Eu era criança quando fui a Pindobaçu, cidade do estado da Bahia, conhecer minha avó Alzira pela primeira vez. Minha mãe havia voltado à visita de fim de ano depois de alguns anos vivendo em São Paulo, me recordo embora só com três anos de idade do cheiro e o gosto do licurí, um coquinho parecido com uma noz que se espalhava por toda a entrada da casa e se misturava entre as folhas de mangueiras e cajueiros. Não me recordava de muita coisa além daquele cheiro e da entrada da casa até que se passaram alguns poucos anos para que eu pudesse voltar e realmente escrever as lembranças no qual hoje fazem parte da minha história e da minha construção como pessoa e a principal responsável é e sempre será Alzira, uma mulher brasileira, nordestina e embora fosse analfabeta era uma das pessoas mais sábias que conheci e tive o privilegio e a honra de chamar de avó.
Alzira me criou, me ensinou a viver e a enfrentar as diversidades da vida com força e coragem. Alzira era filha de um português que segundo a lenda familiar veio fugido de Portugal, alguma ele aprontou por lá, chegando na Bahia conheceu uma africana lá pelos lados de Serrinha, em uma fazenda, mas não temos registro se ela era escravizada, mas minha avó dizia que minha bisavó era filha de uma negra que era escrava. Portanto tudo que sabemos é que o sangue negro africano e português estão presentes na família.
A história
Minha mãe Ivanilde nasceu em Pindobaçu e aos vinte anos veio para São Paulo na década de 60 para trabalhar de doméstica em uma casa de família no bairro nobre de São Paulo. Naquela época com a migração de muitos nordestinos para a capital paulista as condições de trabalho e moradia eram muito difíceis, minha mãe não tinha onde morar, por isto tinha que se submeter a qualquer tipo de trabalho, pois ela não tinha folga nos fins de semana. Cozinhava, lavava, limpava e ainda cuidava das crianças da patroa, dormia em um quartinho nos fundos da casa que...
Continuar leituraEu era criança quando fui a Pindobaçu, cidade do estado da Bahia, conhecer minha avó Alzira pela primeira vez. Minha mãe havia voltado à visita de fim de ano depois de alguns anos vivendo em São Paulo, me recordo embora só com três anos de idade do cheiro e o gosto do licurí, um coquinho parecido com uma noz que se espalhava por toda a entrada da casa e se misturava entre as folhas de mangueiras e cajueiros. Não me recordava de muita coisa além daquele cheiro e da entrada da casa até que se passaram alguns poucos anos para que eu pudesse voltar e realmente escrever as lembranças no qual hoje fazem parte da minha história e da minha construção como pessoa e a principal responsável é e sempre será Alzira, uma mulher brasileira, nordestina e embora fosse analfabeta era uma das pessoas mais sábias que conheci e tive o privilegio e a honra de chamar de avó.
Alzira me criou, me ensinou a viver e a enfrentar as diversidades da vida com força e coragem. Alzira era filha de um português que segundo a lenda familiar veio fugido de Portugal, alguma ele aprontou por lá, chegando na Bahia conheceu uma africana lá pelos lados de Serrinha, em uma fazenda, mas não temos registro se ela era escravizada, mas minha avó dizia que minha bisavó era filha de uma negra que era escrava. Portanto tudo que sabemos é que o sangue negro africano e português estão presentes na família.
A história
Minha mãe Ivanilde nasceu em Pindobaçu e aos vinte anos veio para São Paulo na década de 60 para trabalhar de doméstica em uma casa de família no bairro nobre de São Paulo. Naquela época com a migração de muitos nordestinos para a capital paulista as condições de trabalho e moradia eram muito difíceis, minha mãe não tinha onde morar, por isto tinha que se submeter a qualquer tipo de trabalho, pois ela não tinha folga nos fins de semana. Cozinhava, lavava, limpava e ainda cuidava das crianças da patroa, dormia em um quartinho nos fundos da casa que mal tinha janela, acordava ás 5 da manhã e não tinha hora para dormir, pois o jantar dos patrões não tinha hora certa, ganhava um salário mínimo, mas ela não tinha opção a não ser aceitar já que em Pindobaçu não havia trabalho e com a seca não dava pra sobreviver da roça.
