Projeto Conte Sua História
Depoimento de Ivani Macedo
Entrevistada por Carol Margiotte e Dalci Alves
São Paulo, 19/07/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH/HV692
Transcrito por Rosana Rocha de Almeida
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Ivani, bom dia!
R – Bom dia.
P/1 – Obrigada por estar aqui com a gente hoje.
R – Um prazer.
P/1 – E, pra começar, seu nome completo?
R – Ivani Vaz de Arruda Macedo.
P/1 – Local e data de nascimento.
R – 12 de dezembro de 1954, São José do Rio Preto, São Paulo.
P/1 – E, Dona Ivani, a senhora sabe por que seus pais te batizaram de Ivani?
R – Porque a primeira filha chamava Iraci e, aí, colocou Ivani, que vem do Ivan. Aí, ficou Ivani.
P/1 – Por que Ivan, de onde veio essa escolha?
R – Grego, é grego. É um nome de homem, Ivan. Aqui no Brasil, fica Ivani.
P/1 – E seus pais contavam alguma história do dia no nascimento da senhora, como foi?
R – Ah, sim, contaram que meu nascimento no dia 12, fui pega com uma parteira e eu passei do horário de nascer. Foi muito difícil e tive que apanhar com um prato no bumbum (risos) pra poder dar o primeiro choro!
P/1 – E, aí, deu tudo certo?
R – Deu tudo certo, né? Eles queriam um menino. Se viesse, se chamaria Ivan. Veio menina, passou a se chamar Ivani.
P/1 – E, falando nos seus pais, qual o nome deles?
R – O meu pai é Geraldo Vaz de Arruda e minha mãe é Elsa Lima Costa.
P/1 – Queria que a senhora falasse um pouco do Seu Geraldo e da Dona Elsa. O que eles faziam, como eles eram fisicamente?
R – O meu pai era de Bauru e era neto de português. E minha mãe era de Bauru também, da cidade de Bauru, e era filha de Paulo e de Iolanda. E eles vieram pra São Paulo e se encontraram. Então, minha mãe é negra, meu pai também era negro, mas ele era mais pra mulato, alto. Aí, se encontraram e foram viver aqui, antes de 52. Acho que vieram em 1950 e se encontraram e foram viver. Foi onde nasceu, né? Formaram uma família. E meu pai era caminhoneiro, cozinheiro, tinha umas três profissões. Quando veio pra São Paulo, o Geraldo, ele se encontrou com a minha mãe, mas, como ele tinha passado, com 22 anos, no Exército, e ele foi pra guerra de Itália, então, ele ficou na fronteira da Itália. Saiu do Brasil e foi pra guerra de 46, a Segunda Guerra Mundial. E minha mãe era dona de casa, trabalhava fora como empregada doméstica. E, aqui em São Paulo, ela ficou fazendo faxina, diarista que se chamava. Nasceu essa Iraci, que é mais velha, nasci eu e nasceu o Idail. E a gente foi uma família muito amada pelo meu pai, principalmente, minha mãe. Mas eu era a filha do meio, então, quando nasceu o Idail, a Ivani ficou do lado. Então, minha mãe não ficou muito amável comigo, ficou mais amável com esse Idail, porque tinha a Iraci, que era a mais velha, e o Idail. E a Ivani, né? Duas mulheres, então, qual que ia preferir? A mulher mais velha, a Tata, e o Idail, menino. Aí, minha mãe não dava muita bola pra mim, e meu pai que me apoiava mais. Então, ele dava toda atenção pra mim e onde ele ia eu ia atrás. Eu era o xodó do meu pai, e minha mãe não queria saber muito de mim, não.
P/1 – Mas quando a senhora começou a sentir essa preferência?
R – É, a gente começa a notar essa preferência no momento em que a gente percebe que só aquela criança é mais bem tratada, tudo é pra ela, as compras são pra ela, o carrinho é pra ela, a boneca é pra outra, a roupa é pra outra. Aí, começa a ver essa diferença.
P/1 – Mas tem alguma história que a senhora se lembra de ter percebido?
R – Lembro. Aí, depois, o meu pai chegava do trabalho, que ele trabalhava à noite, e ele pegava meu irmão e eu ficava pra trás, né? Aí, ele punha um no colo de um lado e o outro do colo do outro, que eu devia ter uns três anos de idade, pra quatro, que meu irmão, eu sou três anos mais velha que meu irmão. E começamos a perceber porque o meu pai, por ele ter ido à guerra, naquela época, não se usava psicólogo, essas coisas, aquele tratamento. Então, ele ficou muito deprimido. Ele era um homem que chegava em casa e começava a falar só dessa guerra! Chorava constantemente. “Ah, a guerra!”, aquelas coisas, e chorava, e depressão. Mas eu comecei a perceber quando saía, né? Minha mãe pegava a mão do Idail e a mão da Iraci e a Ivani ficava. Quantas vezes eu ficava nos locais lá, esperando, e, aí, meu pai vinha e cuidava de mim. Então, essa foi que eu me sentia: “Mas o que é que estou sempre fora, nunca estava dentro?” (risos). E, aí, ele ficava falando, porque eu tinha um hábito de querer tudo bonito, de querer tudo fino, sabe? Eu não gostava de ficar naquele meinho também, então, eu não dava muito certo mesmo com minha mãe, não dava certo com algumas coisas porque eu não me sentia bem também, sabe? (risos) Uma história até engraçada, porque minha mãe foi trabalhar e eu falei assim: “Nossa, como criança branca é bonita, né? Olha, vem vindo aquele menininho lá dos ‘zoio azul’ que subia pra ir na casa... Ele é bonito! Eu queria ser ele”. Aí, eu peguei e botei meu irmão, não sei se minha mãe ou a moça que olhava deixou nós só, e eu peguei meu irmão e botei na bacia e peguei um Bombril e taca limpar essa criança! (risos) E dá-lhe esfregar. Minha mão é branca, porque não posso ser branca também? E esfreguei, esfreguei, esfreguei e começou a aparecer um branquinho e ele gritava! E eu falei: “Olha, não vou conseguir tirar todo esse encardido seu, hora que a mãe chegar, você vai ver, ela vai te branquear. Nós vamos ficar tudo branquinho. Agora, o olho eu não sei, né?” (risos). Aí, quando a minha mãe chegou, eu virei pra ela e falei pra ela: “Olha aqui, você não dá banho em nós, não limpa e nem areia suas panelas, você tem que arear nós!” (risos). Aí, minha mãe falou: “Ela é racista. Olha só, ela não gosta de preto. Ela tá dando banho no menino, tirando, machucando”. E, aí, ela inventou uma história, falou para o meu pai: “Geraldo, dá um jeito na sua filha”. Aí, contou uma história que a gente tinha as mãos brancas porque Jesus tinha nos feito todo mundo negro, mas que, daí, tinha umas poças d’água e as pessoas se banharam lá e ficou branco. Eu falei: “Então, quando chover, eu vou ficar branca”. Quando choveu, eu fugi de casa e fui lá para as poças d’água, deitei naquelas poças, rolei naquelas poças e nada de ficar branca, falei: “A senhora é mentirosa, eu não fiquei branca, eu vou arrancar isso aqui”. Ia lá no Bombril, minha filha, mas não tinha jeito, machucava tudo, mas não ficava branca de jeito nenhum. E, aí, passou, né? A gente vai acostumando com o corpo, sei lá, vai crescendo, né? Mas não podia ver um branquinho, não sei. Eu vim assim, essa natureza. Depois, num Natal, minha mãe disse que ia fazer uma boneca, que ia comprar a boneca e perguntou o que eu queria do Papai Noel. Aí, eu falei: “Eu quero uma boneca de louça grande”, que eu sempre gostei das coisas bem bonitas. Então, ela falou que ia na cidade e eu falei: “Não venha me trazer aquela boneca de pano que eu não quero”. Aí, tudo bem, chegou o Natal, eu botei lá no sapato dela um bilhetinho: “Papai Noel, eu quero uma boneca de louça”, e fui dormir. Quando eu amanheço, está aquele negócio, catei a boneca de pano e falei: “Não quero isso aí, não”, deixei com ela. Ela começava a chorar: “Essa sua filha...”, para o meu pai, “só quer coisas bonitas, só quer coisa chique que eu não posso dar a ela”. Aí, ele falou: “Vamos ver de comprar uma boneca de louça”. Aí, aparece uma vizinha, uma menininha, com a boneca de louça, eu falei: “Dá aqui pra mim!”. Quebrei ela todinha! Não posso ter, também ela não vai ter, acabou! Não quer dar pra mim. Que Papai Noel é esse que dá pra menina e não deu pra mim? Então, eu peguei e quebrei toda boneca dela (risos).
P/1 – E aí? Seus pais ficaram sabendo? Como foi?
R – Daí, é criança, né? Tinha quatro anos e pouco e, aí, fica por isso. A menina não brincou e nem eu, acabou.
P/1 – Dona Ivani, ainda nessa história do Bombril, da cor, que sensações que a senhora tinha quando se via, o que a senhora queria ser? Qual a sensação de se reconhecer...
R – Eu não me reconhecia. Eu sentia que não era certo eu ser daquela cor, eu queria ser aquele “zoio azul”, aquela pele que eu achava linda. Eu tinha três anos, quatro anos. Aí, quando veio meu avô pra São Paulo, conhecer nós, porque na realidade ele é filho de português, que é o Frederico Vaz de Arruda, muito bonito, magro, alto, cabelos grisalhos, falava muito bem. Ele era da cidade perto de Bauru, que era São José do Rio Preto, que foi dividida a cidade de Bauru, uma outra cidade próxima, que se tornou São José do Rio Preto, Penápolis. Então, Penápolis era muito grande. E, aí, o rei pediu pra dividir Penápolis e trouxe 12 famílias pra formar São José do Rio Preto. Eu não sei qual é a finalidade de São José do Rio Preto, se passava um rio ou alguma coisa. E o meu avô é o Frederico Vaz de Arruda, e mandaram, o rei mandou que fizessem várias famílias. Que tivesse muita população na cidade de São José do Rio Preto, que fizessem números maiores. Então, aqueles homens lindos pegavam as negras que eles gostavam e faziam uma outra família, mas muito difícil eles morarem no local. Aí, eles eram caixeiro viajante e iam lá, visitavam as negras e elas ficavam grávidas. Depois de muito tempo é que eles iriam registrar a criança, né? Que eles pediam que não tivesse criança sem registrar pra não ficar casando irmãos com irmãos. Aí, depois, meu avô apareceu, mudando, apareceu na cidade de São Paulo pra nos conhecer e olhou pra mim e identificou: “Essa daí é uma portuguesa! Essa daí vai a Portugal!”. E eu, criança, muito esperta, falei: “E onde é isso?”. Ele falou assim: “É lá em Portugal, vocês vão poder morar, lá é bom”. Explicou mais algumas coisas, né? Aí, tinha aquela salada diferente que minha avó fez e eu falei: “Por que tudo isso?”. “Ah, porque ele é português!” Então, aquela salada com azeitona, com óleo, sabe? Com azeite, nossa, tudo isso? E ele falou: “Essa aqui é, essa aqui vai!”. Ele me identificou. E eu olhava pra ele: “O senhor não pode me levar pra lá, não?”. Queria ir embora naquele dia, naquela hora! (risos) Quem é que quer ficar, se o negócio é tão bom? Aí, tudo bem, morreu minha avó Maria, morreu esse Frederico, que só deu uma passada por lá, né? E eu fui criada numa família bem paupérrima, e meu pai começou a beber muito, virou alcoólatra, mais por essa questão de ter ido à guerra. E, então, a gente esquece um pouco esse lado, mas eu sempre fui meia retiradinha. Sempre fui praticamente forinha do ninho. Ou no ninho errado. Aí, minha mãe se mudou lá da Casa Verde para Cachoeirinha e foi muito triste porque, na Cachoeirinha, nós não tínhamos nada. A gente mudou com uma carroça e, na carroça, só tinha roupa e panela, que foi destruindo tudo, que meu pai começou a beber muito, então, começou a não ter trabalho. E, aí, é onde começa a coisa, e eu começar a me identificar mais, a partir do ano... Eu fui pra escola em 62, então, em 60, por aí, comecei a me identificar mais. Antes de eu completar os sete anos e, quando nós mudamos pra Cachoeira, na Rua Gabujum, ele bebendo muito, mas a gente tinha um radinho, alguma coisinha, a nossa cama. Quando a gente mudou lá, era feita de capim, você já viu isso? Criatividade, né? Capim, pegava aquelas forquilhas da madeira, colocava duas na cabeceira, duas nos pés e colocava as tirinhas do galho, enchia-se saco de estopa, que seria o saco de carvão, né? Enchia de capim e formava-se uma cama. Quer dizer, a gente perdeu o pouco que tinha com a bebida dele e era isso. Pra ir pra escola, era bolsa de saco branco que minha mãe bordava. Toalha também era feito, antigamente, pra quem não tinha condições, com um saco branco, desfiava. E, como minha mãe trabalhava e ele saía também pra trabalhar, às vezes, um dia, eu fui e liguei o rádio e ouvi uma estação, não me lembro o nome, tocando um cantor estranho, com uma língua estranha lá: “Ro, ro, ro, ro, ro, ru!”. Eu falei: “Opa, é aqui mesmo!”. E aquilo me deu... Ah, eu me senti muito leve! Eu viajei! Eu tinha nem seis anos, tinha cinco anos. Eu viajei naquele som, e era um programa que tocava umas músicas europeias, tudo. Italiana, portuguesa, francesa. E aquilo foi meu mundo, onde eu me encontrei nesse dia. Aí, eu olhava para o pessoal e não me sentia, eu queria estar ali dentro daquele... Chegava a hora do programa, eu sentava. Aí, o que eu fiz? Não sei hora, não sabia ler, aí, eu peguei o esmalte da minha mãe e marquei lá no número 100 – como se fosse hoje, eu estou vendo aquele número. Marquei no número 100. E olhei lá pra um relógio grande e também fui lá e marquei, uma coisa que nunca vou esquecer, foi onde me descobri. E, então, começaram a me chamar de portuguesa. Minha mãe, meu pai, meus irmãos, minha irmã dizia: “Lá vem essa portuguesa! Lá vai ouvir as músicas dela!”. Então, ficou assim.
P/1 – E, depois dessa descoberta, como a família encarava essa sua rotina de ouvir? Como eram os comentários, as percepções?
R – Percepção era difícil porque família paupérrima, sem condições nenhuma, uma criança só queria coisa chique! Então, tinha um contraste terrível (risos). Eu era sempre rejeitadinha, porque eu só queria coisa boa. Eles não queriam dar nem a ruim pra mim, quanto mais a boa. Minha mãe comprava sapato pra minha irmã e eu andava descalça. Era, tinha diferença. Meu pai: “Como que essa menina quer conhecer isso aí? Não tenho condições”. Aí, foi ouvindo, foi ouvindo, foi ouvindo, e eles não me atrapalhavam na hora de ouvir aquilo lá. Então, eu queria comer de garfo e faca, os pratos melhores. Como não tinha, eu corria pra casa das amigas que tinham. Eu falava: “Essa que é a minha casa!” (risos). Nunca falava que era aquela casa ruim, porque a gente foi morar na Cachoeirinha e lá era o quê? Lá era um depósito de banana! Um pedaço era de tijolo, que faltava mais preencher do que... O outro pedaço de madeira, cheio de frestas, de vãos, que via tudo que estava do outro lado. Chovia mais dentro que fora. Como é que meu pai ia ter condições? Depois de cozinheiro e motorista, ele passou pra lavador de carro, que seria o flanelinha hoje. Não trazia nada, todo o resto de pinga. Então, não tinha como dar nada. Aí, eu comecei só a ouvir aquilo lá, ouvir, ouvir, ouvir, era uma coisa de louco quando eu me descobri. Um dia, acabou o programa e eu falei assim: “Pai, tiraram da rádio, acho que estragou aí dentro!”, que a gente não tinha noção. Aí, ele procurou, procurou, procurou pelo horário, eu sabia certinho, muito focada. “Cadê o programa?” “Acabou.” Nossa Senhora, aquilo acabou meu mundo. Eu fui pra porta da cozinha: “Como acabou? Como acabou? E agora?”. E ele: “Agora, só você indo lá!”. Eu falei: “Quando que eu vou?”. “Só quando você ficar grande!” Falei: “Mas por que pai? Dá um jeito. Onde tem isso?”. Aí, ele apareceu com disco de vinil, naquele tempo, só com as músicas, mas não tinha onde tocar! Eu ia pra casa da vizinha. Até um dia que eu decepcionei, a vizinha falou pra mim assim: “Você nunca vai lá, seu pai é um alcoólatra!”. Aí, eu quebrei, não vou ouvir mais. Quebrei o disco e já estava quase na hora de ir pra escola e tinha alguns cantores, alguns... Pessoal que tocava violão, esses instrumentos, e eles paravam na porta da minha casa e me chamavam pra eu ouvir. Aquele outro é baixo, né? Aquele grande, que tem quase um metro e pouco. Eles paravam lá e ficavam tocando, só pra eu ouvir.
P/1 – Quem eram essas pessoas?
R – Eram os vizinhos, né? Pessoas que tocavam em salão, artistas que... Orquestras! Então, às vezes, passavam lá e tocavam pra mim.
P/1 – E como eles sabiam que você gostava?
R – Porque chegaram até eles, né? Os vizinhos foram falando e aí chegou até eles: “Chama a Ivani!”. Aí, ficavam lá cinco minutos e aquilo ali, pra mim, era meu sonho. Eu não curtia samba, essas músicas do Brasil. Aquilo lá era o meu mundo.
P/1 – Dona Ivani, descreve pra mim o que a senhora sentia quando escutava essas músicas?
R – Ai, eu sentia felicidade, paz interior. E eu não sei bem lembrar, mas eu estava em outro mundo, aquilo ali era meu. Era meu. Aquelas línguas diferentes, aquela coisa, aquela música que dá paz. Aquele som! Nossa, não tinha explicação. Então, eu não fazia questão muito, não citar os nomes, mas daquelas músicas da juventude, que estava surgindo nos anos 60, que seria bossa nova, jovem guarda. Eu não fazia questão, eu nem ouvia. Aí, fui à escola e, quando eu fui à escola e começou a professora a falar do descobrimento do Brasil, eu sempre fui meio isolada, nunca gosto de me misturar muito. Eu escolhia algumas meninas e ficava ali, mas sempre sozinha. E, aí, quando ela falou do descobrimento do Brasil, que contou a história, fez lá os barquinhos, quando chegou, onde que tinha uma terra lá não sei onde chamada Portugal e que vieram o barquinho pra cá, descobriu, e que tinha o Pero Vaz Caminha que mandou a carta e que tinha uma pessoa ali, que era a única que tinha o nome Vaz Arruda... Aí, tudo veio porque que eu era assim! Porque que eu era assim! Ela falou assim: “Você tem descendência portuguesa”, e me apontou. Eu tenho (risos). É interessante. Aquela coisa, aquela sementinha que tá lá dentro, ela vir e brotou! Aí, eu era rainha da sala! Porque ela disse que eu era única. Aí, cheguei em casa e falei: “São todos meus parentes, quero saber onde eles estão, quero ir embora, mãe! Quero ir embora, diz que sou descendente de português, chamo Ivani Vaz, eles têm terra, então, onde tá? Tem ouro, tem terra”. (risos) Queria ir embora! Minha mãe: “Filha, agora não tem condições”. Eles não tinham como explicar pra mim, pela situação em que eles se encontravam. Aí, meu pai chorava. Minha mãe me xingava, mas meu pai chorava. “Essa portuguesa não tem jeito, o que é que nós faz com ela?” Então, minha mãe me empurrava para o meu pai quando eu me queixava, que eu era descendente dele e não dela. Aí, eu falei: “Eu quero ir ouvir isso aí, essas coisas”. Como não tinha mais CD, não tinha mais programa, aí, eu não sei onde ele arrumou um ingresso pra eu entrar lá no Teatro Municipal. Eu tinha sete anos, e a coisa mais maravilhosa. Eles me puseram pra dentro, meu pai não tinha ingresso, puseram eu e meu pai pra dentro, nós ficamos na porta até quase na hora de começar e ele falou: “Você quer? Então, vai lá conversar lá com a mulher”. E eu fui, expliquei toda situação, do que eu gostava, do que eu não gostava, e eles me puseram pra dentro. Duas horas e meia, três horas de ópera. Ópera, música orquestrada, e era meu sonho, eu me sentia bem!
P/1 – A senhora se lembra de como foi esperar chegar a noite?
R – Ah, meu pai me levou cedo e nós chegamos lá umas quatro e meia, cinco horas, pra poder conversar. E, aí, a gente conseguiu, devia ser umas seis e meia, por aí, nossa! Quando cheguei em casa, minha mãe perguntou assim pra mim: “Como é que foi?”. Eu falei: “Ótimo, só quero ir lá”. (risos) Só queria ir lá, né? Porque não tinha mais programa. E é uma sensação aqui dentro inexplicável, não tenho como te explicar. Inclusive, depois de tudo isso aí, vai pegando uma certa idade, meu pai morreu. Então, aquela coisa toda. Mas eu sempre gostei, sempre, sempre, sempre, é meu fraco. Tanto é que essa portuguesa aqui, ela, com cinco anos, eles se separaram, meu pai e minha mãe, exatamente por causa dessa bebida. E nós fomos para o colégio interno em Bauru e quem é que... Aí, ficamos lá, coisa de um mês, mais ou menos, e fomos muito mal tratados, colégio de freira, né? E a minha mãe foi lá e pegou a minha irmã e o meu irmão só e deixou eu (risos). Ela pegou a minha irmã e o meu irmão e levou embora. Aí, a madre: “Mas por que tá levando?”. Eu catei na saia dela e ela: “Não, você fica”. A madre: “Mas a senhora vai deixar ela? Não pode, são três, a senhora tem que levar”. Ela falou: “Não, essa aqui eu não levo, essa vai ficar”. Ela falou: “A gente vai tentar adotar, ver se alguém adota essa”. “Essa portuguesa eu não quero, deixa ela aí.” Aí, eu fiquei lá, vinha o pessoal visitar. Foi um casal de branquinho, mas, independente de ser negra, queria ficar perto deles. Aí, eles falaram que eu estava grande e tudo, eu falava que queria meus pais. Aí, meu pai foi me buscar e me levou pra casa da minha avó. Eu fiquei muito doente por causa dos irmãos, da família. A minha mãe resolveu lá voltar com meu pai, voltaram e ela olhava pra mim e dizia: “De quem você gosta? Você gosta da minha cor?”. Falei: “Não”. “Você não gosta da minha cor?” “Não, você tinha que ser branca!” (risos) Você acha? Menina, com sei lá... Aí, nisso, ela disse pra mim: “Olha, não tem jeito de eu mudar, eu vou te criar, mas nunca vou te amar”. E, aí, eu fui criada ali, de qualquer jeito, ela desprezando. E o meu pai defendendo. Teve uma vez que ela me queimou com ferro de passar roupa a carvão, tenho umas duas manchas aqui, ela botou o ferro assim e depois assim. E, aí, fomos viajar uma vez pra Bauru. E, na volta, eu, muito dada, que eu achava lindo gente branca, eu achava lindo. Então, quando tinha, eu cheguei, sempre fui assim, de fazer amizade fácil, de sorrir. Aí, o chefe da estação: “Que menina engraçadinha!”. Falei: “Nossa, ele é branco! Vou conversar com ele”. E conversava com ele, aí, minha mãe: “Tá vendo, tá vendo?”. Quando chegou o trem, ela pegou Iraci e Idail, o meu pai foi para o trem pegar lugar, porque antigamente ia para os interiores de trem. Aí, meu pai pulou no trem pra pegar lugar, minha mãe pegou o meu irmão que estava no colo e a minha irmã e eu falei: “E eu?”. Peguei a saia dela de novo: “Você fica! Fica aí”. Tudo dentro do trem, e ela subiu, aí meu pai: “Cadê a Ivani?”. “A Ivani ficou, ela não vai.” Aí, o trem foi embora, e o meu pai gritando na janela: “Eu venho te buscar minha filha, eu venho te buscar!”. Esse senhor veio, me pegou e ficou comigo, não sei, não tinha onde dormir. Ele tenta dar chocolatinho, doce, agradar, aquela coisa toda, e eu gritava: “Meu pai vem me buscar!”. E ele queria me levar: “Não, meu pai vem me buscar”. E veio um trem, e eu não sei se foi no mesmo dia, à noite, veio um trem, um casal dormiu numa cidade próxima, e eu embarquei no trem seguido. E, aí, a gente fica procurando o rosto do negro, é negro, tem que procurar os rostos dos negros. E, aí, tentei procurar pra ver se minha mãe estava naquele trem, meu pai, não tinha ninguém. Descemos e se encontramos. E meu pai falou pra minha mãe: “Você não vai separar as crianças, e trata de cuidar bem”. E perguntou pra mim: “Como é que foi que ela te soltou?”. E eu contei a história pra ele, e eles brigaram, porque ele não queria que ela fizesse isso, independente de que eu era criança. E depois ficaram bem e viveram até a hora que veio a morte do meu pai. E ele morreu em 62, devido ao alcoolismo, depressão. Teve umas doenças, fígado, veio assim multi, deu uma parada em tudo. E minha mãe foi criando nós.
