P/1 - Bom dia, dona Rosa.
R - Bom dia.
P/1 - Por favor, me diga o seu nome completo.
R - Rosa Maria da Felicidade.
P/1 - Local e data de nascimento.
R - Tarumirim, Minas Gerais.
P/1 - Sua data de nascimento, por favor.
R - 14 de outubro de 1957.
P/1 - A senhora tem algum apelido?
R - Tenho. Chininha, Japonesa, Boca Rica.
P/1 - E quem deu esse apelido a você?
R - Alguns colegas, quando eu cheguei aqui no Rio de Janeiro. Aliás, alguns coroas.
P/1 - Por que Chininha?
R - Porque disseram que eu pareço uma “chininha”, uma japonesa.
P/1 - E por que Boca Rica?
R - Por causa do sorriso.
P/1 - Ah, o sorriso! A senhora é muito simpática.
R - Obrigada.
P/1 - O nome do pai e da mãe, por favor.
R - Pedro de Aquino Batista e Ilda Maria de Oliveira.
P/1 - Origem dos pais e qual a atividade profissional?
R - Meus pais nasceram em Minas Gerais, cidade de Tarumirim.
P/1 - E qual a atividade?
R - Meu pai era fazendeiro e minha mãe trabalhava com ele.
P/1 - Fazendeiros? Criavam...?
R - Meu pai tinha uma fazenda que produzia de tudo.
P/1 - Por exemplo?
R - Alimento...
P/1 - Fazia plantações?
R - Arroz, feijão, milho, trigo... gados.
P/1 - O nome dos seus avós maternos e paternos, a senhora se lembra?
R - Bom, dos meus avós maternos eu me lembro. Era Argentino Oliveira e Bárbara Maria de Oliveira. Agora, paterno eu não me lembro porque eu não fui criada pelo meu pai.
P/1 - Seu pai não te criou? O que aconteceu?
R - Não, ele abandonou a minha mãe quando eu tinha mais ou menos uns cinco anos de idade. Os outros irmãos meus eram menores ainda.
P/1 - E isso influenciou na sua criação?
R - Bastante.
P/1 - Em que sentido?
R - Em todos os sentidos.
P/1 - Você falou que tinha cinco anos na época?
R - Eu tinha cinco anos.
P/1 - E a origem dos seus avós?
R - Minha avó era índia e meu avô português.
P/1 - Eles se encontraram no Brasil?
R - Aqui no Brasil.
P/1 - Qual a...
Continuar leituraP/1 - Bom dia, dona Rosa.
R - Bom dia.
P/1 - Por favor, me diga o seu nome completo.
R - Rosa Maria da Felicidade.
P/1 - Local e data de nascimento.
R - Tarumirim, Minas Gerais.
P/1 - Sua data de nascimento, por favor.
R - 14 de outubro de 1957.
P/1 - A senhora tem algum apelido?
R - Tenho. Chininha, Japonesa, Boca Rica.
P/1 - E quem deu esse apelido a você?
R - Alguns colegas, quando eu cheguei aqui no Rio de Janeiro. Aliás, alguns coroas.
P/1 - Por que Chininha?
R - Porque disseram que eu pareço uma “chininha”, uma japonesa.
P/1 - E por que Boca Rica?
R - Por causa do sorriso.
P/1 - Ah, o sorriso! A senhora é muito simpática.
R - Obrigada.
P/1 - O nome do pai e da mãe, por favor.
R - Pedro de Aquino Batista e Ilda Maria de Oliveira.
P/1 - Origem dos pais e qual a atividade profissional?
R - Meus pais nasceram em Minas Gerais, cidade de Tarumirim.
P/1 - E qual a atividade?
R - Meu pai era fazendeiro e minha mãe trabalhava com ele.
P/1 - Fazendeiros? Criavam...?
R - Meu pai tinha uma fazenda que produzia de tudo.
P/1 - Por exemplo?
R - Alimento...
P/1 - Fazia plantações?
R - Arroz, feijão, milho, trigo... gados.
P/1 - O nome dos seus avós maternos e paternos, a senhora se lembra?
R - Bom, dos meus avós maternos eu me lembro. Era Argentino Oliveira e Bárbara Maria de Oliveira. Agora, paterno eu não me lembro porque eu não fui criada pelo meu pai.
P/1 - Seu pai não te criou? O que aconteceu?
R - Não, ele abandonou a minha mãe quando eu tinha mais ou menos uns cinco anos de idade. Os outros irmãos meus eram menores ainda.
P/1 - E isso influenciou na sua criação?
R - Bastante.
P/1 - Em que sentido?
R - Em todos os sentidos.
P/1 - Você falou que tinha cinco anos na época?
R - Eu tinha cinco anos.
P/1 - E a origem dos seus avós?
R - Minha avó era índia e meu avô português.
P/1 - Eles se encontraram no Brasil?
R - Aqui no Brasil.
P/1 - Qual a atividade profissional dos seus avós?
R - Eram fazendeiros também.
P/1 - Também em Minas Gerais?
R - Em Minas Gerais.
P/1 - Tem irmãos?
R - Tenho.
P/1 - Quantos são?
R - 20.
P/1 - 20?
R - Por parte de pai.
P/1 - Por que? Sua família é maior?
R - É, meu pai teve três esposas.
P/1 - Você lembra quantos filhos no total o seu pai tem?
R - 20.
P/1 - O total é 20?
R - O total é 20, que eu saiba.
P/1 - Você lembra o nome deles?
R - Não, só dos que convivem comigo, que são da minha mãe.
P/1 - Pode falar o nome deles, por favor?
R – Adão de Oliveira, Eva Maria de Oliveira, José de Oliveira e Geraldo de Oliveira.
P/1 - A religião da sua família?
R - Fomos criados na Igreja Católica.
P/1 - Você a mantém até hoje?
R - Não.
P/1 - Não mantém? Qual a sua religião hoje?
R - Hoje eu frequento a Igreja Batista.
P/1 - Você é praticante?
R - Mais ou menos.
P/1 - Seus avós moram...
R - Não, eles morreram há muitos anos.
P/1 - Mas moraram, vieram também...?
R - Não, nunca saíram do interior.
P/1 - Você é casada?
R - Sou casada.
P/1 - Pode dizer o nome do seu marido, por favor?
R - José Antônio da Felicidade.
P/1 - Quantos anos?
R - 52 anos.
P/1 - A idade dele? Mas há quantos anos você são casados?
R - Há 28 anos.
P/1 - Tiveram quantos filhos?