Minha mãe era uma mulher forte, sabia que aquele período era apenas passageiro, relatos de minha tia Lurdes, sua irmã mais velha, que sempre dizia que iria pra São Paulo, encontrar um homem branco pra se casar, por que nunca iria se casar com um homem negro, provavelmente não queria que seus filhos passassem pelo que ela passava, mas não sabemos se ela já tinha consciência do racismo, ou se era por uma questão econômica e social que ela dizia isto.
Em 64 conheceu meu pai Vincenzo Caggiano, operário, serralheiro, europeu italiano, branco e com estabilidade financeira suficiente para tirá-la daquela vida de doméstica que por quatro anos suportou sem reclamar, submissa a seu papel de mulher negra na sociedade brasileira.
Meu pai era serralheiro e embora estivesse apenas poucos anos no Brasil, já possuía casa própria, neste contexto até hoje me pergunto se minha mãe realmente casou com ele por amor, mas isto ela nunca poderá me responder, pois minha mãe faleceu quando eu estava prestes há completar cinco anos.
Nesta época morávamos no Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, era uma casa de dois andares, minha mãe fez um curso de cabeleireira e montou um pequeno salão em casa, ela também foi à primeira mulher da nossa rua a tirar carta de motorista e comprar um carro.
D.Wanda, como era conhecida no bairro, também fez um curso de produção de perucas e começou a fazer suas próprias para esconder seus cabelos, pois não queria ficar esticando no ferro como fazia antigamente. A família do meu pai, todos imigrantes italianos, não gostavam da minha mãe, não por que não tinha estudos, era nordestina ou vinha de família pobre, o único motivo pelo qual não a aceitavam era por ela ser negra.
Com o tempo minha mãe foi galgando a posição de mulher que queria conquistar seu espaço numa sociedade que na realidade a ignorava, mas ela resistia. Entrou em um curso de alfabetização pra adultos e depois tirou sua carta de motorista, comprou seu carro (um fusquinha verde) com o próprio dinheiro, pois meu pai sustentava a casa, mas não era muito lá mão aberta, ela teve que trabalhar muito no salão pra conseguir comprar aquele carro.
Em julho de 74 eu tinha quatro anos e iria fazer cinco anos em agosto, me lembro vagamente de pessoas chorando de um lado pro outro, lembro de um tio me pegando no colo e me dizendo para eu não ficar triste, até hoje não sei se era noite ou dia, o que realmente lembro é do meu pai abraçando meu irmão no corredor e veio em minha direção quando me pegou no colo dizendo que ela tinha ido com o papai do céu ou algo parecido! Eu sabia que minha mãe tinha ido ver a casa da praia que ela estava construindo lá, mas não que tinha ido ver uma casa no céu! Aquilo tudo foi tão confuso e confesso que só depois de alguns anos fui entender realmente o que houve.
Ela pegou o carro sem experiência nenhuma em alta estrada e foi resolver um problema da construção da casa no litoral, chegando ao final da Rodovia Anchieta acho que Pedro Taxi, um caminhão tentou uma ultrapassagem, minha mãe não conseguiu desviar, o carro capotou e ela morreu na hora. Meus irmãos e eu chorávamos todos os dias, querendo sua voz, seu colo, seu cheiro, sua risada alta, sua comida, queríamos nossa mãe! Por que ela? Eu pensava na minha inocência de criança por que não a mãe da Isabel, minha amiguinha? Tinha que ser justo a minha mãe?
Meu pai trabalhava o dia todo e nos deixou no começo aos cuidados de uma mulher que se chamava Mercedes, ela era boazinha no começo até se cansar e começar a bater na gente, me lembro quando ela colocava a mão na minha boca pra eu parar de chorar e dizia que se eu contasse para meu pai eu iria apanhar mais ainda, isto acabou virando rotina comigo e com meus irmãos, até que um dia pra nossa alegria lá se foi Mercedes, mal sabia a gente que ela era fichinha perto das outras que viriam.
