INDO PARA O SEMINÁRIO Após umas primeiras providências, ainda em Baixa Verde, tais como: compra de roupas, sapatos, toalhas etc., meu pai me leva, mais uma vez, para o sítio Jenipapo, onde seriam ultimados os preparativos, para o meu ingresso no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, na ci...Continuar leitura
INDO PARA O SEMINÁRIO Após umas primeiras providências, ainda em Baixa Verde, tais como: compra de roupas, sapatos, toalhas etc., meu pai me leva, mais uma vez, para o sítio Jenipapo, onde seriam ultimados os preparativos, para o meu ingresso no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, na cidade João Pessoa.
Após as despedidas de praxe, da minha mãe, dos irmãos Laurentino e Marinita, dos colegas e dos conhecidos, iniciamos a viagem, com destino a uma nova realidade. Saímos de Baixa Verde/RN,
com destino a Guarabira/PB. Por causa da grande dificuldade nos meios de transporte, tivemos que fazer aquele percurso num caminhão e em cima de uma carga de farinha de mandioca, que se destinava a Guarabira. Foi quase um dia de viagem. As estradas eram de barro batido, cheias de buracos e difíceis de rodar. Veja-se, que na oportunidade, foi a melhor opção. De trem, não daria certo, porque teríamos que dormir em João Pessoa e seguir no dia seguinte, para Campina Grande. Ficava mais dispendiosa e muito mais cansativa. Indo por Guarabira, como foi o caso, lá, pegaríamos o trem que vinha de Bananeiras e desceríamos até Entrocamento, para fazermos baldeação para Campina Grande. Por isso, a primeira opção foi a escolhida por meu pai. Naquela altura, eu estava meio distante do problema; não assimilara com exatidão o que me estava sendo reservado. Era uma dúvida enorme, na minha cabeça de criança. Era uma mudança muito brusca, já que ser padre, naquele tempo, representava muita dedicação, muita vocação, muito desprendimento e muito entusiasmo
pelas coisas da religião. Confesso, até, que não era dos católicos mais fervorosos. E, para se adaptar à nova realidade, eu deveria dar uma guinada, de no mínimo, 360 graus. Veja-se que eu já aprendera a fumar, já tinha as minhas primeiras “paqueras” e uma série de “coisinhas” que um garoto
da minha idade, andava fazendo “pelo meio do mundo” , como se diz, por aí
Chegamos finalmente ao Sítio Jenipapo. Mais uma vez, eu voltara ao lugar por quem tinha verdadeira adoração Não sei, se por causa das frutas deliciosas, apanhadas na própria fruteira ou se por outro motivo qualquer. A verdade, é que gostava demais daquele “lugarzinho”
Minha mãe e meus irmãos haviam ficado em Baixa Verde. Só meu pai estava comigo, mas voltaria logo em seguida. Eu ficaria só, junto aos meus avós e tios. Notei, pelo comportamento de todos, que naquele instante, eu era visto de uma maneira meio diferente
Ali, eu estava como se tivesse sido premiado pela loteria Ganhara o grande prêmio
Tia Clotilde era quem menos disfarçava; olhava-me de soslaio e de quando em vez, me alertava que eu fora um felizardo, não poderia trair a confiança do tio Padre. Confesso, que às vezes, ficava com receio de enfrentar a nova situação, pelo muito que falaram
Suponho, que se meu pai tivesse uma situação financeira mais estável, à época, talvez, houvesse pegado a minha “malinha” e voltado incontinenti para Baixa Verde, para junto dos meus pais, irmãos e amigos diversos. A verdade é que a cobrança era grande, em todos os sentidos. Não sei como “enfrentei aquela barra”
Que foi “pesada”, lá, isso foi
Mas graças a Deus, fui “resistindo” e galguei o ponto determinado pelos outros, não, por mim. No decorrer desta narrativa, veremos que, ao final, tudo deu certo. Se não deu certo antes, era porquê não havia chegado ao final
Agora, iríamos efetuar uma nova avaliação material de tudo que eu precisaria, para levar para o Seminário. Havia uma exigência mínima, estipulada pelos padres, para os candidatos a seminarista. Deveríamos levar “x” calças, “y” camisas, tantos pares de meia, sapatos, batinas etc. O negócio era mais sério, do que um enxoval de noiva, quando, para casar Mas, até que era correta a preocupação dos padres. Lá, não teríamos tempo, tampouco dinheiro, para bancar essas despesas. Fui realmente, como era exigido. Uniforme completo. Estava “prontinho” para iniciar a nova vida, agora, como seminarista, candidato a padre, interno no Seminário de João Pessoa. Porém, antes da partida, deveria ter agradecido a tia Clotilde, que apesar dos pesares, me ajudou muito, em colaborando, na confecção das roupas e da batina
que usaria nos dias solenes do Seminário. Só que a tal batina, fora confeccionada com tecido de uma capa de tio Padre. Era de um tipo meio brilhoso e não coincidia com as usadas pelos meus colegas seminaristas. Estas eram de um outro tipo de tecido, bem mais bonita e bem confeccionada. Eram feitas, estas, em Recife, na alfaiataria “Lira”.
Todo início de ano letivo, o Sr. Lira ia ao Seminário, onde recebia as encomendas das batinas para confecção. Só, que o preço era meio alto e eu não tinha condição de comprar, naquela oportunidade. O meu primeiro ano, foi todo com aquela batina, que destoava das demais
Contudo, “mal sem remédio, remediado está”, já dizia o dito popular
Fiquei todo o ano de 1949, o primeiro, no Seminário, com aquela batina desajeitada, mas que de qualquer forma, resolveu
No ano seguinte, meu primo Adauto, na ocasião, já como usineiro, se tornara sócio da Usina Estivas, me presenteia com uma batina igual à dos demais colegas. De agora em diante, eu adorava quando chegavam os domingos, porque eram os dias de se usar aquela vestimenta
Estava tão emocionado, que esqueci de contar a minha chegada ao Seminário. Foi, mais ou menos, assim: estávamos às vésperas do carnaval, do ano da graça de N.S.Jesus Cristo, de mil novecentos e quarenta e nove. Número recorde de candidatos ao Seminário. Éramos
51, acredito
Nunca foram tantos No meio daquelas “feras”, estava eu, magrinho e com uma grande interrogação na cabeça Pensava que se entrasse no Seminário, teria que ser padre. Aí, estava a minha interrogação Depois, vi que não era bem assim; podia-se, deixar o seminário
Ainda com roupas civis, adentramos pelo colégio, enquanto lá na rua, as músicas carnavalescas tomavam conta da cidade. Não lembro os sambas e marchinhas que eram tocados naqueles dias;
mas, uma coisa que eu temi, foi que aquele conflito de posições, de um lado o carnaval e do outro uma vida de recolhimento, santidade e meditação, me fundisse o cérebro
Eram comportamentos definitivamente antagônicos E eu, no meio desse “fogo cruzado”
De um lado o mundo, com a sua orgia, do outro a religião, com a sua santidade. Foi difícil, mas eu atravessei
a procela A minha primeira obrigação, foi participar de um “retiro espiritual”. Não tinha a mínima idéia do que seria tal coisa
Achei-o estranhíssimo Nunca imaginara situação semelhante Eu estava chegando, não fora informado de nada e já começo pelo fim. Na minha opinião, o retiro espiritual só deveria ser efetuado no final do primeiro semestre, quando os novos seminaristas já estariam mais familiarizados com os costumes e cerimônias do internato. Mas os padres eram cruéis Faziam no início, para que os candidatos analisassem bem as suas opções, se queriam, ou não, continuar no Seminário. Enfrentei a batalha e a venci
Eu e meus colegas, merecemos, no mínimo, uma medalha de bronze, pelo feito No caso, o pódio, seria o lugar ideal, para galgarmos
Como no Seminário não tinha pódio, nem medalhas, ficamos, apenas, com muita oração, meditação, sermão e arranhão, no joelho, de tanta genuflexão Foram três dias, que pareceram três meses Quem vinha de onde eu vim e “de cara” enfrentar uma “barra” dessa, era “dose prá leão”
Para quem sabe, devo dizer como eram os nossos “retiros espirituais”, para ver que eu não exagerei Nos dias do retiro, não se falava com ninguém, não se praticava esporte, não se brincava. Era um grande recolhimento, uma introspecção. Passado o ”retiro”, as coisas começaram a tomar um outro aspecto. Paulatinamente, fui me adaptando à nova vida. Começaram as aulas, os esportes, as brincadeiras e as amizades. Estas, ainda meio tímidas. Não conhecíamos ninguém e não podíamos
nos “abrirmos” muito, porquê, quase tudo era censurado O linguajar que trouxemos de casa, ia, aos poucos, sendo adaptado, para uma nova realidade. Mais uma vez volto a afirmar, foi uma mudança fantástica De agora em diante, tentarei
mostrar uma radiografia daqueles seis anos que
fui
interno no Seminário de João Pessoa.
O CONJUNTO ARQUITETÔNICO Com o início das atividades normais, comecei a ver tudo o que se referia ao Seminário, naquilo que concernia a prédios, edificações diversas, móveis e utensílios. Devo salientar, que naquele conjunto, tínhamos um verdadeiro tesouro. O Seminário era
precedido por um Cruzeiro secular, construído há cerca de uns 150 metros de distância da Igreja de São Francisco. Essa peça fora esculpida em pedra sabão, provavelmente, trazida de Portugal. Caminhando-se, em direção à citada igreja, havia um adro de aproximadamente 1500 metros quadrados, calçado com pedras do mesmo tipo; grandes, de uns 80 centímetros, por 1,20 metro, mais ou menos. Nas laterais do referido adro, dois muros, do mesmo material, com nichos, onde estavam colocadas algumas estátuas, que não lembro o que representavam. No início
e sobre os referidos muros, duas estátuas de leão, uma de cada lado, como se estivesse a vigiar e guardar aquela igreja. Os muros, além dos nichos com as estátuas, eram todos revestidos com azulejos portugueses, de fundo azul, formando figuras, que representavam passagens bíblicas. Esta visão inicial do conjunto que formava a Igreja de S. Francisco, já transparecia, `a primeira vista, a grandiosidade do templo que completava a maravilhosa obra barroca, ali edificada. Transposto o adro a que me referi, adentrávamos a uma espécie de varanda, pela qual, tínhamos acesso à Igreja Franciscana. A varanda possuia
uns três grandes portões, todos de jacarandá, com as suas peças torneadas e presos às grossas paredes, por dobradiças muito reforçadas, nos dando a impressão que guardavam um grande tesouro. E, realmente, o era Após ultrapassar os quase quatro metros dessa varanda, entrávamos por uma das portas da nave central da igreja. Centenárias, aquelas portas. Eram muito grossas e também entalhadas em jacarandá. Pareciam de ferro Agora, nos sentíamos, como se penetrássemos em uma fortaleza
Tudo era esplêndido Quem edificou aquela obra, não mediu esforços, para que ela transpusesse os séculos e viesse nos deslumbrar com seu esplendor
Já no interior do templo, vimos a continuação daquela construção fantástica.
O teto era todo pintado, também, com motivos da Bíblia. Como não poderia deixar de ser, emoldurando cada passagem, os anjinhos barrocos, que eram uma constante, nas criações artísticas, anteriores ao século XIX. O passar do tempo “desviou” a rota e não afetou aquela maravilha Ainda bem Só assim, ainda hoje, podemos contemplar
aquela
espetacular pintura, a nós legada pelos nossos antepassados As paredes laterais da igreja, com 1 metro de largura, mais ou menos, ainda do mesmo material que foram construídos o adro e a varanda, tinham em toda a sua extensão e por uns dois metros de altura, a começar do piso, a história de José do Egito, expressa pelos mesmos azulejos portugueses. Aliás, quando tive a oportunidade de ler essa história, fui compará-la com os quadros apresentados nas paredes da igreja. Foi uma espécie de “conferência”, para ver se há 200 anos atrás, os nossos maiores interpretavam a Bíblia, como o fazemos nos dias atuais O altar principal não era o original. Fora descaracterizado, provavelmente, quando os padres “seculares” assumiram a custódia do templo. Dentro de um conjunto histórico, remodela-se um altar, para ficar com características modernas É um erro crasso, cometido contra o patrimônio histórico Mas, foi feito e lá está, enfeando uma obra tão bonita e valiosa
Além do altar mor, havia dois altares laterais. Na parede do lado esquerdo do templo, meando entre o início e o seu fim, havia um portal, por onde se entrava, até uma capela. Nesta, o altar
com os seus ornamentos, todos de madeira de lei, foram no passado, bordados a ouro. Vê-se claramente, que sofreram um processo de raspagem, sem que nada fizessem, para despistar o “crime” cometido Um verdadeiro absurdo Mas, se ainda estivessem na sua forma original, banhados a ouro, provavelmente, nos dias atuais, os bandidos não só “raspavam”
o ouro, mas levariam o altar, para vender como relíquia a colecionadores de peças antigas
Essa capela deve ter sido linda. Hoje, não mais, pela depredação ocorrida, não se sabe quando Os padres do Seminário evitavam que nós nos interessássemos por essa capela e por uma outra, anexa. Não sei até onde ia a culpa deles, nesse processo Quanto a mim, achava tudo muito bonito, dentro de uma visão histórica, mas, afora isso, não gostava do ambiente, talvez, por causa do mau cheiro provocado pelos excrementos dos morcegos que lá viviam. Aqui, por sinal, era bem pior do que na igreja de Pilar
Por trás do altar mor ( o modificado), tinha-se acesso à sacristia. Era enorme; um verdadeiro salão O material empregado na sua construção fora o mesmo das demais partes da igreja. Até o azulejo, era igual, só mudando a história. Nem lembro a que se referia. O que me impressionou nela foi o mobiliário. Também em jacarandá, era quase indestrutível. O tempo não o estragou. Continuava, como se novo fosse Eram gavetas pesadíssimas, pareciam feitas de ferro Como no passado, ainda hoje, tinham a mesma utilidade; guardar os paramentos dos celebrantes.
Assim, descrevi, de uma certa forma, a igreja onde rezei centenas de vezes e também, dei muitos “cochilos” Não posso esquecer que nas cerimônias noturnas, cansado da labuta diurna, às vezes, me entregava ao sono, até que o meu vizinho me desse uma “cotovelada” , para eu despertar Essa indelicadeza para com Deus, não acontecia apenas comigo. Havia uns colegas dorminhocos, no grupo
Deixando a igreja e suas dependências, tínhamos à direita de quem entrava o claustro. Era uma dependência quadricular, formando quatro alpendres, com um piso em declive para o centro, para onde corriam as águas pluviais, com pilastras ao seu derredor, para sustentação do piso superior do prédio. Era uma área descoberta, adredemente assim construída, para que entrassem claridade e ventilação para o templo.
Na parte superior externa da igreja, uma torre arredondada, toda revestida de azulejo português, encimada por um “galo” de ferro, que orientava a posição do vento e uma inscrição, bem nítida, onde se via
1792 (mil setecentos e noventa e dois). Esse, provavelmente, foi o ano do término da construção da igreja. Não acredito que fosse uma menção ao enforcamento de Tiradentes. Acho que essa notícia, na época, só chegou à Paraíba uns dois
meses depois Desnecessário, se dizer, que os meios de comunicação, há 200 anos atrás, valiam-se dos tripulantes das naus a vela e de tropeiros, quando em curtas distâncias. Para complementar a arquitetura centenária, havia um conjunto em primeiro andar, à volta do claustro e um outro, paralelo à sacristia. Era o primeiro, formado por divisões que serviam como celas, para os pioneiros moradores e o segundo, um corredor, com celas laterais; creio, que com a mesma finalidade; abrigar em um único prédio, toda uma população de frades, padres e pessoas ligadas à religião. Imagino que funcionasse, exatamente, como uma espécie de condomínio fechado. Aliás, aquelas pessoas eram realmente muito “fechadas”, com relação ao mundo que as cercava. Os religiosos antigos, formavam uma casta intocável. Vê-se pela história, que por terem
razoável
instrução, evitavam , sempre que possível, o contato com as massas ignorantes e incultas. Havia um tabu, com referência aos religiosos. Essa situação veio mudar já no nosso século, após mudanças na Igreja, com a assunção de papas e bispos voltados para o social. Nos tempos atuais, seria inconcebível conviver com ministros da Igreja, enclausurados e alheios aos reclamos da sociedade. Pelo aqui exposto, entendo, que para a época, todo o conjunto arquitetônico que era destinado ao Seminário, atendia as expectativas de um determinado tempo, que já passou. Com o crescimento do número de alunos, candidatos a padre, a Igreja na Paraíba, fez aumentar consideravelmente os alojamentos, para poder abrigar os que procuravam o Seminário. A nova construção seguia os princípios da anterior. Eram prédios de um pavimento, destinados a salas de aula, dormitórios e salão de estudos.
