P/1 – Bom, senhor Fernando, primeiramente muito obrigado pela sua participação. Para começar a entrevista eu gostaria que o senhor falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Fernando Costa. Sou nascido em 12 de novembro de 1964 na Santa Casa de Santo Amaro.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Sílvio José da Costa e o da minha mãe é Ana Cóssia da Costa.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho, nós somos em cinco irmãos. Eu sou o último. São duas irmãs mais velhas e, na seqüência, três homens.
P/1 – E qual que era a profissão dos seus pais?
R – Meu pai era contador, funcionário público. E vindo praticamente do interior de Santo Amaro, que ali era o bairro de Engenheiro Marsilac, que ainda se chama assim Engenheiro Marsilac. Saiu dali aos 16 anos pra estudar em Santos; estudando em Santos foi fazendo a formação. Foi trabalhar no Porto, foi trabalhar com importação e exportação de café. Depois disso ele foi pra escola que antigamente chamava Escola de Formação. Não era Contabilidade, ela recebia um título e eles eram chamados de guarda-livros. Então, depois ele veio pra São Paulo, prestou concurso público e acabou sendo admitido pela Prefeitura de São Paulo, em Santo Amaro. Dai depois ele se casou, teve vinda a família. Mas ele era um funcionário público e trabalhou no segmento de contador. Dentro da Prefeitura ele era o Contador-Chefe lá na ocasião, até ele se aposentar.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe era do lar. Naquela época, minha mãe casou em 1950, e os trabalhos que existiam eram mais trabalhos domésticos, principalmente para uma cultura como a cultura dela que os pais eram italianos, vindo da Itália mesmo. Trabalhavam com exploração de carvão e elas, quando pequenas, trabalhavam ali na embocadura dos sacos de carvão. Então, ela não teve muito estudo, minha mãe teve só até o quarto ano primário. E trabalhou muito em casa, mas ela se dedicou extremamente à criação dos filhos. E, diga-se de passagem, muito bem. Dentro do contexto familiar de hoje em dia, minha mãe é uma heroína. Mas trabalhava com trabalhos domésticos. Além daqueles tradicionais em casa, ela fazia ainda alguma coisa de costura. Naquela época, as mulheres tinham muito o hábito de fazer corte e costura. Então, minha mãe lidou muito com costura em casa – me lembro de ainda quando pequeno dela fazendo alguns trabalhos nesse sentido. Mas ela era do lar, até hoje.
P/1 – E o seu pai era de Engenheiro Marsilac. Qual foi o motivo, se o senhor souber, que levou a família do seu pai a se instalar na região, em que época que foi?
R – Na verdade a história do meu pai é um pouco interessante porque ele foi filho adotivo desse casal. E esse casal, por incrível que pareça, eles vieram da Paraíba. E vieram pra São Paulo e não sei qual foi o motivo que eles escolheram Engenheiro Marsilac. Eu ainda acho que é por causa da linha férrea que era extremamente ativa naquela época; existia ali uma estação que conduzia, toda a mercadoria que vinha de Santos passava por ali, por Engenheiro Marsilac. Então, essa estação eu acho que trouxe eles de algum lugar e eles se instalaram como comerciantes na região. A minha avó tinha um armazém ali, que ainda funciona o armazém até hoje nesse mesmo local. E ela se instalou como comerciante e meu avô, como era lavrador, ficou com a parte da lavoura. Então, tudo que ele plantava ele ainda vendia no armazém e minha avó vendia ali. E meu pai foi filho de criação; e, com isso, por ele ter ainda uma índole muito boa, ele teve a oportunidade dessas pessoas que o criaram darem a base da educação pra ele. Então, pra ocasião, meu pai tinha uma formação excepcional até, coisas que muitos naquela época nem se pensava num curso técnico. E meu pai foi fazer isso em Santos; depois que veio pra São Paulo, como eu relatei. E agora a ida dele pra lá foi porque a adoção, que foi aqui na região do Caxingui aqui em São Paulo, e meus avós vieram adotar meu pai aqui. E, consequentemente, moravam lá em Engenheiro Marsilac e o criou lá até os seus 16 anos. Depois dos 16 anos é que ele foi estudar em Santos. Então essa foi mais ou menos a trajetória da infância do meu pai.
P/1 – E aí ele acabou chegando na região de Santo Amaro como funcionário público como o senhor falou. Que região de Santo Amaro? Santo Amaro é um bairro bem grande, qual foi a região de Santo Amaro que ele escolheu pra viver?
R – Na verdade nós sempre moramos no centro de Santo Amaro, próximo ao Largo 13 de Maio, a três quadras do Largo 13 de Maio. Isso é Santo Amaro. Os bairros ao redor, principalmente todos os que passam as pontes, a Ponte do Socorro, Ponte da João Dias, Interlagos, todos a gente considerava como uma certa periferia, e é até hoje. Só que hoje o acesso é muito mais fácil, você tem trem, você tem o metrô chegando até o Capão Redondo. Mas antigamente não, eram só chácaras, sítios naquela redondeza. Quando você fala em Santo Amaro, principalmente naquela ocasião, era Santo Amaro, Santo Amaro centro, Largo 13 de Maio. Até têm umas fotos que eu trouxe pra vocês visualizarem assim o ontem e o hoje. Mas é a região que onde meu pai foi assim, vamos dizer, é onde ele, a Prefeitura inclusive era ali. Então é onde ele se estabeleceu e acabou conseguindo essa primeira residência ali e nos criamos ali.
P/1 – E você pode descrever pra gente como é que era essa rua e essa casa que o senhor morava na infância?
R – Na infância era o seguinte, nós morávamos numa casa na Rua Cerqueira César, que ainda não mudou de nome e chama-se Cerqueira César até hoje. Só que nós saímos de lá em 1965, eu tinha pouco tempo. Mas, como tinha uma praça muito grande, onde hoje é a Biblioteca Infantil Borba Gato, então era comum nós irmos ali no final de semana pra brincar, os irmãos mais velhos e a mim. Então ali era a Rua Cerqueira César onde nós morávamos numa casa de fundo, uma casa pequena, humilde. E depois em 1965, meu pai teve condições de comprar uma outra casa na Rua Amador Bueno, onde hoje é a rua do Poupatempo. E a nossa casa ainda é nossa e ainda nós ficamos ali, eu fiquei até lá até 1986. Então de 1965 até 1986, o maior tempo entre a infância e a juventude, eu passei ali na Rua Amador Bueno, que é muito próxima, inclusive, do Largo 13, a uma quadra e meia. Então, nós nunca saímos das imediações dali do bairro.
P/1 – E como que era essa Rua Amador Bueno na sua época de infância?
R – Ela não tinha asfalto, ela veio a ter paralelepípedo em 1968 e depois é que veio o asfalto em 1972. Era uma rua extremamente residencial, muito gostoso de se morar. Ainda tinha, nós tínhamos o hábito de no verão, nas noites de verão você ainda encontrar os vizinhos sentados na rua naquelas cadeiras de descanso. E nós tínhamos ali, em frente à nossa casa, dois mini-campos de futebol; e era um terreno assim bastante arborizado e que por muitos anos ficou sem uso, por muitos anos. Então, aquilo era a nossa brincadeira de todo dia: era ir pro campo de futebol e ir brincar. E tínhamos até casinhas nas árvores, casinha de madeira. Era muito gostoso, era uma época muito boa. Os vizinhos, tanto pra todas as faixas etárias das minhas irmãs e dos meus irmãos, nós tínhamos vizinhos ali; pra minha, inclusive. Nós tivemos uma infância feliz.
P/1 – E o senhor mencionou que essa casa até hoje é da sua família?
R – Até hoje, até hoje é nossa.
P/1 – Como que era essa casa, mudou muito com o tempo, teve alguma transformação?
R – Mudou, mudou bastante, por que ali o que aconteceu? Com a vinda do Poupatempo a rua se transformou de noite pro dia numa rua comercial e extremamente comercial. Tanto é que hoje o imóvel não é mais um imóvel residencial, não tem nem condições de morar mais ali como residência. Então, ela está alugada pra um comércio; em frente hoje é um Shopping que é o Shopping Largo 13 Mais, mas ficou bem em frente à nossa casa. Não tem mais condições de morar, ela ficou uma rua extremamente comercial. Depois também teve agora a vinda do núcleo do Banco Santander, que é um pouco mais pra baixo. E diversos estacionamentos, diversos comércios. A rua ficou, como moradia, eu acho que é difícil você ainda encontrar quem resida naquela rua. Mas como comércio, ela ficou uma rua que o comércio se expandiu como todas as diversas ruas ali do Largo 13, que o comércio foi crescendo. E a Amador Bueno foi uma das últimas que tá recebendo essa expansão em virtude do Poupatempo e desse Shopping que foi construído nesse terreno, que era o terreno onde nós brincávamos. Onde depois foi transferido o grupo Paulo Eiró, onde nós estudamos como infância que era ali em cima no Largo 13, foi transferido pra essa Escola Estadual de 1º Grau, que é o Paulo Eiró, que ficou parte desse terreno. E no resto ficou construído esse Shopping há pouco tempo, coisa de dois anos atrás.
P/1 – E o Largo 13, como é que era na sua infância?
R – Na minha infância, nós ainda tivemos a oportunidade de brincar um pouco na Praça Floriano Peixoto. A Praça Floriano Peixoto tinha ali o coreto, a banda. Mas o que era mais legal tinha a fonte. E nessa fonte é como se fosse uma, que nós chamamos hoje de espelho d água, era uma mini-piscina, e tinham peixinhos. E como ela... se você observar você vê aquelas palmeiras imperiais, você vê as árvores tradicionais com mais de cem anos ali naquela Praça. Então, nós podíamos ali andar de bicicleta, a Praça não era fechada como ela é hoje. E tinha uma frequência excelente: tinha uma sorveteria, tinha um cinema do outro lado, depois um pouco mais próximo ao Largo 13 tinha uma padaria boa, a Padaria XV. Então, nós frequentávamos aquilo de domingo e de sábado; só nos dias de semana que meus pais não levavam a gente ali. Mas era muito... eu utilizei parte do Largo 13 como, assim, por desfrutar de momentos de brincadeira. Hoje eu trabalho lá, mas eu desfrutei aquilo como brincadeira.
P/1 – E, mas o Largo 13 já tinha esse caráter comercial na época ou era diferente?
R – Como eu sou da década de 1960, então de 1970 pra frente, todas as expansões das ruas ao redor já eram comércio. Só que, por exemplo, na rua principal, que é a Rua Capitão Tiago Luz, na rua de trás você encontrava residência, que é a Rua Paulo Eiró, você encontrava residência. Eu tinha amigas de escola que moravam ali. Mas de 1975 e 1980 aquilo já acabou, aí foi completamente tomada. Até o que era prédio, que tinha verticalizado como apartamentos de alto padrão na Praça Floriano Peixoto, hoje são escritórios. O que verticalizou virou escritório.
P/1 – Então, pra localizar no tempo, essa transformação ocorreu nesse período de, no final de 1970.
R – De 1970.
P/1 – Final da década de 1970 até década de 1980?
R – De 1970 a 1980 foi uma transformação. Eu posso dizer pra você que nesses 60 anos de existência do meu comércio, como a gente tinha falado, a transformação foi gigantesca. Mas eu acho que a década principal, entre 1970 e 1980, pra área comercial do que era residência no Largo 13 se transformou em comércio.
P/1 – E o senhor sabe apontar algum motivo que tenha levado isso a acontecer, teve algum motivo que foi o catalisador?
R – Não, eu acho assim, Santo Amaro se você, fazendo uma análise simples, hoje ele tem a maior, o bairro nosso ali, zona sul, tem a maior concentração de shoppings, certo? E, antigamente tinha uma grande concentração de indústrias, grandes indústrias: Caterpillar, Avon, Brasimet, Metal Leve e, diversas outras que hoje já não estão mais lá. Então, o que se dava ali? Se dava um grupo de operários e a área administrativa dessas empresas. Isso foi trazendo o quê? Um comércio pra região. Em vez de você se deslocar, tomava o bonde antigamente pra ir pro centro da cidade, você passou a ter um comércio local forte. E isso, o comércio local forte, foi trazendo renda e trazendo moradias e famílias e isso que eu acho que foi o desenvolvimento naquela ocasião onde as indústrias eram presentes. Depois da saída das indústrias, com toda a mudança da legislação e etc os shoppings compraram esses terrenos onde eram essas grandes indústrias. A Caterpillar é onde hoje tem o SP Market, só pra você ter uma idéia do espaço que ele usa hoje e do que era aquela empresa. A Metal Leve, onde era a Metal Leve hoje está sendo erguido ali o segundo Shopping 25 de Março. O espaço daquele de frente à minha casa, Shopping Largo 13 Mais, só pra você ter uma idéia. Sem falar em Shopping Morumbi, sem falar em Interlagos, sem falar em diversos outros. Então, a concentração de shoppings na nossa região eu acho que é a maior de São Paulo. Então, você imagina o que isso não trouxe de comércio e o que não agregou às famílias, o que não gerou de emprego. E assim, conseqüentemente, o bairro se transformou. Tanto é que tá verticalizando; se você olhar Santo Amaro, regiões próximas ali ao Largo 13, você só vê prédio sendo levantado, erguido. Em dois anos você já vê o prédio pronto. Então, Santo Amaro desenvolveu de uma forma aí gigantesca. Não sei, eu não posso dizer pra você, se eu for pra Itaquera e ver como é que tá Itaquera hoje ou zona norte, porque a gente acaba sendo caipira do bairro. Hoje trabalho ali, nasci ali, moro ali. Então você não tem como, você não tem nem tempo pra conhecer outros bairros. A gente acaba não acompanhando o crescimento dos outros. Mas dizendo por Santo Amaro, a evolução e agora com a chegada do metrô, que já existe um pedaço interligando o centro, vamos dizer, de Santo Amaro ao bairro, que é o Capão Redondo; e o trem, que a CPTM hoje ligando regiões da periferia a Santo Amaro; então, essa interligação. Isso, daqui em 2016 deve estar pronta a ligação que é Santo Amaro vila Chácara Klabin. Aí acabou o problema de transporte da nossa região.
P/1 – A gente vai voltar a falar bastante sobre essa região, esse "desenvolvimento" do Largo 13. Mas vamos voltar um pouquinho pra infância pra fechar esse ciclo, tá bom? Quando é que o senhor começou a estudar, freqüentar a escola?
R – Olha, eu não tive oportunidade de fazer o pré-primário, jardim de infância, então, eu fui pra escola aos sete anos. Aos sete anos eu comecei a estudar no colégio mais tradicional do bairro, onde todos nós que morávamos ali estudávamos, que era praticamente o único: era o Grupo Estadual Paulo Eiró. Então, ali que eu fiz do primeiro ao terceiro ano do primário, que antigamente era primário, hoje é fundamental, se eu não me engano. E dali nós tivemos um problema, aquela escola como era uma escola muito tradicional, antiga, por falta de manutenção uma das salas houve um desabamento. E eu me lembro muito bem que tinha uma professora, professora Darcy, que foi minha professora só na terceira série, só no terceiro ano. E ela foi, teve uma reportagem muito grande, que ela conseguiu perceber que o teto tava ruindo e conseguiu tirar todos os 40 alunos da sala. E tirando os 40 alunos da sala aquilo veio a desabar, e a Escola foi interditada. Então, nós ficamos praticamente seis meses sem estudar. E estava sendo construído um outro prédio, que era da própria Escola, que era justamente em frente ao terreno onde eu morava e aí foi transferido pra lá. Então, eu terminei o primário ali, depois o ginásio. E o que nós chamávamos de colegial fui fazer em uma outra escola que era na rua de trás da minha casa, Maria Petrolina. Ali eu concluí e fui pro nível universitário, que foi no Liceu Eduardo Prado, onde eu fiz a Faculdade de Administração. Só que chamava Luzwell, que era na Avenida Chibarás, em Moema. Então, essa minha trajetória na parte de, vamos dizer assim, educacional. Mas antes de entrar na faculdade eu já tava trabalhando no meu segmento. E estando nesse segmento ótico eu precisava ter curso, que é um curso técnico em ótica. E aí eu fiz curso no SENAC, que é na Avenida Tiradentes, que é um curso de uma extensão aí de, aproximadamente, dois anos. Então, fui fazer essa formação também.