P/1 – A senhora se lembra do dia que soube que seu pai tinha falecido?
R – Eu lembro, porque, como eu andava muito com ele, meu pai dizia assim: “Vamos para o bar”. Alcoólatra, a vida é bar, né? Ele bebia e dava doce pra mim, então, eu estava sempre com ele. Nem Iraci e nem Idail, era eu mesmo, porque ele tinha que defender eu da minha mãe, porque minha mãe me cacetava, batia muito. Aí, ele ficou doente, ele morreu no dia 21 de novembro de 1961, mas ele primeiramente teve cirrose. E inchou muito, inchou muito a barriga, depois ficou acamado, teve um processo dele que foi bem dolorido. Ele ficava toda hora se despedindo. Ah, dá benção, ele falava: “Ah, você vai sofrer!” – ele já falava – “Porque você é diferente dos outros dois, sua mãe...”. Mas ele brigava, falava: “Não quero que separe as crianças. Não cria as crianças separadamente”. Aí, ele morreu. Ele morreu no Hospital das Clínicas, e minha mãe seguiu criando a gente, com muita dificuldade também. Aí, quando veio, apareceu meu padrasto, viveu com ela, pra ajudar a criar. E eu esqueci um pouco desse lado meu que já vai se formando, já vai se dedicando mais à escola, à aprendizagem, a gente vai esquecendo um pouco. Mas, quando inteirou os 15 anos, minha irmã ia muito para os bailinhos, e eu não queria ir. Aqueles bailes, aquelas coisas, pra mim não tinha muito significado. Mas eu não rejeitava as pessoas negras de xingar, essas coisas. Era uma coisa que eu queria essa mudança, mas não foi possível. E, depois, eu fui ficando jovem e eu sentia que tinha uma diferença na sociedade pra lidar com as outras pessoas. E não sabia por que, até eu tinha esquecido essa passagem toda. Então, eu falava: “Que estranho”. Todo mundo falava que eu não conseguia ficar próxima de ninguém. “Não gosto de fulano, não gosto de sicrano”, não dava certo. Eu não fui uma pessoa que tive muitas amizades, frequentar casa, aquela coisa toda, eu sempre fui mais isolada. Sempre gostei de ir em lugar muito bom e, de vez em quando, até que casa, esquece um pouco, mas essas rádios eu sempre procurava. Aí, eu me casei, queria casar com branco, mas não deu certo (risos). Casei com o pai da minha filha e também não deu certo, separamos. Aí, conheci o Macedo, e eu comecei a pensar: “O que é que há em mim?”. Eu falei: “Tem alguma coisa mais diferente”. Aí, eu fui buscando a minha vida, fui voltando ao passado, fui lembrando isso. Por que, quando eu ouvia essas músicas, eu tinha essa sensação? Fui buscar as histórias do meu avô, da minha família, que não dá pra pegar tudo. Eu fui até Bauru saber a mocidade do meu pai, onde ele serviu o quartel, que eu teria direito a uma casa lá em Portugal. Mas eles não cedem porque tem que entrar com advogado, aquelas coisas toda, porque o livro eles escondem, o livro que é o Vaz Arruda seria a letra “a”, o sobrenome Arruda. Então, quando eu fui pegar o livro, eles esconderam o livro. Eu tinha direito a uma casa em Portugal, porque ele foi pra guerra, mas aí tem que provar. Eu fui lá, fui em São José do Rio Preto, meu bisa, o Frederico, está enterrado lá, que ele trouxe arroz, plantação de arroz. Não interesse de dinheiro, de terras, mas interesse de saber de onde eu vim, quem sou eu. E eu fui sabendo, fui descobrindo, fui entrando no meu eu. E é fantástico quando a gente descobre isso. É uma coisa como se fosse o casulo da borboleta. Ele tá ali, feio, todo mundo tem sensação de coisa ruim, que vai queimar. Sabe aquela transformação? Então, é isso. Hoje, eu já sei quem sou eu, hoje eu sei quem sou eu. Aí, indo buscar isso e, um dia, falei para o meu marido, antes de morrer, que é o José Aparecido Macedo. Ele deixou até, me deu uma condição de vida melhor. Eu falei, um dia, vou conhecer Portugal, eu vou... Tem uma coisa aqui dentro que preciso conhecer Portugal. Aí, quando ele faleceu, eu peguei uma quantidade financeira e fui conhecer Portugal. Não desfazendo do meu país, da minha terra natal, do Brasil, mas eu tenho que ver essa sementinha portuguesa que está aqui dentro, esse lado que tá gritando há muitos anos dentro de mim. E eu tinha que ir desvendar isso e ver o meu ninho também, o outro lado dividido e eu fui. Fui primeiramente, aqui no Brasil, pra Bahia, em Ilhéus, mas falei: “Não, aqui não tá legal, não é isso aqui, não. Esse negócio é meio estranho, fiquei oito dias lá e falei não, não, tsc, tsc, tsc. Meu negócio é outro”. Aí, comecei fazer só viagens para o Sul, que falavam pra mim: “Você tem um mês em qualquer cidade do Norte, então, me dá dois dias em Porto Alegre, Curitiba, quero ir pra lá”. E, lá, quando eu chego, nossa, estou em casa. Aquela educação. É coisa minha, espiritual. Aquela educação daquele povo, aquela coisa suave. Me perdoa, aquelas pessoas puras, lindas, altas, não falando assim em sexualidade. Aquilo ali é meu mundo, eu me sinto bem, é isso que diferencia. Aí, meu marido morreu em 2003, o José Aparecido, o qual eu tive uma vida muito bonita com ele. Muito boa, ele foi pai, foi amigo, foi irmão, companheiro e ele era ferroviário, ele morreu de diabetes, de diabetes mellitus. Vivemos até o último momento do suspiro dele. E foi. Esperei passar um tempo e, em 2007, eu fui pra lá e eu escolhi a aviação TAP, por quê? Por que a TAP? Eu falei, já quero sentir o gosto português! (risos) Você vê que coisa? Aí, eu fui, vixi, aquele pessoal falando, falando o português da origem e, quando eu desci em Portugal, eu reverenciei pra ele, fiz minha reverência. Desci até o chão, ajoelhei e agradeci e pedi licença pra entrar naquele país. Oh, filha, daí em diante é uma coisa que, se eu pudesse, não teria voltado.
P/1 – Dona Ivani, como a senhora organizou essa viagem?
R – Como eu me organizei? Dá um minuto pra mim?
P/1 – Claro, claro, claro!
R – Eu me organizei assim, né? Eu já tinha em mente, se os portugueses entraram aqui, levaram os ouros tudo daqui e levaram tudo, eu tenho direito. Vou descobrir onde que está esse povo Vaz de Arruda, por que eu chamo isso. E, aí, me organizei em termos de conhecer mais, quero conhecer mais essa cultura. Eu tinha uma situação financeira bem equilibrada e conhecia a Doutora Lídia, que é uma alemã que trabalhava comigo no Hospital Regional, na UTI. E falei pra ela: “Olha, já que a senhora é lá da Europa, me dá umas dicas pra mim, como é que é lá, como eu faço? Eu quero ir pra lá, mas estou sem saber, não tinha contato com pessoas assim”. Ela marcou um café na casa dela, no Itaim, e falou: “Nós não vamos fazer fofoca de família, não quero queixa de família, você vai procurar me ouvir”. E ela me preparou. Aí, eu peguei uma revista, um prospecto de lá, da agência, e eu desfolhei e falei: “Quero conhecer o máximo que eu puder!”. Ela falou: “Não, você tem condições. E você vai na viagem ouro! Nada de entrar nas cidades mais longe, você precisa ir nos tópicos. Você vai descer em Portugal, porque o que você quer conhecer, quer ir em busca, depois pode ir em volta, então, você vai fazer esse roteiro”. Aí, eu fui e fiquei mais em Portugal, fui em todos os lugares que eu pude, encontrei, fui hospedada... Aliás, quando eu cheguei, minha mala foi desviada e eu liguei para o hotel e os portugueses foram me buscar. E, quando veio a plaquinha, lá não é Ivani Macedo, é Ivani Vaz! “Ah, é Ivani Vaz?” E eu digo: “Sim”. “Essa rapariga que vai levar ao hotel.” E eu falei: “Vai me levar para o puteiro, e, agora, o que eu vou fazer?”. E a rapariga era bonita: “Senhor, por favor, fala devagar”.
P/1 – (risos)
R – E onde que eu vou? “Vai, levar para os parentes Vaz...” Tô feita! (risos) Quando chego lá, era todo mundo Ivani Vaz, Ivani Vaz. “E o parente quer falar contigo.” Falei: “Bom, vou esperar”. Aí, fui dormir, cheguei duas horas da tarde, até arrumar quarto e tudo. Quando foi de noite, mandaram descer pra ir ouvir piano e tomar vinho. Aí, eu conheci o Vaz. Ele é meu parente e que chamava Vaz. Eu perguntei um pouco sobre a família, de onde era, e ele disse: “É de Algarve! Nós somos de Algarve, nossos antepassados”. Eu tomei um vinho com ele, ele de olho azul, como eu sempre falei, meu Deus, eles são brancos meus antepassados. Aí, vai caindo, mas eu não fui pra buscar nada de bens, mesmo pra minha sementinha florir em mim e eu aceitar a minha vida, aceitar toda essa história, o porquê, o não porquê desse desejo todo que tinha. Fui conhecer a Bomba de Hiroshima, Belém, Lisboa, o centro, Sintra, Cascais, fiquei cinco ou seis dias lá conhecendo Portugal, porque Portugal é bem pequeno, né? Mas estive em vários lugares lá.
P/1 – Eu posso voltar bastante?
R – Pode, fica à vontade.
P/1 – Queria voltar pra adolescência da senhora, porque como é ficar adolescente e não ter esse contato com a mãe? Como você entendia o que estava acontecendo com o seu corpo?
R – Aí era... As vizinhas que ajudavam (choro). Eu fui criada mais pelas vizinhas, a minha mãe eram as vizinhas que me adotavam e me educavam e me ouviam nas minhas necessidades. Eu, com 12 anos, dez anos, eu fui trabalhar e a... Desculpa, então, como eu fui a fora do ninho, então, as minhas vizinhas viam que minha mãe me abandonava, me judiava. Então, eu via a vizinha que gostava mais de mim, porque eu era bem assim, comunicativa, eu chegava, ia lavar uma louça. Sempre dava, sempre fazia alguma coisa pra ajudar, então, elas vinham e me pegavam, falavam: “Minha mãe fez isso hoje, minha mãe queimou minha orelha, minha mãe jogou um garfo em mim, minha mãe jogou uma xícara, minha mãe jogou um copo”. E aí: “Fica aqui”. E eu ficava, e elas orientavam pra que eu não fosse tão judiada. Mas não adiantava muito porque, quando voltava, não tinha feito serviço de casa e levava uma surra de fio de ferro. Fio de ferro, nem de ferro, não tinha, fio de correia de máquina, que era puro couro. Então, aquilo sangrava toda perna, costa. E tinha as vizinhas que apoiavam, a Dona Cida. Essa Dona Cida, que nós moramos na Rua 14, na Casa Verde, que a gente, quando meu padrasto pegou minha mãe na Cachoeirinha, ele pegou, tirou dessa casa, que era um porão e que era um depósito de banana, e levou pra Casa Verde Alta, num dois cômodos já. Com água, luz, tudo. E, aí, eu comecei a frequentar a casa da Dona Cida. E essa Dona Cida me queria como filha. Aí, com a Dona Cida, eu já estava com 12 anos. Ela falou, ouviu na rádio, que quase ninguém tinha televisão, mas essa Dona Cida tinha uma televisãozinha lá, uma televisão, que ela ouviu, não sei se foi na rádio ou na televisão, que precisava de uma menina de 11 a 12 anos que fosse bem negrinha, bem pretinha, pra fazer a novela Mulheres de Areia, com o Albertinho Dumont, que faz tanto tempo que nem lembro mais dele. Aí, foi lá, falou com a minha mãe: “Olha, Dona Elsa, podia liberar eu pra ir na TV Tupi”, que era perto da Ministro Alves, Avenida Pompeia, depois entrando na Ministro Alves, já era a TV Tupi. Em 60, 62. E, aí, eu fui fazer a gravação com o Albertinho Dumont, eu fiz acho que quatro a cinco capítulos gravados com ele. E ela que me levava.
P/1 – Que cenas que a senhora se lembra de ter feito?
R – Ah, eram cenas que eu era filha de uma empregada. Então, esse Albertinho Dumont trocava. Os textos antigamente eram lidos e escritos à mão. Aí, eu tive que levar pra casa e fiquei decorando durante 15 dias esse texto, que eu tinha que falar com ele e tinha que falar com aquela artista... Faz muito tempo, né? (risos) Cincoenta e lá vai pedrada! Então, aí, a filha dessa Dona Cida, ninguém passava, e a Dona Cida veio procurar eu, porque eu era magrinha, espertinha e eu tinha, cabia a idade certinha.
P/1 – Tinha um nome esse personagem que a senhora interpretou?
R – Então, eu fazia a filha da cozinheira de Albertinho Dumont, porque o Albertinho Dumont era amamentado por essa senhora que criou, aquelas coisas todas. E eu era a filha deles.
P/1 – Tem alguma fala que a senhora lembra?
R – Ah, aí, é forçar muito! (risos) Ainda, quando fui fazer o teste, eu me lembro que eles falavam assim, cheguei lá e vi aquelas coisas, câmeras e aquelas coisas todas, ficamos olhando. Passa por aquela recepção, como a gente se comportar, como eu deveria me comportar, mas, na hora, a gente dá aqueles foras. Depois, ela me explicou e nunca tinha feito, já estava em mim mesmo. “Ah, como faz pra chorar?” Aí eu... “Faz cara de triste.” E eu... Fazia. “Faz cara de pensativa.” Pensava. “Faz com coisa que você está brava.” Tudo eu consegui e passei no teste, nunca eu tinha imaginado que seria assim. Aí, passei e... Chorar, nossa! Pensa numa coisa triste e chora! (risos) Sem ter cena. Eu fiz o teste e, quando eu vi, veio a lágrima, eu comecei a pensar nuns negócios lá, veio a lágrima. Aí, foi onde eu consegui pegar, não seria a novela toda, porque antigamente um negro não fazia. A não ser um empregado ou um filho de um negro, aquela coisa toda, seriam algumas cenas. Eu devo ter voltado lá umas quatro vezes, que eu fiz com o Albertinho e fiz com essa senhora negra bem forte, não lembro mais o nome dela. Porque o Albertinho Dumont, quando ele seria... Ele tinha nascido e essa senhora que amamentou ele, não sei o que Cristina, a Isabel Cristina, que é essa senhora, parece.
P/1 – A senhora foi remunerada por esse trabalho?
R – Eu devo ter sido, sim, porque eu era criança, e a mãe ou alguém ia dar o dinheiro pra mim? Imagina, eu ia dar pra todo mundo, porque eu tenho o dom de doar. Aí, nessa época, se tivesse muita coisa na minha casa, eu chamava todas as meninas que não tinham condições e catava e dava pra todo mundo. É o dom de doar. E minha mãe, sabendo que eu era danada, não ia dar o dinheiro pra mim, mas devo ter sido sim.
P/1 – E, Dona Ivani, a senhora se lembra quando ficou menstruada pela primeira vez?
R – Ah, sim.
P/1 – Pode contar?
R – (risos) Ah, sim, foi com 12 anos.
P/1 – E como foi perceber? A senhora sabia o que estava acontecendo com a senhora?
R – Não, fala que estava ficando moça! A mãe, os colegas, que já tá esperando. A menina, com 11 anos, dependendo, começa a sentir dores, então, é onde vai começar a desenvolver alguma coisa no útero. E eu começava a sentir dores e falava pra minha mãe e, às vezes, pras colegas: “Ah, vai ficar mocinha!”. Eles chamam de regras, né? “Tá pra começar as regras.” E o outro nome também, o chico, né? (risos) O famoso chico. Hoje em dia, se falar em chico, ah, é o vizinho?! (risos) Tá descendo a ladeira! Então, foi isso, eu fiquei, já estava mais ou menos esperando. Naquela época, não tinha essas coisas que tem hoje e fiquei uns dias, depois o negócio aumentou pra cinco dias e é isso. A transformação, mas eu, já com dez anos, cortava o sutiã da minha mãe e fazia sutiãzinho pra mim. Cortava, criatividade, né? Botava um elástico aqui e já usava. E minha mãe, eu acabava com o sutiã dela e tome-lhe surra pra você. Sutiãzinho eu já usava, eu mesma fazia, que eu não queria ficar assim. E desenvolvi, até os 12 anos.
P/1 – E as primeiras paixões? Ou a primeira!
R – Ah, 12 anos, né? Minha mãe botou muito pra trabalhar. Com 12 anos, eu trabalhava em casa de família, dormia cuidando de criança, lavando louça, era uma mulher. Tratavam a gente como se tivesse 20, 30 anos dentro de uma casa de uma família. Uma menina com 12 anos, ela trabalhava das oito horas às oito da noite. Era assim, mais ou menos. Eu não queria trabalhar em casa de família, eu queria ser rica, como é que é? Eu ficava ali e eu aprontava. A minha mãe punha e só vinha reclamação.
P/1 – O que a senhora fazia?
R – Ah, filha, eu trabalhava uma semana só, ficava mais, não. Até comprar meus sapatos, minhas coisas, olhava... “Não vou trabalhar pra esses brancos aí, não!” E vai lá e serve aqui e faz isso e lava a louça. Eu fazia, uma semana eu ficava bonitinha, nossa! Daqui a pouco, eu ficava bolando alguma coisa pra que a mulher ficasse com raiva de mim e me mandasse embora. Aí, minha mãe me botou na casa de uma mulher, e eu fiquei lá 12 anos, só vinha ver a família uma vez por semana, é triste. De segunda a sábado na casa dos outros, dormindo ali enroladinha, aquela diferença. Porque eles são patrão e não querem saber do empregado, só mandavam: “Vai lavar a louça. Vai pegar. Vai fazer. Isso aqui não tá areado”. Era só assim. E eu, nossa, me doía muito, eu tive muita depressão, que hoje eu posso dizer que era uma depressão. Eu falava: “Vocês vão ver só se eu vou trabalhar”. Trabalhava cinco dias, seis dias, uma semana, tá bom. É essa mesa que ela gosta, né? (risos) Eu aprontava, quebrava as melhores louças! Pra mulher ficar ferrada. Ela ficava com tanto ódio de mim que não queria me ver. “Some da minha frente.” Aí, eu peguei uma, pensei: “Estou cansada de trabalhar”. Peguei um vaso de cristal, uma fruteira de cristal naquelas mesas lindas, naqueles móveis de pura imbuia. Eu peguei aquele pé daquela fruteira e risquei, risquei, afundava e eu botava a toalhinha. Riscava, riscava, afundei quase um centímetro e botava a toalhinha. Aí, um dia, a mulher falou: “Mas que tanto ela bota a toalhinha? Ah, quem fez isso?”. “Não sei. Não sei.” “Mas foi você, Ivani!” “Eu? Não!” Eu chorava, eu era artista, sabia chorar fácil. Lágrima vinha de soluçar. E a mulher: “Vai embora, vai embora”. Quando encontrava minha mãe, minha mãe já dava uns tapas no meio da cara, minha filha. Eu ia embora e não via dinheiro de jeito nenhum. Aí, eu matava as saudades dos meus irmãos, dos meus amigos, 12 anos, né? E, daqui a pouco, ela me jogava do outro lado, e eu aprontava de novo. Fechava as torneiras... Aí, eu fui trabalhar nesse local onde só tinha artista, que você me perguntou, que eu disse. Era na Ministro Alves, minha mãe falou: “Ah, Ministro Alves tá precisando lá de pessoa pra trabalhar”. Tá bom, vou trabalhar. Mas tinha que dormir, naquela época, a gente era obrigada a dormir. E o primeiro que eu trabalhei, se vocês soubessem, eu fui trabalhar naquele que abriu o Jornal Nacional... Ai, ai, o primeiro que fez o Jornal Nacional...
P/2 – Cid Moreira?
R – Cid Moreira. Minha mãe falou: “Você vai trabalhar na casa do Cid Moreira”. Mas não tinha o Jornal Nacional ainda, ele morava na segunda casa da Ministro Alves, ele tinha uma filha de 15, outra de 12 e um menino de nove e uma menina de dois anos, ele só tinha um menino. Aí, eu fui lá, trabalhar na casa do Cid Moreira. Ele era novo, bonitão e falava assim: “Ivani, vai começar o Jornal Nacional! Vai inaugurar o Jornal Nacional!”. E eu: “Ah, que bom! Tá bom”. Ele trabalhava à noite, então, ele saía de tarde e chegava de manhã. E ele me via e aí ele... Quando se encontrava, né? Que patrão não dava muita bola pra empregada. E ele falou: “Ivani, quero que você assista”. E eu: “Nem televisão eu tenho”. Mas você vem e fica aqui em casa pra você assistir. E ele mandou um abraço pra mim. Ele falou: “Estou mandando um abraço pra minha...” Lagartixa, nós chamava. Eu chamava Lagartixinha e minha irmã de Lagartixona, porque a gente era muito magrinha e, aí, apelidaram lá na Casa Verde Alta e ficou! Mas ele falou primeiro meu nome e depois o apelido. Foi quando abriu o Jornal Nacional e foi o Cid Moreira. Ele que abriu o Jornal Nacional, e eu fui trabalhar lá. Então, eu estava no meu mundo, né? Só artista. Aí, do Cid Moreira, eu fui pra casa da Aracy de Almeida, naquela época, na Pompeia eram só artistas. Depois, eu fui trabalhar na casa da Teresa, a Teresa era colega da Wanderléa, então, quando eu descia na segunda-feira pra chegar, eu encontrava a Wanderléa na Ministro Alves com a Pompeia. Era o encontro da jovem guarda. Era ali o encontro da jovem guarda. E eu, trabalhando na casa da Teresa, eu também dormia, mas eu ficava mais contente porque eu falei pra ela, eu que dava as regras pras patroas: “Na quarta-feira, eu quero estar na esquina”. “Por que?” “Porque na quarta-feira está lá a jovem guarda, Roberto Carlos, Jorge Ben, Simonal, e eu vou ficar trabalhando de empregada? Não. Eu vou adiantar o meu serviço e na quarta-feira à tarde já era, só volto depois das seis.” Eu fiquei ali naquele mundinho, já mais... Foi muito bonita essa época porque eu encontrava com o Simonal, Jorge Ben, Jair Rodrigues, todo esse pessoalzinho era ali e, às vezes, quando eu descia, que eu vinha de casa, na segunda encontrava a Wanderléa descendo: “Oh, Lagartixa, você vai comprar o meu CD?” – CD não – “Vai comprar meu disco?”. E tinha o pequenininho também, que não lembro o nome. Um era vinil, que era o grande, e o outro não estou lembrada. Que era o menorzinho que cabia 21 músicas. Aí, a Wanderléa fazia assim: “Compra!”. Aí, a minha patroa, a Teresa, me ensinou a tomar caipirinha. A gente fazia almoço... “Eu não bebo!” Aprendi a beber com ela. Fazia caipirinha do “Velho Barreto”, de um bar na frente que comprava aquele “Velho Barreto”, e fazia caipirinha. Então, só trabalhava de fogo, eu já estava com 13 pra 14 anos. Na quarta-feira, era sagrado, eu ia ver os artistas. Eu fiquei no meio desse povo, e o Jorge Ben, ele não tinha lançado ainda. Ele cantava, estava em nome, mas não tinha feito o CD dele, faltava 12 músicas. Aí que é a moral da história! Adivinha o que eu fui? Eles iam se encontrar no restaurante que tem até hoje na Avenida Pompeia, e eu, que gostava de beber caipirinha, não gostava de cerveja, que cerveja era amarga, chegava lá, desandava a fazer caipirinha, na quarta-feira, porque quarta-feira depois do almoço era livre. Eu ficava lá e bebia. Aí, o Jorge Ben começou: “Tá faltando 12 músicas, a gente não sabe quando vai pôr, não sei quando vai pôr”. Aí, ele olhou bem pra mim e falou: “Você vai ser nossa musa”. Naquela época, pra mim, era tudo normal. Aí, começou dizendo que eu ia ser musa dele. Eu não podia fazer nada, se eu abria a boca, saía uma música. De um vestido, saía uma música. Tudo saía uma música. E eu tinha a língua presa, eu nasci com língua presa, tanto é que tem hora que eu troco o “l” pelo “r”, não vai. Eu acabava de fazer, ia lá, eu nunca vou me esquecer disso. Faltavam 12, a gente sentava lá no bar... “Mas você não vai beber?” Ah, cerveja era amargo! Aí: “Lá vem a nega na passarela, toda de azul...”. Foi feita. Um dia, eu frequentava esse negócio de centro, botava roupa branca. Chegou no verão, estava quente, o cabelinho que tinha aquele pente de ferro pra deixar o cabelo liso, enrolava miudinho, ficou bonitinho. Quando eu saía na rua, que era meio quarteirão, começou a chuva. Aí, aquela saia branca assim, quando eu vim chegando, o Simonal gritou: “O amor vem vindo, o amor vem vindo”. E aí falou assim: “Nego Jorge, o amor vem vindo”. Aí, ele fez aquela da chuva. “Cenas e automóveis...”
