinar, tinha que xingar os caminhoneiros para sair da rua, para liberar o espaço que era dele. E o motorista fazendo comida, necessidades, lavando roupa nas portas das casas dos moradores e essa coisa foi incomodando cada vez mais e a subprefeitura da Vila Maria e Vila Guilherme começou a autuar as transportadoras irregulares do bairro. Quem tinha área suficiente e alvará poderia ficar no lugar que estava e quem não tinha, tinha que sair. Então nós sofremos essa pressão dos moradores e da Prefeitura nessa época e a Empresa de Transportes Martins chegou a ser fechada administrativamente e nos reabrimos logo em seguida, porque nós tínhamos que continuar nossas atividades. Passados mais alguns dias, nós tivemos o fechamento policial. A Prefeitura convocou a Polícia Militar, vieram e lacraram a transportadora. Nós também violamos o lacre e continuamos a trabalhar. Nós não podíamos trabalhar! Então eram multas diárias que a transportadora tinha e uma situação irregular junto com o município. O sindicato de São Paulo, o SETCESP, dentre as várias comissões que ele coordenava, tinha uma comissão de terminais de carga. Então a CONTERCA, Comissão de Terminais de Carga, tinha um projeto de um terminal de cargas do Rio de Janeiro, chamava Rio Douro. Era uma área que um grupo de transportadoras iria comprar para fazer os galpões de maneira modular e moderna. Porque as transportadoras, muitas até hoje usam um galpão, uma estrutura lateral de paredes e um telhado e a vida ali dentro entra caminhão, fumaça, carga, pessoas e não é um ambiente... É um ambiente muito poluído e não é um ambiente técnico. Então, esse projeto do Rio Douro era pra fazer como se fosse um terminal aeroportuário, onde tinham docas para encostar os veículos, a plataforma elevada para a armazenagem de carga, onde os funcionários ou a transportadora teriam menos esforço físico para carregar o caminhão. Era um bom projeto e o SETCESP, através da Comissão de Terminais de Carga, procurou a EMURB, que era um órgão da Prefeitura de São Paulo para a ver a possibilidade da criação, em toda São Paulo ou pelo menos onde existissem rodovias, fosse construído um terminal de cargas, mas moderno. Assim, foi possível através de muito estudo, muita conversa, o nascimento do Terminal de Cargas Fernão Dias, aquele em que vocês foram me visitar e que é o primeiro terminal de cargas do Brasil construído de maneira técnica. Um projeto eficaz, eficiente, de concentração de várias transportadoras, onde a própria concentração possibilitava diminuição de combustível, porque as transportadoras faziam troca ou descarga de mercadorias entre elas para os vários locais em que elas operavam e isso evitava que o caminhão ou a carreta se deslocasse para o centro ou para a Vila Guilherme. Ele descentralizava. A carreta chegando ao terminal, descarregavam, passavam para veículos menores e os veículos menores iriam fazer as entregas na cidade de São Paulo. Então o terminal de cargas tem essa vantagem de ser concentrador e descentralizador de atividades e diminuição de custos. Infelizmente, porque o governo municipal e estadual, com essas mudanças frequentes e com a sua incapacidade de continuar projetos de longa duração, ele só fez esse terminal de cargas em São Paulo. E a idéia do SETCESP era fazer o terminal na saída da Castelo Branco, Régis Bittencourt, Anhanguera, etc. Então nós ficamos só neste, mas a idéia do terminal de cargas prosperou. Com o passar de mais tempo saiu o terminal do Rio de Janeiro, um terminal privado lá no Rio de Janeiro. Saiu um terminal de cargas em Belém e saiu o terminal de cargas em Campinas e o porto seco em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Foi uma idéia muito brilhante que deu seus frutos pelo Brasil afora. Infelizmente, a cidade de São Paulo não pôde ser contemplada com uma descentralização logística já pensada naquela década de 80. O terminal de cargas começou a surgir em 82, 84 e ficou pronto em 86.
P/1 - E como é que funciona, Jackson, a concessão de espaços nesse terminal? Vocês pagam uma taxa? Como se dá a escolha das empresas?
R - A EMURB na época entrou com a parte de projeto e arquitetura e vendeu a área para as transportadoras. Então foi um projeto privado... Misto, né? A prefeitura fez esta parte e vendeu para as transportadoras. Na época 50 e poucas empresas de transporte compraram o terminal de cargas. Lá são 62 box e as transportadoras compraram isso aí. Mas, voltando um pouquinho antes, é que o Jânio Quadros, com a pressão dos munícipes, dos moradores do bairro, forçou as transportadoras a saírem. O acordo então: as empresas de transportes que estavam com fechamento administrativo ou com as autuações da prefeitura e que fizessem inscrição no terminal, no terminal de cargas para comprar o box, poderiam permanecer na Vila Maria até a construção e a mudança. Assim, a Empresa de Transportes Martins conseguiu fazer isto aí. Ela fez a inscrição para a compra dos módulos da EMURB, que na época era caríssimo, era um investimento violento. Eu lembro até que meu pai não queria que fosse feito esse investimento porque ele achou que a empresa não teria condição de fazer esse pagamento, tendo em vista a situação econômica do Brasil que era alta inflação. Fazer investimento naquela época significava que todo mês haveriam correções da prestação e de acordo com a inflação! E os negócios, o comércio, o frete não aumentariam tanto quanto a prestação financeira. Então meu pai não queria que fosse feito o investimento, mas nós, eu bati o pé e tive o apoio dos dois irmãos e nós conseguimos fazer essa compra e permanecemos na Vila Maria até a mudança, que se deu em 1986.
P/1 - E hoje como é que funciona? Existe um escritório na Vila Maria ou é só no Terminal de Cargas Fernão Dias?
R - Não. De acordo com o contrato de compra e venda com a EMURB, ela já tinha previsto naquela época uma associação para cuidar dos interesses do terminal. Houve só uma desvantagem com esse projeto e foi que não houve, na época, a constituição de um condomínio. tanto o transportador quanto a EMURB, não vou dizer que esqueceram, eles não fizeram um condomínio legal e isso trouxe transtornos para nós, até hoje, porque é rua pública e não pode ser um condomínio fechado. Acontece que tanto a própria EMURB viu a necessidade de ser fechado quanto a CET. Porque imagine você ter quatro ruas com fluxo de veículos atravessando a avenida ou se dirigindo para a avenida de maneira livre. Seria... É muita confusão para o próprio bairro! O planejamento de trânsito ali do terminal de cargas, onde entram 4.900 veículos por dia, se ele ficar com as ruas abertas o trânsito seria um transtorno. Então a própria CET autorizou o fechamento do terminal, tendo em vista a administração do fluxo de trânsito naquela região. E hoje a gente tem até uma certa facilidade de movimentação de carga, não atrapalhando o fluxo do bairro, o que, inclusive, reflete na própria rodovia. Como o movimento de Guarulhos para São Paulo ampliou muito, por causa daquele viaduto, então qualquer descontrole do fluxo ali interfere até na rodovia. Mas tem muita coisa para falar do terminal ainda. Vamos dar uma parada?
[TROCA DE FITA]
R - O meu pai não tinha participação ativa no sindicato, apesar dele apoiar e a transportadora ser associada do sindicato patronal. Mas ele reconhecia a importância dessa associação e das informações prestadas pelo sindicato e pela associação comercial. Então a Martins em Belo Horizonte, com a direção do meu pai, participou dessas duas instituições, tanto do sindicato mineiro quanto da Associação Comercial de Belo Horizonte. Vindo para São Paulo, eu trouxe esse espírito associativo também. Nós damos muito valor a essa união, porque nós sabemos que é a união que faz a força e, em um caso de necessidade de financiamento ou de um terminal de cargas ou de tributos, precisa haver uma união entre os empresários para se conseguir alguma coisa com o governo brasileiro. Tanto é que na participação que eu tive na Universidade Federal de Minas Gerais, também tive essa experiência com o DA, o Diretório Acadêmico, onde os alunos naquela época sempre reivindicavam melhorias de ensino e o não aumento da comida, do bandejão. E para conseguir alguma coisa a gente tinha que estar unido e fazer pressão. Esse espírito então continuou comigo e eu vim para São Paulo e fui tanto associado do SETCESP quanto da Associação Comercial. Na Associação Comercial desempenhei... Isso antes de eu ser diretor do SETCESP. Eu fui conselheiro da Associação Comercial. A Associação Comercial de São Paulo tinha as suas distritais e na distrital de Santana eu participei por dois anos. Fui membro da distrital e também aprendi muita coisa e pude contribuir e ver como era o envolvimento ou estar em uma cidade tão grande quanto São Paulo. Me envolvi na Associação Comercial nas Diretas Já, nessa época de... Porque tudo que nós falamos até vir para São Paulo... Eu não me lembro da data em que acabou o militarismo...