P/1 – E nesse tempo de escola ainda, o que o senhor achava da escola, como é que era sua relação com a escola?
R – Meu primeiro ano foi difícil. Eu lembro que no primeiro dia de aula eu chorava que não queria ir pra escola. Não queria ir pra escola, tinha medo, não sei porque. Não sei se meus irmãos, por serem mais velhos, me pressionavam, falavam de alguma maneira. Isso me intimidou bastante, meu primeiro ano de escola foi difícil. Tanto o primeiro quanto o segundo; onde eu me adaptei melhor foi no terceiro ano que eu tive essa Darcy como professora. E ela tinha uma psicologia muito dinâmica. Ela é viva até hoje, ela tem 92 anos, mora ali perto e, de vez em quando, ainda encontro com ela. E ela teve muita psicologia pra lidar com esses alunos que tinham medo da escola, viam a escola com um certo pavor. E essa foi uma carência, eu poderia ter tido um jardim de infância, uma adaptação como as crianças de hoje têm, e antigamente tinham também. Eu lembro que tinham alunos da minha sala que tinham feito jardim de infância. Nessa Biblioteca que hoje é uma Biblioteca e um Parque Infantil, que chama-se hoje é a EMEI Borba Gato lá. Então, tem a Biblioteca Infantil de um lado e a EMEI do outro, mas já existia essa Escola Infantil. E meus pais, acho que talvez não quiseram colocar, por ser filho caçula, os outros não tinham feito e esse também não precisava, acho que um pouco de falta de informação. Mas o primeiro e o segundo ano pra mim foram difíceis de escola.
P/1 – Mas e as brincadeiras ali com os amigos, tinha uns amigos ali na Escola e faziam umas brincadeiras?
R – Tinha. Nós tínhamos muita brincadeira mas eu fui sempre muito comportado. Eu tinha muito medo de decepcionar a professora, de receber bilhete em casa, então, eu sempre fui muito comportado na escola. As brincadeiras eram só ali no intervalo, que era chamado recreio. E muitos se dirigiam pra cantina pra receber o alimento e eu tinha oportunidade de levar lanche e eu comia o lanche que eu levava de casa. Mas nós tínhamos ali alguns, se eu não me engano eram 15 minutos, não dava pra brincar muito. Mas eu tinha depois da escola, depois da escola nós encontrávamos alguns amigos, até amigas que moravam ali perto que os pais permitiam que brincassem um na casa do outro e aí a gente tinha bastante contato. Aí sim as brincadeiras fluíam.
P/1 – Quais eram essas brincadeiras?
R – Olha, eu brinquei muito de carrinho de rolimã na rua da minha casa, na Amador Bueno; brinquei muito de fazer e empinar pipa, uma coisa que era muito gostosa porque nós tínhamos um campo ali, um espaço enorme. Então os da rua, duas ou três ruas de trás vinham; duas, três ruas da frente vinham e a gente se reunia ali e fazia. Nossa, era uma delícia! E enquanto os mais velhos jogavam futebol, a gente tentava fazer um pipa, empinar um pipa. E tinham brincadeiras, tinham guerra de mamona, que era uma coisa que tinha muito ali naquele espaço, então tinha brincadeira de guerra de mamonas. Tinha estrela nova sela, tinha esconde-esconde, tinham várias brincadeiras daquela época que a gente usava todo aquele espaço como lazer.
P/1 – E do comércio ali na região na sua infância, o senhor tem alguma, o que o senhor lembra assim, alguma loja que o senhor gostava de frequentar?
R – Eu frequentava muito a padaria até porque os meus pais falavam: “Olha, tal hora é o horário do pão.” E aí a hora que você já aprende a atravessar uma rua, aprende a se locomover, você já ganha esse direito de poder ir na padaria, comprar um pão, comprar um leite. Então, eu freqüentava muito a Padaria Goa e a Padaria XV, que eram no Largo 13. Três e meia da tarde eu ia buscar o pão. Se eu tivesse brincando eu tinha esse compromisso de voltar e buscar o pão, porque cinco horas era o café da tarde em casa, sempre teve essa tradição. Então eu buscava o pão e tal, então eu usava muito a Padaria Goa. Só que tinha um mini-mercado que chamava-se Wickbert, que era na Rua do Cotovelo. Esse mercado era um mercado de uns alemães que tinha de tudo um pouco. Mas tinha muita coisa de frios e eu babava naquela geladeira de frios, tinha frios da Frigo Eder e eu babava ali naquela geladeira. Quando tinha que aproveitar e comprar alguma coisa eu aproveitava, se tivesse dinheiro pra comprar um pouco de frios pro lanche da tarde e alguma coisa assim. Mas era um mercado que, era um mini-mercado com catracas de entrada e etc e chamava-se Wickbert, eu me lembro muito bem. Então, Padaria Goa, Padaria XV e Wickbert, fizeram parte da minha rotina de trajeto na infância.
P/1 – Alguma delas existe até hoje?
R – Não, elas, eles foram ali. O comércio local de Santo Amaro poucos sobreviveram e os mais tradicionais foram absorvidos, incorporados pelos maiores. E o que aconteceu é que como essa transformação do Largo 13 comercialmente foi muito grande a valorização dos prédios, dos imóveis, dos pontos, então, esses que eram proprietários dos imóveis, que tinham uma padaria, que já não estava conseguindo suportar a evolução, vamos dizer, do público consumidor ou não se adequaram, aí esses tiveram que fechar as portas. E, fechando as portas, ou venderam o imóvel muito bem vendido; ou alugaram e a família sobrevive daquilo até hoje, que é o caso da Padaria XV ali, e assim foram as transformações do bairro. Então, poucos dali sobreviveram.
P/1 – E alguém da sua família tinha comércio ou não?
R – Não, não, ninguém; dos meus irmãos ali praticamente o primeiro comerciante fui eu.
P/1 – Então, o senhor mencionou que antes de terminar os estudos completamente o senhor já trabalhava na sua ótica que o senhor trabalha até hoje?
R – Isso.
P/1 – Como é que foi pra entrar nessa ótica, em que período foi?
R – Ali aconteceu uma coisa interessante, foi basicamente o meu primeiro emprego. Eu havia com 16 anos já despertado aquele desejo de ter o dinheiro próprio, recursos próprios, porque embora o meu pai tinha uma certa condição financeira jamais ele tinha condições de sustentar os cinco filhos com a mesma igualdade. Então, mesada é uma coisa que eu nunca ouvi falar. Você tinha que buscar ali o seu recurso. Se você quisesse sair no final de semana, se você tivesse uma namoradinha ou alguma coisa você teria que ter o dinheiro, o recurso próprio. Então, eu com 16 anos já comecei a procurar emprego, procurar emprego; arrumei um emprego numa loja que chamava Casa dos Esportistas, que era na Rua Manoel Borba. Mas não tive êxito ali, a equipe que trabalhava ali não era uma equipe muito coesa, não me senti bem naquele ambiente. Trabalhei ali 30 dias e me demiti, pedi a conta. Fiquei alguns meses em casa, conversando com alguns amigos e eu tinha um amigo que trabalhava nessa ótica, que é a Ótica Luz, que é uma loja muito tradicional do bairro, fundada em 1951. E ele trabalhava lá há mais de dez anos. E ele recebeu uma proposta pra trabalhar num shopping que tinha sido inaugurado, que era o Shopping Ibirapuera, numa outra loja. E aí ele falou: “Ó Fernando, você quer que eu te apresento lá? Teu pai já conhece lá, teu pai já é cliente lá, seu pai é amigo, conhece os donos. Eu posso te apresentar.” Eu falei: “Não, bacana, quero sim.” Tive lá no dia primeiro de abril de 1982, quase pra 17 anos ali. E aí eu já tinha, porque eu era usuário de óculos, então, já conhecia alguma coisa do segmento por usar os óculos. E aí passando por uma entrevista ali pelos dois proprietários que já conheciam o meu pai, que o meu pai também era usuário de óculos e fazia ali. Então, tudo foi um facilitador. E comecei a trabalhar no dia seguinte, no dia dois. E fui pegando gosto pela profissão, principalmente pelo relacionamento entre o cliente, ou seja, o balcão, o atendimento, porque eu achei que eu era muito tímido, que eu não tinha condição de atender. Isso foi me superando, me superando, gostando e me diferenciando ali, um atendimento diferenciado dos outros e fui tendo oportunidade de trabalhar ali até 1988. Em 1988, surgiu a oportunidade de nós comprarmos, e eu saí como empregado e comprar uma loja que o proprietário havia falecido, que chama-se Ótica Boa Vista. Ele teve um infarto, faleceu; e o pai dele, por ser de idade, havia tentado voltar ao trabalho com 70 e poucos anos, mas não conseguiu, teve uma crise de pneumonia, foi internado e faleceu. Então, a loja ficou fechada durante três meses. Tomei conhecimento disso, me ofereceram a loja e eu fui ver. E quando fui ver, gostei, voltei pra aquela loja que eu trabalhava, que era a Ótica Luz e fui esclarecer pros meus chefes e pro meu gerente que eu ia pedir a conta porque eu tinha achado uma oportunidade de comprar uma loja própria. Como eu já estava fazendo a Faculdade de Administração eu estaria unindo o útil ao agradável – e eu já era pai naquela época, eu fui pai em 1987 – então eu precisava pensar em mim. E aí pra minha surpresa o que aconteceu? O meu gerente, pegou e falou: “Mas você vai sair?” “Eu vou, me apareceu essa oportunidade.” “Você não quer um sócio?” Eu não tinha pensado nisso, mas financeiramente ia me ajudar muito. Então, eu topei. O meu gerente foi, saiu junto comigo no mesmo dia pra ser meu sócio. E o meu gerente estava trabalhando ali dez anos a mais que eu; se eu tinha seis anos ele tinha 16. E aí nós pedimos a conta juntos, fechamos o negócio e compramos em 1988 e damos andamento ali nesse empreendimento, que já era uma loja muito tradicional, que ela foi fundada em 1948, pelo senhor Waldemar Escócia. Foi a primeira loja em Santo Amaro, só que ela não ficou conhecida porque era uma loja de primeiro andar. Enquanto a Ótica Luz veio e se instalou na rua principal, no térreo, então, chamou a atenção. Então, ela era considerada a primeira loja em 1951. E com isso, nós tínhamos ali já um certo conhecimento de alguns clientes, amigos, e encontrava algum no supermercado, encontrava numa feira, dava um cartão e nós fomos tendo sucesso, até que alguns anos depois nós recebemos um telefonema de um dos nossos antigos chefes, que era um dos proprietários da Ótica Luz dizendo que ele estavam muito cansado principalmente com aquela invasão de camelôs que houve na rua, que era a Rua Capitão Tiago Luz; que não tinha mais como dar continuidade naquilo, se nós havíamos interesse em assumir a loja. E foram seis meses de negociação, mas têm coisas que é por Deus. Tanto a primeira loja como a segunda tava escrito, tinha que ser nossa. Depois de seis meses de negociação nós compramos a Ótica Luz, que era onde foi o nosso primeiro emprego, tanto do meu gerente que era meu sócio como o meu, e assumimos aquela loja também, que eu administro até hoje, que eu fico ali; meu sócio fica na outra loja, na Ótica Boa Vista. Ele já tem 40 anos de loja de ótica e eu tenho 30 anos de ótica. Nós temos uma diferença de dez anos em nível profissional, mas não em nível técnico, nada. Cada um tem o seu perfil, se damos muito bem, estamos no ramo, estamos ali, já cravamos a nossa, como é que eu posso dizer, nós já somos conhecidos. Hoje se fala Ótica Luz, fala Ótica Boa Vista no bairro é uma loja conhecida e se manteve. E conseguimos manter aí, com os avanços tecnológicos conseguimos dar continuidade, investir nos equipamentos necessários. Antigamente toda a montagem dos óculos era feita de maneira artesanal; hoje não é, hoje é tudo computadorizado. Demanda, demandou altos investimentos, graças a Deus nós tivemos condição de acompanhar essa evolução tecnológica e estamos ali até hoje. Só que a Ótica Luz, como foi fundada em 1951, permanece no mesmo endereço desde a sua inauguração, hoje ela é a única loja que permanece da década de 1950 pra cá desse comércio tradicional de Santo Amaro. A única loja, não ficou mais ninguém.
P/1 – É. Voltando no tempo então seu pai já era um cliente da Ótica Luz?
R – Já.
P/1 – E o senhor sabe qual foi o motivo que ele procurou essa loja?
R – O que aconteceu é o seguinte, você sabe que depois que nós passamos dos 40 nós começamos a ter um problema de visão de perto? Independente do sexo, homem ou mulher, passou dos 40 começa a ter problema da visão de perto. Então o que acontece? Meu pai já tinha passado dos 40, procurou um oftalmologista, fez uma refração e foi fazer um óculos. E a Ótica Luz era muito tradicional, e a conveniência: tá no bairro, tá perto, trabalhava do lado, a Prefeitura era do lado e ainda é até hoje. Então, ele descia na mesma calçada e encontra a Ótica Luz. Então, ele com certeza foi fazer. E a amizade, meu pai era uma pessoa muito bem quista, ele tinha uma personalidade ímpar, fazia amizade com todo mundo, tinha uma facilidade nessas relações pessoais. Então, ele usou a loja como sendo um cliente ali até quando ele faleceu. É que teve uma coincidência nessa história que eu comecei a trabalhar no mês de abril e meu pai faleceu em maio. E isso foi uma coisa que pesou muito também no aspecto profissional porque se eu já tinha um desejo de ter uma renda própria, com a perda do meu pai, em 1982, isso me despertou e me fez agarrar com unhas e dentes aquele emprego. Porque eu tive que trabalhar ou trabalhar, aí eu perdi a âncora. Jamais eu podia contar: “Então, eu vou pedir dinheiro pra minha mãe.” Nunca tive esse intuito, mas com a perda do meu pai isso me tomou de um jeito. Tanto é que eu casei muito cedo depois, eu casei com 21 anos e fui pai com 23. E eu vejo hoje a relação dos jovens completamente diferente da minha. Hoje eu vejo o meu filho com 24 anos que male e male ainda terminou uma faculdade e tá pensando o que vai fazer. Então, eu acho que pra muitos aí a coisa antigamente despertava mais cedo porque começava a trabalhar mais cedo, embora o estudo ficava um pouco prejudicado. Você não tinha tanto tempo pra fazer uma faculdade como os jovens têm hoje. Hoje têm jovens que faz faculdade de dia, faz curso à tarde e não trabalha, vai trabalhar depois de formado ou de terminar. E isso eu não tive. Mas com a perda do meu pai isso foi muito difícil pra mim e eu posso dizer que eu tive um apoio muito grande dos donos da loja, o senhor Ciro e o senhor Romano. Eu devo um apoio psicológico, porque eles eram homens muito íntegros também, tanto no caráter familiar, casamento, profissional, comercial; isso me trouxe muita bagagem, me trouxe ali um aprendizado que eu posso dizer ali de, como que eu posso falar pra você que é um aprendizado que você ali tem como minha profissão. Minha profissão foi uma coisa que eu aprendi na prática. E esse aprendizado ali das relações humanas com pessoas muito mais velhas que eu me trouxeram um amadurecimento também na prática. Foi muito bom.
P/1 – E esse período que o senhor passou que foi um período de dificuldade de perder o pai coincidiu justamente com o primeiro emprego? E o senhor acha que se não tivesse sido no comércio o senhor teria sido a mesma coisa ou o comércio que serviu como guia melhor…?
