Ponto de Cultura
Depoimento de Clóvis Candido de Oliveira
Entrevistado por Carolina Ruy e Juliana Leunroth
São Paulo, 21/06/2007
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV036
Revisado por: Fernanda Regina Ferreira dos Santos
P/1 – Você pode me falar, por favor, o seu nome completo, o local e data...Continuar leitura
Ponto de Cultura
Depoimento de Clóvis Candido de Oliveira
Entrevistado por Carolina Ruy e Juliana Leunroth
São Paulo, 21/06/2007
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV036
Revisado por: Fernanda Regina Ferreira dos Santos
P/1 – Você pode me falar, por favor, o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – Meu nome completo é Clóvis Cândido de Oliveira.
P/1 – Qual é seu local e data de nascimento?
R – Eu nasci aqui em São Paulo, no dia dez de abril de 1955, um domingo de Páscoa.
P/1 – Seu Clóvis, o senhor prefere que te chame como?
R – Clóvis.
P/1 – Tá. Clóvis, qual o nome dos seus pais e dos seus avôs?
R – Os meus pais são João Cândido de Oliveira e a minha mãe Luzia Rodrigues de Oliveira.
P/1 – E o nome dos seus avós, você lembra?
R – Os avós por parte do meu pai é Manuel Cândido de Oliveira e da minha avó... A minha avó, gente, pelo amor de Deus, me perdoe, avózinha. É... A minha avó é Cristina Tereza de Oliveira.
P/1 – Seu Clóvis, esse nome, Oliveira, qual é a origem?
R – Português. E Cândido também.
P/1 – Então a sua descendência é de português?
R – Na verdade, é uma mistura portuguesa, italiana e espanhola. Sai de baixo! É. Tudo sangue quente, pessoal que fala alto. Vocês já estiveram numa mesa de italianos e portugueses e espanhóis almoçando? O bicho pega (risos).
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – Quantos?
R – Eu tenho um irmão só, José Plácido de Oliveira. Ele é aposentado da Polícia Militar.
P/1 – Que interessante!
R – E mora em São Miguel Paulista também.
P/1 – Clóvis, vamos falar um pouco da sua infância.
R – Sim.
P/1 – Como era? Como era a casa que você morava?
R – Muito simples. Muito humilde. Meu pai é operário, ladrilheiro, minha mãe o ajudava, minha mãe é costureira, minha mãe era vendedora também, ela fazia de tudo. Aliás, meu pai fala assim que se não fosse pela minha mãe, ele sumiria, porque ela foi o esteio dele, a força dele, a energia. Ajudou muito o meu pai. Muito mesmo. Ajudou muito e até hoje tá ajudando a gente. Meu pai... A nossa infância foi... Na verdade, eu não tive muita infância, não. E desde pequeno eu já estava nos programas de televisão, calouros. Fiz parte do Projeto Guri, nos anos 60, no Rio de Janeiro, não pude continuar porque não houve o chamado tempo financeiro, então eu tive que desistir. Aqui em São Paulo a gente tá nessa caminhada artística, que a gente tá no coração e... Eu vou morrer num palco. Tocando, cantando, é lá que eu vou estar.
P/1 – Mas o senhor se divertia com isso? Como eram as brincadeiras?
R – É o seguinte, eu fui criado fazendo pipa, jogando bolinha de gude, joguei muita bola, não fui nenhum craque, não, mas tinha um pouquinho de habilidade, era meia direita, cansei de fazer gol de falta. Nunca fui um Marcelinho da vida, quem sou eu, mas a gente jogava na várzea, na várzea dos campos de futebol. Tinham muitos campos antigamente. A escola não tinha espaço pra educação física, a gente ia lá ao Nitro-Química fazer educação física, na Companhia Nitro-Química, no clube. Foi muito bonita a minha infância. Minha infância foi muito bonita. Ela foi simples, mas deixou uma coisa muito bonita, que hoje é o que a gente procura onde a gente vai construir amigos. E vocês são meus amigos.
P/1 – Que bom.
R – Estou diante de três santistas.
P/1 – (risos) Tá bom. Então tá.
R – (risos).
P/1 – Então, falando ainda um pouco da sua infância, como era a escola? Como foi o começo?
R – A escola é o seguinte, tinha um grupinho verde em São Miguel, que eu entrei como ouvinte, não tinha vaga pra mim. Então aos nove anos é que eu consegui uma vaga na Escola Estadual Professor Máximo de Moura Santos. Quer dizer, eu fiz o curso primário atrasado, porque não tinha vaga, então eu era como ouvinte, antes chamava assim. Sempre fui um aluno... Nunca fui aquele aluno nota dez, mas também não fui cinco, ficava entre sete, oito, nove. Um aluno regular.
P/1 – Tá ótimo.
R – Que gostava de estudar, gostava de poesia. A gente sempre teve... Desde pequeno, desde pequeno fazendo as batucadas na escola, as professoras não entendiam, mas era gostoso. O mundo da percussão, que eu sou percussionista, né? Modéstia à parte. Foi uma infância... Depois o ginásio. Hoje não é. Hoje é o ensino fundamental e médio, o ginásio, o colégio. Aí fui pra faculdade. Hoje não é mais faculdade, hoje é universidade, mudou. Notas regulares, sete, oito, nove. Nunca conseguia tirar aquele dez, porque trabalhando, estudando, trabalhando, estudando, não é fácil. Entendeu? Mas eu constituí muitos amigos no Castelo, jogava bola com os professores de lá, fiz teatro com os alunos do colégio Castelo Branco. Teve uma peça lá que tinha um papel de uma bichinha lá, ninguém queria fazer: “Eu faço”. Gente, eu não sou... Com todo respeito aos homossexuais, isso foi por volta de 85, 86, fizemos um trabalho lá teatral muito bonito. Aí foi nascendo o Projeto Show Doce Criança, que é um trabalho informal. Não sou ONG. Ainda não.
P/1 – Tá. Legal. Mas, Clóvis, vamos começar... A gente vai chegar aí. Vamos voltar um pouco.
R – É que o italiano e o português é assim mesmo, quando você vê, ele já tá lá na... Você tá vindo, ele tá cheio de pressa, né?
P/1 – É.
R – É assim mesmo.
P/1 – Então, mas a gente tava falando ainda da escola.
R – Sim.
P/1 – Esse período mais... Como eram seus amigos nessa época? Como vocês se divertiam?
R – Era muito gostoso. A gente ia pra aula, a gente gostava. Antigamente, os alunos respeitavam mais os professores, bem mais. Havia um sentido melhor de comportamento. Hoje a criançada tá muito rebelde. A gente não era rebelde, a gente estudava, se encontrava pra fazer os trabalhos, nós tínhamos vários campos de várzea lá em São Miguel, jogávamos bola. Não tínhamos espaço pra fazer educação física, não havia. Hoje as escolas já têm. Então era tudo mais complicado. Nós íamos fazer educação física lá no Clube Regatas Nitro-Química, que não existe mais o clube, acabou. Eu sempre gostei de estudar, mas eu pegava mais naquela parte quando tinha educação artística, música, eu adorava essa parte. Conversar com os professores, fazia trabalhos... Criança já não tem aquela habilidade, né?
P/1 – E você acha que dessa época te influenciou pra escolha que você...
R – Muito. Nossa! Agora, quem influenciou mais pra essa parte artística foi meu pai e minha mãe. Que meu pai trabalhava com ladrilhos, trabalhava com cerâmica. Minha mãe, ela vendia as coisas, era vendedora, comunicação, sempre se comunicando. Minha mãe era uma pessoa muito carismática. Meu pai é mais extrovertido. E eles faziam de um tudo pra... Minha mãe me apoiava, ela me levava aos programas: “Vai. Vamos juntos”. Sem dinheiro, sem nada, arrumava, pedia dinheiro emprestado pra tentar. Estudava e ia cantar nos programas, né? Do Chacrinha, do Bolinha, do Raul Gil. Que vocês veem, o Raul Gil é um dinossauro da televisão.
P/1 – É.
R – Programa do Carlos Aguiar, de calouros, tal. Participei de todos os programas. E estamos aí continuando nessa caminhada. Mas a infância de estudo foi muito bonita. Foi acho que a época mais bonita da minha vida, a infância. Jogando bolinha de gude, fazendo pipa, estudando. A minha mãe, ela era daquela que conferia os meus cadernos. Meu pai, ele não tinha tempo. Chegava a casa, ele tinha uma firminha aberta lá, que ele fazia tanques, balaústres, caixa d’água antiga, pra usar no orçamento. Então foi uma infância muito bonita. Humilde, simples, mas deixou um legado muito importante, que é a amizade. Minha mãe falava: “Onde você for, procure fazer amizade. Você vai ver que nem todos vão gostar de você, porque esse universo é complexo, não dá pra agradar todo mundo, mas faça a sua parte. Amizade, carinho”. É o que a gente procura passar para as crianças hoje em dia.
P/1 – Claro. Então, você falou que já na sua infância você começou a participar do Projeto Meu Guri, você já ia...