R - Três.
P/1 - Pode dizer o nome dos seus filhos e a idade, por favor?
R - Raphael Oliveira da Felicidade, 27 anos; Isa Oliveira da Felicidade Silva, porque é casada, 23 anos; e a caçula 21 anos, Tatiana Oliveira da Felicidade.
P/1 - Sua filha é casada?
R - Os dois mais velhos são casados.
P/1 - E já têm filhos?
R - Têm. Tenho duas netinhas.
P/1 - Já é avó? Tão nova, avó? Vamos falar um pouquinho da sua infância agora? Descreva a rua e o bairro em que você morava.
R - Quando era criança?
P/1 - Na sua infância.
R - Bom, eu morava numa cidade do interior, uma cidade pacata, muito calma, eu vivi lá até a idade de 11 anos. Não tenho boas recordações porque eu sofri muito lá, exatamente por não ter pai. Eu tinha que ajudar minha mãe a cuidar dos meus irmãos, porque minha mãe trabalhava fora. Ela ia trabalhar nas fazendas e eu ficava cuidando deles.
P/1 - Você cuidava dos seus irmãos? Com quantos anos?
R - Cuidava. Eu tinha sete anos quando minha mãe saía para trabalhar e eu ficava cuidando deles. Ela passava até três dias fora de casa.
P/1 - Ela trabalhava fora?
R - Trabalhava nas fazendas perto, então eu ficava cuidando dos meus irmãos. E tinha uma vizinha que corria o olho na gente.
P/1 - E isso influenciou na sua formação?
R - Influenciou em tudo, porque eu nunca tive chance de estudar, fiquei até o segundo ano só. Parei de estudar eu devia ter uns dez anos de idade. Até hoje não consegui voltar às escolas. E vim para cá com 11 anos de idade.
P/1 - Veio para cá?
R - Para o Rio de Janeiro com 11 anos de idade.
P/1 - Diretamente para o Morro dos Prazeres?
R - Diretamente para o Morro dos Prazeres. Eu já tinha uma tia que morava aqui.
P/1 - Descreva a casa de sua infância.
R - Era uma casa simples, bem simples, casa de veraneio, sem nada dentro.
P/1 - Quantos cômodos?
R - Três cômodos: sala, cozinha, quarto. Não tinha banheiro, naquela época as casas...
P/1 - E como fazia?
R - Ah, eu nem lembro direito. Que fazia, se fazia, agora como...
P/1 - Qual era as suas brincadeiras favoritas na época?
R - Eu gostava muito de brincar com barro, fazer panelas, pratinhos, colheres. A gente fazia com água e botava no sol para secar.
P/1 - Alguém te ensinou a fazer essas brincadeiras?
R - Não, a gente mesmo fazia, era da gente mesmo.
P/1 - Descreva o cotidiano na sua casa. O que você fazia no dia a dia lá?
R - Bom, eu levantava de manhã. Já que eu estou no Morro dos Prazeres eu posso fazer uma comparação. Eu subia um morro mais ou menos dessa altura, virava, para carregar lenha.
P/1 - E lá era alto?
R – [Vou] Fazer a mesma comparação com o Morro dos Prazeres. Era um lugar bem alto, era um morro, uma subida. A gente subia, ia eu e meu irmão mais velho e a gente carregava lenha. E essa lenha a gente chegava em casa, minha mãe picava, cortava aliás, e vendia. E com esse dinheiro ela comprava alimentos para a gente, como arroz, feijão. A gente usava a lenha para cozinhar e o que sobrava, minha mãe vendia. E com esse dinheiro que ela arrecadava ela comprava alimentos para a gente, como arroz, feijão, fubá.
P/1 - Como se fosse uma pensão hoje?
R - Como se você tivesse uma tendinha e vendesse um doce.
P/1 - Teve educação religiosa ou política?
R - Não. A gente frequentava a igreja por frequentar, não tinha...
P/1 - Vamos falar agora da sua juventude. A gente falou da infância, agora a juventude. Tinha grupo de amigos?
R - Quando eu era jovem? Tinha. Tinha um grupinho, apesar de que eu era muito vigiada pela minha mãe, mas eu tinha um grupinho de colegas.
P/1 - Quem era?
R - Ah, não me lembro mais não. Pelo menos não me lembro direito do nome deles.
P/1 - Que locais você frequentava, por exemplo bailes...?
R - Não, nunca fui ao baile.
P/1 - Samba?
R - Não.
P/1 - Qual era sua brincadeira preferida?
R - Quando eu cheguei aqui, com 11 anos de idade, eu já tive que começar a trabalhar. Então com 11 anos eu já trabalhava em casa de família, eu já era babá. Então eu não tive esse tempo de ir para discoteca, baile, pagode. Eu só trabalhava. Aos finais de semana eu vinha para casa, ficava com minha mãe, meus irmãos, no domingo à noite eu voltava para o trabalho. Isso foi até eu completar 15 anos.
P/1 - Você conheceu o seu esposo já no Rio de Janeiro?
R - Foi. Aqui mesmo no Morro dos Prazeres.
P/1 - Como você conheceu o seu esposo?
R - Eu tinha vindo do serviço, era a minha folga, e ele morava ao lado da minha casa. Foi amor à primeira vista e ele foi meu primeiro namorado. Casei com ele e estou casada até hoje.
P/1 - E aí vieram três lindos filhos...
R - Meus três filhos e hoje as minhas duas netas. Apesar de que a minha filha caçula nasceu com paralisia cerebral. É uma criança que requer muito cuidado, muita atenção e todo o tempo para ela.
P/1 - Ela tem 21 anos já?
R - 21 anos.
P/1 - Descreva o seu casamento. Como foi o seu casamento?
R - Eu casei aqui mesmo em Santa Tereza, na Matriz de Santa Tereza, foi um casamento bonito...
P/1 - Teve muitos convidados?
R - Teve bastante convidados.
P/1 - E você tem boas recordações do seu casamento, algum momento especial que te marcou?
R - Bom, tudo marcou.
P/1 - Tudo foi especial?
R - Tudo foi especial.
P/1 - Segundo a sua explanação você começou a trabalhar com 11 anos.
R - Com 11 anos de idade, aqui. Eu já trabalhava no interior com sete. Quando cheguei aqui, a rotina continuou a mesma, porque eu tinha que ajudar a minha mãe a cuidar dos meus irmãos.
P/1 - O seu primeiro emprego foi o quê?
R - Babá.
P/1 - Com 11 anos?