Além das construções citadas, tínhamos muito espaço externo, em volta aos prédios, onde existiam campos de futebol, voleibol e áreas outras, destinadas a diversas modalidades de esporte. Havia, também, um cercado muito grande, onde eram soltas as vacas, que forneciam o leite para os alunos. Este, estava situado por trás e à esquerda da igreja que descrevi, acima. Margeando a área do campo de futebol, existiam várias mangueiras, que pelas suas alturas, pareciam muito antigas. Nas safras, aproveitávamos e nos deliciávamos com os seus frutos. Éramos beneficiados com uma enorme e gostosa sombra. Mudei para a 1a. pessoa do plural, porque, agora, já me sinto integrado num conjunto de várias pessoas. Voltando às mangueiras, quero acrescentar, que elas foram muito importantes nos nossos recreios e folgas, especialmente, ao meio dia, com o sol escaldante do nordeste Sob aquelas árvores, havia alguns bancos de madeira, onde nos sentávamos, para conversar, jogar gamão, dama, firo, baralho, só que, em vez de reis, damas, espadas, ouro, paus etc., o nosso “baralho” era formado com cartas instrutivas, de grandes compositores, escritores, plantas, peixes, pássaros e por aí a fora Tudo no Seminário, era direcionado para o aprimoramento do conhecimento. Essa série de situações lúdicas, na sua maioria, era desenvolvida à sombra daquelas maravilhosas mangueiras Que saudade O poeta já dizia: “a saudade é dor pungente” E, o é Eu a sinto, neste momento, especialmente, por não me ser possível, usufruir aquela maravilha
Um dia que eu volte a João Pessoa, tentarei reviver aqueles momentos, que passaram no tempo, felizmente deixando um registro indelével na minha mente Não os quero, tampouco, devo esquecê-los. Permanecerão gravados e para sempre Era, ainda, debaixo daquelas mangueiras, que nós andávamos de bicicleta. O chão era de areia barrada, formando uma ótima pista, para esta prática de esporte. O Seminário comprou uma bicicleta “Hércules”, para alugar aos seminaristas. Cada qual, tinha direito de pedalar durante cinco minutos. O tempo era pouquíssimo, mas só existia aquela bicicleta, para atender a cerca 180 alunos. Às vezes, passávamos mais de uma semana, até chegar, de novo, a nossa vez
Era um sacrifício “danado”
Mas, nada podíamos fazer. Aquilo fazia parte do aprendizado Era um mal necessário, pensávamos. Ia emoldurando a personalidade do “futuro” padre, que deveria ser tolerante, humilde e mais uma série de “virtudes”, pregadas pelos educadores do colégio. Não me fez nenhum mal, pelo contrário, ajudou-me em algumas situações a suplantar dificuldades, que me vieram ao encontro, no intuito de me derribar. Só tenho é que agradecer, por mais esse ensinamento, que lá aprendi Muitas outras coisas tive a oportunidade de assimilar e a pouco e pouco, irei descrevendo, solicitando encarecidamente à minha memória, no sentido de que ela colabore com este meu intento. Na próxima etapa, falarei um pouco mais acerca dos esportes que praticávamos. Hoje foi uma visão genérica, depois, esmiuçarei os detalhes.
OS
DIVERTIMENTOS NO INTERNATO No Seminário, como em qualquer ambiente onde as pessoas vivam segregadas, existe a necessidade de que se criem muitas opções de lazer, para que sejam evitados distúrbios psíquicos nelas, provocados pelo isolamento.
Conosco, acontecia esse tipo de problema, já que éramos alunos internos, raramente saindo além dos muros do Seminário. Raramente, sim, porque as poucas vezes que íamos à rua, eram, normalmente, por ocasião das solenidades religiosas, que aconteciam na Catedral Metropolitana, ou quando havia o interesse de comprar
um par de sapatos, ou um objeto qualquer, que dependia da própria pessoa, para exame, qualidade, preço, tamanho, etc., daquilo que se pretendia comprar. Afora essas hipóteses, não conseguíamos autorização para sair à cidade.
Por conta dessa vida “fechada” que levávamos, era prudente e sábio, que nos proporcionassem
momentos de lazer, a fim de que fossem compensadas a solidão e a ausência dos parentes e amigos. No que tangia aos esportes, nós os tínhamos em várias modalidades. Porém, a principal delas, era o futebol. Existiam várias equipes em cada grupo de seminaristas. O interessante, é que as equipes eram escaladas momentos antes, pelo “Prefeito” de cada “divisão”. Na minha turma, não sei se, por jogar bem, ou se por falta de atletas, a verdade, é que, quase diariamente, eu era escalado para jogar futebol. Ocupando a posição de zagueiro lateral esquerdo, praticamente, todas as tardes, eu estava em campo, defendendo a minha posição. Alguns colegas se sobressaiam e quando deixavam o Seminário, chegavam a jogar em equipes profissionais; foi o caso de Salomão, um aluno de Surubim/PE, que chegou a jogar pelo Santos Futebol Clube no Estado de S.Paulo. Houve um outro que não lembro o nome, veio a jogar pelo Náutico de Recife e outros mais, que não tomei conhecimento na época. Hoje seria bem mais fácil essa identificação, já que as
equipes aparecem
diariamente, no vídeo da televisão
Só a minha turma, quando estávamos no 4o. ano ginasial (oitava série, hoje), chegou a adquirir “um jogo de camisas”, para disputa inter classes, do campeonato de 1953. E, para orgulho meu, fomos campeões invictos naquele ano Tive a honra de ter participado de todos os jogos daquele campeonato
Nenhum outro grupo, adquiriu material esportivo específico, para os jogos internos. A minha turma era realmente diferente e “sui generis”, entrou em campo, para a final, uniformizado. Como no futebol, havia as estrelas do voleibol; só que neste esporte, o meu grupo não estava entre os melhores, mesmo assim, tínhamos uma boa equipe. Por ser franzino e de estatura mediana, eu não produzia com as mãos, os resultados obtidos com o meu pé esquerdo Era, apenas, um razoável levantador de bolas, para quem fosse mais alto e “cortasse” bem.
Havia uma pequena mesa de sinuca. Aqui, eu era outra vez um campeão. Veja que houvera aprendido a jogar, antes de vir para o Seminário, quando morava em Baixa Verde, onde eu tinha a minha sinuca particular e jogava com outros meninos desta cidade. Não seria por causa de uns dois ou três meses, que esqueceria todos aqueles truques e macetes da sinuca Conhecendo, como eu conhecia esse tipo de jogo, não foi difícil “aparecer” como um ótimo jogador de sinuca Como na minha casa, a sinuca que jogávamos no Seminário era pequena e usavam-se bolas de vidro, coloridas (bolas de gude). Mesmo assim, dava para se distrair um pouco, após aquelas aulas dificílimas de Latim, Português, Matemática, e etc. Aliás, todas as matérias se tornavam difíceis, porque os professores (todos eram padres), exigiam bastante de nós. Mas graças a Deus, isso nos foi muito útil. O pouquinho que sei, ainda hoje, devo àquela “dureza” dos bancos escolares do Seminário Por incrível que pareça, existia campeonato até de “bola de gude”. Aquele joguinho com bolas de vidro, que acabei de falar. Para quem não conhece, esse tipo de jogo é disputado no chão, onde os jogadores têm de acertar determinados buracos e as bolinhas dos disputantes. Eu não era muito bom nesse tipo de brincadeira, mas, de qualquer forma, também o jogava. Um outro tipo de jogo que era muito enfatizado, era o pingue - pongue. Desse modalidade de esporte, também havia disputas acirradíssimas. Nós tínhamos entre os superiores do Seminário o Pe. Fernando Abath, que era um grande desportista nesse tipo de jogo. O interessante, é que por ser o referido Padre responsável pela disciplina dos alunos, todos queriam “derrotá-lo”, quando se defrontavam com ele na disputa. Não nego, que eu era um dos tais O nosso maior trunfo consistia, exatamente, em fazer com que o Padre Fernando fosse derrotado, só um ou outro meio “babão” é que abria, quando disputava com ele Eu “engrossava” e fazia tudo para não ser derrotado por ele. A verdade, é que eu tinha lá dentro do meu âmago uma certa rixa com o Pe. Abath, desde os primeiros dias de Seminário. Eu nunca gostei de regime autoritário, e, o sistema no Seminário, tendia um pouco para o modelo “KGB”. Isso me irritava um pouco. Então, por ser aquele padre a figura que encarnava esse tipo de poder autoritário e arbitrário ao mesmo tempo, eu quisesse manter uma certa distância dele. Hoje, sei que aquilo era um “tipo” que ele representava, por exigência da disciplina rígida, dominante no Seminário. A fiscalização sobre todo o nosso comportamento, nossas atitudes, nossas palavras, nossos gestos, era um ponto essencial, para a análise dos candidatos ao sacerdócio. Vejo agora que a missão desse Padre era bastante espinhosa e muito importante, no sentido de que as coisas andassem em ordem; porém, a “ordem” que os diretores imprimiam àquela plêiade de jovens idealistas. Creio que descrevi, ao menos sucintamente, alguns dos jogos que praticávamos no internato. Quando estávamos bem ambientados no Seminário, os Irmãos Maristas, que usavam o Colégio Pio X
num prédio vizinho ao nosso, constróem um conjunto de edifícios na Praça da Independência, e, já se preparam para desocupar o antigo Colégio. Por pertencer à Arquidiocese da Paraíba, o Sr. Arcebispo ordena que nos mudemos para lá. Foram feitas algumas reformas necessárias, como construção
de banheiros e um novo refeitório. Para as novas dependências, iria o Seminário Menor, ou seja, os alunos do ginasial e científico. Neste grupo, eu estava incluído. Deixávamos, assim, o prédio antigo, as mangueiras e suas sombras e mudávamos para um novo edifício. Neste, quase não havia árvores. Apenas o campo de futebol era melhor, isso, em se tratando de lazer. No prédio antigo onde passara quatro anos, ficaram os alunos do Seminário Maior, Filosofia e Teologia. Esses, já estavam na reta final, bem mais próximo da ordenação sacerdotal, especialmente os que já haviam ingressado no curso de teologia, com duração de quatro anos.
Tio Padre, de quem falei um pouco atrás, lecionava exatamente os alunos de Teologia. A sua disciplina era “Direito Canônico”, a matéria que estabelece a ordem jurídica da Igreja Católica Apostólica Romana. Penso que fosse um bom professor; nunca ouvi comentários em seu desabono. Deveria “dominar” o assunto, já que fizera a sua especialidade em Direito Canônico, na Universidade Gregoriana, em
Roma, na Itália, onde se ordenou padre, no ano de 1925. Com saudades, vamos deixar o prédio centenário, para nos mudarmos para um mais novo, ocupado, até aquele momento, pelo Colégio Pio X , dos Irmãos Maristas. Saímos para as férias do final do ano
de 1952. Quando voltamos, em fevereiro de 1953,
já nos estabelecemos no novo prédio. Tudo, eram novidades. Vou tentar descrevê-las.
O NOVO PRÉDIO Regressamos das férias de final de ano, correspondentes ao período letivo de 1953. Aliás, este ano foi o último que ficamos no prédio antigo, daquela igreja centenária, construída em pedra sabão. Deixamos tudo por lá e iríamos começar vida nova em casa nova
As instalações eram bem razoáveis; veja, que aqui, funcionava até o ano anterior o Colégio Pio X, dos Irmãos Maristas. Foram feitas, apenas, pequenas modificações, para melhor adaptação dos novos moradores, tais como: construção do refeitório e vinte banheiros novos. O colégio estava apto a receber os seminaristas, que voltavam das suas merecidas férias. Ao prédio antigo, só iríamos, a partir de agora, por ocasião das reuniões do Centro Acadêmico Pio XII. Esses encontros, continuariam
no mesmo local, já que havia uma infra estrutura adequada, para a realização desses eventos. Por falar em Centro Acadêmico Pio XII, tenho grandes recordações de sua atuação. Ali, eram feitas verdadeiras conferências. Alguns dos oradores ao usarem a tribuna, davam um verdadeiro “show” de conhecimentos No início do ano letivo, eram escolhidos os futuros conferencistas e os temas que iriam apresentar, no decorrer do ano. Tinha-se, portanto, muito tempo, às vezes, para se preparar os discursos. Só os primeiros escolhidos, não dispunham
dessa vantagem. Os seus tempos eram mais restritos; mesmo assim, proferiam verdadeiras obras de arte, em matéria de literatura e ciência. Debutei como conferencista nesse ano; fui escalado para o 2o. semestre, porque eu era do 5o. ano. Normalmente, os primeiros oradores, pertenciam ao 6o. ano, tinham condição de fazer um trabalho melhor e mais rápido, do que os demais. O meu assunto não me agradou: a trajetória e vida de D. Sebastião Leme, primeiro Cardeal brasileiro Não era um tema que me agradasse, mas, como não podíamos recusar, fui obrigado a desempenhar o meu papel. Tenho consciência que não foi dos melhores, mesmo assim, trabalhei para fazer uma boa apresentação Nas reuniões do Centro, após cada apresentação, havia comentários e críticas ao trabalho apresentado.
Aí, havia, as mais das vezes, acalorados debates, só a muito custo, contidos pelo Presidente da sessão. O interessante é que enquanto alguns tentavam “derrubar”
o apresentador e sua obra, outros, lhe vinham
em defesa; isso provocava um clima bastante interessante e instrutivo. Víamos os dois lados do problema
e assim, tínhamos condição de tirar as nossas conclusões. Eram momentos muitíssimo
produtivos, provocados pela refrega criada naquela ocasião. Muito aprendi naqueles debates. Servem, ainda hoje, quando me sinto numa situação, onde deva optar, por esse ou aquele assunto. Como disse, há algumas linhas atrás, tudo o que acontecia no Seminário, vinha no sentido do enriquecimento e evolução do espírito; só que dentro de uma ótica
religiosa O mundano era pouco salientado. O nosso contato com a vida extra muros, era um tanto ou quanto limitado;
não podíamos sentir, como sentiam aqueles que estavam fora do nosso mundo Vivíamos e sentíamos aquilo que nos dizia respeito. O que extrapolava o nosso interesse, ficava em segundo plano e não nos envolvia. Este assunto era bastante “vigiado” e “controlado” pelos padres responsáveis pela disciplina e comportamento dos seminaristas. Os padres tinham bastante cuidado, no sentido de que não nos envolvêssemos com problemas “mundanos”. O futuro padre, teria que saber distinguir os dois lados da moeda e não confundi-los. Era um preceito que se deveria seguir à risca. Nessa academia literária, Centro Acadêmico Pio XII, que se reunia sempre às quintas-feiras, pela manhã, eram apresentadas peças diversas, como: o discurso principal, que abrangia tema previamente escolhido, um artigo oficial, que era um discurso menor, também, escolhido com antecedência, um outro discurso a ser feito de improviso, números musicais, declamação de poesias e outras peças, que se adaptassem à nossa cultura. Convém lembrar, que, com exceção dos discursos, todos os demais itens eram antecipadamente censurados pelo Presidente do Centro, geralmente, um aluno do último ano do 2o. grau Nada podia falhar. Tudo teria que ser perfeito.
