P/1 – Bom dia Levi, obrigado por ter aceitado o nosso convite, eu queria que você começasse dizendo seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Levi Cerqueira, a data de nascimento é 07 de janeiro de 1961.
P/1 – E onde você nasceu?
R – Em Itapetininga no Estado de São Paulo.
P/1 – O nome de seu pai e de sua mãe?
R – Meu pai é Devercilo Cerqueira, nascido em Ibotirama na Bahia e minha mãe é Geralda Ribeiro da Silva, zona da mata mineira, Muriaé.
P/1 – Qual era a atividade de seu pai?
R – Meu pai sempre foi trabalhador rural, criou nós tudo na fazenda, na roça. A gente vem de origem da agricultura mesmo da roça.
P/1 – E quando você nasceu seu pai trabalhava em Itapetininga?
R – Meu morava em Itapetininga.
P/1 – Seus avós, você conheceu?
R – Só da parte da minha mãe, do meu pai não.
P/1 – O nome deles?
R – O nome deles eu lembro, do meu pai, mas eu não os conheci.
P/1 – Como era o nome dos seus avós?
R – Da parte do meu pai era Januário Cerqueira e a minha avó era Josefa Rita Cerqueira, não devem estar vivos pelo período de anos já deve ter...
P/1 – E da parte da sua mãe?
R – Da minha mãe é José ribeiro da silva, ele faleceu com 96 anos e a minha avó no final de 2001 morreu com 110 anos, era Cecília Maria de Jesus.
P/1 – Sei. Os avós que você conheceu...
R – Foi por parte da minha mãe só.
P/1 – Por parte da sua mãe. Eles também eram agricultores?
R – Todos de origem da área rural.
P/1 – Seu pai tinha alguma especialidade, assim alguma coisa que ele gostava de plantar mais? Ou alguma...
R – Olha, o meu pai a gente conhecia... O meu pai era muito especializado na área de pecuária, as pessoas diziam que ele era um veterinário sem faculdade. Ele tinha muita habilidade com os animais, fazer cirurgia e essas coisas em...
Continuar leituraP/1 – Bom dia Levi, obrigado por ter aceitado o nosso convite, eu queria que você começasse dizendo seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Levi Cerqueira, a data de nascimento é 07 de janeiro de 1961.
P/1 – E onde você nasceu?
R – Em Itapetininga no Estado de São Paulo.
P/1 – O nome de seu pai e de sua mãe?
R – Meu pai é Devercilo Cerqueira, nascido em Ibotirama na Bahia e minha mãe é Geralda Ribeiro da Silva, zona da mata mineira, Muriaé.
P/1 – Qual era a atividade de seu pai?
R – Meu pai sempre foi trabalhador rural, criou nós tudo na fazenda, na roça. A gente vem de origem da agricultura mesmo da roça.
P/1 – E quando você nasceu seu pai trabalhava em Itapetininga?
R – Meu morava em Itapetininga.
P/1 – Seus avós, você conheceu?
R – Só da parte da minha mãe, do meu pai não.
P/1 – O nome deles?
R – O nome deles eu lembro, do meu pai, mas eu não os conheci.
P/1 – Como era o nome dos seus avós?
R – Da parte do meu pai era Januário Cerqueira e a minha avó era Josefa Rita Cerqueira, não devem estar vivos pelo período de anos já deve ter...
P/1 – E da parte da sua mãe?
R – Da minha mãe é José ribeiro da silva, ele faleceu com 96 anos e a minha avó no final de 2001 morreu com 110 anos, era Cecília Maria de Jesus.
P/1 – Sei. Os avós que você conheceu...
R – Foi por parte da minha mãe só.
P/1 – Por parte da sua mãe. Eles também eram agricultores?
R – Todos de origem da área rural.
P/1 – Seu pai tinha alguma especialidade, assim alguma coisa que ele gostava de plantar mais? Ou alguma...
R – Olha, o meu pai a gente conhecia... O meu pai era muito especializado na área de pecuária, as pessoas diziam que ele era um veterinário sem faculdade. Ele tinha muita habilidade com os animais, fazer cirurgia e essas coisas em animais sem ter... A escola da vida ensinou, era um homem de muita experiência na pecuária e gado, era vaqueiro, trabalhava com o gado, ele tinha essa longa experiência o meu pai com essa parte.
P/1 – Em algum momento ele chegou a ser proprietário de terra?
R – Não, sempre foi agregado.
P/1 – Como é que era essa vida de..praticamente nômade, né? Quer dizer, vai atrás do trabalho onde o trabalho existe?
R – Meu pai é aquele nordestino que... ele era da Bahia e às vezes as coisas apertavam com a seca no norte da Bahia,e ele emigrava para o sul com a família toda. A gente chegou a fazer algumas viagens de pau de arara naquele período de meninice, né? Descendo pela Rio Bahia, a gente passava por Muriaé, que é a cidade da minha mãe que você conhece bem, e dali a gente ia pro sul. E ele trabalhava, conseguia alguma coisa e quando cismava de voltar a gente voltava pra Bahia. Eu cresci nesse meio São Paulo, Bahia, Minas Gerais de fazenda em fazenda, mas como ele era um homem muito trabalhador, muito conhecido aonde chegava,logo agregava. Família grande e a família toda trabalhava, ele sempre utilizou muito o trabalho da família e ensinou muito a gente a trabalhar. Isso é uma coisa que a gente deve muito ao velho, ele sempre ensinou a ser honesto e trabalhar. Então isso aí já vem de família graças a Deus.
P/1 – Vocês são quantos irmãos Levi?
R – Oito.
P/1 – Em que ponto da escala você se localiza?
R – Eu sou o último, eu sou o caçula e por isso que minha mãe está com quase 80 anos. Eu estou com 47, sou o caçula dos oito.
P/1 – Você se lembra de alguma das casas que você morou e que esteja gravado na sua lembrança?
R – Ah, bastante. Algumas casas, a maioria das vezes que a gente tinha os trabalhos, não tinha muito esse negócio de direitos sociais, encargos sociais, a maioria das vezes meu pai pegava uma parte de fazenda e a gente construía casa, a gente confeccionava as telhas, fazia aquelas casas de pau a pique. Muitas nós chegávamos às fazendas, pedíamos serviço e eles falavam: “eu tenho aquela parte de terra ali se vocês quiserem construir uma casa para família e plantar aí”, o fazendeiro cedia e meu pai começava. Ali nós começávamos uma lavoura de café, plantava e começava por ali, muitas vezes fizemos isso aí, umas quatro ou cinco vezes eu me lembro na minha meninice de ajudar a construir essas casas, a própria casa de morar.
P/1 – Sempre a família inteira?
R – Sempre a família inteira, como eu sou o caçula eu tenho história mais da meninice, mas tinha meus irmãos que eram mais velhos e ajudavam meu pai também nessas construções.
P/1 – E vocês tinham algum tipo de brincadeira? De diversão? Sobrava tempo pra isso?
R – Sobrava porque a gente naquele período, meu pai era tocador de violão e crescemos todos. Nós éramos tocadores de sanfona, nós éramos forrozeiros e onde a gente agregava... Nossa família é muito procurada por pessoas até hoje. Nós éramos muito aglomerados e sempre juntava três ou quatro famílias e começava um forró ali por perto, tinha instrumentista muito a vontade e aí começava uma festa.
P/2 – O senhor aprendeu a tocar algum instrumento?
R – Sim.
P/2 – E o senhor toca o quê?
R – Eu toco sanfona.
P/1 – E os irmãos também tocavam?
R – Todo mundo, a família nossa... Um pouco pra cada um, né?
P/1 – E como é que eram essas festas? Tinha algum motivo especial?
R – Tinha. Quando a gente estava no Paraná e em São Paulo eram as festas de fim de ano, sempre fim de safra tinha aquelas culturas de quando terminava a safra a gente juntava... No Paraná também a gente morava em colônias, aquelas colônias de plantação de algodão e quando terminava a safra do algodão, a gente logo tinha aquela festa, as mulheres faziam os bolos, tinham aqueles quentões. Aí começavam aquelas festas, aquele forró de inauguração de fim de safra no Paraná, eu lembro muito disso aí, no período nosso no Paraná.
P/1 – E em São Paulo e Minas?
R – São Paulo também do mesmo jeito. Minas é outro jeito, porque a cultura mineira é diferente e a gente ficou pouco. Era mais Bahia ou no sul do Estado de São Paulo e Paraná, mas em Minas Gerais a cultura era muito diferenciada e minha mãe ficava ali muito pouco, ali era mais passageiro. Hoje minha mãe se fixou lá. Após a morte do meu pai, minha mãe fixou lá e não saiu mais, meus irmãos a maioria mora lá, então a tendência era ficar lá.
P/1 – E como é que era esse cotidiano de trabalho? Como era um dia típico? Descreva assim desde quando acordavam até vocês irem dormir?
R – A rotina é que meu pai tinha com a gente era a seguinte: todos os filhos já tinham seu trabalho, você levantava de manhã e não precisava dele mandar, ele nos doutrinou assim: “você levanta de manhã, o seu serviço é esse, o outro é aquele”, um vai tratar do porco, o outro vai tratar da galinha, o outro vai varrer o terreiro, o outro vai ajudar a lavar as vasilhas, o outro vai socar arroz no pilão. A gente cresceu assim todo mundo tinha a sua escala, ninguém ficava parado, ensinou todos a trabalhar nessas condições. Então a gente vem de família humilde, da roça mesmo que aprendeu tudo no dia-a-dia.
P/1 – Mas, por exemplo, faziam as refeições juntos?