R - Com 11 anos de idade eu era babá; com 12 ou 13 eu já era dona de casa mesmo, já fazia comida, já lavava roupa, já fazia tudo.
P/1 - Então, a sua expectativa de carreira profissional foi...
R - Não tive oportunidade, eu não curti a minha adolescência, porque com 16 anos também eu me casei, aí já tive que cuidar da minha casa, logo depois cuidar dos meus filhos, e até hoje eu estou nessa luta.
P/1 - Esse tipo de trabalho, você já tinha uma certa familiaridade porque você já praticava esse trabalho lá, né?
R - Exatamente.
P/1 - Fala um pouquinho desse tipo de trabalho. Qual foi o primeiro trabalho de babá que você fez, se a criança existe até hoje, se ela está bem.
R - Olha, eu não sei se essa criança existe. Foi aqui no Rio Comprido, ao lado de um grande hospital, que é o Salles Neto. Como isso já tem mais de 33 anos, eu não sei se essa criança existe, se esse pessoal ainda existe. Eu não tive mais contato. Porque depois desse, eu passei em mais pelo menos uns dez empregos ou mais. Então o que ficou para trás eu não me lembro.
P/1 - Mas a gente percebe na sua explanação que você aprendeu com a vida. Me diz um pouquinho como aprendeu a fazer esse trabalho e se você teve algum aprendizado especial.
R - Não, eu aprendi com a necessidade mesmo. A necessidade ensina muita coisa.
P/1 - Você tinha salário na época? A renda era suficiente para ajudar a sua família?
R - Não era suficiente, mas ajudava muito. Na época eu devia ganhar o quê? Eu lembro do meu primeiro pagamento, foi uma moedinha... eu não lembro nem como se chamava, mas hoje corresponderia a dez centavos. Era uma moeda. Na época eu não me lembro qual era o nome do dinheiro, mas corresponderia hoje a dez centavos.
P/1 - Mas com esses dez centavos sua mãe comprava...?
R - Minha mãe comprava arroz, feijão, comprava bastante mantimento para os meus irmãos, que eu no caso nem comia em casa. Dava para ajudar bastante.
P/1 - Nessa época alguém mais na família trabalhava?
R - Minha mãe trabalhava fora e meus irmãos faziam carreto na feira, o mais velho, porque os outros eram pequenos.
P/1 - Carreto na feira já no Rio de Janeiro?
R - É, aqui no Rio de Janeiro. De 11 anos para cá eu já estava aqui.
P/1 - Só me responde uma pergunta que ficou para trás. Você é a irmã mais velha?
R - Das mulheres, sou.
P/1 - A chegada no Morro dos Prazeres... Qual foi sua data de chegada no Morro dos Prazeres?
R - Em 1970.
P/1 - Por que veio se estabelecer no Morro dos Prazeres?
R - Quando a gente veio para cá, foi exatamente o que eu já tinha falado. Como meu pai tinha se separado da minha mãe, a gente estava passando muita necessidade lá, estava passando até fome mesmo. Aí minha mãe veio tentar a sorte aqui, já que uma irmã dela vivia aqui.
P/1 - Ela tinha uma irmã morando aqui. Qual foi sua primeira impressão assim que chegou no Morro dos Prazeres, aquele morro lindo e maravilhoso?
R - Olha, eu posso dizer que quando eu cheguei no Rio eu nunca tinha visto tanta luz na minha vida.
P/1 - Chegou à noite?
R - Chegamos às quatro horas da manhã. Então a entrada que chega ao Rio de Janeiro foi a coisa mais bela que eu já vi na minha vida, que eu nunca vou esquecer. Minha mãe acordou a gente para a gente ver, chegamos aqui no Morro de noite. Não tinha muito para ver, só casas, uma trepada em cima da outra.
P/1 - Sua primeira impressão foi com a luz?
R - A primeira impressão minha foi com a luz, uma coisa bela, a coisa mais bela que eu já vi na minha vida.
P/1 - Você lembra aonde você foi morar e com quem?
R - A gente já veio direto aqui para o Morro dos Prazeres e veio morar na casa dessa tia.
P/1 - Qual o nome dessa tia?
R - É Ivanilda Maria de Oliveira, irmã da minha mãe.
P/1 - Então vocês já tinham ouvido falar do Morro dos Prazeres?
R - Não. Minha mãe sabia, a gente não sabia. A gente sabia que vinha para cá, para o Rio. A gente ficou super feliz, mas não sabia para onde ia, onde ia chegar. E viemos para a casa dela, moramos na casa dela algum tempo até minha mãe poder alugar um quarto para a gente morar, aí ela alugou um quarto para a gente aqui no Morro. Mas chegou uma época que ela não tinha nem condições de pagar o aluguel do quarto, porque em casa quem trabalhava era só eu, ela e um dos meus irmãos que fazia carreto na feira. E o que ganhava era muito pouco. Ou a gente pagava aluguel ou comprava alimentos. E eu trabalhava já fora, eu só vinha para casa aos finais de semana. E foi assim que a gente chegou aqui no Morro dos Prazeres.
P/1 - Com 11 anos você já trabalhava fora?
R - Já trabalhava fora.
P/1 - E dormia no emprego?
R - Dormia no emprego, só vinha para casa de 15 em 15 dias.
P/1 - E na sua bagagem, o que você trouxe com você?
R - A nossa bagagem coube tudo dentro de um saco, tanto minha, da minha mãe e dos meus três irmãos. Coube tudo dentro de um saco.
P/1 - E qual foi o transporte que trouxe vocês?
R - Nós viemos de ônibus.
P/1 - Quantas horas de viagem?
R - Da minha cidade à aqui levou umas 12 horas de viagem.
P/1 - Teve dificuldade de se adaptar no Morro dos Prazeres?
R - Não.
P/1 - Foi fácil?
R - Foi fácil.
P/1 - Por quem foi recebido?
R - Ah, a gente entrou aqui no morro às cinco horas da manhã e batemos direto na casa da minha tia, só com o endereço.
P/1 - Você sabe o endereço da sua tia?
R - Sei, ela mora aqui em baixo no Escondidinho...
P/1 - Escondidinho?
R - É, aqui no Morro dos Prazeres, em baixo, na parte de baixo. Só que eu não me lembro mais o nome da rua, porque ela não mora mais aqui, ela já se mudou daqui. Mas foi aí embaixo, no Escondidinho.
P/1 - Ela está viva até hoje?
R - Está viva até hoje. Ela mora em outra favela.
P/1 - Qual o nome da sua tia?