P/1 – “E avenidas... Ela vem...”
R – “Toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha, que coisa linda é o meu amor...” Aí, ele cantando e eu simples, né? Eu tô todinha feia! Eu, toda com vergonha, toda acanhada. Porque arrumei todo o cabelo e depois danou-se tudo. Aí, entramos pra lá e ele fez essa música. Fez essa. Aí, eu falava errado, ele fez: “Bicho do mato, quero você pra mim. Eu só vou embora se ela disser que sim”. Aí, no fim ele falou pra mim: “Ivani, não dá pra pôr seu nome. Seu nome não se encaixa em música nenhuma, em papel nenhum, mas eu vou tentar nessa aqui colocar”. No final, ele bota “Vi” (grito), nessa do bicho do mato, mas tem que prestar bem atenção no finzinho, que ele fala. Mas, nas outras, não encaixa, Ivani é um nome que não dá, então, saiu essa. Daí, outro dia, nós estávamos também lá e ele fez... Ah, qualquer conversa que eu falava da mulher branca, mulher estrangeira... Que, na época, eu não sabia. Ah, a mulher estrangeira, mas a brasileira é mais bonita. “Mulher brasileira...” Tudo isso aí. Mas ele falava, como eu não tinha aquela cabeça pra saber que eu estava sendo a coisa mais importante pra eles, eu não tinha essa malícia. Então, eles iam fazendo. Chamava eu, eu ia pra não sei onde com eles, e eles faziam. Tanto que o Simonal ia lá na porta do prédio pedir cigarro pra mim, que ele tinha vindo do Rio, estava meio deslocado, e não tinha tanto dinheiro. “Mas na hora que gravar, Ivani, você vai ver.” Aí, gravou e sumiu, nunca mais vi ele! (risos)
P/1 – (risos)
R – Também faltavam 12! Gravou e sumiu.
P/1 – E quando a senhora ouve essas músicas no rádio?
R – Ah, eu curto, né? Ah, olha... Hoje, eu começo a lembrar: “Ah, aquele dia!”. Então, eu fui coisa muito importante nisso. Nesta semana mesmo, eu coloquei um CD dele e estava lá em casa o senhor Armando, montando um armário. E, aí, eu comentei com ele: “Essa passagem assim, essa assim, essa assado”. Porque o Jorge Ben não ia como uma pessoa que pega uma aqui hoje e lança amanhã! Então, ele ia nos bairros, na Casa Verde Alta, depois a gente mudou pra Barueri, e eles iam pra Barueri. E eu era musa, onde eu estava eles iam. E eles eram pessoas comuns, o Jorge Ben morava na Angélica, mas ele tinha que estar nesse meio do povo, que era nós naquela idade. E: “As outras eram manjericão, as outras eram manjericão...” foi feita lá no Jardim Silveira, Barueri. Ele foi num salãozinho lá e eu falei: “Ah, você fica só dando bola pras outras...”, porque namorar, antigamente, era olhar. Um beijinho aqui, um selinho! Então, eu falei: “Ah, você fica aí só dando bola pras outras...”. E ele: “As outras eram manjericão, as outras eram manjericão...”. Então, tudo, já na hora, ele já fazia. Depois, a gente se encontrava lá na Ministro Alves, e ele já ia fazendo alguma coisa, pegava aquele papel de guardanapo e fazia ali, escrevia ali. Às vezes, eu punha alguma coisinha. Ela está assim, ela está assado, tudo saía. Quando ele gravou, ele foi sucesso e sumiu. Mas eu vivi aquela fase boa, aquela fase gostosa. Essa Teresa, que eu trabalhei com ela, ela falou assim: “Ivani, hoje nós vamos sair. Pega as crianças e tal...”, entramos no carro, onde eu fui parar? Em Pirituba. Aí, eu sentei, me levou, eu dormia lá, fazia parte da casa, daqui a pouco estou vendo. Chega Erasmo Carlos, chega não sei quem, chega não sei quem. E ela: “Sabe onde você está?”. “Ah, tô vendo a Wanderléa.” Ela falou: “A Wanderléa casou e mora aqui, você tá aqui na festa, fica quietinha e não conta pra ninguém”. Daqui a pouco, chegou todo mundo. E eu não podia entrar, eles estavam fazendo a festa, todo mundo, os artistas, e eu era a empregada. Então, fiquei sentada lá fora, entrava um pouco, olhava, sentava num canto e olhava. Eles estavam gravando aquele: “Olha, que festa de arromba...”. Falei: “Todo mundo aqui, meu Deus, eu não acredito que estou aqui”. Ela me pegou: “Não vai falar pra ninguém!”. E, naquele tempo, Pirituba, onde a Wanderléa tinha construído, comprado casa, não tinha nem asfalto. E a casa dela era de descida assim. Então, vinha a sala, os quartos e, ao invés de ser pra cima, era pra baixo, a sala era bem no meio, interessante. Eu fiquei na escada, entrava um pouquinho lá dentro, sentava. E eles estavam lá, fazendo essa música, que é a Festa de Arromba, e, exatamente, chegou o outro com um carrão e eles iam lá esperar na porta e foi fazendo.
P/1 – E a senhora não foi falar com eles?
R – Não, eu estava ali no meio, eles conheciam, chamavam eu de Lagartixa, de Ivani. Mas não de estar tanto lá no meio, né? Nego ainda... Então, eu estava lá, eles cumprimentavam, beijavam, davam as bebidas e tudo, mas a festa de arromba era deles e não minha. Eu não podia participar porque era só de artista. Então, foi essas daí, que eu conheci todos eles, tive essa oportunidade.
P/1 – E teve algum romance?
R – Tive, com o Jorge Ben, 14 anos. Esse namoro de selinho. Antigamente, namoro era pegar na mão, selinho. Não tinha o que é hoje. Namoro hoje é mais avançado, mas antigamente o namoro era mãozinha, um carinho de respeito. Não tinha nem quase beijo de língua. Era namoro, namoro, e não namorava ninguém. Eu fui virgem até os 20 anos, meu bem. É, eu fui virgem até os 20 anos. Ontem mesmo, estava conversando com um amigo meu e falei: “Olha, filho, sentei no colo de malandro e fui virgem até os 20 anos!” (risos) Porque a Casa Verde Alta, naquela época, era pura malandragem. E eu, talvez por esse lado meu meio quieta, reservada, me partiu pra isso. Então, tenho essas lembranças boas que eu vivi. Muito! Tim Maia, ele gravou aquela música “O alquimista vem chegando”, fomos tudo onde ela mora, no Pico do Jaraguá, e eu já tinha chegado. Ele falou: “Vamos olhar pra Lagartixa”, e eu falei: “Vocês demoraram”. Aí, já começou: “Os alquimistas já vem chegando...”, que eles eram os alquimistas, e eu já tinha chegado. Aí, fez o alquimista. A única coisa que o Tim Maia fez foi essa daí, que eu estava perto. As outras não foram. O outro fez assim: “Vesti azul...”. E o Simonal: “minha festa então mudou...”. Porque eu tinha comprado um tecido de bolinha, de bolinha, naquela época, e eu mesma fiz o meu vestido. O que é? Corta-se o pano, pega aquele látex, põe na bobina e vai franzindo, passa não sei quantas vezes lá, já forma um vestido e eu inventei uma manga de bico. Eu fui lá me encontrar com eles, e eles: “Vesti azul...”, Simonal. Aí, acabou tudo isso, ficamos jovens, casa, fica mais velha, casa e pronto, né?
P/1 – Como a senhora conheceu o seu esposo?
R – Qual? O primeiro ou o segundo?
P/1 – O primeiro.
R – Ah, mas do primeiro... Às vezes, nós temos... Tem pessoas que têm percepção. Uns chamam de percepção, outros chamam de revelação, outros chamam sei lá de quê. E eu sentia muita tristeza antes de conhecer ele. Uma angústia muito grande, e eu trabalhava na José Paulino. Aí, uma amiga minha, de lá de dentro, falou: “Você precisava conhecer um tal de Betinho”. E, quando eu conheci ele, eu senti uma sensação ruim. Mas a gente queria namorar. Aí, foi namorar e não deu muito certo. Fiquei, tive a menina e ele me deixou três dias antes do casamento, grávida de uma criança. E ele me deixou três dias antes do casamento. E a vida continua, né? Porque eu quase morri, fiquei com depressão, os convidados dentro de casa e minha mãe me socando, porque... Então, não foi muito bom o primeiro casamento. Não, não foi bom. Ele voltou, casou e tudo, mas, até então, esse casamento... Ele ficou na casa dele, e eu na minha casa, ele só casou por causa que ele viu a menina, que era a cara dele, que ficava igual a mãe dele, fazia assim. Então, ele falou: “Vamos casar”. Aí, casou e tal. Mas não foi bom. Nós temos que ouvir a nossa intuição, e é uma coisa que nós não ouvimos. Hoje, eu já sou mais focada nisso, eu, com 19 anos, se tivesse sentido aquilo, não teria, mas eu fui e não foi bom. Foi durante quatros anos e meio, muitas atribulações, muita maldade! E eu não tenho recordações boas. Aí, eu separei e fui viver minha vida, quando surgiu o José Aparecido Macedo na minha vida. Chamo ele de Macedo, Macedão! Mas tudo é um pouco do querer. Quando ele me deixou, na última vez que eu estive com ele: “Ah, volta pra casa, vamos voltar”. Cheguei em casa e estavam todas as coisas da outra ainda. “Que negócio é esse? Que confusão lascada?” E, antes, quando eu fiquei grávida e ele me deixou, eu ajoelhava todos os dias, todos os dias. Falei: “Deus, o Senhor existe, mas o Senhor me deixou ficar grávida e não me deu condições? E agora? O homem foi embora, minha mãe me bate, pra onde que eu vou?”. Com quatro, cinco meses de gravidez. Apanhava da minha mãe, sem roupa pra vestir, sem roupa pra criança e só apanhando. Eu ajoelhava todos os dias e falava com Deus. “O Senhor deixou vir uma criança e não me deu condições. Pois, se o Senhor não me der esse marido, o Senhor me dê um pai pra minha filha, que ele dê respeito, que ele dê condições de comida, que a comida seja em abundância, que as frutas sejam em abundância, que a gente joga comida fora, que a gente jogue fruta fora, mas não faz mal que nem faz sexo.” Os anos passou, aí, um dia, eu estava lá orando, que eu vejo assim, o que estava lá do meu lado? Levanta-se... Eu levantei. Não chore mais. Ah, demorou, nasceu a criança, passei por essa fase, daqui a pouco, de novo. Minha filha tinha dois anos, ele veio e conversou: “O que é isso?”. “Nunca mais vou aparecer, você não chamou?” Aí, veio o Macedo e, quando eu vi o Macedo, eu sabia que era ela. Era tudo aquilo que eu tinha pedido, deu, veio o sentimento, veio a emoção, e eu olhei e falei: “Nossa, o pai da minha filha! O meu marido aqui!”. Eu vi, eu senti isso. “E agora, o que eu faço?” Fazia 15 dias que ele estava trabalhando na Fepasa [Ferrovia Paulista], que chamava Fepasa na época, foi em 81 que eu conheci ele. Ele passou e eu: “Ixi, credo, é o pai da minha filha, mas se eu não correr atrás eu vou perder! Agora”. Aí, eu, perna pra quem tem, com a televisão que estava carregando, fui pra frente, peguei o trem e sentei: “Papai do céu, se for ele, ele vai olhar e vai me cumprimentar!”. Será que ele vai passar por aqui? Eu ali, firme, concentrada em Deus, ele passou e falou: “Boa noite!”. Eu disse: “Pronto, é esse! É esse o pai da minha filha, meu Deus! Mas de onde vem esse homem?”. Diferente, um porte de advogado. Nossa, esse homem é novo nessa estrada de ferro. Bom, eu fui embora e no outro dia fui trabalhar e falei: “E agora pra descobrir da onde e a hora que esse homem trabalha, sem uniforme, quem é esse homem?”. Foi difícil, viu? Difícil! Mas Deus me deu a direção certa! Aí, começou, minha vida foi toda transformada com essa pessoa que é o José Aparecido Macedo. Eu segui a minha intuição. Aí, ele sério, né? Eu passava lá de manhã, tipo sete e meia, 15 pras oito, lá na estação da Júlio Prestes, e olhava onde ele estava, porque ele se destacava. Era um negro muito bonito, muito fino. Aí, ele se destacava, e eu dizia: “Bom, eu vou passar ali naquela roleta e vou deixar minha bolsa cair”.
P/1 – (risos)
R – Agora, vou deixar a passagem cair! Cada dia, caía uma coisa. E fui, e fui. Até que um dia eu falei: “Bom, já sei quem é. Mas como eu vou fazer? Eu sou casada, separada, tenho uma filha, vixi, esse homem não vai ficar”. E minhas orações já tinha plantado anos atrás. Aí, um dia, ele foi para o banheiro, também fui, não fiz nada, tenho que sair primeiro que ele e ficar aqui e fiquei. Daqui a pouco, ele saiu: “Oi”. “Ah, estou arrumando minha bolsa, não sei o quê.” Ele saiu e falou que queria falar comigo e falou que queria, naquela época, em 79, 80, era amizade americana, e amizade americana era o que os meninos fazem hoje, fico! É fico, não tenho compromisso, volto a hora que eu quiser, ela tá ali, é minha amiga, eu uso. Eu falei: “Não, não posso amizade americana”. Ele falou: “Mas você é uma menina. Você é uma menininha, quantos anos você tem? Quinze anos?”. Eu falei: “Não, eu tenho vinte e poucos anos! Tenho uma filha de quatro anos e meio, sou separada”. Aí, eu chutei de uma vez. Blábláblá. Ele: “Opa!”. “É, tenho filha, sou casada, separada e não quero ter amizade americana, eu quero ter um lar, eu quero ser uma esposa, ter um lar que eu não sei o que é isso.” Ele olhou e, como eu sabia que era ele, eu pensei: “Vou pressionar”. Falei: “É sim ou não! Daqui um ano, eu quero estar dentro de um lar”. Ele olhou bem pra mim, mediu bem e falou assim: “Tá bom, aceito! Mas você vai mentir pra minha mãe, dizer que é virgem, que não tem filho”. “Ah, filho, não vou mentir, não! Tsc, tsc, tsc. Não vou mentir. Se quiser é assim, se você depende da sua mãe, não vai dar certo.” Aí, ficou, mas é difícil, viu? Mesmo que a gente descobre o que é certo, a gente tem que lutar, tem que sofrer, tem que batalhar ali, senão, não consegue. Porque ele me zoava, sabe? Ele se escondia. Marcava encontro, e ele não ia, se escondia atrás das pilastras, porque era um filho... Como fala? Filhinho da mamãe. O filhinho da mamãe, então, não vai no portão se não avisar. Era do interior, do Exército, 12 anos no Exército, então, um homem muito... Sabe? E eu: “Gente, o homem marca encontro comigo e não vai, depois no outro dia fica se escondendo atrás da pilastra”. E foi difícil, se eu não tivesse tanta certeza, eu tinha desistido. Mas eu tinha certeza. “Mas vai ser difícil, hein? Vai ser uma luta!” Com 19 anos, quando eu pedi, não tinha sabido pedir direitinho. Pedi mais ou menos, nas minhas necessidades e não pedi direitinho. Menina, como foi sofrido! O cara se escondendo, eu saindo do Silveira, uma hora de trem e chegava lá na Fepasa, e ele não ia! Aí, no outro dia: “Ah, eu quero você, sim, vamos marcar outro”. Aí, marcava, vai e não vai: “Minha mãe não quer”. Foi muita luta, mas tudo bem, conseguimos. Com sete meses, fomos morar, moramos, tudo bem, mas a mãe dele atrapalhou muito e larga e volta. Aí, separamos e depois voltamos pra valer, que é onde ele comprou essa casa em Osasco. Eu pedi muito porque sou muito católica, então, quando a situação tá difícil, eu evoco, quer dizer, eu oro todos os dias, é sagrado. Orar pra agradecer já o que vem, mas, naquela época, quando eu via que queria alguma coisa, eu orava, fazia uma oração e a coisa vinha pra mim. Aí, a gente voltou, eu pedi muito pra Deus que eu não queria ficar largando. Larga, volta, larga, volta, que eu queria viver com ele, que a menina já estava acostumada, que era como o pai dela. E, quando ela viu ele pela primeira vez, ela já foi e chamou de pai, então, tinham muita ligação. E a gente voltou, e ele falou: “Não vamos mais separar, não”. Então, vivemos, e nunca eu larguei dele pra ir reclamar pra minha mãe ou pra ir dormir, acontecesse o que acontecesse, eu estava na minha casa e vivemos assim, até acontecer tudo isso. Ele fazer a passagem dele pra outro mundo. Então, a fé, ela é muito importante, porque na fé a gente vai tendo os pressentimentos pra onde nós seguirmos, pra onde nós irmos e a gente sente aqui e a gente vai buscar resposta nas pessoas, lá na amiga, chorar. Pra pessoa falar o que tem que fazer, sendo que a resposta está dentro de nós. E foi isso. Hoje, eu sou uma pessoa, nessa parte do querer diferente, que eu vim, talvez, diferente, mas sou muito espiritualista. Sou muito espiritualista. Vocês não sabem diante de quem vocês estão. Porque, em 84, eu estava assistindo televisão e eu senti um pavor, apavorada, apavorada, e a dor de cabeça começou. Eu fui para o quarto e deitei, levantei, incomoda. “Que diacho, que incomodação é essa?” Falei: “Macedo, eu estou ficando louca”. Ele falou: “Por quê?”. “Eu levanto, eu ligo a televisão, eu desligo a televisão, eu vou deitar, eu não estou bem. Acho que estou perturbada, me leva no médico, essa dor de cabeça tá me perturbando.” Eu fui, desliguei a televisão e fui deitar. Deitei e a dor de cabeça diminuiu, diminuiu, diminuiu e, quando abaixei assim, eu vi dois navios, enormes, no alto-mar, chocando. Falei: “Tá vendo? Não digo que não estou boa?”. Dor de cabeça passou, bom, passou, então, vou acabar de assistir. Era um repórter, era um filme que eu estava assistindo. Que eu liguei a TV: “Um navio em alto-mar se chocou com outro”. Falei: “Macedo, você viu o que eu reclamei agora pra você?”. Ele falou: “Ouvi, você tem um dom, você tem um dom, Ivani!”. E eu falei: “E como é que eu vou viver com isso? Apavorada, doendo a cabeça e dando esses desapavoro?”. Falou: “Não sei!”. E foi a coisa mais maravilhosa, essa também foi uma coisa muito linda na minha vida, é ter o dom. O dom da revelação. Então, eu falei: “Bom, vou ter que falar com esse Deus aí, né? Se ele me dá dor de cabeça pra eu ver as coisas, eu vou viver doente!”.
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R – Apavorada! Aí, fui conversando, conversando, conversando, conversando. Fui pra crente, não, crente não dá certo. Eu descobri que eles mentiam, porque eu tinha o dom da revelação, não consegui ficar na igreja crente. Então, vou pra católica! Falei, mas e esse santo de barro? Não vai dar certo. Quer saber de uma coisa? Vou começar a fazer oração pra Deus e cobrar dele, eu vou cobrar dele pra me mostrar o caminho que eu vou seguir. Aí, eu tive a revelação que eu seguisse aquilo que meu coração aceitasse e tudo, pra quê? A coisa foi e mudou na minha vida, eu passei a ter revelação assim que nem eu acredito! Nem acreditava. Aí, quando foi... Eu pensei: “E agora? Vêm essas coisas pra mim e têm tendência. Eu não procurei ninguém, não quis procurar espiritismo...”. Aí, vinha, vinha. Espera aí. Quando foi um dia, o meu sobrinho morreu, antes de ele morrer, eu já tinha pressentido. Vixi, passou o filme todinho! “Agora de acordada, de novo?” Eu já sabia, passou tudinho como ia ser. Eu fui pedindo pra Deus me dar o controle disso tudo, pra que não ficasse uma pessoa perturbada e onde eu ia procurar isso, porque eu estava vendo coisas do mundo. É muito grande, é uma responsabilidade muito grande. Eu falei: “Não posso ir no espiritismo, vão botar caboclo, isso não vai dar certo”. Aí, eu comecei a sonhar que eu lia muitos livros e que eu marcava, e um texto do livro fazia um arco assim e fazia uma flechinha no meio, parecia um garfo. Nossa, e esse lugar, o que é isso? Aquele monte de gente, isso é coisa do demônio. Falei: “Olha, Macedo, agora tá dando de eu sonhar com um negócio assim, um arco nos livros. Os livros são todos de magia, Macedo”. E comecei a ir pra igreja orar. “Senhor, se isso for da magia, corta de mim, corta de mim, corta de mim. Eu não sei o que é isso.” Aí, me vi de branco, com avental, eu já estava fazendo Enfermagem, o curso de Enfermagem, em 93. Hum, fiz o curso, fiz a inscrição na faculdade e passei. No primeiro dia, pintam bicho, aquela coisa. Entra na sala de aula e primeira coisa que a professora faz, faz o símbolo da Psicologia que parece um garfo. Falei: “Poxa, símbolo da Psicologia e eu já vi isso antes! E eu já tinha visto que isso ia acontecer, mas eu sinto que não vou ficar”. Então, eu já sabia todo processo da minha vida. Fiquei um ano, não consegui outro ano, fiquei pra Enfermagem, sabia tudo, eu sei tudo, é só eu querer. Mas, sei lá, estou esperando o momento que Deus diga: “Segue aqui”. Mas eu sou católica e só vou na católica. E, se tiver, precisar saber de alguma coisa, é na hora da bíblia, oração e ele dá um entendimento pra mim. Eu falei: “Bom, até aí, tudo bem. Onde que eu vou?”. Mas eu sempre tomei minha cervejinha, isso não impede. Meu marido era meio diabético, a gente tinha que namorar. E era difícil! Tudo bem. Aí, num dia, eu tive que contar pra uma menina: “Estou passando por uma fase assim, assim, assado. Estranho, né?”. Passa dois meses, lá vem ela, Joelma: “Oi, Ivani”, com uma vela na mão. Falei: “O que tá fazendo?”. “Ivani, você tem a revelação, você vai contar pra mim onde tá meu pai.” Eu falei: “Seu pai? Agora estou atendendo fora? Ah, eu tô perturbada mesmo! Não sei o que vai acontecer, não, filha, se você quer saber, vamos lá”. Entrei dentro do quarto e vamos orar, orar, orar, orar, orar, orar. “Você está vendo alguma coisa?” “Não!”