Recordo, que no ano que ingressei no Seminário, o Presidente do Centro, um seminarista chamado Juarez Benício, me solicita para cantar, em determinada reunião, um número musical. Tímido, mais do que hoje, disse-lhe, apenas, que poderia colaborar, cantando uma canção da época, intitulada: “A vaca Salomé”. Às pressas, para completar as apresentações daquela tal reunião, esqueceu de me ouvir cantando a letra da melodia. Quando fui anunciado para ir à cátedra cantar o meu número, levantei, já muito nervoso e caminhei para apresentar a minha tarefa. Quando dei os primeiros acordes e disse : “que o boi Barnabé andava se “babando”, pela vaca Salomé, imediatamente, o padre Fernando Abath, Presidente de Honra daquela sessão, tocou a campainha e mandou que eu parasse. Tomei um susto “danado” Eu ainda era “calouro”, não entendi a blasfêmia que teria cometido Nos comentários, logo em seguida, o padre fez um pequeno sermão, até que, Juarez assumiu o erro e eu fui inocentado. Por um triz, não fui expulso do Seminário Cantar uma imoralidade daquela, dizendo, claramente, que o boi Barnabé tinha uma relação amorosa com a vaquinha Salomé, isso já seria motivo, até mesmo, para se deixar o Seminário. Por ai se vê, que no meu internato, o sexo era tão proibido, que nem entre os animais, se poderia falar
Especialmente, ante um grupo reunido. Era o domínio completo e absoluto da “castidade” Tudo teria que ser casto e puro, como uma flor
Aliás, a flor nem é tão pura assim Existe o problema do pólen, essa espécie de poeira que esvoaça das antenas das plantas floríferas, e cuja função é fecundar os óvulos, representando, assim, o elemento masculino da sexualidade vegetal
Só, que essa poeira é tão fina, que nós não a vemos no momento da fecundação Talvez, por ser invisível, nós pudéssemos falar ao respeito Por essa amostragem, tem-se uma visão de como funcionava a “censura” no Seminário. Era uma coisa muito séria Afora esses
cacoetes dos padres, especialmente, em se tratando de sexo, aquelas sessões do Centro Acadêmico eram bastante instrutivas e animadas. Saíamos do salão, certos de que havíamos praticado uma boa ação, em estando presente ao ato. Nessas solenidades, havia momentos inesquecíveis, quando assumia a tribuna um orador já consagrado. Esse dominava a platéia e criava um clima bastante agradável, sem que notássemos que a hora estava passando. Muitas das vezes, eram grandes lições de oratória e conhecimentos. A apresentação do seminarista nessas oportunidades, servia para prepará-lo para o futuro, quando estivesse proferindo o seu sermão. Aquilo era exatamente um laboratório, onde devíamos nos aperfeiçoar, para enfrentarmos futuramente as platéias das igrejas. Os grandes oradores sacros surgiam desse aprendizado, iniciado e exercitado, ainda nos bancos escolares dos seminários. Certos trabalhos a serem apresentados no Centro Acadêmico, algumas vezes, envolviam o seu apresentador, tomando-lhe muito tempo, em consultas e pesquisas. Ninguém desejava que a sua atuação fosse medíocre, para isso, todo o esforço deveria ser direcionado, no sentido de que, aquela apresentação, se transformasse
em mais uma obra de arte e viesse a receber os maiores elogios dos críticos que estavam presentes à reunião. Era aquela história, de sempre querer se superar o concorrente E, isso, eu achava válido. Pois acarretava muitos esforços, em prol da consecução de um objetivo maior. Como exemplo, contarei alguns detalhes, de um trabalho que seria da responsabilidade do meu colega de turma, Tarcísio de Miranda Buriti; éramos os dois do 5o. ano, naquela oportunidade, 1954. Versava o assunto do seu trabalho acerca da obra
musical “O Guarani”, de Carlos Gomes. Para escrever o seu discurso, Buriti precisou ouvir o disco dezenas de vezes. Perdi muitas horas de recreio, após o almoço, porque teria que ir ligar o som, do Seminário, para que ele ouvisse detalhadamente a ópera do grande compositor
campineiro, a fim de que pudesse analisar minuciosamente toda a partitura. E, ao final, nesse caso, o Buriti foi bastante elogiado, por ter feito um excelente trabalho literário. Sobre este colega, devo salientar,
que após ter deixado o Seminário, estudou Direito e terminou se doutorando em Sociologia Política, na Universidade Sorbone, na França. Voltando ao Brasil, foi Chefe de Gabinete do Reitor da UFPB, posteriormente, diretor da Faculdade de Direito da mesma Universidade, Governador do Estado, nomeado, no período militar e posteriormente eleito pelo voto direto Governador, pela segunda vez e finalmente Deputado Federal, pelo Estado da Paraíba.
Com a mudança para o novo prédio, houve algumas mudanças na Direção do Seminário. O reitor, Cônego Manuel Pereira da Costa, ficou no Seminário Maior ( o antigo), enquanto, no Seminário Menor, assumiu a direção o Pe. Luiz Gonzaga. O novo Diretor Espiritual
do Seminário Menor ficou sendo o Pe. Fernando Abath, de quem já falei. Os seminaristas do 5o. e 6o. anos, poderiam optar, se ficavam com o Pe. Fernando, ou com o Monsenhor Afonso, que também
ficara no prédio antigo. Optei pelo Mons. Afonso, por ser mais fácil para mim Pe. Fernando me conhecia bastante e talvez dificultasse o meu entrosamento com ele. Creio que a minha opção foi acertada. O Pe. Antônio Fragoso, que fora Vice-Reitor, se desligara, para assumir definitivamente os seus trabalhos à frente da J. O . C. (Juventude
Operária Católica); chegou, inclusive, a construir um cinema, num bairro afastado, através desse movimento. Pe. Fragoso fora o meu professor, primeiro de inglês, depois, de francês, matérias distintas, mas, sobre as quais, ele tinha pleno domínio. Outros professores, dos quais tenho ótimas recordações, foram o Cônego Francisco Lima, que lecionava História Geral; por sinal, era bastante profundo no assunto, chegando a escrever alguns trabalhos para a revista “O Cruzeiro”, sobre a invasão Holandesa ao Nordeste. O engraçado do Cônego Lima,
é que ele fazia a sua chamada valendo nota, seguindo a ordem alfabética, da caderneta de aula; em conseqüência, todos nós, sabíamos quando seríamos chamados, para “dar” a lição. Nós, que não éramos tão bobos, assim, simplesmente, decorávamos todo o texto e a nossa lição, era sempre elogiada Todos, tirávamos nota 10, com louvor
Não tive conhecimento de algum aluno, que tenha sido reprovado, por esse professor Pena, que ele não ensinasse
matemática ou latim Pois assim, as coisas seriam bem mais fáceis para todos nós.
Um outro professor que me lembra, era o Pe. Expedito. Ensinava Geografia. Esse tinha uma maneira diferente, para estimular os alunos. Fazia uma espécie de sabatina e ao final de um certo número de aulas, premiava aquele que tivesse o maior número de pontos. Por sinal, eu fui um dos vencedores, certa vez. Ganhei um livro, como prêmio, pelo meu desempenho, naquele certame. Também, estudei bastante geografia, naquela ocasião. O que sei da matéria, até hoje, devo, aqueles tempos No meio de mestres tão bons, não poderia esquecer o Pe. Luiz Gonzaga de Oliveira. Grande cultura, profundo conhecedor de Português. Proferia aulas fantásticas, as quais eram transmitidas de uma forma que todos nós, terminávamos por aprender, com certa facilidade a língua mãe. Devo-lhe muito, pelo que me ensinou. Era um clássico, no idioma pátrio; se mais não aprendi, foi puro desleixo de minha parte. Por ser grande conhecedor do Latim, o Pe. Gonzaga, também, lecionava a língua dos antigos Romanos. Eram preleções e não puras e simples aulas. Traduzimos Cícero, em suas Catilinárias e César, nos seus Comentários da Guerra Gaulesa.
Finalmente, estudei a língua Grega. Matéria dificílima, ensinada pelo Pe. Marcos, recém chegado de Roma, onde se ordenara. Nós fomos os seus primeiros alunos. Não tinha muita prática, acabara de voltar da Cidade eterna e iria iniciar o seu magistério. Não aproveitei quase nada. Também, a matéria era complicadíssima, mesmo assim, ainda sei todo o alfabeto grego. É uma grande coisa Eram esses, alguns, dos muitos e bons professores que tivemos. Sem dúvida, devemos muito a todos eles. Tiveram os seus méritos, em nos ensinando o caminho do saber, de maneira tão sólida, que ainda hoje, passados tantos anos, ainda nos lembramos dos seus valiosos ensinamentos. Muito obrigado a todos, que de alguma maneira, colaboraram comigo, dando um pouco dos seus conhecimentos, para nós, que fomos os seus discípulos.
A ROTINA DO SEMINÁRIO Como todo colégio interno, o Seminário tinha as suas normas, que deveriam ser seguidas à risca. Praticamente, não eram admitidas exceções. Todos obedecíamos aquelas regras, sem que fossem aceitas mudanças.
Em se tratando de horário, a coisa era bastante rígida. Tínhamos hora para tudo; não escapava um único detalhe. Todos os acontecimentos do dia, tinham a sua hora de iniciar e terminar. Começávamos o dia, com o despertar, às 4h.50min.(quatro horas e cinqüenta minutos); muitas das vezes, o dia não havia clareado, ainda. Especialmente, quando em época de inverno Despertávamos ainda com sono, querendo prolongar por mais alguns minutos, mas, a sineta tocava e ato contínuo, todos estavam se levantando e automaticamente, fazendo as suas primeiras orações. Por falar em orações, devo salientar, que quaisquer mudanças ocorridas, como por exemplo: sair da capela, para o recreio, isso significava ter que rezar, mais uma vez, antes do início do recreio. Saíamos do recreio, para o refeitório, novas orações e assim por diante.
Após o despertar, muitos tomavam banho, outros iriam se barbear, vestir a roupa, inclusive a batina, que nos dias de muito calor, incomodava bastante, por evitar que recebêssemos um pouco mais de ventilação, no corpo. Era um verdadeiro sacrifício Mas, tudo aquilo era plenamente aceito, em nome do ideal sacerdotal que abraçáramos, pelo menos, da boca, para fora Digo assim, porque, muitos, queriam apenas aproveitar a ótima qualidade de ensino, que ali era ministrado. Aqui, para nós, eu estava incluso neste rol Só que não poderia externar, de forma nenhuma, sob pena de ser expulso, automaticamente. Eu vivia com a consciência intranqüila, exatamente, por conta desse problema, que me atormentou por vários anos.
Em seguida ao primeiro asseio da manhã, íamos para a capela, onde ouvíamos a meditação, geralmente, lida pelo Monsenhor Afonso, com aquele seu jeito, todo especial, de um padre santo. A leitura proferida pelo Mons. Afonso, demorava uns trinta minutos, mais ou menos. Versava sobre as vidas e os exemplos dos Santos, explorando, normalmente, as virtudes que praticaram, quando em sua vida terrena. Não lembro de nenhuma; geralmente, eu ainda estava com sono e de quando em vez, dava os meus pequenos cochilos, enquanto era lida a meditação. No momento dessa prática, estávamos sentados e de cabeças baixas, como se meditando sobre aquilo que estávamos ouvindo. Desse modo, eu e alguns colegas (acredito), aproveitávamos para complementar o sono, despertado, muitas das vezes, contra a nossa vontade Terminada a meditação, de que falei, tinha início a Santa Missa. Isso, diariamente. Havia dias de solenidades, que assistíamos mais de uma missa, em um só dia. Mas, era uma coisa normal, ninguém reclamava, tampouco de comentava Seria um erro gravíssimo, punido com a maior pena possível, a expulsão do Seminário. Já pensou, um seminarista reclamando, porque assistiu mais de uma missa em determinado dia. Era um verdadeiro sacrilégio Fosse na época da inquisição, poder-se-ia, até, ser queimado na fogueira, para purgar o pecado mortal Finda as cerimônias religiosas da manhã, fazíamos uns dez minutos de ginástica e às sete horas, em ponto, íamos para o refeitório, para o café matutino. Durava essa refeição, cerca de vinte minutos. Após o café, seguíamos direto para o salão de estudos, onde nos
preparávamos para as aulas da parte da manhã, que começavam exatamente às 7h.45min. Cada aula, tinha a duração de quarenta e cinco minutos. Eram quatro pela manhã e quatro à tarde. Convém frisar, que raramente, faltava um professor ; na sua maioria, eram padres residentes no próprio Seminário; esses, jamais faltavam. Por sinal, quando acontecia de um determinado professor não ir ministrar a sua aula, ficávamos vibrando, porque tínhamos mais tempo, para preparar as lições seguintes Quaisquer minutos que nos sobrassem, eram muito importantes, já que nos surgia a possibilidade de estudar um pouco mais, determinada matéria. O item estudo, no Seminário, era uma das coisas mais sérias que conheci em toda a minha vida Por ser encarado dessa forma, era inconcebível, um seminarista que não tivesse uma ótima base científica. Estudava-se com muito empenho, dedicação e não temo em dizer, com muito amor O pequeno alicerce dos meus parcos conhecimentos, sem dúvida, foi moldado naquele embasamento, conquistado a duras penas, nos tempos de Seminário.
Talvez seja estranho, o que acabei de contar
Mas, posso justificar, em poucas palavras, porque funcionava dessa maneira. Devo salientar, que cada aula, isoladamente, tinha a característica de uma prova. Isso mesmo De uma prova Nas aulas, o aluno era chamado para “dar” a lição. A desenvoltura,
qualidade e conteúdo da sua explanação, eram “pesados e medidos”,
no momento, advindo, daí, uma nota, que seria lançada na caderneta daquela matéria. Se em um determinado dia, o aluno tivesse duas aulas, da mesma matéria e fosse “chamado” as duas vezes, poderia ter, num mesmo dia e numa
disciplina, duas notas. No final do semestre, todas as notas eram somadas,
divididas pela sua quantidade, para se obter a média daquele período, cujo valor, era adicionado à nota da prova semestral, para efeito do resultado geral. Diante de uma situação como essa, quem poderia desperdiçar alguns minutos? Ninguém
Muitos colegas, aproveitavam
os noventa minutos, do recreio do meio dia, para estudarem Às vezes, tinham alguma deficiência em determinada disciplina, aproveitando, parte desse tempo, enorme (noventa minutos), “queimando as pestanas”, lá debaixo das mangueiras O ambiente era bastante adequado para isso. Muita sombra e ninguém nas proximidades, para incomodar.
Creio, que um dos fatores que levava a essa atitude, seria a vergonha de que os colegas de outras turmas, tomassem conhecimento das suas notas. Estas eram lidas, diariamente, durante o jantar. Professores a alunos, todos no refeitório, tomando a sua ceia, enquanto o encarregado da leitura, naquela semana, lia para todos ouvirem, as notas aplicadas naquela data. Seria vergonhoso, todos os presentes ouvirem uma nota “zero”; no entanto, soava muito bem a leitura de uma nota “dez”. Neste momento, até o apetite ia embora A vontade
seria comemorar e muito Aquilo era um vitória
AS PROVAS
NO SEMINÁRIO Comentei alguma coisa sobre as aulas, agora, vou falar das nossas provas. Essas, eram realmente “o bicho papão” do internato. Não tínhamos datas marcadas para realizá-las; elas poderiam acontecer a qualquer momento. Dependia, apenas, da vontade do professor. Por causa disso, os alunos, deviam estar sempre preparados para a eventualidade de um teste de improviso. Um detalhe muito importante, é que as provas eram individuais. Em outras palavras, jamais, poderíamos esperar ajuda de um colega, do tipo “cola”. Este era um assunto que não existia Durante os seis anos, em que lá, estive, nunca “colei” . Era uma prática totalmente proibida e inaceitável no nosso meio.
Este ”erro”, que eu já conhecia, desde os grupos escolares, tive que esquecê-los, sob pena de ser desligado do Seminário.
Trocando em miúdos; quando se conhecia o tema da prova, tinha-se condição de fazer uma bom teste, caso contrário, íamos para o famoso “zero” , o qual, seria lido à noite, na hora do jantar, para todos tomarem conhecimento Essa situação provocava um mal-estar enorme no desventurado
Não era para menos Em resumindo o assunto, devo dizer, que aquelas avaliações eram terríveis; dependia, única e exclusivamente da vontade do docente, com relação à data, assunto, tipo e tamanho da prova. Não nos era dado o direito de recorrer; a decisão, se transformava numa sentença trasitada em julgado, tal qual uma decisão prolatada pela justiça Mas, no meio desse “fogo cruzado”, havia aqueles alunos que sempre se saiam muito bem, nos seus resultados. Eram os privilegiados de inteligência, os pequenos “gênios”, que conviviam entre nós. Confesso, que eu não era um deles, contudo, sempre lutei, para não ficar muito distante dessas “feras” É oportuno que eu me refira a alguns nomes, para exemplificar o que digo nesta oportunidade.
Na minha opinião, os
mais proeminentes eram: Inácio, um aluno oriundo de Patos/PB. Pequeno de estatura, porém, grande de inteligência. Enquanto estudávamos num ritmo bastante forte, para não baquear numa determinada avaliação, ou numa explanação de aula, o Inácio se distraia, lendo um outro livro qualquer
Eu morria de inveja, dessa situação Mas, não podia fazer nada Era dotado de ótimo raciocínio e sempre tirava ótimas notas. Um segundo, que lembro agora, é José Maria. Vindo de Pesqueira/PE, tivera a sorte de vir com um QI de inteligência, bem acima da média, o que lhe distinguia dos demais. Era do tipo calado e observador. Geralmente, só era chamado, quando nenhum dos alunos havia acertado a resposta solicitada pelo professor E o que era melhor, sempre sabia resolver as questões Nas aulas de matemática, chegava aos resultados corretos, usando cálculos e formas, totalmente divergentes,
das ensinadas pelo padre mestre
Um terceiro, foi o Tarcísio Buriti. Dele, falei antes. Era, também, um ótimo aluno; porém, um tanto ou quanto vaidoso. Só que, no meio daquelas “feras”, não havia espaço para vaidades. É a crítica que faço ao ex-Governador da Paraíba, ex-Deputado Federal, ex-Diretor
da Faculdade de Direito da UFPB
e meu ex-colega de turma e de sala de aula. Os demais se nivelavam. Não havia destaques, que fossem dignos de registro. Eram inteligências normais, cheias de altos e baixos. Neste grupo, estávamos eu, Edme Tavares, Deputado Estadual
pela Paraíba, em mais de uma legislatura e posteriormente, Deputado Federal Constituinte, em l988.
