P/1 – Senhor Ricardo, primeiramente,muito obrigado pela sua participação aqui no nosso projeto. Eu gostaria de começar perguntando para o senhor o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Certo. Eu nasci, na verdade, aqui na capital de São Paulo mesmo, tenho 44 anos e nasci dia cinco de abril de 1967.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Rademir Martin e a minha mãe é Gilda Joanita Martin.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Eu tenho dois irmãos e uma irmã.
P/1 – E o senhor é o primeiro, o segundo?
R –Eu, na verdade, eu sou o terceiro, né?
P/1 –O caçula?
R – Não, tem um abaixo da minha pessoa. Nós somos em quatro e eu sou o terceiro.
P/1 – Em que bairro aqui de São Paulo o senhor nasceu?
R – Eu nasci no bairro do Tatuapé, no hospital Cristo Rei.
P/1 – Como era a sua casa, a rua em que o senhor morava?
R – Olha, era uma rua muito gostosa, era uma época onde eu aprendi a jogar peão, bolinha de gude. Os vizinhos faziam aquelas fogueiras de São João, e hoje, infelizmente, eu falo pro meu filho a respeito de jogar peão, ele fala: “Pai, o que é isso?”, aí, eu falo, “Tem a fieira, tem isso...”. Eu fico chateado. A modernidade ajuda, mas, eu fico chateado porque eles não desfrutam daquelas raízes que nós passamos na antiguidade, né? Apesar de que eu não sou tão antigo, mas eu vejo que hoje, a minha preocupação é maior, porque o meu filho não pode nem sair na rua, né? Então, quer dizer que tempos passados eram maravilhosos! Aminha infância foi uma infância muito gostosa, eu admiro e hoje eu vejo que a gente era feliz no passado! Não se tinha muita modernidade, não podia se tomar muita Coca-Cola, mas, nós tínhamos a brincadeira de criança que era muito mais sadia. Você não precisava nem de academia, com movimentação direta e tudo. Hoje já não é assim, né? Então, o princípio da minha infância foi muito bom. Depois a gente deu uma “desmoelada”, né, mas, a princípio, era muito bom!
P/1 – Como era a sua casa nessa época?
R – Olha, a minha casa... O meu avô, o nome dele é Robert Martin, ele veio da Alemanha e ele era construtor. Então, a minha casa na (rua) Eloisio de Camargo, número 416, era uma das residências mais bonitas. Era uma construção pra época, assim, muito moderna. Era um ponto de referência ali. E o meu pai seguiu a profissão do meu avô, que era construtor.
P/1 – Você sabe em que época o seu avô chegou ao Brasil?
R – Olha, é uma vergonha eu não saber, porque os meus irmãos sabem até falar alguma coisa em alemão, e eu, na verdade, eu sei que o meu avô veio de Berlim, mas eu não me recordo muito a data não. Mas, eu sei que ele veio fugido na verdade, né, na época da Primeira Guerra Mundial ou da Segunda.
P/1 – E foi ele que chegouao bairro do Tatuapé?
R – Não. Na verdade ele ficou na Vila Esperança mesmo, que é pegado com o bairro da Penha, mais conhecido, o distrito Penha, né? Ele se instalou ali e ali mesmo já começou fazer bastante construção, mas, infelizmente, logo ele veio a falecer. Eu tinha uns oito anos de idade quando isso ocorreu.
P/1 – Como você descreve o seu pai e a sua mãe?
R –Olha, a gente aqui não pode deixar de falar a verdade, né, não fizemos nenhum juramento, mas, na verdade o meu pai foi um homem que trabalhou, lutou pelos seus objetivos, agora, se eu for analisar mesmo, acho que ele não alcançou aquilo que ele queria.Ele [meu pai] partiu, faleceu logo, com 52 anos, então, eu acho que ele não realizou aquilo que ele queria mesmo. E a minha mãe sempre foi doméstica, sempre teve aquela preocupação maior com os filhos, de cuidar, de correr atrás, e nós tínhamos falta de muita coisa na infância, de roupas, de alimentação, essas coisas assim, então, eu comecei a trabalhar com, praticamente, dez anos de idade. Nós tínhamos uma família do lado da minha casa que tinha um comércio, uma loja que teve 40 anos de tradição. Era uma loja localizada na Celso Garcia, que foi onde eu tive a primeira escola de como lidar com o público e o meu pai era muito amigo dessa família, então, pra eu não ficar na rua, minha mãe me arrumou esse emprego e eu comecei a trabalhar ali, praticamente, no ano de 1980, época em que eu entrei pra trabalhar no comércio mesmo, pra ajudar a família, né?
P/1 – O senhor comentou que começou a trabalhar muito cedo no comércio, mas, o senhor tem alguma recordação anterior, do comércio, de uma loja que o senhor visitava, ou que a sua família fazia compras?
R –Olha, justamente onde minha família fazia compra era nessa loja que eu comecei a trabalhar, que era a Casa Irmãos Aguila. Era uma casa que servia o povo, assim, de uma maneira muito boa. Era uma loja pioneira do bairro também e ela lidava com todas as marcas praticamente. Tinha tudo lá! Brinquedo, enxoval, roupas, calçados... Tudo!
P/1 – E a escola? Onde que o senhor estudava?
R –Olha, escola pra mim foi uma dificuldade. Eu estudei no Don João Maria Ogno, né? Eu estudava e, quando eu comecei a trabalhar, eu falei: “Ah, esse negócio de estudar não é comigo!”, eu resolvi parar. Foi uma besteira! (risos). Oportunidade não falta, mas, a gente devido ao cansaço físico agora mas, eu parei muito cedo de estudar. Eu parei com 16 anos de estudar.
P/1 – Você tem alguma lembrança dessa sua primeira escola? Alguma coisa que te marcou?
R –Olha, o que eu gostava da escola, era Educação Física, porque eu sempre me destaquei em jogar bola. Então, o que eu mais gostava era jogar bola, ficar correndo atrás da redonda, foi o que me marcou mais na escola. Do resto, as amizades, os professores que eu gostava, eles falavam que eu tinha futuro, mas, eu fui para o outro lado.
P/1 – Você falou das brincadeiras de criança, além de jogar bola, rodar peão,o senhor tinha mais algum divertimento?
R – A bola, o futebol, vinha em primeiro lugar, né? Esconde-esconde, mula-mula, que você nem conhece isso, né, David?Acho que o moço conhece... (risos). Então, pular mula-mula, eram umas brincadeiras muito divertidas, bem sadias.
P/1 – Esse primeiro contato que você teve lá com o comércio quando você foi trabalhar, como que foi feito? O senhor disse que já era cliente da loja, e de quem foi a ideia do senhor começar a trabalhar lá, partiu deles, partiu de vocês?
R – Na verdade, partiu da minha mãe porque ela viu que eu era um cara assim, meio sem juízo e ela achou por bem eu começar a trabalhar e sair um pouco da rua. Aí, eu comecei a trabalhar. A minha mãe pediu para o vizinho, né, pra abrir essa porta de emprego e eu entrei em 1980.
P/1 – Quais eram as suas atribuições lá?
R –Ali eu era estoquista. Eu comecei como estoquista, ajudava os clientes a carregar o pacote até o carro, começava fazer entrega e ali foi um trabalho que eu gostei muito. Eu comecei a fazer tudo para agradar os patrões. Eu tinha essa mania (risos) de trabalhar em função disso, de agradar quem eu estou servindo, né?
P/1 – E o senhor era remunerado já?
R – Eu já tinha um salário. Eu trabalhava meio período porque eu ia pra escola, mas eu já tinha salário.
P/1 –O senhor lembra o que fez com o primeiro salário?
R – Eu lembro meu querido... Eu não podia esquecer! Eu sempre falo pro meu menino! O meu primeiro salário eu comprei um pacote de bolacha Tostines daquela recheada e um tablete de chantilly e comi tudo! (risos) Foi uma das coisas e o resto eu comprei roupa, ajudei um pouco a minha mãe, não era muito, mas, deu pra fazer algumas coisas, né?
P/1 –E desde então, esse trabalho já serviu pra ajudar na sua casa?
R –É, já dava pra ajudar... Já comecei a me virar sozinho.
P/1 – E essa decisão de largar a escola? Em que situação se deu?
R – Olha, na verdade, foi devido um pouco do cansaço. Um pouco do cansaço. Eu chegava cansado, comecei a faltar um dia, dois dias e, aí, eu pedi pro meu patrão: “Eu acho que eu vou trabalhar o tempo todo”, ia dobrar o meu salário, eu até fiquei espantado, eu estava ganhando x e quando eu deixei de sair mais cedo pra ir pra escola e comecei a trabalhar período integral, eu comecei a ganhar mais. Eu falei: “Opa, o meu negócio é o dinheiro!”, na época. Então, um dos motivos que me fez parar de estudar, foi isso. Aí, eu pensava em voltar, tentava procurar e passou o tempo, eu estou com 44 anos e eu acabei sendo vendedor! (risos). Gerente agora, né, que eu que cuido da loja.