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R – “Então, vamos chamar de novo porque eu já tô!” Ela falou: “Mas minha mãe comprou caixão para o meu pai, o cara da firma mandou comprar caixão”. “Mas como vai comprar caixão? Não vai dizer que veio aqui não, hein?” Aí, eu comecei lá a me abrir, chamei pelo nome dele, pelo anjo de guarda. Tá morto, chama pelo espírito, se não tá morto, chama pelo anjo de guarda e pedi licença pra Deus. “Divino, o Senhor me dá o poder, se o Senhor me deu, ajuda a resolver essa situação.” Ah, minha filha. “Está vendo alguma coisa?” “Não.” “Estou, tô, pega o lápis e escreve. Estou vendo seu pai numa praia, com os pés todos rachados, todo queimado, com um monte de muié, um monte de homem, tem uns quatro, assim, assim, assado. Ele não vai voltar agora, vai voltar daqui uns quatro dias, assim, assim, assado. Vai pegar sua mãe na praia pra conversar com ela assim, assim, assado e...” Contei tudo. Você vai sair daqui e, pelo amor de Deus, não abre a boca falar que fui eu. “Mas minha mãe comprou caixão!” “Fica quieta, diz que foi lá numa macumbeira não sei onde e dê outro nome, não dê o meu, senão, minha porta vai empestear aqui.” E eu fiquei, fui eu e ela, chamou a mãe dela no quarto, conversou, certinho isso mesmo. Ela suspendeu o caixão lá e dali quatro dias o homem apareceu. Foi lá, conversou com ela, bláblá, dali uns dias, ele, passando na rua com uma porta na cabeça, eu falei: “Olha como ele está queimado, do jeitinho que eu falei”. Aí, ela falou: “Ele conversou, não brigaram, ficaram de bem.” E ele foi pra praia com os colegas, era novembro, que era Dia de Finados, foi pra praia, pegou uma turma, tinha umas muié no meio, e ficou. Parece que Finados caiu num dia, juntou as folgas e não sei o que ele fez na empresa, ficou cinco dias na praia, simplesmente sem avisar a mulher. Eu falei pra ela: “Não vejo a placa da praia, mas ele tá na praia, os pés estão rachados, pretos, jogando bola. Olha lá. Tá assim, assim, assado”. E isso é bom, né? É bom ser isso. É tão lindo. Eu agradeço o meu pai por ter sido e por eu ser uma pessoa diferente. Por eu ter essa luz, que eu posso ajudar as pessoas. E que eu posso ver coisas que acontecem não só com as amigas, amigos e parentes, mas até coisas do outro mundo. O meu medo, mesmo que eu chegue a ir a algum lugar ou uma televisão, alguma coisa, eu jamais, por esse dom que eu tenho, irei falar besteira, irei cobrar. Jamais. Porque é muito lindo você poder direcionar certas situações e vou só acabar de completar, depois você me pergunta. Como minha prima também sabia, e nossa prima estava sumida há cinco anos. Sabe o que é isso? Ela resolveu catar o filho dela, ir embora e virar mendiga, ninguém sabia. Aí, minha outra prima: “Já faz cinco anos que a Sandra sumiu e ninguém sabe onde a Sandra tá! Então, eu sei que você diz que vê aí, vamos ver”. E eu vi. E eu sinto, se eu sou amiga sua e você tá numa dificuldade, o que você está sentindo eu passo a sentir. Aí, mesmo acordada ou sonhando, ou recebendo essa revelação, a gente trabalha. As pessoas não sabem o quanto o nosso espírito, o que nós podemos, nós não usamos o nosso potencial nem dez por cento, porque nós somos filhos de Deus e, se nós fomos filhos de Deus, nós somos igual a ele, capazes. Então, isso veio do nada, não sei como. E, então, eu trabalho muito, porque eu não sabia também disso, dessa coisa maravilhosa, abençoada, que eu tenho, porque minha prima sumiu, levou uma criança de cinco anos, cinco anos. E não sabia ler, e ela tinha tido uma vida muito boa, se casou com um cara que trabalhou no navio, trabalhava no navio, ficava 15 dias lá na plataforma e depois ela resolveu virar, simplesmente, mendiga. Foi para o mundo! E esse menino passou na minha casa, e eu estava fazendo Enfermagem quando ele passou lá, e ele era... Chama Momô. Eu falei, antes de ele sair: “Momô, eu vou falar cinco, seis vezes onde sua avó mora” – eu sabia que a mãe ia abandonar ele – “na hora que sua mãe te abandonar, te largar numa praça, num jardim, você vai lembrar”. E falei, e fiz ele falar, fiz ele falar, fiz ele falar. Aí, ele virou pra mim, que ele é filho de africano, pretinho igual isso aí, falou assim: “Quando eu crescer e eu precisar de ajuda, você vai me ajudar?”. Ele já sabia também o que ia ocorrer. Eu falei: “Vou”. Foi-se embora, passou cinco anos, a irmã dela veio: “Ivani, olha aí, ela vai, Ivani?”. Falei assim: “Ela não vai aparecer tão cedo”. Mas passa-se quatro ou cinco semanas e eu começo a sentir frio, no calor. Eu já estava trabalhando de Enfermagem, tô com frio, tô com frio, o que é esse frio? “Mas mãe, tá calor!” “Mas eu estou com frio.” Frio, frio, frio. E eu sentindo a mesma coisa que o menino estava sentindo, mas eu não sabia que era o menino. “Quer saber de uma coisa? Eu vou dormir porque daí vai vir revelação.” Aí, eu largo tudo, vou dormir. Bota acolchoado, o sol pegando fogo e eu com acolchoado, bota acolchoado. Aí, minha filha botou bastante acolchoado em mim, e eu passo pela revelação, porque a gente relaxa, sai do mundo físico e fica ali, deitadinha, quietinha, com o olho fechado, uma música bem gostosa e, aí, vai. Então, voltando essa parte de quando eu estava me cobrindo lá no quarto, para que eu sentisse o que o menino estava sentindo. Que era o Momô. Aí, eu comecei a sentir que eu estava num jardim, bem grande, uma praça e que, embaixo daquela praça, tinha uma criança vestida com roupa clara e em pé uma senhora e eu ali, apertando aquela criança pra que ele dissesse onde morava a avó dele, mas eu não saio do corpo, não recebo espírito, nada dessas coisas. Apenas a revelação, graças a Deus. Aí, eu falei: “Kátia, tem uma criança embaixo do banco, bota comida pra mim”. Ela botou comida e eu: “Eu tô com fome, tô com fome, tô com fome, mas não consigo comer”. E foi isso aí uma semana, uma semana. Eu não dormia, é só ter uma revelação. E no outro dia eu ia trabalhar, normal, não sentia canseira, falta do sono. Passou uma semana sentindo isso, chega essa minha prima Sônia e fala assim: “Ivani, você não sabe quem chegou”. “Quem?” “O Momô chegou ontem e eu tinha que te avisar.” “Ah, ele chegou ontem? E como?” Ela falou assim: “Ele não sabe ler, não sabe escrever, não sabia nem onde nós morava, Ivani, como ele sabe?”. “É, semana inteira eu trabalhei pra ele vir, só isso”, que não sou de ficar “ah!”. Só falei isso: “Semana inteira eu trabalhei pra ele vir e ele veio”. Pronto, simples assim, graças a Deus. Aí, ele veio, passa-se mais um tempo, a minha prima, que é mãe dele, ela veio pra criança saber dela. Aí, também tive... Então, tenho esse trabalho, não tenho trabalho de... Eu não sinto fome depois, não sinto cansaço. É uma coisa que veio, me estabeleceu e pronto. Consegui também trazer essa minha prima. Deus, né? Não posso falar, eu posso falar, Deus trabalhou pra trazer essa minha prima, já doente, já morreu. E, então, eu tenho vindo trabalhando, quando dá, pra fazer esses trabalhos. E, muitas vezes, eu não preciso, às vezes, são pessoas que não precisam, como fazem parte da minha vida, então, fica ali. Aí, Deus fala: “É você!”. Aí, foi minha sogra, a mãe do Macedo, que não gostava de mim, não gostava de mim, não queria que eu entrasse na família, que ela queria que ele casasse com uma virgem e ela falava que eu era feia, pra ele. Eu posso ser bonita pra você, feia pra ela, né? E eu já tenho esse lado antipático lá, sei lá o que é que é, e não é todo mundo mesmo, porque quem tem luz não é aceita. Eu não sou aceita. Antigamente, eu chorava, hoje, eu já sei que minha luz incomoda. E eu sei os lugares em que hoje as pessoas me recebem, eu chego num lugar e sei se são aquelas pessoas quem vai me tratar bem e quem não vai. Então, fui em frente, minha sogra não gostava de mim e se afastou, morando lá na Paim. Aí, começou, acordei e falei: “Kátia”. “Que é mãe?” “Eu tô com saudade.” Aí, eu pego tudo que a pessoa tá sentindo: “Saudade do quê, mãe?”. “Ah, não sei, eu vou chorar.” E tudo que a pessoa tá passando vem, eu choro, sinto saudade. Aí, eu falo: “Epa, sabe de uma coisa?”. Abri a bíblia e vou dormir. Aí, falei: “Ah, Kátia, tem tudo aqui dentro de casa, carne e tudo, o seu pai é maravilhoso, não deixa faltar nada, o seu pai... Por que está faltando? O que tá acontecendo? Já sei, é alguém, eu vou descobrir”. Eu vou e deitei, passei pelo que Deus prepara. E eu vejo aquela mulher magra, terminal, no puro osso, osso puro e falando, blábláblá, falava, falava, falava. Aí, eu entro dentro do corpo dela e vejo uma bola desse tamanho entre as bacias aqui. E ela falava, falava, falava, não sei o quê, não sei o quê... Mas, depois, eu vejo ela sentada, nem levantava mais. “Norinha!” Vixi, meu Deus do céu! “Vem aqui, me perdoa, norinha.” Veio direitinho, como se estivesse na mente. Levantei, orei, peguei uma parte da bíblia onde dizia: “Meu corpo já está se desfazendo, os meus inimigos estão contra mim, a morte já vem me pegar”, mais ou menos isso. Aí, já levantei, todo aquele sintoma passa. Levantei, comi e falei: “A mãe do Macedo está doente e está quase morrendo e vou ser eu que vou ter que encarar essa situação”. Ah, meu Deus, sobrou pra mim, que missão.
P/1 – (risos)
R – Aí, fui. “E agora?” Só orar, orar e orar pra ter forças, pra poder chegar no local. Meu marido trabalhava à noite, e, aí, chegou, acho que teve um problema lá na CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos] e falou: “Ivani, tudo bem, Preta?”. “Não tá tudo bem, não, a sua mãe tá doente.” “Ah, a minha mãe...” “Qual o problema que sua mãe tem?” “Um furunquinho na perna, tá tudo bem.” “Tsc, tsc, tsc, não tá tudo bem, não. Sua mãe tá assim, assim, assado, tá desnutrida, tem um caroço não sei onde e eu quero ver ela, que ela está me chamando e não aguento mais.” “Imagina, você não vai!” Falei: “Vou! Eu vou porque estou ruim e não vou ficar assim”. Aí, ele falou: “Vamos amanhã”. Falei: “Hoje também não vou porque tenho que me preparar pra ir lá, o negócio é feio”. Aí, orei, aquele dia estava de folga, no outro dia estava de folga, e ele chegou de manhã e falou: “Você não sabe o que aconteceu. Eu vi um negócio na estrada que nós não podemos passar com o carro, eu tive que voltar com o carro”, que ele fazia... Como se diz? Ele era chefe da noite, então, ele ia nas estações. Como não funciona mais trem, eles iam de carro da CPTM nas estações fazer a cobertura dos rapazes, ver se estavam trabalhando. E, quando ele chegou na estação do 18, ele não conseguiu ir pra Osasco, diz que no caminho eles tiveram que voltar. Fizeram o carro voltar porque o negócio não deixou eles passarem. “Então, esse negócio ta avisando nós pra ir na sua mãe.” Ele não contou o que era. Aí, embarcamos na cidade e fomos. Chegou lá, eu olhei assim: “Vixi, a coisa tá feia”. Levei o crucifixo, ramo com sal, o pai-nosso e o credo. Que eu era sozinha! Falei: “Se Ele me deu o poder disso, vai me dar o poder de resolver. Vou fazer aquilo que Ele me der a intuição. Vai você na frente, eu não vou. Eu não vou tocar nela porque sua mãe está muito pesada”. Quando eu olhei ela, do jeitinho que eu tinha visto, ela não ficava em pé, tão seca. Não tinha seio, nada, só os biquinhos do seio caído lá, não tinha... Osso puro, contava as costelas. Ela fez do mesmo jeito que ela fez: “Norinha, norinha, me perdoa, norinha. Eu te chamei, eu te chamei”. “E eu ouvi e estou aqui.” Aí, quando eu fui entrando na quitinete, ali na Paim, os bichos me cutucavam, aqueles beliscões, sem ver. E eu: “É, estou aqui!”. Olhei para o lado da janela, os urubus dando volta. Falei: “Não posso tocar nela, pega você e bota no carro”. Quando ele botou no carro, ela não queria ir no colo. Ela não aguentava nem ficar em pé. Eu olho em cima do carro, e os urubus dando volta, falei: “Ah, essa mulher vai morrer! Tá vendo se eu não tivesse vindo?”. “Desembicamos” da Paim pra Lapa, no trânsito, pra chegar da Paim na Lapa, já viu, né? Fomos lá no Hospital Sorocabanos. É incrível contar isso, mas, quando chegou lá, estava lá a Dona Morte, é incrível! Ela é pretinha, pretinha, pretinha e estava com uma blusa dos avessos verde, e olhando pra minha cara e rindo. E falou: “Você foi buscar, né?”. E eu não respondi, porque os outros iam ver e era só pra eu ouvir, né? Fiquei mesmo assim. Ela falou assim: “Vai ficar aqui três meses e daqui dois anos vai morrer”. Aí, o médico: “Ah, Dona...”. Eu falei: “Eu já sei o que tem, tem um caroço assim, assim, assado”. É doida, né? Aí, falei: “É que eu vi na radiografia dela, viu, doutor?”. Aí, ficou os três meses certinho, voltou pra casa, não quis tratar e nem nada. Devia ser um câncer já, porque já estava do tamanho do caroço de uma laranja, que eu já tinha visto. Volto pra casa, dois anos, menos de dois anos, ela foi para o hospital e, no dia que ele chegou e falou: “Minha mãe está internada. Já está com uma semana”. Eu falei: “Mas por que você não falou? Mas ela vai embora hoje, às dez horas, dez horas você vai levantar e vai ver só, certinho”. Então, eu via as coisas, mas não saio falando para os outros: “Olha, moça, eu tenho! Olha, você! Você tem um problema aqui”. Eu não, fico na minha. Mas são só coisas muito graves, só coisas muito graves que acontecem. E onde Deus dá isso aí. “Ah, quero saber se vou namorar amanhã, quero saber se meu marido tá traindo!”
P/1 – (risos)
R – Ah, não venha com essa que eu não sou Mãe Menininha! (risos) E você sabe que eu falo, tem hora: “Papai do Céu, eu só posso...”, eu ajoelho em qualquer lugar. Porque tem horas que acontecem coisas que tem que ser naquele momento, que eu tenho que agradecer ele ali, é a humildade. Não tenho que ir até em casa pra agradecer. Onde tá passando os loucos, que estão rindo, mas não sabe o que tá acontecendo espiritualmente e no meu coração, sabe? E isso aí foi que, antes de a minha sogra morrer, o nosso espírito ficou em paz, porque eu ouvia Deus e fui fazer isso e eu fiquei bem. É isso aí. É essa coisa boa que tem da pessoa, não ser aquela coisa: “Ah, pra ter isso aí, eu tenho que andar com uma roupa lá nos pés, eu não posso cortar o cabelo, não posso tomar minha cervejinha”. Não tem nada a ver. Veio, naquela hora eu respeito, seja o que for, se tiver que atravessar uma favela, mas ele me deu um dom de receber e eu tiver que ir, eu vou. Passar por tiros, eles vão ser desviados. É isso. Não teve 2000? Falaram: “Vai acabar o mundo”, não foi? Um mês antes, eu olhava o globo da Terra e uma pedras caindo e uns buracos grandes, maior do que dez, 20 centímetros, que entrava uns negócios tudo lá dentro. Falei: “Ah, como eu tô ruim”. E ia trabalhar todos os dias. Um mês. E, aí, começou a surgir aquela conversa de que o mundo ia acabar, o mundo ia acabar. Eu falei: “Não sei, não, mas acho que vai ter um terremoto em algum lugar, mas não é bem perto de mim”, porque eu via eu lá embaixo e aquele negócio acontecendo lá na Europa, não sei o quê, Austrália, sei lá, que abriu, acabou com uma cidade. E, na hora que tá acontecendo, passa em mim. Eu sento na cama, liga a televisão e aquilo que eu já vi tá passando. A minha filha foi dormir comigo! “Ah, mãe, eu vou dormir com você porque vai acabar o mundo.” “Não vai acabar o mundo, não, menina, vai ter um terremoto lá pras duas horas da manhã.” E, naquela hora certinha, pode ligar a televisão que tá ali passando o negócio. Aí, me preparou pra que eu não ficasse... Eu não vou em televisão falar isso, porque eu acho que tudo que tiver que acontecer, ele vai surgir num caminho espontâneo. Eu uso ir na igreja, eu uso pras pessoas que precisam, que vêm me procurar, então, eu deixo assim. Não quero e nem tenho vontade de... Isso veio que é coisa linda, talvez de criança, eu não posso omitir uma coisa tão linda dessas pra fazer disso comércio, pra fazer se aparecer, pra fazer ganhar dinheiro, pra fazer ficar famosa. Isso, já estou com isso há mais de 20 anos.
P/1 – E, Dona Ivani, como é que foi com o falecimento do seu esposo? A senhora sentiu alguma coisa?
R – Tudo, tudo eu sei.
P/1 – Se a senhora puder contar.
R – Posso, não tenho segredo aqui, não. Porque hoje foi o dia que eu fui abençoada, porque eu ia passar pra semana que vem, aí, ontem, tomando uma cervejinha, um chope, eu falei para o meu amigo: “Ah, amanhã eu não vou”. Aí, Deus falou pra mim: “Pode levantar!”, seis horas eu estava acordada. Tá vendo como é que é? Tinha que ser hoje e eu falei: “Não vou perder porque esperei muitos anos por isso”. Muitos anos eu esperei, e isso veio assim, do nada. E, agora, o meu marido, eu já sabia que ele ia ser meu esposo, então, sabia que ele ia ser meu esposo, sabia que ia ter fartura, tinha laranja, laranja-lima, laranja-pera, laranja não sei das quantas, laranja-baiana, jogava fora. Sabia tudo que ia acontecer porque eu tinha pedido e veio do jeito que eu pedi. Quando meu marido era diabético, eu falei com Deus, ele não podia comer, ele ficava cego, gritava no banheiro: “Oh, Preta, pega lá a insulina 40 “un”, não sei o quê, e vem fazer em mim”. Eu falei, vou falar com o Pai: “Oh, Pai, não sei quanto tempo ele vai morrer, mas, por favor, se ele tiver que morrer com 50 ou 60, deixa ele bom e, quando ele tiver pra morrer, o Senhor deixa ele ruim e ele já cai na cama e morre. Eu não aguento ver esse homem sem comer, sem comer um macarrão, sem poder comer um bolo! Deixa ele bom”. Ele ficou bom, comia e bebia, fazia de tudo. Aí, era uma semana. Fiz com Nossa Senhora Aparecida por nove dias uma novena, aí, ele ficou bom. Agora, chegou na época de ele morrer (risos)... Eu queria um marido bom, né? Eu queria um marido bom, ele me dava tudo, mas eu não tinha o principal, sexo, carinho, do ativo ali, do calor, do prazer! E eu era uma mulher, sou ainda, né? Tenho 63, mas estou viva, tenho uma coisa sexual muito grande. Não tenho o homem certo, mas também não posso sair por aí. Mas meu marido não fazia nada, a gente dormia separado, era uma família, mas era ele lá em cima e eu embaixo e acabou. Aí, chegava no serviço, nossa, tenho um marido bom, eu vou começar a orar pra ela ficar bom, pra ele voltar a funcionar. Só que o que eu tinha feito lá quando eu estava grávida? Que mandasse um marido pra mim, bom, que não faz mal que não fazia sexo. Me ferrei! Tá bom?
P/1 – (risos)
R – Pede! Quando vai pedir, pede completo. Vai pedir emprego? “Ah, eu queria um empreguinho que pagasse meu aluguel”, toma lá, só mil reais. Ah, eu aprendi muita coisa, é muita coisa que a gente aprende no mundo. Então, as pessoas estão falando e eu fico simples, calada, só prestando atenção. Porque a vida ensina. E eu tinha esquecido que tinha pedido isso, que tinha acontecido tudo isso na minha vida e ficava chorando: “Ah, esse homem não presta pra nada!”, e tome-lhe amante. Toma-lhe amante! Eu era jovem, eu tinha que ter. Arrumei um namoradinho, 20 anos, e eu 40, olha que graça (risos). Oito anos, fiquei com ele. Uai, o que posso fazer, minha filha? Ele me liberou: “Fica à vontade, só não traz na porta”, lógico. E nós vivemos, ele era pra eu viver até o fim da minha vida, foi fofoca de família e tudo, mas nós vivemos. Ele falava assim: “Você é a mulher da casa e aqui é o seu lar. E se alguém falar: ‘sua mulher tá fazendo isso’, o que você tem a ver com a vida dela? Vai cuidar da sua vida, ela é minha esposa”, e acabou. Sempre muito bem escondido, longe. Mas foi tudo maravilhoso, e eu orava: “Sara ele, Papai do Céu, ele que é meu marido, sara ele”. Aí, Papai do Céu mostrava ele num caixão. Eu oro e ali eu vejo. “Mas, Deus, ele é o Macedo, trabalhador, que me dá de tudo, que eu não sei o que é tirar uma carta lá da caixinha, não sei quanto que é um pãozinho e o Senhor vai tirar ele”. Eu via ele no caixão e meia dúzia de pessoas. Aí, eu falava: “Mas esse homem tá forte, tá sadio, pesando 90 quilos, como que vai acontecer isso?”. Esquecia, ia trabalhar, era dia da minha folga, vou orar de novo! Lá vinha de novo. Bom, não tem jeito mesmo, vou me preparar, esse é o significado da revelação, preparação. Então, eu me preparei. Um dia, brigamos lá, cacetada, fui no advogado. Pé descalço: “Ah, seu advogado, quero separar. Separar, não aguento mais, eu vou pegar minhas coisas”. Cheguei em casa e falei assim, vou ligar de novo pra ele: “Escuta aqui, Mulico, pode deixar os papéis aí que eu vou buscar porque sei que o meu marido...”, aí contei toda história da revelação. “Não faz, não, senão, eu vou perder tudo, vou ficar sem nada. Deixa quieto.” Senão, hoje não seria a Ivani Macedo, seria a Ivani Vaz Arruda e sem casa, ganhando mil e 200 reais pra pagar tudo? Não! Ele mostrou antes, é a revelação, é a preparação. Aí, orava e só dava isso, então: “Kátia, senta aí. É assim, assim, assado. Vai acontecer isso, filha, seu pai... Não sei quanto tempo”. “Mas, mãe, o pai tá gordo, como é que você tá vendo?” Falei: “Bom, não sei, toda vez que vou orar pra ele ficar bom, vem isso, por quê? E é a mesma coisa, já sei que não sou louca, porque já vi de muita gente, então, agora não é mais loucura”. E fui vendo, fui vendo, fui vendo que ele ia partir e falei: “Quanto tempo?”. Aí, eu senti que eram uns três anos. Lindo, lindo, lindo. Quando deu uns três anos, pedi pra Deus dar força pra mim, conversei com minha filha, falei que, se ela tivesse que estudar, que ela estava fazendo Letras, ela queria fazer Odontologia, mas eu falei: “Se seu pai pagar, tudo bem”. Aí, ela foi fazer Letras e eu falei: “Aproveita, porque, quando seu pai morrer, as coisas vão se minguar, não vai ter esse dinheiro que tem agora”. Ele ganhava oito mil reais em 2000! “As coisas vão minguar, você não vai poder receber pensão, que já é maior. Isso aí vai cair porque INPS [Instituto Nacional da Previdência Social] cai, então, corra enquanto é tempo, pra você se formar em tudo que quiser.” E ela correu. Estudou, fez pós-graduação, e ele começou a emagrecer. Emagrecer, emagrecer, emagrecer, emagrecer, andava como daqui ali e já suava. Às vezes, ia varrer um quintal e já molhava a camisa. Foi secando, secando, secando, secando, perdeu todo o peso, aí, eu orava e mostrava e eu fui me preparar, só isso. Se preparar, mais nada. E dias antes dele morrer... Aí, foi ficando, deu uma travada na mão assim, porque o diabetes ataca os rins, ataca o fígado. E a parte motora da pessoa, de se movimentar. Então, eu vi ele assim andar cada dia com mais dificuldade, lá achavam que ele estava bebendo e ele não estava mais bebendo. E, no último ano, ele pediu pra fazer Dia dos Pais dele e nós fizemos. Ele falou: “Não quero nem saber, vou beber”. Bebeu, fez tudo que quis, falei: “Ih, amanhã, esse homem não vai andar”. Aí, no outro dia, já inchou as pernas, levei ele no médico e o médico falou: “Olha, precisa internar”. Ele falou: “Não quero”. Aí, eu perguntei para o médico: “Já sei, doutor. Já sei que vai. Quanto tempo?”. Ele falou assim: “Não chega a seis meses”, no mesmo dia ele já falou. Ele estava com água no pulmão e eu era da área da saúde, então, já sabia, mais a revelação! Aí, ele foi pra casa e tudo. Eu chegava do serviço a uma hora, entrava às sete, saia à uma, e chegava em casa uma e meia, quinze pras duas. E ele estava me esperando pra voltar pra Osasco e comer carne de porco, comer tudo que ele queria. Falei: “Você quer comer?”. “Quero.” “Pois vai fazer tudo que você quiser.” Não tinha mais o que fazer. Comia, acabava de comer, perdia tudo, que a diabetes é muito triste, ainda se tiver com cirrose, a cirrose cheira carniça. Aquele cheiro do quarto descia pra baixo, a gente fazendo comida, eu falei: “Olha, eu tenho que passar por isso e eu já estou preparada e seja o que Deus quiser”. E assim foi. Esse Macedo, aí, eu conversei com ele, o pior de tudo é você ter uma coisa e a pessoa não te contar! Sabe por quê? Você não fica preparado nem pra salvar e nem pra morrer e nem pra nada, porque você fica iludida que você vai sarar. Então, você sabendo, bom, vou lutar pra curar! Bom, eu quero me entregar, quero morrer, então, eu vou me entregar pra morrer, porque já me avisaram. Eu cheguei e falei pra ele: “É isso, assim, assim, assado. Não sei se você vai...”, não coloquei a quantidade, “Você pode morrer daqui um ano, daqui um mês, por parada, qualquer coisa, ou você pode morrer dormindo”. Aí, eu falei: “Bom, não vou ficar viúva”, mas eu esqueci, mexendo nos documentos, que tinha tanto dinheiro, que eu tinha isso, que tinha aquilo, nem esquentei a cabeça. Falei: “Mas olha que situação que eu entrei”. Então, as pernas dele apodreceram, era uma carniça pura, as fezes dele eram carniça pura e eu conversava e punha música boa pra ele e falava: “Você vai encontrar com a sua mãe, você vai ver seu pai, o espírito não morre, você simplesmente vai sair, vai fazer uma transição. Vai passar pra um outro lado que, se você quiser ir pra Bauru ou se quiser ir pra Bahia, onde você quiser, o seu espírito vai”. Aí, ele foi ficando de boa e eu não restringi ele a nada. Ah, não vai tomar café, não vai comer isso e levou a breca e eu estava terminando a faculdade, terminando Enfermagem, estava no terceiro ano, e ele falou: “Não vou chegar ao fim do ano”. E eu: “Ah, mas você vai agora?”. Então, ele estava de pé ou sentado e de repente ele caía. Aí, veio outra revelação: estava uma carroça parada na porta da minha casa, pegou o caixão dele e foi numa carroça e toda roupa dele ali. Então, falei: “Bom, ele vai mesmo”. Só veio a confirmação, fim de ano, pior que vai ser meu aniversário e nós vamos ter que passar por essa situação. Aí, um dia, eram as provas de outubro. Começam as provas na faculdade e ele pegou e foi ficando muito mal, ele era muito orgulhoso, igual à mãe, metido. O que comia de manhã não comia de tarde, roupas tudo só de marca, aquelas frescuras toda. E ele caía e, se eu chamasse alguém, ele não aceitava! Morreu muito orgulhoso. Aí, quando foi um dia, ele caiu e não voltou, ele não voltou mais. Ele entrou em coma. Mas a fé que vocês vão entender que hoje eu estou aqui, talvez só pra contar essa história. Vocês vão entender que a fé, ela é uma coisa fundamental. Ele, caído, fazia cinco minutos que eu estava chamando pelo homem, ele entrou em coma. Já sabia que ia, né? Aí, eu ajoelhei e falei com ele e falei com Deus: “Deus, eu estou em prova, não vai agora. Eu estou em prova e não vou ter condições de fazer prova, não vou ter condições de fazer nada! Espera eu fazer as provas da faculdade e aí você vai com Deus, vai tranquilo, segura mais um pouco!”. Aí, ele abre os olhos: “Que foi?”. “Não foi nada, você simplesmente caiu”, voltou pra cama e tudo bem. Tá? É isso. Deus é Deus. Ele não foi nas provas, ele esperou passar as provas, no dia que começou as provas, ele falou: “Eu quero ser internado”, que ele não conseguia fazer mais nada. Desci com ele, deixei ele no hospital, vim com as trouxas dele, fui pra faculdade fazer as provas. Fiz todas as provas, quando acabaram todas as provas, eu falei pra ele: “Arrumei a árvore de Natal”. Ele falou: “Mas não vou chegar lá no Natal, não. Que dia que é seu aniversário?”. Falei: “Dia 12”. Ele falou assim: “Começo do mês tá bom. Tá?”. “Então, tá bom, você quer ir no começo do mês?” “Começo do mês”, explicou como ele queria e ele contou... A gente já sabe. Mãe sabe. Mas ele contou todos os segredos que a minha filha fazia comigo. Aí, eu falei: “Vou estar preparada”. Ele falou: “Cuidado com a casa, que a gente pode perder a casa. E eu estou muito preocupado em ir embora porque você vai ficar só e você é uma pessoa muito invejada, você é uma pessoa cheia de luz e as pessoas vão judiar muito de você, principalmente sua filha. Sua filha é capaz de te matar por causa daquela casa”. Eu disse assim: “Deixa comigo”. E ele: “Ivani, é muita dívida”. Falei: “Pode deixar que arrumo advogado, faço qualquer coisa. Não vou vender a casa e vai em paz”. Ele falou: “Não quero te deixar”. “Mas precisa deixar, vai na frente, no dia que eu for, já tá preparado.” Ele falou: “O que você vai fazer?”. “Eu? Eu vou viver!” (risos) Ele falou: “Eu queria ficar nesse mundo”. “Você não vai morrer, a carne vai morrer, que não presta mais, já não serve mais para o seu espírito, mas o seu espírito é bom! Vai trabalhar espiritualmente, tem tanta coisa pra fazer.” Encheu meu olho um pouquinho de água... É interessante, né? Aí, ele disse pra mim: “Estou com vontade de tomar um guaraná”. Falei: “Kátia, vai buscar um guaraná”. Ele tinha coisas pra me dizer. E coisas que ele guardou muitos anos e me preparou pra essa vida, pra minha continuidade e falou muitas coisas pra mim, eu já sabia quem era a... Essa criatura que eu trouxe, né? Que eu servi de veículo, porque nós somos veículos, nossos filhos não sabemos. Aí, ele falou algumas coisas pra mim e falou o dia que ele ia, mais ou menos, a gente teve uma conversa espiritual. Ah, ele disse assim: “Queria estar aqui, queria vir de novo”. “Mas você pode vir, o espírito pode encarnar quantas vezes você quiser.” Aí, ele falou assim: “Queria vir no mundo e ficar entre você e a Kátia”. Falei: “Pera aí, meu, eu não posso ter filho mais”. Ele falou: “Por quê?”. Eu falei: “Eu tenho as tubas entupidas, não sei, tem um cara de olho em mim, um médico, mas aquilo ali acho que não vai dar certo, não, Macedo. Não vou ter homem, não”. Engraçado, né? Pra chegar a contar isso, você tem que olhar lá atrás quem é, senão, vai chegar e contar o quê? Você entende? Eu não posso conversar com qualquer um. Pra chegar isso, tem pessoas que têm que ter uma evolução muito grande pra eu conversar, essas coisas eu não falo pra ninguém, porque são pessoas evoluídas, senão, ninguém entende. Você sabe que tá cheio de gente no hospício porque ele vai falar aquilo e o médico: “Opa, interna! Falou, interna”. E aquela pessoa, como eu te falei, que me preparei lá no começo, quando começou, eu me preparei. Eu fui buscar Deus pra poder ficar calada, porque se manifestar e a pessoa falar alguma coisa: “Interna, que tá louca”. Então, ele falou comigo que queria vir nesse mundo, na nossa família. Falei: “Ah, filho, aqui é impossível, tá tudo travado, não tem homem e blábláblá”. Aí, a Kátia já tinha ido buscar o guaraná, ele pegou o guaraná e bebeu e falou. Eu falei: “Olha que a palavra tem poder, gente! Só se ela ficar louca, arrumar um homem e logo se casar”. Então, sem querer, naquele momento, eu coloquei e fechou. Fechou. Ele virou pra ela, ele já no futuro disse... Ele, já no futuro, porque o espírito, quando tá pra morrer, já está no futuro: “Mamãe, vou mamar na tua teta até os três anos de idade”. Falei: “Quê? Quem é você?”. “Vou vir mulher.” “Mulher, Macedo?” “Mulher, vou fazer aquilo que minha mãe não deixou eu fazer.”