Focalizei de maneira bastante sucinta, alguns colegas da minha turma de Seminário, no educandário paraibano, assim como, também, os testes de conhecimento, que nos eram impostos. Num sistema de estudos, onde os métodos empregados, são de uma rigidez a toda prova, não se concebe resultado, que não seja surpreendentemente positivo. Todos, os que fomos seminaristas, saímos do educandário, com grande bagagem de conhecimentos intelectuais. Aqui, nota 10, para os padres e para o Seminário
OS PASSEIOS MENSAIS Com a finalidade de arejar um pouco a mente, a Direção do Seminário promovia, mensalmente, um passeio a uma praia, um sítio, um local histórico etc.
Era de grande valia a idéia. Para quem vinha de um “sufoco” mental, como nós, aquilo era algo, deveras importante
Amenizava e muito, a tensão psicológica, à qual éramos submetidos, quase diariamente
Na maioria das vezes, aqueles passeios, eram até a praia de Tambaú. Quase sempre, íamos de bonde. Á época, os elétricos ainda rodavam, pelos trilhos,
da cidade
de João Pessoa. Era um acontecimento diferente. Todos se deliciavam naqueles passeios. Víamos a cidade, as ruas, as pessoas e mais uma série de coisas que podíamos e não podíamos ver. Finalmente, era gostoso
Pena, é que só acontecia uma vez por mês, sempre numa quinta-feira, que era o dia de folga escolar, no Seminário. Aliás, esse dia, tinha as mesmas características de um domingo. Não tínhamos aulas.
Apenas práticas esportivas e muitas horas de salão de estudos. O que, para nós, era ótimo, já que tínhamos chance de nos prepararmos, para as aulas da sexta-feira e do sábado.
Lembro, que alguns colegas, já veteranos, às vésperas da folga e do passeio, recomendavam aos novatos, claro, os do interior, que não esquecessem de levar sabonete e toalha, para a praia
Era uma malvadeza
Os “coitados” não conheciam o mar, a não ser, por ouvir dizer. Escolhiam o melhor dos sabonetes e a mais bonita das suas tolhas, para levarem para Tambaú. Só que, às vésperas, aparecia sempre uma alma caridosa, que lhes orientava, no sentido de que não levassem o recomendado. Ai, vinha aquela história de que nas praias, não se usavam esses objetos. Enxugava-se pelo simples calor dos raios solares e pelos ventos que sopravam à beira mar. Só que, até se chegar a esse estágio, já se tinha “gozado” o incauto calouro. Não passei por esse vexame, porque já conhecia as praias rio-grandenses-do-norte. Livrei-me dessa “fria”
Como se pode ver, o bom dos passeios mensais, já começava bem antes, da realização da viagem; era um momento de muita descontração e bastante agradável. Semelhante uma tropa aquartelada, quando em exercício de acampamento, a direção do Seminário providenciava todos os petrechos relativos a alimentos, medicamentos e o que mais fosse necessário, para que tudo corresse a contento. Os nossos passeios lembravam uma turma de “farofeiros”. Cada qual com os seus pertences, seguindo sempre um determinado guia, que no nosso caso, eram os alunos antigos e habituados a essas situações.
Faziam-se comemorações de aniversários, com direito a discursos improvisados, onde alguns, às vezes, para se exibirem perante os outros, usavam termos incomuns, especialmente,
pesquisados cuidadosamente nos dicionários. Lembro, aqui, que num discurso de improviso, um colega mais adiantado, à época, disse : “que as folhas dos coqueiros expluiam, em homenagem ao aniversariante” . Este, era exatamente o Padre Reitor, Cônego Manuel Pereira da Costa e o iluminado orador, era o colega José Paulino, um guarabirense dos bons
Por
conta do expluir, logo que voltamos ao Seminário, fui consultar o dicionário; para minha surpresa, existia o tal verbo A “galera” do Seminário, era mais ou menos, desse naipe Um outro passeio que me recorda, foi quando, num dos aniversários do Pe. Reitor, fomos a Costinha. Para chegarmos a essa praia, necessitávamos efetuar uma travessia marítima, do porto de Cabedelo, até
a praia denominada Costinha. Levávamos, aproximadamente, uns
vinte minutos de barco, de um ponto a outro.
O que havia de diferente naquela praia, eram as instalações de pesca e aproveitamento da carne de baleias. Era um cenário chocante, ver aqueles mamíferos enormes, sendo retalhados, para se extrair óleo e carne,
dos mesmos. De início, achei interessante Depois, reprovei tudo aquilo. Achei uma crueldade Uma das baleias (eram duas), estava numa espécie de tabuado, onde lhe tiravam o couro, puxado por correntes, ligadas a um motor. Uma segunda, já estava sendo cortada e sua carne sendo jogada numa caldeira, para a produção de óleo. Esta, principalmente, não gostei de ver, apesar da novidade
Ainda hoje, guardo nos meus alfarrábios, fotografia tirada no local, onde vários trabalhadores foram fotografados, em cima da baleia que estava sendo esfolada.
Valeu a viagem, porque tive a oportunidade de ver o maior mamífero da terra. Pena, que naquela situação Não tenho certeza, mas, me parece que houve a proibição da pesca de baleia, no litoral da Paraíba.
As “coitadas” vinham da Patagônia, para serem mortas, estupidamente, nos mares do Nordeste. Os japoneses que matem as baleias dos seus mares, não as nossas. A companhia responsável pela “matança”, era uma sociedade ligada a firmas do Japão. Por sinal, o atirador, que disparava uma espécie de canhão, para atingir aqueles animais, era nipônico.
Não fora aquela cena horrenda,
a viagem a Costinha, teria sido das mais interessantes e agradáveis.
Os demais passeios, eram praticamente uma repetição, uns dos outros, sem grandes novidades, que fossem dignas de relato.
Grandes
SOLENIDADES Durante os seis anos que estive interno, tive oportunidade de assistir e às vezes, participar de muitas solenidades. Na sua grande maioria, de cunho eminentemente religioso. Foram missas solenes, procissões, atos litúrgicos e outros mais.
Recorda-me a memória, aquelas solenidades celebradas na Catedral Metropolitana. O Templo cheio de fiéis, e aquela cerimônia demorada e cansativa. Para nós, então, que usávamos a batina, havia momentos de muito desconforto. Mas, tudo era feito em nome da religião, e dedicávamos aquele sacrifício à paz do mundo. Desta forma, tentávamos nos enganar a nós mesmos; era a maneira mais fácil de suportar aquelas celebrações. Eu, apesar dos pesares, não achava tão ruim, pois, quando subíamos ao coro da Igreja, nos sentíamos mais aliviados; ruim, era para aqueles que ficavam em baixo, perto do altar, sob um calor sufocante. Lá em cima, ainda tínhamos a vantagem de olhar um pouco as pessoas, que estavam nas laterais do primeiro pavimento. Um fato interessante, é que em uma dessas oportunidades, casualmente, ou não, olhei para um determinada jovem, que também, me viu, no mesmo momento. Eu dava as minhas notas graves, enquanto entoava o Te Deum;
talvez aquele tipo de voz lhe agradasse, ou lhe transmitisse alguma coisa. A verdade, é que, de quando em vez, os nossos olhares furtivos, se encontravam, no tempo e no espaço. Esta, foi uma das minhas primeiras experiências em matéria de relacionamento entre dois jovens, que, por acaso, poderia ter resultado em uma afeição mais profunda. Nem senti o demorar daquela solenidade Foi um acontecimento que passou tão rápido Nada, lhe pude falar, nem, dela, também, ouvir. Sabíamos, os dois, da enorme distância que nos separava, apesar, de estarmos há uns quinze metros de distância, um do outro. Era uma Semana Santa. Por este motivo, várias vezes, todo o Seminário iria à Catedral, para a celebração dos atos litúrgicos, próprios da época. Nas quatro, ou cinco, idas à Igreja, naquela semana, por coincidência, ou de propósito, a tal jovem se encontrava no mesmo lugar e com o mesmo comportamento. Nem senti a passagem da Semana Santa Parece, que demorou, apenas, no máximo, uns três dias Como esse fato aconteceu no meu último ano de internato, não mais soube e tampouco, vi aquela jovem, muito bonita, que gostou de ouvir a minha voz de barítono Que pena
Um outro tipo de solenidade que tínhamos todos os finais de ano, eram as ordenações sacerdotais. Jovens seminaristas, que concluíam os seus cursos no Seminário, e recebiam as ordens sacerdotais, para saírem a pregar o Evangelho a todos os povos, em obediência à palavra do Mestre Jesus. Era um dia de grande júbilo e muita festa. Sentíamos, como se conosco
estivesse acontecendo, toda aquela alegria, toda aquela satisfação e o prazer imensurável, do dever cumprido. Eram atos religiosos bastante demorados,
mas, não nos cansavam, porque cada um de nós, sonhava em atingir aquele ponto culminante, da vida que abraçáramos; até aqueles que não sentiam a vocação sacerdotal, como fora o meu caso, vibravam e as fibras do coração expluiam de tanto contentamento, como disse, certa vez, o meu colega José Paulino, num discurso em que saudava o Padre Reitor, por ocasião do seu aniversário, nas areias da praia de Tambaú.
Quando das festividades de uma ordenação sacerdotal, todo o Seminário ficava em festa. Era um dia todo especial. Um verdadeiro dia de glória, de comemoração e de grande contentamento. Ao acordar, já sentíamos que aquela data era especial
Despertávamos, não com o incômodo soar corriqueiro da sineta de todos os dias, mas, com a suave melodia da Serenata de Schubert , ou uma das Valsas de Straus. Levantávamos, como se estivéssemos acordando em algum paraíso Eram momentos alucinantes, aqueles O tempo, na sua função precípua os levou e, jamais os trará de volta, na mesmas
intensidade e satisfação Corria o ano de 1951. Cursava o 2o. ano ginasial, equivalente, hoje à 6a. série. Estava com 15 anos de idade. Chega a João Pessoa a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima. Após a sua passagem por vários Estados, tivemos a honrosa visita da Mãe de Jesus, na figura da referida Imagem. Foi um grande acontecimento para cidade. O comércio e a indústria fecharam as portas, para que todos, pudessem ver e homenagear a ilustre Visitante. Recordo, que foi feita uma fervorosa recepção, onde inclusive, o próprio Governo do Estado se empenhou, prestando a assistência que lhe coube, naquela oportunidade. Governava a Paraíba, o Ministro José Américo de Almeida, o consagrado escritor, que iniciou a literatura do ciclo da cana-de-açúcar, com o lançamento, em 1927, do seu livro “A Bagaceira”. Por sinal, uma obra fantástica
Em nome do povo paraibano, usou a palavra o Sr. Governador, que num discurso brilhantíssimo, deu as boas vindas à Virgem Peregrina de Fátima. Lembro, como se hoje fosse, a beleza da peça oratória de José Américo. Até os dias atuais, não tenho registro na mente, de fala tão bem escrita, tão empolgante e tão adequada para um momento, quanto as palavras proferidas por aquele orador No dia seguinte ao discurso, os jornais de João Pessoa publicaram, na íntegra, a matéria referente à saudação do Governador. Comprei-o, depois, em livrete e o li tantas vezes, que cheguei a gravá-lo, de memória
Veja, quanto interesse me despertou aquela oração, proferida em frente à Igreja de N. S. das Neves ( a Catedral), numa praça lotada aos milhares, por devotos, fiéis da Virgem Maria. Além do citado discurso, que depois de impresso, tinha umas 10 ou 12 páginas, ouvimos outros mais. Todos muito bem elaborados; destaco, entre estes, o apresentado por um Padre Jesuíta, que acompanhava a peregrinação. Expressou-se, com uma veemência de causar inveja aos grandes oradores Grande tribuno, aquele padre. Os grandes momentos que vivi, enquanto seminarista, foram esses. Se mais os houve, não lembro, de pronto. A nossa vida era quase uma rotina, sem mudanças acentuadas, que provocassem um registro inapagável na memória.
ACONTECIMENTOS
MARCANTES Alguns acontecimentos marcaram a minha passagem pelo Seminário, fazendo com que até hoje, eu não os esquecesse.
Citarei uns dois ou três, para não cansar e não me tornar prolixo, com um assunto que não tem muito interesse, para quem não viveu o momento. Escolhi como sendo o primeiro, a festa do padre ex-aluno. Esta acontecia
no mês de setembro de cada ano, no dia do Santo Padroeiro dos padres seculares, São Cura D’Ars; se não me falha a memória, já meio esmaecida pelo tempo, era o dia 12 de setembro. Ao nosso modo, era uma festa importantíssima, pois congregava padres de várias gerações, que passaram pelos bancos escolares do Seminário de João Pessoa. A data se vestia de muita pompa. Víamos velhos e novos párocos,
num verdadeiro congraçamento de irmãos, tomando conta das dependências do velho casarão. As conversas, os abraços, os gestos, tudo transparecia uma efusiva euforia Despertávamos com os acordes de uma música clássica, que nos vinha comunicar, ser aquele, um dia muito especial
Já no café da manhã, sentíamos o impacto da mudança. Era-nos servida uma lauta refeição
Divergia dos dias comuns, pela variedade das iguarias. Hoje, não era aquela meia bisnaga, besuntada com uma substância gordurosa, que as freiras responsáveis pela cozinha, chamavam, indevidamente, de manteiga; hoje, eram frutas, pães de várias qualidades e tamanhos, bolos, ovos fritos e outros complementos deliciosos
Os padres, vindos das suas cidades, “patrocinavam” os banquetes do seu dia É de se lamentar, que essa “extravagância”, acontecia, apenas, uma vez, por cada ano
A nossa colaboração para a festividade, vinha em forma de apresentações de peças teatrais, cantos orfeônicos e disputas esportivas. As peças teatrais, nada mais eram, do que a apresentação por um grupo de seminaristas, de alguma criação de dramaturgia, especialmente estudada, ensaiada e preparada para aquela data. Geralmente, os assistentes gostavam do que viam. Trabalhávamos durante meses, para não errarmos, naquele momento. Levávamos a sério aquele nosso compromisso e ao final, recebíamos os elogios próprios desses acontecimentos. Tudo era feito de uma maneira muito simples, sem diretores, mestres, estrelas etc., mas, a vontade de fazer bem feito, suplantava todas as dificuldades que surgissem.
Além da apresentação teatral, havia as apresentações dos grupos orfeônicos. Lá, quase todos, participavam do grupo cantante. Todos, sabíamos música e tínhamos condição de solfejar qualquer partitura musical. Música, era uma matéria curricular, como português, matemática, história, latim e outras mais. Podíamos, inclusive, ser reprovado de ano, por causa de música Por aí, vê-se a importância do assunto, entre nós
Para exemplificar de uma maneira mais concreta, devo dizer, que hoje, quarenta e cinco anos depois, solfejo o Hino Nacional, como se tivesse à minha frente uma partitura musical
Canto todas as notas, exatamente, como se as tivesse vendo Para se chegar a um estágio desse, está claro e evidente, que a matéria música, era de uma importância a toda prova. Foram muitas aulas, para se chegar a esse ponto. Isso, porém, não acontecia apenas com esse assunto e sim, com todos Todas as matérias do currículo escolar, tinham o mesmo tratamento. Éramos obrigados a saber o que nos ensinavam nos bancos escolares, para que tivéssemos um conhecimento bem acima da média, com referência aos alunos de outras escolas. No Seminário, mesmo não querendo, o estudante teria que desempenhar e muito bem, a sua função; caso contrário, seria desligado, para que o mau, não “contagiasse” os demais Foi bom,
esse sistema O pouco que sei agora, devo, principalmente, ao que assimilei nos bancos escolares, dessa grande casa do ensino e do saber. A nossa
terceira participação na festa, do dia dos ex-alunos, se referia a disputas esportivas, entre as diversas equipes de futebol, voleibol e outros jogos. Conseguíamos agradar. Também falei, antes, que o esporte tinha muita importância no nosso meio. Nós os praticávamos diariamente. Naquele dia festivo, representava, apenas, mais um treinamento, já que se tratava de algo, que
constantemente púnhamos em prática.
Um segundo acontecimento marcante, que escolhi para narrar, foi a morte, por suicídio, do então Presidente da República, Getúlio Dorneles Vargas. Amanhecera o Seminário, como se fora tudo normal. Estávamos assistindo a primeira aula, do dia 24 de agosto de 1954. De repente, toca o sino geral, com a característica de fim de expediente, para voltar ao salão de estudos e aguardar informação, muito importante, da Direção do internato. Pegamos os livros e cadernos sobre as mesas da sala de aula e, em fila indiana, caminhamos para aquele salão, a fim de esperarmos a comunicação oficial, ao respeito do que estava acontecendo.