P/2 - Oitenta e quatro, 85.
R - É. Toda essa época que nós vivemos, vivemos dentro do militarismo. E eu me envolvi, então, politicamente com as Diretas Já, auxiliava os comitês eleitorais. Participei de várias eleições indiretamente distribuindo santinhos. Até meus filhos ajudavam, na época em que era possível isso, era permitido. Tanto eu e minha esposa quanto meus filhos fazíamos divulgação dos políticos do transporte ou aqueles políticos que poderiam representar algum interesse para o segmento. Eu sempre dei esse apoio porque conhecia essa importância, passei a conhecer essa importância em São Paulo pelo tamanho que ela tem e pela necessidade de ter alguém que apoie um segmento. Então, na Associação Comercial fui conselheiro, participando das reuniões, e me desenvolvi profissionalmente, empresarialmente e politicamente. A parte política veio da Associação Comercial. E eu vi que não dava para ser político na Associação Comercial sendo transportador, então eu falei: " Não. Não é o meu direito natural ou o meu interesse não está no comércio, está no transporte." Aí eu procurei me envolver com as reuniões, as assembléias do SETCESP, que é o transporte. E a partir disto é que fui então sendo convocado para ser coordenador, ser presidente de comissão e depois diretor do sindicato. E vivi uma fase importante da vida brasileira e um fase importante do transporte, que foi a expulsão das transportadoras da Vila Maria e o surgimento do Terminal de Cargas. Essa foi uma das etapas. A outra foi a própria constituição do SEST SENAT, que se deu a partir da Constituição de 98. Vivi também várias situações de greve, porque o sindicato dos empregados do nosso segmento, nós temos dois sindicatos: o transporte tem o Sindicato dos Funcionários em Escritório e o Sindicato dos Operadores, que são ajudantes e motoristas. E nessa época ele vivia sob o comando da CMTC, então era um sindicato mais aguerrido, um sindicato mais batalhador e de certo sentido até violento da cidade de São Paulo. Se você tirar o sindicato do ABC, era o da CMTC aqui, que era o dos movimentadores de carga. Então, na década de 80, justamente no Terminal de Cargas, eu, nossa transportadora e todas as transportadoras do Terminal de Cargas, enfrentaram esses dois movimentos, dois grandes movimentos de paralisação de serviços. Nesta época eu também fazia parte, só como associado, da ASSOCIFERDI, que é a Associação dos Empresários do Terminal de Cargas Fernão Dias, e tive que ajudar o presidente e a nós próprios a vencer essa dificuldade. Era pressão dos funcionários por aumento de salário e eles foram paralisar as atividades das transportadoras do Terminal de Cargas, que ficou sendo mais fácil para eles porque eles precisavam ter uma visibilidade, eles precisavam fazer o movimento que impactasse no sindicato patronal. que as transportadoras falassem com o sindicato patronal: "Ó, está havendo um movimento aqui e é necessário dar-se um jeito ou atender as suas reivindicações." A coisa não é tão simples assim, né? É política, é muita mesa de reunião, muita discussão, mas nós enfrentamos por duas vezes. Não sei se subsequente, dois anos subsequentes ou um ano e pulou um e depois o outro, nós sofremos duas grandes paralisações. Eles vinham com ônibus e mais de 60 pessoas, fazendo barulho com alto falante: "Fecha a transportadora se não nós vamos jogar pedra!" Ameaçando: "Fecha! Vamos quebrar caminhões!" Parava na frente do caminhão e ameaçava quebrar os para-brisas, machucar o motorista, etc. Então era aquela pressão que nós tínhamos que saber até onde poderíamos ir para não ultrapassar a linha do bom senso ou do aceitável. Eles fazendo a pressão e nós também para trabalhar, porque legalmente eles não podiam paralisar as atividades comerciais. Foram duas fases muito difíceis. E vivi também uma paralisação grevista dos caminhoneiros. Não sei se vocês ficaram conhecendo, na época: Sem caminhão o Brasil para! E houve um movimento grevista que parou o Brasil por um dia. Nós também sofremos com esta época em que os caminhoneiros resolveram fazer um blackout. Não, blackout é empresa. Mas fazer uma paralisação em que fecharam as rodovias Dutra e a Fernão Dias aqui em São Paulo e outras no Brasil afora. Então foi muito difícil porque o Terminal de Cargas, com a facilidade do estacionamento de caminhão no entorno, tinha muito caminhoneiro ali e os caminhoneiros pararam as transportadoras também. Foi uma dificuldade que tivemos, não vou dizer que tão dura ou tão difícil de vencer do que a dos funcionários para aumento de salário, porque eles pegavam os caminhões deles, as carretas, e paravam a estrada, paravam as rodovias. E no Terminal de Cargas eles fecharam o acesso à entrada e à saída do terminal. Assim, nessa época nós tivemos que deixar os nossos caminhões fora do terminal, nas casas dos motoristas, no bairro ao redor, para que no outro dia eles conseguissem sair com os serviços a serem feitos. Foi muito trabalho e muita dificuldade vencer. Posso dizer que talvez uns quatro dias de dificuldade e de paralisação. E de pressão! Nós pressionando tanto a polícia para dar o apoio, para abrir o terminal, quanto eles para fechar. E pouca coisa faltou para explodir.
P/1 - E vamos falar um pouquinho da Transmartins hoje. Qual é o espaço físico dela aqui na cidade de São Paulo? Fora o Terminal ela tem um escritório em algum outro lugar? Como é?
R - Não. A Empresa de Transportes Martins tem só a filial no Terminal de Cargas. Depois que nós passamos e trocamos de endereço na Vila Maria, em três endereços, também fizemos isso no Terminal de Cargas, porque em 86 a transportadora comprou... Em 85, né? E a transferência se dando em 86, nós compramos um módulo. Nós compramos um galpão. E o galpão do Terminal de Cargas ele tem 780 metros quadrados, sendo 300 metros de plataforma e 80 metros de mezanino. A empresa foi crescendo, obviamente aumentando clientela e com a administração familiar adequada nós fomos evoluindo e fomos crescendo. E nós mudamos do endereço em que estávamos para um outro com 50% a mais de área. Não tenho a data precisa aqui, mas posso levantar. Mas então nós mudamos de um módulo pequeno para um módulo e meio, que foi na rua... Joaquim Costa? Uma quadra próxima! Nós estávamos na quadra cinco e fomos para a quadra seis. Depois crescemos cada vez mais, porque a Martins trabalha na região do Vale do Aço, nos trabalhamos com a CENIBRA, Celulose Nipo Brasileira, e trabalhamos com a USIMINAS Mecânica, que é um braço da USIMINAS que faz vagões, faz pontes, faz infra-estrutura rodoviária e grandes projetos industriais. E elas foram crescendo. Como o Brasil cresceu nessa época, a Martins também acompanhou esse desenvolvimento. Depois dessa área que nós ficamos, de 1.150 metros, nós fomos obrigados a alugar um outro galpão. Nós tínhamos um galpão em uma quadra e outro em outra quadra, e isso ficou complicado porque administrar funcionários em um lugar e em outro, sem a supervisão direta, sempre tem algum excesso de custo, algum re-trabalho e prejuízo. Então nós fomos crescendo com o passar do tempo e há três anos atrás, 2009, nós conseguimos unir as nossas operações que estavam divididas em três galpões em um só, com quatro módulos. Desta forma, nós operamos hoje, aproximadamente, 4.000 metros quadrados. Para uma empresa que em 1980 veio para dividir um galpão de, vamos dizer, 800 metros, para quatro, seriam 200 metros para cada um... Quer dizer, uma empresa que começou em 1980 em São Paulo, com 200 metros quadrados, evoluiu cinco anos depois para os 800 metros quadrados e de 86 agora para 2011 nós evoluímos para 4.000 metros quadrados. E já estamos procurando uma área maior para mudar, porque no terminal não tem área para expansão, apesar que a Prefeitura de São Paulo determinou que o entorno do Terminal de Cargas fosse um pólo logístico. Então tem uma lei, um decreto, dizendo que área que vai da Rodovia Dutra, onde era a antiga Estrela, vindo pela Fernão Dias até o Terminal de Cargas, se transformará em um pólo logístico. Mas está demorando, e se demorar muito provavelmente em 2013 a Martins terá que mudar para um espaço maior, talvez aí de 12.000 metros quadrados. Então é uma evolução significativa, né?