Tia Lurdes ia de vez em quando nos visitar, adorávamos quando ela chegava! A gente chorava quando ela ia embora, não podia ficar, pois trabalhava de doméstica em casa de família e só tinha folga um dia a cada quinze, mas é claro que a gente não poderia entender isto e quando ela pegava a bolsa sabíamos: era hora de ela ir, ai a gente a chamava de bruxa, de feia! Tudo por que nós achávamos que ela não queria ficar com a gente, assim como minha mãe também iria embora e não iria voltar mais! Coitada da tia Lurdes, na verdade ela era uma fada e a pessoa mais linda do mundo naquelas poucas horas que ficava com a gente.
Com o tempo meu pai percebeu que não tinha condições de cuidar da gente, ouvindo parentes principalmente meu tio, irmão dele, resolveu me mandar para Pindobaçu na Bahia para os cuidados da minha avó materna e que ficaria apenas com meu irmão, minha irmã mais velha já estava em Pindobaçu por que tinha esquizofrenia e assim que minha mãe morreu alguns meses depois já havia ido pra lá.
Com um lenço na cabeça, magra e com muitas rugas no rosto e nas mãos, minha avó e minhas tias Mira, Maria e Lurdes que tinha voltado pra Pindobaçu pra levar minha irmã e acabou ficando por lá, vieram me receber!
Os primeiros anos foram bem difíceis. Pindobaçu era ainda uma cidade pequena, com 5 mil habitantes. No final dos anos 70, só tinha uma escola, uma igreja, uma praça, um de um tudo ou um de um quase nada. Eu aos poucos fui parando de chorar a noite, passei a odiar minha irmã que adorava ir à igreja aos domingos, enquanto eu detestava! Eu não entendia por que uma criança de 6 anos deveria ir a igreja.
A casa da vó era grande, com quatro quartos, copa, cozinha com fogão a lenha e uma sala grande, as portas eram todas cortadas no meio, só fechava a parte de baixo para as galinhas e outros bichos não entrarem na casa! O calor era intenso, às vezes chegava a 40 graus na sombra! A gente colocava umas redes do lado de fora pra agüentar o calor, mas as muriçocas eram piores, eu nunca consegui dormir do lado de fora e não existia outra coisa a não ser queimar querosene para espantá-las, o cheiro do querosene me dava ânsia de vomito, tonturas e minhas primas sempre diziam que eu era uma “tabaroa” que significa “caipira” em Pindobaçuez.
O tempo foi passando e fui virando Pindobaçuense, adquiri os costumes culturais da minha família materna, como ir á igreja todos os domingos que eu continuava odiando, mas não tinha jeito, comia angu, tapioca ou mandioca cozida no café da manhã, limpar o terreiro, cuidar dos bichos, a cozinhar, engomar, lavar roupa no rio, respeitar os rituais do candomblé, embora a família fosse muito católica, quando se fazia um prato, do qual minha avó sabia que era de santo oferecia a refeição para Oxalá, aprendi a fazer colcha de retalho de chita costurada a mão, enfim, aprendia, mas não entendia, queria saber mais profundamente minha história... Quem foram meus bisavôs? Como chegaram a Pindobaçu? Quem era meu avô? Que pessoas eram estas tão fortes? Será que eu tinha alguma coisa parecida com elas?
Uma vez minha prima disse que eu não era neta da avó Alzira, pois não era negra, nem tinha o cabelo tão ruim. Contei isto para minha avó, ela me disse que eu e meus irmãos éramos misturados com os brancos, mas nós éramos negros sim! A diferença é que a cor do meu pai ficou por fora, mas a cor da minha mãe estava por dentro!
Uma vez ela me disse que não era problema ser preto ou branco, todo mundo era filho de Deus, ela até achava que Deus mesmo não tinha cor! “A gente é que fica com esta bestagem de achar que é preto ou branco, bestagem minina! Nóis somo tudu rato que veio cagado do meio do mato!”. E eu ria, assim quando ela ficava brava com alguma coisa ela dizia: “Não como caruru azedo de seu ninguém, vice?”
Quando eu chorava ou ficava ranzinza com alguma coisa ela me deixava sozinha e quando passava por mim repetia quase as mesmas frases: “Você pensa que vou lhe adular puxe a rede! “ Não adulei filho vou adular neta?” “Menina mande esta cara de choro pra baixa da égua?” “Deixe de bestagem essa menina!”. “Se fizer maldade de malcriação lhe boto no tronco” rsrsrs
Eu achava crueldade, mas na verdade ela queria que eu reagisse que fosse forte e parasse de me vitimar o tempo todo.