R – O comércio me deu a oportunidade de eu não ficar deprimido. Porque como é muito dinâmico e a relação interpessoal com um cliente, com outro... em oito horas de trabalho você conversa com diversas pessoas, com diversos problemas, com diversas maneiras de serem tratados e tratar. E isso, por ser muito dinâmico, então me conduziu a não pensar tanto, de não encarar como uma grande dificuldade a morte do meu pai. Foi difícil? Foi difícil, mas eu tive as reações que um ser humano precisa. Eu tive que tocar a vida, não tinha jeito. Todos os meus irmãos já trabalhavam, formados cada um, e eu era o mais novo. Embora eu tenho minha mãe viva até hoje e minha mãe sempre foi muito presente na minha vida também, mas a perda do pai é uma referência masculina, é algumas bagagens que a gente traz de pai que... Eu vejo meu pai com um caráter ali, como eu falei, ímpar, uma pessoa extremamente dócil, amável que eu sinto falta até hoje. Talvez até mais hoje do que naquela época, não sei até hoje o motivo. Mas talvez hoje, com mais recursos financeiros, eu teria condições de agradá-lo mais, tê-lo mais como companhia, como companheiro porque eu tenho mais tempo, tenho mais recurso. Naquela época eu não tinha, então, não podia agradar; ele que podia fazer o que ele. Eu me lembro que eu, como último filho, meu pai chegava do trabalho e sempre me trazia um chocolate, meus irmãos ficavam com ciúmes. Eu era o mais novo, o único que tinha chocolate, os demais não tinham. Então, tinham algumas coisas que ele fazia, não por diferenciação de filho, mas por a condição financeira na época ser um pouco melhor do que quando meus irmãos nasceram e foram criados. Talvez eu tive uma relação privilegiada, uma situação financeira melhor. Mas eu sinto saudades dele até hoje.
TROCA DE FITA
P/1 – Então voltando aí pra esse início de trabalho na Ótica Luz, que foi o seu primeiro emprego, o senhor entrou lá com quais atribuições, o que o senhor fazia quando entrou na Ótica Luz?
R – Ali a atribuição foi diferente. Todo mundo que era contratado ali entrava como office-boy, mas era um auxiliar de limpeza. Esse era a primeira função da loja. Mas como eu comentei anteriormente eu fui apresentado por um amigo que já desempenhava uma função de atendimento técnico, que era o atendimento, ou seja, a preocupação ali era suprir essa deficiência de balcão no atendimento técnico que era a hora que o cliente chegasse com uma receita pra execução de um óculos. Então, na hora da entrevista ali eu perguntei o que eu iria fazer, qual que seria a função, e aí me surpreendeu porque disse: “Não, você vai ficar no lugar do Ari, que ele faz o atendimento técnico.” Eu disse: “Não tenho, embora sou usuário de óculos mas eu não tenho conhecimento técnico.” Ele falou: “Não, mas você tem o perfil e nós vamos querer que você fique direto na frente.” Eu fiquei um pouco surpreso porque como todos entravam, ele mesmo havia me explicado que entrava na base que era como auxiliar de limpeza e etc, então, eu tava pronto pra entrar da mesma maneira. Mas fiquei surpreso e fiquei grato. Porque o que ali muitos talvez tinham demorado um ano, um ano e meio pra aprender, eu com seis meses já tava desempenhando bem a função. Tomada de medidas, desenvolvimento no atendimento, solução de alguns problemas. E aí eu fui tendo um desempenho até que surpreendente. E iniciei nessa parte de atendimento que eu faço até hoje, só que hoje eu tenho as outras funções, que são funções administrativas. Mas, basicamente, a Ótica se resume no atendimento, o primeiro impacto ali o que seria? Eu teria que atender esses clientes junto com o meu gerente e um sub-gerente, que são pessoas, um deles é o meu sócio e o outro também era o João, que era uma pessoa que eu preciso lembrar. Os dois me deram um apoio muito grande, pessoas mais velhas que eu, de 12 a 15 anos mais velhas do que eu, com uma outra história de vida, embora todos ali de Santo Amaro. Moravam em Santo Amaro, conheciam meus pais, conheciam minha família, nos conheciam, então, sabiam um pouco de mim. Isso tudo ajudou pra eu ter um bom ambiente de trabalho. Mas o que eu não posso deixar de agradecer é porque eles me ajudaram muito na ilustração de produtos, na tomada de medidas, em toda a informação técnica e me ajudaram muito. E isso me trouxe um desenvolvimento que me trouxe o sucesso que eu acho que eu tive dentro da minha função. Eu aprendi muito rápido, eu retribuí não dando preocupação a eles quando a loja enchia e tinha “x” pessoas pra atender. Então, eu acho que eu dei conta do recado. E eles ali me apoiaram muito. E o João, agora a três anos atrás, nós o perdemos por um problema de pressão alta, ele teve um AVC, foi hospitalizado e acabou falecendo. Mas ele teve uma coisa muito interessante, por ele ser um santamarense nato, nascido em Santo Amaro, família de Santo Amaro e ele era uma pessoa muito humana. E quando eu saí da loja, eu e o gerente que é o meu sócio hoje, ele ficou bastante chateado; ele queria que nós o convidássemos pra ir conosco. E não tinha campo, não tinha, a loja que nós compramos era uma loja pequena. Dois era o suficiente ali pra dar conta do trabalho e a parte de montagem nós poderíamos terceirizar. Então, nós não precisaríamos de um terceiro sócio nem teria rentabilidade pra isso. Ele ficou bastante chateado, não de não nos cumprimentar, mas nós perdemos o contato durante um período. E aí depois quando eu assumi essa loja, ele acabou se aposentando depois por tempo de serviço, e quando nós assumimos essa loja ele já estava aposentado. Mas ele como tendo conhecimento, como morava em Santo Amaro e tendo conhecimento que nós assumimos a loja ele foi lá. Foi lá, conversamos, batemos um papo, etc. Mas o que eu achei incrível é, poucos meses antes dele morrer, dois meses no máximo, ele teve lá na loja e falou: “Pô, eu queria te pedir desculpas por aquela situação constrangedora que houve naquela ocasião; eu fiquei chateado mas não queria que você levasse a mal. Eu queria que você me perdoasse, com o amor do nosso Senhor.” E como eu tenho uma criação evangélica e ele não tem criação evangélica, mas era muito religioso, e nós nos tratamos ali muito amorosamente. Mas o que me surpreendeu é que nós havíamos combinado de fazer uma visita pra um desses nossos chefes, na ocasião, que tava um pouco doente, que mora no interior. E ele falou: “Não, eu quero ir com você; você me leva?” Eu falei? “Não, levo, vamos combinar.” Mas não houve tempo, ele faleceu logo em seguida. Mas o que eu quero ressaltar é que ele teve um momento ali de ele pedir perdão por alguma atitude que ele teve. E em seguida disso ele teve a causa morte dele ali. Então, eu acho que Deus tocou no coração dele de alguma maneira que fez com que se tivesse algum rancor ele tirou naquele momento. E se alguém acredita em vida eterna – eu acredito – ele ali eu acho que ele conquistou qualquer direito. Se tinha qualquer desavença com alguém, comigo ou com qualquer outro ali dentro da loja, ele minimizou aquilo naquele dia. Isso ele não deve ter feito só comigo. Mas uma atitude humana difícil de ver. Então, uma pessoa que marcou muito a minha vida profissional.
P/1 – Agora uma pergunta meio curiosa, o senhor se lembra o que o senhor fez com o seu primeiro salário na Ótica?
R – O primeiro salário eu guardei, 99% dele. Eu tinha um objetivo: eu queria ter o meu primeiro carro. Eu sempre sentia, eu usei o carro do meu pai por muito tempo até mesmo sem ter habilitação. Meu pai me ensinou a dirigir eu tinha 12 anos. Meu pai sempre gostou muito de automóvel, sempre tinha dois, três automóveis em casa e ele sempre curtia muito automóvel. E eu sempre fui muito de lavar o carro, ajudar isso e aquilo; acabei aprendendo a dirigir muito cedo. Dirigir até sem habilitação durante muito tempo. Mas, naquela ocasião, eu recebendo o meu primeiro salário eu tinha um objetivo: eu queria comprar meu carro. E eu já guardei o meu primeiro salário. Guardei meu primeiro salário e assim foi sucessivamente os outros até eu conseguir o recurso de comprar o meu primeiro fusca. E isso, eu comecei a trabalhar em abril; quando foi em outubro eu comprei o meu primeiro carro. Eu fui guardando todo o meu salário, todo o meu salário. Era um carro usado, claro, mas em perfeitas condições e comprei o meu primeiro, eu tinha um objetivo: queria ter meu carro. Esse era o meu principal objetivo, porque eu tinha os amigos da escola, do curso, daquilo e surgia um passeio, surgia isso e muitos tinham e eu não podia usar o carro do meu pai porque ele tinha compromisso. Na ocasião ele já não tinha mais dois, três; ele tinha só um porque nem precisava, minhas irmãs já tinham casado e meus irmãos casados; pra que ter dois ou três carros? Não precisava. Então, ele tinha apenas um e ele já tava, tinha até um pouco de dificuldade pra dirigir por causa de alguns remédios que ele tomava. Então, mas eu não podia contar com o carro à noite. Ele tinha compromissos da igreja, ele precisava ir pra igreja, precisava sair. Mas eu queria ter o meu carro. Então, meu primeiro salário não esqueço, eu não gastei, não comprei um tênis. Guardei sucessivamente até comprar o meu carro.
P/1 – E nesse momento que o senhor chegou lá na Ótica Luz, como é que era lá? O senhor tem como descrever a loja pra gente, como é que ela era, que público que atendia, como é que era a loja?
R – A loja é o seguinte: ela é uma loja pequena, tem quatro metros de frente por dez de fundo; ela tem aproximadamente hoje, com o mezanino, 45 metros quadrados. Mas o layout é o layout original da instalação até hoje. A mesma formação de balcão e atendimento, a mesma formação de balcão administrativo onde tem a maquininha de cartões hoje onde eu faço de mesa. Por quê? Porque o espaço físico é pequeno, eu não tenho nem como tentar mudar aquele layout. Então, se você entra na Ótica Luz hoje você vai ver ela mais clara, com móveis novos, com instalações novas, com equipamentos novos. Mas é o mesmo layout de 1951, mesmo, idêntico. Agora, sem dúvida, o público feminino é o público que mais freqüenta a Ótica. Então, hoje você entra numa loja você tem dificuldades de achar óculos pra homem, principalmente pra uma linha jovem. Você acha muito mais pra senhor, senhoras e pra mulher de um modo geral. Ou até crianças, mas do público feminino. Então, sempre a Ótica, e a indústria ótica tá muito mais focada na mulher do que no homem. Mas nós temos vários clientes, com certeza, homens que usam e já eram usuários e continuam sendo. É que nós hoje já estamos atendendo até à terceira geração de alguns clientes que eu conheci quando comecei a trabalhar. Hoje eu já atendo os netos desses clientes que ainda residem no bairro. Porque muita gente, com a evasão das indústrias, que foram pra Piracicaba, Sorocaba e não sei aquilo, muita gente mudou e aí você perde o vínculo, você perde aquela comodidade de ele estar no bairro. Mas os que ficaram, que gostam do trabalho e apreciam, ainda nos prestigiam. Então, hoje eu já tenho a terceira geração atendendo. Mas eu me lembro alguns clientes, como os primeiros clientes que eu atendi que lembram de mim. Que falam: “Puxa, eu lembro quando você começou a trabalhar aqui.” Isso é gostoso, é gratificante.
P/1 – E sobre esse assunto que o senhor comentou eu acho que a indústria ela tá muito mais voltada pro público feminino hoje em dia.
R – Muito.
P/1 – Qual que é o motivo, por que os jovens homens não tem…?
R – Não, existe a dificuldade da indústria ótica nacional, então, hoje você pega aí muita coisa importada. Fora do país existe um desenvolvimento de óculos assim mais pro público jovem. A indústria nacional, não; ela foca aquilo que realmente vende em grande quantidade. Então, quem compra mais óculos hoje? É a mulher. Então, na linha jovem feminina, e na linha senhora eles tão focados nisso. Na linha senhor, ou seja, um público mais maduro masculino, também estão, mas em menor quantidade. Agora, a linha jovem muita coisa vem de fora; os óculos mais arrojados, mais esportivos, muita coisa vem de fora. O conceito é que a mulher compra mais que o homem, que troca mais de óculos que o homem. Isso tanto na linha solar quanto na linha receituária.
P/1 – Então, continuando nesse assunto, o senhor quando iniciou o seu trabalho ali na Ótica era comum, por exemplo, o mercado dos óculos ser mais volumoso do que o de lentes de contato ou de óculos escuros ou já?
R – Não, na verdade a fatia de mercado do segmento ótico, a nível Brasil, ela ainda é muito pequena, seja no fator, lente de contato é menor ainda. O acesso que o público tem a fazer uma refração está nos grandes centros. Se você pegar uma estatística hoje de óticas na região Sudeste e na região norte, nós temos, por exemplo, um milhão de óticas na região sudeste e temos trezentas mil ou duzentas mil no Norte. O acesso ao óculos isso já é difícil; a lente de contato é muito mais. Então, por isso é que os grandes grupos estão vindo pro Brasil de olho no mercado. As grandes redes, Europa, Estados Unidos, estão vindo pro Brasil, estão tentando entrar nas redes que já estão aqui, instaladas aqui pra tentar angariar esse campo que já está estabelecido e tentar atingir um público AAA – só a nível shopping, Shopping Iguatemi, Shopping Morumbi, os grandes shoppings. Eles estão focados nisso. Agora a região Norte, Norte cresceu muito, agora Nordeste é muito deficiente. Então, você imagina o que os moradores daquela região não têm acesso aos óculos, quanto menos a lentes de contato. O nosso mercado é um mercado crescente. Só que o meu perfil de loja hoje, uma loja com quatro metros de frente e dez de fundo passa a ser uma loja pequena, porque a loja hoje ela tem que ter, de preferência você poder receber seus clientes sentando todos os seus clientes. Hoje a minha loja não comporta sentar todos os meus clientes que estão na loja pra um atendimento. Então, eu uso uma cadeira pro pessoal aguardar e as outras de atendimento. Então, o espaço físico da ótica hoje tem que ser maior, o conceito hoje de layout é diferente do que eu tenho. Mas eu tenho a tradição e eu sobrevivo disso; e eu sobrevivo do aspecto técnico, ou seja, eu procuro vender certo pra que a pessoa enxergue. E um grande problema hoje é a falta de profissional no nosso segmento. As pessoas se formam no SENAC porque ouviram falar que ótica tem campo, vão lá e fazem o curso. Mas o curso não traz a bagagem prática – as adaptações, as medidas. Então, isso tá um mercado o quê? Esse pessoal vindo de fora montar ótica aqui mas não tem profissional pra trabalhar. Mesma coisa quando sai um funcionário meu eu tenho dificuldade pra contratar outro. Por isso que eu pego normalmente aquele que já tá na base e eu vou colocando pra treinamento para o atendimento. Esse sempre foi mais ou menos o nosso trabalho aí e assim foi. Na década de 1960, a Ótica Luz mesmo foi conhecida como formadora de mão-de-obra. Ela tinha 12 funcionários naquela época. Hoje nós estamos em seis funcionários. Eu ainda atendo, então, eu considero como uma sétima pessoa pra atender. Mas naquela época eram 12, você imagina 12 no mesmo espaço físico. Ela era conhecida como formadora de mão-de-obra técnica, porque era uma técnica prática. Existiu até um supletivo de ótica que era ótico-prático e eu cheguei a fazer em 1997. Depois nunca mais abriu esse curso, esse curso não, vamos dizer, é uma prova que você testava suas habilidades e seus conhecimentos e você recebia um diploma de ótico-prático. Então de 1997 pra cá nunca mais teve. Eu acho que o MEC deve ter cortado isso e com razão. Eu acho que se a pessoa quer ter formação vá fazer o curso técnico; traz mais bagagem do que só a prática também. Tem o conhecimento teórico, tem a lente de contato, ele sai formado como contatólogo. Hoje, eu sou técnico ótico e contatólogo. Se eu quisesse fazer hoje optometria, que ainda não é reconhecido no Brasil, com a possibilidade de você fazer numa refração, eu teria esse direito de fazer porque eu já tenho as duas formações. Eu poderia fazer tranquilamente. Mas é uma carência de mão-de-obra, muito técnico. O meu ramo é muito técnico. Ninguém dá valor, mas é muito técnico.
P/1 – E a Ótica Luz continua com esse perfil de reveladora de talentos?