R – Ah, figurinhas também. Eu lembro que eu era pequeno, no primário eu tinha um professor lá que fazia concurso de quem batia mais bafo, figurinha, tal. Era gostoso. Era mais para os meninos, as meninas não gostavam muito, não. Na escola do primário. Lembro que a gente batia figurinhas, eu tinha as coleções de figurinhas da época, da Revista Sétimo Céu, da Revista O Cruzeiro. Praticamente a Globo não existia ainda em 65, aí veio vindo a TV... A TV Cultura fazia também muita coisa sobre essa coisa de figurinha, sabe? Aliás, eu digo pra você o seguinte, a TV Cultura é o máximo no Brasil. Sabe por quê? Porque ela passa pra você aquilo que você precisa receber de cultura: música, teatro. Quem não gosta, não gosta. A TV Cultura tem uma programação boa também para as pessoas mais antigas. Vem crescendo, vem crescendo. Mas voltando à infância, foi uma coisa muito linda. Não foi linda, foi wonderful, beautiful.
P/1 – Sabe o que eu queria perguntar? Eu queria saber como foram essas primeiras vezes, que você ainda era criança, que sua mãe te levou pra TV assim.
R – Sim.
P/1 – Como foi pra você? Como você se sentiu?
R – Da um calafrio na hora quando chamava para o palco lá pra gente cantar, mas hora que já estava lá cantando, era gostoso. E tinha um detalhe também muito importante, que minha mãe confiava em mim. Ela falava assim: “Você tem talento pra cantar. Você não é melhor que ninguém...”. Ela sempre falava: “Você nunca queira ser melhor que ninguém”. Cantava, já tocava. Eu pegava uma régua antiga, umas réguas, começava a bater na poltrona em casa. Não tinha bateria, não tinha nada. Na poltrona. E era gostoso. Era muito bom. Ia para os programas, era alegria.
P/1 – Mas quantos anos você tinha?
R – Oi?
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Ah, eu comecei com sete anos. Sete anos e até hoje eu não parei. E era muito bonito você vê os artistas lá, cruzava nos corredores, um ou outro dava atenção. Eu conversava, por exemplo, com Carlos Aguiar. A gente se encontrava assim, por exemplo, com Jerry Adriani, no Programa do Chacrinha. Ele trazia todo mundo. Uma vez eu encontrei com o Roberto Carlos, lá de longe lá, mas não deu pra vê-lo. E nessa época, é uma coisa triste que eu trago, é que a gente não tinha dinheiro, então tiravam fotos da gente, mas a gente não ficava com essas fotos. Minha mãe não tinha máquina, não tinha dinheiro pra revelar também, e naquela época também era mais difícil. Então muitas fotos, muitas coisas bonitas que não foram fotografadas, que eu podia trazer e não trouxe, porque não tinha mesmo, não tinha condições. Mas nada disso era triste, nada disso vencia a alegria. Porque o principal é que a minha mãe me ajudava muito. Mais a minha mãe, porque meu pai não tinha tempo. Minha mãe saía comigo e a gente ganhava um concurso ali, perdia outro. E ela sabia que a gente gostava dessa coisa da arte. É muito gostoso cantar, pegar no microfone, cantar, tocar. Você cantar aquilo que as pessoas... Nos musicais que a gente faz, eu faço as pessoas cantarem comigo, você canta comigo. As pessoas vão a minha casa, mesmo pequena tinha uns discos lá, sempre tive isso: “O que você gosta de ouvir?”. É gostoso, né? “O que você gosta de ouvir?” E hoje em dia é assim também. Então era muito bonito, tenho muita saudade. E antigamente não havia jabá pra você cantar. Hoje precisa ter jabá pra você cantar e se apresentar.
P/1 – O que é jabá?
R – Dinheiro. A TV Cultura não tem disso. Eu já estive lá, eu já tive a felicidade de encontrar com o Rolando Boldrin, com o Muíbo César Cury, que eu sou tributo a essa gente, gente do máximo da música MPB brasileira, que tem programa na TV Cultura. Eu sempre fui... O meu pai assistia à TV Cultura, minha também assistia. A Rádio Cultura toca música brasileira de todos os tempos. É muito gostoso. Eu estive lá conversando com eles, eu falei pra eles da minha infância também.
P/1 – Que legal.
R – Com a Kika Leói, com a Teresa Lima, com mestre Weber. E eles me receberam com muito carinho. Eu fui lá pra levar as crianças que eu estou hoje trabalhando. Antigamente eu ia sozinho, hoje eu levo as crianças, os alunos pra conhecerem, pra verem o trabalho deles. E eu explico muito pra eles que eu tive uma infância complexa no sentido financeiro, mas tão rica no sentido de ter um legado de carisma, de trabalhos. Eu levo os meus alunos aos programas de calouros também quando eu posso, aqueles que sabem cantar, claro. Não adianta você montar um time se tem dez cabeças de bagre, tem que saber cantar. Cantar bonitinho, afinado, com ritmo, tal. Voltando, tudo isso aí era muito bonito. Foi muito bonito.
P/1 – Teve alguma lembrança, algum fato que tenha te marcado dessa época? Do show de calouro?
R – Tem. É o que eu acabei de passar, que eu peguei na mão do Carlos Gonzaga, eu tinha sete, oito anos. Carlos Gonzaga é um... Eles antecederam o rock da jovem guarda. Vocês não tiveram essa felicidade de acompanhar a jovem guarda. Hoje vocês veem os artistas como o Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, como o The Jordans, os incríveis, tantos e quantos, tanta gente boa. E o Roberto Carlos, ele veio depois. Então eu tive a felicidade de pegar na mão de Jerry Adriani, uma pessoa humilde, simples, lá cantando. Mas depois não tinha mais como fazer contatos. Não tinha como. Hoje em dia já tem mais. Antigamente era mais difícil. Você poder receber um sorriso de um cantor assim. Que televisão tem muito tipo. Televisão tem muito tipo.
P/2 – E nessa época que você começou a fazer os programas de calouros, como eram as suas apresentações, assim, as primeiras? Que música você cantava?
R – Eu cantava música da Vanusa, eu cantava... Na época dos anos 60, 70, estavam no auge os boleros. Os boleros, os grandes boleros. Altemar Dutra. Cantava música do Altemar Dutra, do Jerry Adriani, cantava música do Roberto, cantava música de Lindomar Castilho, cantava música de
ngela Maria.
P/1 – Tem alguma especial, que você gostava mais?
R – Ah, são tantas. São tantas músicas bonitas. Sentimental demais, do Altemar Dutra, Favela, de Francisco Alves, Cabocla, de Nelson Gonçalves. Eu gosto muito também de Noel Rosa, Ataulfo Alves. Professorinha, de Ataulfo Alves, Amélia, de Ataulfo Alves. Então essas músicas eu cantava. Era um mesclado da boa música brasileira. São tantas músicas, essas não são as preferidas, são centenas de preferidas. Tinham uns boleros também de Carlos Alberto, do cantor Carlos Alberto. Tanta gente que vocês não conhecem, mas estão por aí ainda.
P/2 – Mas você lembra como foi a sua primeira apresentação, o que você cantou?
R – A primeira eu fui gongado. A primeira nem foi na televisão, foi na escola, eu fui gongado. Fui gongado porque a gente ensaiou num tom, e na época eu não conhecia nada, eu cantei em outro tom, o culpado fui eu. E uma vez eu me apresentei também no Programa do Sílvio Santos, em 67. A gente ensaiava antes e eu cantei uma música do Roberto Carlos. Só que eu não cheguei a me apresentar nos calouros. Passei no teste, só que não foi possível por uma coisa e outra que eu já falei, que a infância simples, não deu pra gente ir por causa do tempo, o tempo financeiro. Depois eu fui ao Programa do Chacrinha, aqui em São Paulo, ao Rio não dava pra ir. Ao Rio eu fui umas duas, três vezes no Projeto Guri, mas não deu pra continuar, eu era bem pequenininho, eu tinha uns sete pra oito anos. Era muito complicado, muito difícil. E no Programa do Chacrinha tinha muitas crianças, tinha o concurso das crianças, a gente cantava, era muito bonito. Mas tinham muitas crianças bem melhores do que eu lá, no sentido de que já estavam com muito mais experiência. Quanto mais experiência você tem, melhor. Experiência de pegar um microfone, tal. Que era tudo ao vivo.
P/1 – Como vocês se vestiam nessa época?
R – Olha, eu não tenho nenhuma vergonha de falar, não. A roupa da gente era muito simples. Acho que das vezes que eu ia assim, a minha mãe conversava com as minhas tias, elas emprestavam um sapato mais ou menos. Naquela época não tinha tênis, era sapato. Aquela calça social, tergal, uma camisa simples, tal, mas tudo emprestado.
P/1 – Mas era moda? O que estava na moda, da época?
R – É. Do momento. Chegava lá, cantava, aí na maioria das vezes não podia continuar no concurso, porque não tinha dinheiro pra voltar, então ficava tudo pela metade.
P/1 – Clóvis, essa época você era bem criança ainda, adolescente, tal.
R – É, tinha... 62, 63, 64, 65, em 65 eu tinha dez anos já. Aí vai crescendo, tal, mas a música sempre presente, a música, a arte, coisa de fazer circo no quintal. Tinha um quintal lá em casa, meu pai plantava, eu fazia circo. Pegava as coisas, colocava um pano lá, eu gostava dessas coisinhas.
P/1 – Que legal.