P/1 –O senhor começou a trabalhar novo. Quais as dificuldades que o senhor encontrou no início? O que o senhor mais sentiu falta, sentiu mais dificuldade...?
R –Olha, eu vou te falar uma coisa, eu tive muita sorte de ser empregado de uma família que me conhecia. Desde pequeno, eu frequentava o sítio desse meu primeiro patrão que era da rede Casa Aguila. Eles me ensinaram tudo, foram muito pacientes comigo... Então, na verdade eu não tive muita dificuldade, pra mim foi prazeroso. Eu comecei a ter prazer em trabalhar, devido ao dinheiro também, né? Na hora que eu recebia e gastava, comecei a achar que estava rico, entendeu? Então, pra mim, eu não tive aquela dificuldade. Uma das dificuldades que eu vejo hoje é que eu parei de estudar e isso não é bom pra ninguém, né?
P/1 – E as brincadeiras na rua depois que começou a trabalhar, como ficaram?
R – Aí, rapaz... é pra falar tudo, né, Davi? Aí, o que aconteceu?Eu comecei a ficar mocinho, comecei a sair, a namorar, aí, a brincadeira parou. Aí, o alvo o meu objetivo era curtir, barzinho, roupas e essas coisas todas assim. A minha vida foi pra esse lado aí.
P/1 – E como era a sua turma nessa época? Eram colegas da rua...?
R –Olha, infelizmente eu tive uma passagem meia... Eu tive uma decaída, um lado obscuro da minha vida. Eu comecei a sair pra noitada e procurar algo que fosse satisfatório pra mim e, naquela época, já era perigoso e hoje estão pioresainda as coisas, então, comecei ir pra um mundo que ninguém gostaria de ir, mas eu comecei no mundo das drogas e, pra lá e pra cá, quando eu me vi, eu estava gastando todo o meu dinheiro naquilo que não era lícito, né? Aí, foi desgostoso... Eu estava com 17 anos na época e você começa a ver que você está caindo num poço sem saída, né?
P/1 – Durante esse período você manteve o seu emprego lá na Casa Aguila?
R –Meu emprego...Eu sempre trabalhei. Aí, como eles gostavam demais de mim, eu comecei a me portar dessa maneira, saía de noite, voltava e, eu achei por bem, sair de lá, porque eles cuidavam de mim como filho, eu falei: “Não, está na hora de eu ter minha independência”, e a fase difícil de adolescência, aquela fase dos 17 anos, inclusive eu tenho um filho adolescente e eu cuido dele direitinho, mas, me dá trabalho. Tem que estar ali sempre cuidando, batendo papo, pra que não venha passar o que eu passei. Então, eu saí da Casa Irmãos Aguila e entrei na Romão Magazine, uma grande loja também que foi uma escola. O Romão Magazine é uma escola! No ramo que eu estou, tudo o que eu sei, mais ou menos, eu aprendi lá, nessa loja de calçados.
P/1 – Como que o senhor conseguiu sair da Casa Aguila e conseguiu esse emprego na Romão Magazine?
R –Olha, eu já tinha um currículo de cinco anos com carteira registrada de balconista. Então, quando eu fui pro Romão Magazine, eu apresentei a minha carteira, pedi uma carta de referência, tinha um psicólogo na época, doutor Amadeu, e ele me empregou rapidinho. Eu entrei e era uma loja com uma capacidade bem maior do que a que eu trabalhava, tinham na época 150 vendedores. E, até então, no Aguila, onde eu trabalhei, eu não era vendedor, mas, já estava aprendendo atender, ajudante geral praticamente, já era atendente e tal, então, pra mim, teve uma facilidade. O que não teve facilidade foi lidar com tanta mercadoria que eu nunca vi numa loja, um estoque tão grande daquele!
P/1 – Em que período foi esse que o senhor foi pro Romão Magazine?
R – Olha, foi mais ou menos no ano de 1985 que eu entrei.
P/1 – Mais ou menos, 20 anos de idade?
R –É, mais ou menos 20 anos eu tinha ali.
P/1 – E o senhor continuava com aqueles problemas da adolescência?
R – Problema difícil! Foi piorando, foi se agravando e o bom da minha pessoa é que eu sempre procurei trabalhar, pra não ser pesado pra ninguém, (risos), eu me viro já desde cedo. Então, a minha adolescência foi uma adolescência assim, meio crítica, meio cruel.
P/1 – Como foi esse período de adaptação na Romão? Quanto tempo o senhor levou pra aprender o serviço?
R – Olha, lá é uma escola de venda, né? Algo assim, magnífico! O Romão é um homem muito inteligente, então, quando a gente ia começar a vender, você tinha que ficar cinco dias no estoque pra decorar. É importante falar isso, né? Então, você decorava o estoque, que era enorme, eram três andares de estoque, aí, você ficava cinco dias ali e o Gerente Geral da loja ia na vitrine e falava: “Oh, você me pega esse modelo!”. Ele pedia cinco modelos pra você correr e pegar lá no estoque. Aí, nisso eu corria e tinha tempo, aí, você tinha que vir com cinco modelos. Quando você chegava com os cinco modelos, ele falava, “Agora você vai ficar de sombra”. Sombra, o que é? Ele pegava os melhores vendedores ali da loja e colocava você pra aprender o trabalho. Então, você ficava três, quatro dias grudado com o vendedor. Então, ele ali te ensinava, como era a procedência, como você deve tratar o cliente, como você se portar, como colocar mercadoria, você abria a caixa, não podia deixar jardim, que é um código de vendedor, então, ali foi pra mim uma escola. Teve bastante regra e eu comecei a vender e fiquei muito satisfeito, porque eu estava no Aguila ali, ganhando, na época, eu não me lembro, mas, quando me mostraram o vale que eu ia ganhar no Romão, era quase o dobro. O meu vale era duas vezes mais o meu salário ali, então, eu fiquei mais satisfeito ainda e procurei não perder venda e correr atrás, né?
P/1 – Nesse período o senhor ainda morava com os seus pais?
R – Eu morava.
P/1 – E onde se localizava essa loja da Romão?
R –Ficava ali também na Avenida Celso Garcia, 5421. Hoje ela não existe mais, ela está só no Shopping Tatuapé.
P/1 – E quanto tempo o senhor passou lá na Romão Calçados?
R – Na Romão eu também fiquei cinco anos.
P/1 – E como era aquela loja? Era uma loja bem maior?
R –É, no Romão eu comecei a trabalhar e a gente tinha aquele sistema de puxada, de você fazer arrumação, só que eu tinha facilidade pra arrumar as vitrines da loja, então, eu passei a ser vitrinista e vendedor da Romão. Então, tinha parte da vitrine que eu cuidava lá na Romão, né?
P/1 – Como foi essa passagem do Romão para o Pitta? Aliás, depois do Romão foi o Pitta?
R – Não, depois do Romão... Bom, vai ter corte aí depois, né? Deixa eu te falar, porque eu tenho o meu lado... Você quer que eu conte? Como que eu fui, como que eu fui mandado embora? Essas coisas são interessantes ou não?
P/1 – É interessante.
R – É interessante pra vocês. Então, eu uma vez trabalhando no Romão, eu entrei praticamente fora de mim pra trabalhar, entrei numa situação muito difícil. Eu e mais quatro. Entramos bem mal mesmo, aí, nós fomos mandados embora. Eu fui mandado embora e fui trabalhar na Pontal, no Shopping Center Norte e lá comecei a me destacar, e com vendas eu sempre dei sorte. Precisa ter sorte também, né, (risos). Além de você ter a noção, você precisa depender de sorte. E dali, depois eu saí e voltei pro Pitta. Eu comecei a trabalhar na rua como representante e eu fui vender para o senhor Manoel Pitta que era o meu patrão, hoje falecido. Aí, quando eu fui vender pra ele, ele falou: “Pô, você trabalhou na Romão? Eu sou amigo do Romão...”, e tal, eu falei, “Ah, legal!”. O meu sapato, ele nem quis olhar, aí ele falou: “Você não quer vir trabalhar comigo? Eu estou precisando de um vendedor, de um caixeiro!”. O senhor Manoel Pitta, meu patrão, até o dia da morte dele, ele chamava a gente de caixeiro, não de vendedor, que é bem antigo isso aí, né, (risos) e ele falou: “Vem ser meu caixeiro”, e eu estava na rua financeiramente meio quebrado, porque eu não tinha experiência na rua e vendi pra muito lojista e não recebia. Vendi pra muito picareta aí, e eu acabei tendo prejuízo, aí, eu acabei me encostando ali no Pitta e eu falei pro senhor Pitta: “Olha senhor Pitta, eu vou ficar durante um ano, eu vou me reerguer e depois eu vou sair pra rua”, e isso passou 21 anos que eu estou lá na loja Pitta. Então, eu fui trabalhar na Pontal, depois comecei a ser representante, mas, durante uns seis meses eu não aguentei, aí, eu fui trabalhar no senhor Pitta, onde eu estou até hoje. E também foi uma loja que me deu muita alegria. O pessoal fala: “Poxa, o tempo passou, você não criou muitas oportunidades...”, mas, eu todo dia ali eu trabalho feliz, contente.