A priori, sabíamos que algo muitíssimo sério, teria ocorrido, ou estava para ocorrer
Chegamos ao destino e recebemos, alguns minutos depois, a ordem de irmos para o setor do recreio dos padres. Aqui, havia um rádio elétrico, o qual estava ligado e transmitindo alguma informação. Alguns padres já estavam no local. Acercamo-nos do rádio, de onde provinha alguma notícia e muito séria e importante. Cheguei a pensar, de início, que fosse o falecimento do Santo Padre Pio XII. Sabia que Sua
Santidade não andava bem de saúde, portanto, era normal
que fizesse opção por essa conjetura. Errei, no que pensara. Quando mais me aproximo, escuto a voz de César Ladeira, um dos locutores oficiais do Palácio do Catete, que lia, em tom solene e grave, as últimas palavras da Carta Testamento: “serenamente, dou os primeiros passos no caminho da eternidade; saio da vida, para entrar na história”. Assinado, Getúlio Vargas.
Alguns comentários, algumas entrevistas com políticos, que já chegavam ao Palácio do Catete (Rio de Janeiro) e os nossos olhares interrogativos e alarmados, ante notícia tão infausta. Ficamos boquiabertos, com o que acabáramos de ouvir. O Presidente havia se suicidado As nossas admirição e surpresa, eram quase totais. Não sabíamos, que os acontecimentos políticos daqueles dias foram tão graves, para a Nação Brasileira; não líamos jornais e não ouvíamos rádio, como frisei um pouco atrás; daí, toda a nossa ignorância no assunto. Não tivemos mais aulas naquele dia e ficamos, como se fosse um feriado. O fato, nos foi estarrecedor O restante daquela data fatídica, foi pouco, para comentarmos ao respeito do assunto, que tomou conta do País, naquele 24 de agosto de 1954.
Com a morte de Getúlio, assume o Governo o Vice-Presidente João Café Filho, natural do Rio Grande do Norte. Imediatamente, fez a escolha do seu Ministério e começou a governar a Nação, após tragédia tão desgraçada
O NOSSO JORNALISMO Por se tratar de uma entidade eminentemente intelectual e religiosa, tínhamos as nossas atividades jornalísticas atuantes,
dentro das nossas possibilidades.
Quando ingressei no Seminário, havia, apenas, um jornal; era o periódico oficial
da nossa comunidade, editado pelos colegas do Seminário Maior
- aqueles que já cursavam filosofia e teologia. Nós, secundaristas não possuíamos o nosso meio de comunicação. Com a opção da escolha do Seminário, por parte de um número cada vez maior, de novos alunos, consequentemente, surgiu a necessidade da criação de uma nova folha, que representasse os nossos ideais. Assim, foi fundado o segundo jornalzinho, que seria o porta-voz dos alunos ginasianos e secundaristas.
“Lumen”, era o nome dessa nova folha. Este jornal era totalmente escrito à mão; tinha oito páginas e representava os internos do Seminário Menor. Pela precariedade, imprimia-se, ou melhor, escrevia-se, apenas, um exemplar, que era lido, durante o recreio, por algum colega, que tivesse qualidades de um locutor de rádio. Após esta primeira apresentação, poderia ser lido particularmente, por quem
interessasse. Não conseguia muita penetração, muito embora, desse um trabalho enorme para ser confeccionado
Além de “O Cura D’Ars”, destinado a todo o Seminário e elaborado pelo pessoal do Seminário Maior e do “Lumen”, que representava os secundaristas, veio posteriormente um novo jornalzinho, denominado “O Giro do Dia”. Este, também feito à mão, foi de uma importância muito grande, no seio da nossa comunidade. Apesar do seu nome, era publicado, uma vez, por semana. Deveria se chamar O Giro da Semana e não do Dia Aliás, o interesse dos seus fundadores, era o de que circulasse, realmente, todos os dias. Matéria se conseguiria, o problema era, quem se disporia a escrever ?
Este, era um verdadeiro
jornaleco Impresso à mão, em oito páginas de papel de caderno, chegou a fazer muito sucesso no Seminário, pelo seu estilo picante e irreverente, claro, dentro das medidas, não podíamos nos exceder A imprensa local (do Seminário) era censurada e qualquer deslize, poderia acarretar o empastelamento do periódico Tínhamos muito cuidado, para evitarmos o pior “O Giro do Dia” foi idealizado por um grupo muito astuto, que seguiu alguns princípios, para criá-lo.
“Bolou-se”, inclusive, um estatuto, para dar garantias ao funcionamento do novo jornal. Aqui, os padres “dormiram no ponto”, quando não observaram uma cláusula, que garantia o anonimato dos redatores. Por conta, dessa tal cláusula, quem optasse para escrever, usando pseudônimo, poderia fazê-lo Foi aí, que eu
comecei a redigir, aproveitando essa “brecha” do regimento do jornal
Há pouco tempo, eu fora nomeado Vice-Prefeito, da Divisão dos Médios. No Seminário tínhamos quatro Divisões. A dos menores; dos médio, dos maiores e a do Seminário Maior (Filosofia e Teologia). O aluno de uma dessas Divisões, não se comunicava com outro, de uma outra Divisão. Os Prefeitos e Vices, tinham a função, primeiro, de manter e controlar a disciplina e, também, manter contato com os Prefeitos das demais Divisões. Funcionava, mais ou menos, como as Companhias e Batalhões, nos quartéis. Isso era obedecido rigorosamente.
Como dizia, fui nomeado para Vice-Prefeito da Divisão dos Médios, parecendo, que houve um equívoco da Direção do Seminário, pois eu cursava o 1o. ano do 2o. grau e ficara numa posição superior a um colega mais antigo do que eu; este do 2o. ano, ficara na função de 2o. Vice-Prefeito, quando deveria ter sido o 1o. Não entendi a nomeação dos padres, nesta ocasião. O Prefeito, era do 2o. ano, eu, o segundo, na hierarquia, do 1o. ano e o terceiro na ordem hierárquica, também do 2o. ano, colega de turma do Prefeito, Severino dos Ramos Pereira. Parece-me, que este ex-colega, atualmente é desembargador, lá na Paraíba. Severino era um jovem de cor, interiorano, já meio maduro, em relação a mim, muito estudioso, dedicado e com grandes condições de se transformar em um grande vigário. Pelo o que eu sei, deixou o Seminário, teria feito Direito, ingressado na magistratura e seria hoje, como disse, desembargador. Só, que Severino Pereira, talvez, por causa da sua pele meio escura, tinha um certo complexo disso. Em alguns, não faz muita diferença, mas em Severino,
a tonalidade da pele “pesou”
Como eu era de uma turma, um ano a menos, em relação à dele e fora nomeado para ser a 2a. pessoa na Divisão do Médios, ficando o seu colega de turma em terceiro lugar, acredito, que isso lhe incomodou, fazendo com que o mesmo, implicitamente, não concordasse com o ato de escolha. Dirigia-se a mim, como se eu fora o 3o.
e não o 2o., na escala hierárquica Esse problema foi se agravando de tal maneira, que chegou a ser notado pelos nossos “subalternos” Como seria óbvio, não aceitei o seu posicionamento e comecei a divergir das suas ordens, em relação à Divisão. Ficou um clima meio desagradável; não poderia continuar, por muito tempo. Severino passou a levar queixas, ao meu respeito, ao padre responsável pela disciplina,
o que motivou o meu desligamento do cargo, antes do término do meu mandato. Acabara de ser fundado o jornalzinho “O
Giro do Dia”, exatamente, nesta ocasião
Em conversa, com o então diretor do periódico, José Ramos, também egresso do Seminário e posteriormente Professor e Vice-Reitor da UFPB, chegamos à conclusão, de que eu deveria passar a escrever uma coluna no jornal. Disse-lhe, que
usaria um pseudônimo, já, que a minha idéia, era combater o Severino Ramos. De forma nenhuma, deveria
me identificar; isso, daria expulsão do Seminário, sem dúvida
Como criptônimo, iniciei a minha coluna semanal, sempre me referindo a alguma decisão ou posição errada, daquele “colega”. Vivia à espreita, observando o comportamento daquele Prefeito, para redigir o meu artigo. Depois de algumas edições, “O Giro do Dia” se tornara leitura obrigatória dos colegas, tidos como de “esquerda” Eu, inclusive, era um desses falsos “esquerdistas”. Muitas das vezes, eu próprio, era incumbido de ler o jornalzinho para todo o grupo, o que acontecia, na hora do recreio, após o almoço, nos dias de domingo. Quando escalado para ler, precisava despistar, chegando, mesmo, a me “equivocar” em algumas palavras, fingindo não conhecer o assunto Tudo, para evitar uma punição severa, como a expulsão; essa seria a pena, para quem tivesse o pseudônimo de “Zé Pimenta”. Creio que o nome escolhido, foi bastante adequado
Eu “ardia” nos meus artigos, quando direcionados ao Severino Ramos. O problema se tornou tão sério, que o nosso Reitor, Monsenhor Manuel Pereira da Costa, já escolhido e sagrado Bispo de Campina Grande, mas, ainda à frente do destinos do Seminário, reuniu todo o pessoal da nossa Divisão, ameaçando expulsar a todos, caso, não se identificasse o “Zé Pimenta”, naquela oportunidade. Foi uma verdadeira “tortura” mental O Bispo exigiu que o diretor do jornal identificasse quem seria o articulista “maldito”, que estava perturbando a ordem
no Seminário. Nesta ocasião, José Ramos, o diretor da folha, se negou a acusar, já que no estatuto, por sinal, aprovado pelo próprio D. Pereira, havia uma cláusula, que expressamente, facultava o uso de “pseudônimo”. Disse, categoricamente, que lamentava, mas iria cumprir o estatuto José Ramos foi muito forte, na sua posição; não cedeu, ante as ameaças do Reitor
Aliás, se ele fraqueja, minutos depois, eu seria desligado automaticamente do Colégio.
Não conseguindo o seu intento, que seria descobrir o jornalista “maldito” de “O Giro do Dia”, formou uma comissão de sindicância, para apurar o fato e identificar o nome de quem seria o “Zé Pimenta” Coincidência, ou não, fui escolhido, para fazer parte da tal sindicância Usei todas as minhas artimanhas, no sentido de que a investigação não chegasse a lugar nenhum Ao final do processo, não se chegou a nenhuma conclusão satisfatória Como membro da Comissão Sindicante, “cheguei” a
concluir, que todos os alunos da 3a. divisão eram suspeitos, inclusive, os três nomeados para o inquérito O meu veredicto foi aceito por todos os membros e o processo, como eu imaginei e quis, foi arquivado
Saí do Seminário, sem que, ninguém, além de José Ramos (o Diretor do Jornal), soubesse realmente quem era o “Zé Pimenta” O temido jornalista “Zé Pimenta” era, ninguém mais, ninguém menos, do que eu próprio
MINHAS ÚLTIMAS FÉRIAS Estou vivendo os meus últimos dias como seminarista. O ano é 1954. Morte de Getúlio Vargas, Mons. Pereira é nomeado Bispo de Campina Grande; antes de assumir a diocese, faz uma reunião bastante séria, com os alunos da 3a. Divisão, por causa de alguém, que escrevia no jornalzinho “O Giro do Dia”, sempre “malhando” um dos preferidos pelos padres, o Prefeito da 2a. divisão, Severino dos Ramos Pereira. Eu estava sentindo, que se aproximava a pouco e pouco a minha saída da escola que me moldou o caráter e me deu conhecimentos, para que eu continuasse a minha trajetória, porém, em outras atividades, não, como padre. O meu destino não estava na vida religiosa. Após aqueles seis anos, me convenci que deveria abandonar o Seminário, especialmente, por eu não possuir um elemento essencialíssimo, para quem vai se dedicar ao sacerdócio - fé. Não a tinha na medida necessária para persistir na carreira religiosa. Durante os anos, fui advertido pelo Monsenhor Afonso, ao respeito do assunto. Pedi-lhe, sempre, mais algum prazo, pois achava que a minha fé estava aumentando. O bom padre, na sua função de diretor espiritual, dava-me mais uma chance e assim, permaneci durante seis longos anos, sob aquele teto, a quem devo muito, do que sou. Pelo desenrolar da história, vimos momentos difíceis, porém, alguns, até, muito agradáveis, os quais, não os esqueci e os guardo com muito orgulho e muita satisfação. Tive alegrias indescritíveis. Consegui aprender os ensinamentos que me ministraram, os quais, me servem para nortear a vida, ainda nos dias atuais.
Aproximam-se as férias de fim de ano. Seriam as últimas, para mim. Difícil era guardar esse segredo a sete chaves Mas, consegui. Disse-o, apenas, a um colega pernambucano, oriundo do Seminário de Olinda, com quem me identifiquei em vários pontos de vista. Tratava-se do amigo Evandro Martins da Silveira, colega de turma, que tinha as mesmas opiniões, que as minhas, com referência à vida sacerdotal. Durante os três ou quatro meses que faltavam para o final daquele ano, combinamos tudo, ao respeito das próximas férias. Iríamos para a cidade de Vicência, na Zona da Mata de Pernambuco. Gozaria, parte das férias nesta cidade, e em seguida, voltaria para a casa dos meus pais. Tudo planejado, com bastante antecedência, para que o plano fosse executado fielmente. Iniciaríamos a nossa folga de final de ano, começando por Recife. Era meu desejo conhecer a Capital Pernambucana, de quem ouvira mil elogios, por parte de Evandro. Este era um bairrista de peso Tudo de melhor e maior, existia em Recife Era um fanático pela cidade, o Evandro. Mas, preferências são indiscutíveis De tanto elogiar e enaltecer a sua Capital, a minha curiosidade crescia, para conferir aquilo que tanto ouvia. Recife, na opinião do colega,
seria uma das mais bonitas, das maiores, das mais desenvolvidas cidades do globo terrestre Quando o conheci, vi que havia um pouco de exagero Realmente, a cidade era grande, porém, em relação a João Pessoa; quando vivi no Rio de Janeiro e conheci S.Paulo, senti que não era bem aquilo que o meu colega apregoava Despedímo-nos de todos, agora, meus ex-colegas de Seminário, e rumamos para a Capital Pernambucana. Fizemos uma ótima viagem. Eu estava adorando. Meu tio Pedrosa, já sabia que eu iria passar as férias em sua casa, na cidade de Vicência. Ainda no Seminário, por carta, lhe comunicara o meu intento, que teve a sua aprovação. Eu e Evandro, ficamos hospedados no Colégio Salesiano do Recife, o qual, tinha como diretor, um padre irmão do nosso Reitor. Não lembro o seu nome; quero, aqui, deixar o meu agradecimento, pela acolhida que nos proporcionou. Na ocasião, não nos lembramos de fazê-lo; não recordo, exatamente, por quê, mas,
a verdade é que nem nos despedimos do padre Diretor do Salesiano. Agradeço-lhe nesta oportunidade, para me redimir da falta Por conhecer bastante a cidade, o meu companheiro de viagem exagerou nas suas andanças. Fora uma vontade enorme de me mostrar as maravilhas da “Veneza Brasileira” Só que as caminhadas eram efetuadas a pé; eu havia comprado um par de sapatos novos, para “inaugurá-lo” em Recife. Por conta disso, ganhei dois calos, um, em cada pé
As tais calosidades me incomodaram o suficiente, para que eu não pudesse calçar o tal par de sapatos,
durante vários dias. Cheguei à casa do tio Pedrosa usando chinelo. Ficou uma coisa meio sem graça, mas, todos compreenderam e me aceitaram de meias pretas e chinelos pretos. Disfarçava, porque usávamos, também, uma batina da mesma cor.
Já em Vicência, todas as manhãs, íamos para Igreja;
só que, a minha situação era meio vexatória Faltavam os sapatos Eu achava horrível, mas não podia solucionar de imediato o problema, que fora criado nas minhas caminhadas a pé, pela cidade de Recife.
Com os remédios recomendados por tio Pedrosa, tia Neci e as minhas queridas primas Lucinéa, Lúcia, Lenira e Lenice, aos poucos, fui me recuperando e voltei a usar o sapatos, que por sinal, foram comprados, especialmente, para aquela oportunidade O José Abdon ainda muito pequeno, não dava opinião, também, não entendia de medicamentos
Sarada a calosidade, iniciei uma espécie de reconhecimento da cidade. Achei-a pequena e muito quente. Mas, bastante agradável para se morar.