R – Não, isso aí sobrava mais para minha irmã mais velha e minha mãe, sempre eram as mulheres que cuidavam dessa parte, os meninos era o trabalho de roça, arrumar o chiqueiro, buscar um gado esse era o nosso trabalho.
P/1 – Sim, mas na hora do almoço vocês almoçavam juntos?
R – Sempre juntos. Quando estava fazendo trabalho fora, o almoço ia até a roça, mas a maioria das vezes era na casa.
P/1 – E como é que era o rancho? O que tinha normalmente para comer?
R – Nossa casa, eu falo para o meu povo até hoje, a nossa casa sempre... Meu pai educou a gente com muita fartura na época da roça que a gente trabalhava. Na roça o almoço era muito cedo, nove horas você já almoçava, hoje mudou completamente, né? Meio dia você tinha o café, de duas as três tinha janta lá na roça para quem estava trabalhando e a noite tinha a ceia da noite que sempre costumava... um pegava o violão, outro pegava a sanfona depois daquela janta ali e começava a tocar, chegava um vizinho ou outro.A gente sempre cresceu nesse meio de família.
P/2 – E a escola Levi? Você chegou a estudar?
R – Eu tive um privilégio, da família o único que fez a quarta série lá em 1973 fui eu, aí eu parei e terminei agora, tem cinco anos que eu terminei.
P/2 – Você estudou onde?
R – Um pouco em cada Estado, o período que eu estava na Bahia, eu estudei na Bahia, quando eu estava em São Paulo... Eu sempre chegava e ia à escolinha, escola da roça. Eu fiz aquela quarta série em escola da roça com professora da roça, o restante eu terminei agora há pouco tempo, tem uns cinco anos que eu terminei o segundo grau completo.
P/1 – E tem alguma professora que tenha te marcado?
R – Bastante.
P/1 – Quem?
R – Eu tive uma professora que me ajudou muito no final da minha quarta série, porque eu estava com dificuldade. A gente mudou e eu fiquei mais ou menos uns seis meses sem ir a aula, ela foi lá na casa do meu pai, era final de ano tinha que fazer prova, ela me ajudou muito. Naquele final de ano foi onde eu adquiri o diploma da minha quarta série.
P/1 – Como era o nome dela?
R – Maria Célia Segueto.
P/1 – E onde foi isso?
R – Isso foi em Eugenópolis, Minas Gerais, foi onde eu terminei os estudos. A gente veio da Bahia e parou ali e eu fiquei aquele período sem aula. E ela falou: “não, o menino tem que terminar” ela foi lá, conversou com minha mãe e com o meu pai “eu vou ajudá-lo” e ela me ajudou bastante, foi muito importante, eu nunca me esqueci disso. O meu desejo era ter um diploma da quarta série, naquela época era muito difícil e eu consegui o diploma, ela foi lá e me ajudou e ficou marcante. Meus irmãos estudavam, mas nenhum tinha o diploma e é importante todo mundo ter um diploma e eu tinha esse desejo do diploma da quarta série, ela me ajudou demais.
P/1 – Nessa vida assim dava tempo de formar amizade fora do círculo familiar?
R – Bastante. A gente era muito convidado e eu desde 13 para 14 anos já tocava festas, festa junina e essas coisas. Eu era convidado para tocar nesses lugares à noite, então a gente tinha muita amizade, o pessoal fica muito apegado a esse tipo de pessoa, animador de festa,né? Então a gente tinha muita amizade.
P/1 - O músico é um homem feliz.
R - Graças a Deus.
P/1 – É isso mesmo. E essas mudanças não te causavam nenhum tipo de problema no sentido de deixar coisas que já estavam mais próximas da sua querência? Sempre mudando, mudando na cabeça do garoto tinha algum problema? Ou já era uma diversão?
R – Não, a gente tomava aquilo como diversão, parece que a gente sentia aquela coisa. Cada lugar que você chegava novas amizades, parecia que... A gente até acostumou com aquilo, porque meu pai mudava bastante, então a gente acostumou, né? O pessoal brincava “o senhor Devercilo quando vai mudar não precisa prender as galinhas porque elas já vêm e viram o pé para poder amarrar” de tanto que a gente mudava.
P/1 – Mas vivendo na roça vocês chegavam a frequentar as cidades próximas ou a cidades eram...
R – Na maioria das vezes era algum vilarejo, cidades grandes muito pouco, a gente era do interior e sempre se aproximava mais dos vilarejos. Eu cresci em cidadezinhas pequenas, povoado mesmo cidade grande era muito pouco.
P/1 – E alguma dessas que tenha te marcado? Que tenha te chamado a atenção? Uma cidadezinha que você tenha gostado e que até hoje você se lembra dela?
R – Mais é o lugar mesmo do bairro da Conceição onde eu nasci em Itapetininga no Estado de São Paulo, eu nasci ali e a gente ficou um bom período. É um vilarejo também se vocês conhecem para quem está saindo na Raposo Tavares, passa Itapetininga tem o bairro da Conceição, tem um gramadão, eu nasci naquela beira de rodovia ali.
P/1 – E quanto tempo você ficou ali?
R – Ali eu fiquei um período grande e onde eu comecei a aprender a trabalhar foi ali, porque depois eu saí da casa do pai. Como caçula, eu migrei o meu tempo de vida e fiquei em Itapetininga, onde fiz um curso técnico. Em Minas Gerais eu fui com 13 para 14 anos, aí eu fixei lá o meu trabalho, que eu aprendi a trabalhar como administrador de fazenda.
P/1 – Como é que era essa casa de vocês lá em Itapetininga?
R – É casa de fazenda, lá já era uma casa melhor porque eu era gerente de fazenda, aí a vida começou a mudar, né? Eu fiz curso agrícola, fui dar assistência técnica em fazenda, então aí já mudou um pouco a qualidade do ramo de vida, então aí já era uma casa melhor. O Estado de São Paulo era um lugar mais desenvolvido aí já saí daquela rotina do meu pai. E também perdi o pai naquele período, aí a coisa mudou.
P/1 – E como é que foi essa mudança? Quer dizer você termina a quarta série e como é que você ingressa no curso técnico?
R – Foi bem depois lá em Itapetininga, eu tive que estudar mais um pouquinho, eu fiz a oitava série, aí que eu tive condições de fazer o curso técnico lá em Itapetininga, fiz Cooperativa de Cutia, escola de Cutia.
P/1 – Mas você decidiu fazer isso ou seu pai estimulou?
R – A necessidade da profissão, porque eu era gerente de fazenda, eu tinha compromisso com produtividade, inclusive quem pagou foi o próprio patrão. Eu trabalhei 16 anos só numa empresa.
P/1 – Que empresa que era?
R – Era uma fazenda, com um proprietário, porque era uma empresa rural.
P/1 – Qual era o nome da fazenda?
R – É Casa Branca, eram três fazendas ligadas: Casa Branca um, Casa branca dois e Casa Branca três.
P/2 – Que tipo de produção?
R – Gado e grãos.
P/1 – E como é que você ascendeu a essa função de fazenda? Como é que foi essa trajetória para você se tornar um gerente?
R – É porque esse companheiro que eu comecei a trabalhar com ele, o sítio era pequeno quando a gente começou. Eu fui agregado pra ele, o sítio era bem pequeno, ele foi crescendo, foi crescendo, a empresa foi crescendo e eu sempre na responsabilidade, tudo na minha responsabilidade aquilo ali. Então eu passei a ser gerente, foi agregando mais trabalhador e eu passei a ser gerente. Aí veio a necessidade de mais capacitação para atender melhor a agricultura. A gente como muito amigo, já tinha uns oito anos que eu estava trabalhando nessa empresa, ele pagou o curso técnico pra mim para eu me capacitasse melhor.
P/1 – E como era o nome desse proprietário?
R – Ronaldo Carvalho Cerqueira.
P/1 – Cerqueira também?
R – Coincidência e não somos parentes, não tem nada a ver.
P/1 – E esse curso foi feito onde? Em Itapetininga?
R – Em Itapetininga.
P/1 – E como era o nome do curso? Era curso de que exatamente?
R - Era um curso básico, curso técnico de como você vai trabalhar com a pecuária, fazer controle de solo, operação de máquina.
P/1 – Quanto tempo?
R – Durou um ano e meio.
P/1 – E a tua rotina nesse período como era?
R – Era mais no fim de semana, eu trabalhava na fazenda eu ia lá e fazia o curso.
P/1 – E em que consistia esse seu trabalho na fazenda? Descreve esse trabalho como era?
R – Mais era administrativo mesmo, cresceu tanto que chegou a um ponto que eu tive que ficar mais no administrativo, a empresa cresceu... Esse Ronaldo que eu trabalhei pra ele tinha uma empresa em Itapetininga, uma em Mirasol do Oeste no Mato Grosso, uma aqui em Tocantins, em Palmas e essa de São Gonçalo do Abaeté quando eu vim de São Paulo pra Minas. Aí decidi que ia concentrar nessa aqui que era uma área maior, transferi de São Paulo e vim pra Minas Gerais e fiquei seis anos.
P/2 – Sempre na administração?
R – Sempre na administração. Ali que eu parei com a administração de fazendas e aí eu larguei, pedi demissão.
P/2 – Por que você largou e pediu demissão?
R - Eu não vi que cresci muito, a fazenda cresceu muito na minha administração, eu não cresci, eu fiquei só no salário. Eu precisava expor um pouco da minha luta pra mim também, mas não deu aquele quebra cabeça. E eu acabei quebrando a cabeça e fiquei por ali naquele entremeio. Aí na minha experiência, eu fui trabalhar com obras, também eu tinha facilidade para mão de obra de obra. Eu fiquei um período e aí comecei a trabalhar em algumas fazendas em Minas dando assistência e aí fui convidado para vir para Cristalina em Goiás, mexer com o plantio de soja, foi aí que conheci o movimento social que é da reforma agrária. Aí eu vi que tinha um grande espaço para a reforma agrária e entrei onde estou assentado hoje pela reforma agrária.