P/1 - E você pode descrever esse galpão para a gente? Como é que é? Como ficam dispostas as cargas? Existe um canto para o escritório?
R - Sim. Essa concepção de terminal de carga ou terminal logístico ela vem da europa, né? Vem da evolução dos europeus e do transporte áereo do Brasil, onde você tem uma plataforma elevada ao nível da carroceria. Então você tem uma mobilidade e velocidade de descarga e carregamento da mercadoria e consequente diminuição do esforço físico humano muito mais fácil. Também oferecendo a possibilidade de você trabalhar com empilhadeiras, com paleteiras ou empilhadeiras para fazer o carregamento e o descarregamento dos veículos de modo mais rápido e mais eficiente. É uma plataforma elevada, o módulo isso varia de empresa pra empresa, de terminal para terminal, você tem os tamanhos hoje... Por exemplo você comparar o terminal da Braspress ou o terminal da antiga Don Vital, é plataforma de 6.000, 8.000 metros quadrados. Então a coisa evoluiu muito a partir desta época. Isso facilita a movimentação de carga, porque você tem um piso reto, você pode usar paletes, empilhadeiras ou paleterias, ou carrinhos para movimentação de carga. Você divide a plataforma colocando áreas de armazenagem, áreas de triagem, área de circulação de mercadorias de uma maneira eficiente. E também com o pé direito moderno, mais alto do que os antigos, e muitos atuais, galpões. Você tem condições de empilhar ou de subir a mercadoria através de porta paletes, através de containers ou através de gaiolas de uma maneira mais racional. Então você pode dobrar a sua área de armazenagem com verticalização. Não sei se você queria saber mais alguma coisa ou...
P/1 - Não. Eu queria saber como é o atendimento na empresa. Como que o cliente entra em contato com a Transmartins? Ele liga ou vocês tem algum contato dentro das empresas? Como é?
R - Ele se dá de várias formas. A Martins divulga o seu nome no site, ou com os vendedores externos ou também com a... Telemarketing! Nós temos ambos os meios de divulgação e também divulgação em veículos do transportador, que é o sindicato, revistas de transporte e guia de transportes, que é o Transvias. Então nós divulgamos o nome da transportadora nesses órgãos de divulgação onde o comerciante e a indústria tem acesso mais fácil. Também temos os vendedores externos e o telemarketing que faz o trabalho interno. É uma empresa antiga, uma empresa conceituada, tem nome e projeção no mercado mineiro, então acontecem as duas coisas: tanto nós procuramos os clientes quanto os clientes nos procuram. E atendemos desta forma. Trabalhamos com grandes companhias da região que nós operamos, região do Vale do Aço, que eu já tinha dito, e ampliamos as nossas atividades agora para o estado do Espírito Santo. Nós iniciamos as operações no Espírito Santo no final de 2010, abrindo novas possibilidades de comércio, também alicerçando ou fechando a entrada, tentando fechar a entrada de novos entrantes no Espírito Santo, porque os próprios clientes existentes hoje tem filial ou tem atividades no estado. Então nós estamos na região Sudeste com filiais no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, em São Paulo e a matriz em Minas Gerais e mais três filiais no estado de Minas.
P/1 - Eu queria saber se existe alguma predominância no tipo de carga transportada.
R - Ah, sim. A Martins inicialmente, na época do fundador que era o tio, ela trabalhava com todo tipo de produto, todo tipo de mercadoria. Desde alimentos até insumos agrícolas e industriais. Com o passar do tempo nós vimos, continuamos nesse ritmo, mas o alimentício foi o primeiro que nós descartamos. Começamos a especialização não trabalhando com produto alimentício por causa da necessidade, da complexidade de misturar com o industrial e também com o produto químico. Porque as indústrias também necessitam de produtos químicos para suas operações, né? Por exemplo: na fabricação do papel nós trabalhamos com vários tipos de produtos químicos. Na área industrial, na área da USIMINAS Mecânica, tinta industrial para a pintura de vagões ou para a pintura de pontes metálicas, e outros produtos, são incompatíveis com produtos alimentícios. E o próprio transporte também foi evoluindo com o passar do tempo. Lembro que no início da década de 1950, 1960, as empresas de transportes trabalhavam com produtos farmacêuticos, com remédios. Nós transportávamos remédios. Da necessidade e da própria evolução do transporte surgiu a primeira empresa especializada em transporte de medicamentos do Brasil, que foi a Transdroga. Então o remédio foi uma das primeiras mercadorias que nós deixamos de transportar pela especificidade e pela especialidade. Foi um dos primeiros que nós deixamos de fazer. E o gênero alimentício foi o segundo. Hoje, recentemente, de uns cinco anos para cá, de 2005 para cá, a Martins se especializou na área siderúrgica, na área de mineração e de construção civil exclusivamente. Então o nosso segmento hoje é este aí. Nós deixamos autopeças, que foi a união do trabalho do tio. Nós passamos a transportar para ele e para outras autopeças das cidades do interior de Minas Gerais. Nós deixamos de fazer e o nosso foco, a nossa especialização é mineração, siderurgia, construções e obras.
P/1 - Tá certo. Eu gostaria de saber: se especializar neste tipo de produto implica algum tipo de exigência com relação à frota? Ao tipo de caminhão, acondicionamento do produto?
R - Sim. Tanto do modo de operação... Por exemplo: quando nós temos mercadoria fracionada, em geral, pode ser que a gente não precise da empilhadeira, ok? Então. Mas quando se trabalha com produto siderúrgico, você trabalha com produtos mais pesados. Aí você já precisa de empilhadeira ou de ponte rolante. Desta forma, mudam as necessidades e o tipo de veículo também. Se antes nós trabalhávamos com caminhões trucados - e a gente trabalhava com caminhão aberto e caminhão baú, caminhão fechado - hoje, com cargas siderúrgicas, de obras e mineração, nós temos que trabalhar com caminhões abertos ou sider. E é mais pesado, O início nosso era caminhão truck, caminhão toco e caminhão trucado. Hoje nós já temos carretas, equipamentos mais pesados e siders, que você pode usar tanto para carga fechada quanto para carga indivisível, carga que não pode ser colocada em caminhão baú. Caminhão fechado é caminhão baú. Então as mudanças de equipamentos são uma realidade. Caminhão munck, por exemplo. Nós temos hoje caminhão munck que, pelo peso da mercadoria, só pode fazer descarga com equipamento de movimentação. Não tem condições do homem descarregar equipamentos de 6.000 quilos, 4.000 quilos, 2.000 quilos, né? E até a mão-de-obra brasileira hoje também evoluiu muito e o próprio ajudante ou operador não carrega mais do que 60 quilos. A legislação brasileira diz 40 quilos. Então tanto a evolução da legislação como o próprio funcionário, obriga a trabalhar com equipamentos de movimentação. Não ficou legal não, mas...
P/1 - Não, está ótimo! Eu gostaria de saber: O sr. até teve a empresa voltada para o treinamento no setor. Como é o treinamento na Transmartins? Um funcionário novo que entra ele passa por certas etapas de treinamento ou ela ocorre durante o período em que ele está no trabalho?