Mais uma vez, Evandro foi o meu “cicerone”. Aqui, conhecia quase todas as pessoas. Nascera e se criara na terra. Falava-me, de uma maneira ainda meio tímida, das moças bonitas, que moravam na cidade. O amigo não podia se “soltar” nesse assunto, pois, ainda iria continuar no Seminário. Não em João Pessoa, mas, em Natal. No ano seguinte à minha saída do Seminário de João Pessoa, o meu caro amigo foi transferido para o Seminário Menor de Natal, já que, em João Pessoa, não lhe aconselhavam
a volta.
MINHAS VIAGENS DE TREM Durante todo o tempo que estudei no Seminário, fiz as minhas viagens do Rio Grande do Norte à Paraíba, de trem. Parecia uma coisa bem romântica, gostosa, agradável. Na verdade, não passava de uma situação meio incômoda, especialmente, pela demora, no deslocamento. Para se comparar, o percurso se completa nos dias atuais,
em duas
horas e meia, viajando-se de ônibus. É uma grande diferença, em relação à mesma viagem, em sendo feita por trem.
Saíamos de Natal às 5h30min, para chegarmos à Capital Paraibana por volta das 15horas. Eram quase dez horas de viagem, num mesmo trajeto, como o fazemos atualmente, em apenas, duas horas e meia.
Isso, sem contar as enormes desvantagens, provocadas, por exemplo, pela poeira que subia do chão, em razão do movimento e velocidade do trem e da fumaça que se desprendia da chaminé da locomotiva, especialmente, no trecho Natal/Nova Cruz
e vice-versa.
Melhorava um pouco, quando entrávamos na área da Paraíba, pois, aqui, as locomotivas dos comboios de passageiros, eram movidas a óleo diesel, em vez de carvão, ou lenha. As pessoas que comumente faziam aquelas viagens, usavam sobre as roupas um guarda-pó, cuja finalidade, o próprio nome o indica, diminuir a incidência da poeira sobre a vestimenta.
Quando das minhas idas e vindas, por esse meio de transporte, não podia descartar a proteção do guarda-pó. Até as malas e maletas eram revestidas com uma capa em sua volta, com a mesma finalidade, de proteção ao utensílio , contra as tenuíssimas partículas de terra seca, que penetravam pelas janelas dos vagões. De início, disse que eram viagens românticas; nem sei bem, por quê Talvez, porque pudéssemos apreciar, com mais vagar as belas paisagens que ladeavam a via férrea. Víamos fazendas, povoados, cidades, gente e tudo que estava à margem da estrada de ferro. Com o incremento das rodovias, esse pseudo romantismo quase acabou. As rodovias são bem mais pobres no que tange ao visual. São grandes retas, que as mais das vezes, são desviadas das cidades , para tornar a distância menor e evitar os perigos, impostos pelo trânsito urbano. Essa mudança, na minha opinião, veio empobrecer os trajetos, apesar de aproximarem as cidades, pelo encurtamento das distâncias. Não deixa de ser um avanço, que veio nos subtrair aquela coisa bem gostosa, que era a viagem de trem. Várias ocasiões usei esse meio de transporte. Era sempre uma festa, a chegada do comboio às estações. Pessoas se preparando para saltar, enquanto outras, nas plataformas, esperando o trem, para embarcar e seguir viagem. Vendedores ambulantes ofertando os seus produtos que, normalmente, iam de água potável a bolos, cocadas, tapiocas e mais uma série de guloseimas. Havia estações, inclusive, que tinham os seus petiscos especiais, como sendo uma marca da terra. Neste caso, normalmente, eram estes os mais procurados pelos passageiros Como exemplo, cito uma determinada cidade no Rio Grande do Norte, especialista em “grude”; certo doce, feito de goma seca e coco ralado, enrolado em folha de bananeira e assado em forno. Creio, que por esse Brasil
afora, deveria haver muitas estações ferroviárias com as suas guloseimas específicas, que atraiam os passageiros das composições, que por lá passavam
Assim, foram diversas viagens. Apesar de se chegar aos destinos com muito cansaço e cheios de poeira e fuligem, muito me agradavam, aquelas “aventuras”
Como recordar é viver, estou vivendo um pouco daquele meu passado, que o tempo não conseguiu apagar, apesar das enormes mutações por que passaram e continuam passando os meios de transporte, no Brasil e no mundo. As lembranças me voltaram no tempo e me emocionaram, quando relembro nessas linhas, aquelas vezes que tive oportunidade de “andar” de trem, como se dizia na época
Punge o coração, nestes momentos, em revivendo passagens tão aprazíveis da minha vida, em plena juventude. Falar da juventude é saudosismo e falar das viagens de trem, é um saudosismo, porém, em dose dupla O tempo é, às vezes, muito carrasco, máxime, quando nos situamos, de alguma forma, dentro do seu contexto Que saudades, que lembranças, que vontade de entrar no ”túnel do tempo” e voltar àqueles momentos deliciosos, como doce de coco
V I C Ê N C I A Estou iniciando as minhas derradeiras férias, correspondentes ao ano letivo DE 1954, passado no Seminário de João Pessoa. Já estava decidido a deixar a batina, como normalmente se dizia, daqueles que saiam do Seminário. Tudo ficara acertado, antes de viajar para Vicência/PE. Em aqui chegando, não comentei nada com ninguém. Evitei um provável escândalo, já que a saída das casas de formação religiosa, provocavam um certo ar de mistério, de interrogação e mesmo de curiosidade Pensei que deveria simular uma situação normal, para não traumatizar os familiares, num momento, em que todos já acreditavam que eu seguiria a carreira sacerdotal, como o fez o tio Padre Odilon Pedrosa e outros antecessores seus, meus parentes, por parte de minha mãe. Disse, antes, e volto a repetir que, aqueles seis anos internos, não me credenciavam à vida monástica. Para atingi-la,
se faziam necessários vários requisitos e eu não os atendia no todo. O ponto principal, ou seja, a fé, me fez desistir. Aliás, já me reportei ao assunto em capítulo anterior, motivo pelo qual, não me delongarei ao respeito, neste momento.
Na cidade que escolhi para gozar as minhas férias, havia uma série de novidades no ar. Daria os primeiros passos, no sentido de ir me acostumando com uma nova sistemática de vida. Já estava pensando, intimamente, como seria o meu reingresso na vida normal. Sabia que sentiria muita diferença, pois, os anos em que passei interno no Seminário, a vida comum já tinha mudado muito, assim como eu próprio. Já não era mais um garoto de meus doze anos; hoje, eu era um jovem de
dezoito anos, sem o conhecimento da vida, que já possuíam, aqueles que foram educados em escolas, diferentes daquela que eu freqüentei. Mas, não havia como mudar o destino das coisas. A sorte estava lançada e eu teria que enfrentar a nova realidade, que se me apresentava. Na casa de tio Pedrosa, me trataram como a um príncipe Foi-me dado tudo que seria necessário, para um repouso digno e muito gostoso Não fosse o problema dos calos, teria sido ainda melhor Perdi algum tempo, até me recuperar totalmente desse incômodo. Porém, quando me senti curado, saí à luta com o meu “cicerone”, para descontar o tempo que havia perdido. Era época da festa da Padroeira de Vicência. O Cônego Guedes aproveitou a nossa presença na cidade, e, nos fez portador do seu pedido, para a ajuda às festividades da daquela Padroeira. Viajávamos a cavalo pelos diversos engenhos de cana e fazendas da paróquia, angariando fundos para a festa. Saíamos pela manhã e só voltávamos à noite. As estradas eram carroçáveis, e o único meio de transporte, seria mesmo o cavalo. Carros, na época, eram raros. Havia engenhos que sequer possuíam
um automóvel.
A verdade é que recolhíamos sempre alguma coisa. E, por pouco que fosse, serviria para complementar as despesas das festividades. Às vésperas de uma determinada festa religiosa, não lembro se da Padroeira, ou do Natal, passava-se a noite em vigília, numa serra próxima, para no dia seguinte, em procissão, descermos com a imagem da Santa. Foi uma experiência diferente para mim. Não conhecia aquele tipo de culto
Mas, achei-o ótimo Muitas pessoas passaram a noite sem dormir, se revezando nas orações. Para esse tipo de veneração, notei, apesar da pouca experiência do assunto, que na sua maioria, os crentes presentes, eram jovens e quase todos se namoravam Agora, muitos anos depois, entendo perfeitamente, qual a causa desse fenômeno Como os namoros à época eram muito vigiados e censurados, não só pelos pais, como por todos os parentes, a juventude, numa demonstração da natural tendência atrativa entre dois amantes, aproveitava oportunidades daquele tipo, menos para rezar e mais, para amar Eram poucas horas, (apenas uma noite) e de cada minuto, deveria ser tirado o maior proveito possível Na simplicidade e “inocência”, que existiam nas cabeças daqueles rapazes e moças, quando muito, chegava-se a um beijo, que estava longe de ser inebriante De batina, sem ter bastante conhecimento com aqueles que ali estavam, e, por se tratar de movimento estritamente de cunho religioso, quase, me limitei a organizar, orientar e “puxar” as orações da vigília. O meu colega seminarista, por ser da cidade e conhecedor de quase todos os presentes, envolveu-se em conversas
com vários, dos que ali estavam.
Não lembro se a minha prima Lucinéa, por ser a mais velha das irmãs, teria ido naquela noite, de véspera de festa. Talvez não. Na ocasião, os pais controlavam os passos das filhas, para evitar que namorassem; esperavam sempre um ”príncipe encantado”, que deveria ser o seu genro Sei, que esse tipo de comportamento, causou muita polêmica entre os jovens da época e seus pais. Essa forma de cerceamento, com os movimentos libertários advindos nas décadas de sessenta e seguintes, mudou totalmente o comportamento da juventude do mundo inteiro Foi uma mudança benéfica, que veio para ficar.
Os dias de Vicência passavam lentos e sem novidades. Os impactos que eu esperava acontecerem, parecia não chegarem. A rotina estava sendo um tônica, nos meus dias vicencianos De repente, Evandro começa a despertar para uma atividade, que até aquele momento, não me havia participado
Passei a estranhar o seu comportamento
Acontece, porém, que o mesmo mau de que é acometido o meu amigo, também, já começara a me atingir Estávamos, os dois, olhando as lindas jovens paroquianas, por um outro ângulo, por sinal, muito mais gostoso O cupido acabara de lançar as suas flechas sobre nós ambos
A partir desse momento, começáramos a espiar determinadas garotas, de uma forma muito especial
Contudo, as nossas investidas eram muito cautelosas e discretas; a ponto de não podermos transparecer o sentimento que nos invadia o coração Sentimos os dois, as mesmas atrações, por lindas jovens da sociedade local, mas, infelizmente, não podíamos externar o que se passava em as nossas cabeças Caso afrontássemos os costumes da cidade, provavelmente, aconteceria uma tragédia de grandes proporções, ao menos, com nós dois Mantivemos um silêncio quase sepulcral, ao respeito do assunto. Imagine-se o nosso sofrimento Escolher uma determinada pessoa, que nos parecia ser a eleita pelo nosso coração e não poder externar esse sentimento, por causa dos preconceitos, era um suplício indescritível
Isso ocorreu e me machucou muito Por não ter podido revelar o meu desejo, naquela oportunidade, senti uma frustração das maiores, em toda a minha vida. Para se ter uma idéia daquele “pesadelo”, basta que se diga, que apesar de ter sentido uma das maiores paixões da minha vida amorosa, até hoje, provavelmente, a “eleita”, não tenha tomado conhecimento daqueles momentos tão difíceis, para mim. Daí, em diante, os meus dias eram direcionados para uma oportunidade qualquer, que me fosse possível, ao menos, ver de longe, aquela moça linda, de uns quinze anos, mais ou menos, de estatura mediana, magrinha, um rosto muito bonito
e que passava, de quando em vez, em frente à casa do meu tio Pedrosa.
Creio, até, que depois de um certo tempo, essa linda jovem passou a desconfiar do meu comportamento, com relação a ela e discretamente, passou a evitar que eu a visse com freqüência, como nos primeiros dias. À época, reprovei a atitude tomada por ela; hoje, mais maduro, reconheço-lhe o mérito e lhe dou os mais efusivos parabéns, pela sua discrição. Foi oportuna, apesar de ter me maltratado imensamente Não posso revelar o seu nome. Está casada, muito bem casada, suponho, e seria deselegante, declinar o nome de alguém que me deu, mesmo involuntariamente, uma Alegria imensurável
As missas, eram os momentos mais esperados por mim e por Evandro. Por serem
muito católicas, a minha garota preferida e a do meu amigo, quase diariamente, comungavam. Disputávamos os dois, quem, deveria ser o acólito daquele dia, para poder segurar a pátena, por ocasião da comunhão. Esta, era a oportunidade de vermos os lindos rostos, emoldurados por um tênue véu, daquelas duas jovens belíssimas A memória já me falha, a pouco e pouco. Parece-me, que até esse ato de fé e piedade cristã, com o passar dos dias, veio a ser suprimido Se correto o meu raciocínio, é uma prova conteste de que as duas jovens se aperceberam das nossas intenções Diga-se, de passagem, eram as melhores possíveis
O
MEU
SILÊNCIO A minha permanência na cidade de Vicência, ia aos poucos me ambientando, com os costumes e as pessoas do lugar. Já havia um certo entrosamento, especialmente, por conta do vasto conhecimento de tio Pedrosa e toda a sua família, com os habitantes locais. Por força desse relacionamento, fiz várias visitas a casas de pessoas amigas. Era fim de ano, época de muito caju. Estávamos em plena safra desta fruta e por isso mesmo, saboreei doces gostosíssimos, em diversas casas
Saiba-se, que em cidades do interior, os vigários, muitas das vezes, são convidados pelas pessoas mais ligadas à igreja, especialmente, com a finalidade de saborear pratos deliciosos. Eu não era padre, ainda, mas, estava estudando com essa finalidade. Para aquela gente, eu me encontrava em meio do caminho, com relação ao sacerdócio Mais uma vez, sentia o peso na minha consciência No entanto, naquele momento, não poderia transparecer a minha intenção de deixar, em breve, o Seminário. Não tinha o direito de decepcionar ninguém, especialmente, tio Pedrosa e todo o seu pessoal. Para me ver livre daquela situação caótica, cheguei a pensar em voltar imediatamente para a casa dos meus pais. Faltaram-me as forças e coragem Seria inadmissível assumir posição tão radical, ainda mais, que eu estava começando a sentir o gosto extasiante do amor Muito embora, fosse um amor platônico, a verdade é que já havia algo intrinsecamente ligado a mim, que era palpável e real. Porém, de acordo com o explicitado em capítulo anterior, essa nova criação mental, não poderia ser externada, por causa de problemas mil
Lutei muito com a minha consciência, para tentar chegar a um lugar comum. Nessas situações, a razão pesa muito pouco, ou quase nada Ainda mais, que eu era praticamente iniciante nesse mister. Não tivera, até então, os ensinamentos do mundo, que ao meu ver, têm grande importância na arte de amar. Ainda engatinhava, no que se refere a idílio, mas já sentia emoções fortíssimas, talvez, provocadas pela idade. Envolvera-me de tal maneira, que dificultava-me encontrar uma porta de saída. Estava apaixonado e não tinha conhecimento do desenvolvimento e do fluxo natural do problema Como me livrar de tal situação, se a mesma, estava me fazendo tanto bem, mexendo com todo o meu íntimo, como se fora uma droga maldita, que transporta o usuário a extremos? Tornara-me um viciado, completamente envolvido com a droga do amor A minha personalidade estava sendo alterada transitoriamente, não pelos malefícios, e sim, pelos benefícios que o amor transmite aos amantes A Alegria proporcionada pelo meu despertar, em relação a esse problema, lamentavelmente, se aproximava do seu final. Caminhavam para o seu término, as minhas férias de “mentirinha” Só que, momentos tão plenos de felicidade, foram abruptamente encerrados, da maneira mais trágica possível.