P/2 – Quantos anos você tinha na época?
R – Aqui em Cristalina? Eu estava com 40 anos de idade, eu estou com 47.
P/2 – Mas como surgiu esse convite de vir para Cristalina, para Goiás e conhecer esse movimento social?
R – A minha sogra morava em Cristalina, tinha um conhecido deles que estava com dificuldade na lavoura de produtividade e eles conversando falaram: “meu genro tem experiência grande de longa estrada com lavoura” aí ligaram pedindo para que eu viesse pra gente assentar,aí eu vim pra Cristalina, mudei pra cá.
P/2 – Isso foi em que período?
R – Ah, 13 anos.
P/2 – Você estava lá na fazenda?
R – Eu estava lá em São Gonçalo do Abaeté, minha esposa é de Morada Nova de Minas, festa de rodeio.
P/1 – Onde?
R – Morada Nova de Minas. Eu sempre gostei de festa de rodeio e essas coisas.
P/1 – Você se lembra do primeiro contato assim? Qual foi a primeira vez que você enxergou sua esposa?
R – Ela já tinha aquela tendência de gostar de festa também, de rodeio, pião de rodeio e aquela coisa toda. Eu sempre mexia com essa área, fazenda, leilão de gado, eu participava de todos os leilões de gado, eu comprava e vendia pras fazendas. Então a gente se conheceu lá na festa e surgiu o contato e eu saí de lá pra casar.
P/1 – E foi fácil de convencer os pais dela? Você com essa vida aí que muda de um lugar pra outro?
R – Não foi difícil não, quando se gosta não tem jeito é só chegar e dizer a verdade que a coisa é séria. Acho que todo mundo quer que a filha case com a pessoa que assume a sinceridade, né? Todo mundo pensa nisso aí.
P/1 – Você tem filhos?
R – Tenho quatro.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Dione, Dialei, Lady e Josué, agora novinho.
P/2 – Quando você veio pra Cristalina, você veio com os filhos?
R - Os filhos todos.
P/2 – Todos os quatro?
R – Não, eu tinha três, o último nasceu agora em Cristalina está com dois aninhos.
P/2 – Qual o nome dele?
R – Josué.
P/1 – Levi, como é que foi assim a sua primeira impressão quando chegou a Cristalina? O que você viu?
R – Olha, eu vi um leque de trabalho, porque Cristalina é uma cidade de agricultura muito forte igual Itapetininga mesmo, eu falei: “aqui dá pra gente começar de novo aquele trabalho de produtividade”, onde você vai pegar uma gerência que além do salário, você vai ter uma participação da produtividade e aí você começa a implantar aquilo que você sabe. Então eu falei: “aqui o espaço é bom, dá pra trabalhar.” E de repente a gente não sabe do destino e eu via o lado que tinha o movimento social que é da reforma agrária, eu falei: “já que é viável eu pegar uma parcela pra mim, eu vou pegar também porque eu não vou ter que arcar com dinheiro pra isso, e eu tenho recurso pra trabalhar.” Fui pra lá e ingressei também.
P/1 – E como é que foi essa primeira chegada? Como é que foi seu primeiro contato com o movimento social?
R – Meu primeiro contato seria chegar e fazer uma inscrição, foi até um irmão de igreja que me levou pra fazer essa inscrição lá. Aí eu me inscrevi e disseram que em 40 dias a gente... Que a terra seria liberada pra gente começar a trabalhar, isso pra mim ia ser ótimo, eu ia pegar um pedacinho de terra pra mim. Só que o tempo foi alongando e chegou a quatro anos e a terra não saiu. Aí eu continuei trabalhando para os fazendeiros, eu fiz muita amizade com eles, acabei trabalhando pra eles colhendo e no período de plantio, eu ia plantar, e período de colheita eu ia colher em Cristalina. Eu fiquei fazendo isso até que as terras saíram, hoje eu estou assentado na reforma agrária.
P/1 – E nesse período que você trabalhou para os fazendeiro, você mantinha lá alguma atividade no assentamento?
R – Sim, eu fiquei acampado, aí eu assumi a liderança do acampamento porque naquele período de tempo... Aquilo foi passando e acabou que eu assumi a liderança e já tem seis anos que eu sou ligado à federação, fiz três assentamentos onde eu dou assistência pra eles, trabalho com eles, criamos o DRS [Desenvolvimento Regional Sustentável] através da Secretaria do Município, criou o DRS do meu assentamento.
P/1 – Certo. Esse trabalho você levou um conhecimento para os assentados e que eles eventualmente não tinham, né? Essa tua experiência de gerência...
R – Não tinham. O INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] aceita as famílias, mas não tem aquele compromisso com assistência técnica, então isso aí eu fiz voluntário “nós vamos fazer assim, vamos fazer assado”. Hoje a gente...antes de fazer o parcelamento, a gente está com o assentamento modelo do município de Cristalina pela nossa produtividade, muito nós produzimos lá dentro do assentamento. E está tudo em comum, agora que está fazendo o parcelamento, porque a gente entrou pela Fundação Banco do Brasil,criamos o DRS onde começou a sair um recurso e as famílias já estão produzindo.
P/2 – E o que vocês produzem?
R – Milho, arroz, feijão, abóbora, mandioca e mamona porque a gente também tem um projeto do biodiesel implantado lá dentro.
P/2 – E qual o tamanho da área?
R – 2013 hectares.
P/2 – Quantas famílias?
R – 55.
P/1 – E quantas pessoas?
R – O total de pessoas eu não tenho fechado.
R – São 55 famílias?
R – São 55 famílias.
P/2 – E como que veio Levi esse contato... Você teve contato primeiro com o Banco do Brasil pela fundação ou com a agência?
R – Agência do Banco do Brasil, através do gerente, através da Secretaria do desenvolvimento do Município, a gente conheceu o gerente e o gerente levou o pessoal da superintendência ao trabalho do DRS no município.
P/1 – Isso foi quando?
R – 2006 que nós começamos o trabalho do DRS.
P/2 – E como que é esse trabalho do movimento regional sustentável lá no assentamento?
R – Começa pela capacitação. Pegar todas as famílias e capacitá-las, no começo é praticamente obrigatório a todas as famílias o curso de sociativismo, de administração rural para que a pessoa melhor entenda sua parcela e a administre, aí depois vem daquilo que a gente interessa das culturas, por exemplo, da apicultura, hortifrutigranjeiro, fruto do cerrado. Para todo esse trabalho, foi feito a capacitação do povo. Todos esses aí nós capacitamos o povo, fizeram o curso com certificado de garantia pelo SENAI [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], são três dias de curso.
P/2 – Vocês tiveram alguma linha de financiamento específica? Ou só foram cursos?
R – Não, só cursos. Agora a linha vem através da capacitação, porque em Cristalina no nosso município, a inadimplência do assentamento foi tão grande. Os outros assentamentos resistentes não tinham mais PRONAF [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], então foi onde o gerente achou por bem fazer o DRS, que é outra linha diferenciada.
P/1 – Em vez de dar o recurso, dá o conhecimento?
R – O conhecimento. E aí através do conhecimento, nós temos condições de acessar o recurso que já é inviável, porque o Governo não vai mais soltar o dinheiro onde não tem conhecimento. A maioria é dinheiro jogado no ralo.
P/1 – E como é que era a relação com os assentados? Como é que eles recebiam todo esse tipo de informação?
R – Foi ótimo, porque a capacitação faz dar o conhecimento e quando a pessoa começa a conhecer, começa a se interessar melhor. Na maioria das vezes, a pessoa não faz porque não conhece e não é capacitado para aquilo, mas o povo gostou bastante, a capacitação foi ótima. Os cursos foram tudo pela Fundação Banco do Brasil, e transporte alimentação na cidade porque a gente mora a 38 quilômetros da cidade. Então eles fizeram toda essa trajetória, aí a gente vinha tranquilo, vinha todo dia e voltava pra casa, para barraca onde mora e capacitou todas as famílias, 55 famílias capacitadas para esse trabalho e agora pra frente continua os cursos do DRS. Só que agora cada um vai escolher “eu quero fazer tal cultura”, então vamos fazer um grupo que vão capacitar esse grupo e essa cultura.
P/1 – E o resultado assim que você vê desse processo todo, que tipo de avaliação você faz?
R – A minha avaliação é boa porque hoje a gente vê... Por questões sociais a gente é visto com outros olhos através da sociedade, porque na maioria das vezes o cara diz: “assentamento é turma de preguiçosos, é o governo que trata desse povo, esse povo não trabalha.” Mas nós lá no Vitória, graças a Deus a gente é bem cotado, lá é de onde sai caminhões e caminhões carregados de mercadoria lá de dentro e a gente tem o trabalho, o capricho de vender com nota, comprar com nota para provar que realmente você produz e você compra.
P/2 – Agora Levi, você falou que a terra era em comum e agora ela é parcelada?
R – Agora ela vai ser parcelada.
P/2 – Por quê? Vocês que escolheram ou é uma proposta do Governo?
R – Não, é uma proposta do governo de assentar as famílias nas parcelas. Até que o governo fizesse o parcelamento, a gente tomou a atitude de fazer os trabalhos, não deixar parar, trabalhar porque de que adianta você deixar as famílias lá dois anos e meio igual o período que aconteceu e não plantar nada? Então a gente tomou a atitude de fazer o trabalho coletivo, a gente fez um trabalho de reflorestamento porque a fazenda foi feita num desmatamento raso e tirou todo o cerrado que tinha. Então a gente recuperou boa parte em parceira com o Banco do Brasil. E nós entramos com a contrapartida de mão de obra e plantamos várias plantas no cerrado de novo de volta e estamos devolvendo aquilo que foi tirado.