P/1 – Só voltando um pouquinho, então, na Pontal como que foichegar lá, trabalhar num shopping, uma mudança...
R – Olha, na Pontal também, devido ao meu currículo que era bom, meu desempenho com a vitrine e tudo e eu sempre tive facilidade de agradar os clientes, então, eu tive facilidade de chegar e já conquistar o meu espaço ali.
P/1 – Ali também eram calçados?
R – Era uma loja de calçados. Era uma rede de lojas e também ali eu comecei a fazer vitrines. A primeira vitrine que eu fiz, o supervisor me tirou de lá pra eu fazer as vitrines de toda a rede, porque ele gostou. Aí, eu já estava ganhando como vitrinista. Aí, o que ele fazia? Eu ia fazer vitrines das outras lojas e ele me pagava pelo primeiro que vendesse na loja. O primeiro vendedor, ele me pagava e, pra mim, era até mais gostoso. Aí, mudou o supervisor e ele mudou a regra. Cada vendedor, cada gerente fazia as suas vitrines. Mas eu corri um bom período nas lojas Pontal, uns seis meses, devido a uma vitrine que eu fiz, que eu aprendi com o vitrinista do Romão. Eles gostaram e mudou a história da loja, da vitrine, né?
P/1 – E qual é a diferença de trabalhar numa loja de rua e trabalhar dentro de um shopping?
R – Olha, o shopping é meio ingrato, sabe? O shopping tem uma dificuldade que eu mesmo não gostei, você não sabia se estava chovendo, se estava sol, se estava frio... A loja não tinha refeitório, você tinha que comer no refeitório do shopping, a loja não tinha banheiro perto, você tinha que se locomover, você estava ali na correria, de repente, você tinha que sair pra ir pro banheiro... É uma dificuldade. É algo que eu não quero pra mim, trabalhar em shopping. Você ganha dinheiro, você vende, mas, não é gostoso. Você perde, assim, o contato da natureza, de você estar vendo o dia, estar vendo a noite, o clima, então, ali, você fica meio que numa estufa, né? Então, pra mim foi bom, foi uma experiência. Não posso falar que não passei pelo shopping, passei durante um período aí, e até tive uma proposta recentemente de voltar para o shopping, na rede de lojas Fascar, um amigo meu é supervisor, que trabalhou comigo no Romão, me viu esses dias aí, me chamou: “Vem trabalhar comigo!”. O salário até que melhor do que eu estou ganhando hoje, mas eu não posso falar não pro Eduardo e deixá-lo na mão, porque o senhor Pitta me fez muita coisa, e eu estou muito bem ali. Então, pra mim não é tudo dinheiro, né, minha esposa trabalho do lado ali comigo, a gente vai trabalhar junto de carro, volta junto e isso vale muito, né?
P/1 – E foi a partir da Pontal que o senhor se tornou representante de venda?
R – Isso.
P/1 – Como foi essa transição? Como que surgiu o convite?
R – Olha, na verdade, eu pensei que eu ia ficar rico! Eu atendendo um cliente, ele falou: “Poxa, você tem futuro, você fica vendendo um parzinho, dois... O negócio é você sair pra rua!”, aí, ele me deu uma marca e eu comecei a vender e a primeira venda que eu fiz pra ele, foi numa rede de loja chamada Calçados Clóvis, que ele nunca conseguiu entrar! Aí, eu lembro que eu consegui vender dez caixas de 15 pares por semana, aí, foi um negócio muito bom pra ele. Eu era preposto dele, ele que era o dono da marca e me dava comissão. Aí, eu lembro que chegou uma vez, ele chegou pra mim e falou: “Olha, Ricardo, eles pediram um desconto na mercadoria e eu não vou mais poder pagar a sua comissão”. Eu fiquei muito chateado, porque eu abri o cliente, aí, na rua, eu comecei a perceber que é cobra engolindo cobra! Eu tive alguns clientes que eu vendi que eu não tive como receber, a pessoa estava quebrada, a firma era pequena, tinha outras marcas também que eu peguei, aí, eu acabei tendo essa oportunidade com o senhor Manoel Pitta, aí, entrei pra trabalhar um ano e estou há 20, (risos).
P/1 – Antes de entrar no Pitta, esse trabalho de representante era como? Era um depósito, o senhor levava um catálogo?
R – Como eu tinha o escritório desse senhor, eu esqueci o nome dele agora, então, eu pegava as amostras e saía vendendo, ele entregava e eu só fazia a minha parte, vendia e ele não consultava, muitas vezes eu ia entregar e receber, porque eu era meia nota, né? Mas eu levei muito cano, viu? A minha comissão quando ele ia me dar, ele falava, “Oh, esse cheque voltou, vai receber!”, e eu sofri bastante também, porque o dinheiro da minha indenização foi acabando e eu me vi sem recursos, né?
P/1 – E o senhor se lembra mais ou menos qual era a média de lojas que o senhor visitava por dia?
R – Olha, na rua, tem que ter uma dedicação, né, e eu na época não tinha carro, então, tinha que depender de condução, ia com duas malas cheias de sapatos e eu visitava... Eu ia pro bairro de Guaianazes, aí, eu fazia todas as lojas, o dia todo ali. Eram mais ou menos umas dez, 12 lojas. Tinha dia que eu vendia pra três, porque pra fazer o pedido numa eu ficava meio dia, entendeu? Então, quando dava eram cinco lojas e quando o bairro era grande eram umas dez, doze lojas.
P/1 – E nesse período na vida pessoal, você tinha acalmado um pouco?
R – Olha, na verdade,já tinha acalmado, porque passou um período que eu pulei, (risos), que quando eu entrei na Pontal, eu entrei cheio de vício, né? E ali eu conheci um rapaz que ele era evangélico e ele me falou: “Pôxa Ricardo, você é um jovem tão novo, tão bacana e vivendo nessa situação? Essa situação pra você é fim de carreira. Sai dessa vida, para com isso, isso não é bom pra você. Tanta gente aí que já perdeu a vida por causa disso.”E, aí, eu dei uma mudança radical. Eu era budista, na época, ele me fez um convite pra ir numa igreja evangélica e eu fui cheio de vício e saí dali dando Glória a Deus, liberto de cocaína, de maconha, comecei a fazer uma mudança radical na minha vida, aí, e o pessoaldo comércio não acreditava, mudou muito, né? Aí, a minha vida começou a tomar um parâmetro melhor, porque eu tinha disposição pra trabalhar, gostava do comércio, agora com juízo!Foi muito bom pra mim!
P/1 – E foi nesse contexto que o senhor conheceu o senhor Manoel Pitta, você já falou um pouquinho que ele fez um convite, mas, vamos detalhar um pouco a história. O senhor foi lá pra vender?
R – Eu fui pra vender e ele me levou pro escritório e gostava de conversar e a mercadoria, na verdade, ele nem vendo naquele dia. Quando eu falei que trabalhava no Romão... Ele gosta muito de especular, ele pergunta muito viu, senhor Davi? Ele fala demais e vai perguntando, perguntando, aí o que ocorreu? Eu falei que trabalheino Romão, ele falou: “Eu sou amigo do Romão”, e, na época, ele tinha um vendedor também de 20 anos que tinha saído e tinha essa vaga. Ele tinha me perguntado também se eu conhecia vitrinista, eu falei que eu fazia vitrine, ele falou: “Oh, vem trabalhar comigo”, aí, eu expliquei pra ele: “Eu vou trabalhar durante um ano”, que eu comecei a tomar gosto pela rua, mas, não tinha muita experiência, precisava adquirir uma experiência, saber pra quem vender, aí, nisso eu me tornei muito amigo dele, fiz umas vitrines pra ele e aí passou, eu ainda aguentei na rua mais unsdois meses, aí voltei pra trabalhar com ele.
P/1 –O senhor lembra em que ano que foi esse primeiro contato?
R – 1991.
P/1 – A loja dele já era no Belenzinho?