R – Incrível, né? Minha mãe me ajudava, que ela ficava em casa, ela costurava. E meu pai ia trabalhar, e ela que coordenava a gente, ensinava as coisas da vida pra gente. Muito bonito. Muito bonito mesmo. Foi uma infância... Eu não canso de repetir pra criançada, foi uma infância muito assim, ampla, que eu tenho muita saudade. Não sou saudosista, não, eu me lembro dos bons momentos, não pra sofrer, que a gente não pode sofrer.
P/1 – Mas como foi quando você começou a trabalhar assim de ganhar o seu…
R – O primeiro emprego foi fazendo... Aos 12 anos eu fazia esses saquinhos de colocar carvão. Tinha uma olaria, não sei se vocês sabem o que é olaria, olaria é de fazer tijolo, tijolinho, que hoje agora não tem mais, olaria só no interior. Então nessa olaria, meu pai não sabia, minha mãe não sabia, depois à tarde eu ia à olaria, porque eu sentia... Era gostoso sentir aquele cheirinho do barro, do forno de fazer telha, de fazer tijolinho, eu gostava daquilo lá. E ali eu comecei a pegar um pouquinho da coisa da arte da manufatura, sabe? De colocar nos fornos. Meu pai uma vez me levou à firma dele, na Penha, de ladrilhos, aquelas prensas grandes, aquela coisa da tinta, aquele cheirinho da tinta, de você pegar aquele ladrilho, você sabe o que é ladrilho, né? Aqueles pigmentos lá das tintas, ali foi me atraindo pra essa coisa da arte, que aquilo é pura arte. E assim, na olaria eu não ganhava nada. Depois eu comecei... A gente fazia caixinha pra engraxar sapato, eu cansei de fazer carreto em feira com carrinho. Aquele dinheiro eu dava pra minha mãe. Era muito bonito. E a gente fazia de tudo pra poder não deixar a escola de lado, mas tinha que trabalhar. Aí essa coisa da música foi ficando um pouquinho de lado.
P/2 – Que idade era isso nesses primeiros trabalhos?
R – Aí eu já tinha pra 12, 13, 14 anos. Enquanto eu era... Até os sete, oito, nove anos, deu pra fazer o trabalho mais musical, mas depois não deu mais, precisa trabalhar pra ajudar. Aí eu comecei a trabalhar num escritório imobiliário aos 15 anos, imobiliária. Aprendi de tudo, fui de office boy até... Só não fazia escrituras, mas contratos de locação, de venda de imóveis, levava as pessoas pra ver os imóveis, trabalhava no escritório, fazia muito imposto de renda. Isso aos 15 anos, trabalhando pra ajudar. Uma vez minha mãe achou num... É coisa antiga. Ela achou no colchão, no meu colchão, não lembro quanto era, acho que era uma quantia... Se fosse hoje, acho que daria mais ou menos... Acho que seriam uns 50 reais guardados lá, que naquela época a gente não tinha conta em banco. Então ela me ensinou aquela coisa da economia, ela e meu pai. Que a gente tem mais contato com a mãe, essa que é a pura verdade. O pai sai pra trabalhar e a mãe que doutrina todo o conteúdo da educação. Aí a gente... Eu guardava dinheiro no colchão, minha achou, perguntou para o meu pai, não era, do meu irmão não era, só pode ser de quem? Do Clóvis. Ela falou assim: “O que você vai fazer com esse dinheiro?”. Eu falei: “Eu quero ajudar vocês” (choro). Foi um Natal assim, que a gente não tinha... Aquele ano foi triste. O meu pai trabalhava numa firma e essa firma não estava muito bem, então ele saiu da firma, ficou uns três, quatro meses sem trabalho. É isso. Desculpa.
P/1 – Você quer parar um pouquinho, tomar uma água?
R – Minha mãe falava assim: “Clóvis, eu nunca vou me esquecer desse momento”. Foi muito bonito. Porque, na verdade, a infância da gente, ela é traçada por certo, por linhas tortas, mas que na verdade é uma caminhada que não tem fim. O legado que os pais deixam pra gente. E hoje em dia eu trabalho com dois... Não são crianças, mas dois garotos de rua. Eu tive a felicidade de ter um pai e uma mãe pra passar uma experiência, passar conselhos. Eu fico imaginando esses que não têm. Voltando sempre à infância. Então aos 15 anos as coisas... Aí a música foi ficando de lado, aí fazendo o trabalho. Então é assim, trabalhando, estudando.
P/1 – Mas o senhor sempre teve... Mesmo que a música tenha ficado de lado durante um tempo, o senhor sempre gostou ou procurar cultivar de alguma forma essa relação com arte, com a música?
R – Ah, nunca ficou distante, porque mesmo na escola, na escola tinha aquelas coisas do teatro. Na Escola Estadual Professor Máximo de Moura Santos, que hoje seria a oitava série, antigamente era a quarta série do ginásio, aí que eu estava atrasado. Como eu comecei aos nove anos, eu estava na primeira série do primário ainda, então eu estava atrasado. Hoje uma criança se forma normalmente no fundamental com 14 anos. Eu estava praticamente com quase 17 anos saindo do ginásio, um pouco atrasado. Aí veio o colégio, que hoje é o ensino médio, aí trabalhando, né? Trabalhando. Aí eu entrei Nitro-Química, que um colega... A Nitro-Química tá lá, mas não é mais a mesma. O clube foi derrubado, praticamente, nós ficamos sem onde jogar bola, a gente ia jogar muita bola no clube. Daqui a pouco eu me vejo namorando, já com 18 pra 19 anos, estudando. Parei algum tempo de estudar, porque a faculdade era uma coisa mais complicada, complexa. E nas escolas participamos de concursos de música, formando concurso de música. Aos 18 pra 19 anos, já com aquela experiência, dando aula de percussão sem ser professor de percussão, pegando na mão das crianças assim, não tinha instrumento, acho que fazia em latas. Daqui a pouco veio o primeiro instrumento musical meu, que foi um tantan, um tantan surdo. Aí a gente começou a... Que a percussão, ela tomou um ritmo de batida boa mesmo dos anos 80 pra cá. Que antigamente os conjuntos nem percussão tinham, só bateria, baixo, guitarra, teclado um ou outro. E fazendo aqueles conjuntos musicais. Tocamos muitas vezes no Clube Nitro-Química, nas matinês. Uma vez eu fiz uma canja no Clube Esportivo da Penha, num conjunto antigo chamado Os Lobos, tinha o Dimensão Cinco também. Eu fiz uma canja lá cantando uma música do Bread, um conjunto antigo, cantava Beatles, a jovem guarda. E assim, aí aos 18, 19 anos foi retornando um pouquinho. Aí já trabalhava na Nitro-Química, tinha um pouco mais de dinheiro, e estudando. Parando de estudar, fazendo alguns outros cursos ligados à arte.
P/1 – Que cursos, por exemplo?
R – Não curso profissionalizante, mas aquelas coisas que existem muito nas vilas, por exemplo, aquelas escolinhas pra quem não tem dinheiro pra ir pra cursos técnicos, então a gente aprendia aquela coisa de fazer... Que é antiga, de você... A mulher era tricô, crochê. No caso meu, tinha uma escola lá de percussão, e a gente estava nessa escola. Já dando aula de percussão e também estudando. E de repente... Não foi possível fazer conservatório nenhum, nunca pude fazer. Quando eu pude fazer conservatório, eu já estava na estrada como profissional já. E essa parte que você tá colocando do estudo e do trabalho veio vindo. Parei um pouco de estudar, a faculdade eu me formei atrasado, por conta do orçamento. O jovem que tá na faculdade sabe que não é fácil, não. Hoje vocês têm o Enem, que dá uma passagem para o Prouni. Nós não tínhamos nada disso. As mulheres chegaram a ter o Cefam, que recebia uma ajuda de custo, a gente não tinha nada disso nos anos 70. Não tinha nada disso. Então eu tinha que pagar mesmo. Tive que pagar. Ou ir pra USP, né?
P/1 – Quando você entrou na faculdade então?
R – Na verdade, eu entrei bem atrasado. Eu voltei a estudar aos 26 anos, lá no Castelo, isso foi em 84. Bem atrasado. Bem atrasado mesmo. Vinte e seis não, aí eu já tinha 29 anos.
P/1 – Tá. Mas quando você entrou na faculdade, você já era um músico profissional?
R – Já. Já. Profissional.
P/1 – Como você se profissionalizou em música?
R – Na verdade, essa coisa do profissional, eu nunca pude fazer conservatório, a minha mãe achava curioso que eu tocava uns instrumentos... Eu não sou baterista, eu sou percussionista, é uma ilha de percussão de instrumentos. Ela não entendia, porque eu... A gente via tocando, o que eles chamam de dom mesmo. Eu nunca... Por exemplo, um tantan, um timbales, uma tumbadora, um reco-reco, um agogô, um meia-lua, a gente foi pegando e tocando, a gente vendo assim. Que é aquela coisa do ritmo, tem que ter ritmo, música é ritmo. E hoje em dia a gente tá continuando essa caminhada lá, que começou com muita dificuldade. Foi nada de conservatório. Quando eu pude fazer conservatório, que a grana estava um pouco no sentido bom, aí já estava na estrada. São Paulo, de leste a oeste, de norte a sul viajando. Lorena, Cruzeiro, Vale do Ribeira, tocando, cantando, fazendo musicais. Sozinho, acompanhado. Nos anos 70 também gravei como Cal Oliver, mas ninguém quis me divulgar. Eu gravei em inglês, mas não houve divulgação nenhuma. Na época só se gravava em inglês. Fábio Júnior, Mark Davis; o Jessé, Tony Stevens. Eu estou falando o nome deles e o saudoso Jessé. Aí surgiu um conjunto chamado Pholhas, aí veio o Light Reflections, veio outro chamado Lee Jackson. Só se gravava em inglês. Chrystian, que é hoje é da dupla Chrystian e Ralf. Aliás, o Chrystian e o Ralf, eles foram calouros do Sílvio Santos também. Chegamos a cruzar com eles nos bastidores, mas não tinha como fazer amizade, porque eram mundos diferentes. O Chrystian gravou muito em inglês também, o Ralf também gravou em inglês, mas não aconteceu. O mundo do disco é complexo, é difícil de entender. Muito difícil.