R - Eu já tinha te dado. Ivanilda Maria de Oliveira, já dei o nome.
P/1 - Quando você chegou à comunidade como ela era chamada e conhecida pelos moradores?
R - Ah, já era Morro dos Prazeres, pelo menos o que eu me lembro. A parte de baixo, que eu vim morar na parte de baixo, logo nos dois meses, era o Escondidinho, e logo depois viemos aqui para a parte de cima, que é considerada a Barreira.
P/1 - Então quando você veio para cá você foi direto para o Morro do Escondidinho. Na época já era Morro do Escondidinho?
R - Já era Morro do Escondidinho, como é até hoje.
P/1 - E depois você se mudou para o Morro dos Prazeres?
R - Não. O Morro dos Prazeres e o Escondidinho é um morro só, só que tem essa divisão, a parte de baixo tem um nome e a parte de cima tem outro. Agora se existe nome de ruas lá embaixo diferente eu não sei. Mas o Morro dos Prazeres e o Escondidinho é uma coisa só.
P/1 - Seria um complexo?
R - É.
P/1 - Vamos falar um pouquinho da vizinhança no Morro dos Prazeres. Quando você chegou, quem eram as pessoas que viviam e trabalhavam no morro?
R - Não lembro. Todo mundo trabalhava, todo mundo era carente e precisava de trabalhar. Trabalhava para sobreviver.
P/1 - Se ajudavam?
R - É, ajudava sim. Porque a gente foi muito ajudado. Como quando a gente chegou não tinha nada, quando alugamos o nosso primeiro quarto, a gente ganhou cama, ganhou um armarinho tipo um camiseiro para guardar louça. O nosso primeiro fogão foi um “fogão jacaré”, de uma boca. Então, quer dizer, muita gente realmente ajudou a gente na época que a gente chegou aqui.
P/1 - Quando você chegou aqui no Morro dos Prazeres já havia parte elétrica, iluminação e água?
R - Em algumas casas existia água, como existia luz. A Light, quem tinha condições ia lá, pedia à Light a luz, ela vinha, instalava um relógio na casa. E como outros moradores não podiam fazer isso, aí aquela pessoa que estava com o relógio, ela distribuía bico e cobrava, bico de luz das pessoas.
P/1 - Era cobrado?
R - Era cobrado. E eu, como a gente não tinha nem água nem luz em casa, tinha uma bica aqui chamada bicão, a gente carregava água dali, eu carregava água.
P/1 - Onde era o bicão?
R - Aqui, eu não sei como é que chama essa parte de baixo agora, mas aqui em frente ao falecido Zé Mineiro, que já faleceu. Tinha uma birosca ali, em frente à birosca dele tinha uma bica. Essa bica era para abastecer os moradores que não tinham água dentro de casa.
P/1 - Então hoje é a chamada [rua] Gomes Lopes?
R - Hoje é chamada rua Gomes Lopes. Não, ela já chamava rua Gomes Lopes, só que naquele trecho ali nós conhecíamos como “bicão”, por causa da bica. Então foi colocado esse nome. "Ah, fulano, vai ali, pega um galão de água ali no bicão para mim?"
P/1 - E esse Zé Mineiro, ele está vivo até hoje?
R - Não, ele já faleceu.
P/1 - Faz muito tempo que ele faleceu?
R - É, faleceu deve ter mais ou menos uns cinco anos.
P/1 - Essas pessoas que moravam no Morro dos Prazeres, você se recorda qual era a origem dessas pessoas, se eram cariocas...?
R - Não, eram mineiras. Pelo menos o Zé Mineiro era uma pessoa mineira. Foi uma pessoa que ajudou muito a gente, a família dele quase toda ainda mora aqui no Morro dos Prazeres. Aqui logo acima da Associação mora o Paulo, que era irmão dele. Então, quer dizer, as famílias são todas de Minas.
P/1 - Ah, então ainda tem família aqui?
R - Tem, muita gente, tem muitos irmãos aqui ainda.
P/1 - E como era o relacionamento entre vizinhos?
R - Era bom.
P/1 - Tinha algum local de encontro e convívio da comunidade?
R - Não.
P/1 - Como não?
R - Nessa época não. Nessa época ainda a Associação era uma coisa muito precária. Poucas pessoas faziam parte da Associação de moradores.
P/1 - Havia dificuldade entre diferentes grupos ou na época não havia?
R - Em que sentido você pergunta?
P/1 - Entre grupos, pessoas pensando diferente, com idéias diferentes. Havia alguma dificuldade no relacionamento?
R – Não. Que eu saiba não.
P/1 - As pessoas participavam de festas e rituais comuns?
R - Não.
P/1 - Festas? Não havia festas na comunidade?
R - De vez em quando havia uma festa ou outra, mas eu não me lembro disso direito, porque...
P/1 - Não se recorda se havia participação da comunidade nessas festas?
R - Não. Alguns anos depois houve sim, houve até Escola de Samba aqui em cima, um grupo de sambistas que descia na avenida. Mas isso foi pouco tempo, depois acabou.
P/1 - Escola de Samba?
R - Não chega a ser uma escola. Um grupo que descia, que disputava troféu. Houve sim, mas foi bem...
P/1 - Sabe o tempo que durou esse grupo, se ele existe até hoje?
R - Não. Existir até hoje não existe. Acabou há muitos anos e deve ter durado uns dois, três anos só. Foi uma coisa que não foi para frente.
P/1 - Você em particular se ligou a alguma instituição social, recreativa ou religiosa ao chegar no Morro dos Prazeres?
R - Não.
P/1 - Havia chegadas frequentes de novos moradores?
R - Havia.
P/1 - Eram migrantes de outros Estados?
R - De Minas, do Norte, chegavam muitas pessoas.
P/1 - Como eles eram recebidos?
R - Normal. Chegavam aqui procurando moradia, tinha sempre uma casa disponível para vender ou para alugar, eles iam ficando. Ou algum parente já residia aqui.
P/1 - Mas nessa época havia muitas casas ou tinha terrenos vazios?
R - Tinha muitos terrenos vazios e tinha bastante casas.
P/1 - E como eles faziam? Eles compravam a casa ou construíam a casa?
R - A maior parte chegava de aluguel. Se saía da cidade era porque estava passando necessidade. Então chegava aqui, alugava, começava a trabalhar, com o tempo comprava do vizinho um pedacinho do espaço ali e construía um barraco. E ia ficando, atrás dele vinha mais um outro irmão, vinha mais um tio.
P/1 - A família toda no Morro dos Prazeres.