R – Ela continua com o perfil de formar pessoas de atendimento que sejam habilitadas pra aquilo que elas estão fazendo naquele momento. Agora, a Ótica Luz tem uma preocupação com o funcionário que antigamente ela não tinha. É de ver as dificuldades do mesmo e suprir. Então, hoje a troca de funcionário lá é muito mais lenta do que já foi. Hoje eu tenho funcionário comigo de 16 anos, 14 anos, 12 anos. O mais novo é a base, que é aquele que entrou como auxiliar de limpeza e tá ajudando no atendimento; esse tá dois anos lá. Mas os outros estão com dez anos, 12 anos, 14 anos, 16 anos. Isso significa que as pessoas estão satisfeitas, tanto com o ambiente de trabalho e com o salário. A remuneração dele hoje nós temos que estar adequados a isso, nós não podemos pagar “x” e o concorrente pagar “xy”. Hoje a Ótica Luz tem essa preocupação. O recursos humanos que eu acabo tendo que fazê-lo, porque quando você é empresário de um negócio pequeno no Brasil você tem que ser recursos humanos, você tem que ser financeiro, comprador, vendedor, psicólogo, tem que ser tudo ali dentro da empresa. Você tem que se transformar. E a preocupação com o funcionário é a tua base, se eles não tiverem bem eu não vou estar bem. Então, hoje eu ajudo muito meus funcionários, muitos deles a comprar casa própria, carro próprio. Muitas vezes eu ajudo até financeiramente, consigo até no nome da empresa a juros menores e repasso pra eles os valores e assumo esse compromisso comigo na folha de pagamento. Pra uma empresa desse porte pequena com seis funcionários, isso você vê em multinacionais. Então, esse preocupação eu tenho com o bem-estar de cada um, família, filhos. Hoje, qualquer dificuldade que o funcionário tem: “Olha, o meu filho tá com um problema, preciso sair.” “Vai, resolve o seu problema; no dia seguinte você vem trabalhar com a cabeça tranquila.” Jamais eu seguro o funcionário por qualquer que seja o motivo de uma doença, de um auxílio. Hoje em dia muita coisa gira em torno de documentação: documentações pessoais e isso eu auxilio para que eles nunca tenham problema. Seja uma escritura, seja num documento de um carro; eu dou suporte pra eles em tudo, eu tenho essa preocupação com os meus funcionários. Eles têm que trabalhar, mas eles têm que estar bem. Isso é uma base que eu tenho com seis amigos e funcionários que eu tenho hoje.
P/1 – Voltando a falar do espaço físico ali da loja, o senhor disse que a loja mantém um layout original.
R – Tradicional e original.
P/1 – Tradicional. E por que manteve esse layout, o senhor nunca chegou na necessidade de se apresentar a mercadoria de uma outra forma ou isso não tem muito peso numa ótica, qual que é a relação da apresentação de uma mercadoria pra uma ótica?
R – Por incrível que pareça esse layout é um layout funcional, ele funciona até hoje. Aquela vitrine de frente, a vitrine lateral, as vitrines atrás do balcão, ou seja, nós estamos de costas pra mercadoria, mas ela funciona e é dinâmica. E por incrível que pareça os antigos proprietários trouxeram esse layout de uma outra loja que eles trabalharam no centro de São Paulo, na década de 40, que essa loja vinha de um conceito europeu de funcionalidade. E por incrível que pareça ela funciona até hoje. Eu sinto a necessidade de poder assentar os meus clientes conforme o atendimento. Mas, em alguns casos, o atendimento dinâmico em pé também é muito útil. Agora por falta de espaço físico eu não tenho como mudar esse layout, não tenho. Qualquer criação que eu faça eu perco minhas vitrines, eu perco a exposição dos produtos, ela é muito estreita, muito pequena.
P/1 – E pensando nisso o senhor pensa em uma ampliação, por exemplo, comprar um imóvel vizinho ou então mesmo mudar o endereço pra um imóvel maior?
R – Olha, eu pretendo completar, eu tenho foco, espero que Deus me ajude: eu queria ver a Ótica Luz completando cem anos ali do jeito que ela é hoje, pra provar pro mercado ótico que trabalhando dignamente, honestamente, tecnicamente e, principalmente, com ética, você sobrevive, certo? Agora comercialmente falando, financeiramente falando, eu tenho desejo. Mas eu tive várias oportunidades de estar em grandes shoppings, Shopping Morumbi, Shopping Ibirapuera. Mas eu não tenho esse arrojo, porque a minha preocupação é com o atendimento e o meu atendimento sem a minha presença ali talvez não seja o mesmo que eu gosto. Então, nesse ponto eu tenho uma visão um pouco afunilada, o meu prisma de enxergar isso realmente ele é menor do que alguns segmentos, do que alguns comerciantes do meu ramo, que têm seis lojas, sete lojas, cinco lojas e não estão preocupados com o atendimento. Estão preocupados só apenas em vender óculos na maior quantidade possível pra ter a melhor receita possível e fazer o nome. Eu já quero fazer o meu nome com o meu atendimento no meu espaço. Se houver possibilidade, se Deus permitir, pode ser que um dia eu venha a ter uma loja maior. Mas eu tenho um foco, eu gostaria de ver a Ótica Luz completando cem anos. Eu não sei se eu vou conseguir porque ela tá com 60 anos hoje, faltam mais 40. Ela completou 60 anos esse ano, em julho; então faltam mais 40. Mais 40 eu vou estar quase com 88 anos. Então, não é fácil; não sei se eu vou estar lúcido, se eu vou estar bem, se eu vou estar aqui. Mas eu gostaria de ver a Ótica Luz com cem anos. Vamos ver.
P/1 – E o senhor chegou até a ter uma experiência no outro ponto que foi a Ótica Boa Vista?
R – Que ela funciona até hoje.
P/1 – Como é que foi essa experiência de, de repente sair da Luz e ter, não só saído da Ótica Luz, mas ir pra um outro ponto que é um ponto que é seu, que você é o proprietário, que então você deixou de ser funcionário pra ser proprietário. Como é que foi?
R – Foi uma experiência inovadora, promissora, me trouxe muito amadurecimento, comercialmente falando, financeiramente também. No momento da minha vida, como eu tava te falando, eu fui pai no ano de 1987, a loja me possibilitou a compra em 1988. Isso me trouxe um avanço de poder aquisitivo, como se sair de funcionário e ser proprietário. E aonde ela é – eu vou falar um pouquinho da Galeria agora Borba Gato. A Galeria Borba Gato, onde a Ótica Boa Vista está hoje, ela foi fundada, como te falei em 1948, onde a sua primeira instalação foi no Largo 13 de Maio, ao lado da Padaria Goa, em frente à Padaria XV, só que no primeiro andar. Então ela não era conhecida, era conhecida por poucas pessoas. E em 1962, com a inauguração da Galeria Borba Gato, era um conceito de galeria mini shopping. Então, no nosso bairro, ali no nosso perímetro, Campo Belo, Brooklin, Santo Amaro, não tinha outra galeria desse nível. Então ela foi pioneira. Só que o conceito era mini shoppping, eram lojas de requinte. E a Ótica Boa Vista foi pra lá e ela agregou esse público. Então, ela pegou a fatia de um público alemães e suíços que moravam no Alto da Boa Vista. E trouxeram ali e isso foi muito bom pra Ótica Boa Vista, pra história da loja, financeiramente pro proprietário, o senhor Waldemar Escócia, foi muito bom. Só que o que aconteceu? Ele não conseguiu avançar aquela loja tecnologicamente: ele parou no tempo. A mesma instalação que ele fez em 1962 permanecia até 1988. A mesma loja escura, com a mesma iluminação, com a mesma exposição. A Ótica Luz, não; a Ótica Luz ela inovou, pelo menos, na maneira de expor seus produtos mas nos tons usados no comércio e até mesmo nos tipos de mobiliária que se usava pra época. Então, ela foi se adaptando, ela foi passando por reformas constantes, até hoje. E a Ótica Boa Vista, não. Tanto é que quando nós assumimos ela tinha uma instalação arcaica. Mas ela sobreviveu na Galeria Borba Gato e a Galeria Borba Gato, como eu falei, eram lojas de requinte. E ela passou por um momento de queda ali em meados de 1980 até 1995 a Galeria vinha em queda. Por quê? Porque a Galeria também não acompanhava a evolução. Tinha um ponto ideal, Santo Amaro já tinha expandido por todos os lados, por todas as ruas; então a Galeria fazia parte de um conjunto de lojas ali que ainda você pagava um aluguel mais barato mas era um local limpo, que o cliente se sentia bem. E aí o que aconteceu? Em 1995 eu assumi aquela Galeria como síndico. E como primeira reforma que eu gostaria de fazer era a reforma elétrica, a reforma hidráulica; mas eu queria cuidar da parte do visual da Galeria. Então, precisava trocar piso, precisava mudar a pintura, precisava mudar a fachada. E, consequentemente, precisaria fazer poço artesiano, mas principalmente as reformas hidráulica e elétrica estavam deixando as lojas ali decadentes. E eu assumi e junto com uma equipe: com o meu contador, que tinha escritório lá; com o Zeca, que era um comerciante antigo. E nós formamos uma equipe; a esposa dele era tesoureira, a esposa do Jairo, e nós formamos uma equipe, reformamos a Galeria e conseguimos deixá-la muito mais bonita. Ou seja, hoje ela é muito mais assim conceituada do que foi 11 anos atrás. Hoje têm pessoas que vão procurar pontos ali pra alugar porque conhecem a estrutura da Galeria, do que a Galeria oferece pro lojista. Então, ela passou por essa reforma nesse período que eu fui síndico, eu fui 12 anos síndico dali. E depois eu deixei meu cargo, porque eu já tava cansado e o meu contador, o Jairo, assumiu. Mas a Galeria em si ela só não foi tombada pelo patrimônio histórico, que é uma coisa que dificultou bastante agora na desapropriação por causa do Metrô. Ela foi condenada a ser desapropriada. Ou seja, cada comerciante recebeu o comunicado de desapropriação e a data que você teria que esvaziar, entregar o prédio, o imóvel. Isso aconteceu com todos os imóveis ao redor. Com os supermercados, que era a antiga Companhia Santo Amaro de Automóveis que se transformou no Supermercado Futurama; os demais bancos, Caixa Econômica Federal, Santander, Banespa, todos os bancos ali que faziam parte daquele quarteirão foram desapropriados. E a Galeria houve uma mudança de projeto, devido a algumas manifestações políticas. Mas eu coloco isso como ação de Deus, não coloco nenhum ser humano acima disso, porque é uma loja, é uma Galeria que eu falei muito tradicional que já deveria ter sido tombada pelo patrimônio histórico; foi o primeiro shopping do bairro, mini-shopping. Ela não poderia desaparecer simplesmente por desaparecer. São 96 lojas mais 40 escritórios, ela tem um peso pro comércio local. E aí por Deus nós conseguimos uma adequação no projeto; o Metrô voltou atrás na desapropriação, não desapropriou e nós permanecemos com a loja e os outros comerciantes também. Apenas houve uma mudança no projeto, comeu um pedaço da Galeria; mas que ele será reconstruído quando o próprio Metrô entregar o acesso da avenida pavimentado, urbanizado. Então, se reconstrói as lojas que foram desapropriadas. Então o que aconteceu? Houve toda essa transformação, ela tá isolada hoje ali. Mas você imagina depois o metrô passando e parando na porta, do lado da Santa Casa de Misericórdia? É prosperidade, então é uma questão de tempo pra ela retomar a sua função. Os comerciantes estão penando um pouquinho, mas é uma questão de tempo.
P/1 – Voltando agora pra Ótica Luz, então. Hoje, qual o perfil do público que a Ótica Luz atende nesse ponto que é tão antigo?
R – Olha, o ponto é muito antigo, mas o bairro.... Santo Amaro não é um bairro nobre. Então, nós temos no nível B, C, D e E. E fazemos questão de atender, tanto B quanto E da mesma maneira, certo? Em algumas situações eu acho que até o E é melhor atendido do que o B, pela humildade, pela simplicidade, pela necessidade e pelo nosso desejo de ajudar. Então, se existe uma carência, se a gente tem recurso acho que você tem que ajudar. Mas a Ótica Luz ela permanece, como eu te falei, acompanhando a evolução do mercado, seja no nível se adaptando a toda parte de montagem, porque hoje as lojas normalmente têm uma montagem externa. Ou seja, você manda fazer um óculos ali, mas ele não é feito ali, ele é feito num laboratório terceirizado. A Ótica Luz, não; ela permanece com o seu laboratório próprio, com seus equipamentos próprios. Pra quê? Pra que se você precisar de um conserto, de um reparo, de uma troca de armação seja feita ali e na hora. Nós temos esse investimento e todo o equipamento necessário para que possa ser feita essa montagem. Isso demanda vários equipamentos. Então, isso foram feitos, era de forma artesanal e hoje é forma computadorizada. Você não põe mais a mão na lente para que ela se transforme num determinado modelo de um determinado óculos. E então ela acompanhou essa evolução tecnológica, tentou acompanhar as adaptações das cores, da modernidade dentro do seu espaço físico, mas dentro, consciente do seu limite, do seu público. Então, você jamais vai encontrar uma armação de determinadas grifes lá na Ótica Luz porque o foco dela não é esse. Não é vender grife por um local onde é um calçadão, não tem estacionamento próximo. Então ela tá focada num público que ela detém. Esse é o foco da Ótica Luz, estar sempre com o pé no chão e saber quem que ela vai atender. Mas sempre a mulher é o público alvo. Então você encontra muito mais armações pra mulher do que pra homem.
P/1 – O Largo 13 ele se notabiliza por ser um local assim de extrema movimentação, de passagem, de passageiros. Por outro lado, a Ótica tem esse perfil tradicional, tradicional do bairro, enfim. O público mais fiel, uma parte dele é o público mais do bairro ou esse pessoal que tá de passagem por ali?
R – Não, de acordo com o levantamento da nossa base de, vamos dizer assim, do que nós temos como clientes, hoje você vê públicos de pessoas que moram ali próximo. Tudo bem, você tem. Mas a periferia incide muito no público alvo nosso. Então, se você pegar a região do Grajaú, nós temos diversos clientes; se pegar a região do M'Boi Mirim nós temos diversos clientes; Itapecerica, região de Itapecerica, Capão Redondo, Socorro, Interlagos, SESC, toda essa região nós temos clientes. Se você fizer um levantamento, um cadastro você acha todos os CEPs da nossa região ali, certo? Isso indica que a gente ainda é visto como um ponto central, Santo Amaro ainda é visto como um ponto central. As pessoas ainda se deslocam dos bairros pra virem ali. Embora o comércio hoje tá muito descentralizado, hoje você vê Casas Bahia em todos os lugares, Banco do Brasil, Bradesco, Santander, em toda a periferia você vê. Você pega uma Avenida da Belmira Marin, que vai sentido Grajaú, sentido Bororé, que já é divisa de São Bernardo é só atravessar a balsa, você vê Santander, Banco do Brasil, Casas Bahia. Então, tá descentralizado o comércio, isso tá. Então se você falar: “Olha, quantas receitas você avia por dia hoje?” Se nós chegamos a ter, sei lá, 50 ou 60 receitas por dia e hoje nós temos 20, 18, 15, é em função dessa descentralização.
P/1 – E o senhor acompanha esse movimento quanto tempo já dessa descentralização?
R – Eu acompanho esse movimento desde quando eu tive o desejo de poder, além de ter o meu trabalho, ter a minha renda do meu trabalho, poder deslumbrar ter algum imóvel, alguma coisa como forma de renda, não só em Santo Amaro. Que Santo Amaro tá escasso, você quer comprar um imóvel pra você crescer ou pra você expandir você não acha, você não tem condições de comprar. O valor hoje é exorbitante, seja na rua do lado, na rua da frente ou na rua de trás, ou na sua. Não dá. Mas, se você pensar em outros bairros, você pega bairros em crescimento. Então, você começa a acompanhar o crescimento desses bairros. De uns dez anos pra cá eu tenho acompanhado o crescimento desses bairros. E hoje você não vê mais distâncias entre Itapecerica e Santo Amaro. Você não vê mais chácaras, sítios. É como Parelheiros pra Santo Amaro, não vê mais chácaras, sítios, certo? A cidade emendou com essas outras localidades. O crescimento habitacional expandiu num volume, eu não sei nem quantificar isso, quantas milhões de pessoas hoje São Paulo tem. Eu só sei que Santo Amaro é a maior Zona Eleitoral. Por aí você vê; e a maior concentração de shoppings, que foi a maior concentração de indústrias. Então, você vê que é evolução constante, seja por um caminho ou por outro.