R –A loja dele já era no Belenzinho. Éuma das lojas mais antigas. Aquela loja é de 1923, é uma loja que tem história, é uma das primeiras lojas. Do Belenzinho é a primeira. Hoje, eu atendi um senhor de 87 anos que trouxe o neto e falou pro neto que ele comprou o primeiro par de sapatos ali na Casa Pitta. Ali é uma loja de história mesmo. Pra você ter uma ideia, o bonde colidiu ali várias vezes. O senhor Pitta costumava contar essa história que o maquinista tomava uma pinguinha na padaria perdia o controle do bonde e bateu na parede. O senhor Pitta costumava contar essa história,a gente dava risada.Tem umas fotos muito antigas, eu devia ter trazido essa foto, mas eu não trouxe. Mas, eu posso passar pra você por e-mail. O bonde colidiu ali, derrubou metade da parede da loja, então, é uma loja pioneira que tem história, né? O pai do senhor Pitta veio de Coimbra, ele se instalou ali e ele começou a fabricar calçados da marca LuisPitter e tinha vários empregados. Eu tenho foto lá. Então, era uma loja de fábrica e o que tem hoje, que a gente escuta: “Olha, o meu primeiro par de sapatos eu comprei aqui!”.Tem muita gente que vai lá pra relembrar, pra reviver aquele momento. Tem uma história bonita essa loja, eu me identifiquei muito com isso, porque é família praticamente, né? Eu tenho atendido o pai, agora o pai está levando o filho... um negócio assim, bacana. Agora está indo o neto... então, tem várias gerações ali que vale a pena vocês colocarem no museu, a Casa Pitta! (risos)
P/1 – Desse início da loja o senhor não conheceu, mas, quando o senhor chegou lá, como era o bairro do Belenzinho?
R – Olha, o Pitta me conta que, antigamente, antes do metrô Belém, nós tínhamos a Silva Jardim que era uma porteira então, tinha acesso de carro e a Silva Jardim era mão dupla, e o senhor Pitta sempre falou pra nós que tinha 13 lojas de calçados ali. Era uma brigando com a outra e era uma concorrência terrível. Você não podia o cliente escapar, porque se escapasse ia pra outra loja. Você tinha que dar uma de artista. O cliente encostou você não podia dar espaço pra ele sair. Inclusive o senhor Pitta tinha o costume de dizer que o cliente é o seguinte, é como passarinho, se ele encostou na árvore e você dá uma estilingada e errar, ele não volta mais, ele não pousa. Então, é importante você segurar e tratar porque tinha muita concorrência. Mas, depois do metrô que fecharam o acesso da Rua Silva Jardim ali, que subia pro outro lado do Belenzinho, as fábricas, as indústrias, depois disso as lojas foram se fechando. As que tinham prédio próprio se mantiveram, queé o caso do senhor Pitta e paixão pelo comércio também. Mas o comércio teve uma queda muito grande e o Belém também era um bairro com muitas indústrias e, com o tempo, essas indústrias foram se mudando, se fechando, era também de pai pra filho, e com isso o comércio foi dando uma decaída ali. Agora, futuro pro Belenzinho, nós estamos contentes, porque onde eram essas indústrias, os construtores foram comprando e o Belenzinho vai crescer porque nós temos prédios agora no Belenzinho no valor de um milhão, de 600 mil, está crescendo o bairro, virando uma potência e isso vai ajudar. Eu recentemente peguei um cliente morador novo do bairro que não conhecia a loja, estava passeando com o cachorro, entrou e falou: “Poxa, uma loja boa no Belenzinho, não precisa nem ir pro shopping!”, eu falei: “É, aqui a gente atende direitinho, a gente já tem um tempo de casa, venha nos visitar!” e essa mulher deixou o cachorro em casa e veio, gastou 625 reais, passou no cartão de débito, não pediu desconto. É um cliente diferenciado que isso vai fazer o bairro crescer e a gente precisar acreditar na loja e melhorar.
P/1 – Quando o senhor chegou lá estava nesse contexto da decadência ainda?
R – Estava difícil.
P/1 –Nesse período como estava o atendimento à clientela?
R – Na verdade, quando eu cheguei, nós estávamos ali em cinco vendedores, uma faxineira, um caixa, e tinha movimento também por causa dessas firmas. Tinha uma firma chamada Varal que tinha dois mil funcionários e tinha uma outra firma que eu esqueci o nome agora, que também tinha muitos funcionários, tinha a Multi Vidro, tinha a Luck, então,na hora do almoço das fábricas que era das 11 até as duas horas da tarde, a gente não parava. Era trabalhando o dia inteiro, era uma correria, o cliente com pressa pra comprar na hora do almoço, então, essa época das fábricas ainda estava muito boa. A gente estava dando risada à toa, porque pra uma loja de bairro se vendia muito.
P/1 – Em que ano foi isso?
R – Essa época aí foi na verdade até o ano de 2003, 2004. A gente ganhava na média de dez salários mínimos na época e não era todo mundo que tinha esse salário. Era quando um vendedor era bem remunerado. Hojenós temos já uma certa dificuldade pra alcançar esse salário, porque se vendia e uma que não tinha o shopping também. Nessa época, nós não tínhamos o Shopping Tatuapé, porque no Shopping Tatuapé, se nãome engano, segundo o senhor Manoel Pitta tem 38 lojas só de calçados. E o Tatuapé é uma estação de metrô, Tatuapé, Belenzinho e o morador de bairro são poucos os que prestigiam.Eles prestigiam muitas vezes o shopping, né? Vai, tem praça de alimentação e essas coisas assim. Então, tudo isso nós perdemos, mas, nós estamos vendo o futuro aí, que nós vamos dar a volta por cima, aí, (risos).
P/1 – E em termos de fechamento de lojas, qual foi o impacto que a vinda do shopping teve na região do Belenzinho.
R –Olha, quando o shopping surgiu, nós pensamos que íamos fechar as portas. Tiveram algumas lojas, como a CasaFrat que fechou, a Casa Roma que fechou, mas a história da Casa Pitta sempre foi muito sólida, né, ela sempre foi edificada ali. O senhor Pitta como empresário não quis crescer muito. Ele tem aquela loja, amadureceu ali e ele sempre teve os pés no chão. Ele sempre controlou, sempre estava ali. Ele confiava nos funcionários e tudo, mas ele sempre estava junto com a gente, não deixava a loja sozinha, trabalhava, era o primeiro a chegar, depois ia embora bem tarde, era bem dedicado. Então, isso, mesmo na hora da crise ele estava ali e superamos. Hoje nós podemos dizer que superamos, embora o quadro de vendedores esteja menor. Mas, teve lojas, como a que eu trabalhei na Celso Garcia, que é o Romão, ela tinha 200 funcionários na época e ela fechou, ela se estabilizou no Shopping Tatuapé mesmo. Mas, na avenida, que era uma loja grande, conhecida, estava em propaganda, ela foi uma loja que, com isso tudo, perdeu o espaço.
P/1 – O senhor citou esse processo de verticalização do bairro, que agora estão construindo prédios muito caros... Isso já começou a ter impacto no comércio ou ainda não?
R – Já começou. Eu peguei um cliente que eu observei que é um cliente diferenciado, embora eu atenda todos da mesma maneira, mas, eu percebi que ele entrou com um Nike no pé, um agasalho muito bacana da Lacoste. Ele observou um tênis na vitrine e pediu pra mim um tênis caro, um dos tênis mais caros da loja, o Zomax da Olympikus, eu peguei uns três pares e ele me perguntou, meio seco por sinal, eu calcei o tênis nele e tudo, mandeiolhar no espelho, andar um pouco, e ele falou: “Esse tênis aqui presta?”, eu falei: “Olha, esse tênis é top de linha da Olympikus, é um dos melhores, e é um tênis que tem feito muito sucesso”, “É, porque eu não estou acostumado a comprar tênis barato. Eu vou levar esses dois pra experimentar”. Também foi uma venda de 660 reais, um cliente que não pediu desconto e é esse tipo de cliente que mora no bairro. Eles entram e não são muito, assim, prestativos, mas, não pedem desconto, não acha a mercadoria cara e isso vai ajudando. É uma venda que você soma o dia e já ajuda, né? Eu peguei a outra que eu te falei, de 625 também, a mulher gostou, ficou minha cliente, já estou com o telefone dela pra quando chegar novidade ligar, então, nós estamos acreditando nesse crescimento do bairro do Belenzinho.
P/1 – Qual é o público principal da loja?
R – Olha, é um público que nós até temos a mercadoria certa pra eles. É um público de pessoas idosas, nós temos um público ali muito forte, no Belém tem uma classe de pessoas de idade, pessoas de muita idade ali. Uns velhinhos ali, abençoados, (risos), que compram muito com a gente. Só que a gente está modernizando também! Nós temos de todos os tipos, de mulher, mas o básico é que a gente tem sobressaído, porque tem um pessoal: “Ah, eu só acerto comprar o meu sapato na Casa Pitta”, então, a gente tem se especializado nesse tipo e mercadoria.
P/1 – E ainda hoje é aquele cliente que cresceu no bairro que conhece o senhor Pitta há muito tempo... ainda é o público principal?
R – É o público principal, é a clientela! A loja hoje, pra você ter uma ideia, todo o comércio do Belém se fecha às duas horas da tarde, nós ficamos até as sete. Nós queríamos fechar às seis e a clientela vai vindo... São todos clientes de bairro mesmo. A loja não tem muita passagem, as fábricas estão fechadas, então, a gente atende pessoas que são clientes mesmo da Casa Pitta,que compra pelo atendimento e a gente ali, procura dar o melhor da gente para os clientes. Tem cliente que a gente atende e fala: “Pôxa, vocês ainda ajoelham, vocês ainda calçam o sapato e amarram” e a gente tem esse tratamento.