P/1 – E que plantas são essas? Quais são as principais?
R – São muitas, são 38 variedades de plantas, o buriti das veredas que eles tiraram nós plantamos de novo, tem muitas madeiras essa mutamba, a embaúba, o cagaita, o articum, o pequi, tudo isso nós estamos devolvendo, plantando, fizemos o viveiro e estamos plantando em volta.
P/1 – E esse processo ele continua? Ele é constante?
R – Continua, enquanto não reflorestarmos o que foi... Onde é reserva, tem que estar tudo reflorestado.
P/2 – Lá era reserva?
R – Era reserva e foi desmatada.
P/1 – O cerrado é uma região assim bonita, né? Ela tem uma beleza dura, mas é uma coisa muito bonita.
R – Bonita e têm muitas frutas que depois, quando nos capacitamos e fizemos o curso de frutos do cerrado, na maioria das vezes nós nem sabíamos da importância. Foi fantástico esse curso do cerrado, porque nós descobrimos o valor das frutas, das plantas, da medicina do cerrado e que a gente não sabia, foi muito importante essa capacitação.
P/1 – Dá um exemplo desse tipo de utilidade da planta medicinal.
R – A planta medicinal, se você cuidar do cerrado... Tem frutas que tem vitaminas que você não vai encontrar quase que em remédio nenhum porque às vezes você fala: “isso aqui não...” Você pode ir à farmácia comprar vitaminas que você não encontra o que tem numa fruta do cerrado, de tão valioso que é o chá de uma raiz que você põe na água e você toma. Então cura vários tipos de doença, são muitos mesmo, é uma riqueza inigualável e o homem até então não conhecia. É importante isso.
P/1 – E tudo isso veio a partir desses cursos? Dessa capacitação? A liderança do movimento tem alguma participação na definição dessas prioridades do curso? O que vai tratar...
R – Não, normalmente a liderança, a gente apresenta, leva uma planilha “tem esse, esse” através de reunião “isso aqui pra nós é melhor, vamos fazer esse que está mais com a nossa cara.” Então a gente vai e faz aquilo. A gente entra em contato com o pessoal da empresa que está dando assistência técnica pra nós, o pessoal da fundação, o Adesinho do Banco, da fundação aí ele organiza o SENAI e a gente vai pra lá e faz essa capacitação. É de acordo com a nossa necessidade.
P/1 – E como é que é assim na tua avaliação a relação de um assentamento modelo com uma instituição desse tamanho? O Banco é um negócio enorme, como é que é a relação na hora das tratativas?
R – Eu confesso que pra mim hoje é surpresa, porque no meu período de gerente, que a gente tinha um poder grande de negociação com Banco até de fazer empréstimo, a minha gerência que é uma gerência forte, eu não tinha tanta liberdade com Banco igual eu tenho hoje como assentado de reforma agrária. Eu vejo que realmente mudou o tamanho da importância do DRS, que a gente senta à mesa, discute os problemas e só sai dali a hora que está resolvido. Eu acho super importante... Tem horas que eu fico assim, até um pouco meio acanhado pelo tamanho do avanço tão rápido, porque naquele período não tinha... Tinha três ou quatro fazendas pra dar de garantia e não tinha esse diálogo tão aberto com o Banco igual tem hoje, porque eu sou um assentado de reforma agrária. Hoje a gente tem o DRS que a gente senta uma vez por mês e discute os problemas do assentamento. Como vai chegar o recurso, de que maneira o recurso vai chegar, onde vai ser implantado, o projeto que vai ser aplicado.
P/2 – Então vocês apresentam as demandas?
R – As demandas pro Banco e ali a gente coloca elas na mesa e começa a discutir se é viável ou não.
P/2 – Então os cursos foi uma demanda que vocês apresentaram... Os técnicos, por exemplo, esse curso de conhecer as ervas medicinais, de conhecer as plantas do cerrado foram vocês que propuseram ao Banco?
R – Não, normalmente vem do pessoal do Banco, só que nós escolhemos, ele tinha uma planilha de vários e a gente escolheu aquele pela questão lá da nossa situação que estava já degradada. E nós passamos a interessar mais por esse, bem como a gente já tinha um problema com o IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] que não fomos nós que fizemos esse trabalho de desmatamento, mas podia ser impugnado o assentamento por causa do desmatamento raro.
P/1 – E como é que se resolveu essa parada aí?
R – A gente fez um documento com o IBAMA que a gente tinha um trabalho e que a gente estava reflorestando e realmente eles foram lá e viram... Depois vocês vão ver, eu trouxe foto de um trabalho do mutirão que a gente fez no final de semana, não foi só um, foram vários onde a gente estava trabalhando... Todas as famílias, as mulheres, os meninos plantando uma muda e a gente plantou muitas áreas, uns 20 hectares. A gente plantou já daquelas áreas que foram mais degradadas em volta da nascente, para depois a gente estender, então acudimos mais as nascentes mesmo.
P/2 – Agora Levi, vocês estão organizados lá no assentamento numa cooperativa? Ou numa associação?
R – Associação.
P/2 – E a produção? Quando vocês produzem vocês dividem? Vocês vendem diretamente? Como vocês comercializam? Vocês dividem também o lucro?
R – Normalmente da maneira que compramos nós vendemos, por exemplo, nós vamos fazer o plantio, tem uma parte que é coletiva e uma parte é das pessoas que às vezes querem fazer uma cultura individual. Mas na hora de comprar a gente senta, faz uma reunião e fala: “oh, você quer quantas sacas de adubo”? O outro fala: “eu quero tanto” , aí você fecha vai lá e compra tudo coletivo em nome da associação e na hora de vender a gente faz o mesmo processo “eu tenho tanto pra vender” o outro fala “eu tenho tanto”, a gente fecha, vende e emite a nota em nome da associação e aquele valor é repassado àquela família.
P/1 – Na proporção do que eles...
R – Na proporção dele. Cada um com a tua proporção e cada um recebe a tua porção, entendeu?
P/1 – Como é que você que tem uma experiência assim já com o lado de gerência de grandes fazendas e tudo mais, como é que você avalia a importância da agricultura familiar no processo mesmo de produção de alimentos? Porque hoje é uma coisa que está na ordem do dia, quer dizer vocês estão produzindo vida no final das contas, né?
R – O que a gente vê como agricultura familiar é que normalmente você começa a descer nível, você começa a ser mais igual, você começa a ver alguém mais igual à gente, né? Porque lá, na maioria das vezes eu fazia um negócio grande, mas foi quando eu deixei de ser gerente por causa disso, porque eu via que é a hora do lucro. Eu ia pra lá e ficava só com o salário, entendeu? Eu fazia grandes negócios e só ficava com o salário. Aí tinha essa desigualdade e foi onde eu decidi sair pra agricultura familiar, pelas diferenças. E ali não, ali eu tenho participação igual, se eu vendo junto com eles a minha porção, vem a mim e a deles vai a eles.
P/1 – Você tocava toda a operação, mas o negócio não era seu.
R – Eu tocava toda a operação, assinava por tudo, eu sabia o conteúdo de todos os lucros que entravam, porque eu fazia os balancetes da firma e eu mesmo não tinha participação, era muito pouco.
P/2 – Levi você está contando agora que é um processo importante na história do assentamento Vitória, um processo até com sucesso, né? Teve momentos de conflitos assim no momento da constituição do assentamento? Com algum fazendeiro ou com o governo de não reconhecimento?
R – Ah, bastante. Com o governo foi bastante, até que com os fazendeiros não, porque a gente sempre foi pacífico. Nós somos do sistema CONTAG [Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agriculturas Familiares], então a gente não trabalha com invasão, é o processo seletivo da reforma agrária, processo normal da reforma agrária. E eu também já tinha muita amizade com os fazendeiros e a gente explicava pra eles: “isso é um movimento e não vai tomar nada de vocês, é um processo seletivo da reforma agrária, não tem nada a ver uma coisa com a outra.” Agora com o governo sim, sempre a gente tinha que estar pressionando porque era aquela lentidão da reforma agrária, porque todo mundo sabe que ela é muito lenta, não chega a ser conflito, mas é coisa que talvez você tinha que pegar aquele monte de gente, ia pra Brasília fazia aquela pressão e ver se dava um passo pra frente e você voltava pra casa. Até que a gente chegou, mas conflito mesmo assim interno foi quando eu assumi a presidência, porque quando a gente estava próximo de receber uma terra... Tem essa coisa de dinheiro, né? O proprietário entregou o dinheiro pro líder que estava nos comandando, ele se vendeu e a gente ficou sem as terras. Aí pegamos tudo do zero de novo, aí eles queriam matá-lo, eu interferi e falei: “eu acho que se nós matarmos alguém agora, os mais prejudicados somos nós e não vamos ganhar nada, vamos tentar fazer de outro jeito” e aí foi onde eu assumi e a gente começou tudo de novo e está todo mundo assentado hoje.
P/1 – Então você assumiu num momento de crise brava?
R – De crise brava difícil.
P/2 – E o movimento sem terra, vocês tiveram algum contato com algum tipo de movimento que faz, por exemplo, ocupação ou não?
R – Não, a gente tem amizade com eles, porque eles são um movimento e a gente é outro, eles são movimento e a gente é sindical e movimento sindical é diferenciado, né? A gente é um movimento do Lula aí, porque o Lula saiu de movimento sindical e também cresceu nisso aí. Então nós temos amizade, mas não tem misturança com eles. A sociedade até hoje ainda não aprendeu a separar isso aí, o que é um movimento e o que é uma reforma agrária pelo movimento sindical, que é outra coisa.