P/1 – A gente nota que apesar dessa descentralização, que fica até meio evidente, ainda se conserva pontos que se agrupam certos tipos de comércio ou que viram atração comercial regionais.
R – Regionais, existem alguns. A Galeria Borba Gato era um público, por ter o Cine Bruni, na ocasião, era um ponto de comércio. O Largo 13 era um ponto de comércio, por causa das lojas de roupas, tinha muita loja de roupas, têm ainda, mas o pessoal não ia pro centro pra comprar roupa. Aí hoje você pega de novo uma José Paulino, que tava em decadência, hoje tá em evidência. Então você pega algumas transformações que, acho que o pessoal de marketing se espanta, algumas definições não são certeiras. Tem que ser revisto o ponto de vista de cada situação. Antigamente você falava: “Puxa, vou morar fora de Santo Amaro, puxa, vou morar na periferia.” Hoje não, é como se não tivesse periferia, você tem o trem, você tem o metrô, você tem acesso muito mais fácil, tá há dez minutos do bairro, uma condução desse tipo. Não tem mais, hoje telefonia, é computador, internet, todos esses fatores de mobilidade não tem mais distância.
TROCA DE FITA
P/1 – Então, vamos falar um pouquinho sobre essa questão do transporte e do acesso à região. Santo Amaro, o senhor chegou a falar rapidamente lá no começo da entrevista, que o senhor lembrou dos bondes, que até no início da urbanização era o meio de contato com a região central da cidade,era considerada uma região um pouquinho mais afastada tanto é que antigamente era um outro município, não é?
R – É, houve um período que sim.
P/1 – O senhor lembra mais ou menos quando é que começou, os bondes começaram a entrar em desuso e os meios de acesso à região foram se transformando?
R – O que caiu em desuso não deveria ter caído em desuso, que já era um conceito inovador pra época, certo? Alternativo, econômico embora linha férrea ela poderia ter recebido as adaptações necessárias de segurança. Mas em 1880 que nós tivemos ali a implantação do bonde na região central de São Paulo e que chegou até Santo Amaro onde, vamos dizer, o ponto final no Largo do Socorro, aonde se fazia o retorno e voltava pro centro, você vê que naquela época você já tinha um transporte eficiente em trilhos, e isso não pode ser revertido pra um metrô, quando o metrô começou a ser instalado em São Paulo por que não chegou em Santo Amaro sendo que você já tinha até uma trajetória disso, não teria uma desapropriação? Então, foi colocado de lado em virtude do quê? De interesses particulares das empresas de ônibus. As empresas de ônibus que faziam periferia Santo Amaro – centro eles já deslumbravam esse crescimento populacional que Santo Amaro iria ter. Que os outros bairros a gente não tinha essa visão. Mas se você prestar atenção os bairros já estavam em evolução, já estavam com suas áreas residenciais tomadas, ou seja, já devia ter falta de terrenos pra construção e começaram a se verticalizar, como se verticalizou o centro. E Santo Amaro era uma linha, uma linha de fácil acesso pro centro. Opa, a expansão vai ser pra lá; então, ônibus, ônibus, ônibus. O transporte rodoviário ele teve um ganho naquele período com relação ao bonde, o que deveria ter sido ao contrário. É claro, eu não posso dizer dos outros países, eu não tenho essa vivência. Mas hoje, você vê que você vai de trem ou de metrô em várias outras cidades do mundo com a maior velocidade e rapidez, nós ficamos pra trás. Agora, que houve um lobby entre o transporte, no caso do metrô ter saído do centro e vindo até Santo Amaro há décadas atrás houve. As grandes empresas de ônibus levaram essa fatia e ficaram com isso até hoje, né, essa fatia eles tiveram domínio pleno. E, se você pensar, os ônibus de hoje ainda são um pouco melhores. Mas se você pensar duas décadas atrás não tinha segurança nenhuma, nenhuma. E eram uma frota velha, sucateada. É que nós, brasileiros, nós não temos uma cultura regulacionária, ou seja, nós somos muito pacíficos. Mas em qualquer outro lugar do mundo eu tenho certeza que aqueles ônibus ou até mesmo os de hoje não seriam mais aceitos. Agora, com a chegada do metrô, nessas condições que eles chegaram agora, vindo, ou seja, desapropriando ou não, tendo as interferências das desapropriações como teve com a Galeria mas eles se adequando a tudo isso. É um tempo que vai demorar? Vai demorar, eles começaram aí em 2011, 2010 e vão terminar em 2013 só uma estação, entre a Estação Santo Amaro e Estação Adolfo Pinheiro e 2016 entre a Adolfo Pinheiro e Chácara Klabin. Mas nós não podemos pensar em nós, nós temos que pensar nos nossos futuros, ou seja, meus filhos, meu neto – eles vão ter que ter esse acesso. Não é compatível hoje você ficar da zona sul fazer um trecho de dez quilômetros você demorar duas horas de automóvel; então o automóvel vai ter que cair em desuso mesmo. Mas pra isso o trem, a CPTM e o Metrô tem que estar em plena expansão constantemente. Ele não pode demorar o tempo que se demora pra fazer um trecho entre Santo Amaro e a Chácara Klabin demorar seis anos pra ser construído.
P/1 – O senhor acredita que, caso não houvesse havido esse desvio da rota do metrô, qual foi o impacto que o senhor acha que causaria se tivesse sido implantado anteriormente o metrô?
R – Se tivesse sido implantado o metrô que trouxesse, vamos dizer, uma ligação entre centro, vamos colocar Jabaquara – Santo Amaro ou, por exemplo, Santa Cruz-Santo Amaro, qualquer uma das estações que você pudesse fazer as interligações ou Sé-Santo Amaro, qual fosse, Santo Amaro teria evoluído muito mais. Só que de um nível melhor, pra um comércio melhor, com mais estrutura, com mais layout. Talvez as avenidas hoje já seriam mais largas, as ruas já seriam mais apropriadas. Então, eu acho que o comércio teria evoluído mais, então isso nós... E a periferia também, porque se hoje você tem do Capão Redondo a Santo Amaro, você imagina que já tá pronto há alguns anos e foi muito mais fácil de ser construída, você imagina se essa ligação já fosse ao centro. O nível de emprego, você imagina quem mora lá no extremo sul da zona Sul e trabalha no centro, quanto tempo essa pessoa não leva ainda hoje pra chegar no serviço, quanto tempo ele demora? Podia ser convertido isso em atividade física, em lazer ou até mesmo em educação. Então, eu acho que Santo Amaro, a parte política deixou Santo Amaro como uma válvula de escape pra um futuro longínquo com o acesso ao metrô.
P/1 – E essa implantação, que ainda é recente do metrô na região, mesmo que ainda não tenha integração com as outras linhas, mas que já existe, e a abertura do Poupatempo que o senhor já mencionou, qual a avaliação que o senhor faz pra região, seja boa, vamos dizer, positiva ou negativa?
R – Você quer dizer o metrô estando funcionando do centro ao bairro?
P/1 – Não, o que já tem até agora, aquela linha de metrô que é a linha lilás, que liga Santo Amaro até a região da João Dias, mais ou menos assim.
R – É, Capão Redondo.
P/1 – Capão Redondo.
R – Não, isso você vê o Poupatempo; eu acho que o Governo do Estado está instalando o Poupatempo e também estão descentralizando os Poupatempo. Se eu não me engano já tem na região do Grajaú ou está em vias de inauguração. Então, isso o que acontece? Isso vai descentralizar porque o Poupatempo você poupa tempo realmente, mas não tanto assim, por quê? Porque já tá, como é que eu falo, você vai pra usar um setor ali, é o DETRAN, por exemplo, você perde tempo. Embora hoje o DETRAN já está também sendo descentralizado, não existe só aquele central, já tem um aqui em Interlagos e tá trabalhando eu acho que em plena eficiência. Porque eu tive lá há pouco tempo e você resolve problema de habilitação, multa, você transfere o seu veículo, você resolve todos os problemas que você resolveria só lá na Avenida do Estado onde a localização é péssima. O prédio onde está instalado ali o DETRAN é horrível. Adequado de formas que eu não sei quem foi o engenheiro que achou que aquilo comportaria um DETRAN de São Paulo ali. Mas, eu digo assim, que favoreceu muito quem mora na periferia ter um metrô e ter um Poupatempo. Isso eu acho que foi um ganho espetacular, eu acho que o projeto é do Covas, se eu não me engano, o projeto é do Covas, o Poupatempo, se não me falha a memória. Eu não sou muito político, mas se eu não me engano é um projeto do Covas.
P/1 – E pra o comércio ali, como é que foi, qual é a avaliação?
R – Nossa, foi muito bom. Tanto é que a Rua Amador Bueno se transformou numa rua plenamente comercial. Então, além de você ter despachante, auto-escola, comércio da região, você tem lojas de diversos tipos naquela rua, que era uma rua residencial, que se transformou numa rua comercial em favor do quê? Dos usuários do Poupatempo, que muitos deles vinham de metrô ou trem pra usar o Poupatempo.
P/1 – E na visão de um antigo morador do bairro, como é que foi?
R – Na visão é triste. Se você pensar na visão, aquele prédio que é o Poupatempo era uma empresa que chamava-se Amortex, ela fazia amortecedores de veículos etc, uma linha automotiva. E eu era pequeno na época, eu lembro bem daquele pessoal ali que almoçava, os empregados, eles tinham horário do almoço, horário do café, né? Então, aquilo era uma empresa, funcionava como uma empresa, mas não deteriorava; gerava emprego ali, mas não atrapalhava o bom funcionamento de uma rua residencial, não mesmo. E hoje você vê todas aquelas casas, casas lindas, casas bonitas, casas até muito assim de alto padrão que tinha naquela rua se transformarem em estacionamento – choca um pouco. Mas é a evolução, se não fosse aquela rua seria a do lado ou a paralela, então, não da pra pensar nesse sentido. Pro bairro, se fosse um bairro conservador que você visse, talvez como a Mooca, ou um dos outros bairros que têm uma história pela colonização, até acho que talvez um prédio antigo ser demolido você fica muito combatido, muito triste. Mas ali não era esse, as casas eram casas aí da década de 1960, de 1950 pra cá, já era uma condição mais moderna, não tinha nada pra se tombar. Então, não se perdeu, ganhou.
P/1 – Voltando a falar agora do presente do bairro, quais são as principais vias de acesso hoje à região ali do Largo 13?
R – Vias de acesso, a gente não pode deixar... você vê quem vem do bairro você tem a avenida João Dias que traz um público que vem até de Itapecerica, vem pela Estrada de Itapecerica, João Dias; você tem M'Boi Mirim que vai cair ali na Vitor Manzini e vai subir a Alameda Santo Amaro; aí você tem do outro lado Avenida Interlagos, que também vem lá da região de Interlagos; você tem a Avenida Santo Amaro que conduz ao centro que termina ali na Adolfo Pinheiro. Mas eu acho que o público que mora hoje na periferia eles já conhecem caminhos alternativos. Então se você mora no Capão Redondo de repente você sai lá pela M’Boi Mirim e vem por dentro fugindo do trânsito; se mora no Socorro você corta por dentro e cai na Marginal Pinheiros. Então você tem que se adaptar a essas válvulas de escape do trânsito. Mas ali os acessos você vê Robert Kennedy, João Dias, M' Boi Mirim. M' Boi Mirim acho que é uma das piores em termos de tráfego, eu acho que é o que tá mais sobrecarregado. Acho que em segundo deve estar a Avenida João Dias que é o fluxo ali que vem de Itapecerica, da Estrada de Itapecerica. Embora houve adaptações na época da Marta, corredor isso e aquilo, mas ainda é pouco, ou seja, já tá precisando de novas alternativas ali. Eu acho que o metrô e o trem vêm pra isso.
P/1 – E a Ótica Luz que é uma ótica bastante apegada ao ponto que é uma característica muito importante pra Ótica Luz. Mas de uma certa forma ela, apesar de ter um ganho muito grande com essa tradição de estar no mesmo lugar, por outro lado ela acaba se tornando uma coisa bastante específica ali do bairro. Pra fugir um pouco disso existe algum caminho, por exemplo, entregar nas casas dos clientes a mercadoria ou então oferecer vendas pela internet? a Ótica trabalha com algum tipo de sistemas de entrega ou na internet?
R – Hoje, o que acontece, existe aí uma criação que eu to vendo isso por esses dias, que é uma loja virtual, mas só pensando em lente de contato. Porque óculos não dá pra você comprar pela internet, a não ser que seja um modelo de uma determinada grife, “x” modelo que você quer, que você não sabe até se vai vestir bem pra você. Mas às vezes você compra e recebe ali na sua casa – esse não é o foco da Ótica Luz. Mas agora, no caso de uma lente de contato, que tem um determinado grau, uma determinada curvatura e uma determinada marca isso o cliente pode comprar pela internet e pagar via cartão de crédito. Então, essa loja virtual nós temos interesse em colocá-la em funcionamento porque é uma demanda crescente. Mas jamais pensar em adaptar um óculos e mandar entregar em casa porque o aspecto adaptação, ajuste, é importante ser feito na loja. Hoje, com as lentes longe e perto, você precisa fazer o cliente, precisa ensinar o cliente a usar os óculos. Então, você tem que ter esse pós-venda no estabelecimento. Nosso ramo é um pouco descaracterizado no sentido de entrega a domicílio ou venda; não que a gente não entregue um óculos a domicílio. Temos um cliente que às vezes: “Oh, dá pra você mandar entregar pra mim?” Não tem problema, eu dou um pré-ajuste, que vai ficar 90% bom e levo na casa do cliente, às vezes eu mesmo levo, sendo ali nas nossas imediações. Mas eu não disponho de um serviço específico pra isso. Eu acho que nem eu e nem muitos outros do meu ramo, a não ser com lentes de contato descartáveis. Só nesse ímpeto que talvez você conseguiria trabalhar nesse mercado aí virtual, loja virtual, compra pela internet, alguma coisa do tipo.
P/1 – E o senhor ainda não falou dos óculos escuros ou óculos de sol? Existe um nicho de mercado grande pra isso?
R – Existe.
P/1 – Tá vinculado à Ótica Luz?
R – Existe porque hoje existe uma deficiência no seguinte: você é usuário de um óculos, você é míope, como eu, por exemplo; eu vou fazer um óculos de sol, não são modelos curvados que eu posso fazer. Embora existem algumas lentes que se adaptem a isso, mas nem sempre tecnicamente funciona. Ao ponto de o cliente, às vezes, colocar o óculos e dizer: “Puxa, não to enxergando.” Por quê? Porque a curva da armação e a curva da lente formam um desvio prismático e a pessoa não enxerga. Então, o que acontece? Nós temos o foco de vender óculos de sol com grau. Só que eles são adequados pra aquelas curvaturas, ou seja, eles são mais planos. Então, se você olhar na nossa vitrine você vai achar óculos curvados, óculos dentro da moda das mulheres hoje são grandes, a moda pra mulher tem isso ainda, alguma coisa pra homem nessa linha. Mas o foco ainda são modelos menores pra que você possa fazer com grau, ou seja, longe e perto ou só pra longe, que você possa colocar e deixar o cliente feliz. Tanto é que existe um foco em você oferecer um óculos de grau e a pessoa comprou o óculos de grau, e você oferecer a possibilidade, que muitos não sabem, que ele pode usar um óculos de sol com grau, com a mesma lente, com o mesmo tipo de lente que ele usa. Então, esse é um foco que nós temos na linha solar. E essa linha solar quem demanda isso ainda é a indústria nacional, que se preocupa com a linha de receituário solar.
P/1 – Pro cliente de uma ótica, ele vai receber um produto já pronto e montado, por exemplo, os óculos já com a lente e armação. Mas na visão de quem é o trabalho, de um dono de uma ótica, como é que é a sua relação com os fornecedores, quantos fornecedores são, de que materiais e como é que é essa relação com os fornecedores, enfim?