P/1 – Vamos falar um pouquinho da loja agora?
R – Tá.
P/1 – Qual o produto mais vendido ali?
R – Olha, calçado feminino é o nosso forte. O foco é mulher. O sapato de mulher.A mulherada não gosta de ter um sapato, uma sandália. Ela gosta de ter opções, né? Então, o nosso foco é sapato de mulher. A proporção é de 10 pra mulheres contra um pra homem. E tênis, como nós estamos investindo mais, também está crescendo. Mas, o foco é a mulher. É a mulher que compra, que movimenta o comércio.
P/1 – E como funciona o estoque? Onde é que funciona?
R – O estoque fica atrás da loja mesmo, né, nós temos nossas prateleiras que estão atrás da loja, inclusive, nós estamos virando a coleção e nós estamos trabalhando com a linha de verão que era da coleção passada. Nós vamos receber agora, essa semana vema linha nova, essas mercadorias novas que estão nas propagandas, da Ramarim, da Via Marte e tudo, já está comprado pra gente trabalhar agora.
P/1 – E a relação com os fornecedores? Como que vocês vão buscar essas mercadorias, como que elas são entregues?
R – Na verdade, já tem os fornecedores que nos atendem. Então, o que acontece? Eles já estão visitando e, a partir da última semana de setembro, nós vamos atender os representantes pra comprar pra dezembro. Nós vamos bater o martelo no que nós vamos comprar, o que nós não vamos comprar e, a respeito de compras, nós diminuímos muitas marcas. Nós estamos dando prioridade pra essas grandes empresas. Dakota, Olympikus, Azaléia, Djean e é interessante que, antigamente, nós tínhamos muitas visitas de representantes e, devido ao mercado, você vê que diminuiu. Hoje, essas pessoas que a gente chama de “caixa branca”, que não tem marca, já nem aparece mais na loja. Então, são os grandes mesmo que tem dominado o mercado e é uma concorrência muito grande.
P/1 – E como que o cliente leva essa mercadoria? Vocês têm uma sacolinha especial?
R –Nós temos uma sacola, por pouco tempo, porque nós vamos fazer sacola de papelão, né? Nós temos sacolas pra bota, sacola pra um produto menor, nós procuramos embrulhar pra presente, o cliente comprou ele tem saquinho, uma embalagem muito bonita, tem etiquetinha com carinha, parabéns, “de - para”, a gente procura se especializar nessas coisinhas. São pequenas coisas que o cliente fica satisfeito. Tem algumas clientes que vão à loja na época de Natal que fala: “eu gosto de vir aqui, porque vocês embrulham pra presente!”, porque tem loja que você vai e a pessoa não tem tempo. A gente procurar estar ali, correr, fazer o pacote, põe saquinho, pra deixar o cliente satisfeito mesmo.
TROCA DE FITA
P/1 – Senhor Ricardo, vocês costumam trabalhar com importadores, marcas estrangeiras também? Como é essa relação?
R – Olha, na verdade, a gente costuma trabalhar só com marca nacional mesmo. Nós tivemos um problema e é até interessante falar, nós tínhamos a Rainha, a São Paulo Alpargatas, que começou a trazer mercadoria pra nós da China. Eles faziam lá e vinha pra cá e a Rainha começou a ter uma defasagem, porque era um produto que começou a dar muito defeito. Então, houve uma grande perda pra nós que atendíamos o público e pra eles também. Então, nós trabalhamos mais com produtos nacionais mesmo. Aparece muita gente vendendo, que bate na nossa porta vendendo Nike mas é uma coisa que não é interessante. A gente procura manter o padrão mesmo.
P/1 – E o sistema de pagamento? O senhor chegou em 91 e como era o sistema de pagamento naquela época e como que é hoje?
R – Infelizmente, na loja de bairro, existe para nós a famosa caderneta. Nós estamos ainda trabalhando com esses clientes que entram na loja, faz aquela compra e fala: “Marca aí e eu venho pagar tal dia”, e são pessoas que são fiéis, que vem pagam direitinho, então, tem esse sistema de caderneta que ninguém mais tem, é só na Casa Pitta, para poucos clientes, né! Cheques nós não estamos aceitando no momento, só de pessoas conhecidas mesmo, quando são clientes, e o cartão de crédito, que a gente divide em três vezes, quatro vezes, é a forma que a gente trabalha, né?
P/1 – O cartão de débito?
R – É, o débito também.
P/2– Mas o débito já se usava antes em 1991?
R – Na verdade, antigamente, era o cartão Elo, na época e ainda era aquelas maquininhas de você passar manual. Era uma coisa que a tecnologia hoje ajuda muito, já é direto, né, mas, antigamente, era um sofrimento.
P/1 – O senhor mencionou um pouco dessa mudança do público, então, o rapaz que pede o tênis e não pede desconto e tudo mais...
R – Isso.
P/1 – Para esses clientes novos também está aberto esse sistema de caderneta ou é só para os antigos?
R – Olha, na verdade, a caderneta se tornou um vício para alguns clientes. Com a mudança agora do senhor Eduardo Pitta, ele pediu pra gente cortar um pouco. Então, é só aquele cliente que é bem especial mesmo, não que os outros não sejam, mas, aquele cliente que mora do lado da loja, que tem uma dificuldade de trazer a pessoa pra comprar, então, ele tem liberado essa mercadoria, mas, tem diminuído muito, porque hoje todo mundo tem cheque, tem cartão...
P/1 – Senhor Ricardo, tem alguma história que o senhor queira falar? Uma história muito engraçada, muito curiosa que tenha acontecido ali na loja. Você se lembra?
R – Olha, têm algumas. Tem um representante que começou, era novo, e ele começou a mostrar o material para o senhor Manoel Pitta e o senhor Pitta, brincando, falou assim: “Isso daqui é um lixo. Você é louco!”, e o rapaz estava começando, o Pitta pegou os sapatos e jogou tudo no lixo (risos), e eu olhando pro vendedor e tentando amenizar a situação, falando que era brincadeira e tudo, o vendedor começou a chorar e falava: “O senhor é o meu primeiro cliente, o senhor me recebeu assim?”... E têm algumas também que a gente tem que tomar um cuidado muito grande, que isso aí não é nem pra dar risada. Uma vez eu atendi uma pessoa que era um fazendeiro, eu atendi e ele começou a colocar a mercadoria e o senhor Pitta chegou meio que por acaso, aí, ele encostou no caixa e o senhor Pitta achou que o homem estava pedindo uma esmola, pegou um real pra dar de gorjeta pro fazendeiro, aí, o fazendeiro não se tocou e falou: “Pôxa, eu nem paguei o senhor já está me dando o troco”, (risos), eu não aguentei! Eu saí dando risada e ele ficou sem entender nada, e depois nós explicamos. Então, tem algumas coisas que acontecem que se tornam até engraçado, mas, é falta até de ética, né? A pessoa está mal vestida, encostou no caixa e o Pitta foi dar um real pro rapaz e, ainda bem, que o rapaz não entendeu. E no comércio também tem muitas coisas, às vezes você ganha um sapato, que a gente fala que é o “gato”, né, a pessoa compra o sapato, vai casar, e você vende o sapato com dois pés esquerdos. Não confere. O lado negativo do comércio, que isso acontece. O cliente vem furioso, mas, depois você acaba dando risada, né? Então, tem muitas coisas assim que acontecem no comércio, que se tornam engraçadas, coisas que não poderiam acontecer, mas, que acontecem.
P/1 – Vocês fazem promoções? Tem período de liquidações?
R – Pra você ver, nós tivemos o inverno que não foi permanente. Ele veio, ficou o mês de maio e depois chegou agosto e fez 15 dias de calor, depois mais dez dias de frio, entrou setembro... O que aconteceu? A mulherada já não quis mais comprar bota, então, a bota que nós compramos, a primeira remessa que veio, foi um estouro! E eu me empolguei, falei com o senhor Eduardo: “Vamos comprar, que vai vender” e compramos e depois já parou. Você vê, nós tivemos uma semana de frio, e eu coloquei a bota que eu vendia a 139 por 99, ainda faz em três vezes no cartão, pra tentar vender mesmo e não vendemos legal. Porque já passou da época, a mulherada está atrás de sandália. E o que acontece? Se estivesse num dia mais quente, eu teria vendido mais sandália. Então, o tempo, no comércio em si, ele influencia muito, e promoção é assim: é final de temporada. É quando a gente começa fazer as liquidações. E a liquidação que nós fizemos foi de sapato fechado. Bota.
P/1 – E qual o período que mais vende e o que menos vende?