Minha avó tinha umas expressões que parecia ter adquirido com minha bisavó africana.
Queria resgatar minha verdadeira identidade escondida dentro de mim e virei perguntadeira!
Minha avó e minhas tias viraram parte da minha pesquisa, minha avó falava sempre: “Você é perguntadeira minina, vai ficar sabida”.
E assim descobri que minha bisavó chegou ainda criança da África, provavelmente para ser escrava em uma fazenda no recôncavo baiano embora não haja provas disto, minha tia não sabia o que era a África, então me relatou isto dizendo: “Um canto do mundo que só tinha preto!”.
Minha bisavó teve onze filhos, alguns do próprio fazendeiro. Vó Alzira não conhecia seu pai, assim como duas de minhas tias avós. Segundo relatos de minha tia Maria irmã de minha mãe que chegou a conhecer minha bisavó, disse que apesar de tanto sofrimento era uma mulher forte, trabalhou na roça até os oitenta anos. Quando a mandaram para Pindobaçu para trabalhar na cana de açúcar, ela já tinha seis filhos e levava todos com ela, foi juntando dinheiro, comprando um gado aqui e outro ali, vendia mandioca, banana e assim comprou o terreno, com a ajuda dos filhos construiu o que hoje é a casa de minha avó e lá criou seus filhos e muitos netos, morreu como um passarinho, dormindo.
Minha avó começou a trabalhar na roça aos dez anos, antes ficava em casa cuidando dos irmãos pequenos, aos treze anos casou e teve seu primeiro filho aos quatorze, seu primeiro marido foi embora e nunca mais voltou, seu segundo casamento teve mais quatro filhos, seu segundo marido também foi embora, no terceiro e último casamento teve mais cinco filhos entre eles minha mãe, meu avô faleceu de tanto beber cachaça, tia Lurdes contou que minha avó deixou de comer várias vezes para não faltar comida para eles, ia pra roça só com um pedaço de rapadura e um punhado de farinha, mas que nunca deixou os filhos passarem fome por isto ela dizia: “Tem dinheiro, compra comida!
Na escola eu aprendia muito sobre os europeus, o poder deles na sociedade. E claro que eu não sabia nestes termos, eu era criada por mulheres negras e mestiças, que tinham tanto conhecimento sobre a terra, educar, plantar, cozinhar, trabalhar, viver, sobreviver e por que não falavam nada sobre elas? Por que tudo que eu lia nos livros de história só falavam da submissão dos negros escravos? Como se eles fossem fracos e incapazes, quando tudo que eu via e vivia era totalmente ao contrário, que inversão de conceitos e valores era aqueles? Eu ainda não sabia me responder.
Minha avó era um enigma pra mim, por mais que eu sondasse algumas respostas, nem sempre elas vinham em palavras, muitas vezes ela me levava para o terreiro e mostrava algumas plantas e o poder de cura que elas tinham, dizendo que aprendera com minha bisavó.
Ás vezes a história vinha através de um pé de manga que ela tinha plantado quando minha mãe nasceu! Umas pimenteiras que meu avô Petronílio trouxe de Salvador da qual eles plantaram juntos. No fogão a lenha construído por minha bisavó, me ensinou pratos que aprendeu com sua mãe, galinhada, feijoada e tantos outros. A casa de farinha que meu tio construiu para ela quando ele ainda era criança e tantas outras histórias que não me cabe contar aqui.
Era como se ela quisesse me dizer que a minha história estava ali, naquela terra e naquele lugar! Aos dezoito anos voltei para São Paulo, não tinha mais condições de estudo em Pindobaçu e minha avó me dizia que ficar lá não dava camisa a ninguém! Que eu tinha que voltar para casa do meu pai para continuar minha leitura, dizia ela.
Eu poderia ir estudar em Salvador, mas minha avó dizia que pra Salvador eu não iria.
Depois descobri o por que.
Uma prima minha que havia ido pra Salvador acabou indo parar na prostituição, e acabou morrendo em 86 de Aids, infelizmente isso ficou marcado na minha família e minha avó passou a odiar a cidade de Salvador, como se a cidade fosse a culpada. Ela não entendia que doença era aquela e muito menos por que Marilene virou quenga.