R - Sim. Também houve uma evolução administrativa, houve uma evolução de processos na Martins e a nossa matriz hoje é certificada, então já há três anos nós somos certificados. E a própria certificação exige o treinamento contínuo dos funcionários e hoje nós temos 56 horas de treinamento obrigatório para os funcionários. E aí existe um planejamento, nós fazemos o treinamento da equipe dividindo os treinamentos em treinamento on the job, que nós fazemos na própria transportadora; nós fazemos alguns treinamentos que eu ministro para os funcionários, mas usamos também o SEST SENAT e o SETCESP para completá-los. Então há um planejamento anual, onde a gente procura colocar as atividades de treinamento possíveis dentro deste... Por exemplo, trimestralmente a gente planeja a equipe, digamos, de operação. Planeja fazer um treinamento, isso nós temos na filial de São Paulo e já temos 90 colaboradores diretos! Fora os autônomos de coleta e entrega, que devem estar na faixa de 20 e fora os autônomos de transferência, que devem ser uns 200 cadastrados. Então nós temos que tanto exigir e ter um treinamento dos autônomos quanto dos funcionários internos. E nós fazemos essa atividade trimestralmente. Precisa de mais algum detalhe?
P/1 - Não, não. Está ótimo. Eu gostaria agora de entrar mais a fundo no segmento. Como é que funciona a logística de uma empresa como a Transmartins? Qual é o controle do que entra e do que sai? Como é que você sabe quando a mercadoria chegou ou quando deu algum problema no meio do caminho?
R - Bom, os nossos serviços acontecem de duas maneiras: ou é solicitada uma coleta, que a coleta seria a retirada de uma mercadoria em um cliente, ou o cliente entrega na transportadora. Se dá dessas duas formas. A maneira da solicitação da coleta, com os meios de comunicação, hoje se dá de várias formas. Pode ser através de e-mail, pode ser através de um SMS, pode ser através do contato direto, de uma solicitação direta do cliente ou uma solicitação direta do fornecedor, porque ambos podem solicitar serviço na transportadora. Assim, nos chamamos essa ordem de serviço, essa solicitação de serviço nós chamamos de coleta. Nós registramos essa coleta no sistema, em um TMS, que é o Transport Management System, registramos a informação e a próxima etapa é alocar esse serviço para um dos veículos. E também temos janela para cumprir o serviço, porque em uma cidade como São Paulo, com o problema do trânsito ser muito pesado, ter congestionamento e termos também as áreas de restrições de circulação e o horário de rodízio, nós temos que planejar as nossas atividades de acordo com essas situações legais. Assim, a janela de operação para São Paulo hoje, da nossa transportadora, é fazer serviços solicitados até... Nós passamos, do tempo antigo, de quatro horas para as duas, para as quatorze, das quatorze para as doze e hoje nós estamos pensando se tem que ser às dez horas. Porque imagine a grande quantidade de serviços que nós temos solicitados por dia, você aceitar serviço de... Por exemplo, meio-dia o cliente solicita fazer uma coleta em Santo Amaro, por exemplo. Nosso caminhão está em Osasco ou Morumbi, fazendo coleta, e tem área de restrição ali no Morumbi. Como que ele se desloca para fazer os serviços já existentes? Então, nós estamos pensando em fazer uma janela de corte das dez horas. E o que significa isso? Se o cliente solicita um serviço de sete até às dez, nós podemos fazer no mesmo dia. E depois das dez fica para o dia seguinte. Pode parecer, não sei se para vocês isso é estranho ou não, mas veja bem, existem empresas de pequenas encomendas que o horário de corte delas não existe! Se pediu às quatro horas ele vai buscar às quatro. Se pediu às cinco, ele está buscando. Mas para vocês verem essa nossa realidade, nós trabalhamos com mercadorias pesadas, nós trabalhamos com mercadoria industrial e a indústria normalmente fecha antes do que o comércio. Então, se o comércio às 17h30, 18h00, encerra as atividades, a indústria encerra às quatro e meia e isso tudo influencia no nosso modus operandi. Assim, nós temos que ter esse horário de corte sim. E fazemos a coleta dentro dessa janela. Aí os caminhões saem sete horas da manhã do Terminal de Cargas tanto com coleta e entrega ou só com coleta ou só com entrega. Depende do volume de serviço que nós temos. Vamos imaginar que o caminhão saia da Martins, do Terminal de Cargas que fica na Dutra com a Fernão Dias, às sete horas da manhã para fazer Santo Amaro. Então vocês imaginem que ele tem que circular pela marginal em um horário de pico muito grande. Ele vai chegar em Santo Amaro que horas? Vai chegar nove, dez horas em Santo Amaro (risos). Então ele vai começar as operações já quase no horário de almoço de uma indústria, né? E ele tem que fazer tanto as entregas quanto as coletas e voltar para o terminal até aproximadamente 18h00, 19h00 para descarregar, conferir e carregar o veículo para a viagem para Minas Gerais. Assim, as nossas operações são: chega veículo de Minas Gerais, carretas e trucks, nós conferimos no armazém, desconsolidamos, descarregamos o caminhão, né? Desconsolidamos a carga e, se for uma carga direta, o caminhão vai e entrega direto, numa indústria ou no comércio. Mas se houver necessidade, e na maioria das vezes há, nós desconsolidamos. Fazemos a triagem, a separação por rota e, se der, no mesmo dia nós carregamos os caminhões para a entrega, se não deixa para o dia seguinte. Já fica a mercadoria separada, a rota já estabelecida para os caminhões fazerem a entrega. Então eles vão entregar o produto que chegou de Minas Gerais no dia seguinte na cidade de São Paulo e fazer as coletas, que são a capitação de carga. A mercadoria coletada chega na transportadora 18h00, 19h00, 20h00, nós descarregamos nota por nota, conferimos com os volumes, verificamos se a mercadoria está etiquetada e identificada. Se não, o ajudante que foi fazer a coleta tem que identificar. Às vezes ele não faz e nós temos que identificar no ato para não haver extravio nem nada. Nós fazemos a roteirização naquele momento, porque nós trabalhamos com seis filiais e a mercadoria tem que ser separada de acordo com a filial e, nesse mesmo tempo, tem cliente entregando mercadoria na transportadora. Então nós conferimos cargas de terceiros, de cliente que está chegando e dos nossos caminhões que estão chegando. Consolidamos a carga dentro do armazém se for uma carga leve, se for uma carga, ou frágil, que possa ficar no armazém. Se não tiver condição, por exemplo, tubo de 12 metros, chapa, equipamentos pesados ficam no pátio. E esta é a logística nossa. No final do dia nós já temos o planejamento de carregamento, então nós, pelo peso e pelo volume das cargas captadas, tanto interna quanto externamente, nós temos o sistema TMS, que já fala quanto tem de peso para cada filial. Assim, o nosso encarregado faz o planejamento, vê quantos veículos precisa para cada praça, para cada filial, e já escala os motoristas da frota própria ou, se precisar, se a frota própria for insuficiente, ele contrata no mercado o autônomo. E nós também trabalhamos com autônomos fixos, agregados, e eles também ficam em uma fila de espera. Nós temos uma lista que chama fila de espera, e precisando ele vai ser carregado. O primeiro da fila é carregado e, se ele quiser trabalhar para outra transportadora também, nós damos liberdade, mas o primeiro da fila vai ser carregado. Feito o planejamento, começa a operação de carregamento: caminhão sider, caminhão baú, carreta aberta, truck aberto, etc. De acordo com as mercadorias nós carregamos os veículos, fazemos o romaneio, o manifesto de carregamento, seguramos o veículo e fazemos a rastreabilidade do veículo. Então nós acionamos a companhia de seguros para rastrear o veículo carregado para fazer a viagem. E aí ele vai fazer a viagem para o destino final e lá o processo é o inverso, mas é a mesma coisa, ou seja, se for carga completa vai descarregar direto no cliente, se for carga fracionada há a triagem, há o descarregamento no armazém de destino, o processo de conferência se inicia, a roteirização. Só que a roteirização aí já para a entrega no destino. Então aí começa todo o processo de novo e não existe um dia igual ao outro. As mercadorias se repetem? Se repetem. Os clientes se repetem? Também. Mas as quantidades não, os caminhões não. Então todo dia é um trabalho diferente.