R –Olha,o mês de setembro não é um mês bom pra nós, por causa da mudança de clima, que nós estamos passando pra Primavera-Verão. Então, devido à mulherada não saber se vai comprar bota ou se vai comprar sandália, trava um pouco o comércio, então, o melhor mês pra mim, é o mês de Dezembro.Dezembro é uma coisa que você fala: “Meu Deus, de onde vem tanta gente? De onde que vem esses clientes?”. Tem dezembro de fazer fila nos dias, 24, 23, 22, é fila no caixa! E esse cliente, é o cliente que aparece de última hora. Não é o cliente do bairro. É aquele cliente que não conseguiu entrar no ShoppingCenter por causa do estacionamento, ele está passando por ali e fala: “Ah, eu vou comprar nessa loja mesmo”, porque é muita gente! É uma coisa assim, extraordinária! É uma coisa assim, que eu queria que todo mês fosse como dezembro! (risos). É só mandar a Dilma dar o décimo terceiro pra todo mundo que vai ser assim, né?
P/1 –Senhor Ricardo, hoje, quais são as suas atribuições na Loja de Calçados Pitta?
R – Olha, na verdade, por eu ser o funcionário mais antigo da loja, eu tenho 21 anos de Casa Pitta, eu sou desde o encanador (risos), toda a responsabilidade ali da loja, é minha. Parte elétrica, encanamento, eu nem chamo ninguém! Eu vou, coloco as caras e faço. E o lado comercial, né, eu atendo os vendedores, dou desconto, eu sou o representante ali, praticamente, então, eu faço tudo! E tudo de espontânea vontade, porque eu acho bacana.
P/1 – O contato com o fornecedor também é o senhor?
R – Também. Eu faço assim, a gente está atendendo os representantes de terça e quinta e na parte da tarde está o Eduardo também e a gente ali compra, fala: “Olha, Eduardo, precisa disso, precisa daquilo”, e ele só bate o martelo, porque ele é engenheiro e está fora do ramo, né? Então, ali é forma de pagamento, desconto, essa parte aí é com ele.
P/1 – Por ser o funcionário, o vendedor mais antigo, o senhor participou do treinamento para os outros vendedores que vieram depois do senhor? E se participou, como é esse treinamento?
R – Ola, na verdade, ali foi tudo por indicação, são todas pessoas indicadas. O último que eu trouxe, eu trouxe pra ser caixa e estoquista da loja e ele começou também a se empenhar legal e começamos a ajudar, então, na hora do aperto, ele começou a atender. E ele pegou gosto pelo comércio também, só que pra ele trabalhar ali com a gente, o espaço não comporta, eu e mais um que vende, e a loja é uma loja de bairro, então, a gente não quer dividir o bolo, entendeu? Então, o que ele fez, ele decidiu trabalhar num outra loja e agradeceu muito a gente pelo que ele aprendeu ali, (risos). Então, ali é uma escola. As pessoas que passam por ali, têm aprendido, viu? Não é que a gente é o dono da verdade, sabe tudo... mas, a gente já adquiriu algumas experiências devido ao que a gente herdou, né, e o comércio é uma escola! Nós estamos com essa dificuldade de mudança de estação, então, você tem que tratar o cliente... Pra você ter uma ideia, hoje eu peguei um cliente pra comprar um Sider e eu consegui dobrar a venda pra um sapatênis. Então, hoje tem o vendedor e o demonstrador, né? Quando eu percebo que o cliente quer comprar, está com disposição... Eu não consigo... Você vai numa loja hoje, o intuito do vendedor é mostrar só uma caixa de sapato, só um sapato. Então, se o cliente me pedir um sapato social preto, ele determinou na vitrine, eu trago aquele que ele pediu e trago mais três diferentes, pra não fazer concorrência pra esse daqui, porque, senão, você acaba deixando o cliente em dúvida. Você pega um e outros três diferentes, porque ele já está com aquele na cabeça, se você mostrar um semelhante, ele vai ficar em dúvida, você vai perder tempo, então, tem que trazer bastante mercadoria, mas um diferente do outro pra não confundir, então, isso eu aprendi com o tempo de experiência com o comércio. O cliente já vai em dúvida, aí, você pega um preto e outro preto, você vai só cansar o cliente, ele vai ficar em dúvida, capaz de você perder a venda, então, é legal você trazer sempre uma novidade. “Ah, eu não pedi isso!”, mas eu falo: “olha, experimenta, veja como fica!”, é outra coisa, você entendeu? Então, é sempre ter esse jogo de cintura no comércio que é primordial!
P/1 – A Calçados Pitta já trabalhou com publicidade ou pensa em fazer?
R – Nós participamos, fizemos alguns eventos e funcionou. Tem um prédio que chamaProjeto Viver que o retorno foi muito bom. Eu esqueci, mas deve ter umas vinte torres, ou mais, ali no Belenzinho e nós conseguimos fazer uma propaganda e eles entregaram. Nós fizemos um cartaz no Dias dos Pais, “Compre, leve esse cartaz e você terá 20% de desconto, vai ganhar um cinto...”, então, foi um festival de clientes desse Projeto Viver, que o pessoal que não conhecia a loja, que era morador novo do bairro, houve uma explosão! Foi uma publicidade que nós fizemos e que teve um retorno satisfatório e até hoje os clientes continuam comprando com a gente, devido a essa propaganda. E, antigamente, quando se podia usar o carro de som, nós tínhamos um slogan, “Deu a louca no Pitta. O Pitta vai vender cinco mil pares de sapatos a preço de custo!”, aí, todo mundo: “Oh, não vai dar a louca no Pitta?”, ficou aquela história no bairro: “Ah, o Pitta não ficou louco?” e tal, porque a perua ficava nos pontos comerciais ali, na FAME, nas outras lojas, nos apartamentos, então, era um negócio assim que tinha retorno. E em alguns jornais de bairro, nós temos a Gazeta do Belém e temos o 30 Minutos que é um jornalista que está fazendo um trabalho muito bacana e o pessoal está lendo muito esse jornal e lá tem a propaganda nossa.
P/1 – Vocês trabalham com entrega em casa, principalmente pra esse público idoso que você falou que freqüenta a loja?
R – Olha, na verdade, nós temos aquele cliente que nos liga e fala: “Oh Ricardo, eu estou precisando de um sapato ‘assim’, tem como você me trazer?”, aí, é aquele cliente que não tem como você dizer não. Aí, você põeuns três, quatro pares de sapatos e vai, atende em domicílio. Tem diminuído por falta de tempo, por não poder mais sair da loja, mas, nós temos esse tipo de cliente. Tem aquele tipo de cliente que vem e fala: “Eu vou levar e depois eu venho acertar”, leva três, quatro pares e a gente deixa marcado, depois vem e acerta. Mas, a domicílio diminuiu muito.
P/1 – Vamos falar um pouco agora sobre essa relação com o senhor Pitta. Eu não sei se o senhor percebe, mas o senhor fala do senhor Pitta como se ele ainda estivesse vivo, na verdade, né?
R – É verdade...
P/1 – A gente vê que tinha uma relação bem forte. O que significou esse convívio com o Pitta?
R –Olha,o Pitta pra mim foi um pai! Tanto que eu ando com uma foto dele na minha carteira. Ele me ajudou muito e as nossas brigas eram devidas coisa de trabalho, porque ele era teimoso também. Ele era muito turrão. Tinha muito representante que enchia a loja de mercadoria sem precisar, pela amizade. Ele era amigo, então, ele comprava por amizade! Então, agora eu estou tendo um gostinho. Eu não podia falar não, (risos), mas eu olho e falo: “Infelizmente, isso aqui não me interessa”,“Ah, mas o Pitta era meu amigo!”, eu falo:“Meu amigo, você era amigo do Pitta, mas eu sou amigo do Eduardo! Não quero!”, e a pessoa quer falar até com o Eduardo. Então, o Pitta tinha esse lado bom, o vendedor vinha duas vezes, ele falava, “Pô, tadinho pegou trânsito, gastou gasolina, vamos comprar 48 parezinhos!”, e aí, ele me convencia e você comprava e depois ficava encalhado. “Tá vendo senhor Pitta, eu falei pro senhor!” e tal, ele falava, “Ah, você secou, não quer vender”, então, era aquela coisa engraçada que acontecia, que ele acaba tendo dó dos fornecedores e comprava. A loja era lotada de mercadoria. Aqueles clientes que vendiam pra ele há 50 anos, 40 anos... Infelizmente, hoje no comércio você tem que colocar,bater o martelo, hoje, essas pessoas que estão indo lá, não estão comprando mais, porque não é interessante pra loja. Teve um... eu não vou falar o nome, uma sandália Califórnia, que o rapaz vendeu a vida toda, mas está tudo lá e não tem condições de comprar na falta, porque o senhor Pitta comprava pra não falar não pro representante que ele atendia há 50 anos. Então, falar do senhor Pitta pra mim, eu me emociono porque é igual a gente fala, eu senti muito. Eu tive duas perdas e o Pitta até hoje eu sinto a falta dele. Mas ele era muito bacana! Era uma figurinha, bom de câmara, falava tudo, era presidente da Sociedade dos Amigos do Belém, vice-presidente do CONSEG (Coordenadoria Estadual dos Conselhos Comunitários de Segurança). Nós tivemos a cabine comunitária que nós fizemos ali no Belenzinho, foi o Pitta! O Pitta era muito conhecido! O Pitta era um homem que tinha o político a favor dele, só que ele não usava pra benefício próprio. Era um homem íntegro, justo, porque eu nunca viusar o conhecimento que ele tinha em benfeitoria pra loja, nunca vi! Ele sempre usou em favor do povo belenense. O Pitta tinha um amor pelo Belém que eu nunca vi! No entanto, se ele saísse do Belém, ele morria. Então, esse relacionamento que eu tive com o Pitta, foi de aprendizado, por ver o amor, a dedicação, o jeito que ele cuidava da loja, dos clientes, a preocupação. Nós discutíamos muito, mas assim pro lado da loja mesmo, em mudar! O Pitta não conseguiu mudar, porque ele tinha aquele lema dele e ele foi até o último dia da vida dele.