Fiquei muito magoada! Achava que ela não me amava mais, era como se eu fosse perder minha mãe pela segunda vez, mas hoje eu sei que ela só queria que eu não parasse de ser perguntadeira e que me amava tanto que me deixou partir pra uma vida melhor. Mas em São Paulo a vida não foi melhor. Tudo era difícil, não me reconhecia como paulista, minha história era a Bahia.
Cheguei a São Paulo e fui morar no porão da casa de meu pai, um homem que eu não conhecia mais, assim como a cidade, as pessoas, o trânsito, as luzes e o barulho.
São Paulo me doía na alma. Uma vez uma amiga na escola onde eu trabalhava em Pinheiros chamada Alfredo Bresser me disse num almoço que tinha comido vatapá e disse: Nossa que comida nojenta! E eu fiquei pensando como assim? Comida nojenta? Vatapá na minha terra é comida de celebração, a gente só faz quando nasce uma criança, um batizado, uma festa, uma comemoração, como pode ela falar comida nojenta? Eu não conseguia entender, assim como não conseguia entender como tudo que era ruim era coisa de baiano, a pessoa se vestia mal era baiano, ouvia uma música ruim era baiano, morava na pobreza era baiano.... Tudo que era ruim era baiano? Eu não conseguia entender, mas com o tempo eu entendi. E que bom que muitos conceitos e valores hoje modificaram essa conduta dos paulistas.
Escrevia sempre para minha avó dizendo que queria voltar, mas a resposta que tinha sempre, nas letras de minha prima Patrícia me doía, diziam que eu não podia voltar, tinha que continuar a ser forte e não desistir das leituras para virar gente, que Pindobaçu não era pra mim, ela estava sempre pedindo a Deus para me proteger. Eu ficava com raiva da minha avó, uma vez eu escrevi pra ela e disse que ela não me queria por que meu pai não lhe dava mais dinheiro pra ficar comigo, muito anos depois descobri que meu pai nunca deu um centavo pra ele na minha criação, mas aí era tarde demais pra pedir desculpas.
E não voltei, trabalhando e estudando encontrava uma maneira de ter forças pra seguir, mas todos os dias eu sentia falta daquela mulher que era minha mãe, minha avó, minha amiga e minha história. Com o tempo passando aprendi a ser paulista de novo, correrias, projetos e atropelos, vivia a rotina da cidade grande e o tempo passava.
Aos vinte e quatro anos tive minha filha Julia e continuava a vida, sempre pensando em conseguir um tempo pra voltar e levar sua bisneta para ela conhecer, mas não deu tempo.
Em 93 ela se foi igual minha bisavó, como um passarinho! Tinha acabado de fazer 100 anos. Eu voltei e a casa não estava tão diferente, só um pouco mais velha, mas o cheiro de licurí permanecia, o rio estava quase seco, o varal cheio de roupas e os trapos na cerca de bambu, a casa de farinha com piso de cimento queimado vermelho todo rachado, minhas tias e minha irmã, mais velhas e pela primeira vez as vi fragilizadas, apesar de fortes!
Voltei a Pindobaçu algumas vezes, a última foi em 2014 desta vez levando junto sua bisneta Julia, queria mostrar pra minha filha uma parte de minha história, queria que ela pisasse no chão que pisaram suas ancestrais, que conhecesse suas tias avós, seus tios e primos.
E foi assim.
Através de meus ancestrais, minha avó vive em mim, é parte de mim e da minha verdadeira história da qual hoje passo pra minha filha na esperança de um dia ser contata para os meus netos e os tataranetos de Alzira Alves da Silva.
Me tornei artista plástica e meu tema principal são os povos africanos e afro descendestes, mas Não foram em escolas e faculdades que aprendi a ser gente, que aprendi a amar, a não desistir, a não comer caruru azedo de seu ninguém, a ter orgulho da minha afro descendência, aprendi com Vóinha Alzira que me mostrou todos os dias que a cor da minha pele não representa a minha verdadeira história, minha verdadeira história esta dentro de mim, na minha identidade! E a minha identidade é a Bahia. É lá onde eu me sinto eu de verdade!
Alzira, vó Alzira, Dona Alzira... tantas Alziras pra sempre em mim!
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