Era um dia 5 de fevereiro de 1955, quando ao cair da noite, recebo um telegrama fatídico, comunicando o falecimento da minha mui querida Mãezinha. Que Deus a tenha na glória, é tudo o que desejo, do fundo do meu coração. Desnecessário se torna dizer que esta sinistra notícia, de pronto, jogou todos os meus castelos de areia ao chão; caíram, como a celeridade de um raio Tudo fora esquecido O problema agora, seria voltar, incontinenti, para a casa do meus pais. Naquela noite trágica, nada me consolou; todos os meus parentes e alguns conhecidos, me vieram trazer os seus pesares. Uma parte da minha vida estava nos deixando e seguia para junto do Criador. Pelo que foi e praticou na sua trajetória terrena, se existe céu, ou um lugar qualquer para as criaturas puras e santas, sem dúvidas, lá estará a minha Mãe. Vou encerrar esse assunto. Machuca-me, prossegui-lo; um ponto final, é a providência mais adequada neste instante
NO
JUNDIÁ Estava me despedindo de Vicência de maneira bastante desagradável. A tragédia que se abateu sobre mim,
me fez deixar para trás a cidadezinha, e sua gente. Já não iria ver mais o Sr. pai de Bibiu ( este, namorado de Lucinéa, à época) todas as tardes, vestido impecavelmente, por força do ofício, com terno completo, quando parava à frente da loja de tio Pedrosa, conversando sobre assuntos, os mais diversos, menos, sobre o namoro dos filhos de ambos Este era um assunto proibido, naquele momento Já me apegara às minhas primas e lamentava deixá-las. Foram menos de dois meses, mas, me pareceram muitos mais Tudo era tão agradável, que o tempo passou célere, contudo, deixando uma imagem, que veio a se perpetuar na minha vida Não sei como saí de Vicência; a verdade é que, no dia seis de fevereiro de 1955, um dia após a morte de minha Mãe, já estava em Goianinha/RN. Dormi em casa do tio Luiz Rocha e parti no dia seguinte, a cavalo, para o Jundiá, onde morava meu pai, naquela ocasião. Não sei bem, qual a distância entre Goianinha e Jundiá, parece-me que sejam uns 15 quilômetros. Demoravam-se umas duas horas, na viagem, a cavalo. Cheguei, finalmente, ao destino. Jundiá era uma espécie de aldeia; tinha na sua região mais habitada uma 50 casas, quase todas de taipa. A nossa era uma das poucas feitas de alvenaria, com grossas paredes de tijolo e portas bastante seguras, feitas em madeira de lei. Apeei da cavalgadura que me transportou, enquanto José Moreira descia a minha bagagem, que viera em um outro animal. A pequena população do lugarejo teve conhecimento da minha chegada. Era uma novidade, especialmente, em situação tão difícil para mim. Não cumprimentei ninguém, não por falta de educação, mas por causa do estado emocional, que se abatera sobre mim, naquele momento. Meu pai (Pedro Ferreira da Rocha) e os meus irmãos (Laurentino e Marinita) me esperavam na calçada, em frente à nossa casa. Corri para eles e os abracei, já em prantos. As pessoas presentes à minha chegada, me olhavam com um aspecto de dor Participaram dos acontecimentos das últimas horas, e, de tudo sabiam; mais, inclusive, do eu próprio Até aquele instante, eu só conhecia o resultado final do caso, que foi o falecimento da minha Mãe, enquanto os demais, tinham detalhes, que naturalmente, ainda me eram desconhecidos Entrei na casa, chorando. Senti-a, como se vazia estivesse. Vi naquele momento, que a minha Mãe, era quem enchia aquela morada Com a sua saída, a residência mais parecia um enorme armazém, totalmente desocupado Foi a minha primeira impressão Fui para o meu quarto e não quis me comunicar com ninguém. Só pensava na perda irreparável, provocada pelo desaparecimento, ainda prematuro, da minha genitora,
no meu entender, no limiar da sua existência. Uma gravidez de alto risco, seguido de um parto mal assistido, arrebata a minha querida mamãe, na plenitude de seus quarenta e dois anos de idade. Desditosa, a sua sorte Mas, o passar do tempo, as palavras ouvidas, de pessoas que comungavam a nossa dor, foram de grande valia e conforto, em
hora tão difícil, como aquela. A tenência é se chegar a uma normalidade, ao menos, aparente. Fui a pouco e pouco, tendo que aceitar a tragédia, já que não haveria a possibilidade de um retrocesso, para o caso consumado. Mais prudente seria a conformação, mesmo contrariando os sentimentos. E graças a Deus, esta foi chegando de mansinho, e, finalmente, as coisas voltaram, aparentemente, ao normal. Superadas as primeiras horas, disse ao meu pai que não voltaria mais ao Seminário. Não me pediu detalhes e eu não os dei. Felizmente, foi uma mudança sem traumas. Creio que o problema dos últimos dias, fizeram com que, tudo o mais, fosse plenamente normal Não tive a preocupação de me explicar para ninguém. Passado algum tempo, já meio recuperado do abalo sofrido, acerto com o meu pai a minha ida para Natal, onde deveria voltar a estudar. Recebi o seu de acordo e me preparo, para deixar o Jundiá. O que me prendia àquele lugar, já não existia mais e não tinha porquê perder mais tempo, por lá. Iria me afastar daquela casa, deixando o conchego da família, pois, precisava partir para novos horizontes. Necessitava continuar os meus estudos, e, só na Capital, havia condições propícias para isso. Aquela residência enorme, com uma varanda lateral muito gostosa, onde sempre havia uma rede estendida, para se repousar, já não me prendia mais. Faltava
a minha mãe, que de quando em quando, surgia, trazendo petiscos para nós comermos. Eram doces de caju, jaca, goiaba, acompanhados de uma bolacha pequena, muito comum na época, chamada “regalia” Isso tudo acabou. Perdeu a graça. Sem a dona, a casa ficou fria, desgraçada e sem atrativo, para mim.
Os nativos eram muito agradáveis, mas isso não bastava. Faltava algo mais e muito mais Meu pai deveria continuar nos seus trabalhos de comerciante, meus irmãos, ainda pequenos, seguiriam a rotina, enquanto eu, buscaria outras alternativas, para dar continuidade a um trabalho que vinha sendo desenvolvido desde alguns anos. Urgia que continuasse os estudos.
N A T A L Em conversa, decidimos que deveria ir, imediatamente, para Natal, a fim de dar continuidade aos estudos, como falei; ainda mais, que estávamos em princípio de ano letivo. Hospedamo-nos na casa do meu primo Aluísio Ferreira da Rocha, que residia na Av. 2, no bairro do Alecrim. O que ficou acertado entre meu pai e Aluísio, não conheci detalhes; mas, a verdade é que me senti, como se em minha própria casa estivesse. Maria Augusta, a esposa, e os filhos: Agnaldo, Ariosvaldo, Míriam, Raminha, Adelino, Luzimar (Lulu), Aluisinho, Canindé e Adauto, foram para mim, mais do que simples parentes, eram verdadeiros irmãos Gente de primeira linha, especial, mas, muito especial, mesmo Destes, cinco já não estão entre nós. Não vou me reportar ao respeito, porque quero lembrar deles, vivos e alegres, como o foram em vida Deixo, aqui, as minhas saudades, em suas homenagens. Já instalado em Natal, procuro o “Atheneu”, o mais importante e conhecido colégio do Estado. À época, não tínhamos nem uma escola de nível superior. O “Atheneu” era o máximo Era Diretor do estabelecimento o Prof. Celestino Pimentel, homem de letras, dono de uma vasta cultura e bastante respeitado nos meios intelectuais do Rio Grande do Norte; com ele, fiz a minha matrícula, para o ano letivo de 1955, no 3o. ano do Curso Clássico. Apenas um semestre, consegui estudar. Tive muita dificuldade, pois algumas matérias lecionadas no “Atheneu”, não coincidiam com aquelas que estudara no Seminário. Por exemplo: Física, Química e História Natural, eu não havia estudado. A nossa grade curricular divergia dos colégios tradicionais, o que se tornava uma dificuldade, para quem saíra do internato, como no meu caso. Estavam dispensados dessas disciplinas, quem terminara o 6o. ano do Seminário, pois este, eqüivalia à conclusão do curso científico, ou clássico; eu saí quando fiz o 5o. ano; precisava fazer prova de adaptação das matérias citadas, correspondente aos dois primeiros anos do 2o. grau. Era uma empreitada dificílima Fiquei apenas o primeiro semestre e tranquei a matrícula, já que, além das disciplinas mencionadas, ainda teria de assumir o curso normal, como os demais; foi uma “barra” e não deu para enfrentar. Continuei hospedado na casa de Aluísio, me apresentei ao Exército e fui aguardar a incorporação, para o início de 1956. Enquanto o tempo não chegava, eu ajudava na mercearia, juntamente com Agnaldo e Ariosvaldo. Era uma maneira de colaborar e de certa forma, “pagar”, pelo trabalho que dava em casa do primo. Não que ele exigisse; aliás, nunca deu a entender que eu estivesse incomodando. Tratava-me, como aos filhos. Apesar de primo, ele era mais velho do que eu uns vinte anos. Tinha muita consideração ao meu pai, que o ajudou, também, na sua infância. Estava de alguma maneira, retribuindo os favores recebidos no passado. Corria a segunda metade daquele ano de 1955. Eu levava uma vida meio de descanso; recompensa dos tempos difíceis que acabara de enfrentar Ajudava nos trabalhos da Mercearia São Sebastião, como disse antes, ia ao Cinema São Luiz ver as fitas da época, que muitas das vezes, eram filmes italianos, estrelados por Gina Lolobrigida, Sofia Loren, Ana Mangano e outras mais, do cinema internacional. Aos domingos, a diversão maior, acontecia por conta dos filmes em Cinemascope, projetados na tela do Cine rio Grande. Este cinema havia sido inaugurado há pouco tempo, por isso, tinha uma procura muito grande, por parte dos cinéfilos natalenses. “Ricardo Coração de Leão”, “Cavaleiros da Távola Redonda” e principalmente, as “chanchadas” brasileiras, eram as fitas exibidas aos domingos, quando se lotava a sala de espetáculos Natal era pobre de diversões. Além das praias, dádivas da própria natureza, quase que não tínhamos nada, afora os cinemas. Em matéria de sentimentalismo, não fiz grandes progressos Uma situação idêntica àquela de Vicência, veio a se repetir. Vi com os olhos do coração uma nova jovem, de quem gostei, porém, da mesma maneira platônica, de antes Decididamente, não me desenvolvera em assuntos de amor A pessoa de quem falo, trabalhava num armarinho denominado “Casa Azul”, também, no bairro do Alecrim e na mesma Av. 2, ou Presidente Bandeira. Nunca tive coragem suficiente para me aproximar dela Uma falha de formação Não poderia ser diferente; a época de aprender os misteres do amor, eu estava interno no Seminário de João Pessoa, onde, sequer, poderia se imaginar tal assunto Como aconteceu anteriormente, o desfecho agora, foi o mesmo. Nada positivo, lamentavelmente Soube, depois, que aquela moça se casara com o filho da proprietária da loja onde trabalhava. Era uma jovem muito bonita, alta, charmosa e de uma presença estonteante Vou começar vida nova. Passaram as festas natalinas, e, estamos no limiar de um novo ano - 1956. Antes, porém, devo contar um fato marcante, ocorrido nesse 1955. Refiro-me à visita da Miss Brasil à cidade do Natal Foi um grande acontecimento, a presença de Marta Rocha, em nossa terra. Homenageada como uma rainha, apesar de ter ficado classificada em 2o. lugar, no concurso de Miss Universo, por ter duas polegadas a mais nos quadris Nunca pensei, que duas polegadas tivessem tanta importância A apresentação oficial aconteceu no Cine Nordeste, recém inaugurado. Era a nossa mais nova casa de espetáculos; tinha todos os predicados para receber uma rainha da beleza, como a nossa eterna Miss Brasil - Marta Rocha. Fui ver a recepção; a moça era realmente deslumbrante Uma figura lindíssima Chamou-me a atenção a cor dos seus olhos; não sei se violeta, lilás, ou outra cor qualquer; a verdade, é que só fizeram aqueles olhos para ela e mais ninguém Quem os fez, perdeu a forma e a jogou no fundo do oceano Agora, posso encerrar este capítulo e abrir o próximo, já no ano de 1956.
NO EXÉRCITO Iniciava o ano de 1956. Já nos primeiros dias do mês de janeiro, me preparava para ser incorporado ao Exército Brasileiro. Uma experiência totalmente nova para mim, principiava no dia
20 desse mês e se prolongaria até 28
de dezembro do mesmo ano. Foi muito tempo de caserna, para quem iria, apenas, prestar o serviço obrigatório. Tudo era novidade. A hierarquia lembrava um pouco o Seminário; com uma pequena diferença; lá se pedia educadamente, aqui, mandava-se e era para ser cumprido a qualquer preço Comportamentos antagônicos, mas que tinham, ao final, um mesmo resultado, qual seja: a ordem seria cumprida. Centenas de jovens incorporados, na sua maioria, escolhidos entre os melhores, pois não tínhamos N.P.O .R., para separar aqueles que possuíam curso científico. Por conta disso, todos ingressávamos
da mesma maneira, sem distinção. Isso provocava uma certa discriminação entre os convocados, pois havia alguns colegas, vindos do interior, sem qualquer instrução, o que causava uma seleção natural no grupo. Já no primeiro dia de quartel, foi feita a leitura dos inscritos,
selecionados para fazer o curso de Cabo. Naturalmente, eu estava incluído. Éramos uns 100 rapazes, das diversas Companhias do 16o. Regimento de Infantaria, sediado na Capital do Estado. Dois dias depois, já seríamos separados do todo, para fazer parte de um pelotão de elite, que iria iniciar a maratona de quase quatro meses, até o término do curso de graduação, no posto de Cabo de Infantaria do 16o. R.I. Tínhamos aulas e mais aulas; todas direcionadas para fins bélicos. A missão do curso era formar os comandantes de Grupos de Combate, no sistema de guerra convencional. As disciplinas eram ministradas nos dois expedientes e não havia “moleza”
Basta que se diga, que qualquer falha, provocada por um dos candidatos, o desclassificaria da turma, de forma incontinenti. O Sargento Ivanildo, que comandava esse pessoal, era muito exigente e fazia questão de nos acompanhar de perto. Qualquer punição, por simples que fosse, excluía o aluno candidato a Cabo. Dos 100 que iniciamos, apenas quarenta e dois concluíram. Fui classificado em 18o. lugar, entre todos que conseguiram chegar ao final. Mesmo com essa classificação, fui o de melhor posição na
1a. Cia de Fuzileiros. Era, portanto, o Cabo mais antigo, como se diz, na linguagem de quartel. Para quem não entende esse
linguajar, significa dizer que, hierarquicamente, eu estava acima dos demais, na minha Cia., dos que concluíram o estágio comigo. Era uma situação meio incômoda, porque, para qualquer missão que surgisse, a nível da Companhia, o escolhido para comandar o grupo, seria eu Às vezes, as tarefas eram até agradáveis, porém, em outras vezes, eram verdadeiros abacaxis E em todas as missões, a responsabilidade por todo o grupo, era do comandante do mesmo. No correr dessas linhas, contarei umas duas ou três, delas, para que se fique bem situado no contexto. Uma das que lembro, foi numa “marcha de aproximação”. Não sabia onde estávamos, nem tampouco, para onde iríamos. Fui escolhido pelo Capitão Mosca (José Estevão Mosca), para comandar um Grupo de Combate, cuja finalidade seria informar ao comando da tropa, sobre possíveis perigos no deslocamento, tais como: minas, tropas camufladas etc., só que, em nenhum momento, atendi as instruções recebidas. O meu grupo caminhava no meio do mato e sem noção de destino, chegou a se perder. Não tínhamos sequer uma bússola, para nos orientar. Marchamos sem rumo certo e nos perdemos, no meio do mato ralo da caatinga. Para quem iniciou a caminhada às três horas da manhã, mais ou menos, já eram cerca de nove horas; o sol estava muito forte e, de repente, encontramos uma árvore enorme, bastante frondosa, com uma sombra deliciosa Não tive dúvida; mandei o grupo parar e nos deitamos, cansadíssimos, para repousar um pouco. Água, já não a tínhamos nos cantis. A sede dominava o pessoal e o pior, é que não havia o menor sinal do líquido precioso por aquelas bandas. Cansados, arranhados, e sedentos, ordenei a parada da minha pequena tropa. Quando menos espero, aparece à minha frente o Capitão Macêdo, montado num daqueles cavalos puro sangue e me faz perfilar. Dá-me uma lição de moral, pede o meu número, a minha Companhia e vai embora. Senti que iria acontecer algo muito desagradável Observei para onde tinha ido e rumei o meu pessoal no
mesmo sentido. Assim, depois de enfrentar uma dureza dos diabos, lá por dentro dos matos, consegui localizar o restante do Regimento, que já ia bem à frente. Como não tinha mais nada a fazer, pois o Cap. Macêdo já havia anotado o meu número, não dei muita importância, porque sabia que viria “chumbo grosso”, depois daquele acampamento, que durou três dias. Quando de volta ao quartel, saiu a minha punição: oito dias de cadeia. Isso era ruim, porque implicava em que pedisse ao encarregado pela escala de serviço, para me escalar os oito dias, correspondentes à punição recebida, nos diversos postos da Cia. e do Regimento. Já que não podia ir para casa, seria melhor “dar” o serviço, só assim, não precisava passar o dia no xadrez Esta era uma prática usual e bastante comum nos quartéis, não sei se ainda hoje, usam esse artifício? Creio que sim É prático e eficiente Foi esta, a minha segunda punição, durante o ano que servi ao Exército. Reconheço