R - Ficava todo mundo aqui.
P/1 - E era fácil arrumar trabalho na época?
R - Era bem mais fácil do que agora. Tanto que pelo menos eu... acabou que meus tios tudo vieram parar aqui no Morro dos Prazeres. Eram três irmãos da minha mãe e quatro irmãs. Vieram morar tudo aqui.
P/1 - E qual era a mão-de-obra mais frequente naquela época?
R - Pedreiro.
P/1 - Construção civil, pedreiro, ajudante?
R - Isso aí.
P/1 - Vamos falar um pouquinho do bairro de Santa Tereza. Quais são as suas lembranças do bairro de Santa Tereza na época?
R - Eu me lembro muito do bondinho, que era bem mais bondinho.
P/1 - Em mais quantidade?
R - Mais quantidade de bondinho que carro, menos ônibus. Tinha bem menos ônibus, tinha mais bondinho. A maioria das pessoas, como eu mesma andei muitas vezes de carona, pendurada.
P/1 - Você pode andar pendurada no bondinho?
R - Poder não pode. Mas se você quer descer para trabalhar e não tem o dinheiro da passagem, porque o que ganha é pouco, então você acaba indo pendurado e acaba até sofrendo acidente, que muitas pessoas já sofreram acidente...
P/1 - Já houve acidente?
R - Já houve vários acidentes.
P/1 - Você lembra de algum que você poderia narrar para a gente?
R - O último foi uma vizinha minha que foi pegar o filho na escola e estava pendurada. E veio o ônibus e prensou ela no bonde. Isso deve ter mais ou menos uns quatro anos.
P/1 - Mas ela veio a falecer?
R - Ela faleceu na hora.
P/1 - E a sua reação? Como é que você ficou sabendo dessa história?
R - A gente ficou sabendo pelos amigos, pelos vizinhos. Todo mundo ficou muito triste pelo fim dela, que ela era uma pessoa muito trabalhadeira, muito lutadora. Mas nem por isso as pessoas deixaram de continuar andando pendurado.
P/1 - Você frequentava as instituições de bairro, escola, agremiações, clubes?
R - Não.
P/1 - O que não havia no seu bairro que você tinha que adquirir em outro bairro?
R - Não havia e não tem ainda, que seria uma farmácia, um cinema, um hospital público. A única coisa que existe é um posto de saúde que é bem distante e não tem condições de atender todo mundo de Santa Tereza. Então a maior parte das pessoas tem que procurar médico lá fora.
P/1 - Então cinema seria ideal.
R - Cinema, um açougue, uma farmácia, que se a gente quiser um remédio temos que descer lá embaixo atrás de um.
P/1 - Na época quais eram os meios de transporte?
R - Era o bonde e o ônibus.
P/1 - E esse bonde, ele tinha uma certa frequência para passar? Ele tinha horário marcado? Era difícil?
R - Não, era horário marcado e bem difícil.
P/1 - E os ônibus?
R - Era pior ainda.
P/1 - Por que pior?
R - Era pior porque havia pouco ônibus e se você não chegasse no ponto meia-hora antes ou uma hora antes você não conseguia chegar no serviço a tempo.
P/1 - Me fala um pouquinho desse bondinho aí de Santa Tereza.
R - O bondinho é uma coisa bonita, legal, aqui para cima, que deve ser preservado.
P/1 - E ele existe há muito tempo?
R - Pelo menos quando eu vim para cá ele já existia. E já tem 32 anos que eu moro aqui, quer dizer, ele continua existindo, precariamente, mas existe ainda.
P/1 - E você anda muito de bondinho?
R - Raramente, porque eu não tenho muito tempo mais de sair. Mas na época da minha juventude eu andei muito.
P/1 - Descreva a mudança no seu bairro.
R - Olha, Santa Tereza era um lugar muito bonito, cresceu muito, valorizou muito como imóvel, não dentro da favela, fora da favela. Se tornou um bairro turístico.
P/1 - Turístico e cresceu muito, na sua opinião?
R - Cresceu muito, na minha opinião.
P/1 - Lembra de fatos ou questões marcantes na região?
R - Não, o único fato que marcou bastante foi um acidente no bonde. Nesse dia eu ia levar minha filha para tomar vacina e minha cunhada ia junto comigo. Só que como eu acordei atrasada eu parei para dar mamadeira e minha cunhada desceu na frente. Eu dei o cartão e pedi a ela para pegar o número para mim. Quando eu estava saindo na porta chegou meu cunhado, [dizendo] que o bonde que eu ia descer e que a minha cunhada desceu tinha descarrilado e minha cunhada estava muito ruim no hospital, os meus dois sobrinhos...
P/1 - Como você recebeu essa notícia?
R - Ah, foi um choque muito grande. E na mesma hora eu parei para pensar... o choque foi tão grande. Que eu ia estar naquele bonde, mas por algum motivo eu me atrasei. E até hoje meu sobrinho está com problema na perna por causa desse acidente. Ninguém nunca foi indenizado.
P/1 - Tem dificuldade em caminhar?
R - Não, ele não tem dificuldade em caminhar, mas ele ficou com... por ele ter feito várias cirurgias corretivas, ele ficou com o pé muito alto. Ele tem que fazer uma cirurgia para...
P/1 - Você falou indenizado. Vocês procuraram...?
R - É, porque na época houve muitos advogados para poder ver isso, e foi enrolando, enrolando, e foram muito poucas pessoas que conseguiram essa indenização.
P/1 - Você lembra de presença estrangeira no bairro?
R - Ah, muitas vezes. Muitas vezes teve estrangeiro, até hoje.
P/1 - Mas da onde? De que país?
R - De vários países. Quase todos. Nunca vi aqui é japonês, mas de outros países eu já vi.
P/1 - É uma presença constante.
R - Uma presença constante, está sempre visitando aqui, sempre olhando.
P/1 - Vamos voltar agora então para dentro do Morro dos Prazeres? Vamos falar das moradias? Quem construiu a sua residência?
R - Olha, a minha residência, logo quando eu estava pretendendo me casar, essa casa ao lado da minha casa, que era a casa da minha mãe, estava à venda. E a gente comprou essa casa, que era uma casa de dois cômodos e uma areazinha. Com o tempo a gente construiu.
P/1 - Quem morava na casa na época?
R - Eu não me lembro mais do senhor, pelo menos dos nomes deles. Eu lembro da família, era uma família grande que morava ali dentro, vieram para o Estado do Rio, era um pessoal do Nordeste, mas eu não lembro para onde eles mudaram e nem o nome deles mais.