P/1 – (risos)
R – “O quê?” “Vou fazer!” “Então, vai ser veado.” Aí, ele falou: “Vou ser mulher e vou fazer aquilo que a minha mãe não deixou eu fazer”, não entendi nada. E ele falou: “Vou mamar na sua teta até três anos, viu, mamãe?”. Naquela confusão toda, passou, ele falou: “Vai vir um menino também”, contou tudo que ia acontecer. Tudo bem, contou tudo, bom, coisas que não convém muito falar. Aí, ele pegou e ficou mais ruim, se despedimos e tudo. E voltei no outro dia, e a mulher falou: “Ele já tá ruim, já entrou em coma”, ele sentou na beira da cama. “Ué, o homem estava em coma agora e já levantou?” Levantou, a pessoa, quando tá pra morrer, enquanto ela não coloca tudo pra fora, por isso que muita gente fica muitos anos em coma, enquanto ela não coloca tudo pra fora, não vai. Aí, ele falou: “Vou contar tudo”. Oh, minha filha, que decepção! Ainda bem que eu também aproveitei (risos). Aí ele sentou, fica bonzinho! Já várias pessoas que queriam falar comigo estavam lá ruim e ficam bonzinho, fala o que tem que falar e vai. Ele falou assim: “É, Ivani, eu gosto de você, você é minha esposa, eu não tenho Aids [Síndrome da Imunodeficiência Adquirida], você não tem Aids, né? Você viu no exame, eu vou embora. Ah, estou com saudades do Cláudio, ah, a sua tia Dóris.” O que houve? “Ah, minha mulher.” Falei: “Ué, quem é sua mulher?”. Minha tia Dóris e, naquela confusão, não entendi mais nada. “Com saudades de fulano, fulano...”, eles limpam, sabe? Limpa aquilo que tá prendendo, é um segredo de alguma coisa. “Não quero que você fique andando com a Sônia, senão, você vai descobrir um segredo.” Tá bom. Naquele momento, acaba de falar e puf, fica ali ruim. Aí, eu falei: “Doutor e aí?”. “Ah, ele vai receber alta.” “Ele não vai receber alta, não, o senhor tá com mentira e ele vai receber alta celestial. Se ele não for hoje, ele vai por esses dias.” Naquele momento, ele foi pra UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. Quando chegava na UTI, falava com ele: “Macedo, tá me ouvindo? Vim agradecer você pela minha filha”. Ele estremecia todinho porque, aí, não foi, ele ainda está em transe, se preparando pra partida. Aí foi. Foi, fiz o enterro do jeito que ele quis, sozinha, sozinha! Porque parente é muito bom quando você tem, parente, amigo. Você vai fazer uma festa, convida 100 vem 400, mas, se você estiver num momento triste, necessitado, aquele que não foi na sua festa, mas tá ali, esse é seu verdadeiro amigo e seu verdadeiro irmão.
P/1 – Dona Ivani... Pode concluir sua frase...
R – Então, a vida me ensinou muito isso, muito. E a vida me deu muita tristeza, que a tristeza foi aprendizagem, a vida me deu muito amparo com os filhos de Deus, que são meus irmãos, a vida me deu essas revelações que, às vezes, antes de eu ir a certos lugares, elas já me preparam, já sabem se eu tenho que ir ou não vou. Deus fala: “É isso ou não é”, e eu me conformo, porque eu sei que, às vezes, não é o momento. Seis meses depois, eu tive uma revelação e vi o prédio onde eu ia comprar, onde que eu moro hoje. Só revelações, só coisas lindas. Oh, saindo lá do Metalúrgico, subindo, eu andava por cima, falei: “Por cima? O que estou voando aqui? Será que meu espírito já voou e eu vou morrer?”. Aí, eu paro na frente de um prédio que está no bloco. Aí, falou assim: “É aí que você vai morar”. Demorou três anos, eu fui lá e comprei o prédio. Eu falei: “Já sei onde vou morar, é aqui”. Fui lá, fiquei sabendo, é um lugar muito gostoso que eu tô. Então, muita coisa, às vezes, a gente tem e a gente não sabe absorver. Então, temos que ter uma coisa muito certa que se diz: sabedoria, entendimento! Se não tivermos isso, não somos nada. Você pode ter milhões de diplomas, mas, se você não tiver sabedoria divina, não significa de nada. Você vai fazer uma coisa e não sabe se vai dar certo ou vai dar errado. E, aí, quando dá errado, às vezes, foi um corte que teve pra que você tenha um aprendizado, que aquele não era o momento, que foi cortado pra não acontecer alguma coisa, que Deus, às vezes, tirou antes! E, aí, eu fiquei sabendo onde eu ia morar. Não era agora, mas chegou no momento, eu fui lá e comprei no lugar, olhava o apartamento, falava: “Não é esse aqui, não”. Tinha apartamento que já estava com escritura, com tudo, 75 mil, em 2007, mas não era aquele. É a casa que eu moro hoje, o apartamento que eu moro hoje. De frente, o Shopping União, que é o maior shopping da América Latina, de frente, o Shopping do Parque Continental, moro em redor de cinco shoppings, que eu vou a pé. Mas, se eu não tivesse essa evolução, eu teria pegado o dinheiro e gastado tudo. Gastar tudo com a molecada, com homem, com farra, com roupa de marca, com carro grande. E, aí, acabava tudo e hoje eu estaria na merda. Então, quando Deus dá isso, se chama sabedoria de vida. E eu tenho isso, tenho essas revelações e muitas lindas e muitas que eu fico sabendo e tenho que tomar atitude, antes, pra que eu vá naquele lugar, pra que eu despeça. Eu sei quando as pessoas vão morrer, eu sei quando acontece coisas boas. Eu sei tudo! Mas eu fico na minha, não falo. Só assim, minha filha, sabia, então, a gente conversava: “Olha, vai acontecer isso e eu vou ter que fazer isso”. O que eu mais admiro em Deus, de ele me dar esse dom, é que eu não me sinto cansada. Eu posso ficar um mês sem dormir, porque tenho que levantar, vem aquilo, tenho que levantar, vou na cozinha, tomo um café e tento ficar descobrindo de onde é, como é que é. E, aí, só falo: “Estou pressentindo isso, então, eu vou ter que ir lá”. Minha avó mesmo, eu despedi dela antes de ela morrer. Por que? Porque eu via uma estrada longe, chegava lá e eu via uma senhora velhinha e uma outra mais ou menos, como eu não via minha tia há muito tempo, muda. E minha avó, eu vi uma senhora completamente diferente, eu vi no caixão. Três vezes esse sonho, fui ver a vó, vi e ela morreu. Quer dizer, eu tinha que ver ela, ela é minha madrinha, né? E agora eu faço o maior aproveito disso aí, dessa coisa para ajudar! Não pra atrapalhar, não pra encher a cabeça, só com pessoas que estão com dificuldade, aquele que eu tenho que puxar. Agora, os que eu não tenho que puxar, vêm naturalmente. Vêm naturalmente, e é questão disso. Agora, sou uma pessoa normal? Sou porque eu como, bebo, danço, tomo uma cerveja, mas o negócio é o dia de coisa, parece que já deixa a gente reservadinha ali, a gente não tem vontade de sair, já fica em casa e aí vem. E o céu, quando eu olho para o céu, eu consigo ler. Eu sei direitinho. Aquele avião que veio de Santa Catarina, né? Um mês, eu tinha ido pra Santa Catarina e eu falei: “Mas que sensação ruim que vai pegar fogo!”, tudo bem. Um dia, saindo de casa, eu olhei o céu e pensei: “Meu Deus do céu, mas que sensação ruim, mas o que é esse fogo?”. Eu vejo direitinho. Fui trabalhar no Regional, daqui a pouquinho, de tarde, fazia acho que 12 horas, eu sentei. Falei: “Dá licença”, por isso que me afasto das pessoas. Sentei e daqui a pouco: “Meu Deus, é agora, é agora, é agora”. Sento e vejo passando, vrum! Acabou de passar, eu saio, não conto pra ninguém. “Ivani, você viu isso?” E eu me faço de boba: “Ah, é? Nossa. Incrível, né?”. Você vai falar? Não pode, tem que ficar na sua. Fico assim.
P/1 – Dona Ivani, nós precisamos encerrar, está dando o horário, mas eu queria saber quanto tempo mais a senhora acha que precisamos pra avançar na sua história, pra marcar uma próxima vez.
R – Acho que mais uma vez, é muito importante isso. Muita coisa, e acho que vocês também carregaram um pouco de bagagem boa.
P/1 – Sim, tá muito bom. Por isso, quero marcar uma segunda parte.
R – Pode. Muito obrigada.
P/1 – Então, por enquanto, eu agradeço imensamente a presença da senhora.
R – Agradeço a Deus.
P/1 – Foram horas lindas. E, aí, a gente vai combinar pra continuar um outro dia, tudo bem?
R – Tudo bem.
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Projeto Conte Sua História
Depoimento de Ivani Macedo
Entrevistada por Carol Margiotte e Laura Garibaldi
São Paulo, 26/07/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV692_ Ivani Macedo_Parte 2
Transcrito por Márcia Rocha de Almeida
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Bem vinda de volta, e também muito obrigada por ter voltado.
R – Ok.
P/1 – A gente tinha parado no momento em que a senhora estava falando sobre o falecimento do seu esposo, e a senhora parou bem na parte como foi ele planejar a volta dele pra esse plano. Se a senhora pudesse voltar a partir desse ponto, pode ser?
R – Sim, pode. Claro que sim.
P/1 – Então, só espera a Laura chegar pertinho, é isso? Tá bom assim?
R – É. Então, que nós fizemos o planejamento de ele retornar a esse mundo. Então, foi num momento em que ele estava já muito ruim, e os médicos já tinham desenganado. E foi uma visita à tarde, estava eu e minha filha. Foi de manhã, ficava lá até meio-dia e eu chegava às duas horas mais ou menos e ficava até as oito. Então, nós duas se encontramos, e ele fez um tipo de uma despedida, que ele disse que queria falar muito comigo, ele deu uma melhora naquele momento, falou que queria falar muito comigo, mas ele olhava pra minha filha e falava que ia contar: “Eu vou contar, vou contar, vou contar”. Aí, eu falei: “Então, vai lá buscar, o que você quer tomar?”. Aí, ele falou assim: “Quero tomar um guaraná”. Aí, a minha filha foi, buscou o guaraná, deve ter pegado mais alguma coisa que eu não me lembro e foi pra lá pra rua, que ele estava no Hospital Sorocabano, na Lapa. Aí, ele começou a contar pra mim, pediu que eu prestasse muita atenção, que ele teria umas coisas pra me falar. Aí, ele falou: “Olha Ivani, você é uma pessoa que você cresceu, que você trabalha, você tá fazendo curso universitário, vai se formar enfermeira e isso causa muita inveja na sua família, com os seus amigos e a sua filha”. Aí, eu deixei ele falar, ele falou que eu era muito invejosa, que as pessoas brigavam muito comigo porque eu era a melhor da família, que tinha condições de vida melhor e que ele tinha dó de me deixar, que ele não queria deixar, que ele sabia que eu ia sofrer muito. Ele falou: “Eu sei que você vai sofrer demais e eu não queria te deixar”. Aí, ele falou: “Como que eu poderia fazer pra voltar a esse mundo? Ficar no meio de vocês?”. Aí, eu falei pra ele, como eu tinha preparado muito ele para a morte, para a passagem, que não seria morte, pra ele deixar o corpo, deixar o casulo que já estava estragado. Então, ele falou: “Mas como? Eu não posso vir numa outra vida aqui? Você ficar grávida, eu ficar aqui no meio de vocês?”. Eu falei: “Não pode, porque eu tenho as tubas entupidas, eu não tenho ninguém, os pretendentes aí não vão me querer, eu já tenho mais de 40 anos, não vai dar certo. Só se a minha filha ficar louca e de repente casar ou ter um filho”. E foi nesse momento, ela já tinha retornado, antes de ela retornar, ele disse assim: “E tem mais, você, muito cuidado com a minha filha, que a minha filha era uma menininha tão pequenininha, eu criei, mas ela vai te fazer muito mal, hein? Ela, na sua frente, é uma coisa e, por detrás de você, ela é outra, ela te odeia, Ivani, ela é capaz de te matar por causa daquela casa do Metalúrgico. Muito cuidado, muito cuidado mesmo! Se eu fosse você, eu daria aquela casa pra ela e você vai ficar bem, ainda vai ficar com pensão e larga pra lá, porque ela vai te matar”. Aí, falou de dívidas, falou de contas, que ele tinha enganado a Federal e podia ser que eu perdesse a casa. Aí, conversei com ele e falei que não, que ia fazer de tudo pra não perder, e a minha filha, que eu ia dar um jeito nela. E ele: “Você vai sofrer muito”. E, aí, ele falou de uma prima minha que chama Sônia, que não queria que eu tivesse amizade com ela que eu ia descobrir uma coisa, que ele não queria que ela frequentasse minha casa mais. “Não receba mais a Sônia.” Aí, tudo bem, minha filha chegou e ele virou uma criança. E a minha filha sempre teve muito seio, então, ele falou: “E, se eu viesse, se eu fosse filha da minha filha? Você não quer casar, minha filha?”. E a minha filha: “Não, não tenho ninguém, eu tenho um paquera que chama Carlos, mas não tenho ninguém, não”. Aí, ele falou: “É, eu vou vir mulher, eu sei que vou vir mulher e vou fazer tudo aquilo que a minha mãe não deixou eu fazer”. Falei: “Vixi, será que vai vir mulher mesmo ou vai vir um bicha?” (risos) Aí, falou: “Eu vou mamar nessa teta até três anos, vou estar andando e vou estar mamando. Bom, vou fazer isso, vou transar com o pai, vou transar com o sobrinho, vou transar com os primos, vou transar com todo mundo”. Eu falei: “Mas é pecado isso, pelo menos, com oito, pelo menos, 12, mas com pai?”. Ele falou: “Não vou ficar falando, não”. Aí, falou a cor que ia ser o caixão dele, falou que ia ser com babado, falou tudo que ia ser. Ele falou: “Já estou vendo meu caixão, vai ser assim, assim, assado, você vai comprar um caixão que tem uns babadinhos de pano, você vai ficar parada na frente do cemitério. Olha, o negócio é o seguinte, você vai fazer o negócio lá, o mais cedo. Oito horas da manhã”. “Não, oito horas é muito cedo! Seus amigos nem vão te ver”. Ele falou: “O mais cedo possível porque vai pouca gente”. Falei: “Tá bem”. Ele falou assim: “Mas você vai morrer?”. “Eu vou.” “E a minha filha vai morrer?” “Também vai.” “Então, vamos fazer o seguinte, como você vai partir, não sei que dia...”, ele falou, “não vou chegar ao Natal”. Isso, aí, era dia 30, mais ou menos, de novembro. Aí, ele falou: “Não vou chegar ao Natal, então, você se prepara, né?”. “Tá bem.” Ele falou isso e falou da minha filha: “Ainda vai vir um menino, hein?”. “Dois?” “Dois. Um menino e uma menina e pode ser que venha mais um, três.” “Mas três como? Tudo em você?” “Você vai prestar atenção e você vai perceber o que vai acontecer. Mas eu vou dar cedo.” Falei: “Vixi, Maria. Mas Macedo...”. “O que minha mãe não deixou eu fazer, eu vou fazer.” Aí, aquela confusão toda e, bá, acabamos de fazer isso e, no outro dia, ele entrou em coma, não ficou bem. Ele queria ir pra casa, mas aí já entrou em coma. No outro dia, que eu fui de novo, ele tornou sentar, estava ruim já, parece que nem ia pra UTI, ele de repente sentou na beira da cama, contou todo segredo que tinha e o que não tinha, aí, conta tudo, senão, não morre em paz. Aí, ele contou tudo, que eu gosto muito de você, aconteceu isso, eu fiz isso, aquilo, com quem fez, com quem não fez.
P/1 – Teve alguma coisa que ele te contou que te deixou surpresa? Que foi mais bombástica pra você?
R – Eu acho que a única coisa que eu fiquei em dúvida, que, nesse momento, eu não entendi muito bem, que ele chamou pela minha tia Dóris, né? Ele falou: “Você é minha mulher, você é minha mulher... e a Dóris, a Dóris, o Cláudio”, chamou pelas pessoas que estavam mais em convívio, mas eu fiquei com um ponto de interrogação. Aí, entrou em coma e, daquele momento em diante, ele entrou em coma. Confessou lá umas coisinhas, sobre esse negócio da minha filha, da minha filha fazer mal, a me matar. Tanto é que ela é minha inimiga número um. Minha filha é minha inimiga número um. E, aí, ele morreu no dia 5 de dezembro, ficou cinco dias em coma e morreu.
P/1 – Como foi receber a notícia da morte dele?
R – Nada espantoso (risos). Nada espantoso, porque já estava preparado. Eu gostaria que ele tivesse passado pelo menos o Natal, aí, ele não passou, porque ele já tinha segurado pra eu fazer as provas. Aí, ele perguntou meu aniversário, ele sabia tudo, ele falou: “Vai ser antes”. Eu falei que tinha armado a árvore de Natal e tudo, ele falou que não adiantava, que não iria passar o Natal, que ele ia antes do Natal. Aí, ele foi antes do Natal, antes do meu aniversário.
P/1 – Dona Ivani, e o velório, foi como ele tinha...
R – Tudinho. Aliás, ainda veio de corpo e alma avisar nós (risos). Tem família que vem com essas coisas, sei lá, dom. Porque a gente só consegue ver o que tá presente, mas quem tem os dons espirituais vê! Aí, eu estava na casa de uma sobrinha, a Tamara, bateu na porta três vezes. Ela abriu e falou: “O tio!”. “O quê?” Olhei, e cadê? Sumiu. Ele estava com a farda da CPTM. Falei: “Vou embora que eu acho que o Macedo morreu”. Ela falou: “O tio veio aí?”. “Não, não, ele tá internado.” Aquela confusão, ele internado, ela tinha ganhado nenê, todo mundo perturbado. Fui embora, tocou telefone, celular ou de casa, não estou bem lembrada, tocou telefone, atendi, já falou que ele tinha morrido, exatamente na hora que eu estava lá. Aí, eu já peguei as coisas e fui pra lá. Mas, nada de pânico, porque todo mundo tem que nascer e todo mundo tem que viver e tem que morrer. Tem gente que nasce e não dá dois minutos, morre. Então, como eu tenho um preparo psicológico, espiritual, tenho sabedoria, graças a Deus, aquilo já não foi um abalo. Eu já estava recebendo a revelação da morte dele já há três anos, então, isso não espantava mais. Pra mim, seria muito mais triste ver ele na cama, cheirando carniça, um mau cheiro, e ele se sentindo mal, não podendo... Usando fralda, coisa que ele nunca usou, né? Então, isso aí, pra pessoas meio soberbas, é a morte, e mais triste.