P/1 – Quer dizer o ponto de base do trabalho de vocês é fazer a reforma agrária dentro dos marcos legais, não é isso?
R – Sim, apropriação legal tem que passar por um processo judicial, então o Juiz emite o INCRA na posse da área é aí que o INCRA a repassa para os trabalhadores ,e é aí que é feito o processo de reforma agrária.
P/1 – E a relação com o INCRA está melhor, mais azeitada ou continua a mesma emperrada pela burocracia?
R – Algumas coisas continuam emperradas, mas avançou bastante, antes a gente tinha muita dificuldade, mas hoje melhorou muito enquanto federação a gente melhorou muito.
P/1 – Você diria que há da parte do INCRA digamos uma forma diferente de... Um ânimo novo de levar essa política de reforma agrária adiante ou não?
R – Assim depende da gestão, porque o INCRA é uma entidade que os cargos de chefia são cargos indicados. Se mudar pra melhor sempre é, mas na maioria das vezes igual ela (Eliete) perguntou sobre conflitos do INCRA, a gente tem esses parâmetros, porque a gente tem que às vezes pedir pra trocar o superintendente porque ele não atende a necessidade dos movimentos. Então tem que pedir pra trocar, mas a gente aqui tem dado sorte, não está avançando do jeito que precisa avançar porque nós estamos numa região de terra muito cara, nós estamos próximos a Brasília então fica muito difícil a desapropriação, o dinheiro é alto pra fazer uma reforma agrária numa região dessas. Então aí fica difícil, o recurso é pouco do governo pra fazer a reforma agrária, mas não está dando trabalho não, está sendo bem viável.
P/1 – E ali na tua região, tem muitas áreas que são de interesse pra reforma agrária?
R – Bastante. Muitas áreas, o município é muito grande e tem muita área viável pra reforma agrária.
P/1 – E já tem gente lá assentada? Ainda que provisoriamente ou não?
R – Não, provisoriamente tem dois assentamentos que eu fiz agora faz 60 dias, tem o meu que eu estou organizando fazendo o parcelamento agora e mais dois que eu fiz agora com 60 dias.
P/1 – E esses dois já têm nome? Já estão batizados?
R – Tem, um é o Poço Grande e o outro é o Presidente Lula.
P/1 – E quantas famílias têm em cada um?
R – Uma com 120 e outra com 56.
P/1 – Grande, né? E as áreas?
R – Uma com 3600 hectares e a outra com 1402.
P/1 – E esse pessoal já está tendo algum tipo de relação com esses cursos de capacitação?
R – Já estão capacitando eles também já estão todos entrando pela mesma forma de capacitação.
P/1 – Via DRS?
R – Também é via DRS. A primeira coisa é capacitar as famílias pra começar a trabalhar.
P/2 – Agora Levi, qual o seu papel aí? No assentamento Vitória você é presidente da associação, qual o seu papel aí com o contato com os outros assentamentos? Você é da Contag?
R – Da federação a FETADEF.
P/1 – FETADEF é federação...
R – Federação dos trabalhadores de agricultura familiar no distrito Federal e entorno. Então eu moro na cidade do entrono eu faço...
P/2 – Você é um dirigente, qual o seu cargo lá?
R – Diretor de pólo, pólo sul porque a federação é dividida em pólo, pólo sul, pólo norte, pólo centro oeste.
P/2 – E qual o seu papel?
R – É trabalhar com essas famílias. Mesmo que eu seja presidente do Vitória, eu continuo dando assistência pra eles e organizando eles lá no outro assentamento, esses são os que eu fiz, mas se os outros também interessar da base eu vou lá e trabalho com eles também, não só eu,como os demais companheiros da federação.
P/1 – E vocês se reúnem periodicamente?
R – Reune uma vez por mês, a gente reúne aqui no DF e faz a reunião de organização. Os diretores têm que se reunir e ver como estão as bases, cada um traz a sua base e vê como sua base está ficando.
P/1 – E como é que está o quadro geral da coisa?
R – De assistência técnica está até bom, melhorou muito esse ano, porque antigamente não tinha produção por falta de assistência técnica, agora melhorou muito. O governo também está investindo nessa parte melhorou muito... Acho que podemos avançar muito agora com essa nova onda aí agora de falta de alimentação, então está tendo um incentivo muito mais forte e está colocando a gente pra trabalhar mais um pouquinho também porque aí a cobrança vem mais. Está sendo bom. A expectativa é boa.
P/1 – Vocês têm algum tipo de dificuldade na colocação da produção? Questão de preço? Questão de mercado?
R – Olha, pra ser sincero hoje não está mais não, nós já tivemos no passado, agora mais não, o mercado está muito bom, está propício principalmente agora que nós estamos mais com os orgânicos, o orgânico está tendo uma aceitação ótima de mercado. Então a gente está tendo uma luz bem forte no fim do túnel é ótimo isso aí.
P/1 – Sei. A decisão de investir na produção de orgânicos foi tomada como?
R – Isso normalmente vai assim... É por questão da nação mesmo, porque na maioria das vezes é através dos estudos que está mostrando que quem come o químico, a saúde está lá embaixo, né? A gente tem vários exemplos aí, a questão de Janaúba na região de Minas Gerais tem uma produção de banana muito forte, mas lá é uma capital do câncer.Quer dizer ,a banana deles não são orgânicas, eles usam produtos super químicos, muito perigoso que não deve ser usado na agricultura.
P/1 – Em Janaúba?
R – Eles usam aquele furadan granulado e é muito perigoso. Hoje você vê que pela estatística lá a gente já tem trabalho... A doença é muito forte.
P/1 – E na cultura que vocês têm no assentamento, que tipo de defensivo vocês costumam usar?
R – Nós só usamos orgânicos, nós trabalhamos com... Até os defensivos nossos são orgânicos nós trabalhamos com a parte da bordaleza que nós mesmos fabricamos.
P/1 – Como é que chama?
R – Pasta Bordaleza, é uma composição de fumo com urina de vaca e várias composições que você põe o sabão neutro, a água sanitária que você põe.
P/1 – Pasta Bordaleza?
R – Pasta Bordaleza.
R – E como é que se aplica isso?
R – Você usa folha de arruda, porque tudo você faz aquela composição todinha e deixa a fermentação aí você introduz um litro de água e você já faz um defensivo agrícola orgânico.
P/1 – E quem ensinou essa fórmula?
R – Isso aí partiu de uma receita da EMBRAPA [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], a EMBRAPA que fez a pesquisa e então a gente pegou essas tabelas saiu distribuindo e trabalhando...
P/1 – E dá resultado?
R – Ótimos resultados.
P/2 – Agora a produção de vocês, vocês comercializam aqui no Distrito Federal e no entorno?
R – Isso no entorno, vem tudo aqui pro DF na nossa cidade também lá na feira, a gente vende na feira toda nossa produção.
P/2 – Agora Levi, você que vem de uma família de agricultores, né? Você foi o único da sua família que veio pra região de Cristalina ou a sua família ainda está em São Paulo, em Minas? Os seus irmãos?
R – Tem um em São Paulo, dois estão no Rio de Janeiro e o resto está em Minas só eu vim pra cá.
P/2 – Mas todos eles sempre trabalhando com agricultura?
R – Todos.
P/2 – Tem algum que também faz parte da experiência de assentado?
R – Não, nenhum até hoje não, só eu mesmo.
P/2 – E como eles vêem essa sua experiência?
R – No começo eles assustaram quando falava de sem terra e todo mundo tinha aquele... Pensava que a gente estava com os sem terra, mas depois com os contatos eles foram vendo o trabalho da gente e hoje de vez em quando eles me vêem na televisão numa entrevista, aí eles ligam imediatamente: “o que você está arrumando”? Eu falo: “não, está tranquilo, está tudo bem.” Era só uma entrevista, mas agora eles já relaxaram.
R – Já vieram te visitar aqui?
R – Ainda não vieram não. Esse período aí está muito difícil, ainda não vieram. Eu que vou lá, se Deus quiser esses dias eu vou fazer uma visita pra eles.
P/1 – Eu queria entender um pouco melhor só essa relação da colocação da sua produção, quer dizer você vende pra alguma cooperativa? Algum grande atacadista ou vocês próprios comercializam diretamente a produção?
R – A nossa nós vendemos pra merenda escolar do município e aquilo que não é encaixado na merenda escolar, a gente vende na feira. Tem a feira dos agricultores familiares na cidade e a gente vende na feira.
P/1 – E sai tudo por ali?
R – Tudo, vende tudo, tudo que produz vende, aqui nessa região qualquer feira que você sair nessa região do Planalto Central, o que sair vende, do pequi à banana. O que você levar vende tudo, não sobra nada.
P/2 – Mas qual seria a feira em Cristalina ou...
R – Tem a feira em Cristalina e às vezes quando eu tenho uma mercadoria maior, como é o caso do frango caipira que o mercado aqui no DF é mais alto, a gente vem pra Pedegal aqui no Gama. Vende bem ovos caipiras que a nossa produção também é bastante, então você vem aqui e vende tudinho o que você traz, vende tudo.
P/1 – Quer dizer então não tem aquela figura do atravessador?
R – Não, isso aí nós tiramos fora não vendemos pra atacadista nenhum.
R – Claro, está certo. Quer dizer o resultado vai inteiro 100% pra mão de vocês, né?
R – É inteiro, 100% e com um preço melhor, a gente pega o melhor preço. Tirando a atravessador do meio, você tem melhor preço, por exemplo, você trabalha...produtor a consumidor.
P/2 – Levi, como que você avalia a sua trajetória no assentamento?