R – Bom, fornecedores são diversos, não consigo nem quantificar pra você porque o nosso mercado ele tem sido tão rápido quanto a indústria automobilística. Lançamento de modelos hoje de um carro que você demorava pra ver o lançamento de um carro novo, hoje; no óculos também era assim, ele era conservador. Hoje, não. Hoje são lançamentos e lançamentos. O que você comprou um mês atrás às vezes você vai querer recomprar e não tem mais; já saiu de linha ou a quantidade importada foi “x” modelos e acabou. Não virá mais aquele modelo, virá outro. Mas os materiais se dividem em metal e acetato; que o metal é esse gênero e o acetato seria, vamos dizer, o antigo óculos tartaruga, acrílico que cada um tem na sua visão, no seu ponto de vista. Mas eles estão demandando esses dois, ainda a demanda é nesses dois materiais. Existe alguma coisa em nylon, existe alguma coisa num material chamado TR90, que é um material novo. Mas a Ótica ela tem um probleminha, ela precisa de alguns ajustes. E têm materiais que não permitem esses ajustes. Então, você comprova se ele é daquele formato, com aquela haste, naquela curvatura. Então o seu rosto é diferente do dela, do dele e do meu. Se ficou bom pra você pode não ficar bom pra ela. Esse aspecto técnico na hora da compra, você tem que saber pra quem você vai vender aquele óculos. E a tua equipe também, que se vendeu errado o cliente vai se queixar e vai querer trocar, porque não ficou bom. Agora, quantificar fornecedores, a minha relação com os fornecedores é de extremo crédito. Hoje se eu falasse pra eles: “Olha, eu to montando outra loja, eu preciso de “x” peças suas.”, daquela, daquele outro fornecedor eu teria com plena tranquilidade disso porque eu sei que os meus fornecedores confiam em mim pelo bom pagador que nós somos. Porém, o que acontece? Existe muita gente importando mercadoria e nem sempre essa importação vem por vias legais e nem sempre têm as trocas, que você precisa dar esse pós-venda pro cliente no caso de uma troca. Isso é um problema do mercado hoje. Então, às vezes você tem que avisar pra um cliente que ele tá comprando um produto e se der problema daqui há uns seis meses pode ser que ele não ache, que eu vá fazer a troca pra ele e não vou achar um modelo igual. Ele vai ser substituído por um modelo próximo, parecido, que sirva a lente, que não mude as medidas, tecnicamente não agrida a visão ou o bom funcionamento do óculos. Mas se dividem nesses dois materiais até hoje. Mudou alguma coisa com o TR90, a fibra de carbono, mas não deixa de ser considerado um óculos de acrílico ou um óculos de acetato. Mais fino, mais grosso, tendências de moda, a moda vai, a moda vem, a retrô voltou, ficou. Mas não se diferencia entre metal e acrílico. É aquilo, as lentes é que tiveram grandes inovações, grandes; muitos estudos científicos, tecnológicos, avanços no sentido das lentes multifocais, materiais utilizados mais leves, inquebráveis, isso teve muito. Com a abertura de mercado, pós Collor, teve muito.
P/1 – E como é que esse contato é feito, via telefone ou vem um representante que visita a sua loja, como é que é?
R – Olha, normalmente o representante vem na loja. Mas existe um contato telefônico, sim. A priori hoje, por causa do custo que os representantes têm que absorver com despesa de combustível ou alimentação ou estacionamento, manutenção de veículo, hoje tá mais focado em ele te dar uma ligada, agendar um dia. Não como era antigamente que aleatoriamente ele passava na tua loja e te oferecia mercadoria e se você não comprasse, tudo bem. Hoje demanda um agendamento pra que ele não perca tanto tempo e sejam diminuídos esses custos. E eu entendo muito bem isso porque pro representante é caro. Às vezes, ele vem do interior pra fazer São Paulo.
P/1 – E no caso quando o senhor compra, acerta essa compra eles entregam na sua loja ou o senhor tem que ir lá buscar, como é que é?
R – Não, hoje quase tudo vem pelo correio: nota fiscal, boleto já vem tudo em anexo lá dentro da embalagem, hoje já vem, praticamente. Esse é o conceito, mesmo de quem é comprador ou é fabricante aqui, o conceito é esse.
P/1 – O senhor mencionou a existência de um mezanino hoje na loja.
R – É, que onde é o meu laboratório de montagem.
P/1 – E como é que funciona o estoque, se é que tem estoque na loja, como é que é a logística do estoque?
R – O estoque hoje ele fica na parte de baixo da loja mesmo. Você tem ali toda a parte da vitrine que expõe grande parte do que você tem. Mas você tem todas aquelas gavetas que foram adequadas pros tamanhos dos óculos de hoje, que antigamente as gavetas eram pequenas e várias gavetas. Hoje, elas são gavetas mais estreitas, mais baixas pra jamais você ter um modelo sobrepondo o outro, mas que seja mais ou menos do tamanho do óculos ou um pouco maior. Então, ela é dividida ao meio e você tem o teu estoque visível ali, fácil para aferição, balanço etc. Agora é um estoque que não precisa ser mais que duas mil peças numa ótica do meu porte. De mil e quinhentas a duas mil peças é o necessário pra trabalhar. Às vezes você consegue trabalhar até com um pouco menos que isso.
P/1 – E a renovação do estoque é feita de quanto em quanto tempo?
R – É constantemente, ótica é constante. Eu atendo fornecedores todos os dias, todos os dias. Não que eu compre todos os dias, mas eu atendo fornecedores todos os dias pra conhecer as malas, as inovações, as tendências. Mesmo os fornecedores novos que estão entrando ou substituindo aqueles que mudaram os representantes, e eu gosto de conhecer todas as malas, todas as mercadorias. Não compro de todos, é impraticável, mas eu atendo todos os representantes.
P/1 – Vamos falar um pouquinho sobre o sistema de pagamento, o senhor até já mencionou a existência das máquinas de cartão. Eu quero que o senhor fale desde o começo da loja, de que o senhor entrou na loja, como é que evoluiu essa coisa do sistema de pagamento?
R – Nossa evolução foi a seguinte: se você pegar da década de 1950, óculos era mais ou menos como farmácia, você só comprava no dinheiro e à vista. Em 1960, começou a entrar a bandeira Credicard, os primeiros cartões de crédito. Raramente aparecia um cartão de crédito; era só dinheiro, à vista e pronto. Na década de 1970, já houve a primeira crise e aí já começou os possíveis parcelamentos em cheque. E aí começou a adesão do cheque, transformando o pagamento naquela ocasião em um grande número de recebimentos em cheques e vamos dizer 30, 40% só em dinheiro e 60% em cheques. Aí depois, se você pegar da década de 1990, pós Collor também, a adesão dos cartões de crédito pelas bandeiras Visa, Mastercard, American Express foi difundido pra população. Foi difundido, as multinacionais já pagavam os seus funcionários, cada um tinha o seu cartão de crédito e isso foi difundido. E aí passaram-se a ter aquela insegurança de usar o dinheiro. E começou a usar e aparecer a função débito. Então da década de 1990 pra cá, foi revertendo, os cheques foram diminuindo e a incidência do pagamento com cartão aumentando. Hoje, se você for ver, eu posso dizer pra você que 70% é cartão de crédito, 5% é cheque e o resto é dinheiro. E tem diminuído o dinheiro e aumentado o cartão.
P/1 – A tendência então?
R – É cartão.
P/1 – E por ser uma loja antiga e conhecida no bairro, ainda tem aquele sistema da caderneta lá?
R – Tenho pra alguns clientes que eu conheço, que eu confio e tem pra algumas necessidades, que eu também sinto que a pessoa tá com aquela dificuldade, tá com algum problema financeiro, não tem a condição de pagar ou se descontrolou e perdeu o crédito – e aí ele prefere ir lá na loja e pagar pra mim. Então tenho lá uma meia dúzia, às vezes chega a dez, doze fichinhas que ficam comigo na minha gaveta ali, que eu controlo aquilo. Então, não vou dizer que não tem, ainda tem.
P/1 – E como é que é a cobrança dessas fichinhas? Isso é necessário?
R – Olha, é completamente informal. Não há muita necessidade de cobrança porque esses clientes normalmente são conhecidos e amigos, não há. E aquele que você cobrou uma, duas, três vezes e não veio é porque ele não vai te pagar mesmo. E aí ele nunca mais vai na tua loja. E aí você perdeu o cliente, perdeu o amigo porque ele ficou te devendo e você que tá errado ainda.
P/1 – E a Ótica Luz ela tem alguma ação de atrair clientes, por exemplo, promoções, tem alguma ação, ou então alguma publicidade que seja local ou mesmo.
R – Não, nós usamos muito alguma coisa nos ônibus, ainda usamos em algumas linhas que atendem alguns bairros, dentro daqueles CEPs que estão ali cadastrados. Então, tem uma linha e alguns ônibus levam lá dentro do ônibus, não fora, o nosso nome, fundação, óculos e lentes de contato, telefones e um site. Nem o email eu deixo lá, só o site da loja. Isso só como divulgação. Tem as divulgações que nós fazemos ali, um ímã de geladeira com os nossos contatos. E agora nós estamos adequando às nossas vendas a sempre cadastrar o email do cliente. Então, agora, você vê que nós demoramos pra fazer isso porque grande parte dos nossos clientes, um bom percentual é terceira idade. E terceira idade, às vezes, você fala o email, não tem email. Então, nós estamos adequando isso ao público mais jovem, quem têm a gente anota e traz, passa isso pro cadastro. E aí faz uma mala direta, tenta um contato; mas ainda a gente usa o bom atendimento como a melhor propaganda.
P/1 – E promoções ou brindes?
R – As promoções nós temos uma coisa interna ali com os funcionários que é as metas, número de vendas, a melhor venda do dia, coisas desse tipo. Mas é, gente na rua, buscando o cliente, fazendo contato com grandes empresas como nós já tivemos uma época atrás nós não temos mais. O que sobrou das grandes empresas aqui hoje não tem mais aquela função grêmio, função. Às vezes até a Assembleia Legislativa hoje eles têm uma ótica lá dentro, então, se eu quisesse ter ficado com a ótica lá dentro poderia ter ficado. Mas eu não quis ficar. Têm alguns segmentos que preferem que você faça lá um movimento lá dentro da empresa por alguns dias. Na época que nós tínhamos mais funcionários você deslocava esses funcionários pra lá. Eu tinha funcionário de sobra, hoje eu não tenho mais funcionário de sobra pra fazer isso e nem tenho mais a ótica itinerante, que eram alguns equipamentos, algumas instalações que eu tinha onde guardar. Isso vai ficando obsoleto e o que acontece, tem muita manutenção disso por montar e desmontar, montar e desmontar, montar e desmontar você tem que estar sempre atualizado. O meu tamanho é pequeno e eu não tenho infraestrutura pra guardar todo esse volume. Então, eu deixei isso de lado que não tava me trazendo retorno desejado. Algumas campanhas em alguns clubes eu participo só como convidado. O grupo da ACM, por exemplo, da Associação de Jovens, eles me convidam. Então eu entro com o trabalho de ajuste de óculos, não vendo nada lá, nada. Mas divulgo o meu nome, divulgo o nome da loja, a minha ação. Mas é um trabalho voluntário que eu faço pro clube porque ali tem uma terceira idade muito grande e o pessoal, o público de terceira idade tá muito frequente na atividade física, então, esse é o meu público-alvo. E normalmente é um público de poder aquisitivo melhor, gasta mais.
P/1 – Como é que funcionava essa ótica itinerante?
R – Essa ótica itinerante era assim: eu tinha dois ou três balcões, alguns equipamentos que era o lensômetro, o aquecedor pra poder fazer um ajuste de óculos e levava alguns óculos de sol. Então fazia na IBM, fazia na Assembléia Legislativa, fazia em algumas empresas, na Unisys que tinha grêmio. Eu fiz em algumas empresas durante talvez dois anos. Eu mesmo fui em uma ou duas vezes; mas ia uma equipezinha que eu tinha de três funcionários. Mas não é um retorno muito satisfatório. Você divulga o nome também, mas em regiões que o público não tá no teu acesso, não tá fácil, ele não vem, ele não vai sair da Vila Mariana pra vir comprar um óculos com você só porque você teve lá dentro da empresa. Ele vem se ele tem algum problema. Como eu tenho, tem gente de São Miguel, ou do interior que deixa de fazer óculos lá e vem fazer comigo porque já tiveram problema fazendo fora, com erro médico, com erro na adaptação das lentes e não querem jogar dinheiro fora. Então eles preferem, “Não, deixa, eu vou fazer com o Fernando lá da Ótica Luz. Eu vou lá.” E vêm mesmo, gente de Itanhaém, do litoral é comum, comum. Mas não é diário. E por fator trânsito, fator mobilidade, conveniência, então, se apega mais à região.
P/1 – Essas óticas itinerantes eram uma coisa comum entre as óticas?
R – É comum ainda, é comum.
P/1 – Tem?
R – Você ainda vê muita gente fazendo isso com micro-ônibus. Só que eles usam um conceito que eu não me agrado. Eles usam um médico, eu não acho ético isso aí. Então a pessoa vai, passa dentro do ônibus com um oftalmologista, faz uma refração, tem uma receita médica. Aí ele pega aquela receita no mesmo ônibus, só sai de lá com a receita na mão se comprar o óculos ali. Na semana seguinte, no próximo final de semana o ônibus vai estar lá de volta e traz o óculos montado pra pessoa ir lá retirar. Então, é uma venda casada, isso é proibido por lei. O Conselho Regional que estabelece o nosso segmento proíbe isso e a legislação proíbe. Eu não acho isso certo, mas existe e existe muito, principalmente pelo interior de São Paulo. Só que o pessoal cobra muito caro. Se você vai fazer um óculos e você gasta cem reais, ali você vai gastar trezentos, trezentos e cinqüenta, quatrocentos. Porque ele, toda a estrutura, o médico tá tudo ali, o custo é um só.
P/1 – Pra uma loja de rua assim, localizada num lugar de grande mobilidade, quais são os horários de maior público e os dias de maior público?
R – Nosso horário de funcionamento é das oito e trinta às dezenove horas. Agora, maior público, você pode prestar atenção, que é das dez da manhã às quatro da tarde. Esse é o maior público.
P/1 – Em dias de semana?
R – Dias de semana. Sábado ele é das dez da manhã às dezessete horas, dezesseis horas. Esse é o horário, vamos dizer, de pico, ou seja, de melhor aproveitamento de vendas.
P/1 – E o senhor que já teve uma loja dentro de uma galeria também.
R – Não, eu tenho ainda.
P/1 – Que tem ainda? E quais são as diferenças entre essas coisas do atendimento ao público entre uma e outra, do fluxo de público?
R – É o perfil do público, o perfil é diferente. O da Galeria às vezes é um pessoal que tem, faz mais parte de uma classe B, certo? Fazendo parte de uma classe B procura produtos diferenciados, certo? Então, essa é a diferença do público, então, você não atende tantas pessoas da classe D e E; também C são mais comuns ali dentro da Galeria.
P/1 – Então, o fato de estar dentro de uma Galeria acaba.
R – Direcionando.
P/1 – Direcionando os frequentadores?
R – Direcionando um público alvo diferente.
P/1 – E também interfere na questão dos horários de pico?
R – Não, você sabe que os horários são similares, bem semelhantes. Bem semelhantes por quê? Porque, principalmente, nos finais de semana o pessoal acorda um pouco mais tarde, deixa pra sair um pouco mais tarde, então, o movimento passa ser às dez e meia da manhã. No inverno então nem se fala, é das onze da manhã até às quatro da tarde num sábado, por exemplo.
P/1 – Eu quero falar um pouquinho sobre a concorrência. Primeira concorrência das óticas são mais ou menos no perfil do senhor, aquelas óticas num espaço físico pequeno e também dessas grandes óticas que já com o tempo surgiram, como a Fotótica, enfim. Como é que é essa questão da concorrência?