[TROCA DE FITA]
R – Mas a experiência de vida adquirida, que eu adquiri com esse tempo, ela é muito grande porque o Brasil é grande também. E o Brasil passou por várias situações. Desde a Ditadura, há vários processos, há vários planos econômicos. E isso é experiência! Você passar por Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Real e outros, que nem lembro mais, é... Como empresário, você ver uma inflação aí, essa de 21% ao mês, é uma coisa impressionante. Pra essa estabilidade e esse desenvolvimento de hoje, é muito chão e muita informação e muita experiência. Veja que nós aqui... Eu acho que nós ainda não falamos de planos, de nenhuma plano, mas vivemos e cada um deles deixou uma marca e deixou um resultado, tanto pessoal, tanto quanto técnico quanto na transportadora. Então, tanto o Brasil é rico e grande quanto a experiência de quem passou por isso também tem que ser, né? E isso ajudou a fortalecer tanto a empresa quanto a mim, pessoalmente.
P/1 – Tá certo. A gente volta nessa questão cambial um pouquinho mais pra frente. Agora, voltando a falar desse cotidiano da empresa, quantos funcionários vão em cada veículo? Qual é a média de jornada de trabalho deles? Eles ficam em algum lugar, repousam em algum lugar? Como é?
R – Bom. Por exemplo: um caminhão de coleta e entrega, normalmente, ele sai com um ajudante. Então, vai o motorista mais um ajudante. Mas existem situações onde a quantidade de mercadoria ou o local de descarga de mercadoria exige mais do que uma pessoa. No veículo, não tem espaço para colocar mais do que dois ajudantes e o motorista. Quando há necessidade maior, nós temos o carro, um automóvel de manutenção que faz esse apoio e leva o ajudante extra para auxiliar na descarga. É um custo a mais, é um problema a mais, mas é assim que nós fazemos. Então, a operação, eu acho que 80% ela é um motorista e o ajudante. Você pode por aí 15% dois ajudantes e o motorista e 5% mais do que dois ajudantes. E isso depende da condição do cliente ou da entrega. Em um carro de viagem... Porque nós estamos falando de duas coisas: a operação interna na cidade de São Paulo e a transferência. Na transferência é o motorista só. Nós proibimos carona e só vai o motorista, porque a nossa rota ela é 600km, então é um motorista só. A jornada de trabalho... Na transferência, a jornada de trabalho ela é de dez horas. Ainda um pouco elevada, mas com a melhoria da rodovia e a melhoria dos equipamentos, os veículos sendo mais potentes, nós estamos conseguindo diminuir para nove horas. Dependendo do trânsito, até oito horas. E internamente, em São Paulo, isso aí depende do trânsito. Ou seja, é impossível... Mesmo que nós queiramos fazer dois turnos para motorista, imagine que, como eu disse, sete horas da manhã o carro sai para Santo Amaro; dez horas ele está chegando em Santo Amaro ou está na Marginal ainda, por causa do trânsito. Oito horas de trabalho. Como que faz a substituição de uma equipe em Santo Amaro? Ou seja, é impraticável em termos de custo. Em termos de operação talvez até consigamos fazer. Mas em termos de custo é impraticável e inviável fazer isso neste momento. Então, a jornada de trabalho excede, internamente em São Paulo tem dia que excede as 12 horas. É muito difícil o trabalho externo ser feito dentro do horário comercial. Internamente, dentro do armazém, nós temos duas turmas. Nós temos dois turnos de trabalho, um começando às sete e o outro começando às 14 horas. E esse aí controla-se. Esse aí não excede. Mas o externo não tem condição.
P/1 – E o que mais influencia no preço do frete? É a distância a ser percorrida ou é o tipo de produto? Como é que funciona?
R – O frete é um componente tarifário. Tanto nós temos um componente de peso quanto um componente de valor. Então, através destes dois componentes, e de uma taxa fixa por conhecimento, é que nós calculamos o frete. Tanto com relação a valor de mercadoria, quanto ao peso ou a cubagem da mercadoria. Porque você imagina, nós trabalhamos com equipamentos industriais. Podemos trabalhar, por exemplo, transportar um tanque de ácido, um tanque de produto químico ou um tanque de combustível. Um tanque vai ocupar, digamos um tanque de seis metros ou de doze, vai ocupar o espaço total do caminhão e ele vai pesar, digamos, quatro toneladas. E a capacidade do caminhão é para 14 ou para 25 toneladas. Se nós só estamos levando quatro toneladas, nós cobramos o frete de acordo com o volume que está ocupando no veículo, ou caminhão fechado. Então essa é uma forma de cobrar, né? Nós cobramos desta forma. E o que mais você perguntou?
R – Não. Era com relação a distância...
P/1 – Ah, sim! E o frete varia! Então, o frete varia com relação ao valor da carga, com o peso da mercadoria ou o volume cúbico da mercadoria e com a distância a ser percorrida. E nós também temos uma figura, no Brasil, que é a oferta de carga de São Paulo para os outros estados brasileiros ser maior do que dos outros estados para São Paulo. Por exemplo, Minas Gerais. É um estado siderúrgico por excelência, né? Mineração, com a Vale do Rio Doce e outras companhias de grande porte, e siderúrgicas. Quantas siderúrgicas nós temos em Minas? Várias! Nós temos em Ouro Branco, nós temos em João Monlevade, nós temos na cidade industrial Contagem, nós temos em Sete Lagoas, tem em Ipatinga, Timóteo, tem Juiz de Fora! Então, Minas Gerais é estado que tem muito aço. E por incrível que pareça o aço... O ferroviário não dá conta de escoar a produção siderúrgica de Minas, então precisa de caminhão. Mas, tirando isso, o grande volume de carga de Minas é siderúrgica, então nós temos um problema na carga de retorno. De São Paulo para Minas Gerais tem muita operação, carregamos muitos veículos, mas de Minas pra cá a quantidade é menor. Isso também influencia no preço do frete.
P/1 – E como é que se dá o pagamento? Ele se dá por entrega individualizada ou, por haver empresas que já trabalham com vocês há um determinado tempo, vocês fecham um contrato? Como é que acontece?
R – Não. Nós temos contratos com as grandes companhias e trabalhamos com clientes menores que dão suporte, ou empresas menores que dão suporte à indústria siderúrgica e mineradora. No caso dos clientes menores, não há contrato. Há a confiança, e o contrato verbal sim, né? Mas não é um contrato formal. E o contrato verbal ele se dá e o faturamento ou a cobrança vai ser efetuada na forma contratada. E a forma contratada é comercial. Esse é aspecto comercial, que pode ser quinzenal, semanal, mensal. Então isso varia de cliente para cliente. O TMS, o sistema nosso operacional, ele já as condições comercias estabelecidas no próprio sistema, então nos fazemos de acordo com essa... Desta forma.
P/1 – Tá certo. Agora, voltando aquela questão cambial, como é que era trabalhar no setor de transportes quando se deu a mudança de moedas, por exemplo, pro real? E toda essa questão inflacionária, o que isso impactou até no preço do frete ou na mercadoria? Como é que foi?