R – Muito corrida, porque eu tenho que atender os outros assentamentos e o meu e tenho que trabalhar também porque eu tenho família pra tratar, né? Então eu tenho que trabalhar, eu tenho que produzir também, não é só falar para o povo produzir, eu também tenho que produzir. Então é muito corrida a minha trajetória, bastante corrida.
P/1 – Como é que é um dia típico do Levi?
R – O meu dia típico mesmo vou falar assim é corrido, o período que eu estou lá...
P/1 – Que horas você acorda?
R – Cedinho, bem cedo.
P/1 – Que horas?
R – Cinco horas, seis horas eu já tirei o leite e já estou pronto para partir pra roça e quando eu não vou pra roça e venho pra Brasília, estou pronto pra pegar o carro pra vir pra Brasília. A minha rotina é cedo, na maioria das vezes eu chego meia noite, tem coisas da cidade que eu resolvo à noite, eu trabalho o dia todo e a noite eu venho até a cidade, na maioria das vezes eu faço por telefone também se não eu não tenho tempo de trabalhar um pouquinho. Mas graças a Deus sempre tem muita produção e eu estou trabalhando bastante também e estou dando conta.
P/1 – O que você está produzindo agora?
R – Agora estou produzindo mamona, essa semana eu colhi a mamona, a gente pesou e fez a entrega, é uma safra mais retardatária.
P/1 – E esse projeto do biodiesel aí como é que essa coisa está andando?
R – Olha o projeto do Biodiesel a gente plantou em caráter experimental, mas eu não posso dizer que é uma coisa totalmente alavancosa que pra começar a gente não come mamona, né? Agricultura familiar não é muito... Eles falam que é agricultura familiar, mas eu não vejo. Aquilo que não se come não é bom pra agricultura familiar, você tem que ter outra visão, eu acho que pode contribuir com o quadro social do governo, a gente pode até contribuir com essa parte, mas agricultura familiar a gente tem que pensar na alimentação. Não estou dizendo que o plano é ruim, até que dá um dinheirinho, mas a gente está plantando com uma rentabilidade complementar,não é como carro chefe do assentamento. Porque de repente todo mundo quer plantar mamona e não se planta mais a mandioca, não faz mais a farinha, não tem mais o milho, não tem o arroz.
P/2 – Levi na sua... Você tem uma parcela, né A parcela da sua família? Quem trabalha é você e teus filhos também?
R – Sim, os meninos estudam e o período eu que não estão estudando, eles estão me ajudando e a minha esposa também me ajuda.
P/1 – E a escola está onde?
R – Está em Cristalina.
P/1 – 38 quilômetros?
R – 38 quilômetros.
P/1 – E como é que eles vão pra escola?
R – De ônibus, eles saem cedo e voltam meio dia.
P/1 – Eles gostam da terra também?
R – Eu os criei na roça, então a raiz profunda está lá na roça, eles não gostam da cidade, eles gostam de ir, mas morar lá não.
P/1 – Como é que você avalia, vamos colocar entre aspas, essa interferência do Banco do Brasil, nesse tipo de relação ali do produtor com sua própria terra? Como é que essa relação se deu? Quer dizer a avaliação que você faz dessa relação hoje?
R – A minha avaliação é que se eu tivesse que dar nota, eu daria nota mil, porque anteriormente a gente não tinha essa oportunidade, um assentado de reforma agrária pra entrar no Banco e começar a falar dos seus problemas seria até um crime, né? De tanta discriminação que existia e hoje eu vejo uma coisa maravilhosa, pode ter certeza, principalmente que a gente tinha um gerente da nossa cidade que foi embora, mas deixou saudade. Era uma pessoa ótima, sempre discutiu com a gente de carta na mesa mesmo “isso aqui não dá, não é legal pra vocês” e já apresentava outra coisa, foi ótimo pra nós foi ótimo, Banco pra nós não é mais aquela coisa frustrativa que era há alguns anos atrás.
P/2 – Qual o nome do Gerente?
R – Antenor.
P/1 – E o novo gerente agora vai ter que ser tão bom quanto o Antenor?
R – Ainda não sentamos com ele, vamos ver se vai... Mas o outro era excelente, porque não basta você dizer que isso aqui não serve, é mostrar o que é viável a parte importante é isso.
P/1 – Você acredita que está havendo um momento assim no país de quebrar um pouco esse preconceito com o assentado? Você acha que está mudando a forma das pessoas verem a agricultura familiar e o assentado que está buscando uma terra pra produzir?
R – Está mudando bastante, eu não sei se é porque a gente está com o assentamento modelo do município a gente é tratado com diferenciação até dentro do nosso município mesmo, mas eu vejo isso sim, o país está mudando pra melhor, hoje a sociedade está vendo que depende desse pessoal para poder... Você vê quando eles vão à feira, eles vêem que realmente a gente tem aquilo que eles têm necessidade, nós temos uma verdura adequada chega fresquinha lá na hora. Hoje eles são conhecedores que 70% do que eles comem sai da agricultura familiar. Então a sociedade está mudando quanto a isso aí. Até os próprios grandes hoje já vêem o nosso valor no supermercado, eles vêem que a gente também tem potencial.
P/1 – E por outro lado assim, quer dizer a visão do agronegócio por parte dos assentados há preconceito também no sentido de olhar o agronegócio como uma coisa predatória?
R – Tem essa visão ainda que eles ainda querem continuar, mas quando dá pra sentar junto como nós fizemos um Seminário de Agronegócio e Agroecologia em Cristalina, eles foram convidados e quando chegaram e viram a palestra, eles viram que estavam num lugar neutro. Mas a gente tentou que eles sentissem bem, conversamos com eles e mostramos que eles tinham que se sentir bem e que a vida era pra outro lado, que o veneno realmente vai acabar com o mundo se a gente não der um jeito. Tiveram palestras, eu acho que eles se sentiram assim meio tímidos, mas hoje eles encontram comigo na rua e perguntam: “como é que é lá? Está dando certo? Aquele projeto de vocês está dando certo”? Eu falo: “está sendo ótimo, já está implantado, está trabalhando, está dando certinho isso aí.”
P/1 – Devia passar a receita da Pasta Bordaleza aí para os proprietários, né?
R – Eles usam milhões de litros, então eles vão ter que trabalhar muito para consumir uma porção dessas, mas conseguem.
P/1 – E tem algum tipo de interferência na cultura extensiva... Tem alguma cultura extensiva perto do assentamento?
R – Tem, tem plantador de soja que bate veneno de avião.
P/1 – Isso não traz nenhum tipo de reflexo para a produção de vocês?
R – A gente centralizou, porque a propriedade nossa é grande e nós não plantamos muito na divisa com eles, a gente centralizou esse orgânico no centro para que eles passassem um pouco fora, normalmente tem os efeitos pra quem passa... Se for passando de avião por cima não deixa de passar normalmente tem.
P/1 – Os cursos de água... Também o veneno pode cair na água que passa no assentamento?
R – Não, a água nossa são poucas que passam, a maioria são nascentes internas porque a fazenda lá tem seis hectares de cerca e o resto é tudo por água. Então tem o riacho do fundo que é o contaminado, mas a gente não usa essa água também.
P/1 - E a água ali vocês estão controlando direitinho, né?
R – Sim, nós estamos reflorestando as cabeceiras, respeitando, assoreando, para não queimar onde a gente fez os trabalhos.E reflorestamento para que... Teve nascente que morreu e a gente está tentando revitalizar agora.
P/1 – Como é que você avalia o processo de reforma agrária no Brasil hoje? Como é que a coisa está andando? Não estou falando do seu assentamento que é um assentamento ok, eu estou pensando no país como um todo?
R – Em alguns Estados vai bem, o que eu vejo é a importância da reforma agrária hoje porque nunca se viu tanto dinheiro para investir nos assentados. Só que precisa ter o trabalho que o Banco está fazendo, a negociação da dívida, porque a inadimplência foi muito alta. Tinha alguém de mente muito suja no passado que dizia que dinheiro que pega de governo não tem que pagar e isso aí agora tem que passar uma borracha muito forte em cima porque essas pessoas amadureceram essa ideia. E hoje está tudo na inadimplência por causa disso. Então essa renegociação, essa medida que o governo fez agora de renegociar as dívidas,isso aí é excelente. Nós estamos fazendo esse trabalho como Federação, nós estamos fazendo esse trabalho de conscientização de aderir ao plano, negociar suas dívidas pra depois começar a trabalhar de novo. Uma casa limpa. Organizar a inadimplência que foi muito alta em todo o Brasil dos assentados de reforma agrária.
P/1 – De onde surgiu esse conceito de que “dinheiro do Governo não é de ninguém e eu não vou pagar” como surgiu isso?
R – Eu não me lembro disso aí, mas eu vi quando eu entrei pro movimento, eu já ouvi essa conversa,mas eu não posso dizer com precisão de quem surgiu. Eu ouvi muita gente falar: “não, não vou pagar não porque isso é dinheiro do governo” e não existe esse negócio, pode ser da minha mãe, se eu peguei tenho que pagar, ela é minha mãe o dinheiro é dela, né? Então hoje o trabalho é feito diferenciado, é questão de cultura mesmo, mas graças a Deus está mudando.
P/1 – O problema que o dinheiro não é do governo é nosso, né? Pagamos impostos...
R – É o que eu estou dizendo, tem que mudar a mentalidade do povo e tinha muita gente ainda com essa mentalidade “o governo soltou o dinheiro, não precisa pagar porque é do governo, já é nosso mesmo” não é bem assim, tem um controle social de recursos de renda do país que não é assim não, o que vem pra nós tem que pagar amanhã.