P/1 – E eu quero saber como ficou a vida da Ivani depois do falecimento do esposo.
R – Ah, muito difícil, né? Assim que ele morreu, tudo bem, minha filha já apareceu com um namorado lá na minha casa. Ele morreu, enterramos ele às 11 horas, quando foi uma hora já tinha pessoa lá querendo ir no INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], querendo me ajudar do nada. Então, a gente fica meio assim. A minha filha teve muita mudança, que ela já era meio rebelde, aí, teve muita mudança para comigo e todo mundo vinha interessado: “Ah, não recebeu ainda? Ele não era aposentado? Então...”. Sabe aquelas coisa de ter muito dinheiro? “Ah, essa casa é sua?” Nem eu sabia que tinha alguma coisa pra receber. Aí, eu agi normal, saí do cemitério, liguei o rádio, busquei um litro de vinho, tomei um vinho, comemorei a morte dele, fiz igual os japoneses. Porque não tinha mais o que fazer. Eu acho que é assim, do momento que eu dei tudo aquilo que eu tinha que dar, carinho, atenção, fui uma boa esposa, dedicada a ele, fiquei com ele até o último momento da vida dele. Mesmo aguentando tudo, eu acho que não teria que ficar lá, debruçada, chorando. Tive depois as recaídas, mas, naquele momento, não, vou comemorar que ele foi. Aí, comemorei, bebi vinho, liguei rádio e, depois de uma semana, tiramos as coisas. Com sete dias, fiz a missa de sétimo dia e no outro dia fomos pra praia como se nada tivesse acontecido. Tomamos cerveja, tomamos caipirinha, voltamos pra que a vida desse sequência. Pra não cair, né? Porque eu não tinha ninguém, se eu vou entrar em depressão, conforme for, tem gente que não vorta mais, né? Fica na depressão ali e, pra vortar, demora! Então, a vida é de quem tá vivo porque ali já tem outros espíritos sábios que vai pegar ele pra ter a vida dele espiritual. Ali já não pertence mais a mim. Não pertence mais a esse mundo, foi muito bom nessa parte. Aí, eu fui cuidar do que tinha, ficava assustada porque era muito dinheiro pra resolver tanto problema. Tinha seguro de vida na época de cento e poucos mil da KPM, tinha fundo de garantia, tinha muita coisa. E, aí, eu comecei a ser perseguida!
P/1 – Por quem?
R – Pela minha filha.
P/1 – Isso que eu queria perguntar. Como é que foi depois da morte do seu esposo e com tudo que ele tinha falado sobre a sua filha, como é que foi a sua relação com ela depois da morte? Como você enxergava ela? Como que foi pensar nela e conversar com ela?
P/2 – A relação de vocês deu uma estremecida? Uma distanciada?
R – (risos) A relação já estava estremecida há muitos anos. Mas, a partir desse momento aí, era eu e ela, já não tinha mais ninguém pra interferir. E ela era filha de criação, mas, aos 18 anos, nós conseguimos transferir o nome dele pra ela, então, ela se sentiu poderosa. Ela já botou esse cara na casa, ficaram lá em casa, ele com mais uma amiga dela e mais o namorado dela, todo mundo lá em casa pra tentar levantar o ânimo. Até três dias, eu deixei, dali a pouco, queriam fazer morada. Aí, né? A nossa vida ficou muito ruim, porque ela queria ter o direito do seguro, que era 100 mil, que eu nem sabia. Aí, fui lá no sindicato, e a assistente social falou: “Olha, você tem direito nisso. Você tem um seguro”. Fui correr atrás das coisas, e o seguro era 100 mil reais, e ela falou que queria metade. Então, vamos ver, né? Aí, arrumei toda documentação, fui lá e falei: “Você vai junto comigo”. Cheguei lá, eles falaram: “Só quem tem direito aqui é a Ivani Vaz Arruda”, ela quase morreu. Aí, fomos dar uma volta e, dali pra cá, ela começou a mostrar que já não era boa coisa mesmo. Tem não sei quantas personalidades e começou a mostrar mais ainda quem era ela. E ela disse que eu estava roubando ela, e aí se juntou com esse rapaz, que ela namorava, planejando a minha morte, como realmente ele tinha dito. Planejou minha morte pra poder ficar com a casa.
P/1 – Mas como a senhora descobriu isso?
R – Ah, como a gente descobre! Porque a gente percebe as pessoas falando, falando. “Ah, mata ela, quero ficar com a casa.” Imagina, meu marido tinha falado, e ela era geniosa e eu sabia com quem tava lidando. E, antes de ele falecer, a gente teve uma discussão no hospital, e eu tinha discutido com uma enfermeira e acabamos nos pegando lá. E, ao invés de ela vir ao meu favor, ela estava toda roxa e ela não veio ao meu favor, ela foi a favor da enfermeira. E fez um depoimento contra mim, dizendo que eu era maloqueira, que eu era prostituta, que eu era ex-prostituta e tudo. E, quando foi no dia de fazer a audiência, o juiz também parou a audiência pra falar comigo: “Dona Ivani, a senhora tem uma filha que é inimiga da senhora! A senhora deixa aquela casa, que ela vai acabar te matando”. Todo mundo já sabia. Ficou aberto, ela abriu escancaradamente que ia me matar e que me odiava mesmo, que não gostava de mim, que não queria. E, tudo bem, o tempo passou...
P/1 – Mas nesse período que a senhora sabia que existia essa possibilidade da sua filha planejar a sua morte...
R – O que eu fiz?
P/1 – É, como a senhora se protegia? Como era a noite? Quais as sensações que a senhora tinha?
R – Eu conversei com ela e levava ela nos lugares pra falar, ela viu direito o que ela tinha e o que não tinha. Aí, fizeram a cabeça dela, dizendo que ela tinha direito na pensão, que ela tinha direito nesse seguro. Foram dois ou três seguros que ela tinha, e ela vinha pra cima. Então, vamos fazer o seguinte, vamos todo mundo no advogado. “Eu não vou, você tem que dar minha parte, eu quero minha parte, sou filha dele.” “Eu vou dar aquilo que você tem direito, se não tiver direito, eu não vou dar”, eu trancava a porta, ué! (risos) Eu dormia com a porta fechada porque a casa era de dois andares, então, onde era uma copa, eu sempre dormia lá embaixo, quando nós éramos separados de corpo só. Porque a gente era família mesmo, então, ela dormia lá em cima, porque o que era pra ser meu quarto, eu dormia lá embaixo, e trancava a porta. Mas a coisa foi ficando feia, ficando feia, ficando feia, porque ela quis tomar conta de tudo. Aí, ela começou a xingar. Ela já não era boa coisa, já vivia dessa maneira mesmo e ela começou a xingar eu e tudo. E, aí, eu reencontrei uma pessoa, que se chamava Coutinho, e eu tinha trabalhado com ele, já estava separado e blábláblá e acabamos ficando juntos. E ele, como eu já conhecia há mais de dez anos, eu falei: “Ah, estou viúva já, quase um ano. Ah, fica aqui essa noite”. Estava meio sem dinheiro, e ele falou: “Sua filha vai aprontar”. “Por quê?” “Eu sinto!” Esse homem sentiu, levantou umas três vezes na noite pra ver um carro que era da empresa. E, aí, de manhã, eu falei: “A minha filha tá saindo, daqui a pouco você levanta”. A gente só ouvia um trac-trac-trac-trac. Ele falou assim: “Sua filha tá riscando meu carro”. “Imagina! Deve ser alguma criança que tá passando com alguma coisinha aí, com um lápis!” E o cachorro meu não latiu, se fosse estranho, ele latia. Quando nós levantamos, o carro estava todinho riscado, um carro zero, dois meses e pouco que tinha tirado da loja. Ela riscou tudo, tudo, tudo e ainda fez o “w”, que ele chamava William Coutinho. Ela riscou tudo, arrancou aquelas palhetas, acabou com o carro e foi embora. Fria, calculista, não sei o quê. Bom, nós levantamos e fomos tentar resolver o problema, comprar alguma pasta pra passar no carro, pra tirar. Eu fiquei sentada em Osasco simplesmente das dez horas da manhã até uma e meia da tarde, pensando em que fazer com uma pessoas dessas. O que eu vou fazer? Aí, eu voltei, já fazia quase um ano que ele tinha morrido. Eu voltei e, quando cheguei da rua, tinha uma menina que ajudava a gente a passar roupa, essas coisas, ficava lá um dia sim, um dia não, ou quase todo dia. Eu falei pra ela: “Vou deitar. A minha filha riscou o carro todinho, não sei o que vou fazer”. Eu dei 500 reais pra ele, né? Para o Coutinho, falei: “Coutinho, tenta resolver, depois a gente vê. Você tem seguro, o que vai fazer”. E tudo bem. Aí, ela chegou lá pras três e meia, subiu, perguntou: “Minha mãe tá aí?”. E a menina: “Tá deitada”. Aí, a menina foi no quarto e falou: “Ivani, a minha filha tá estranha. Ela sua e dança”. “Como?” “Ela tá suando, tá suando, tá suando e tá dançando. Tá batendo a perna, tá dançando, tá dançando.” Falei: “Isso aí deve ser algum espírito do além, não vou nem me meter. A coisa entre ela e eu está pesada, se eu for lá bater de frente, o negócio vai ficar feio”. Aí, demora mais um pouco, acho que ela ligou lá pra alguém, não sei, veio uma colega, falou que tinha visto que ia sair morte, mas não era nada. Ela passou na casa desse minha amiga, de uma conhecida, pediu pra ela vir e ela disse que precisava ir embora porque era eu que deixava ela assim, tirou a culpa dela e botou em mim. “Que ele falou que lá na praia e ele não viu, ele não presta.” “minha filha, isso é problema meu, sou adulta!” Mas é nada, ela não fez isso por isso, ela dizia: “Ele tá entrando e meu namorado agora não tá entrando”. Porque o namorado dela, e ela falou que ia me matar e que ia me bater e que eles mandavam na minha casa. Que ele ia mandar em mim a hora que ele quisesse. Eu proibi ele. Nós tínhamos ido passar o Ano-Novo na praia, e ele falou assim: “É, Ivani” – meio malandro, né? – “eu e a minha filha manda em você, eu e a minha filha manda lá na sua casa! Você não manda nada”. Eu falei assim: “Você não vai colocar a cerveja, as coisas no isopor que é pra poder a gente ir pra praia?”. “Não, você não manda nada. Quem manda na sua casa sou eu, eu entro e saio a hora que eu quero. E você cala a boca, senão, vou te bater.” Isso na praia, no dia 31 pra virar o Ano-Novo. Aí, eu falei: “Bater? Quando chegar lá em São Paulo, na minha casa, onde eu chamo Ivani Macedo, vamos ver se você vai entrar! Vou te mostrar quem é que manda lá”. Aí, eles subiram na frente, eu subi depois e, desse dia em diante, eu não deixei mais ele entrar. Eu falei: “Se ele entrar, eu vou dizer na delegacia que é encostado, que é ladrão e vou mandar prender”. Deixei o portão escancarado, porque tenho que ser forte, se eu não sou forte, eu já era pisoteada. Por isso que você vê aqui diante, tem uma pessoa que arca, enverga, mas não quebra! Vai quebrar só quando quebrar de vez. Então, foi isso, ela quis pôr ele e foi toda essa tortura. Risca o carro, nesse dia ela passou a mão, falou: “Ah, mãe, eu vou passar o fim de semana lá para os lados da casa dele”. Falei: “Tudo bem, vai”. Passou sábado, passou domingo, passou terça, ela não veio, falei: “Vou lá buscar”, mas eu nem sabia onde é que era. Sabia mais ou menos, mas não sabia nem em que rua entrava. Aí, o Coutinho falou: “Olha, Ivani, não liga que sua filha tá apaixonada, e a paixão é cega”. “Mas o que tá acontecendo?” “Não vai brigar com ela porque a minha filha tá apaixonada.” Falei: “Você ainda tá a favor de ver o carro desse jeito e tá a favor dela? Agora danou-se!”. Aí, eu fui na terça-feira atrás dela, sozinha, eu e Deus. Ajoelhei no chão e falei: “Estou aqui no Itapevi, agora onde que é? Pra esquerda, pra direita, pra onde?”. E clamei pra Papai do Céu em frente a um cemitério. Chamei pelo pai dela, o Macedo, que é o pai de criação, chamei pelo pai genitor, que é o Wilson Roberto do Nascimento, e pedi pra Deus que me levasse na porta da casa dele. Só isso. Aí, saí com o carro, parei num lugar: “Onde que mora fulano de tal? Um senhor que diz que faz excursão em novembro pra Aparecida!”. “Oh, você tá na rua certa, é mais pra cima, assim, assado.” Fui lá, pronto. Aí, ela me recebeu mal, me xingou, me humilhou, aí a mãe não presta, né? “Você não presta, você que é o problema.” E fez de coitada, que ela não queria sair de lá, mas eu peguei ela e trouxe. Ela ficava ligando pra ele todo dia, todo instante, dizendo que não queria ficar perto de mim, que eu era capaz de matá-la, que eu não prestava! E que eu era ex-prostituta, que eu era feia, que ela não gostava de mim, que ela me odiava. E era isso.
P/1 – Mas por que ir atrás da sua filha?
R – Porque eu tive que amenizar as coisas, né? Primeiramente. Pra ter certeza, e mãe é mãe, mãe é cega! Mãe é cega, até que ela leva cacetada, até que o filho não fure o olho dela, ela é mãe. Aí, eu trouxe ela, conversei com ela, ela ficava trancada dentro do quarto, fazendo cena pra ele. “Ah, quer saber de uma coisa? Quer saber? Quer ir vai, aqui ele não vai entrar.” “Tem que ser como eu quero, se o meu namorado não entra, o Coutinho também não vai entrar.” “Vai entrar porque eu sou a titular, e o meu nunca fez nada pra você. Você sim que arrancou tudo aí, oh. Acho que o homem nem vai me querer mais que vai falar que é tudo louca!” É! Tudo louca. Bom, ela voltou, fui falar com ela e ela veio pra cima de mim e eu pisei na cabeça dela, pisei na garganta dela. Falei: “Do mesmo jeito que eu trouxe, você vai”. Na hora não sei o que Deus fez lá que ela conseguiu sair debaixo de mim e foi embora. Aí, sumiu. Passa mais uns dias, e ela veio pegar aos pouquinhos as coisas dela, pouquinho a pouquinho, ia pegar. Mas eu já sabia que ela ia sumir. Foi embora, passa mais 20 dias, lá vem ela. Aí, vem ela, vem namorado, vem Cida, vem os irmãos. Vem tudo se intrometendo na vida. ”Ah, você tem que dar o dinheiro pra ela, você tem que vender essa casa.” Aí, o que eu fiz com os 100 mil? Enfiei no banco, falei que não queria endereço, não queria cartas, correspondência, fingi de boba. Andava de carro velho, quem se aparece muito se ferra, e eu fiquei quietinha. Fiquei louca mesmo, menina! E todo mundo vinha: “Ivani, eu quero aquele dinheiro! Ivani...”. A porta fazia fila. Falei: “Quer saber de uma coisa, gente? Fiquei louquinha, viu? Depois que o Macedo morreu, oh, sabe o que eu fiz? Doei tudo pra aquela Casa Maria Maia, porque dinheiro só traz miséria. Quiseram me matar, eu doei tudo!”. Inteligência, pegava conta, tirava xerox, pagava com xerox e deixava conta sem pagar. “Ah, ficou louca mesmo, nós vamos internar você!” (risos) “Vamos internar você porque não tem conta de luz paga, não tem isso e não tem aquilo.” Não tinha correspondência, não tinha cartão, falei para o banco: “Não quero nada, só bota aí e bloqueia essa conta pra não vir nada. Se um dia eu chegar aqui desmaiando, fingindo que estou desmaiando, chama a polícia porque estou sendo sequestrada”. Aí, acalmou, porque todo mundo queria dinheiro. Acalmou. Ela voltou e falou: “Olha, deixa eu voltar a morar com você?”. “Não dá mais, minha filha, uma pessoa que levanta do nada e risca um carro inteirinho e ainda você põe a culpa em mim? Vamos fazer o seguinte, como a casa é grande, a gente divide, lá em cima já tem uns pontos de água, a gente puxa, põe uma pia pra você, tem uns móveis aí que, quando eu estudava, eu aluguei um quitinete pra ficar lá à tarde. E, aí, você tem geladeira, você tem televisão lá em cima no seu quarto, tem jogo de sofá, você faz sua casinha lá, a gente faz uma escada aqui e você desce e sobe sem ele entrar aqui.” “Ele vai entrar, que ele tem direito, vai ser meu marido.” “Também não vai entrar, nem quando ele for seu marido. Agora, você vai ver quem sou eu. Ou é eu ou é você. Eu não posso obedecer você.” Então, começou, já era, já não prestava mesmo, aí... Já tinha muito mais coisa e, aí, foi. Aí, era inimiga. E é duro lutar com o inimigo e é um filho, mas é um inimigo.
P/1 – Teve algum momento que a senhora se deu conta e assumiu a figura dela como inimiga? Quando foi que você conseguiu falar que sua filha é sua inimiga número um?
R – Nesses momentos, nesse momento aí da minha vida, quando ela riscou esse carro! Eu já estava percebendo muito mais coisas, até quando o Macedo falou isso. No momento que eu fui lá na audiência, porque a gente se pegou lá com a menina, mas, sei lá, sendo cliente, a gente agride mais. O Macedo lá, e ela foi contra mim e, quando chegou lá o juiz, falou: “Olha, senhora Ivani, eu vou parar aqui e preciso falar com a senhora. Essa mulher que está ao seu lado, ela, a sua filha, contou...”. Primeiramente, ele contou minha vida regressa, minha vida de solteira. “Dona Ivani, casada com fulano de tal e parapapá e divorciada, estudou até quanto, mas a Dona Ivani, solteira, com 18 anos, era prostituta. Quem declarou foi a própria filha que está sentada ao lado.” Aquilo caiu! Mas vai caindo, mas infelizmente, quando a gente pega o mel e o fel junto, a gente fica meio assim, porque ela, ao mesmo tempo que ela fazia, ela se declarava boazinha. Aí, ela virou para o juiz e disse assim: “É, mas eu estou aqui do lado dela”. Tá me ferrando, né? Não tá me ajudando! Foi a hora que ele disse: “Dona Ivani, pega aquela casa e deixa com ela e a senhora pega o dinheiro que a senhora ganhou, compra um apartamento e vai morar”. Antes, eu devia ter feito isso. Bom, aí fui, lutando com ela, porque ela fazia dupla personalidade, dupla, tripla, sei lá. É uma coisa muito... Ela puxa a gente para o lado dela, para que ela possa ficar manipulando e, às vezes, iam colegas em casa, bater um papo, comer alguma coisa, algum jantar, sei lá, ela chamava: “Vem cá, que vou te mostrar um negócio. Eu odeio essa mulher, eu não gosto dela, você sabe que ela foi prostituta?”, assim. Aí, a pessoa esperava, no momento não queria falar porque estava ali e falava: “Ivani, você não sabe o que a sua filha vem falando...”. “Imagina, mãe, essa pessoa tá inventando.” Então, eu já sabia quem era ela, sabia, tinha certeza do que eu tinha criado. Porque, até então, quando é criança, tá ali botando as asinhas, e a gente tá podando, mas depois isso vai florescer. E a maior inimiga que eu tenho, na minha vida, é a minha filha. Que aconteceu muita coisa feia comigo e com ela, e ela ficou lá pra casa dele, se casou no civil. Aí, falou que não ia transar com ele, que não ia fazer nada. Depois, resolveram casar na igreja, me chamaram e tudo, eu fui, tudo bem. Aí, ela casou, teve uma menina e queria que eu me aproximasse porque eu tinha condições. Então, chamando ela, ela vai me dar as coisas. “Olha, eu não tenho móveis.” “Você não quis casar?” “Mãe, eu não tenho jogo de sala.” Falei: “Olha, eu já te dei o vestido de noiva, já te dei o enxoval, você já levou cinco mil reais e enfiou tudo na família dele, não sei onde está indo esse dinheiro, você já levou o carro que eu tinha comprado pra você, você já levou! O que você quer que eu faça? Eu não posso ficar te dando, ele não casou com você? Então!”. Aí, ele mamou bastante nela. E, depois, um dia, eu chego lá e tinha aquelas mesinhas de bar, aquelas de ferro, tudo enferrujada. Duas cadeirinhas de dobrar, aquelas de bar, tudo enferrujada. Mas mãe é mãe, vai lá em Osasco, compra uma cadeira, uma mesa com quatro cadeiras, aí tinha umas coisas em casa, dei pra ela, dei a mesa e as cadeiras, dei aquele rack, sabe assim? Estilo cristaleira, televisão, não sei, eles queriam mais. Aí, meu irmão foi lá, tirou um armário, casaram. Estavam lá, tiveram a filha, a menina nasceu no Natal, ela queria que eu fosse filmar, eu não fui. Eu sabia exatamente a hora que minha neta estava nascendo, que eu tive que parar, nós estávamos num sítio e eu parei do lado: “Ei, menina, vou sentar aqui”. Minha amiga Norma: “Por que, Ivani?”. “A minha neta tá nascendo agora e o negócio está difícil lá, deixa eu sentar aqui um pouco pra dar uma força.” Aí, já veio logo, a menina pernuda e tudo, tudo bem. Mas a gente não teve relacionamento, não dava pra ter. Porque o sentimento de mãe, igual eu fui, mãe! Se eu comesse uma cocada na rua, a metade, eu levava pra ela, porque na época nós estávamos em dificuldade. Quando eu separei do primeiro pai dela, que não vivemos bem, que eu já contei, né? Então, se eu tivesse comendo pastel, a metade era pra ela. Ah, eu ficava doente quando ficava longe dela, quando foi preciso deixar ela um mês na casa da minha sogra, da avó dela, eu sequei. Aí, a médica falou: “Não, você não pode deixar essa menina lá porque olha o jeito que você tá”. Então, eu era mãe incondicional, ali. Não sou dada de bater, mas sou de sentar, de conversar, de explicar. Não só dizer: “Eu não quero que você faça isso!”, eu explicava a consequência daquilo, mas ela não é um espírito pra ser a minha filha. Ela não veio pra ser a minha filha, espiritualmente, ela não é minha filha. Eu perdi essa menina com três meses de nascida, depois, ela se perdeu na praia, a Iemanjá tirou ela com oito anos de vida, eu pedi pra ela, lutei com ela, não, senhora, a senhora pode me dar aqui de volta. Então, ela não era! Eu tenho mais conformidade por esse meu entendimento, senão, eu estava louca. Então, ela não gosta de mim, ela não gosta mesmo, ela não gosta. Depois que ela foi pra praia e que ela sumiu e depois ela voltou, que eu chorei implorando lá pra um negócio que eu vi grande lá, aí ela falou: “Não gosto de você, não, queria ir com aquela mulher. Queria ir com aquela mulher. Aquela mulher me chamou, eu não gosto de você”. Então, criou e tudo, mas veio vindo todos esses problemas. Porque não era o momento, tinha chegado o tempo de ela partir, e eu forcei. Com educação, eu pedi pra aquela senhora que eu vi também, falei: “Por favor, eu só tenho ela”. Ela falou: “Já não é a mesma, toma!”. E não foi mesmo, não é. Eu olho no olho dela e vejo que ela não gosta de mim, que ela não gosta. Ela me odeia e, se puder fazer toda maldade, ela faz. Se puder falar mal, inventar, se você é minha amiga aqui, ela fala: “Vem cá”, e mete o pau em mim, aí, você vira inimiga minha. Porque você acredita nela, porque ela tem uma voz mansa, meiga e aí você cai! “Ivani, com esse jeito dela, né? Ela que não presta mesmo!” Depois, ela ficou grávida e ela foi se aproximando: “Mãe, mãe, vem um menino, mãe!”