R – A concorrência no nosso segmento ali no bairro começou em 1956 com outra loja que foi instalada na mesma rua, certo? Ela tá aí, tá presente lá até hoje. Atende de forma diferente, tem o seu público e eles, como eles não são, ou seja é uma família, primos, irmãos e etc cada um montou com o mesmo nome algumas outras lojas. Então, um dos irmãos tem cinco lojas, outro em outro lugar tem três lojas, mas não é o mesmo proprietário. E o foco deles é aquilo que eu te expliquei anteriormente, eles querem evidenciar o nome mas não estão preocupados com a qualidade daquilo que é vendido, nem com o fator, o aspecto técnico etc. Então, eles têm um número de lojas crescente, posso dizer pra você porque virou mexeu estão abrindo em outros bairros. Da mesma forma que abre uma, às vezes fecha a outra, mas eles têm aí uma média, se for somar, têm umas 12, 13 lojas e são concorrentes, como os outros que surgiram. Santo Amaro tinha duas, três lojas; hoje deve ter quatrocentos e 50 lojas em tamanhos maiores ou menores do que a Ótica Luz. E essa concorrência é benéfica porque em todo lugar você precisa ter uma comparação de preço, e isso faz com que você seja ético. Então, pra nós é importante isso, a pessoa jamais vai entrar na Ótica Luz e achar um produto que custa normalmente cem reais ele não vai achar por cinqüenta; ele vai achar por 98, vai achar por cem, vai achar por 95, mas não vai achar por cento e 50, duzentos, o mesmo produto. Então, lá ele tem a segurança que ele tá pagando o preço justo. Esse é um fator de concorrência desleal que tá no nosso ramo e a inclusão dos médicos como comerciantes tem sido enormes. Os médicos hoje montam os seus consultórios e colocam as óticas em nome de outras pessoas com quem eles fazem uma parceria e desviam os seus clientes pra essas lojas fazendo uma venda casada. Isso é muito comum, não só em Santo Amaro.
P/1 – E a relação com essas grandes lojas de departamento?
R – Essas grandes redes não interferem por causa do problema da mão-de-obra. Eles jamais têm a preocupação que um lojista pequeno tem de ser presente na loja, atender bem e resolver os problemas com eficiência e rapidez. Eles têm uma pessoa de atendimento que hoje é uma, amanhã é outra e depois de amanhã é outra. Pela dificuldade de profissional no nosso segmento as redes sofrem com isso – não têm estabilidade com os funcionários. Não tendo estabilidade com os funcionários, os funcionários não têm compromisso com o cliente, não têm compromisso com o cliente. Então hoje ele tá lá, pode ser que daqui a dois ou três meses ele recebe uma proposta de outro lugar e ele vai. Ele não deve satisfação pra ninguém, não tá trabalhando diretamente com o dono, ele não tem satisfação pra dar, ele recebeu uma proposta e ele vai embora. O nosso ramo tá assim. E isso dificulta pras grandes redes se instalarem no país. Por quê? Porque é pouca mão-de-obra qualificada e tá sendo muito crescente o número de óticas, principalmente pra região Sudeste. Isso gera uma deficiência e eu acho que eles devem estar tendo problemas. E isso então, o que acontece? O cliente vai até lá, faz um óculos, não funciona, não dá certo e não resolvem, ele não volta e passa a falar mal daquela rede. Independente de ser no outro estabelecimento, da mesma rede tiver um profissional qualificado ele vai falar mal do mesmo jeito. Então, ele tá falando da rede, algo que não acontece com a gente. Lá o cliente tem algum problema é solucionado, é resolvido. Essa é a diferença de, vamos dizer, de uma concorrência de uma rede e de uma concorrência de uma loja pequena onde tem lá o profissional trabalhando ali na loja física dele, atuando, resolvendo os problemas.
TROCA DE FITA
P/1 – Então, senhor Fernando, o senhor que já trabalhou numa relação de funcionário com patrão e agora tá trabalhando numa relação de patrão com funcionário, gostaria que o senhor falasse um pouquinho sobre essas duas relações. As principais diferenças, as dificuldades e as facilidades de cada uma delas.
R – Olha, têm várias situações aí pra serem explicadas. Porque acontece o seguinte, eu tive um conceito de trabalho como empregado e eu tenho um conceito diferente como empregador. O que eu recebi como empregado muitas coisas eu não quero que os meus funcionários tenham. Não de tratamento, mas talvez de recurso, de transparência, alguns erros que eu percebi que os meus antigos chefes, eu me policio e não deixo que isso aconteça com os meus funcionários. Mas os dois lados têm pontos positivos e negativos, os dois lados têm. Você como empregado, você tem um compromisso diferenciado com aquele estabelecimento. Você não se preocupa com o aspecto, com as reformas, com os investimentos; você se preocupa com as suas obrigações. Quando você passa a ter mais compromisso com isso como eu tive como funcionário, então, eu quis inserir ali algumas mudanças, mudanças de controle de estoque porque eu percebia que tinha funcionários que desviavam mercadorias eu quis inserir alguns controles de pagamentos, como cheques pré-datados; eu quis inserir um controle sobre as vendas. E em alguns deles eu fui barrado. Coisas simples, pequenas. Por quê? Porque ali nós recebíamos de maneira comissionada e não por comissão individual, e sim pelo total do faturamento. E os meus chefes, maravilhosos, pessoas que eu tenho que exaltá-los pela oportunidade que eu tive. Mas no sentido patrão-funcionário eu tive decepção, e essa decepção foi a não transparência deles no real faturamento da empresa. Isso me trouxe uma decepção, foi o que ocasionou a minha saída, o meu desejo de tentar procurar emprego fora como eu procurei. Eu tava cursando a universidade, como eu falei anteriormente, eu procurei emprego em diversas outras empresas em áreas administrativas. Que eu tava cursando Administração de Empresas, estava procurando e as portas estavam fechadas. Então, o propósito de Deus não era esse na minha vida. Então, o que aconteceu? Cada dia que ia surgindo uma decepção, como empregado, não só pelos meus chefes, mas também por alguns funcionários, amigos de trabalho, me despertava mais o desejo de sair de lá e conseguir algo melhor. Mas no fundo no fundo eu não imaginava que eu poderia ser proprietário de uma ótica porque eu tava fazendo Administração de Empresas, eu queria sair fora daquilo. E eu tinha amigos que trabalhavam na Xerox do Brasil, na Avon, na Caterpillar, Villares, então, eu me via dentro dessas empresas em alguma outra função administrativa. Seja financeira, seja recursos humanos, qualquer uma, mas eu não me via como proprietário de uma ótica. Embora eu sobrevivia daquilo, eu, o meu filho, a minha esposa, enfim. Mas isso me trouxe uma decepção. Perfeito, surgiu a oportunidade de com o tempo ser proprietário da Ótica Boa Vista em 1988, do qual era apenas eu e o meu sócio e toda a parte do serviço era terceirizada, então, não tínhamos funcionários até então. Durante dois anos ali foi tranqüilo. A partir do momento em que começamos a crescer no volume de serviços, vendas, aí nós começamos a sentir a necessidade de contratação de pessoas e transferir esse serviço terceirizado pra um serviço dentro da empresa. E aí fomos admitindo funcionários. Mas aonde eu senti mesmo a dificuldade foi quando esse volume de funcionário passou de dois funcionários que nós tínhamos na Ótica Boa Vista quando nós compramos a Ótica Luz e lá já tinham oito funcionários. Então, com dois com oito serão dez. E então eu tinha que cuidar de dez funcionários. Ser íntegro com eles, transparente e procurar cumprir com meu papel de patrão. Eu jamais quis passar pra eles o mesmo conceito que eu tive de patrão, ou seja, que eu via com meus patrões, eu não queria ser igual a eles, eu queria ser diferente. Eu queria ser mais transparente com o fator de vendas, até transferir a comissão de vendas dos funcionários que eram de frente de vendas pra uma comissão individual onde cada um sabia o que vendia diariamente, tinha um relatório, tinha um acompanhamento disso. E a partir daí, como eu falei anteriormente, eu acabei assumindo um papel diferente de ajudar aqueles funcionários que eu via e percebia que eles vestiam mais a camisa dessa pequena empresa e me auxiliaram. Embora houve uma troca de funcionário nesse período porque muitos não queriam permanecer porque já tinha mudado o dono, um já tava pra aposentar, outros dois eu já queria dispensar. E assim, com o tempo foi havendo ali uma varredura nesse quadro de funcionários, fazendo com que depois ele se enxugasse. Porque como eu era presente no estabelecimento eu fazia parte do quadro de vendas, então, eu fazia o trabalho de dois ali, praticamente. Então, dava pra enxugar, diminuir o quadro e melhorar a condição financeira de cada um. E assim foi feito. Então, foi feito uma triagem natural dos funcionários com o perfil parecido com o meu dessa equipe que eu tenho hoje. E hoje, é como eu expliquei, eu vejo os funcionários como amigos, eu tenho intimidade com cada um. Quando eu sou convidado pro aniversário de um filho eu faço questão de ir. Se eu puder ajudar com alguma coisa financeiramente ou psicologicamente, até mesmo ali no setor conjugal às vezes a gente tem um pouco mais de experiência, um pouco mais de vivência, a gente acaba ajudando ali nos conflitos familiares sem interferência, é claro. Mas a gente tem uma ação diferente hoje do que eu tive dos meus chefes. Não que eles não foram presentes na minha vida no momento que eu mais precisei, que foi na perda do meu pai. Mas era diferente. A minha relação com os meus funcionários é completamente diferente do que eu tive como funcionário desse mesmo segmento. Mas não sou perfeito, queixas sempre existem, mas existe a liberdade de expressão que eu deixo ali dentro. E eles se comunicam, me comunicam, a gente troca informações, acerta salário de uma forma muito mais tranquila, sem pressão. Sem essa: “Olha, preciso arrumar um outro emprego pra poder pressionar o meu chefe porque eu vou sair.” E aí fica, e quer sair mesmo. E aí fica uma coisa mais branda, mais natural, mais informal. Eu me considero hoje ali um pacificador entre eles; que jamais têm conflitos ou atritos entre eles – eu não permito isso. Ali dentro não podem haver desavenças, o ambiente tem que ser um ambiente de paz, em primeiro lugar, porque nós convivemos muito mais horas ali do que nas nossas casas. Esse ambiente tem que ser muito saudável, então brinca-se muito, quando tem tempo, conversa-se muito, troca-se muito informações. E o nível de igualdade entre eu e eles, só que no momento da responsabilidade eles sabem que eles vão ter um superior que vai chamar a atenção, mas com educação. Então, isso é muito saudável esse ambiente lá.
P/1 – E pra ser um funcionário da Ótica Luz, além de ter esse perfil parecido com o seu, que você já mencionou, ele tem que passar por algum curso técnico, quais são os cursos que ele tem que passar pra estar ali atendendo no balcão?
R – Na verdade, hoje, se você for pensar numa ótica a exigência número um seria que a pessoa tivesse uma formação técnica pelo SENAC; não por essas outras, vamos dizer, escolas que estão surgindo, e, sim, pelo SENAC. Esse seria o ideal, que a pessoa fizesse o curso técnico e fosse trabalhar ativamente. Mas a prática é muito mais bem vinda do que a técnica. Então, o que acontece? Eu contrato um funcionário, ele entra no setor de base, ele entra lá com 16 anos, 18 anos porque agora você só pode admitir maiores de 18 anos. Então, 18 anos é o fator de base. Com dois anos, três anos que ele tá ali comigo tem que surgir uma oportunidade. Então, eu vou dando a oportunidade pra ele fazer a parte do aprendizado que é, o que é isso? Ele começa lá em cima a conhecer as lentes, a conhecer os serviços, o andamento de cada serviço, a montagem dos óculos, a marcação do centro ótico das lentes, eixo e etc, e o procedimento de como isso vai pro equipamento de montagem. Aí ele começa por aquele setor. Tendo o conhecimento daquele setor, quando ele tem o pleno conhecimento e aprende a fazer a marcação, ou seja, a lensometria da lente, achar o centro, ele tá apto para falar sobre o conhecimento da lente, sobre o produto, o material, o índice de refração porque ele já é conhecedor disso. Aí ele pode descer. Mas eu sou sincero pra vocês, meus funcionários são funcionários antigos, então, não tenho tido muita rotatividade. Esse perfil da base é que tá tendo mais rotatividade porque eu fico sem espaço de colocá-lo. E aí você fala: “Puxa, mas por que que você não monta outra loja e não desvia esses funcionários pra lá?” Porque esse funcionário de base não tem a competência pra administrar sozinho uma venda de balcão – ele tem que ser um auxiliar. E esse funcionário que é o meu, treinado, apto, pronto, que tá lá me atendendo, me ajudando mesmo quando eu não estou, ele é o meu braço direito. Qualquer um deles é o meu braço direito. Então, pro meu perfil de trabalho, como eu venho de uma experiência pra um conceito que, vindo desses meus chefes de trabalhar corretamente, com eficiência, fazer com que o óculos funcione com a melhor adaptação, ajuste, conforto, e unindo tudo isso com que o cliente saia satisfeito seja no fator financeiro ou no fator atendimento ou no pós-venda ou no ajuste, então, esse conceito eles têm, estão presentes fazendo isso comigo. Não é fácil pra mim, com esse conceito, com essa visão que eu tenho, estar presente em outra loja e ao mesmo tempo deixar a minha deficiente e dar ênfase numa outra pessoa. Que eu já tive experiência com uma outra loja, com uma terceira loja, e eu tinha um funcionário muito bom lá. Eu acho que é o meu melhor funcionário, que ele era bom em tudo, ele fazia tudo muito bem feito. Mas ele recebeu um convite pra ir pro Japão e eu não podia segurá-lo. Ele me deixou na mão. Transferi um outro funcionário, tive uma experiência desagradável. O faturamento da loja caiu 30%, pra você ver como o perfil da pessoa no atendimento demanda muito pra um negócio pequeno. 30% era muito, eu não achava mais o ponto de equilíbrio, ao ponto de eu querer me desfazer daquela loja e acabei me desfazendo. Então, eu tive uma experiência desagradável entre ter uma terceira loja, embora era perto, era fácil a administração. Eu podia estar um pouco mais presente ali, mas não presente o dia todo. Então, eu não posso deixar a galinha dos ovos de ouro pra tentar investir num pintinho. E aí isso me trouxe uma experiência desagradável. Mas a relação ali dentro é essa: funcionário de base, surgindo oportunidade, ele vai pro atendimento ou pra montagem.
P/1 – Agora eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho sobre os períodos de crise econômica. Não na sua loja, mas no país, então, mudança de moeda, a inflação. Como é que foi atravessar esses períodos?
R – Olha, o nosso segmento ele foi privilegiado. Eu não vou dizer o meu em si, a minha loja, vou dizer o segmento ótico, ele é privilegiado. Por quê? Porque ele trabalha com umas margens de segurança, certo? Por ser muito técnico você jamais pode se iludir por preço. Você vai se iludir por preço você pode estar comprando algo que não é aquilo que você contratou ou pesquisou. E as pessoas usam muito ali o gato por lebre. Então, você compra um determinado produto e no fim é outro que você tá levando. Então, o que acontece? Nós temos uma margem de segurança, cada produto tem o seu custo, sua margem de lucro, sua margem de segurança. E essa margem de segurança ela vem sendo diminuída. Só que nos planos econômicos, nas alterações de moeda que nós fomos acompanhando nesses períodos nós sofremos demais. Mas nós tínhamos uma margem de segurança, uma gordura pra ser queimada. Hoje ela tá estreita, muito estreita, mas o que foi assim, vamos dizer, predominante pra sobrevivência do segmento ótico. Ele tinha uma margem de segurança, então, com inflação, sem inflação ele teve uma margem de segurança pra trabalhar. Ele tinha uma gordura pra queimar. E é o que aconteceu. Hoje, com a concorrência acirrada e com os médicos sendo comerciantes óticos, essa gordura está sendo bem diminuída. Então, você não tem mais essa margem de segurança. Pra você sobreviver aos planos econômicos hoje você vai ter mais dificuldade, certo, principalmente por quê? Porque o cliente de hoje ele paga com cartão de crédito em seis vezes ou em dez vezes sem juros. E você tem que ter gordura pra segurar isso, capital. Não é qualquer ótica que tem esse capital. Muitas, até em redes, você vê hoje endividadas. Eu não vou colocar má administração porque eu não sou o melhor administrador. Mas é uma dificuldade que hoje, mesmo sem a inflação que nós já passamos na época do Sarney, Collor etc, planos diversos, hoje parece que tá mais difícil de trabalhar do que antigamente. Hoje é por causa da gordura, você não tem margem de segurança mais. Se você não tomar cuidado na hora que você tá vendendo, se você for honesto, colocar aquele produto que o cliente pediu, você fica sem margem pra trabalhar e pra financiar essas vendas. Então, esse tem sido um agravante pro nosso segmento hoje em dia. Mas nós sofremos em todos os planos, todos. Conversão de moeda, muito nós perdemos, o bloqueio dos bancos do dinheiro foi muito difícil, mas sobrevivemos.