P/1 – E agora você acha que essa consciência está mais consistente, está mais firme?
R – Estão tentando implantar naqueles assentados antigos essa consciência, mas nos novos que nós estamos fazendo já estão sabendo que a escala é diferenciada, muitos ficam até meio temerosos eu digo: “pode entrar que o processo é assim, assim e se você aplicar tem condições de haver retorno.”
P/1 – Esse quadro de inadimplência está sendo equacionado, resolvido? Já está em andamento?
R – Até o dia 22 tem o plano de adesão, é o último dia de plano de adesão do Banco, quem fizer adesão depois vai negociar, você paga 10% do valor da dívida e depois vai negociar o restante, mas alguns têm alguma rejeição porque dizem: “se eu pagar vou ter mais dinheiro”? Eu falo: “não, primeiro você vai pagar o que deve e aí sim a linha de crédito é aberta de novo.”
P/1 – Essas dívidas são em média de quanto por família? Você tem uma idéia?
R – Olha, subiram muito, mas o valor resgatado na época, alguns era nove de acordo com a época do ano de acordo com a linha do PRONAF, outros chegaram a 12 e agora está 21.
P/1 – 21 mil reais?
R – 21 mil reais que é a linha de crédito, mas isso aí tem um juro em cima disso aí. Agora o rebate é muito grande,pagar menos... praticamente você vai pagar menos do que você pegou de empréstimo. Então você vê não tem juro mais, você está pagando menos do que o capital que você pegou. Então eu acho que a hora é boa, é propícia tem que aproveitar essa oportunidade e todo mundo dar uma nivelada nas suas dívidas.
P/1 – Pra trabalhar melhor também, né?
R – Sim com mais dignidade, porque quem está devendo não tem crédito como vai trabalhar? Não tem como.
P/2 – E como está esse quadro de dívidas dos assentados lá no assentamento Vitória?
R – Não tem. Nós não devemos, nós não temos dívidas graças a Deus nenhuma.
P/2 – O que você aprendeu nessa tua trajetória no assentamento Vitória?
R – Eu acho que eu aprendi mais foi entender melhor a sociedade, porque quando eu era gerente eu sempre estava envolvido com pessoas da alta de gente grande financeiramente e quando você vai pra perto das pessoas humildes você começa a entender o outro lado. Das pessoas humildes, eu sempre tinha esse contato com eles, mas a maioria das vezes eu era como o patrão, porque eu que assinava carteira, dava baixa que fazia aqueles controles todos. Hoje eu vejo que eu trabalho com uma margem de pessoas mais carentes e parece que é mais cativante, na verdade é bem mais cativante. Você vê que tem alguém do teu lado e que confia no seu trabalho que acredita em você e te apoia, então isso é importante pra gente, é um lado que eu também não tinha. Esse conhecimento e chegou e eu acho que acabou me cativando bastante, eu tento sair e não dou conta, fica difícil.
P/2 – Você tem alguma história Levi assim algum causo ou algo pitoresco nesse momento que você estava lá no assentamento Vitória? Ou até nesse relacionamento com o Banco do Brasil, você teve algum momento engraçado?
R – A história que eu achei foi quando a gente entrou pra dentro da fazenda que o INCRA foi lá e deu a emissão da posse... A gente era de beira de estrada, era acampado que assim que a gente entrou lá pra dentro, em três dias apareceu o senhor Antenor do Banco do Brasil lá. Eu conhecia ele lá do Banco, a gente tinha continha no Banco do Brasil e eu pensei: “o gerente do Banco”? Ele fez uma reunião com a gente e começou a conversar e eu falei: “é assustador, porque gerente de Banco não vai...” Aí ele já fez a proposta... Aí ele foi contar história da inadimplência, como funciona os recursos e falou: “eu queria vocês diferentes, vocês estão começando agora e se vocês me derem oportunidade, eu queria fazer um trabalho diferenciado com vocês, é assentamento novo, pra que vocês fizessem bem diferente do que já aconteceu. O erro a gente já sabe onde aconteceu, vamos tirar o erro e fazer diferente.” Então isso pra mim foi uma história muito marcante, eu na hora fiquei um pouco assustado, mas hoje a gente vê o resultado, né? Porque ele realmente tinha um interesse de nos ajudar a organizar... Passar pela experiência que ele tinha como agricultor familiar já do sul, porque ele veio do sul. Se começasse fazendo direitinho desde o princípio teriam muito mais êxito no final.
P/1 – A posse foi emitida quando?
R – 2006.
P/1 - 2006. Levi, você falou uma palavra assim que passou meio batida, mas eu acho que está ali a chave do negócio que é a confiança, né?
R – Sem dúvida é a confiança, essa é a primeira coisa alguém tem que confiar para ser confiado se não... E acreditar isso é importante tem que acreditar.
P/1 – Tanto entre os companheiros lá do assentamento quanto nas relações.
R – Isso, você tem que passar uma mensagem de confiança, isso é muito importante, confiar mesmo. Sentar à mesa com confiança, se você sair com dúvida é melhor que não sente, né? Ou discute ali até que a dúvida seja esclarecida. Eu nunca sentei numa mesa que eu... Se for pra sair com dúvida eu não saio, aí eu volto outra hora, mas eu quero tirar aquela dúvida, porque se não, não adianta como é que eu vou chegar lá e tomar alguma atitude se eu sair com dúvida?
P/2 – E o que você considera como sua maior realização?
R – Acho que a minha maior realização mesmo seria hoje eu acabar de concluir os trabalhos meus dentro do meu assentamento, deixar cada um mais... Porque agora que eu estou fazendo o parcelamento e está tudo prontinho para que eu pudesse até parar um pouco, descansar um pouco e tirar umas férias. Seria um ponto realizado.
P/1 – As suas férias vão ser carregando pedra, porque você vai cuidar da sua parcela, né?
R – É, mas seria melhor o movimento é muito cansativo.
P/1 – Olha só você falou da sua visão do Banco, da sua relação com o Banco que é até um belo testemunho e tudo mais, mas como é que isso se dá com as famílias? Com as pessoas que não são liderança? Que estão lá no assentamento, como é que elas vêem o Banco?
R – Olha, hoje a gente faz... A reunião não é só com a liderança, o DRS acontece com todo o acampamento, não são todas as reuniões, mas em algumas a gente leva todos eles. Enche um ônibus de gente e vai tudo lá para uma sala grande e senta todo mundo e aí tem a participação da Prefeitura, Banco, a empresa que dá assistência técnica, o INCRA nós envolvemos todo esse trabalho, o SENAI que tem os professores, os instrutores desses cursos vai todo mundo pra lá e a reunião é feita com todos. Aí eles têm direito à pergunta, alguma coisa que eles tenham dúvida que não entenderam, a gente também participa, é bem aberto mesmo, não tem nada de...
P/2 – Levi, você falou que você fez até a quarta série lá em Minas e depois você fez o curso técnico e depois você retornou aos estudos?
R – Aí depois eu fiz até a oitava no Estado de São Paulo, depois que eu fiz a oitava eu fiz o curso. E depois terminei agora o segundo grau.
P/2 – Você terminou onde no assentamento Vitória?
R – No assentamento Vitória, lá nós temos um ônibus que leva os meninos de manhã e à noite leva o povo pra faculdade, quem está estudando e fazendo faculdade tem gente nossa lá fazendo faculdade.
P/1 – Ah é? E que cursos estão fazendo?
R – À noite? Tem uns fazendo Pedagogia, uns estão fazendo técnico, uns fazem Agronegócio o que tem de oportunidade de faculdade na cidade, então o pessoal está estudando.
P/1 – Esse ônibus é da Prefeitura?
R – Da Prefeitura.
P/1 – A relação com o poder municipal é uma relação franca?
R – É ótima.
P/1 – E o que você podia dizer assim que nesse processo todo foi o maior aprendizado que você teve? A coisa que mais é importante pra você?
R – É difícil, porque a vida é uma escola e cada dia você está aprendendo mais, né? Eu acho que o que eu aprendi mais... Porque antigamente eu fazia muito negócio, hoje eu aprendi a negociar melhor, tem coisa que você vê que parece um aparato difícil e pra mim hoje... Se chegar pra mim num lugar e falar; “isso aqui não dá” pra mim é mesma coisa se tivesse falando que dá, eu não vejo aquilo como um não pra mim, nem tudo eu aceito um não. Eu volto de novo, eu não tenho dificuldade de voltar e bater na porta e pedir pra sentar de novo porque eu não entendi direito, eu não vejo assim. Então eu aprendi a ter paciência porque às vezes eu não tinha muito, hoje eu estou tranquilo, a pressa pra mim virou inimiga da perfeição, eu quero alcançar coisas melhores não tenho pressa se não puder resolver hoje eu faço amanhã.
P/1 – Eu vou te fazer uma pergunta óbvia, porque você conhece mais do que eu e pra você será uma coisa absolutamente banal, mas eu queria que você me descrevesse o cerrado, o que é o cerrado? Você vive no cerrado e a gente não, mas como que é o ambiente? Como que é a vegetação?