P/2 – E o que você gravou nesse disco?
R – Eu gravei... Eu gravei... Na verdade, não chegou ir pra disco. Antigamente... Hoje é o CD demo, antigamente era a fita Demo. Nós gravamos... Juntei alguns trocados e montamos uma música como Cal Oliver, que não chegou... Que antigamente esses cantores que gravavam em inglês não apareciam na televisão, quase ninguém aparecia. Começou aparecer bem depois. Isso começou em 71, um cantor chamado... Caramba, esqueci agora. Tommy Standen, que depois se tornou o Terry Winter. Começou em 71, em inglês. Porque nos anos 60, 59, 60, Wanderley Cardoso, até Roberto Carlos gravava em italiano, que era moda, gravava em italiano. Jerry Adriani gravou em italiano também.
P/1 – Continuação do depoimento Clóvis Cândido de Oliveira. Então você estava falando das suas gravações, né?
R – É, mas não chegou a acontecer em disco. Não foi... Chegou a entrar em estúdio, mas na hora de você fazer a produção fonográfica, faltou o principal: o tempo. E depois também faltou a divulgação, que é um problema muito complexo no Brasil, a divulgação. E hoje eu sou um modesto divulgador. Aliás, se vocês me permitem dizer, essa passagem de vocês aqui eu agradeço muito, com todo carinho. Essa passagem de vocês aqui... Outra coisa que eu tenho pra passar pra vocês também, eu não sou jornalista, nem repórter, mas eu trago alguns jornais aqui, que eu venho aqui, o que tá acontecendo aqui hoje vai para os jornais, se vocês permitirem.
P/1 – Claro.
R – São jornais que circulam da Mooca... São 14 jornais. Da Mooca até Mogi das Cruzes. E lá a gente trabalha algumas fotos aqui e esse trabalho do que eu vim fazer aqui, os homens de vocês, é uma forma de reconhecer o trabalho de vocês. Porque o divulgador, o que ele é? Nada mais que reconhecer, colocar em foco alguém trabalhando. Então não sou divulgador de rádio, não sou nada, nunca represento ninguém, mas tudo isso que eu faço vai para os jornais, para os painéis culturais. A arte, a arte tá sempre presente.
P/1 – Que ótimo.
R – A arte.
P/1 – A gente vai conversar sobre isso.
P/2 – Voltando um pouquinho a essa época que o senhor gravou, como foi a grava...
R – Senhor tá no céu.
P/2 – (risos) Que você gravou, como foi o estúdio pra você, como foi? Que era uma coisa totalmente nova.
R – É. Na verdade, a gente entrava, por exemplo, num... Antigamente no Sumaré, que tinha o programa do Sílvio Santos, o Sumaré, aliás, é próximo daqui, que tinha a antiga TV Tupi, o estúdio desde pequeno eu estava acostumado. Só que às vezes assusta um pouco você ver um monte de gente lá e de repente você saber que talvez não vá continuar naquela atribuição, aí você fica um pouco triste, sabe? Porque pra você montar um trabalho de uma fita demo e não poder sair em disco porque faltou dinheiro pra entrar em estúdio pra gravar, então praticamente eu não entrei em estúdio pra gravar. Essa fita demo foi montada com um conjunto tocando, mas que é preciso... Abaixo de Deus na terra, você precisa ter um aval financeiro pra você desenvolver o trabalho, senão você fica na metade do caminho. Eu fiquei por conta dessas coisas. E também tem uma coisa muito importante, que tem muita gente no meio artístico, que a gente não consegue explicar, mas que, por exemplo, o Chrystian e Ralf, o Chrystian estourou, o Ralf já não estourou, na época do inglês. O Ralf veio estourar na música sertaneja. A gente tem... O Fábio Júnior tem um irmão, que é ator, começou a cantar também, canta bem, mas não aconteceu. É complexo de explicar, tá no meio, né? É muito difícil de você entender. Não dá pra entender, eu explicar, muito menos. O Sílvio Santos teve um calouro que nos anos 60 eu cruzei com ele também nos estúdios do Sumaré, da antiga TV Tupi, o Fred Rovella. Eu tive com o Fred Rovella há um mês na festa de São Vito. Cantei com ele lá. “Lo sai, non é vero...” Música italiana. E a gente estava se lembrando da época, ele se lembrou de mim, tal. E eu falei pra ele: “Cara, você esteve no meio, produção, tudo” “Clóvis, não dá pra explicar, é complexo”. Fred Rovella. E teve outro também, outro cantor, que é o Luiz Américo, cantor de samba, que participava dos calouros do Sílvio Santos também, o Luiz Américo estourou, aconteceu. Nos anos 70, o Luiz Américo estava gravando samba. E o Fred Rovella só cantava italiano, e não... O Jerry Adriani também cantava em italiano e estourou. Então é... E o Fred Rovella é um bom cantor também. Mas acontece que o mercado fonográfico do disco, ele é muito complexo de explicar. Não é difícil. E tem a coisa da divulgação também. Eu não sei, eu não cheguei a fazer parte desse mercado do disco. Gravei, mas não houve a... Entrar no estúdio pra você formatar o disco, não foi possível. Mas eu não estou triste, não. A caminhada continua. O importante é que quando a gente tá por aí, as pessoas gostem do trabalho da gente. Trabalho simples, mas é bem feitinho, com todo carinho.
P/1 – Então, Clóvis, eu vou mudar um pouco assim. Você chegou a falar que quando você estava com uns 18 anos você estava namorando.
R – Isso.
P/1 – Era a sua primeira namorada?
R – É. Foi a primeira e única. É a mãe do meu filho. Hoje nós somos separados, mas nós temos muita amizade.
P/1 – Como você a conheceu?
R – Eu a conheci numa escola do curso colegial, no Carlos Gomes, em São Miguel. Talvez você se lembre do Carlos Gomes, nós nos conhecemos lá. Jogava bola, eu fazia parte da seleção de futebol do Carlos Gomes. Eu jogava bola, jogava um pouquinho. E nos conhecemos lá, nos casamos, temos um filho, tal. Eu a ajudo muito, somos amigos, eu visito a casa dela. Ela não visita a minha casa, mas a gente tem... Meu filho mora com a gente, comigo. E nós somos uma família separada, mas feliz.
P/1 – Claro. Como foi quando você resolveu casar com ela, o seu noivado assim?
R – Ah, foi um noivado longo. Eu a conheci com 19 anos, em 74 eu a conheci, nós fomos casar no final de 79. Ela com alguns problemas de saúde, mas uma pessoa muito bacana. Estudava, ela se formou professora também, é professora também. Hoje ela já está praticamente quase aposentada já. Ela tá com 54 e eu to com 52. E é uma pessoa muito simples, batalhadora. Dizem que todo professor é sofredor (risos).
P/1 – (risos).
R – Ainda mais hoje em dia, quem pretende dar aula hoje em dia, tá mais complexo, porque essa molecada tá muito rebelde, muito arisca. Nós respeitávamos mais os professores, eu digo os alunos dos anos 60. O professor era como juiz, falou, tinha que obedecer. Hoje em dia os alunos estão batendo nos professores, tá esquisito. Há agressão aos professores. Inclusive, já saiu em várias rádios, na Rádio Eldorado, na Rádio Cultura, na Jovem Pan, alguns trabalhos, reportagem, como anda a agressão dos alunos, na periferia, não todas, é claro. Mas voltando à mãe do meu filho, foi muito bonito. A gente se separou por uma questão do meu trabalho.
P/1 – Mas como era assim, no casamento? Como era o dia-a-dia, essa convivência?
R – Foi bom, foi gostoso. Nós chegamos a nos separar duas vezes, voltamos. Que eu estava trabalhando, estudando e no mundo musical. Aí fica complicado. Uma época eu parei com toda a atividade artística, com essa parte da arte, só pra cuidar do meu filho, nós estávamos separados já. Aí voltamos, tal. O meu filho me acompanhava, quando ele podia, nessas caminhadas musicais. A gente só tocava em barzinhos Vips, essa coisa mais selecionada. E a mãe do meu filho não gostava, mas era aquela coisa do cotidiano. Foi complicado, aí a gente resolveu separar de vez. Porque conviver com profissional da música não é tão simples.
P/1 – Uma vida sem rotina.