R – Pois é. O transporte rodoviário de cargas, principalmente ou notadamente no Brasil, ele é... Podemos dizer que é concorrência perfeita. Concorrência perfeita é onde não há concentração: não tem monopólio, não tem oligopólio, não tem. Até a legislação é livre e não há regulamentação. Então essa é a atualidade que nós temos no Brasil. O transporte de cargas pode ser feito por ferrovia, pode ser feito por rodovia, pode ser feito aéreo e fluvial também! Ou até marítimo, porque o Brasil tem uma costa muito grande. Então nós temos vários operadores, mas vamos focar no transporte rodoviário, que é o transporte da Martins, né? O modal da Martins é o rodoviário. No transporte rodoviário, nós temos as empresas de ônibus que operam carga também. (interrupção da entrevista)
R – E nós estávamos falando do modal rodoviário, né? Então, o modal rodoviário, ele tem as empresas de ônibus, que operam carga também, passageiro e carga; nós temos os autônomos, que é... O dado preciso eu não tenho, mas vamos imaginar que a frota nacional de veículos seja 20% na mão de proprietários das empresas de transportes. Oitenta por cento está na mão de autônomos. Então a proporção é mais ou menos nessa variação, o autônomo, no Brasil, ele é predominante. E o transportador de frota própria. Não! De frota própria não. De própria fabricação. Então nós também temos as indústrias que têm os seus veículos. E isso é o que nós falamos que é concorrência perfeita. Assim, o transporte de cargas no Brasil, só recentemente que a ANTT regulou a entrada de operadores, né? A entrada das empresas de transportes e dos autônomos com a legislação recente, que diz que, para operar, tem que ter quatro anos já de existência, ou você, autônomo ou empresário que quiser entrar nesse mercado, fazer um treinamento específico no SEST SENAT. Então, essa é a única legislação ou o único entrave que tem para a atividade de transporte de carga. A concorrência é muito grande, significando com isso que os preços são commodities, porque neste mercado perfeito, a concorrência sendo muito grande, todos os operadores interferem na formação de preço. Então, nós temos que operar de uma forma muito focada em custo, muito detalhista, para fazer uma boa operação. E falando em custo, que você perguntou, todos os insumos de custo não é a transportadora quem domina. Ela não interfere nos custos de operação. Os maiores custos de operação nós não interferimos! São todos eles ou governamentais ou da indústria. Por exemplo: combustível. A transportadora não interfere, ela não controla esse custo. Pedágio, que é um altíssimo custo de operação, também da área governamental. Vamos ver algum outro... Pneu! Ou veículos, automóveis. Não é a transportadora que faz o automóvel ou faz o pneu, então essas são matérias primas importadas ou partes, né? Partes de veículos importadas e nós não controlamos. Ou seja, nós estamos sujeitos ao preço do mercado. As imposições, lógico que nós temos margem de comercialização: eu vou comprar um veículo é um preço. Se eu vou comprar dez veículos, é outro preço. Cem veículos... Lógico que existe uma margem de negociação, mas os preços não estão sob o nosso controle. Então, aí a guerra... Assim, o departamento de custos tem que ser muito bem trabalhado, né? E há uma preocupação constante com isso, porque nós dominamos a nossa operação interna. Nós dominamos o preço do frete, que nós determinamos. Mas a oferta, a própria oferta da mercadoria, nós não temos condições de saber com antecedência, salvo em algumas situações, porque o cliente não fala. Às vezes ele nem tem! Alguns clientes não tem a demanda. Qual é a demanda de mercadoria ou de transporte de um determinado cliente para o ano de 2012, por exemplo? Quem entrega isso para uma transportadora? Pouquíssimos clientes tem essa previsão, então nós não temos esse controle. Nós operamos é no dia-a-dia. Numa situação, por exemplo, exportação de televisão, se a transportadora fosse só vender televisão, pelo menos tem uma previsão de demanda, tem a fabricação e o escoamento. Então, você tem condição de saber isso. Uma safra, talvez, né? A própria safra, com as variações que existem de produtividade, se esse ano vai ser melhor, se vai ser pior, você fica sabendo quase que na época da colheita, e aí você vai precisar de mais ou menos veículos. Tem uma previsão? Tem, mas, de uma maneira geral, o transporte industrial ele não é tão previsível ou planejado desta forma.
P/1 – Tá. E até hoje a Transmartins ela é administrada familiarmente ou existem sócios de fora? Como é?
R – Não. Hoje ela é administrada familiarmente. Os oito irmãos estão na transportadora e minha mãe ainda trabalha. Ela tem um pequeno setor de documentação e de arquivo que ela trabalha ainda, com 82 anos. Ela ainda vai, todo dia, na parte da manhã, ela dedica quatro horas do seu dia para a Martins até hoje. Mas nós temos técnicos já. A empresa já tem como assessor, e como funcionário mesmo, técnicos logísticos, administradores e economistas formados. É difícil hoje uma empresa com o tamanho, com 400 funcionários no total, não tem condições de ser administrada só familiarmente mais.
P/1 – E como o Sr. acha que a sociedade vê o segmento de transportes hoje em dia?
R – Eu gostaria que a sociedade... Eu desejo viver, desejo ainda chegar a ver o transporte como nos Estados Unidos ou como na Europa, com uma atividade logística forte, necessária e em um nível, tanto econômico quanto cultural, melhor do que hoje. Porque você falou uma coisa aí que também vem da experiência. O transporte no Brasil, não sei se você já entrevistou pessoas da área da construção civil. Não? O transporte de carga, a mão de obra maior no transporte de carga, de carga fracionada, é ajudante, é operador, é carregador, né? No transporte fracionado a gente classifica de diversas formas: tem conferente, tem arrumador e tem o ajudante. E depois tem o motorista. Nós transportadores buscávamos a nossa mão de obra na construção civil. Por quê? Voltando um pouco no treinamento, o primeiro treinamento que o ser humano recebe é o treinamento público, o treinamento de escola, ok? Mas a pessoa tem que receber o treinamento funcional, tem que receber o treinamento de trabalhador. O que é isso? Cumprir horário de trabalho, cumpri ordens ou seguir ordens e a rotina diária da atividade empresarial. E isso escola nenhuma ensina! Quem ensina isso é a vida! O transporte buscava na construção civil. Isso talvez até 1990. Não vou precisar a década da transformação porque não tenho esse detalhe. Contudo, a construção civil no Brasil ela evoluiu mais rápido do que algumas transportadoras. Não estou dizendo que a transportadora não evoluiu. Tem muitas que evoluíram mais do que outras, né? Mas a construção civil, com relação ao desperdício, com relação a custo e com relação à própria ligação com o SENAI, a construção civil evoluiu um passo muito grande com os treinamentos na obra e os treinamentos para não desperdiçar matéria-prima. Cimento, areia, cal. Então, houve um treinamento muito grande na área de construção civil e ela evoluiu mais rápido do que o transporte. E se a construção civil, no passado, é que treinava o ser humano para ser um empregado, para ser um profissional, um trabalhador, essa função está passando para o transporte. Ou seja, nós trabalhamos em uma escala de mão de obra muito pobre, muito humilde, tanto culturalmente quanto financeiramente. A construção civil está remunerando mais do que a nossa, do que a base do transporte de cargas. Então isso é ruim para o setor, porque nós temos necessidade de contínuo treinamento e melhoria contínua. Só que a melhoria contínua ela fica muitas vezes prejudicada porque o ser humano que nós estamos contratando, e a própria realidade brasileira de formação de estudo, de... O fundamental está deixando a desejar, porque não forma... Tanto a escola não forma como a própria sociedade não está exigindo um comportamento construtivo do ser humano. Não sei se vocês tem contato com essa área, mas o que sai da escola, do fundamental, hoje, não se compara a quarenta anos atrás! O meu ginásio, o ginásio que eu digo seria até a oitava série hoje, né? O ginásio que eu fiz, eu tô pra dizer que se equipara ao segundo grau colegial hoje. Então você imagina! Talvez até a faculdade , ein! Então essa diferença de ensino, daquela época para a de hoje, hoje está deixando muito a desejar. E com isso sobra para o comércio, a indústria e a prestação de serviços, porque a empresa de transporte é prestação de serviços. Deixa muito a desejar.
P/1 – Tá certo. E o Sr. falou de todo o seu histórico com entidades sindicais. Hoje em dia o Sr. é filiado a alguma?