. E eu fui ficando lá na casa dela, vendo as coisas, né? (suspiros) E o acontecimento... Que eu fugi. Fugi pra não falar da minha... Mas a gente tem que falar. Essa é uma história verdadeira, não tenho que vir aqui pra inventar, senão, seria “Invente uma História”, né? Não é “Conte Sua História”! E o menino nasceu e o marido dela começou a cuidar da menina... E, aí, a menina fez exatamente, lutando, forte, linda, sadia, eu, Ivani, a menina fez três anos ainda estava mamando na mãe, do jeitinho que o senhor Macedo falou. Quando Desirée nasceu, ela colocava a mão pra trás igual ao Macedo. Aí, a minha filha falou: “Mãe, olha só pra ela”, e ela não é neta de sangue. “Mãe, olha só a Desirée”. Falei: “É, minha filha, tá aí”. Minha tia foi ver e falou: “O Macedo tá aí”. Falei: “Vixi Maria”. Um dia antes da menina nascer, eu sonhei com o Macedo voltando pra casa, na casa do Metalúrgicos. Falei: “Ih, minha filha, tá lá seu pai”. E a menina andando e mamando nela, que a menina nasceu com 53 centímetros, então, esticou. O pai dela tem um metro e 80 e a mãe, um metro e 70 e lá vai pedrada. Então, a menina mamava de pé! Aí, ela ficou grávida e teve que tirar, tudo bem. Quem passou a cuidar dela? Quem passou a trocá-la? Quem passou a dar banho? Papai, né? Aí, um dia, eu chego e minha filha tá chorando, falando para o marido: “Vou contar pra ela, eu vou contar, eu vou contar”. “E o que você vai contar, minha filha?” “Ai, mãe, olha o tamanho dele, diz que vai tomar banho na banheira, mãe, com a Desirée.” “Mas é só isso que está acontecendo? Por que você está chorando? Está chorando de emoção?” Mas aí eu já peguei tudo. Falei: “Tem coisa aí”. Mas ela não me abriu. Como posso acusar alguém? Não posso. E está passando o tempo, o tempo vai passando. Aí, eu estava estudando Psicologia, mudando, né? Precisava fazer trabalho, aquelas coisas difíceis e eu falei: “Ajuda a digitar o trabalho, você é professora, seu marido é”. E ela, rindo: “Oh, a escola inteira, 40 alunos vai saber”. Como ela é professora, o que será que ela vai passar, né? “Quarenta alunos, daqui a pouco você vai ver, toda escola tá sabendo.” E eu não tô sabendo o que é que é, estou pensando que é dos alunos dela! Aí, estou lá e ela pede: “Mãe, dá aqui o e-mail do seu professor”, porque hoje em dia o professor passa pra sala inteira. Ela passou lá não sei o quê, e ela: “Mãe, eu já falei que você não pode fazer o trabalho, tá?”. “Tá bom.” “Que vai entregar na segunda-feira e tal.” Tá bom. Fui embora pra casa e dali uns quatro ou cinco dias, eu vou fazer a aula lá na Uniban [Universidade Bandeirante de São Paulo], o que acontece? O professor está lá, mas “é puta, é ex-puta”, todo mundo conversando... Mas que diabo? Quando eu olho e abri o notebook, estava lá: “Não dou aula para ex-prostituta”. Falei: “Bom, isso aí é minha filha”. Eu parei! Onze e meia, depois que tinha chegado da aula, eu falei: “O que eu vou fazer?”. Deus! Eu clamava Deus, ajoelhava no chão, fiquei umas duas horas pedindo pra Deus o que eu ia fazer com uma criatura daquela! Se eu processasse, o que eu faria? Que eu descobri, né? Que ela pegou o e-mail que tem um jeito que você põe, uma letrinha lá que você põe e você muda, mas tem que estar o nome de quem fez e estava lá minha filha Regina Lima Macedo. Aí, eu falei: “É melhor eu apagar, senão, eu mato essa menina de bater ou vou na delegacia” – antes ter ido, porque o que a gente não faz os outros fazem. Cheguei nela: “Mas o que é isso, minha filha?”. “Não, mas é isso mesmo, se eu for numa delegacia, eu digo!” “Mas o problema não é dizer, minha filha, você não tem prova. E, mesmo que eu fui ou deixei de ser, o que você tá queimando?” Aí, ela arruma uma confusão ali, se sai de boa e tudo bem. Ela é desse jeito. Chama: “Mãe, vem almoçar! Olha, mãe...” – a gente chamava de bicho quando vai fazer frango, essas coisas – “o meu marido fez um bicho gostoso”. E, para ele: “Não sei o que ela veio fazer aqui”. Ela chama, ela trata bem e, aí, mete o pau. Essa aí é minha filha, a minha inimiga número um. E assim eu fui levando, falei: “Meu Deus do céu, e agora? Essa menina precisa de mim e eu tenho que ficar saindo um pouquinho com ela pra brincar e aguentar a minha filha, o que vou fazer da minha vida? Não sei”. Aí, vai, vai, vai, a menina tá todo dia lá, quando eu chego, puxando a roupinha: “Ai, ai, ai, papai”. “Oh, minha filha, o que essa menina tanto puxa a calcinha, a calcinha, puxa a saia, dizendo ‘ai, ai, ai papai’?” “Ah, ela bateu a vagina aí em algum lugar. Essa menina é problema.” Então, ela conseguiu fazer tudo que ela quis, ela manipulava todo mundo, mas eu não. Porque, graças a Deus, se for coisa espiritual, eu sou muito mais forte do que ela. E eu sou mãe dela, então, em mim não, que não vou ficar louca por causa de ninguém. Aí, eu fiquei prestando atenção, fica aquilo... Fiz cirurgia um dia, ela me xingou de louca! “Ah, ela pintava demais.” E eu falei: “Vamos pra casa da vó?” “Vamos.” Chegou no caminho, ela falou: “Não gosto dessa véia” – meu genro: “Olha como ela é feia. Não gosto dessa veia, ela é feia demais essa mulher horrorosa”. Eu desci do carro, com dois aparelhos no pé, que eu tinha operado as joanetes, e falei: “Tio, arruma um carro aí que eu vou embora, se eu descer com esses aparelhos no pé, vai estragar tudo”. Aí, meu tio arrumou um carro e fui embora. Ela ficou sem falar comigo dois anos. Depois, começa a rodear as colegas, as vizinhas: “Ah, minha mãe é rica, minha mãe não dá bola pra mim, minha mãe não gosta dos meus filhos, eu não tenho mãe”. Aí, aproxima, ela pinta de novo. Ela manipula, tudo dela é muito manipulado, muito bem feito, e ela encontrou o par perfeito e ela sabia que ele ia ser o esposo dela, ela tinha certeza. Nós sempre tivemos grandes intuições e, quando era jovem, ela falava: “Mãe, eu vou dançar, eu vou sambar”. Quando ela começou a chegar mais tarde em casa, depois dos seus 25, aí, ela já era professora, já era dona do seu nariz, tinha estudado, então, faz o que quiser. Então, ela chegava do serviço, tomava um banho e ia, chegava às quatro horas da manhã, tremenda segunda, quarta-feira, ia para o estacionamento lá, que falava, que tinha os pagodes e adorava andar naquelas coisas tudo de um real. Os caras tudo... Sabe? E, aí, ficou. “Mãe, o dia que eu casar eu não vou poder sair nunca mais, eu sinto isso. Me deixa à vontade.” Realmente, isso aí é tudo o contrário, não faz nada, não vai pra lugar nenhum, então, ela só sentia que era ele. Os dois se dão que é uma maravilha, porque um consegue esconder a sem-vergonhice do outro, entendeu? E, aí, eu chegava lá e ele: “Vou dar banho na menina”, e a menina querendo que a vó dá, e vou dar, vou dar, vou dar. A menina cresceu, né? A menina cresceu. E eu estou vendo, a menina vai para o banheiro, aí, vai ele correndo atrás: “Eu quero fazer xixi, eu quero fazer xixi, quero fazer xixi”. Ué, mas ele chegou agora, fez xixi, tá lá na cozinha fazendo um lanche, agora tá com vontade de fazer xixi de novo? E ainda perguntando quem é que está no banheiro? Aí, a gente ouve coisa por coisa, né? Criança gritando, a minha filha liga a televisão alto, coloca o CD do Raça Negra, que é pra não ouvir o que está acontecendo! Você entende? E eu falei: “Não, mas toda vez é assim, assim, assado. Tic-tic daqui, tic-tic dali”, quer dizer, a menina viciou, porque é gostoso. A criança, quando ela tem três anos pra quatro anos, eles têm a sexualidade infantil, então, eles têm essa sexualidade infantil e têm naturalmente. Só que, se você ativa, é igual mulher! E, aí, a menina viciou, porque antes doía, né? Ele mexer lá, botar o dedinho, esfregar, sei lá o que fazia! Aí, depois virou prazer. Então, virou bagunça! Chegava lá, e a menina deitada em cima dele, com oito anos, deitada em cima dele igual muié! E eu peguei um dia ela gritando: “Não, papai, por favor, socorro, mamãe”. E eu, batendo na porta. “O que é isso? Abra essa porta!” E ele fez aquele som de que estava tendo um prazer, agora, vai saber se estava obrigando ela a masturbar ele, se está esfregando nela e falava: “Segura, aperta, ainda não acabei...”, aquela bagunça toda do prazer. E eu vi coisas horríveis do menino também. “Vai lá que o menino está sangrando!” “Como o menino está sangrando? minha filha, o que aconteceu?” “Ele está com hemorroida.” Aí, ele falava pra mãe: “Mas, mãe, é no banheiro que acontece, mãe! O pai!”. “Não, você estava fazendo cocô.” E eu avisei ela que não ia mais, a menina veio falar pra mim: “Vovó, quando eu durmo com meu pai, minha barriga dói”, quer dizer, não é bem a barriga que ela quer dizer, tá mais pra baixo. Eu falei: “Mas o que está acontecendo?”. Aí, um dia, ela fez um desenho, mas, olha, sinceramente, a gente precisa pensar muito pra certas coisas, eu não guardei e nem nada, e eu falei pra ela: “Olha, está acontecendo uma coisa com uma amiga minha que eu vou te falar que é isso assim assado e eu vou denunciar”. Aí, ele pegou e falou assim: “Olha, se sua mãe denunciar, eu mato ela e mato você”. Aí, eu me afastei e mandei ver, né? Mandei ver, fui para o não sei o quê tutelar, das crianças, liguei pro 100 duas vezes e fiquei como quem? A louca! Não sei, a gente fala que ele estourou o hímen dela, mas ele mexia, e minha filha é conivente, só que eu fui e denunciei para o 100 e tudo isso. Aí, eles aparecem na delegacia tudo bonitinho, tudo marido, ele formado engenheiro e tamparam tudo. E toma-lhe Ivani processo! Estou sendo processada pela minha filha de uma coisa errada. Eu pago 500 reais por mês. Depois disso, tivemos audiência lá, ele contou tudo na frente da juíza, e a juíza se fez de cega, também todo mundo tampou a coisa lá, não sei o que aconteceu. Aí, passam seis meses, lá vem outro processo. “Mas que diabo é isso?” Achei um advogado, contei o que está acontecendo, a mulher está pedindo 39 mil. Aí, ele falou: “Tá bom, vamos lá”. Conseguimos baixar pra nove, ele falou: “Ivani, vamos pedir outros exames, vamos pedir pra levar as crianças nisso e naquilo, psicólogo”. Falei: “Olha, quer saber de uma coisa? Eu não vou ficar com essas crianças, já que estão com maus vícios. Esse homem é capaz de correr atrás de mim e fazer uma merda. E eu acho que a coisa, quando a mãe participa, é tampado, e eu vou preferir cair fora. Seja o que Deus quiser!”. E eu lembrava muito do que o Macedo tinha falado lá atrás. Olha, isso pode ser uma coisa de vidas passadas, quer saber de uma coisa? A minha parte eu fiz! Tentei e não consegui, eu lavo minhas mãos. Então, ela me pegou, quando foi o ano passado, novembro do ano passado, e eu estava na audiência de novo e foi quando o advogado conseguiu baixar de 39 mil para nove, mas quem vai falar lá não é ele. É só ela. Aí, ela me chamou de tudo quanto é nome na frente do juiz, do juiz não, da pessoa que era pra fazer o acordo. E falou que eu não gostava de negro (risos), aproveitou pra falar. Falou que tudo que eu falei é mentira, e acabou comigo. E eu fiquei quieta. E, aí, o meu advogado falou: “Olha, se ela não tivesse visto alguma coisa, não teria feito o que fez”. Aí, eu peguei e falei assim: “Oh, vou falar. Vamos fazer o seguinte? Você está bem? Você fez tudo o que você quis, quando você pegou seus 16, 17 anos, você se envolveu com droga, quem não prestava era eu, você riscou carro, você me difamou na internet, então, você conseguiu fazer tudo que você quis, conseguiu até tirar dinheiro agora. Você conseguiu mobiliar um apartamento em São Paulo, conseguiu mobiliar outro na praia e agora você está me levando nove mil, o que você quer mais? Então, vai viver a sua vida, você nunca gostou de mim! E, quando a gente não gosta da pessoa, a gente não pode estar junto, então, vai viver a sua vida que eu quero paz. Vai viver a sua vida que eu quero paz. Pronto”. E, aí, levou minha vida... Então, minha vida é essa, não tenho mãe, não tenho pai, não tenho irmão, não tenho filho, não tenho neto. Sou mentirosa, sou processada e não tenho vontade de ver mais. Mas eu prefiro estar longe porque, longe, eu estou afastada dos ataques dela pra mim. Porque estar perto dela, ela quer que eu aceite aquilo. Quando eu vi, eu perguntei: “Mas que negócio é esse que, quando ela vai, ele vai?” “Isso é problema dela com o pai dela, você não tem nada que ver com isso.” Então, eu não vou ficar frequentando um negócio desses, se está, se não é. Depois, lembrei do Macedo, falei: “Eu não vou entrar nesse barco furado, não, deixa pra lá.”
P/1 – Dona Ivani, mesmo longe, hoje, o quanto que esse tempo... Quanto esse tema te consome no dia a dia? Essa imagem, essa impotência?
R – É só vontade de ir embora. A única vontade que eu tenho é não de aproximar, porque qualquer um é meu parente, a solidão dói! (choro) Mas a única coisa que eu tenho vontade é de ir embora pra Portugal, pra começar uma vida lá, o negro lá é mais rainha, a gente é muito bem aceito lá, o negro, o brasileiro, o negro é mais aceito. Lá, quando eu desço no aeroporto, são duas horas pra chegar no hotel ou na casa. Eu só não estou conseguindo. Já adiei em maio, agora talvez vá ter que adiar em agosto, mas, assim que clarear, que Deus clarear, eu queria ir embora de mudança. Porque aqui, nesse meu Brasil, essa vida que eu vivi até agora, não foi legal. Não tive mãe, minha mãe fazia a cabeça dos meus irmãos pra eles não gostarem de mim e não gostam de mim até hoje. Eu não posso aproximar da minha mãe, eu não tenho Natal, não tenho Ano-Novo, não tenho domingo. Não tenho nada. E o que eu vou ficar fazendo nessa terra? Então, eu vou tentar ir pra lá pra eu ser mais aceita, pra que eu possa ser mais feliz, que eu possa ter uma família. E é isso. Mas aqui, pra mim, já deu. Lá, quem sabe eu possa... Não tem nada, não. Se vir família perto, é pra tomar o que eu tenho e ainda me cacetar, me difamar, me bater. É isso. Porque é como o Macedo falou: “Você não é aceita porque você tem uma qualidade”, não é que eu tenho problema, não é. Porque quem é que quer que o irmão ou a prima esteja numa qualidade maior? Ninguém quer! Com o dinheiro que o Macedo deixou, eu deixei quatro anos lá, fiz de louca, né? (risos) Não sou boba! Sei que vocês vão vir só pra sugar! Aí, deixei quatro anos no banco, na hora que estiver mais calma. Eu vou o que posso fazer, não vou abrir negócio que negócio abre hoje e amanhã... Deixei quatro anos lá, aí, ela começou a frequentar muito aquela casa e gritar que aquela casa era dela também. Eu falei: “Essa mulher vai me matar. Pera aí, olha, aquele apartamento lá, aquele residencial, eu comprei, peguei, dei 80 mil e mobiliei”. E ela: “Mas você não disse que deu?”. “É porque eu sou louca! Louco faz isso, olha o meu apartamento na frente agora, que vai sair o shopping, vou ‘de a pé’ pra Osasco, vou ‘de a pé’ pra estação e você está lá na periferia!” (risos) “O seu aqui não tem uma tomada igual a minha, o seu tanque não é igual ao meu.” “Ah, minha filha, mas eu atravesso a rua aqui e, oh, estou em tudo.” Então, foi onde eu tive essa escapatória. Mas eu acredito muito que eu não vou ficar aqui, não sei como, eu já tentei ir pra lá através, fazer a dupla cidadania, eu já tentei ir agora, foi cortado. E, se um dia eu puder, eu vou com a mudança, porque a mudança pode ir de navio, às vezes, que eu puder encontrar um advogado ou um empresário que pudesse me ceder. Eu levaria minha mudança embora. Eu quero abrir uma outra vida, quero esquecer isso aqui! Eu não passo na porta da casa dela, eu não vou no colégio ver as crianças. Eu tive que eliminar. Ela me faz mal, ela me faz mal. Tem muita coisa, que, com três meses, sei lá, essa menina sumiu, uma coisa esquisita, apareceu uma mulher esquisita que fazia ela sumir, sei lá, se algum espírito, alguma coisa assim. Depois, com sete anos, nós fomos à praia, ela estava de costas e, de repente, ela virou e foi embora lá pra praia. E, aí, eu vou procurar a minha filha. E cadê? “Mãe, aquele mulher está me chamando”. E, daí a pouco, eu olho na água, e cadê a menina? A menina não estava mais. Aí, aparece aquela mulher linda, bonita, cheia de estrela brilhando: “Ela é minha filha!”. Falei: “Ela é tua filha?!”. Aí, eu usei a educação, como no centro, falei: “Mas vós vai levar minha filha? Cadê ela? Eu só tenho ela”. Ela falou assim: “É, mas ela é minha filha”. Eu falei: “Se ela é tua filha, por que não pegou no espírito? Não pegou, enquanto era espírito? Esperou entrar dentro de mim pra agora você pegar? Olha quanta gente que tem quatro, cinco filhos”. Ela falou: “Lá, eu não posso ir!” (risos) “Ah, e o que eu vou fazer sem ela?” Aí, ela, plum, a menina ficou de pé de novo. “Eu não quero ir com você.” E aí começou. Já tinha vindo virada, aconteceu tudo isso. Aí, menina... É isso que me faz ter um pouco mais de paz, que ela tem que estar longe, mas está longe e está cutucando. Ela já entrou não sei quantas vezes nesse tal de Face aí, entrou não sei quantas vezes. Porque ela é assim, ela está longe, mas quer ficar cutucando, infernizando, pintando. Aí, ela joga a culpa em mim. É ela que me procura, ela que não presta. Na frente do juiz, do pessoal, ela falou: “Você queria dormir com meu marido, você não presta. Por isso, ela ama ele, é apaixonada por ele, por isso está inventando isso”. Aí, eu fui deixando, falei para o advogado: “Deixa, porque nós estamos lutando com uma coisa que não vai prestar, e ele é ruim, ele bate nela, bate nas crianças, ele faz essas coisas malvadas, que eu não sei direito o que é! Mas o menino estava reclamando, e a história é ela que quer contar, do jeito dela. A verdade, ela não quer ser exposta, então, tem que correr dessa gente”. Então, prefiro. É doído, é sofrido, eu tenho minhas condições de sobreviver, de ter alimento, de tudo. Mas é muito triste (choro). É muito triste, é muito doído! É muito doído demais a gente não ter família, eu sinto que minha família está lá também, não é mais aqui. Eu sinto que não tenho mais que ficar aqui, eu só tô sem um empurrão, uma condição pra eu ir embora, mas uma hora Deus vai abrir um caminho pra mim. Eu não preciso do dinheiro pra eu sobreviver, eu precisava encontrar alguma solução pra me encaixar, igual agora estou me acabando toda noite procurando quarto, essas coisas pra mim. Não está difícil pra ir, mas às vezes uma pessoa mais poderia... Uma hora, eu vou. Uma hora, eu vou e vou esquecer tudo isso, vou lembrar as coisas boas e eu sei que tem crianças que precisam de mim. Então, Dia das Mães, eu vou a orfanato! Eu levo bolo. E passo com as crianças. Natal, eu vou à igreja, sou católica, assisto à missa e, se ninguém me convidar, eu não vou na casa de ninguém, eu fico na minha casa. Aí, eu me abraço (choro), faço minha janta e como, fico lá assistindo televisão, mas passo em paz. Em paz! O que adianta passar com ela, e ela lá na cozinha falando mal de mim, me xingando? Vou na casa da minha mãe, e eles bebem, bebem, bebem, daqui a pouco: “Vamos bater nela”. Juntam três ou quatro pra me bater, não adianta. Então, eu passo assim. Aí, algum Ano-Novo, eu vou ao Bar Brahma, passo lá aquela noitada do Bar Brahma, que é muito gostoso. Quando a gente vê, já passou a noite, só dança, aquela coisa chique! Ah, tem que fazer a prestação pra passar umas horas lá, 500 reais! Mas pagava. Guarda dinheiro o ano inteiro e depois paga a prestação, compra roupa. E passava. Agora, está mais difícil, eu aposentei, já não ganha tão bem, tem a aposentadoria do meu marido, mas o dinheiro que veio, eu comprei esse apartamento e o restante eu ajudei ela no casamento, reformei a casa do Metalúrgicos e acaba, né? Acabou. Então, eu vivo só agora com o dinheirinho que eu tenho da pensão e da minha aposentadoria, que eu ganhava dois mil e 800 e desceu pra um e 400. Difícil a pessoa sobreviver, né? Mas eu fui inteligente, não fui boba, não. Tenho um apartamento gostoso, muito bom, mas é vazio. É vazio e é isso.
P/1 – Pode falar se eu tiver errada, se eu usar as palavras erradas, tá, Dona Ivani? Mas como a senhora cura essa carência de contato físico?
R – (choro) É procurando sempre alguém, é andando pela rua olhando para as pessoas, para quem me nota, pra quem olha pra mim, pra quem sorri pra mim. É isso. É procurar. É gostoso, tem dia, ficar sozinha, ficar em casa, ficar sem roupa, ficar lendo um livro. Tem dia que leio um livro em dois ou três dias, um dia. Mas não tenho contato. O contato que eu tenho hoje, dessa carência, eu tenho com o Gerson, com a mulher dele. Mas não tem assim aquela pessoa que eu falo: “Oh, fulana, hoje eu fiz isso”, não existe, isso é muito doído! Eu sou a filha mais desprezada, mas também aquela que olha mais pela minha mãe, aquela que leva mais as coisas pra ela, que tô lá a cada 15 dias, de sábado e domingo, não posso ir porque minha irmã me bota pra correr com um pedaço de pau, com faca, com tudo, então, não dá pra ir. Então, chega lá, e ela não me conhece, não tem carinho, não tem nada. É uma coisa assim. E tudo que a gente faz de bom pra uma irmã ou pra outro, acabou de fazer, eles botam pra correr, não precisa mais, vai-te embora. A outra estava lá, a Rosângela, quase pra amputar a perna, eu ia todo dia no hospital, estava trabalhando ainda de enfermagem, ia tentar resolver as coisas pra ela, queriam amputar a perna dela: “Ah, mana, eu quero banana-prata”, levava banana. “Ah, mana, eu quero água de coco”, levava água de coco. “Ah, você vem amanhã conversar com o médico?”, ia conversar com o médico. “Ah, você vem depois porque precisa resolver isso, não sei o quê...”, tá bom. Quando saiu do hospital, me xingou de tudo quanto é nome. “Você é vagabunda!” Saiu tudo que tinha que sair. Ah, é? Então, não converso mais. Então, se eu não sou aceita, não posso mais bater de frente com nada, fico aí, mas minha vontade é ir embora. Eu quero ir embora pra Portugal, pena que não dá pra ir de uma vez, porque tem que chegar lá, ficar um tempo, arrumar a casa e tudo, tem que ficar morando nesses compartilhados pra depois levar as coisas e não dá pra levar tudo de avião, não sei. Estou pedindo a Deus que ele ilumine alguma coisa. E eu acredito que ele vai iluminar alguma coisa pra mim, que é minha maior vontade, já que eu vim, talvez, errada. (risos) Como é que é? O estranho no ninho, né? Que isso já vem desde pequena, eu já vim estranho no ninho, então, tenho que achar minha ninhada. E lá eu tô em casa, a educação, aquela coisa que eles têm, não, minha filha! Você se sente rainha.
P/2 – E como a senhora imagina a sua chegada pra essa vida nova? Como imagina esse dia?
R – Ah, eu imagino assim, sabe? O passeio é uma coisa, a morada é outra, eu já me imagino, na realidade, eu já venho pedindo pra Deus pra ele preparar. E eu falo pra ele preparar um marido e quem é esse marido, peço que ele seja europeu, não sou tonta. Eu pedi o Macedo, e o Macedo veio daquele jeito, ainda vem sem algumas coisinhas que eu falei. Então, agora, eu quero isso, então, eu quero isso. Eu imagino que, como eu sou aposentada e eles facilitam a entrada do aposentado lá, então, eu tenho, a minha renda cobre o que eu preciso entrar. Eu não posso entrar, se não cobrir a renda, então, eu tenho uma renda que eu posso entrar, eu tenho residência fixa aqui. Mas sabe quando você não sabe lidar com as coisas? Eu sou sozinha, se cair um grampo lá em casa no chão, fica lá o mês inteiro, ninguém pega, ninguém liga pra mim: “Ivani, você tá bem?”, não. É eu e eu. Então, a minha chegada lá, eu imagino que, como eu já conheço, é novidade, inicialmente quero ir passear. Obviamente, logo irei me casar, porque eu não vou lá pra prostituir. Eu vou com as minhas condições de vida e talvez, se eu não puder morar numa casa sozinha ou num quitinete, inicialmente eu vou morar num quarto. Nesses compartilhados e, depois, sei lá, Deus, eu acredito que Deus vai preparar alguma coisa boa pra mim.