que tive um pouco de culpa no caso, mas, as condições que me foram dadas, para desempenhar a tarefa, sem dúvida, eram bastante precárias Não tive nenhuma orientação ao respeito do problema. Fomos acordados, pela madrugada, recebi as ordens e 10 minutos depois, estava com o meu pessoal entranhado no meio do mato. Dão-me uma missão a cumprir, sem que fossem fornecidos detalhes e elementos suficientes para um bom desempenho Negócio de “milico”, mesmo Um outro castigo que me foi imposto, ocorreu de maneira bem estranha para mim. Certo dia, o Sub Comandante da Cia., Tenente Feitoza, me pede para eu ir passar um telegrama para a Sra. sua mãe, que estava aniversariando. Fez-me a solicitação, porque eu era dos poucos que possuia um veículo próprio de transporte. Era uma bicicleta Monark (Sueca) e, na minha condição, eram muito poucos, como disse antes. Veja-se que eu era um privilegiado, à época Já possuia uma bicicleta Que diferença dos tempos atuais Hoje, quase todo mundo tem automóvel; às vezes, até importados, com ar condicionado e outras mordomias Naquele tempo, com uma humilde bicicleta, já se fazia uma “figura” Bem, a verdade é que o tal Tenente me solicita que vá à Ribeira, transmitir a sua mensagem de felicitações para a sua genitora. Como isso me evitaria de ficar nos exercícios, e, ainda mais, que eu não poderia negar o pedido, fui cumprir a missão. Recordo, como se fora hoje. Era o dia 21 de novembro de 1956, data comemorativa da Padroeira de Natal. Naquela ocasião, só existia serviço telegráfico no bairro da Ribeira. Saí do quartel, passei o telegrama e voltei pela Catedral, já que estava sabendo da festa daquele dia. Seriam umas 10 horas da manhã, daquele 21 de novembro. Tinha certeza que muitos dos colegas que haviam “dado baixa” do Exército, na véspera, deveriam estar presentes na solenidade. Realmente, constatei o que
pensara. No dia anterior, saiu a primeira turma, enquanto eu, fiquei para a última, por causa das punições que sofri durante o ano. A minha saída só veio a ocorrer em 28 de dezembro; ficaria, ainda, mais de um mês, usando a farda verde oliva. Enquanto conversávamos, ao lado da igreja, escuto uma voz que gritava, e dava sinais, de quem me chamava. Os colegas olharam em direção ao Q,G., que ficava exatamente ao lado da Igreja Matriz e viram que era ninguém mais, ninguém menos, do que o Comandante Geral da Guarnição Federal em Natal. Fiquei apavorado Pensei em fugir. Os colegas me alertaram que não seria possível; já estava vindo em minha direção um soldado da P.E., com as instruções do General. Aproximou-se e disse que o General me chamava. Olhei, mais uma vez, em direção ao Quartel General e vi o Comandante da Guarnição gesticulando, como querendo que eu
fosse rápido. Montei na bicicleta e fui ao encontro do sacrifício Pedalei um pouco rápido, dando a entender que iria fugir, para quem visse de fora do problema; o tal soldado da P.E. segura o meu pequeno veículo. Sabendo que estava numa situação dificílima, ali mesmo, no meio da rua, parei e dei uma lição de moral no portador do recado. Eu era superior a ele hierarquicamente; por isso, limitou-se a ouvir a minha “bronca”. Tinha certeza que vinha “chumbo grosso”, para mim.; então, não me fiz de rogado De cima da minha patente de Cabo, do Glorioso Exército Brasileiro, comecei a “descontar”, antecipadamente, a pena que me seria imposta A partir desse momento, foi que o General Armando de Morais Âncora ficou irritado e mandou que eu subisse ao 1o. andar do prédio do Q.G. Ordenou que os soldados da P.E. colocassem a bicicleta sobre uma viatura do Exército, que estava estacionada em frente do prédio. Neste momento, senti como se estivesse numa selva, frente a frente com um leão faminto, sem que houvesse uma única árvore, onde eu pudesse subir, para evitar de ser devorado pela fera Já no primeiro andar, um sargento me avisa que o General estava com uma crise violenta de asma. Fiquei mais preocupado ainda Pensei: vai “sobrar prá mim” E o pior é que não deu outra O Comandante chama um Major que estava próximo e ordena-lhe que escreva à máquina a parte que ele iria ditar. Antes, porém, me perguntava porque eu estava ali; quando eu começava a responder, o desgraçado mandava que me calasse, porque ele não era cachorro, não Repetiu a pergunta umas quatro, ou cinco vezes e sempre o mesmo problema. Fiquei atordoado Tremia, tal qual uma “vara verde” Finalmente, após ditar a minha parte, para que o Major escrevesse, me manda, já detido, para o quartel. Fui escoltado por um sargento, até a presença do Coronel Comandante do 16o. R.I., onde eu servia. Em lá chegando, recebo o prêmio, pelo favor que fiz, em indo passar o telegrama de aniversário do Tenente Feitoza Recebo uma pena de 8 dias de cadeia. Apelei para o Tenente, que por sua vez, explicou ao Coronel Comandante, mas, a resposta foi negativa, já que o General solicitava que lhe fosse comunicada a punição a mim imposta. “Dancei”, nessa missão Moral da história; às vezes, a pessoa vai fazer um favor a outrem, na melhor das boas intenções e acontecem problemas que lhe vêm complicar a vida Essas, foram passagens desagradáveis. Mas, houve momentos bons, durante aquele ano Após ter terminado o curso de Cabo, iniciamos o de aptidão para 3o. sargento. Neste, a minha colocação foi bem melhor. Fui o 5o. colocado em todo o grupo. Se houvesse vagas suficientes, eu teria sido promovido a sargento. Com essa nova classificação, saí do exército, portanto, apto a 3o. sargento. Não seria grande coisa, bem sei, mas, era melhor do que passar o tempo de convocado, como um simples soldado Contei, apenas, maus momentos, até agora. Vou falar de um instante muito prazeroso, ainda, na minha vida militar.
Festa da Apresentação. Era, talvez, o maior acontecimento social da cidade, naqueles tempos memoráveis Servindo ao Exército. Com soldo de Cabo, pude guardar algum dinheiro, já
que as minhas despesas eram pequenas. Por ocasião do evento, me divertia a valer
A festividade ocorria em frente à Catedral, mais precisamente, em toda a área da Praça André de Albuquerque. O local era isolado com tapume, para forçar a pessoa a pagar a entrada. Dentro, havia os mesmos divertimentos utilizados ainda hoje. Eram
parques de diversões, barracas com comidas típicas, jogos diversos, etc. No canto direito da praça, confrontando com o então Palácio Potengi, se erguia um palco, onde se apresentavam artistas diversos, convidados, especialmente, para o festejo. Foi exatamente na Festa da Apresentação, que tive a oportunidade de ver e ouvir, ao vivo, astros do quilate de um Nelson Gonçalves, Caubi Peixoto, Ângela Maria, Sílvio Caldas, Dorival Caymi, Emilinha Borba e outros mais, que não lembro. Devo frisar que estes nomes, eram os mais importantes da época, em se tratando de artistas nacionais. Neste ano, não tínhamos transmissão de televisão na cidade. Víamos os citados artistas, apenas, através dos filmes nacionais, ou, quando, raramente, excursionavam pelo Nordeste. E pensar que nos dias atuais, temos uma imagem digital de televisão, com o sinal transmitido via satélite, é de se acreditar numa história como esta? Porém, tudo foi verídico Não há fantasias ou exagero, no que contei. Os cantores que se apresentavam à noite, na festa da Padroeira, ainda pela manhã, cantavam na Rádio Poti, abrilhantando o programa de auditório do apresentador Genar Wanderley. Esse, é tema para um
próximo assunto. Voltemos à caserna. Um fato inédito aconteceu comigo às vésperas de um acampamento, não lembro qual, deles. Sei que alguns colegas, me pregaram uma peça, a qual não esqueço jamais. Nas conversas que tínhamos, eu frisava sempre que não bebia
aguardente, de forma alguma. Nem mesmo, que fosse como remédio Como não conhecia
ainda a malandragem da vida aqui de fora, pois acabara
de sair do Seminário, destaquei, com muita ênfase esse problema. Sei que por causa dessa minha afirmação, diversos companheiros de farda resolveram mostrar o contrário. Estávamos todos aquartelados, nos preparando para os exercícios de guerra, fora do quartel. Lembro bem, que estava na função de sargento de dia à 1a. Cia. e o Regimento acomodava todo o seu efetivo de prontidão, para seguir a marcha, no dia seguinte. Nesses ambientes de coletividade, sempre existe um “espírito de porco”, que resolve fazer uma gracinha qualquer;
por azar, a tal brincadeira aconteceu comigo. Não esperava nunca que fossem capazes de praticar um ato daquela natureza. A coisa aconteceu mais ou menos, assim: compraram uma garrafa de aguardente, esconderam-na no terreno, em frente ao quartel, perto das alamedas da entrada e me convidaram para discutir uns assuntos, com referência à marcha que faríamos no dia seguinte. De boa fé, não tive a menor dúvida em acompanhar
os colegas, que muito insistiram, para eu ir. Enquanto caminhava, juntamente com eles, não me apercebi que teriam armado uma cilada, para me pegar. Ainda era bastante ingênuo, em relação aos meus colegas de farda. Nem de longe, notara que a maldade estava preparada e eu seria a vítima daquele ato maldoso, covarde e sem graça. Era noite, antes da “revista” à Companhia, pelo Oficial de Dia. A iluminação do local não era das melhores. Isso facilitaria a prática de um gesto que considerei de grande maldade. Creio que eram uns dez “falsos” colegas da minha turma. Quando nos encontrávamos num lugar meio escuro, iniciaram a ação programada por eles. Não sei de quem foi a infeliz idéia, mas, me seguraram, ato contínuo, me puseram deitado no chão, enquanto um deles abria a garrafa de cachaça e me forçava a engolir. Apesar do meu esforço em não querer aceitar, como eram muitos, fiquei completamente imobilizado e não tive a mínima chance de me livrar da armadilha que me prepararam, de maneira tão covarde Agiram, como agem os facínoras, em momentos de ataque a vítimas indefesas e desprevenidas, sem a mínima condição de reagir à crueldade programada por esses monstros. Por conta dessa ingestão de bebida alcoólica, em grande dose, não tomei conhecimento de mais nada, durante três dias seguidos. Não sei como saí daquele local, pois, só comecei a recuperar a consciência, 72 horas depois do fato ocorrido. Entrei num estado de coma alcoólico. Por sorte, não morri Quando vim iniciar as minhas atividades normais, três dias depois, estava internado no Hospital da Guarnição, e, pelo fato, havia deixado de ir ao acampamento. Quando o Oficial de Dia ao Regimento foi fazer a revista à Cia. eu não estava presente; não sei qual foi a desculpa que deram ao Oficial. A verdade é que fui notificado, por não ter “apresentado” a 1a. Cia, naquela noite, véspera de uma marcha de treinamento. Realmente, foi uma coisa terrível Fiquei completamente drogado, após beber quase uma garrafa de cachaça, contra a vontade e de maneira tão selvagem, como aquela que me impingiram, de forma bastante violenta e maldosa. Resultado final do problema. Por ter faltado “intencionalmente” ao acampamento, (assim foi registrada a falta), sem justo motivo, recebi uma punição de oito dias de cadeia. Realmente, na minha situação, era inconcebível tal comportamento Os oficiais da minha Cia. não entenderam, como eu poderia praticar um ato de indisciplina, de tanta gravidade
A covardia praticada contra mim foi abominável Desse momento em diante, me afastei do grupo, demonstrando, claramente, que não me interessava manter o menor relacionamento com gente daquela espécie O pior, é que se tratava de colegas graduados, como eu
Foram tão covardes, que não se identificaram, para o Comandante da Companhia. Eu fui a única vítima, em toda essa história Da maneira como se portaram, a cadeia que eu recebi, injustamente, seria para os dez que me agrediram. Hoje, com a experiência que tenho, jamais deixaria passar em branco, uma atitude tão ordinária e desclassificada como aquela. Sem dúvida nenhuma, com a vivência que hoje possuo, apontaria todos aqueles que cometeram ato tão indigno e selvagem, contra a minha pessoa. Essa, ainda hoje, é uma das péssimas lembranças que tenho do meu tempo como militar.
OS
DOMINGOS As opções dominicais em Natal, eram as mesmas de outras cidades litorâneas do Nordeste. A maior atração era, realmente, a ida à praia. Começava-se esse dia, já pensando num gostoso banho de mar Eu, particularmente, não era um fã incondicional dessa idéia, mas, como não havia uma opção mais prática e fácil, o normal mesmo, seria acompanhar os demais, nesse tipo de lazer. Quase sempre, eu ia com Agnaldo, filho mais velho do meu primo Aluísio Rocha. Íamos de bicicleta. Saíamos pedalando, descendo a ladeira do Baldo, passávamos pelo centro da cidade, pela Ribeira e entrávamos pelas Rocas, chegando, finalmente, à Praia do Meio. Quando estávamos passando pelo Bairro das Rocas, era como se estivéssemos num programa de auditório de rádio Passávamos por uma rua estreita, que na época, era uma das poucas calçadas a paralelepípedo, naquele local; como havia um programa ao vivo na Rádio Poti, naquele mesmo horário, cerca de nove horas da manhã do domingo, quase todas as casas daquela rua estavam sintonizadas nesta emissora, a mais importante da cidade, naqueles tempos. Ouvíamos, enquanto pedalávamos, a animação do apresentador Genar Wanderley, o favorito naquele horário, por quase toda Natal, já que se apresentavam ali os nomes famosos do rádio e cinema nacionais, os quais eram contratados, para apresentações na cidade. Quando por ocasião da Festa da Juventude, de que falei há pouco, esses mesmos artistas faziam uma segunda apresentação à noite, naquela festa. Após a passagem pela ruazinha, onde se ouviam as atrações da Rádio Poti, começávamos a ver o mar, verde, grandioso, inquieto, debruçado sobre as areias brancas da Praia do Meio, Praia do Forte e de Areia Preta. Alguns
à beira-mar e outros tantos já na água, se refrescando da canícula, que castiga estas plagas, nos tempos de verão Por causa da cor da pele, não abusava dos raios solares. Procurava sempre uma sombra, que por sinal, eram
poucas, por aqui. Via o movimento, dava os meus mergulhos e ficava, como era muito natural na minha idade, observando as “pequenas” que enfeitavam a orla marítima, nos seus maiôs coloridos, feitos de tecido de algodão. Só alguns anos depois, começaram a surgir as malhas sintéticas, mais apropriadas para a confecção desse traje feminino, já que moldavam com mais graça as curvas do corpo da mulher. Era tudo muito simples e posso dizer, até mesmo, puro As pessoas não tinham aquele pensamento de exibição, como acontece nos tempos modernos, onde as mulheres primam por mostrar o corpo, usando trajes bastante sumários. Contudo, devemos respeitar, por ser essa, a tendência da época. Os tempos mudaram e devemos nos conformar com a idéia dominante, que é criada pelas cabeças mais jovens. Assim, eram as nossas manhãs de domingo. Sem grandes mudanças, sem modificações radicais nos costumes, como ocorre nos dias de hoje, as mais das vezes, provocadas pela celeridade da informação, vindas pelos modernos meios de comunicação, como a televisão, o computador a internet e outros mais Após a curtição da praia, que era o programa matutino, para complementar o fim de semana, tínhamos no período da tarde o passeio pelas praças e as idas aos cinemas. Estes, normalmente, lotavam, por falta de outras opções. As chanchadas nacionais tinham o seu público certo e fiel. O Cine Rio Grande superlotava nos vesperais dos domingos, quando eram exibidas essas fitas. Geralmente, versavam sobre temas sem grande valor artístico, mas que agradavam,
porque apresentavam os astros que estavam nos auges de suas carreiras. Eu era um dos muitos aficionados desse tipo de cinema. Gostava de ver as bailarinas que se apresentavam na tela, geralmente, com roupas de banho, o que na época, se tornava um sucesso garantido, especialmente, no meio do público masculino Só poderá fazer um julgamento perfeito da minha opção, quem viveu aqueles tempos, ultrapassados hoje, porém, atuais, naquela ocasião A verdade é que éramos felizes, com o pouco que tínhamos. Quando não se conhece um pouco além, a criatura humana se contenta facilmente, com o pouco que lhe é dado; isso acontecia com os jovens que viveram nos famosos “anos dourados”, como eu e outros mais, que são os “maduros” de hoje Em resumo, esses eram os nossos domingos, que me trazem muita saudade, ao lembrá-los e dos quais não esqueço.Recolher