P/1 - E essa casa quando você comprou tinha muitos cômodos?
R - Não, tinha dois cômodos, uma sala e um quintal muito grande, um terreno muito grande em volta que pertencia à casa. E a parte de baixo do terreno, bem no cantinho, existia uma casinha de madeira com dois cômodos.
P/1 - Era muito diferente da casa da sua origem?
R - Era bem diferente.
P/1 - Em que sentido? Era grande?
R - Não, era uma casa diferente. É diferente, casa do interior para casa daqui há muita diferença.
P/1- Essa sua casa quando você chegou ainda existe?
R - Existe, ao lado da minha casa ainda, continua sendo ao lado da minha casa.
P/1 - Houve muitas modificações?
R - Não, essa casa que eu construí, essa que havia do lado de baixo, que era uma casa de dois cômodos, moravam duas famílias. Era um cercado meu, e quando eu devia ter mais ou menos os meus 17 anos.
P/1 - Você morou em outro endereço que não fosse a sua casa de hoje?
R - Não.
P/1 - Havia vendedores ambulantes no Morro dos Prazeres?
R - Que eu me lembre não.
P/1 - Lembra-se das rezadeiras?
R - Algumas.
P/1 - Sabe dizer o nome de alguma delas?
R - Não, não sei. As rezadeiras que rezavam mau olhado, quebrante, a única coisa que eu me lembro.
P/1 - Mas havia muitas?
R - Umas duas ou três.
P/1 - Próximo à sua casa?
R - Não, bem distante.
P/1 - Lembra-se das lavadeiras?
R - Muitas. Não lembro do nome. Mas todo mundo aqui era considerada lavadeira, porque tinha que ir daqui lá no bombeiro, que era distante, porque, como eu mesmo já tinha dito, a água aqui entrava clandestina, não entrava todo dia. Nem todo mundo tinha caixa d'água, alguns tinham barril, tinha as latas que enchia de água. E quando a água faltava eles iam para o [Morro do] Sumaré, para o (Xororó?), que é aqui em Santa Tereza mesmo, para poder lavar suas roupas, então elas tinham o nome de lavadeiras.
P/1 - Não quer dizer que lavava roupa para fora não?
R - Não, ela lavava para fora e lavava para a família mesmo.
P/1 - Mas o bombeiro é muito distante da sua comunidade?
R - É, o bombeiro, no caso, o Sumaré, é bem distante. Tanto que para eu ir eu só iria de ônibus, porque é uma distância grande.
P/1 - Poderia ir a pé também?
R - Poderia ir a pé sim.
P/1 - Você vinha como? Você trazia água?
R - Trazia água na lata. Eu mesma cansei de carregar água. Eu mesma carreguei água em lata para cá.
P/1 - Mas você trazia água na lata, você vinha de transporte?
R - Não, botava a lata na cabeça e trazia. Era distante, era longe, mas a água era necessária. Era o único lugar que tinha e não tinha aonde buscar.
P/1 - Como o Morro dos Prazeres era conhecido pelos moradores?
R - Olha, cada morador dava o seu nome. O morro era dividido em algumas partes. Tinha o Escondidinho, tinha o Morro dos Paraíbas, tinha a parte do Morro do Mineiro. Eles chamavam Morro do Mineiro porque havia muito mineiro aqui, só que esse nome não prevaleceu. E tinha a parte de cima, que é a colina, que á a Barreira. Então ele era dividido em várias partes.
P/1 - Então na sua época tinha... e hoje continua esse nome?
R - Continua a mesma coisa, não mudou. Só com uma diferença: as ruas hoje têm nome, cada rua tem um nome.
P/1 - Na época não tinha nome?
R - Não tinha nome. Agora as ruas têm nome.
P/1 - E para dar o endereço do Morro dos Prazeres, como é que se dava?
R - A gente dava o endereço da entrada. Que era rua Gomes Lopes [nº] 12, que era o nome de um armazém que tinha logo na entrada do morro. Então a carta ia para lá.
P/1 - As correspondências chegavam direitinho?
R - Chegavam direitinho.
P/1 - E como era feita a distribuição das correspondências?
R - Cada morador que já sabia, passava por lá, que lá era o caminho de todo mundo, e perguntava.
P/1 - Então essa rua é a rua principal da comunidade?
R - É a rua principal da comunidade.
P/1 - E o Morro dos Paraíbas, por que Paraíba?
R - Olha, o que dizem é que daquele lado mora muito “paraíba”, então ficou esse nome. E o pessoal passou a chamar por esse nome. "Ah, eu quero falar com fulano." "Ah, fulano mora no Morro dos Paraíbas." E cada um deu seu nome, e com o tempo pegou, até hoje.
P/1 – Colina também deve ser mais ou menos por aí?
R - A mesma coisa. Colina, Escondidinho, Barreira...
P/1 - Mas por que Colina? Você lembra?
R - Não, eu não lembro o por quê.
P/1 - E a mina?
R - Olha, a mina existia, como eu disse, anterior, que havia uma bica, uma bica de água. E por causa dessa bica de água botaram o nome de mina.
P/1 - Então cada coisa tem um por que?
R - Tem um significado.
P/1 - Vamos falar agora um pouquinho do Casarão do Prazeres? O que você lembra do Casarão?
R - O que eu lembro do Casarão [é] que na época que eu conheci o Casarão, era uma igreja católica. A minha cunhada casou lá. Depois disso virou uma casa de filmagem, foram feitos alguns filmes ali. Depois foi uma escola, a Escola Júlia Lopes [de Almeida], que é aqui de Santa Tereza, foi transferida para ali, porque houve uma reforma lá. Tanto que uma das professoras “vazou” de um andar para outro, porque o Casarão estava muito velho. Depois a igreja... não sei se foi a Assembléia, fez alguns cultos ali um bom tempo. E depois virou moradia de alguns da comunidade, virou até mesmo uma (pensão?) que cada um morava num quarto ali dentro.
P/1 - Você falou que a sua irmã casou ali dentro?
R Não, a minha cunhada casou ali, a irmã do meu marido.
P/1 - Na época desse casamento, você se recorda um pouquinho, era bonito o Casarão? Ele estava em um estado legal?
R - Olha, ele estava em um estado razoável. Não como está agora.
P/1 - Mas na época era uma igreja católica?
R - Não, não era uma igreja, foi servido de igreja. Eu não sei o que era antes, para que ele foi feito. Na época que eu conheci ele era uma igreja, tanto que houve casamento lá.