P/1 – E como é esse esposo que a senhora tem pedido?
R – Como é?
P/1 – Quais os pedidos pra esse esposo que vai vir ainda?
R – Ah! Ele é tudo de bom. Seja marido. Que seja homem, porque tem muito homem enrustido, né? (risos) Que ele seja meu marido, que ele seja homem, que ele seja fiel, que ele seja protetor, defensor, honesto, saudável, que ele tenha uma situação financeira abundante, que ele goste de viajar muito e que ele goste de fazer reuniões com os amigos. Porque, quando eu pedi da outra vez, eu pedi errado. Então, que ele goste de mudança, porque a pessoa que não gostar de mudança, de conforto, né? Se a gente pedir certinho, está na geladeira, todo dia de manhã, eu vou lá ou pego do caderno, sento, faço minha oração diária e peço e, mesmo que eu não pedi, chegando lá é difícil uma negra ficar sozinha lá. Entre eu e vocês aqui, eu me destaco, eu desci e acabou, não tem pra ninguém. Eu quase fico no aeroporto da outra vez. Eu estava com a viagem marcada pra fazer turismo, a pessoa falou: “Não, você é minha esposa, e você vai ficar aqui e depois nós vamos já resolver, vamos...”. Falei: “Não, não posso”. Então, eu sei que não vou ficar, né? Eu tenho boa aparência, tenho estudo, tenho minhas condições de vida. Então, é diferente de uma pessoa, eu sei a minha qualidade, que não é difícil. Sou bem tratada. Então, essa é a minha vontade e o meu desejo disso, que eu acredito que Deus vai me dar força, vai me mostrar um caminho, é que, quando chegar época de frio, vem pra cá, eu tenho minha casa, mas eu não tenho mais vontade de ficar aqui. Eu ando na rua e por um lado eu tenho tudo isso pra passar, do outro lado, a gente anda na rua e as pessoas mal educadas, você entra numa condução, as pessoas mal educadas, uma grosseria! Você não pode fazer assim que a pessoa já tá querendo meter o braço na gente, xinga a gente, se é um rapaz, xinga a gente de tudo quanto é nome. Se é uma mulher, xinga a gente. Então, no Brasil, eu me sinto mal, eu amo isso aqui, amo! Eu nasci e criei aqui, mas eu não me sinto bem mais. Eu saio na rua com medo. Não só medo de ser assaltada, mas medo da malcriação que as pessoas fazem com a gente. Se você vai num lugar, as pessoas mentem, as pessoas enganam. Às vezes, a pessoa está ali com documento pra entregar e não entrega! Só de maldade, de preguiça, ficam tudo olhando no tal do “uapizap”, né? Não é isso? Você está falando: “Aquela blusa ali, moça, por favor?”. “Olha lá, senhora.” “A senhora pode ver isso?” “Olha, ali.” Fica assim, feito boba no local, não tem atenção. São Paulo sujo, não aguento ver aquela imundície lá na cidade, ver aquelas coisas da Júlio Prestes de tudo, não tem condições de andar em lugar nenhum, em lugar nenhum. Isso está me sufocando muito também. Mas o que mais me dói, eu tenho vontade, se eu não fosse, eu poderia viver em Curitiba, mas eu quero ir embora bem distante, pra esquecer, tentar apagar que um dia eu fui mãe (choro), que eu não tenho mãe também, que não tenho irmão, não tenho nada! (choro) Eu queria tanto apagar isso. Eu queria tanto ir embora. Eu queria tanto! Se eu pudesse, eu iria hoje. Minha passagem está para o dia 22, mas não sei se vou conseguir ir. Ah, meu Deus, mas eu queria tanto ir embora. Esse é meu maior desejo. Começar longe de tudo isso aqui, de todas essas mentiras, de todas essas acusações. Eu vou todo mês no fórum assinar, acaba agora em dezembro, mas eles falam que, se eu for viajar, essas coisas, não tem problema. Você imagina os primeiros dias que eu chegava lá, não conseguia nem assinar. Que chamam, que tem que marcar presença lá. De um filho que é errado, de um filho que é nojento, de um filho que ele é... Ele tem só maldade dentro dela e ainda vira o jogo contra mim. A justiça brasileira era muda às coisas. Aqui, a gente é muito chamada de macaca, os negros, é muito chamado de macaca, na terra onde que é tudo misturado, onde não tem uma raça pura, onde todos nós somos de ancestrais negros. As pessoas humilham a gente, são humilhadas. Em quase todos os lugares. Então, isso não me agrada mais. Não me agrada mais. É isso aí.
P/1 – Vamos tomar uma água?
R – Vamos, mas eu estou bem. A gente precisa pôr, porque eu não choro, eu não fico em casa chorando por causa da minha filha: “Ah, eu queria que ela estivesse aqui”. Ah, que estivesse aqui me humilhando? Ah! É ruim, hein? Ela é tão, ela consegue manipular tanto que, quando minha irmã estava grávida, minha irmã foi pra minha casa, que não estava passando bem, ela deu duas pílulas pra soltar o intestino e ela ficava rindo. Ela já tem esse espírito de maldade, de manipular as coisas. Então, tem que correr! Corre! Eu prefiro, eu sei que lá eu vou encontrar uma família, eu vou encontrar um companheiro e que ele vai ser meu companheiro até a morte me separar. E lá a limpeza, a educação, sabe? Eu preciso disso. É disso que eu preciso.
P/1 – Sabe o que eu queria saber da senhora?
R – Pode perguntar!
P/1 – Porque, recuperando o que a senhora tinha falado na infância, da parte das músicas que a senhora ouvia, como ficou essa parte cultural na senhora?
R – Então, é exatamente isso! Isso aí eu vou, eu gosto de ir em teatros, eu gosto de ir em jazz, essas coisas que são de lá. Porque aqui no Brasil temos orquestras, Orquestra de São Paulo! É que, quando estou nos lugares simples, eu não sou de ficar falando. Mas eu gosto de tudo que é bom, de tudo aquilo que me traz cultura, a orquestra é bom porque aqueles sons aliviam bastante. Temos também... Às vezes, tem jazz. Às vezes, em algum teatro que vai passar algum cantor ou que vai tocar e vou muito também. Outro dia, vim aqui assistir o Leão da Terra, com a Regina Duarte. Então, eu vou sozinha. Os outros falam... Ontem mesmo, um rapaz me xingou tanto, que é um brasileiro, me xingou tanto que eu ia sozinha. Mas, se eu for ficar dormindo, chorando lá em casa, minha filha, já vou internar! Já põe aquela roupa branca, já fica com a bolsinha cheia de remédio. Não pode. Então, toda sexta-feira, eu compro a revista, Folha de S. Paulo, tem um outro que vem o guia. Aí, eu olho, vejo o que tem, o que dá pra ir próximo eu vou, o que dá pra ir de carro, eu vou, o que não dá, eu vou de metrô, o que não dá, eu vou no domingo e vou pra praia. Se der praia, eu vou sozinha, se não tem ninguém, se for pra me perturbar atrás de mim, ficar me dando dor de cabeça, ficar me xingando, porque ela tem carro e eu não tenho. “Ah, porque você está esnobando...” Então, fica aí e vou sozinha, chego lá e faço amizade com o pessoal da minha qualidade. É isso! As músicas pra mim são muito lindas, muito bom. Na minha casa, tem de tudo, tudo coisa boa. Tem uns sons lá que você viaja. Algumas amigas, amigos meus que vão em casa não têm vontade de ir embora, de tão gostoso que é.
P/1 – Qual música te faz lembrar da sua infância?
R – Orquestra de Beethoven. Beethoven, essa me faz lembrar bem porque eu me lembro daquele dia que eu ouvi isso, pra mim é muito importante. Muito importante. Agora saiu, na cidade, vende uns pen-drive já com música. Essa semana que passou, eu fui comprar e o cara me deu um errado. Fui lá e troquei, troquei por jazz. Só essas coisas. Às vezes, também aquelas indianas, que é só tocada no sopro, naqueles instrumentos feitos de bambu, aquilo é lindo. A gente vai embora assim, sabe? Aquilo vai acalmando, vai dando uma paz. E, aí, a gente vai viajando. É isso que eu sinto vontade, são essas coisas. Às vezes, eu ouço algumas coisas, mas não é meu fraco não. Isso não coisa muito.
P/1 – Tem mais alguma história que a senhora queira contar pra gente, Dona Ivani?
R – Ah... Eu acredito que ela está quase pra finalizar por aí, né? Minha mãe, que me judiou tanto, que me deu tanto desprezo, meus tios quando, às vezes, veem eu lá, dizem: “Olha aí, veio aqui se arrastar”. Mas eu vou lá, ela fica que parece fica me chamando pra defender ela. Aí, chega lá, eu tenho que fazer unha dela, porque as cuidadoras não fazem unha, as cuidadoras não fazem nada. Aí, eu tenho que fazer unha, tenho que levar roupa, tenho que levar as coisas pra ela. Eu faço, porque tem que fazer, né? E, pra amanhã, na hora que ela partir, eu tô em paz. Porque ela poderia não gostar de mim, como ela disse várias vezes, mas ela não me abandonou, ela me criou. E, quando nós estávamos construindo lá no Silveira, que ela construiu lá, ela deixou nós na casa do meu avô e, quando ela ia visitar, dormia meu irmão e minha irmã do outro e eu todo dia lá no pé. Ela dizia: “Meu filho está aqui, minha filha está aqui, ah, você vai para o pé”, sabe? “Você vai para o pé.” Mas eu tive muito carinho foi com minhas vizinhas, as minhas vizinhas viam que eu era a que a mãe largou (risos). Sempre tinha uma, lá na Casa Verde foi a Dona Cida. E, aí, no Silveira, foi a Dona Tereza, aquela que é mãezona de todo mundo, todo mundo come, todo mundo chega, chega Benedito, chega criança. Então, a Dona Tereza, ela não sabia ler e nem escrever, mas, se eu precisasse dela, ela estava ali. Quando meu marido me abandonou praticamente no altar, ela me acolheu, eu fiquei uns dois dias lá, ela me dando medicamento, me ajudando. E tudo era ali, ali a gente comia, ali a gente bebia, ali a gente escutava música, então, eu tenho uma recordação dessa Dona Tereza como se fosse minha mãe! Porque ela que me dava tudo aquilo que precisava, conversar, carinho. Minha mãe não era de beijar, meus irmãos eu não sei, mas minha mãe não era de pegar e abraçar e beijar a gente, não. Eu não me lembro de beijo dela, de aconchego, daquelas coisas gostosas. Minha mãe não teve. Então, quem teve mais foi meu marido, meu marido foi mais meu irmão, meu pai, meu amigo. E a vida, ela se segue por aí. A vida é uma surpresa, uma caixinha de surpresa, é um palco que abre e cada dia tem uma cena diferente. E nós temos que estar preparados, e eu creio que estou preparada pra... Já passei por piores e, agora, nessa idade, eu só acredito que está um caminho aberto pra eu conseguir ser mais feliz, porque feliz eu já sou, por ter saúde, por ter o meu físico certo, completo. Por ter onde viver, comer, se alimentar. Então, isso é muito importante e eu sou feliz, agora, a gente quer ser mais feliz. E é isso, querendo ser mais feliz. E eu acredito naquele Jesus Cristo, que ele possa ir na hora certa e eu termino aqui.
P/2 – Eu fico admirada. Eu peguei só essa segunda parte da entrevista da senhora, mas a senhora passou por muita coisa e a autoestima da senhora, a senhora se gosta muito!
R – Precisa.
P/2 – E a senhora não depende de outra pessoa pra se gostar desse jeito, né?
R – Não.
P/2 – A senhora consegue ver a sua beleza interior e não precisa de alguém sempre ali, né?
R – Não.
P/2 – E eu queria saber como que a senhora foi construindo isso pra si? Como que foi essa construção, apesar de todas as dificuldades que a senhora passou?
R – É, a gente tem que... Se vê que, de um lado, não dá, você vai pulando. É como você vive numa empresa, como você vive dentro de casa. Aquele irmão não te dá atenção, você vai para o outro lado. E você vê que aquele não dá, você corre lá para o vizinho para brincar com o vizinho. E, aí, vai. E eu sei qual a razão espiritualmente ou porque que vinha essa história da minha vida, de viver isso, né? Eu ainda não tenho o porquê, até descobrir que eu tenho que seguir pra lá, eu já sei, agora descobrir o porquê que eu vim assim, eu não sei. Então, a gente tem que procurar isso e eu não tenho restrição pra conversar com as pessoas! Eu converso com as pessoas, desde a pessoa simples até um diretor ou pessoa qualquer. Se a pessoa for simples, eu vou simples, se precisa falar difícil, eu falo difícil. Agora, se eu chego perto de uma pessoa e ela é simples, eu não vou ficar: “Ah, eu sou enfermeira formada!”, não vou. “Ah, a vida tá difícil, né?”, e assim vai, pra gente poder sobreviver. Porque a sobrevivência, a gente tem que fazer dessa maneira, tem que ter calma e, onde não tá bem, é fugir. Eu prefiro passar um Natal, como muitos dias passei, sem chorar! Eu vou, às vezes, ver minha mãe de manhã ou, então, vou dia antes, que é pra não causar. E, no dia do Natal, se uma amiga me convida: “Ivani, vamos passar o Natal?”, tudo bem. Se não convidar, eu fico quietinha no meu canto, aí, vou buscar o Espírito Santo, vou lá, falo: “Deus, aqui tô eu, se eu for pra lá, eu vou, não vou nem conseguir comer. A mesa cheia de coisa e não vou conseguir comer”, porque é um tal... Não sei te explicar. Um está rindo ali, outro está me apontando ali, outro está me chamando de feia. “Nós não gosta dela, daqui a pouco nós vamos botar ela pra correr, né?” “Vamos fazer isso? Vamos.” Aí, ajunta a turma e vem. Então, é preferível estar na minha casa. Hoje em dia, um Natal bonito é difícil, porque, hoje em dia, você vai na casa das pessoas e está todo mundo de roupa nova, todo mundo exibindo um celular que comprou, mas ali não tem uma paz também, está aquele bebeção, que bebe, bebe, bebe, daqui a pouco, vira uma discussão, porque a outra trouxe a maionese que não prestou, a outra comprou aquele celular que é pra esnobar. Aí, daqui a pouco... Não existe mais o Natal! Que o Natal, antigamente, era hora da ceia, era a coisa mais linda! Hoje, cada um come, enfia a mão e sai pra lá. E já sai brigando e já vai lá pra calçada. Ninguém dá bola um para o outro, não tem oração, não tem troca de palavra bonita, acabou. Natal era uma coisa completamente diferente. Então, a convivência, igual mudando lá na Europa, cada quarteirão tem uma igreja. Cada quarteirão tem uma igreja. Então, a representação família... A minha é isso aí, nem tenho. Mas a maior parte também não tem, porque a maior parte não está mais ligada. Antigamente, como te falei de televisão, aqueles dias que a gente assistia televisão na casa dos vizinhos, então, se sentava. Hoje em dia, você não vê criança se sentando pra comer, um já põe no prato, vai com o prato lá na sala e come ali assim, oh. A mãe chega às oito, o outro chegou às sete, um fez um lanche. “Cadê fulano?” “Tá no quarto.” “Cadê sicrano?” “Tá no quarto.” Tá um com a namorada, outro no outro quarto com celular, com tablet, com tudo e ninguém tem mais aquele amor. É muito difícil você encontrar uma família que realmente está com esse laço. Principalmente, nesses países assim como o nosso, é muito difícil. Se tiver, poucos que têm aquela coisa bonita, aquela coisa de estar aos domingos, de estar num feriado, de estar numa Páscoa ou num fim de ano. Quando alguém me convida, eu chego lá e fico assim na família, daqui a pouquinho é só pau! Aí, daqui a pouco: “Vamos Ano-Novo pra praia”, daqui a pouquinho, é só briga. Parece que sente o cheiro da maré e já começa a discussão. Eu fico olhando. Eu passo a mão no meu carro... Quantas vezes que eu desci pra praia com o pessoal e daqui a pouquinho vira toda aquela bagunça e eu tenho que pegar e, oh, subir correndo? Porque é muita... Não tem mais respeito. Então, o que você está me dizendo é isso, que a gente tem que se acostumar e ir buscar onde a gente sabe que é possível. E, pra mim, que eu sinto que é possível é lá. Onde poderia ser mais seria Florianópolis, Curitiba. Mas eles já estão mais brasileiros também, já não estão quase igual, então, já muda. Pegou o ar e vai pegando também a mudança (risos). É! Lá em Curitiba, você não acha um papel no chão. Você já foi pra Curitiba? Então, você acha um papel no chão? Não acha, Curitiba é difícil, Florianópolis também, você anda lá e aquela limpeza, mas eles já estão com os hábitos daqui! Já estão com os hábitos daqui.
P/1 – Tenho mais alguma pergunta... Posso fazer a última ou a senhora quer contar mais alguma história?
R – Não tenho como contar muita coisa, não. Só ia dizer que era muito bonito, né? Quando meu avô era vivo. Que a gente sentava numa mesa de 12 pessoas, chegava na hora do Natal e, aí, meu avô ficava numa ponta, minha avó na outra e ninguém mexia naquela comida enquanto não se falasse. Então, cada um falava uma coisa. Passo a palavra para o fulano e aí: “Desejo a todos...”, aquela pessoa de pé, sabe? Era muito bonito quando o meu avô era vivo. Porque eles eram daquele tempo de respeito. Então, essa época foi muito linda. Meu avô foi meu padrinho, então, às vezes, chegava Natal, a gente ia pra casa deles, Natal, algum Ano-Novo, e era muito bonito. E a gente não tem nada mais disso. E eu só fico pensando que não quero ficar aqui porque eu não quero ficar jogada. Porque, por mais que eu me cuide, eu levanto, faço minha oração, vou tomar meu banho, passo perfume, penteio o cabelo, eu faço as unhas duas vezes na semana, eu mesma. Eu vou à igreja, eu vou caminhar. Eu faço várias atividades. Mas eu estou só, eu caminho só. E não é bom, só isso. Não encontra, e, outra coisa também, antes só do que se eu me jogar pra arrumar um rapaz e ele vai aproveitar de mim, se aproveitar do meu salário, vai na minha casa e ainda vai me roubar. Porque é assim, eles não querem nada, os rapazes vão querer as menininhas. Os de 40, 50 anos querem as menininhas! Você já viajou de navio? Vai de navio pra você ver! Você vai no navio, aquele homem gordo, barrigudo, aí, olha do lado, uma menininha com uma baita de uma aliançona. Ai, “nossa, olha aquele senhor casado com aquela senhora, ela, a filha, e ele, o pai”, daqui a pouquinho, estão beijando. Um homem velho, barrigudo, com uma menininha de 15, 16 anos. Então, eles não querem mais nada daquilo, está tudo largado. Do jeito que está, a facilidade, as mulheres hoje, namorar, elas falam que estão casadas. Elas conhecem o homem hoje, levam pra casa e já está dormindo lá na cama. E a mãe ainda está levando café para o rapaz! Então, quem é quer responsabilidade? Quem é que quer ter uma vida, aqui, digna? Ninguém! Ninguém quer. Ainda falam: “Estou solteira”. “Mas você casou quando, que não estou sabendo?” “Ah, não, meu namorado desistiu.” “Mas você era casada com ele?” “Não, ele dormia lá em casa, estava há um ano.” Acabou o mel, o cara vai embora. Uns ficam duas vezes, outros ficam uma semana e outros não ficam nem um mês. E é isso. Então, aqui, se eu for esperar que vou arrumar alguém, só se ele vir de lá pra cá!
P/1 – (risos)
R – Só se Deus trouxer de algum canto. É isso. Eu quero qualidade de vida, aquilo que eu gosto. Estar aqui dentro do meu eu, do meu ser, no meu espírito.
P/1 – Pra encerrar, eu tenho uma pergunta.
R – Pode fazer.
P/1 – Como foi pra senhora, nesses dois dias, contar a história da senhora pra gente?
R – Ah, foi que eu já estou esperando há muito tempo. Estou esperando há muito tempo, e Deus achou que teria que ser dessa forma. Quando ligaram, eu tive uma felicidade muito grande e eu pensei que eu ia fazer a história da patinha feia, contando só da minha mãe, mas depois a coisa vem e a gente fala tudo. Foi muito emocionante, eu saí daqui naquele dia e chorei muito em casa. Chorei muito, muito, muito. Eu chorei de realização por ter conseguido, eu falei: “Meu Pai, eu não sei o que vai ser de mim e não sei pra onde vai essa história e o que vai ser aproveitado disso tudo, mas a coisa que eu mais queria era isso”, na parte de fazer essa gravação. Aqui, tudo que eu disse é uma realidade, é difícil, às vezes, falar. Eu saí daqui e fiquei me segurando pra não falar sobre minha filha, mas ela é a minha história também. Seja feia, que eu cheguei em casa e chorei muito, eu falei: “Eu vou falar isso. Eu tenho que falar porque isso aqui é o que ocorreu com a minha vida”. Aí, eu pensei em ligar pra você. Falei: “Não! Ah, eu vou marcar no papel? Não vou, não! Bom, queira ou não queira, eu vou levar essa foto dessa menina aqui”, que eu tenho ela pequena. Vou levar a foto e vim no ônibus pensando assim: “Será que eu posso chamar de anjo? Será que posso chamar de anjo e o demônio? Será que eu posso chamar de espírito do mal?”. Aí, eu fiquei imaginando e, depois da primeira, eu já vim preparada pra falar de tudo. E é isso, a gente, às vezes, acha que vai guardar e depois sente a necessidade de colocar. Porque a vida prega muitas surpresas, e a gente não queria falar porque mexe, mas é um mexe que faz bem, porque eu não sei, torno a afirmar, não sei pra onde vai. Dela, eu não sei. Pode virar uma história, pode virar alguma coisa. Agora, do meu querer também eu não sei. Se eu posso amanhã ou depois pegar isso, sei lá, um amigo, alguém entregar pra alguém pra me ajudar não em dinheiro, mas que eu posso ganhar uma casa lá, que eu tenho direito, mas eu já fui e já lutei e não consegui, porque eles não aceitam, né? Esconde papel, faz isso e faz aquilo. Então, eu disse, fiz a parte e isso é gostoso, isso é muito bom, a gente conseguir colocar. Se amanhã ou depois, eu vou ficar com isso, os meus netos vão ouvir. É! Se eles me aceitarem também, porque não sei se a cabeça está feita. Mas um dia também eu posso conhecer alguém e falar: “Ah, eu não vou contar, você quer ouvir? Toma isso aqui e vai lá e ouve!”. Não é, não? E eu me senti muito bem aqui. Muito bem recebida, e é isso que é o mais importante da vida. Você conseguir... Às vezes, a pessoa dá oportunidade e chega na hora certa! São anos que eu queria falar isso, e eu não conseguia. Outro dia, a menina me chamou pra eu ir num programa: “Ivani, vai lá pra ver se você consegue fazer isso, a sua mudança, a sua história é linda”. “Mas eu, toda patinha feia?” “Ivani, vai!” E eu não conseguia! Olha por onde veio. E a patinha feia já estava pronta. Mas eu não sou patinha, eu sou gente! Então, teve que demorar tudo isso porque, até nesses lugares, uma coisa gravada pra eles é muito melhor. A gente vai ver toda emoção da pessoa. Se eu tivesse um amigo, alguém, sei lá, Deus vai preparar alguma coisa, eu tenho certeza. Como eu já falei pra você, não tenho interesse de dinheiro, só tenho interesse de resolver isso pra eu ir embora. Ah, mas é tão lindo! Eu fico viajando vendo minhas fotos. E, sei lá, foi muito bom. A palavra que eu tenho pra dizer é isso.
P/1 – Última pergunta, pode ser uma coisa super rápida, não precisa ser uma coisa muito... O que vier na cabeça! O que o patinho feio virou?
R – O patinho feio virou? (risos) Ele já está virando, né? O patinho feio virou artista! O patinho feio, ele ganhou a liberdade! Porque tudo aquilo que a minha mãe, tudo aquilo que a vida me proporcionou me fez crescer, me fez crescer. Tanto é que eu sou invejada, eu sou linda, eu sou bonita, eu sou inteligente. Eu sou carismática, eu tenho o dom do Espírito Santo! Isso é a coisa mais linda pra mim. Então, o patinho feio é um ganso lindo! É um ganso lindo, e isso que é importante. Eu sou amada pelas pessoas que eu encontro, que sorriem pra mim, porque, às vezes, tem pessoas que não vão ficar na sua vida cinco meses, um ano, dois anos, ela te passa e fala: “Oi, bom dia!”. É isso.
P/1 – Muito obrigada, Dona Ivani, por ter voltado, por ter contado, por ter compartilhado sua história linda. Muito, muito, muito obrigada.
R – Que vocês tenham bastante sorte e que vocês possam, às vezes, fazerem isso também, um grande proveito da vida de vocês, tanto material como espiritual. E a maior riqueza que nós podemos carregar e maior felicidade é a vida espiritual, que é a paz, a sabedoria. É o que eu tenho a dizer.
P/1 – Obrigada, Ivani.
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