R – Sou! Sou filiado à Associação do Terminal de Cargas, inclusive eu sou o presidente. E para chegar a presidente da associação, da ASSOCIFERDI – Associação dos Empresários do Terminal de Cargas Fernão Dias, eu passei por vários cargos. Eu já fui diretor administrativo, já fui diretor financeiro, já fui vice-presidente. Então, evolui dentro da associação. No SETCESP já fui diretor de treinamentos, já fui coordenador da COPECA, já participei da COMPENERT, que é a comissão de negociações salariais... E vem daí, da participação na comissão de salários, das negociações salariais, vem também a parte da greve, porque os grevistas sempre vão procurar os membros da comissão para pressioná-los ou pressionar a transportadora em que ele trabalha ou que ele dirige, como uma maneira de pressionar o sindicato como um todo. Então a minha participação sindical ela foi evoluindo, foi, com o passar do tempo... Minha preferência? Treinamento, lógico, né? Eu sou muito mais da área de comunicação e de treinamento do que da área técnica, mas a evolução sindical se deu em várias frentes.
P/2 – Quais são sua atribuições hoje, como presidente da ASSOCIFERDI?
R – A atribuição hoje na ASSOCIFERDI é gerenciar politicamente a associação, para que os associados tenham as suas solicitações políticas ou legais satisfeitas. E também investir no futuro de pólos logísticos em São Paulo. Não só em São Paulo, como no Brasil, porque São Paulo reflete para o Brasil as melhores práticas logísticas ou de negócios existentes. Então, como presidente da ASSOCIFERDI, nós temos o desafio hoje de tornar realidade... Deixou de ser a segunda etapa do Terminal de Cargas, que seria a parte do estacionamento de caminhão. Com essa nova, o decreto lei de interesse público do pólo logístico da região, transformar isso em realidade.
P/2 – E o terminal ele foi fundado em 1986, né? O Sr. vê alguma necessidade de reformar, de modernizar em algum sentido? Ele continua atendendo às necessidades das transportadoras?
R – Não. De fato, ele tem necessidades imediatas de modernização. Por exemplo: o sistema de incêndio do terminal ele é externo. Desculpa. O sistema de incêndio, hoje, do Terminal de Cargas, ele é interno! Então, se a transportadora estiver fechada e acontecer algum incêndio... Isso é um problema grave. Quem é que vai abrir a transportadora para apagar? Então, a concepção é antiga e isso tem que ser alterado. Por exemplo: o telhado ainda é de telhas de amianto, aquelas telhas antigas que não existem mais. Então isso também tem que passar por uma substituição. E esta sendo feita gradativamente, com a quebra, com o empeno, está sendo substituído. Agora, a concepção básica, ela permanece igual. Não há necessidade de grandes mudanças não. Foi uma concepção que, apesar de ser da década de 1980, ou 1970 com o projeto Rio Douro, é uma concepção que ainda permanece adequada para a movimentação de carga em qualquer localidade de grande metrópole ou centro urbano.
P/1 – Agora, passando um pouco para região onde se encontra o Terminal, Vila Maria, Vila Guilherme, enfim, desde que o Sr. veio para São Paulo e se estabeleceu ali, sempre houve uma predominância pelo setor de transportes na região ou não? Existe uma área comercial? Quer dizer, existia algo que hoje não tem mais? Como se deram essas transformações?
R – Quando houve, na década de 1980, a pressão dos munícipes para tirar as transportadoras, quem mais se ressentiu da saída das transportadoras foram os comerciantes. Porque o transporte de cargas ele leva para o local onde ele está instalado um grande comércio. A atividade... Porque o próprio caminhão precisa, necessita de vários tipos de suporte. O primeiro é o posto de combustível, depois a borracharia, a prestação de serviços do borracheiro para consertar, trocar pneu, fazer pequenos reparos e etc. Encerados e lonas, então você precisa de um comércio que venda os encerados e as cordas. Hoje não usamos só cordas mais. A gente usa cintas, catracas. Então você tem que ter esse comércio de apoio ao caminhão. Nós temos que ter refeição, nós temos que ter o comércio de restaurante. Nós temos que ter a oficina mecânica, temos que ter o auto-elétrico, temos que ter o pintor. Por quê? Pintor, você pegar o pincel e retocar uma placa, retocar uma carroceria. Nos temos que ter o funileiro. Então, você vê que o caminhão, como o automóvel, se você ver o ciclo do automóvel ou a economia do automóvel, você vai ver que ela agrega muita mão de obra e muito trabalhos correlatos. É o que acontece com o caminhão da mesma forma. Então, o bairro e as transportadoras. As grandes transportadoras tem isso internamente, mas de média para pequena elas dependem do comércio local. Assim, você tem padaria, você tem restaurante, você tem a borracharia, o auto-elétrico, a funilaria, a pintura, o chapa! O chapa, mesmo que seja o chapa avulso, para descarregar um caminhão ou levar um caminhoneiro do Brasil, porque São Paulo concentra o maior comércio de cargas do Brasil, então muito caminhoneiros vem a São Paulo e não sabem andar na cidade. Hoje tem o GPS, né? Mas, tem o chapa também! Que leva você de um ponto a outro. Não sei se com seg... Porque hoje, em uma cidade como São Paulo... Se há segurança ou não, por causa do roubo de cargas e o roubo de veículos. Ou seja: o caminhão agrega comércio. O caminhão leva o progresso e leva o desenvolvimento onde ele existe. O estacionamento, a lavagem, o lavador de caminhão. Então você vê que na Vila Maria ainda perdura muita coisa de comércio que surgiu com o caminhão. Auto-vidro! É espelho retrovisor, é para-brisa de caminhão. E se eu pensar mais um pouco você vai ver que a atividade, que o caminhão em si, agrega muito serviço. E a Vila Maria, de certa forma, perdeu uma parte... Transferiu, né? Transferiu essa parte de comércio para outros bairros. Pra Guarulhos principalmente. Muita coisa para Guarulhos. Mas ainda é um bom bairro.
P/2 – O Sr. pensa então que, em um futuro próximo, a Vila Maria e a Vila Guilherme vão continuar sendo um pólo para os transportes, para as transportadoras?
R – Não como era. Não. E cada vez mais vai expulsar as transportadoras dali. Infelizmente, a cidade de São Paulo não tem uma secretaria de logística, uma secretaria de abastecimento. O gigantismo da cidade e a região metropolitana já indicam a necessidade de fazer isso. Quanto mais longe o transporte ficar, mais caro ele vai ser para a cidade. Ele precisa deslocar. Tem uma propaganda do segmento nosso, do SETCESP, que é: “Se está na mão, veio de caminhão!”. Então, você imagina: você usa tênis, calça, lápis, blusa, shampoo, dentifrício, etc. Isso tudo tem que ser entregue por caminhão! Não tem outra condição de ser feito a não ser assim. E o caminhão sendo mais afastado, cada vez mais, pelo próprio desenvolvimento da cidade é uma coisa... Custa para São Paulo! Custa! E custa para o Brasil e custa para nós moradores da própria cidade. Custa como agressão ao meio ambiente, que pode ser o som, o barulho, a poluição atmosférica com gases e etc. E a distância de deslocamento. Então, você vê: hoje os grandes shoppings de São Paulo, não tem área para caminhão fazer entrega, carga e descarga. Ou, a área que tem é pequena. Imagine isso nos vários shoppings que tem em São Paulo, imagine no comércio de uma maneira geral, o comércio de sapatos, os supermercados e etc. não terem a área de recepção do caminhão. No exterior, por exemplo, Londres, Nova Iorque, o caminhão é presente na cidade. Não existem restrições ao caminhão igual na cidade de São Paulo. Com a questão do rodízio e das áreas de restrição, o serviço que nós fazíamos com um caminhão de cinco metros, maior que cinco metros, caminhão de seis metros, hoje nós fazemos com três veículos. Então, você vê: tirar um caminhão de seis metros de circulação, que tem uma capacidade de carga, uma capacidade de quantidade de volumes e de peso e passar para três caminhões, a cidade perdeu ou a cidade ganhou? Tem que fazer essa conta! Três Sprinters no lugar de um caminhão. Ocupa muito mais espaço do que um caminhão. E se nós não tivermos os pólos logísticos que o setor de transportes, o STCESP e a NTC, planejaram na década de 1970 e que não evoluiu, a não ser o Terminal de Cargas Fernão Dias, prejudica a própria cidade de São Paulo. O rodoanel, até o rodoanel foi um pensamento e uma idéia do transporte rodoviário de cargas. Vendo a complexidade da cidade e vendo as condições de abastecimento, o SETCESP planejou o rodoanel. Não foi o Mário Covas sozinho. Lógico que um empreendimento desse... O SETCESP contratou consultoria e planejou até, ele próprio, fazer o rodoanel. Agora, só que é um investimento de longa duração, que envolve governos de vários municípios e a idéia foi tão boa que foi comprada pelo governo do estado. Mas olha o tempo que gastou para fazer a segunda, a terceira etapa. Até isso foi o transportador que deu a solução para a cidade de São Paulo. Mas o rodoanel não tem lugar para centros logísticos e nem para transportadoras. Porque centro logístico é uma coisa, você ter um terminal logístico é uma coisa. Logística é armazenagem e distribuição, que tanto pode ser para a cidade de São Paulo quanto para o Brasil. Então, a questão é saber para onde, que interferência tem ou que valor o centro logístico vai trazer para a cidade de São Paulo. Com relação à empresa de transporte, o centro para a empresa de transporte, que pode ser chamado hoje também de centro logístico, ele é mais eficiente para a cidade, porque as operações são feitas aqui na cidade ou então na região metropolitana. Então, eles são eficientes porque agregam valor, diminuição de custo de poluição e diminuição de custo de transferência de mercadoria. Termos hoje, em São Paulo, centros logísticos espalhados por norte, sul, leste e oeste é uma idéia que deveria ser levada em alta consideração.