P/1 - Você frequentava muito o Casarão?
R - Não, não frequentava muito, de vez em quando eu ia. Eu gostava de passear por ali.
P/1 - Você lembra como era chamado o Casarão na época?
R - Casarão mesmo, que eu me lembre. Era o Casarão dos padres, exatamente por ter sido uma igreja.
P/1 - Você lembra dessa igreja? Você frequentou essa igreja muito tempo?
R - Eu cheguei a ir algumas vezes lá, tive no casamento da minha cunhada lá. Mas não durou muito tempo não. Aí saído de lá, aí foi usado para outros fins.
P/1 - Como era visto pela comunidade dos Prazeres o Casarão?
R - Ah, o Casarão era como um prédio comum.
P/1 - A comunidade participava muito desse Casarão?
R - Não. Que eu me lembre não.
P/1 - Você falou até que ele tinha virado escola. Você estudou?
R - Não, não estudei não, mas o meu filho estudou lá. Ele tinha de sete para oito anos, foi quando a Escola Júlia Lopes veio para ali, porque estava em reforma.
P/1 - Ficou muito tempo como escola?
R - Olha, eu não me lembro direito não, mas ficou um bom tempo, mas não chegou acho que a um ano não.
P/1 - Menos de um ano? Você lembra da gravação? Você falou que lá serviu também como local de filmagem. Você lembra?
R - Eu não lembro direito do filme que foi feito lá. Eu sei que foi um filme de terror.
P/1 - Não lembra o nome do filme?
R - Não lembro.
P/1 - Lembra mais ou menos que anos foi filmado?
R - Foi em 1974.
P/1 - Houve participação da comunidade na gravação desse filme?
R - Não, os atores eram atores famosos que estavam ali filmando. A única coisa que os moradores faziam era ir lá para perto para ver. Os únicos “atores” que participaram desse filme foram um gato e um cachorro aqui da favela. E teve outros filmes, mas que não foram filmados lá dentro, foram por perto, não sei se teve participação lá dentro. Mas foi aqui dentro da comunidade.
P/1 - Vamos falar um pouquinho da Associação de Moradores agora então? Por que e como se deu a formação da Samp [Associação de Moradores e Amigos do Morro dos Prazeres]?
R - Olha, pelo pouco que eu me lembro, a Associação era uma casinha muito pequenininha, com dois ou três cômodos, e os moradores precisavam dela para poder organizar as coisas aqui dentro, para os moradores poderem ter uma água, uma luz. Então teria que ter alguém para correr atrás disso.
P/1 - Você participou da formação?
R - Não, mas meu marido participou. Meu marido participou na época da Associação. E foi assim que o pessoal começou a levantar. Só que quando ele veio para trabalhar já tinha passado outras pessoas dentro daquela Associação. Só que com os anos ela foi melhorando, aí começaram a correr atrás de luz, para a gente ter uma luz legal no morro.
P/1 - Você lembra das pessoas envolvidas na formação da Samp?
R - Olha, na época que eu peguei era José Antônio, José Bernardo, “seu” Inácio e uma outra pessoa que eu não consigo lembrar o nome. Foi o que fez parte na época. O falecido Leci, uma pessoa que deu força aqui dentro. Eles começaram a aumentar, ampliar o lugar, porque era muito pequenininha mesmo. E através disso houve creche aqui dentro, uma creche que trabalhou aqui dentro.
P/1 - A criação da Samp ajudou ou interferiu na sua vida comunitária?
R - Não, ela ajudou muitos moradores. Não só a mim, como todos os moradores que pelo menos saíram da época da pedra, que puderam ter uma água em casa, uma luz. Eu acredito que melhorou muito.
P/1 - Aponte diferenças entre a atuação hoje da entidade e anteriormente.
R - Olha, diferença existe. Porque a Associação de antigamente era uma coisa que a comunidade participava. Tanto que quando foi construída não houve pagar pedreiro. A comunidade se uniu e fizeram o trabalho, ganharam o material e a comunidade mesmo levantou a Associação. A diferença é essa, que hoje em dia qualquer coisa que a Associação tiver que fazer ela tem que pagar. E os moradores, o que precisarem da Associação, dependendo do que for, têm que pagar. Então há diferença sim.
P/1 - Já ocupou algum cargo na Associação?
R - Não, mas meu marido foi tesoureiro durante quatro anos da Associação, alguns anos atrás, logo quando começou.
P/1 - Você lembra de alguma atividade desenvolvida pela Associação hoje?
R - Não, acho que não tinha.
P/1 - Eu digo hoje.
R - Hoje em dia existe atividade na Associação, para algumas pessoas, não para a comunidade inteira.
P/1 - A comunidade do Morro dos Prazeres, hoje, como vê a chegada de novos habitantes?
R - Olha, é um chegando e outro saindo, mas sempre cabe alguém.
P/1 - Mas é frequente essa chegada, essa saída?
R - Sim. Tem sempre alguém chegando e alguém saindo.
P/1 - O que mudou no Morro dos Prazeres hoje?
R - A favela Barra que entrou, que fez algumas praças, que deixou sem terminar, uma quadra, um antigo casarão que foi reconstituído, uma creche que começou e não parou. Quer dizer, foram coisas que chegou mas que não terminou.
P/1 - Tem algum motivo para não ter terminado? Você sabe o motivo que levou à paralisação das obras?
R - Olha, o motivo que alegam é que o dinheiro acabou. Mas o que eu acho é que foi muito mal distribuído o dinheiro para a construção.
P/1 - Qual a sua avaliação em relação ao futuro da comunidade dos Prazeres?
R - Olha, futuro tem, só que tem que ser trabalhado em cima disso, para poder melhorar mais ainda.
P/1 - A senhora tem alguma sugestão?
R - Não. Muita coisa tem que ser feita, agora o que, é só procurar que vai achar muita coisa para se fazer.
P/1 - Vamos falar um pouquinho de você novamente, hoje, atual. Qual a sua principal atividade hoje?
R - Hoje em dia a minha atividade é cuidar da minha filha e das minhas netas.
P/1 - O que faz nas horas vagas?
R - Bom, são poucas e as poucas que tenho eu sento para ver televisão, são bem poucas horas vagas que eu tenho.
P/1 - Continua casada?
R - Continuo casada.
P/1 - Seus filhos são nascidos todos no Morro dos Prazeres?
R - Todos no Morro dos Prazeres.
P/1 - E os netos?
R - Também.
P/1 - O que eles fazem?