R – O cerrado é o seguinte... Pra quem olha o cerrado, quem não conhece bem o cerrado olha pra ele com olhos... Porque ele não é muito bonito, ele é muito variável, umas madeiras tortas. Se a pessoa olhar assim de uma maneira meio artística, você começa a ver desenho no cerrado. Uma árvore faz o desenho de um bicho, a outra faz de outro por causa dos galhos tortuosos, as folhas tem gente que olha de longe... Eu pelo menos que tenho problema na vista outro dia fui procurar um animal no cerrado e eu olho longe, eu acho que lá tem uma vaca e chego lá é uma árvore. Então você vê que dá aquele desenho, mas quando você entra no meio, você se surpreende com as flores... Entra agora um período de seca que é um período crítico aqui, e está todo florido, é a coisa mais linda toda florida. O Ipê, a Cagaita toda cheia de frutinha num período de seca, ela até produz agora, quando começa a chover está caindo fruto. Então é uma coisa muito importante você vai olhar e é extremamente importante produzir fruto no período de seca. Essa é a importância do cerrado, não tem outro lugar nenhum que faça isso a não ser o cerrado. O caju do campo, ele está emitindo fruta agora, quer dizer, quanto tempo tem que não chove e está emitindo fruta no período de seca. É isso aí que a humanidade precisa tomar conhecimento do cerrado porque ele é o único que emite fruto nesse período crítico, fruto e flores. São várias as flores lindas que saem nesse período, essa é a importância do cerrado e quem não tem bons olhos não o vê desse jeito, você tem que ir lá fazer cursos você sai lá “aquela planta é boa pra isso” você olha... É importante demais, tem que andar no meio dele e ver a riqueza que ele tem, o cerrado é rico é a coisa mais linda. Se você fizer um curso, você fica encantada com o tamanho da riqueza.
P/1 – Você mencionou uma planta, Cagaita?
R – Cagaita é uma planta que ela tem um nome científico, mas não é esse, pra gente é Cagaita. Só que ela, a hora que começar a chover, já tem fruto maduro e você vê a importância. As outras plantas vão esperar chover pra vir a florada e ela não, já está emitindo fruta agora. O caju também é da mesma forma, quando chover já vai ter caju que está maduro.
P/1 – Vem a chuva e já germina de novo?
R – Germina de novo, você vê a natureza é muito perfeita e o cerrado é uma natureza bonita, é uma matazinha, você olha assim e não tem mato, você não vê uma madeira reta, sempre são tortuosas por questão de solo. Porque quando o solo não tem muita fertilidade a tendência é a madeira sair torta.
P/1 – E a tua região lá de Cristalina é uma região fértil ou vocês tiveram que fazer muita correção?
R – Para a agricultura tem que fazer correção, agora pras plantas de cerrado não, elas não exigem, basta que você pegue outra muda no saquinho e vai lá e finca na terra e do jeito que ela está ela toma força e vai embora, ela já é adaptada à natureza. O Pequi, a Cagaita, o Baru essas coisas todas você planta normal não tem que fazer correção nenhuma a não ser combater uma formiga, porque às vezes você põe a planta nova e a formiga vai lá e corta e ela tem dificuldade. Só isso.
P/1 – As frutas têm muita saída? Tem escala de produção as frutas ou não?
R – No cerrado? Olha, porque a gente não dá conta de colher tudo, mas é o que mais tem saída hoje aqui no plano em Brasília, Goiânia, Catalão os sorvetes, os picolés todos são de planta do cerrado, o mercado é um leque. Você pode colher lá e ligar que vai apanhar na hora e levam tudo, todas elas.
P/1 – Vem cá,me diga uma coisa sem pedir nenhum exercício de futurologia, o que é o futuro?
R – Futuro fica meio difícil.
P/1 – Pra você e para seus assentamentos? E, sobretudo para esse país, né? Como é que você está enxergando o que vem pela frente?
R - A expectativa é boa, porque você vê lá fora muita desordem e a gente graças a Deus está sempre numa paz, o Brasil tem algumas contradiçõezinhas, mas a gente está sentindo bem.
Lá fora está tudo bagunçado, mas aqui está bom graças a Deus. Eu acho que o futuro nosso é bom se a gente continuar trabalhando e passando mensagens positivas e conscientizando o povo que a gente tem que ser honesto, e que o Brasil precisa caminhar para um rumo honesto, eu acho que é bom, o futuro tem onde ser bom.
P/1 – Como é que você avalia a ideia do Banco do Brasil utilizar essas histórias de memória para comemorar os seus 200 anos? São 200 anos, não são 20 anos, né? O que isso significa pra você?
R - Banco do Brasil sempre é Banco do Brasil, né? E 200 anos não são 200 dias, é muita coisa e é muito importante depois desse tempo todo. Hoje o Banco do Brasil chegou a esse ponto, o Banco do Brasil foi criado para quem tinha dinheiro na época. E hoje não, hoje o Banco do Brasil vai fazer o pessoal poder gerar renda e melhorar a vida. Eu acho de extrema importância mudou completamente.
P/2 – O que significa o Banco do Brasil pra você e para os assentados do assentamento Vitória?
R - Pra nós hoje é de extrema importância, porque hoje ter esse espaço, essa negociação direta com o Banco, saber que é de acordo com o que nós organizamos, não precisa estar lá brigando e questionando os créditos, são uns créditos diretos com o DRS e a partir do momento que nós capacitamos e apresentamos o projeto, nós não temos que ficar fazendo apelação pra Banco, o projeto nosso já está aprovado. Quer dizer, é viável, quando nós apresentamos, já discutimos com o gerente, com o pessoal da superintendência, com a empresa técnica, com o INCRA, com a Prefeitura e já está pronto. Quer dizer é um projeto que quando nós chegarmos a apresentar, ele já está feito... Montado por nós, o Banco do Brasil está participando da montagem do nosso projeto, essa é a importância hoje do Banco do Brasil. Antes a gente tinha que levar apresentar pro Banco e ver se o Banco aceitaria o projeto, hoje não, hoje o Banco nos ajuda a elaborar o projeto, essa é a importância do DRS. Porque sentou à mesa e viu que não é viável esse projeto, não vai pro Banco. Agora o mercado não é propício, não dá, eu acho que a importância é aí do Banco do Brasil.
P/1 – E que futuro você vê para a agricultura familiar no Brasil?
R – Se organizar é ótimo, mas a gente precisa melhorar um pouquinho porque nós... A questão da dívida, se nós legalizarmos e sair todo mundo das dívidas e fazer essa boa negociação, o futuro é ótimo, porque nunca houve tanto dinheiro na agricultura familiar na história do Brasil. Antes reclamava recurso, hoje tem são milhões de recurso que o governo põe pra agricultura familiar. E mais a assistência técnica que não tinha anteriormente e que hoje já tem.
P/1 – É porque é estratégico para o país, né?
R – É estratégico para o país. E hoje o Governo também já viu o tamanho da importância da agricultura familiar e a melhor distribuição de renda também vai sair por aí. Eu vejo por aí que se fala tanto em melhorar a distribuição de renda e eu acho que pela reforma agrária... Os países desenvolvidos cresceram na reforma agrária, a China e outros mais cresceram pela reforma agrária. Só o Brasil que acha que concentração de terra é riqueza, mas não a reforma agrária que é a melhor distribuição de renda. Hoje eu tenho essa visão.
P/1 – Pois muito bem. Tem alguma coisa que você gostaria de ter dito e que a gente não te estimulou a dizer?
R – Acho que não.
P/2 – Eu vou fazer uma pergunta talvez óbvia depois dessa nossa conversa. A sua vida e a vida da sua família melhorou?
R – Graças a Deus, só de ter liberdade, porque antes eu era empregado e hoje eu não sou mais empregado e hoje a minha família vai bem graças a Deus, é uma família bonita graças a Deus. Eu tenho uma boa esposa, tenho os meus filhos na minha casa não falta nada.
P/1 – Você disse o nome dela ou não?
R – Cleide.
P/1 – O que você achou de ter participado dessa entrevista?
R – Foi ótimo, bem descontraído, bem tranquilo, não teve nada assim...
P/1 – Muitíssimo obrigado pela sua memória, pelas suas ideias e pelas histórias que você contou pra gente.
R – Obrigado, eu é que agradeço.
Adendo à entrevista de Levi Cerqueira:
P/1 – Levi como se dá a divisão das terras no momento do parcelamento? Quer dizer certamente terá pessoas que gostaria de ter a terra mais perto da água, outros que têm a preferência por algum outro lugar? Como é que isso se divide afinal de contas dentro do assentamento?
R – É feito um PDA, plano de desenvolvimento do assentamento e nesse PDA é definido os valores da terra de solo, por exemplo, onde as terras são mais férteis o parcelamento é menor e onde a terra é mais fraca, o parcelamento é maior. Aí tem a compensação de valores, bem como os títulos quando for pagar a terra, porque a terra é paga os títulos são iguais. Então tem essa compensação, aí muda a cultura da pessoa, por exemplo, se eu for trabalhar com gado, eu fico com a parte de terra que é maior o lote, porque aí não é para a agricultura, por exemplo, quem vai sair sorteado numa terra melhor a terra é menor, ele vai ter que trabalhar com uma cultura de hortaliças vai diferenciar, a diferença está aí no parcelamento. É onde você cria o grupo da afinidade. Quando vai fazer o sorteio é pelo grupo de afinidade, qual afinidade daquele grupo? É a pecuária de leite, aí então ele vai ficar na parte onde os lotes são maiores, qual afinidade do outro grupo? É agricultura, é plantar, então vai ficar com a parte menor. É assim que é feito o trabalho de sorteio de reforma agrária.
P/1 – E o sorteio é feito dentro de cada um dos grupos de afinidade?
R – Isso. Reúnem-se, fazem assembleia e aí criam os grupos de afinidades.
P/1 – Mais democrático impossível.
R – Sim, o mais democrático possível, aí faz o sorteio, os grupos são sorteados... Chama-se grupo de afinidade cada um tem a sua afinidade, porque cada um tende para uma cultura. Cada um tem as suas ideias, então não adianta colocar uma pessoa que quer criar gado num lote pequeno que não dá para trabalhar.
P/2 – O conhecimento de cada um?
R – O reconhecimento de cada um.
P/1 – Perfeito. Muito obrigado.
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