P/1 – Tá certo. E voltando agora mais um pouco para a sua vida pessoal, como é o seu cotidiano? Como é o seu dia a dia? Você acorda, vai para a transportadora... Como é?
R – Bom, hoje, com o passar do tempo, nós temos o gerente, tem encarregados operacionais, então o meu trabalho diminuiu consideravelmente. Contudo, de manhã é planejamento das atividades administrativas e uma fiscalização das operacionais. E no decorrer da semana, a minha posição passa a ser mais estratégica do que operacional. É pensar no treinamento, nas questões de treinamento. Que eu ainda faço essa parte, né? Do planejamento do treinamento. Ministro treinamentos também na transportadora e participo do comitê gestor da Martins, aonde inclusive amanhã nós teremos uma reunião de planejamento estratégico. Então é onde são decididas as grandes... Onde as grandes decisões são tomadas e o futuro da empresa planejado.
TROCA DE FITA
P/1 – Bom, Sr. Jackson, mesmo com todas essas atribuições, eu gostaria que o Sr. dissesse o que gosta de fazer nas horas de lazer.
R – Eu nunca deixei de ler, né? Então, a leitura é um passatempo meu favorito. Estou lendo agora, e achando muito interessante, o livro A Guerra dos Tronos – A crônica do gelo e do fogo que tem, não sei se vocês conhecem... Parece que, o que um empresário vai descobrir ou vai ter de interessante em um livro deste tipo? Mas ali tem intrigas, tem políticas, tem relacionamentos que, se a gente transpuser para uma realidade comercial ou uma realidade negocial, a gente vê que tem as suas aplicações. Então é uma diversão e é uma leitura interessante. Então, meu passatempo são livros.
P /1 – E o Sr. gosta de sair para fazer compras?
R – Não gosto muito não (risos). Porque compras eu acho que é uma atividade mais feminina, né? Então não é a minha área não. Apesar que vou ao supermercado. Eu que vou, quem faz o supermercado sou eu. Mas não é a minha área não. A minha área é, curiosidade também, um passatempo e talvez até uma estratégia para a aposentadoria que é a fabricação de cerveja. Eu gosto de cerveja, bem entendido: não em quantidade, mas em qualidade . e também faço cerveja. Então, hoje eu estou fazendo cerveja artesanalmente, só para o consumo próprio e pros... Pra família acho que nem dá conta, né? (risos) Com tanto irmão e sobrinho! Mas estou fazendo então pra brincar, para passar tempo. Quem sabe quando aposentar... E também isso está dentro do planejamento estratégico da transportadora. Até nós estamos construindo esta fase agora, esta etapa agora, porque eu estou com 59 anos e já a beira dos 60, né? Em março vou fazer 60 anos e nós temos que pensar na continuidade familiar, na continuidade da transportadora, trazendo novos players para essa empresa. E o treinamento demora. Pra você ver, nós estamos falando, eu entrei na transportadora como auxiliar de escritório em 1970. Então, até... Já tem 41, né? Para você ver que é muito tempo. E fazer um sucessor ou fazer um gerente não é da noite para o dia não. É um trabalho demorado.
P/1 – E o Sr. pretende que os seus filhos assumam a empresa?
R – Nós não planejamos. Toda a família não planejou a entrada de filhos na transportadora. Não planejou porque o transporte de cargas ele exige muito de qualquer um. E do dono, mais ainda! Não tem hora, como eu disse, né? Devido às condições operacionais e a própria cidade, e não é só privilégio de São Paulo (risos). Todos os grandes centros têm o problema de trânsito. Então, não há horário para terminar o trabalho. É diferente da indústria, é diferente do comércio. O comércio estabelece o horário de entrada e saída tanto quanto a indústria, mas o transporte não. O transporte vive em função dos dois e ele tem horário para começar e para encerrar não. Então, exige muito dos funcionários e de nós próprios. E, com isso, deixa um pouco a rotina pesada. A rotina de férias, por exemplo, também prejudicada, porque a gente se envolve muito, nas empresas familiares, com as nossas operações. Então o transporte, de uma certa maneira, não foi atrativo para os filhos. Hoje eu tenho um filho engenheiro, uma filha médica e o outro publicitário. Você vê que... E a questão de oferta, na empresa média, de salário também é limitada. Não vou dizer que é ruim, não! Mas é limitada! O meu filho, como engenheiro, tá sendo mais remunerado às vezes do que a remuneração, o pro labore, né? Porque a remuneração de um empresário é o pro labore e os lucros que ele tem. O engenheiro ganha mais do que o meu pro labore. Uma médica, se trabalha... Dependendo da área, também vai ser maior do que o pro labore. O que ajuda o empresário, de uma maneira geral, é lucro. Só que o lucro acontece com a administração e a economia ajudando. Tem épocas que são de vacas magras, como nós passamos aí, há pouco tempo, a crise. Foi com prejuízo. Então, o empresário tem essa questão das oscilações econômicas, sofrer também a diminuição da sua remuneração final. E nós não pensamos nisso. E é o nosso próximo... Grande decisão estratégica. Que é, justamente, ou tornar a empresa atrativa pros filhos ou trazer o técnico ou o gerente externo.
P/1 – Tá certo. E agora mais finalizando: Qual foi a maior lição dessa atividade, desse ramo de atividade, no decorrer desses anos todos?
R – Eu adoro transporte, então eu nasci... Quer dizer, dizem que eu nasci do caminhão, né? Porque meu pai era caminhoneiro, transportador. E eu não tenho, não faço outra coisa. Então, para mim, é uma atividade criativa, é uma atividade dinâmica. Ela é... Como eu disse, ela não é igual no seu dia a dia, ela é instigante, ela é... Não tem uma outra, eu não comparo uma outra atividade a não ser transporte rodoviário de cargas. Isso me deixa motivado, me deixa satisfeito e produtivo e criativo até agora. Até os 60 anos!
P/1 – E o Sr. acha que a gente passou por algum momento que o Sr. gostaria de falar mais alguma coisa ou tem alguma coisa que o Sr. gostaria de falar e que a gente não perguntou?
R – Não. A crise econômica eu acho que vocês... Eu acho que não precisava falar, porque tem muita gente que já falou sobre crise econômica. Cada um passa de um jeito, sente de um jeito a crise, né? E a crise vira oportunidade também. Então, o que nós passamos, por crise, se transformou em oportunidade para a Martins para ela ser o que ela é hoje. Então, não tenho mais nada a acrescentar com relação ao plano econômico nem nada não.
P/1 – Então está certo, Sr. Jackson. Em nome do Museu da Pessoa e do SESC São Paulo eu gostaria de agradecer a sua participação neste projeto.
R – Falou!
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