R – É. Porque, pra ter uma ideia, vocês me perguntaram: “Clóvis, você prefere fazer esse trabalho de manhã ou à tarde?”. Porque eu acordei era 11 horas e vim pra cá. Passei em São Paulo e vim pra cá. Às vezes, quando vocês estão saindo pra trabalhar é que eu estou chegando a casa, seis horas, seis e meia. Eu faço um trabalho também musical aqui no mercado, Mercado Municipal de São Paulo, com o pessoal lá. Eles não se importam que a gente fale, com a “peãozada”. Aí eu chego lá com alguns instrumentos, é uma festa. E teve um deles já que eu estou querendo arrastá-lo pra essa caminhada, sabe? Que ele toca muito bem cavaquinho e canta bem. Só que é uma coisa de hobby, né? “Clóvis, aqui eu estou registrado, estou ganhando mais ou menos.” Mas ele canta bem. Falei: “Você tem um talento, ‘fio’, tem que aproveitar”. Só que não pode parar de estudar e não vai sair do trabalho também, tem que ser uma coisa sensata. Mas a mãe do meu filho é uma pessoa muito bacana, uma pessoa humilde, simples. A gente teve muitas dificuldades também.
P/1 – Você se lembra do dia do seu casamento?
R – Ela me apoiava nessa carreira musical, só que não acompanhava. Que ela tinha alguns problemas de saúde, ela não tinha como acompanhar, não tinha jeito, e os horários também. O horário, a coisa do... Que eu dou aula de dia e à noite a gente vai pra nossas caminhadas musicais. Mas eu nunca fui boêmio, não. Não sou boêmio. Se eu não estive no seu barzinho, na sua casa noturna... Que mudou muito, a casa noturna virou diurna. Tem alguns barzinhos aqui no centro de São Paulo que o trabalho musical começa às seis da tarde, e quando vai dez da noite, para. Isso na sexta-feira. Porque embora ali não seja um bairro residencial, mas dez, 11 horas tá parando. Vila Madalena já é outro detalhe. Na Vila Madalena, os bailes vão até de madrugada. Na Henrique Schaumann [Avenida] é um bairro residencial, acabou, praticamente. O Bixiga, que era nosso veículo musical, não é mais o mesmo. O Bixiga não dá mais pra gente o sustento que a gente tinha antigamente. Eu fiz muito barzinho no Bixiga. Poison, La Bohème, Espaço Amador. Trabalhei com o Savero Zacarini, que tem programa na televisão também, karaokê ali na Rui Barbosa, 333, em frente o Teatro Zaccaro. Então tudo isso com subsídio da mãe do meu filho, gostava da música, mas não pôde acompanhar, a gente resolveu separar. Mas foi uma separação legal. Não somos divorciados. Meu filho sempre teve todo o apoio que ele precisou de mim, graças a Deus, ela também. Não somos divorciados.
P/1 – O que mudou na sua vida com o nascimento do seu filho?
R – Ah, mudou muita coisa. Mudou que toda infância foi retomada. Aquela coisa das pipas, da bolinha de gude. O meu filho, ele teve uma época que quase esteve próximo do Joinville, de Santa Catarina, no futebol. Ele jogou muito tempo no Nitro-Química. Ele teve... Em 95, o meu filho estava no júnior do Corinthians, com 14 anos. Depois teve uma empresa lá que acampou o Corinthians, que era chamada Euro Esportes, e quando eles vão, eles levam todas as categorias. Só não levam o profissional, mas até 19 anos, eles levam os 22. E na turminha que meu filho estava, de júnior, ele dançou. Depois ele jogou muito tempo society pelo Corinthians, futebol, futebol de society. E eu o acompanhava. Voltou tudo. Eu jogava bola, jogava mais ou menos. Agora, meu filho jogava bem. Só que voltou tudo no sentido da infância. Mas ele com 15 anos e eu o acompanhando nessas caminhadas, jogando pelo Corinthians, jogou muito tempo. Aí começamos a trabalhá-lo para o profissional. Só que em 2002 ele sofreu um acidente muito grave, ele foi obrigado a parar com o futebol. Parou com o futebol. Infelizmente, ele estava com três colegas dele de futebol e os três faleceram, o único que vingou foi ele. Foi um negócio muito feio. E teve traumatismo craniano, e hoje ele manca um pouco da perna esquerda. Ele está com 26 anos, para o futebol não tem mais condições. Mas eu o acompanhei muito no futebol. É isso que você falou, “o que mudou?”, não é que mudou, reviveu, foi um reviver, foi uma retomada da minha infância, daquilo que eu fazia, do campinho, que hoje não tem mais campinho. E ele com as bolinhas de gude, com as figurinhas, com aquela coisa também que minha mãe fazia, eu fazia com ele também, do caderno, eu olhava como estavam as atividades dele, a mãe do meu filho também. Graças a Deus ele não se envolveu em drogas, graças a Deus.
P/1 – Ele faz o quê hoje em dia?
R – O meu filho, hoje ele tá fazendo Nutrição.
P/1 – Legal.
R – Ele trabalha no Itaú, tá fazendo Nutrição. Ele pretende fazer Administração também. Ele tá com 26, ele tá na UNG, em Guarulhos, fazendo Nutrição. Ele gosta, então tá lá. Eu falei pra ele: “Você não conseguiu ser um atleta profissional, mas quem sabe você não pode trabalhar como nutricionista em algum clube, né?”. Que os clubes tradicionais trabalham com nutricionistas. O futuro a Deus pertence. Então ele gosta muito de nutrição. Mas o futebol dele, ele jogava bem, ele era meia direita. E eu o acompanhava. Dava todo o apoio. É essa a obrigação dos pais, né? Mas infelizmente nesse acidente ele... Pra você ter uma ideia, falecer três colegas é um negócio muito forte.
P/1 – Então, Clóvis, eu queria... Uma dúvida, na verdade, como o seu filho, você também escolheu uma universidade que é bem diferente daquilo que você costumava fazer, que é Geografia.
R – Sim.
P/1 – Por que você escolheu esse curso?
R – A Geografia?
P/1 – É.
R – Porque é o seguinte, a Geografia tem tudo a ver com arte. Eu mantenho um vínculo, um intercâmbio cultural com a Secretaria do Meio Ambiente. E eu tenho painéis. Eu tenho um painel que ele é todo com peixes. Isso tem tudo a ver com a parte geográfica, né? Foge um pouquinho da Geografia, mas é o mar. O mar, os grandes geógrafos do mundo inteiro, eles trabalham... Jacque Cousteau, ele era um cientista do mar e ele fez Geografia também. Então a Geografia tem tudo a ver com a natureza. Eu escolhi a Geografia porque eu sempre gostei de animais, das matas. Eu ia fazer Português inicialmente. Mas depois minha mãe falou: “Clóvis, você não tem nada a ver com isso. Você gosta da natureza”. E escolhi bem, porque como professor de Geografia, eu to quase me aposentando já, eu desenvolvi bons trabalhos com os alunos. Eu chegava à sala de aula, como eu venho do teatro, a minha aula era uma diversão. Então eu transformava a reforma agrária numa peça teatral, e eles iam comigo desenvolvendo todo um trabalho do teatro. A minha aula era um teatro. E nos meus diários de classe, eu cansei de jogar assim lá, coisas que fugiam um pouquinho do conteúdo. A terminologia, sabe? Eu fugia um pouco. Por exemplo, eu pegava a reforma agrária, e pegava uma música do Roberto Carlos, e fazia uma paródia com as coisas do campo. E eles gostam disso.
P/1 – Que série o senhor dá aula?
R – Desde a quinta série até o colegial, até o segundo grau. Então quando você... E eu sempre fui um professor que eu dava espaço para o aluno falar, até pra me criticar, até hoje. Com eles, eu to fazendo um trabalho de percussão com eles, a gente trabalha arranjos de percussão. Então o que acontece? A gente tá pra entrar em estúdio... A gente começou a falar em estúdio dos anos 60, 70, que eu não pude fazer, hoje em dia tá mais fácil. Então a gente tá tentando ver um patrocinador, a gente vai entrar em estúdio pra gravar um CD só de percussão. Depois desse CD pronto, a gente vai trabalhar a harmonia, aí vão entrar cordas, mas inicialmente vai entrar só percussão, as batidas da percussão, todas as batidas que você possa imaginar de percussão a gente tá fazendo. Isso tem tudo a ver com aquilo que você comentou da sala de aula, que eu levava com a permissão da direção das escolas que eu trabalhei. Eu trabalhei em quatro escolas só. Porque antigamente eu ia pra uma escola e ficava nessa escola à tarde e à noite. Eu sempre gostei disso, uma escola só. Então eu trabalhei em quatro escolas nesses 20 e tantos anos que eu to no magistério. E eu levava... Só que eu colocava no diário o porquê daquele tantan, daquele chimbal, daquele reco-reco, daquele agogô na sala de aula. Porque eu pegava, por exemplo, fala-se muito em reforma tributária, que é a redução de impostos, então eu pegava música do... Mais antiga, sempre mais antiga, do Paulinho da Viola, ou do Caetano Veloso, e transformava aquela música numa paródia com coisas da reforma... Dos impostos. Nós montávamos... Eu e eles, nós fazíamos os versos rimados. E a coisa do campo, da Geografia, ligado à música. Porque você pode fazer um trabalho assim com eles, que é permitido. E a criançada gosta quando você dá espaço de eles colocarem pra fora o que eles têm de bom. Eu penso que o professor não... Eu tive professor que me podou como aluno.
P/1 – Como assim?