R - Bom, o meu filho é agente comunitário do Morro.
P/1 - Há muito tempo?
R - Há uns três anos. E minha filha é estudante ainda.
P/1 - O que você acha dessa vista maravilhosa que se tem da cidade do Rio de Janeiro?
R - Eu realmente tinha uma vista muito boa quando eu comprei a minha casa. E havia do lado de baixo um quartinho, dois quartinhos de madeira que morava uma família, com alguns filhos. E eu na época estava casada há pouco tempo, depois de algum tempo pediram para construir no lugar daquela cabanazinha uma capela. E eu cedi o terreno para construir a capela. E por causa disso mais tarde, alguns anos depois tive uma briga muito feia com a igreja, porque eles quiseram construir uma casa de três andares em frente a minha casa.
P/1 - Era seu o terreno?
R - Era meu. A casa foi comprada com o terreno, tanto que era cercado, de madeira. Na época foi dito para a gente que a gente poderia deixar eles construir, que mais tarde se a gente quisesse fazer uma varanda da casa da gente a gente podia puxar as colunas lá de baixo. E quando a gente foi aumentar a nossa casa, que só tinha dois cômodos, não deixaram a gente fazer isso. A gente foi e usou só uma parte pequena que tinha e aumentou a casa. Logo, dez anos depois, a igreja quis levantar mais dois andares em cima da capela.
P/1 - O que você achou disso?
R - Eu briguei muito, discuti muito, teve uma briga, a Associação entrou no meio para poder ver o que poderia fazer. A região administrativa, mas eles não podiam intervir, porque o Morro dos Prazeres não constava como uma coisa reconhecida. Era como se fosse um terreno invadido, não existia em mapa.
P/1- Eles não podiam se meter por isso?
R - Eles não podiam se meter. A única maneira que eu poderia resolver seria ir na delegacia, trazer os policiais aqui, que eles poderiam intervir, ou no caso a Associação poderia intervir. Porque em Santa Tereza não poderia, principalmente no morro não poderia ser construído um prédio acima de seis metros de altura.
P/1 - Qual foi a solução encontrada?
R - A solução foi que na época, pelo que eu senti, pelo que eu vi, houve um abaixo-assinado, as pessoas da igreja mobilizaram o Morro, tanto a parte de cima como a parte de baixo, para as pessoas votarem que a igreja podia continuar, que podia ser levantada. E eu tive que viajar, porque eu tinha recebido a notícia de que meu pai tinha falecido, e eles aproveitaram. Naquela época, quando eu cheguei já estavam, era hora da missa, a reunião já estava convocada para três ou quatro dias depois, e quando descobriram que eu viajei reuniram o pessoal dentro da igreja, tanto que meu marido foi chamado pelo auto-falante da Associação que a reunião ia ser feita naquela hora. Ele achou um absurdo porque já estava marcado. E nessa reunião a Associação na época, eu posso dizer com a boca cheia, levou dinheiro nessa, para poder apoiar eles levantarem. Então, no domingo mesmo, logo depois da missa, alguns dos integrantes da igreja mesmo levantaram a parte de cima da igreja. Quando eu cheguei de Minas, três dias depois, já estava uma boa parte construída pelo próprio pessoal que fez parte da missa. Quer dizer, eu doei um pedaço e acabei me prejudicando. Eu fiquei com uma casa razoavelmente grande, que eu construí com minhas próprias mãos, mas uma casa que não tem ventilação e que não tem como eu ver essa bonita paisagem.
P/1 - A igreja católica?
R - A igreja católica.
P/1 - Sabe _____?
R - Não, na época quem dirigia a igreja era uma irmã chamada Irmã Léia, que foi a que fez acordo. E quando houve esse problema ela não quis aparecer no Morro, alegando doença, uma porção de coisa. A gente pediu que o pessoal da igreja mostrasse um comprovante de que eles eram donos do terreno, de que eles tinham pedido licença para construir.
P/1 - Ela ____ no Morro?
R - Não sei, ela não voltou mais. Houve o problema de que ela estava doente, mas isso é mentira, porque ela está viva até hoje, tanto por aí se vê. Se ela realmente naquela época estivesse doente ela já teria falecido.
P/1- E com certeza essa igreja atrapalhou...
R - Atrapalhou a visão. A minha casa sumiu, ficou atrás da igreja com uma varanda, uma areazinha, fechou, tampou a frente da casa. Quer dizer, eu fui muito prejudicada nessa época, houve muita briga. E o nome da antiga capelinha que foi construída e que a gente cede o terreno era Sagrado Coração de Maria, que eu acredito que até hoje seja.
P/1 - Vamos fazer uma avaliação rápida agora. Se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida o que mudaria?
R - Olha, mudaria muita coisa. Eu acho que eu não teria cedido, apesar da minha pouca idade, porque quando isso aconteceu eu tinha 17 anos, eu não tinha noção do que poderia acontecer mais tarde. Mas se eu pudesse voltar atrás eu não teria cedido o terreno para poder construir a capela.
P/1 - Quais são seus sonhos?
R - Meus sonhos são poucos. Eu tenho vontade de sair daqui, mas não pelo lugar ser ruim não, eu gosto daqui, eu me sinto segura aqui dentro. Mas porque eu queria ter um lugar, uma casa que eu tivesse um quintal grande, que eu pudesse botar minha filha num carrinho e sair para a rua, por ela ser excepcional. Não tem condição de eu sair com ela de casa, porque é muita escada. Acho que o meu sonho seria esse.
P/1 - O que você acha de ter participado do projeto Memória do Casarão e da Comunidade Morro dos Prazeres?
R - Eu acho que foi bom. Além de eu ter falado da minha vida, desabafei algumas coisas que ficam engasgadas durante anos. Foi uma coisa boa.
P/1 - O que acha de ter dado esse depoimento?
R - Ótimo.
P/1 - Vou fazer agora algumas perguntas rápidas. Possui documentação ou fotografia da época?
R - Eu tenho fotos minhas de 14, 15 anos, foto dessa entrada, quando a Associação não existia.
P/1 - Isso muito nos interessa.
R - Só que essas fotos tem eu nela, subindo, do casamento.
P/1 - Cartas ou correspondências entre familiares da época?
R - Isso eu não sei, tenho que olhar, mas provavelmente não.
P/1 - Postais da época?
R - Olha, teria que dar uma olhada boa, porque eu não sei se tem.
P/1 - Depois você me dá um retorno? Dona Rosa, muito obrigado pela entrevista.
R - De nada.
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