P/1 – Em qual mês ele faleceu?
R – Ele faleceu em 16 de março.
P/1 – E de lá pra cá, como que está a Calçados Pitta.
R – Olha, teve perda! Se nós falarmos que não teve perda, que nós não estamos sentindo... O Pitta é o seguinte: ele não gostava de ver as prateleiras meio vazias, ele queria estar sempre com a mercadoria... “Olha, alguém vai entrar aqui e vai falar que eu estou quebrado”. Então, ele queria ver a loja cheia de mercadoria, (risos), e o comércio hoje não funciona assim. Tem que ter regra. E alguns amigos dele que iam lá pra bater papo, pra comprar, nós não estamos vendo, por enquanto, esses amigos. Nós vamos perder, vamos ter que ganhar do outro lado, porque a pessoa ia em prol do Pitta!Nós atendíamos bem, mas o foco era o Pitta, as conversas, as coisas que aconteciam no Belém, as evidências. Ali, tem muita gente que chega pra mim, “pô, o senhor Pitta me ajudou muito,aquela casa que eu não conseguia fazer, ele foi falou com fiscal...”, muitas pessoas o Pitta ajudou. O bairro do Belém era mais limpo com o Pitta. O Pitta brigava pra limpar, pedia pro caminhão da prefeitura vir limpar embaixo do viaduto constantemente, ele ligava para a Prefeitura porque tinha os moradores de rua que faziam aquelas casinhas de madeira. Hoje, se nós não ficarmos espertos, está virando um lado negativo ali, muita casinha, muito mendigo.Mas, o Pitta ali, era linha dura. Punha os mendigos pra correr e queria o bairro organizado.
P/1 – Você participa de alguma entidade de classe sindical, trabalhista?
R – Não. Não tenho vínculo com nenhuma.
P/1 – Vamos falar agora um pouquinho mais do senhor. Qual a sua principal atividade hoje, fora o trabalho?
R – Fora o trabalho? Amanhã eu vou correr! Eu gosto de acordar bem cedo, eu e minha esposa vamos ao parque, vejo as plantas.Eu estou correndo com a minha esposa, eu paro, vejo uma árvore e falo pra minha esposa e falo: “Nossa, como Deus é maravilhoso!”. Domingo passado, eu vi uma árvore, com uns galhos assim e no meio um arranjo amarelo. Eu gosto de ver essas coisas. Passar, olhar, ver capivara, estar no meio da natureza pra mim é satisfatório.
P/1 – Vou aproveitar, como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R – A minha esposa, rapaz, se eu te contar você vai ficar abismado. Ela foi comprar um par de sapatos e eu olhei pra ela e falei: “mas que coisa linda!” e fiquei apaixonado. E, além do lado espiritual, Deus falou pra mim que ela ia ser minha esposa. E eu falei, “Oh Jesus, e o negócio é bom!”, (risos), aí, eu conheci um rapaz que trabalhava na FAME, chamado Ivaldo, que foi o meu padrinho de casamento, eu falei: “Ivaldo, teve uma moça que veio aqui e o meu coração quase sai pela boca! Eu fiquei apaixonado! Não tem como você dar um cartãzinho meu pra ela? Ela tem namorado?”, ele falou: “Olha, acho que ela não tem namorado!”, “então, ela não tinha... vai ter logo-logo! Dá esse cartão!”. E a minha esposa me ligou, eu falei pra ela que eu gostei dela, que eu queria um dia sair com ela e eu disse: “Você não quer ir comigo pra igreja?”, e até hoje ela me fala: “Pôxa, tanto lugar pra ir e você me pergunta se eu quero ir pra igreja?”, (risos), e quando nós saímos pela primeira vez, nós fomos pra igreja. Aí, nós batemos um papo e casamos. E eu a conheci na loja, vendendo um par de sapatos pra ela. Na Casa Pitta! (risos). É o grande amor da minha vida! Conheci no Pitta! Algumas vezes, eu quis sair do Pitta, eu falei:“Senhor Pitta, eu tive uma proposta ‘assim’, eu vou pegar uma marca pra trabalhar...”, e o Pitta também me segurava: “Não Ricardo, você vai ficar comigo, você não vai sair, eu te aumento...”, um dos motivos também de eu permanecer todo esse tempo, era que o Pitta tinha um amor tão grande pelo funcionário, que ele nunca quis que nós saíssemos. Uma vez, eu comprei um apartamento e eu fiquei sem carro, aí, ele foi me comprou um carro, tudo pra eu não sair da loja. E chave de apartamento, me deu dinheiro. Era um pai, né? Então, um dos motivos também, era essa segurança que ele tinha nos funcionários, de não deixar sair.
P/1 – E desse casamento rendeu filhos?
R –É, eu tenho um filhão de 16 anos. Um moço muito bonito.
P/1 – E o senhor pensa no futuro pra ele trabalhar com o comércio também?
R – Olha, eu sempre falo pra ele que o comércio toma um certo tempo, né? Pra você ter uma ideia, eu trabalho de segunda a sábado. Eu tenho só o meu domingo que eu posso ir pra um parque e tudo, né? Então, eu prefiro que ele venha a estudar e, prioridade, é entrar numa metalúrgica, fazer algum curso técnico aí, que o comércio é muito cansativo. Embora ele já esteve comigo lá na loja e ele tem um timbre pra venda, ele não é nenhum pouco tímido, ele atendeu já e eu vi que está no sangue (risos), porque ele vai pra cima dos clientes. Pra atender o público, você não pode ser tímido, né, e isso ele tirou de letra, de ir, atender, de ir pra cima e ele fez muito bem, porque ele nem demonstrou que era o primeiro dia que ele nos ajudou ali. Mas, eu queria que ele não entrasse nesse ramo.
P/1 – Onde que o senhor mora hoje?
R – Eu moro em Itaquera.
P/1 – E esse caminho de Itaquera lá pro Belém, como que é?
R –Olha, se tornou fácil, porque eu pego a Airton Senna e pra você ter ideia, hoje de manhã, eu acordei cedo, cuidei dos meus cachorros, lavei o quintal, eu e minha esposa, tomei um belo de um café, eu saí de casa 8h40 e cheguei à loja 9h00. Deu 20 minutos. Eu vou de carro, sem trânsito.
P/2– Como era esse caminho antes?
R – Antes dessa ponte que o nosso prezado Governador fez, era meio difícil porque eu tinha que pegar a Radial Leste, era um trânsito pesado, à noite, pra ir embora, demorava quase uns 50 minutos, uma hora. Hoje diminuiu bem, meia hora, 35 minutos pra ir embora.
P/1 – E o senhor como comerciante, o senhor gosta e fazer compras?
R – Olha, tem que falar a verdade, né?Eu gosto de comprar quando eu estou com bastante dinheiro (risos). Aí, se eu estou com dinheiro sobrando, mas, eu não gosto muito de mercado. A minha esposa já gosta. Embora eu não goste muito de ir ao mercado, mas, eu vou um dia sim e um dia não, sempre tem uma mistura ou alguma coisa pra se comprar, e eu sou consumidor. Em mercado mesmo, eu não gosto e shopping eu também não gosto e a minha esposa fica brava comigo.
P/1 – E o que o senhor gosta de comprar?
R – Geralmente, eu gosto de comprar comida, (risos). E ultimamente eu estou comprando muita planta, rapaz, eu estou com muitos vasos, eu estou comprando Ráfia, umas plantas que eu descobri que são bonitas, então, acho que eu estou com 48 vasos em casa.Vasos bonitos! Eu compro as pedrinhas, faço com o maior carinho!
P/1 – Nesse tempo todo no comércio, desde os dez anos de idade, né, muito tempo... O que o senhor viu que se transformouque mudou nessa atividade? Se é que mudou alguma coisa.