R – Que não deixava você falar. Só que eu nunca entrei assim, querendo saber mais do que... Eu nunca desafiei professor meu nenhum. Porque não é questão do desafio, é questão de você mostrar o que você tem de melhor. E desde os meus seminários na Unicastelo, que antigamente era faculdade, não era universidade, como a gente teve sempre essa coisa do teatro, os seminários a gente chegava lá, eu tipo uma coisa assim decoreba, e já sem nada na mão já passava pra eles. Então isso veio vindo pra sala de aula. E eu cansei de fazer paródia com música do Roberto, do Altemar Dutra, do Paulinho da Viola, de Francisco Alves. Músicas antigas, até nessas músicas um tributo pra eles. Porque eu falo pra eles o seguinte: “Não se faz mais músicas como antigamente. Não se faz mais”. Por exemplo, Legião acabou, mas deu sua mensagem. Só que você não tá vendo nenhuma letra em comparação à Legião atualmente. As letras do Legião Urbana têm sentido, gente. Vocês sabem disso, né?
P/1 – Claro.
R – Então é muito forte. As letras de Caetano Veloso, as letras de Lobão, têm um sentido com a nossa realidade. Então a música tem tudo a ver com a Geografia. O teatro, você pega qualquer tema, por exemplo, eu vou falar sobre a agricultura, sem ser reforma agrária, como tá a nossa agricultura atualmente. E eles iam comigo formando versos ali. A gente distribuía trabalhos pra cada grupo, cada grupo fazia uma música, uma paródia. Vocês sabem o que é paródia, né? Então, aquela coisa da paródia. Tem tudo a ver com Geografia. Tem tudo a ver.
P/1 – E como os alunos reagiam e assim, a maneira... Eles aprendiam a Geografia assim mesmo?
R – Aprende. Porque é o seguinte, aprende porque é alegria. Quando você... Veja bem, a minha aula nunca foi melhor que a aula de ninguém. Pra você ter uma ideia, professores passavam pelo corredor, paravam pra ver os alunos tocando e cantando comigo. É claro que sempre tem no meio daqueles alunos alguns que se sobressaem no toque. É sério. Sem aquela coisa da arritmia. Então montávamos ritmos dentro da sala de aula. Hoje, hoje eu não estou na sala de aula mais. Estou fora da sala de aula, estou com projetos nas escolas. Essa escola aqui do Cleise Marisa Siqueira é uma escola que eu tenho muito carinho, passei por outras escolas, e eles estão comigo em oficinas de teatro, de música, de percussão, de artes plásticas. E eles gostam. Eles adoram. Agora, quando tava na sala de aula era uma loucura. O dia que eu não trazia nenhum instrumento pra fazer o trabalho... Porque é o seguinte, é uma coisa fora do comum. Só que eu enfrentei muitos problemas também com isso, não da direção da escola, mas da própria comunidade. Aí eu comecei a fazer o seguinte, eu comecei a convidar pais de alunos pra assistir a minha aula, pra ver. “Um professor louco aí, que traz instrumentos pra sala de aula, dando aula de Geografia.” Pra saber, porque uma coisa mal informada fica uma coisa mal orientada. Aí você como mãe, vendo aquele trabalho lá dos alunos participando, os pais têm outra conotação do seu trabalho. Porque: “Não, tal fulano tá fazendo isso”. Aí se você não vê, aí é passível de críticas, né?
P/1 – Claro.
R – Tudo bem, eu sempre fui passível de críticas, tal, só que era uma parte assim, 50% das minhas aulas eram assim, artística, e a outra parte era só didática, orientando os jovens. Eu parava a minha aula... Jogava isso no meu diário com a classe. Orientá-los, porque eu nunca me envolvi em drogas. Não critico, não censuro quem se envolve, mas cada um é cada um. Quem quer se envolver, se envolva, só que é um caminho complexo. Essa coisa de... E batia muito com os pais. Tá certo, professor tem que orientar mesmo, porque orientando já é difícil. Porque eu fiz muito encontro com jovens de igrejas, tal. E eles gostam. O jovem gosta quando ele participa. O jovem gosta quando ele se torna importante. Quando você faz um trabalho com um professor e esse professor dá importância ao teu trabalho, valoriza o teu trabalho... Eu sempre valorizei. O mais importante é você reconhecer o trabalho do colega. Eu sou um músico, eu falo bem do músico. Porque é o melhor, né? Se você não plantar a sementinha desde o início, depois, lá no fim, você não vai ter aquela colheita que você queria. Então tive críticas na sala de aula, venci todas elas, to vencendo. Eu sou funcionário do Estado há 26 anos e estou readaptado por problemas de saúde que eu enfrentei. Aquelas coisas das “ites”: sinusite, gastrite, rinite, tudo. Aquela coisa da sinusite é assim, você não explica, cefaleias, né? Você vai dormir bem, então é desde pequeno, da alergia, né? Aí eu fui obrigado a fazer alguns tratamentos. E nesses tratamentos, pelo [Hospital do] servidor público, eu me afastei da sala de aula, to há dez anos afastado. E nesses dez anos constituindo oficinas. Essas oficinas são todas eu que custeio. Eu que custeio. Não tenho patrocinador. Eu queria trazer alguns alunos aqui pra... Também não perguntei se isso seria possível, pra participar, mas acho que não seria possível, pra eles verem que... Isso aqui vai ser mostrado pra eles, esse trabalho aqui com vocês vai pra jornais, se vocês permitirem, eu tenho um modelo de jornais aí com as minhas atividades que eu to fazendo, e além dos painéis, que vocês vão ver depois. Que vocês já viram... E tudo ligado, que você falou, na sala de aula. A Geografia tem tudo a ver com a música, desde que você se propõe a fazer algo que os alunos gostem. E eles gostam de música, de teatro. É uma loucura.
P/1 – Você viveu algum episódio muito marcante na sala de aula? Engraçado, alguma coisa...
R – Muitas coisas bonitas... Olha, uma das coisas mais bonitas na sala de aula é que alguns pais vieram assistir ao meu trabalho. E no final de um desses trabalhos, que eu fazia seminário com os alunos, eles perceberam que eu deixava os alunos falarem. E eles estavam percebendo: “Professor, os nossos filhos não falam, e o senhor os deixa falar”. E acabou... Um grupo lá muito bonito montou um trabalho sobre... Não lembro mais, é tanta coisa. Sobre ecologia. A ecologia tem a ver, tudo tem a ver com a música se você pensar bem. As paródias, né? Tem tudo a ver com a música. No universo, as músicas são feitas pelo universo, pela natureza, do campo, do nosso cotidiano. Nós temos a ver com a música em todos os sentidos, com a arte. Todos nós somos artistas. Você pega um microfone pra falar, você já é um artista. O dom da fala. E quantos querem falar e não podem. Pensou? Quantos querem andar e não andam. Então muito obrigado a Deus, a vocês, por este espaço. E que a gente possa, tudo nesse sentido, construir mais amizades, carisma, sabe? O que ficou, que nem você colocou, mais marcante foi o carisma, que eu não sou melhor que ninguém, dos alunos comigo na sala de aula, dos pais comigo na sala de aula. Tem pais que não gostam desse tipo de aula, mas se convenceram que os filhos estão participando. E quando o filho participa, tira notas boas pela participação, isso é importante. Aqueles alunos que não têm sentido como os outros têm, todos eles são avaliados de acordo com aquilo que eles produzem. E fora da sala de aula também, os trabalhos que a gente faz nas comunidades, onde as comunidades participam ativamente. As escolas não têm recursos do Estado. Não tem. Nem aparelhagem. Eu cansei de fazer trabalhos culturais, festas juninas, festas da primavera, tudo, com aparelhagem minha que eu levo pra escola, nunca cobrei nada. Só pegava algumas folgas, tal. Aí a comunidade participando de você ali. E essa coisa da música sempre levada à externa da sala de aula, dentro e fora. Eu venho vestido de padre na sala de aula, tem um padre que é corrupto, eu venho vestido de sertanejo, de político, fazendo personagens, vozes com eles também, a gente faz vozes também na sala de aula, essa coisa da locução. Que na verdade, esse projeto que eu traço é um tributo, é um resgate, valorizando o profissional da locução, da arte. Aliás, a sua voz é bem locutiva. Já te falei, né? São coisas que... Você já percebeu, né? A voz locutiva, ela tem grande espaço, sabia? De você: “Caramba, é mesmo. Pô, minha voz é de locução, tal”. Você pega algumas vozes da Rádio Cultura, que nem a Kika Leói, a Teresa Lima, o Carlos Oliveira, que são vozes bonitas, né? Que tá em extinção. Tá indo pra extinção. Então tudo isso te falando das vozes, eu fazia concurso de locução com eles na sala de aula, tudo isso jogado em diário. Tudo ligado a textos geográficos, à ecologia. Então aquela coisa das rochas. Uma vez nós fizemos um trabalho sobre as rochas, os alunos lendo textos lá. Tem alunos que têm... Aqueles que não tinham as vozes mais privilegiadas tinham o mesmo respeito, o mesmo carinho, você trabalha com as mesmas notas que os outros. Mas é tudo no sentido de... Eu fazia concursos, pegava um pacote de bala, dava do meu bolso pra eles. Comprava um caixinha de doces, distribuía pra eles. Porque a escola não tem como fazer isso. E tudo que eu pude fazer, e ainda posso fazer na escola pra animar, a gente faz. Festas, tal. Hoje em dia as escolas já têm aparelhagens. Tem escolas que até tem a sua própria rádio.
