Nasci no início da Segunda Guerra Mundial. Fui concebida no Brasil e meus pais foram pro Japão para que eu nascesse japonesa, então fui registrada nos dois países.
Minha família quando veio pra São Paulo morar na rua Joaquim Távora, na Vila Mariana, onde passei grande parte da minha infância. Morei também na Chácara Klabin quando era cheio de praças e arvores. Morei até os nove anos de idade na casa da Joaquim Távora, que não existe mais. Era uma casa compridinha, e eu me lembro que logo que começou a guerra, papai tinha um grande aquário cheio de peixes. A molecada pegou o estilingue e quebrou o vaso do meu pai. Não imaginava um senhor como meu pai chorando. Ele não chorava por causa dos peixes, mas pela agressão que sofríamos por sermos japoneses num contexto de guerra contra Japão
Hoje, na Joaquim Távora passa ônibus. Antigamente meu sonho era que passasse o bonde, pois quando era bem pequena, com 5 ou 6 anos eu ia buscar comida japonesa lá em baixo, e se passasse o bonde não teria que andar tudo aquilo a pé.
Meu pai era importador, então eu tinha bonecas enormes, bonitas e importadas. Eu odiava as bonecas enormes. Queria ter as bonecas pequenininhas, então trocava minhas bonecas enormes com as minhas amigas que tinham bonecas pequenas. Na realidade não sei se fazia essas trocas pelos brinquedos ou pra tentar ter amizades pois na época da guerra tinha que dar balas e brinquedos para as crianças quererem brincar comigo. Um dia minha mãe descobriu e me deu um peteleco por eu estar trocando minha amizade por objetos.
Meu pai contava muitas historias do folclore japonês. Tinham muitas historias de fantasmas, por isso até hoje tenho medo de fantasmas. Eu conto para os meus filhos e para os meus netos as historias que eu ouvia quando criança.
Eu entrei na escola sem saber falar português. Meu pai me batia se eu falasse alguma coisa em português e a escola me podava por não saber a língua. Eu fui jogada no fundo da classe...
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Nasci no início da Segunda Guerra Mundial. Fui concebida no Brasil e meus pais foram pro Japão para que eu nascesse japonesa, então fui registrada nos dois países.
Minha família quando veio pra São Paulo morar na rua Joaquim Távora, na Vila Mariana, onde passei grande parte da minha infância. Morei também na Chácara Klabin quando era cheio de praças e arvores. Morei até os nove anos de idade na casa da Joaquim Távora, que não existe mais. Era uma casa compridinha, e eu me lembro que logo que começou a guerra, papai tinha um grande aquário cheio de peixes. A molecada pegou o estilingue e quebrou o vaso do meu pai. Não imaginava um senhor como meu pai chorando. Ele não chorava por causa dos peixes, mas pela agressão que sofríamos por sermos japoneses num contexto de guerra contra Japão
Hoje, na Joaquim Távora passa ônibus. Antigamente meu sonho era que passasse o bonde, pois quando era bem pequena, com 5 ou 6 anos eu ia buscar comida japonesa lá em baixo, e se passasse o bonde não teria que andar tudo aquilo a pé.
Meu pai era importador, então eu tinha bonecas enormes, bonitas e importadas. Eu odiava as bonecas enormes. Queria ter as bonecas pequenininhas, então trocava minhas bonecas enormes com as minhas amigas que tinham bonecas pequenas. Na realidade não sei se fazia essas trocas pelos brinquedos ou pra tentar ter amizades pois na época da guerra tinha que dar balas e brinquedos para as crianças quererem brincar comigo. Um dia minha mãe descobriu e me deu um peteleco por eu estar trocando minha amizade por objetos.
Meu pai contava muitas historias do folclore japonês. Tinham muitas historias de fantasmas, por isso até hoje tenho medo de fantasmas. Eu conto para os meus filhos e para os meus netos as historias que eu ouvia quando criança.
Eu entrei na escola sem saber falar português. Meu pai me batia se eu falasse alguma coisa em português e a escola me podava por não saber a língua. Eu fui jogada no fundo da classe sem amigos. Chorei muito na escola por me sentir solitária. Nessas horas os amigos desaparecem, quando o Japão é decretado como um país inimigo. Minha infância até certo momento foi muito boa, mas depois de certo ponto me senti muito só, sentia muito frio por causa da solidão
Eu tinha uma professora que me protegia muito. Ela era loira, e bonita. Ela me contava historias da Branca de Neve e da Cinderela e eu achava que um dia eu ia ser uma princesa, morar num palácio e ter a felicidade na vida toda. Eu adorava a madrasta por que achava que minhas amigas iam ser espécies de madrastas
Hoje, depois de muitos altos e baixos, tentamos nos afirmar, nos virar como uma profissional japonesa. Foi muito difícil arranjar emprego por falar português errado e por ser japonesa, e por ser muito retraída. Na medida em que eu fui brigando comigo mesma, chorando muito, achando que eu tinha que ser alguma coisa, viver a minha vida independente de ser japonesa ou não. Fiz questão de casar com um brasileiro, parameus filhos não terem esses problemas todos por serem japonês. Vi meus filhos tendo orgulho por serem descendentes de japonês. Hoje eu me sinto bem. Tenho netos de 25 anos, que são felizes por serem japoneses. Descobri que temos que gostar da gente a cima de tudo. Passei a gostar de mim, a gostar de ser japonesa e a gostar da minha historia também.
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