R –Olha, eu estou percebendo hoje que vendedor está ficando em extinção. Eu tenho andado por aí, eu fico com vergonha de ver o atendimento, de ver o‘descarater’ das pessoas. Outro dia eu entrei numa loja com a minha esposa e a pessoa veio nem deu atenção pra mim e eu perguntei o preço, no Shopping Itaquera, a pessoa falou: “É tanto e tal”, e voltou pra conversa, bater papo-furado, dando risadinha, e eu fiquei magoado com aquilo, aí, saí, fui à outra loja, comprei o X-Box, paguei em dez vezes no cartão, aí, eu fiz questão de passar perto da loja, (risos), pra ela ver que eu queria comprar mesmo, pra pessoa aprender, porque eu tenho certeza que ela deixou de ganhar, eu não lembro o valor direito que eu paguei, mas foi mais de mil reais, então, o descaso com o público. Nós temos uma ética de vendas. Você entrou na loja, a gente para de conversar, de dar risada e você vê por aí, a mudança. Hoje o atendimento... Hoje, o consumidor é taxado como se ele tivesse obrigação de comprar e eu vejo diferente. Acho que o consumidor tem que ser bem tratado. O cliente pra mim é o meu ganha pão, então, eu tenho que fazer o meu melhor por ele, né? Então, você vê, nós temos as Casas Bahia e eu tinha vários amigos que trabalhavam nas Casas Bahia e hoje eles querem ter atendentes. Hoje eles estão perdendo a força. De ter aquele vendedor ali, que era simpático, que atendia o público de maneira maravilhosa, hoje não. Antigamente, você entrava nas Casas Bahias, chegava e: “Casas Bahia, boa noite! Em que poço ajudar?”, tinha até um dilema, todos falavam isso. Hoje, você entra, pode passear pra lá e pra cá, devido também aos fabricantes e os lojistas abaixarem a comissão, salário fixo. Então, a gente vê que está tendo uma mudança muito grande. Essa venda pela internet também, nós temos perdido um pouco o público. Tudo isso tem crescido por ter falta de pessoas com capacidade de atender. Isso tem feito o consumidor ir se esquivando. O que eu acho bacana que a gente tem tido uma procura na loja, que eu acho até interessante divulgar aqui pra vocês, são os bolivianos. Eu esqueci o número de bolivianos que estão aqui no Brasil, e eles são muitos rejeitados por outros comerciantes e nós ali temos a balinha que é cortesia, então, eles entram a gente dá balinha e brinca com as crianças e já fizemos um vínculo de amizade com eles muito grande, que hoje mesmo, nós atendemos mais de 15 bolivianos na loja, devido ao atendimento. Eles se sentem muitos satisfeitos comprando com a gente e um vai indicando o outro. E nós temos uma rua do Brás, chamada Coimbra, que ali estão se alojando diversos bolivianos, já tomaram conta. E eles estão ali ajudando a gente no comércio e os outros não valorizam, xingam, fazem desfeita, tudo... Então, o atendimento é primordial. Coisa que hoje, já não é todo mundo que atende. Hoje nós estamos vendo que o pessoal parece que não está focando isso aí. A gente vende barato com atendimento, mas tem loja aí que mantém o atendimentoe pode até vender um pouco mais caro, mas o cliente quer ser bem atendido. Ele não está nem preocupado com quanto ele vai pagar, mas ele quer levar o filho, não passar vergonha, ter um sorriso... Então, eu percebo que o comércio está se definhando por falta de pessoas qualificadas, que vai pra trabalhar só visando o interesse financeiro. Não nasceu pro ramo, sabe? Que comércio tem que estar na pele das pessoas. Então, hoje a gente vê a pessoa, não consegue trabalhar na área e vai ser vendedor, igual tem muitos vendedores no Magazine Luisa, que eles estão pagando uma coisinha a mais, aí, então vai focando isso.
P/1 – E além desse bom atendimento, a Calçados Pitta investe também em alguma modernização, tipo, um site ou não?
R – Nós temos um site que está meio desativado. A gente precisa melhorar ele aí. Mas é a tradição mesmo. A loja está a 87 anos no mesmo lugar! Então, ela já fez o público dela ali, são só esses moradores novos, pessoas que trabalham em banco, às vezes, você fala: “Eu trabalho na Casa Pitta”, a pessoa: “Ah, onde que é?”, “No metrô”, ela desce no metrô e vai pra outro caminho, então, a gente está bolando alguma coisa assim, pra fazer um panfleto, fazer uma divulgação melhor.
P/1 – O que esse trabalho no comércio ensinou pro senhor pra vida? Que lição o senhor tira dessa atividade?
R – Olha, o que eu aprendi no comércio é respeitar o meu próximo. Tratara pessoa como o meu melhor tesouro, porque é o meu ganha-pão. E foi no comércio que eu consegui as minhas coisinhas também. Eu e minha esposa, a gente conseguiu carro, casa, vivemos bem. Algumas pessoas vêm e falam: “Pô, a vida toda,vendedor. Gerente...”, eu me vejo mais como vendedor do que como gerente, mas, pra mim é um trabalho digno, limpo, honesto, a gente ali não gosta de enganar também, vende. Hoje eu tive um amigo meu que veio comprar um sapato no valor de 50 reais e falou pra mim: “Esse sapato é bom?”, eu falei: “Olha, é um sapato bonito, bom não é! Esse sapato é de 50 reais, não é bom!”, “Ah, mas por quê? Eu só quero pra andar, pra trabalhar no dia a dia!”, eu falei, “esse sapato é pra cinco meses!”, aí ele falou, “Por isso que eu gosto de comprar aqui, então me vê um bom!”, (risos), entendeu? Então, se o sapato não é bom, a gente vende pro cliente, mas ele ciente de que o sapato não é bom. Ninguém vende lebre por gato. A gente fala a verdade, tanto eu como o Gilberto, que está comigo ali, a gente fala a verdade. Nisso, a gente vai adquirindo cliente, né? Aí, você perde uma venda por falar a verdade.
P/1 – O senhor tem algum sonho hoje?
R – Olha rapaz, eu não sonho muito, sabe? O meu pensamento não é tão distante assim, eu vejo pessoas com muitos objetivos. O que eu quero é me aposentar, eu e minha esposa e comprar um sitiozinho. É o meu sonho. E passar ali (risos) cuidando de horta, de cachorro, pescando, é o que eu tenho de objetivo, de meta na minha vida. Poderia falar assim: “Ah, eu sonho em ter uma loja...”, isso e aquilo, infelizmente, acho que eu não tenho mais. Estou passando pelo comércio, adquirindo experiência, mas o meu objetivo não é eu ter uma rede de lojas, não é ter uma loja. Meu patrão falou: “Ah, já não estou agüentando isso aqui, vou passar pra você. Você vai arrendar!”, eu não focalizo isso pra mim, porque eu acho que tem um momento que eu tenho que viver, você entendeu? Porque a vida passa muito rápido! O senhor Pitta dedicou a vida dele todinha ali na loja. Valeu à pena? Valeu porque era o maior prazer ele estar ali, ele se sentia melhor ali do que numa praia tomando uma caipirinha, então, eu acho que valeu a pena porque ele fez o que ele gostava.
P/1 – E o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista?
R –Olha, eu vim porque eu sou um homem de palavra, mas eu fiquei satisfeito de estar aqui, podendo compartilhar minhas ideias com vocês e quero que venha ser útil, né? Não sei se serviram as experiências. O meu maior objetivo é como eu te falei, eu coloquei bastante dificuldade: “Pra mim não dá, pra mim não dá”, pelo tempo. Eu tenho obrigações na igreja, como eu te falei, aí, eu falei: “Eeu vou sábado, 7h30”, aí, falaram: “Esse cara é louco”, aí você falava: “Pode vir que eu tenho”, e eu não tinha como falar não e estou aqui. Demorei e quis desistir, cheguei pra Ana e falei, “Ana...”, “Não vamos perguntar mais um pouquinho!”, e eu vim e estou satisfeito. Agora, eu espero que eu possa dar frutos aí nesse trabalho que vocês estão elaborando, eu não sei onde que vai passar, o que vai ser feito, mas, o meu lema no sentido profissional do comércio é tratar bem o cliente! Não mentir, não enganar. Perca a venda, mas, se vender, faça uma venda sadia, pra você não ter dor de cabeça. Eu trabalhei nessas redes de lojas, o cliente entrava e o vendedor ia tomar café, se escondia, então, eu acho que no comércio, a prioridade é o cliente. A gente tem que ter o cliente como o maior tesouro, que era o lema do senhor Manoel Pitta, “cliente é cliente. Nunca falar não pro cliente!”, (risos). Cliente tem sempre razão.
P/1 – E pra esse tema aqui do comércio, tem alguma coisa que a gente não perguntou, mas que o senhor acha importante falar?
R – Olha, acho que eu falei demais, rapaz! Acho que eu falei até aquilo que você nem perguntou. É o que eu estou te falando, é lidar bem com o públicoprocurar fazer o seu melhor. Acho que todo vendedor, todo comerciante tem que procurar fazer compras com preço atrativo, pra compartilhar com o cliente, e é isso daí!
P/1 – Então, em nome da equipe do Museu da Pessoa, agradeço muito a sua participação.
R – Eu que estou agradecido! Estou me vendo aqui no meio dos holofotes, eu estava no anonimato, eu fico também contente de vocês terem me dado essa oportunidade. Eu também agradeço.
P/1 – Obrigado!
R – De nada!
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