P/1 – O que mudou nas escolas, que você acha, desde a época que... Em toda a sua trajetória profissional, o que você viu de mudança?
R – Na escola?
P/1 – É.
R – Tá mudando que hoje o jovem tá podendo falar mais. Porque, na verdade, o jovem não pode ser podado. Você tá numa sala de aula, você tá fazendo um seminário, você tem a participação pessoal. E é importante os professores fazerem esses seminários, pra deixar o aluno já ir se desinibindo. A criançada, ela tá muito... Ao mesmo tempo em que ela tá muito rebelde, tá muito arisca, ela também tá mais participativa. Eles querem participar. Esses encontros de jovens do hip hop, do black, do rap, que eu faço com os alunos, são produtivos. Que hoje em dia a escola não é somente um ambiente educativo, é um ambiente criativo, onde os jovens estão... A escola da família, que acabou, e tem escolas da família que continuam, que estão com projetos aí. Tem uma escola em Ribeirão Preto, que ela... Escola não, uma ONG. Esqueci o nome da ONG. Que ela vende pipas pra todo o Brasil, gerando renda. E essa ONG é ligada a uma escola que tem lá na periferia de Ribeirão Preto. A ONG produzindo pipas, esses pipas vão para o mercado consumidor, que vende muito pra criançada nessa época agora, no recesso em fim de ano, de dezembro até fevereiro. Então você vê que as ONGs também estão fazendo um intercâmbio com as escolas. Não todas. Então a escola mudou no sentido criativo. A escola hoje tá mais criativa, tá mais participativa. Os jovens estão participando mais, estão tendo a oportunidade de participar mais. E você vê as universidades fazendo grandes projetos com a televisão. A Unicastelo, a Unicsul, a UNG, a Unicamp, eles têm a sua participação lá na TV Futura, na TV Cultura, na Globo também, que eu assisto muito. Então hoje as escolas, não todas, mas muitas escolas estaduais estão fazendo trabalhos sociais. Tem uma escola aqui no Tatuapé, você vê como é a ideia, ela participou de um concurso que a TV Bandeirantes lançou, que é Escola... Como é que a Bandeirantes fala? A Rádio Bandeirantes, né? E essa escola montou o quê? Ela montou um grupo de pessoas, esse grupo de pessoas, a comunidade de Tatuapé... Eu não lembro qual escola. Ela ganhou um concurso da Rádio Bandeirantes porque ela se propôs a fazer um trabalho social com cem pessoas doando sangue para o Hospital Cristo Rei, e era uma doação comunitária, foi umas das... Foi em 2003 que ela ganhou esse concurso da Rádio Bandeirantes.
TROCA DE FITA
R – Então as escolas do Estado, ou da prefeitura, que têm mais atribuição... Que cada comunidade é uma comunidade. Então que nem você colocou, “o que mudou?”, a escola hoje, ela está mais social, mais participativa, e levando os jovens a fazer trabalhos visando comunidades. Já pensou você na sua comunidade, você gerar renda, nesse plano sustentável de renda, de comunidade, vendendo pipas para o comércio na 25 de Março? Existe. Tá sendo agora. Tá acontecendo. É uma forma de você trabalhar a escola melhor. A escola mais social, mais justa. Eu acho isso bacana. Trabalhos comunitários. A festa do São Vito mesmo. A festa de São Vito aqui na Rua do Gasômetro, que sempre eu to lá, parte da verba vai pra entidades. Que a festa do São Vito é um conglomerado de mesas com uma comida italiana. São coisas maravilhosas. Doce e salgado. Então você chega lá, quem já for gordinho, vai ficar mais gordinho ainda. E quem não tiver tendência pra engordar, melhor ainda, porque vai poder comer mais. Aquelas massas, aqueles doces. E eu tenho um intercâmbio cultural com eles. O trabalho que eu faço com eles vai para os painéis, a gente leva. Que eu, como um modesto artesão, eu procuro espaço pra expor os meus trabalhos. E se vocês permitirem, futuramente eu vou trazer alguns painéis pra vocês verem aqui, são painéis luminosos ao Dia das Mães, ao Dia dos Pais, ao melhor do futebol brasileiro, ao melhor da nossa música desde os anos 30, a era do rádio. Então esse Show Doce Criança é um projeto ligado ao tributo, à resgatar aquilo que ficou no passado, mas não como saudosismo, mas sim como reconhecimento, reconhecer o trabalho de cada profissional.
P/2 – Só mais uma coisa, voltando um pouco, você terminou a faculdade de Geografia, começou a exercer como professor, mas você cursou outra faculdade também?
R – É. Eu não cheguei a me formar. Eu sou psicólogo, no terceiro ano eu parei.
P/2 – E por que você escolheu Psicologia assim?
R – É porque tem tudo a ver. Eu sempre gostei de conversar com as pessoas, ir a encontro de jovens, conversando, orientando. Uma vez uma colega falou: “Clóvis, você é psicólogo?”. Eu falei: “Não. Não sou”. Porque é aquela coisa da paciência, porque o psicólogo, ele tem que ouvir. O psicólogo tem que ser um bom ouvinte e depois dar, pra aquele que tá te ouvindo, opções, um leque de opções pra pessoa sair dos problemas. Então já fiz muito disso. Faço isso com os alunos, com os jovens, orientando-os, sempre dando a ele opções: “Olhe, tem vários caminhos, você vai escolher”. E a psicologia, todos nós somos psicólogos. A mãe, quer psicóloga melhor que a mãe? Orientar: “Meu filho...”, de ouvir as crianças. De repente não tem tempo de ouvir porque tá trabalhando, mas a mãe é a principal psicóloga, em minha opinião, da nossa sociedade. Porque o pai, geralmente os pais... Hoje tá mais participativo, mas antigamente os pais ficavam mais ausentes, sobrava tudo pra mãe. Ainda sobra, né? Que essa palavra “mãe”, “mãe é padecer no paraíso”
P/1 – É verdade.
R – E a psicologia tem tudo a ver com a gente no dia a dia, gente.
P/1 – Mas você nunca chegou a trabalhar como psicólogo?
R – Não. Profissionalmente, não. Como Geografia, sim, eu me formei. Agora, Psicologia eu não me formei porque é o seguinte, eu tive que cair na estrada, aí não foi possível. Mas quase que eu me formei em Psicologia. É um campo muito bom de você atuar orientando, falando, mas assim, sempre dando aos jovens opções de soluções. Porque o psicólogo não pode trazer problema, quem traz problema é o paciente.
P/1 – O paciente.
R – Mas eu nunca atuei como profissional. Mas eu uso essa experiência que eu tive nesses três anos pra poder ajudar. To sempre ajudando as meninas, problemas com jovens. Tem uma aluna, que ela tá vinculada a um rapaz que tava no Carandiru, e não consegue esquecê-lo. E esse jovem saiu, ele veio pra mim na escola, eu faço isso na escola, eu converso com ele: “Cara, o negócio é o seguinte, bicho...”. Essa palavra “bicho”, a gente usava muito nos anos 60. Quem começou isso foi o Roberto Carlos, que começou a usar. “Bicho, o negócio é o seguinte, qual é? Você saiu em condicional pra fazer o quê? Pra trabalhar e estudar. Vamos conversar”. A mãe do aluno: “Professor, o tal fulano pode vir conversar com o senhor?” “Pode”. Muito bem. “Não sei se vai resolver falando com a mãe, mas vamos tentar.” Saiu da FEBEM, foi para o Carandiru, o Carandiru acabou, ficou na penitenciária, preso, cheio de problemas. E a psicologia entra nessa parte aí. Eu não sou psicólogo, mas na escola eu converso com eles. Aí eles vêm pra mim... Esse ano foi em março. Março? É. Porque as escolas do Estado, elas estão recebendo alunos em condicional. Saem da FEBEM com 16 anos e vão pra escola, tudo bem, pra estudar e... Só pra estudar. Esse aluno veio pra mim, aí a.... Que eu me dou muito bem com o pessoal da área de apoio da escola. Eu to na escola, eu vejo é tudo, eu ajudo na faxina lá, a gente faz tudo. Como eu não to na sala de aula, então a gente colabora. Biblioteca também. Aí o que acontece? “Clóvis, tem aquele aluno lá, ele tá em condicional da FEBEM.” Aí eu o vi naquele dia lá. Fui lá, me aproximei dele, tem uns que são ariscos, né? Aí eu: “Tudo bem com você?” “Tudo bem”. Peguei na mão dele, aí automaticamente eu falei: “Vem comigo, bicho” “O que foi professor?” – ele já assustou – “Vem comigo. Calma”. Aí entrei... Na escola, a diretora formatou uma sala só pra mim, só para o meu trabalho. To lá. É um estúdio, não é igual a esse daqui, ali entram as oficinas: artes plásticas, de música, de vocal, de percussão. Aí eu mostrei pra ele. E eles gostam de percussão. Eles adoram. É um tantan pra 50 alunos. Que a escola não tem instrumentos, eu que levo. Não tem. O aluno veio pra mim, tal, conversei: “Vamos cantar um pouquinho?”. Aquela voz rouca do aluno, ele pegou no meia-lua, você sabe o que é meia-lua, né? Começou a tocar. Coloquei uma música lá, comecei a tocar, ele comigo. Ele foi se soltando. Ele falou: “Lá na FEBEM não tem nada disso. Tem outro grupo lá que tinha, mas a gente não tinha” “Então, aqui você tá tendo, então você tem que valorizar. Você saiu. Você quer voltar pra lá?” “Não” “Por quê?” “Porque lá não é meu lugar”. Eu falei: “Seu lugar é aqui no meio dos jovens, aqui, aí, tal”. Isso foi em março. Depois nunca mais vi esse aluno. Não sei pra onde ele foi. Mas naquele dia ele gostou, tocou com a gente. Eu o coloquei no meio da molecada lá, a molecada sabe desse fato, uns ficam afastados, outros não. Tocou com a gente, cantou, brincou com a gente, tal, ficou o dia inteiro lá, até acabar o horário de ele ir embora. Depois não vi mais esse aluno. Mas normalmente a psicologia que você falou entra nesse lado, não como psicólogo, mas os três anos que eu estudei valeram como experiência. Foram três anos bonitos também. É no sentido de ajudar. Olha, não é porque eu sou músico, não, mas a música, ela é um bálsamo. A música entra com alegria. E todo espaço que você tiver, você pode usar a música. E com música faz mais fácil. Pra mim é mais fácil.
P/1 – É verdade.
R – Então a psicologia tem a ver com o nosso dia a dia. Aí você vê um jovem na rua, sem pai e sem mãe, quem somos nós pra criticar esse jovem? Você teve um pai, você teve um pai, você teve um pai e a mãe, eu tive. E aqueles que não têm? Nós vamos condená-los? Então tem que... É onde entra a psicologia, no sentido de ajudá-los.
P/1 – Então, Clóvis, você disse que hoje você não tá mais na sala de aula, né?
R – É.
P/1 – Qual é a sua atividade hoje?
R – Eu sou... Eu continuo... Eu to fazendo... Eu não estou mais na sala de aula dando aula de Geografia, eu to fora da sala porque pelo Estado a gente... Eu to como readaptado. O que é isso? É o professor fora da sala de aula. E o professor fora da sala de aula, ele pode entrar com projetos se ele tiver. E aqueles que não têm, vão pra biblioteca, vão pra secretaria da escola. Por quê? Porque são pessoas que enfrentaram no passado problemas orgânicos, saúde. Problemas meus. Então como eu tive vários problemas ligados terríveis com a sinusite, com a gastrite, que eu faço tratamento ainda, continuo fazendo, tenho que fazer, eu to com projeto na escola, são várias oficinas, a sala foi criada pra mim, eu pedi e ela foi feita. Então eu to lá pegando na mão, na mão do seu filho ou da sua filha, ensinando a tocar, cantar, mesmo sem talento. Cantando as músicas antigas, as músicas atuais, cantando Legião, fazendo aulas de vocal, back. Vocês sabem o que é back, né? Fazendo back, aqui antigamente falava de coral, coro. Fazendo arranjos de percussão, oficinas de percussão, encontros de jovens, musicais. Participando de projetos, o Itaú conhece o meu trabalho, mas não quer me patrocinar, eles patrocinam outra divisão de... Que eu não sou ONG, é um trabalho informal. Então esse trabalho é todo dedicado àquilo que eu gosto de fazer. Com as artes plásticas, que vocês viram os painéis, tem os painéis luminosos. Eu sou um tributo ao Tatuapé, à Mooca. Eu pego as fotos desses bairros e coloco em painéis, e coloco em exposição. Eu já tive, há uns oito anos, os meus painéis expostos aqui na Fundação Itaú Social, foi muito bonito, durante um mês. Já fiz exposição na Casa das Rosas, já fiz trabalho com os alunos meus na Casa das Rosas, aqui na
[Avenida]Paulista, 37. Levando os jovens... Eu só não trouxe hoje mesmo porque eu acho que não seria conveniente, talvez, ou também porque nós estamos em férias, e você não acha ninguém, eles estão em recesso, a gente só volta pra sala de aula na terça-feira. Eu volto para o meu trabalho lá e os professores na terça-feira. Mas tudo no sentido de trazer os alunos. Eu tenho dois de rua lá comigo. Não moleques, garotos de rua, que nunca passaram pela FEBEM, mas são problemáticos. Comigo eles estão tocando e cantando. Já os levei pra fazer trabalhos comigo fora, de reportagem musical. Eles tocam bem, tem um que canta bem, canta muito bem e adora samba. Não gosta de black. Tem 18 anos e não gosta de black. E é negro. Não gosta de black, nem de rap. Não gosta. Nem de hip hop. Gosta de samba, gosta de rock. E tá comigo, é um deles. E a psicologia entra nesse lado. Querido, não sou melhor que ninguém, melhor que você, mas a gente tem experiência, então você tem que ouvir, ser bom ouvinte. Ouviu, e atender. Porque você nasceu pra ser gente, você não é melhor que ninguém, nem pior. Então o caminho é esse. Psicologia, o meu projeto fora da sala de aula, tudo isso confirmado pelos painéis. Eu tenho, desses 27 anos de projeto, na sala aula, fora da sala de aula, acho que umas 15 mil fotos. Não deu pra colocar todas em painéis ainda, que é muito caro. Esses painéis saem caros, não é fácil. Fotografar, revelar, ampliar.
P/1 – De onde veio a ideia de fazer esses painéis?
R – Do meu pai.
P/1 – Ah, é?
R – Meu pai é uma pessoa muito... Daqui a pouco você vai ver meu pai fazendo... Meu pai tá fazendo balaustre, uma casinha de... Engraxate foi ele que fez pra mim. E eu o vendo fazer. E é madeira. Eu trabalho com madeira, eu trabalho com... A Casa do Zezinho faz uns painéis bonitos com vitrais, com vidros, e eu to aprendendo a fazer. Lá no metrô... Agora eu esqueço o metrô, gente. A Casa do Zezinho eu tive lá uma vez só, o ano retrasado, e eles fazem vitrais bonitos. O metrô aqui tem todo um trabalho feito só de cacos de cerâmica, aí eles montam painéis com letras. Tá muito bonito também. E tá lá o trabalho feito, Casa do Zezinho, tal, homenageando o metrô acho que Saúde, uma coisa assim. E é uma ONG com mil e 600 alunos. Eu estive lá, fiz um trabalho de percussão com eles, eles gostaram. Ficou da minha volta lá, só que não foi possível ainda. Então esse projeto, ele vem vindo sem eu perceber. Meu pai fazendo aquelas coisinhas, aí eu me lembro da olaria, desmontando aqueles tijolinhos, aquela coisa da manufatura, da criatividade, da paciência, sabe? Entra o psicólogo aí, a psicologia, a paciência. Ali os painéis são luminosos, recebem lâmpadas mesmo, então... E são aquelas lâmpadas piscantes. Trabalho com sequencial de canais, ele pisca, vem piscando, tal. Se vocês permitirem, um dia eu trago aqui. Só painéis grandes que eu faço. Então tem três, quatro, tem uns que têm seis lâmpadas. Tem um que eu montei alusivo a São Miguel Paulista, São Miguel faz aniversário agora em setembro, com as fotos antigas de São Miguel, luminoso, bonito, tal. E vai pra exposição. Tá em exposição, tá em Mogi, tá em Suzano. Aqui em São Paulo é um pouco complicado de você expor, porque eu concorro com excelentes artesãos. Eu to começando, to engatinhando. Dizem que o meu trabalho é bom. Eu nunca falo que ele é bom, quem vê gosta ou não gosta. Mas eu concorro com excelentes artesãos aqui de São Paulo, coisas que tudo você vê na TV Futura, no canal dois. A TV Cultura explora muito isso. As ONGs fazendo trabalhos culturais e de rendimento sustentável para as comunidades. Porque gerar renda para as comunidades... Eu faço parte, aqui em São Paulo, do Clube da Vela, Santo Amaro.
P/1 – Ah, sei qual é.
R – Não estou totalmente inscrito ainda. Eu sou um dos poucos brancos que está lá. É uma consciência negra. Sou consciência negra também, somos tributos às nações indígenas da América do Sul e da América do Norte, sou índio. A pele não revela, mas eu sou índio, eu sou um Navajo. A minha nação é Navajo norte-americana. Porque eu fui buscar isso aí. A pele é branca, mas a essência, o comportamento é indígena, não tem como mudar, porque a gente pensa no outro, no ser humano. Eu to fazendo as coisas, mas pensando na criançada: “Gente, tudo isso aqui vai ficar pra vocês”. Eu tenho alunos meus que já estão fazendo oficinas de percussão nas comunidades vizinhas. O que eu passei é uma coisa... É escada. Como se fala? É um...
P/1 – Um degrau.
R – Um trabalho bola de neve, pra eles ensinarem pra outros, entendeu? Então aquela coisa de paciência de pegar na mão, como tocar. Só não vou ensinar a cantar, que cantar é mais complexo. É porque cantar já é uma coisa um pouco... Bem delicada. Ou você canta bem ou você não canta. O karaokê tá aí pra ver. Vocês cantam em karaokê? É gostoso. Aquelas coisas da família, né? Virou uma coisa familiar. Então tudo entra a psicologia, a paciência, o projeto de muita paciência...Recolher