P/1 – Gostaria que o senhor falasse, se o senhor tive algo, alguma história engraçada ou curiosa que tenha ocorrido ali na ou na Ótica Luz ou na Ótica Boa Vista ali. Tem alguma história bem pitoresca?
R – Ali uma coisa engraçada que acontece é (risos) nós trabalhamos com o público C e D. E às vezes o público C e D não tem o mesmo nível de informação. E é um público que, com todo o direito, tem o direito de desconfiar de qualquer ser humano, de qualquer negócio, qualquer transação comercial que ele vá fazer. Ele pode ter sido tão ludibriado por aí. Então, uma coisa inusitada que aconteceu, não faz muito tempo, entrou uma senhora com um óculos só pra fazer um ajuste. Só que o óculos era velho, tava muito sujo, faltando plaquetas, as hastes bem tortas. E é comum do nosso perfil, além de fazer o ajuste e colocar no esquadro, você fazer a higiene do óculos. E a partir do momento que você faz a higiene o óculos se transforma. Você pega um óculos encardido, sujo, então, você transforma aquele óculos, parece um óculos mais novo. Quando nós descemos com o óculos mais novo, ajustado, com as plaquetas em ordem, limpas, nós entregamos pra cliente, (risos) ela não acreditava que aquele óculos era dela. Ela queria o dela. Ela queria o óculos dela. (risos) Ela não acreditava que aquele óculos era. Brigou, discutiu, saiu brava (risos) porque não acreditava que aquele óculos era o dela. Essa é uma situação que a gente não esquece. (risos)
P/1 – O senhor participa, o senhor já foi síndico de uma galeria, né? Então, o senhor já participou de algum sindicato, de alguma associação?
R – Não, nós fazemos parte do Sindicato Ótica, do SIND ÓTICA, eu fui convidado, inclusive, pra ser ali um dos integrantes do grupo que tomam as decisões, que decidem, que inserem os treinamentos, que participam em evidência em todos, do jornalzinho do Sindicato, faz parte de uma coordenação. Pelo meu tempo de ótica que eu tenho 30 anos. E o convite aconteceu esse ano. Mas como esse ano eu tive também muitos problemas familiares, o meu filho mais velho foi pai, eu já sou avô, e teve muitas interferências. E o tempo da gente, mesmo com a internet, muita coisa poderia passar pra eles por internet – sugestões, aprovação de textos – muita coisa eu poderia passar pra eles por internet. Eu não precisava estar presente lá na Nove de Julho uma vez por semana ou duas vezes por semana. Mas eu não aceitei o cargo, eu agradeci, fui no jantar porque o Presidente lá é conhecido, conheço ele há 30 anos. Então, quando tem essa troca dos membros do Sindicato e eleição ele sempre nos convida. Então, fui no jantar, fui presente, me desculpei pessoalmente, mas não aceitei. Não sou muito adepto de participar, de estar junto a um grupo que, querendo ou não, é um grupo político. Briga por algumas coisas que tragam benefícios pro ótico, mas, ao mesmo tempo, estão inseridos com alguns vereadores, com alguns deputados federais e eu não sou nada político, nada. E às vezes muita coisa do que eu poderia falar em relação a isso, eu acho que eu poderia ser um pouco mal-educado. Eu preferi não fazer parte.
P/1 – O senhor mencionou o caso daquela senhora que não reconheceu o próprio óculos. Você até chegou a falar: “Tem muita gente que desconfia um pouquinho”. Como é que o senhor acha que a sociedade vê o comerciante hoje em dia?
R – Ele vê o comerciante de uma forma, talvez, eu acho que isso foi até um pouco por parte dos primórdios, dos comerciantes que ludibriavam mesmo. Isso aconteceu muito com alguns segmentos, até em Santo Amaro. A mercadoria custava “x” e ele cobrava “x” e “y” pra um, pra outro. Então, eu acho que até a lei de defesa do consumidor veio pra trazer um pouco mais de seriedade do comércio. Hoje a mercadoria tem que ter preço, tem que ser preço visível, ele tem que ter de preferência um código de barra pra que a pessoa peça uma nota fiscal e saia ali o preço da mercadoria de acordo com aquilo que foi contratado, que foi combinado. Mas eu acho que, no meu ramo eu acho que a pessoa tem que desconfiar, que têm muitas redes, muitas lojas que cresceram às custas de vender um produto e colocar outro. Eu não tiro a razão do consumidor, eu acho que ele tem que desconfiar, tem que pedir a nota fiscal, tem que ter o preço da mercadoria, tem que ter o preço da lente, uma lista de preços. Ele tem que estar ao par, ele tem que estar informado. Hoje é comum a pessoa chegar no teu estabelecimento com uma informação até um pouco mais completa do que aquilo que você tem sobre um determinado produto. Por quê? Porque ele buscou em vários sites, ele buscou em, trouxe uma informação aqui, uma positiva, uma negativa, junta, traz aquilo. E quando você tá conversando, tá dialogando sobre a venda ele tá lançando comentários, que você vê que teve uma pesquisa. Então, isso eu acho importante. Isso traz pro comerciante um peso. Ele tem que ter compromisso com aquilo que ele vende, tanto de conhecimento técnico, como é o meu segmento; quanto ao preço, a entrega do produto, ao prazo. Então, eu acho que o consumidor não tá errado em desconfiar. Não tá. Eu acho que feliz é o comerciante que consegue colocar tudo isso com transparência e conseguir esse respeito e essa confiança, que é o que a gente precisa do consumidor.
P/1 – Ainda seguindo nessa linha, o senhor mencionou a questão das leis do direito do consumidor, Código de Defesa do Consumidor. Eu me lembro quando eu visitei o senhor na sua loja tem uma plaquinha avisando que nesse estabelecimento se tem o Código de Defesa do Consumidor, né?
R – De Defesa do Consumidor.
P/1 – O senhor acha que hoje os consumidores, eles realmente estão mais bem informados, estão mais capacitados para se defender de alguma eventual, enfim?
R – Olha, eu não sei se estão bem informados, mas que ameaçam, ameaçam. “Olha, eu quero ir no PROCON, eu vou fazer isso, eu vou fazer aquilo.” Não é o meu caso. Graças a Deus eu não tenho reclamações porque todos os problemas que surgem ali, uma dúvida, uma coisa, às vezes eu prefiro ter um prejuízo mas não ter nenhum tipo de problema jurídico. Pra mim vai sair muito mais caro, tanto no tempo quanto no custo. E eu não gosto, eu prefiro às vezes assumir aquele prejuízo e trocar, mesmo que o cliente esteja errado. Em alguns casos eu acabo assumindo isso e queimo minha margem de gordura, queimo meu custo, às vezes tomo o prejuízo. Mas aquele cliente não sai insatisfeito, pelo contrário, eu tento até surpreendê-lo. Numa troca: “Ah, ele não vai fazer, não vai.” Eu vou lá e dou a volta por cima e surpreendo. Então, muita coisa eu acho que o comerciante tinha que pensar dessa maneira. O comerciante, as grandes empresas, os grandes fabricantes, a telefonia, as assistências médicas, as indústrias automobilísticas, os grandes responsáveis pelas reclamações, as construtoras. Eles tinham que ter uma visão diferenciada, eles têm que surpreender aquele cliente insatisfeito que tem razão. Porque hoje o consumidor também tá se usando do Código de Defesa do Consumidor e ele tá agindo com má fé. Então, tem que ponderar. Você tá errado? Você tá errado. Aí dá pra brigar. Se é uma coisa, um carro, ou uma construção, alguma coisa você tem que ponderar. O meu segmento é uma coisa mais simples, mais fácil de resolver. Uma insatisfação de um óculos é uma coisa muito mais simples. Mas é difícil ter, vou dizer que eu tenho muito pouco, muito pouco. Não dá nem pra quantificar no mês as reclamações.
P/1 – Então, pra fechar essa parte do comércio, até eu vou perguntar de novo um assunto que o senhor até já abordou um pouco. Mas quais foram as grandes transformações que o senhor notou que ocorreram desde, de 30 anos pra cá, desde que o senhor começou a trabalhar com o comércio, o que mudou assim que chama a sua atenção?
R – Olha, o que mudou? O avanço tecnológico trouxe uma mudança pro nosso, vamos dizer, eu vou falar do meu segmento, porque uma forma é muito, muito, muito boa; por quê? Porque hoje você faz um óculos que você já não coloca mais a mão nas lentes, você apenas mede. Quantificou ali qual é o grau, qual é o eixo, selecionou, determinou o modelo, a altura, a distância pro pilar? Pronto. Então, isso trouxe uma inovação, uma facilidade pro montador e uma qualidade pro produto indiscutível. Com a abertura de mercado pós-Collor, que aí surgiram os produtos importados. Porque a indústria nacional não tem, estão até fazendo algumas facetadoras, que chamam-se facetadoras, mas não é o nível das importadas. Então, isso com a abertura de mercado, embora quando chegou muito caro, nós tivemos que esperar um pouquinho. Isso aí chegou em 1995 e eu só pude ter esse equipamento em 2001, eu tive que esperar um pouco. Então, era feito de forma artesanal, mas isso foi uma grande evolução pro meu segmento. Agora, outras evoluções, vamos falar da área médica, os aparelhos e os equipamentos pros exames. Hoje você fala de uma tomografia você faz no mesmo dia e o resultado sai na mesma hora. Então, você pega exames, outros exames clínicos que demoravam quanto tempo pra você conseguir fazer e nem tinham aqui? Eu acho que isso foi uma maravilha porque hoje a gente vê a ciência, a medicina, a evolução de tudo isso de uma forma muito mais positiva. Hoje as doenças são detectadas muito mais rápido. Hoje você tem muito mais acesso, que é o que eu tava falando, acesso com relação a uma receita de um óculos pra pessoa que mora no Norte e pra uma pessoa que mora no Sudeste, Sul. Lá as pessoas têm essa deficiência. Aqui, hoje você vai em qualquer laboratório e tem todos os equipamentos. Eu não sei se é leasing, se é financiamento, eu não sei como eles conseguiram, mas o BNDES deve estar presente (risos), certo?
P/1 – Agora vamos voltar um pouquinho pra essa parte mais pessoal. Como é que é o seu cotidiano hoje?
R – Bom o meu cotidiano hoje ele tá, como eu te falei, já sou pai e já sou avô, então, eu tenho alguns compromissos ainda familiares. Mas o meu cotidiano resume-se no seguinte: eu acordo a minha manhã, tomo o meu café, vou pra minha atividade física. Faço 45 minutos a uma hora da minha atividade física regrada, de terça-feira a sexta-feira. Terça-feira, quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira eu faço, quando dá eu faço também no final de semana, quando eu tenho tempo no final de semana e não tenho nenhum compromisso. Volto pra minha casa, tomo meu banho, como minha fruta e vou pro meu trabalho. Desempenho as minhas funções, as minhas tarefas, faço os meus atendimentos dos meus clientes pessoais, porque de modo geral os outros quem atende são os meus funcionários. Mas tenho os meus clientes pessoais que só falam comigo, só são atendidos por mim. Almoço, passo na outra loja, faço a minha rotina de acompanhar alguns serviços da outra loja, serviços meus particulares, que eu atendi clientes ali naquele estabelecimento e que até preferem ali porque ali é mais tranqüilo, o acesso é mais fácil , o espaço é um pouco maior. Alguns clientes eu atendo ali. E retorno pra Ótica Luz e fico até às 19 horas. Tenho os meus compromissos religiosos também, que eu sou evangélico, então, tenho os meus cultos durante a semana e finais de semana. Mas eu tenho algum ponto, alguns momentos de lazer que são finais de semana que eu não fico em São Paulo. Então, cada 15 dias eu to no interior, tenho uma chácara no interior, vou visitar o meu neto cada 15 dias que mora no interior. São momentos que são a minha, assim, um pouco de descontração, de lazer, tenho meus animais. Então, aprecio isso, sou muito presente ali, quinzenalmente eu to lá, fica a cento e 30 quilômetros daqui de São Paulo, em Araçoiaba da Serra, próximo a Sorocaba. E já tenho essa chácara lá desde 1997 e tenho sido frequente, principalmente porque um dos meus filhos mora no interior, o mais velho. Então, eu já aproveito e já faço toda esse contato familiar com ele, com meu neto. Esse praticamente é o meu cotidiano.
P/1 – E de fazer compras, o senhor gosta?
R – Adoro mercado, adoro feira, embora quase não vou na feira ultimamente, você acha tudo no mercado. Isso também é uma diferença da evolução. Antigamente, você tinha as feiras livres, era muito mais comum você ir em feiras. Eu usei a feira muito pra encontrar clientes quando eu mudei de um estabelecimento pro outro. Hoje é difícil. Hoje você faz tudo no supermercado. Adoro mercado, adoro fazer compra, mas eu não sou um grande consumidor, sou moderado. Compro aquilo que eu preciso, mas tenho os meus desejos, as minhas ilusões. Gosto muito de automóvel, já restaurei vários automóveis antigos, usei isso um pouco como hobby num momento difícil da minha vida em 1998, que eu sou casado pela segunda vez. Em 1998 o meu primeiro casamento teve um grave problema e eu me separei. Tenho dois filhos, um com 24 e um com 20. E eu me separei nesse período. E de 1998 até 2006 eu fiquei divorciado. Eu não quis assumir nenhum compromisso sério, fiquei divorciado. Mas me dediquei ao meu retorno pra igreja, que eu tinha deixado de lado. A minha formação é evangélica, desde a infância, criança. Meus pais já eram evangélicos, meus avós que moravam em Engenheiro Marsilac eram evangélicos. Então, você vê que nós já viemos de uma formação evangélica de berço. E aí eu voltei pra igreja com muita vontade, com muito desejo e assumi isso, os meus compromissos com a igreja. Eu tenho os meus cultos de quarta-feira, sábado e domingo. Procuro ser presente, mesmo quando eu to no interior congrego lá, normalmente no final de semana. E me dediquei a isso e me dediquei a essa, como gosto muito de automóvel, me dediquei ao automóvel antigo. Conheci um grupo de pessoas muito interessantes, pessoas fora do estado de São Paulo. E troquei muitas informações, restaurei alguns carros, vendi. Não ganhei dinheiro, mas me foi muito bom emocionalmente. Lembrava muito do meu pai, me trouxe uma memória muito boa e sentia muita falta dele. Mas daí em 2005 conheci a minha atual esposa, casei em 2006, não temos filhos. Ela é diretora de escola, trabalha com educação infantil e tem uma vida bastante atarefada. Ela também é historiadora, tem formação acadêmica pela USP. Tem muitos compromissos, dá algumas palestras, dá curso pra formação de professores, dá curso pra quem vai prestar concurso público. Então, ela tem uma vida bastante ativa. E então a minha vida mudou um pouco nesse sentido com relação ao segundo casamento. Mas não tenho filhos, moro ainda em Santo Amaro, trabalho ali. E então basicamente essa é a mudança que houve na minha vida ali depois do meu, vamos dizer, do que aconteceu com o meu primeiro casamento, da falência do meu primeiro casamento.
P/1 – E o que os seus filhos fazem hoje, qual o nome deles?
R – Eu tenho o Fernando, que é o meu filho mais velho, ele tá na área comercial também, trabalha no comércio mas trabalha no ramo de calçados. Trabalhou com automóvel porque ele me via participando muito disso, tentou entrar nesse segmento e não deu certo. Fazia Educação Física numa faculdade lá, mas desistiu e foi pra área comercial. Eu não sei quais são os caminhos que Deus tem pra ele. Mas ele tá na área comercial, tá se dando bem, tá ganhando relativamente bem, tá contente. E mora no interior, lá em Araçoiaba, se adaptou. Ele foi morar em Araçoiaba com dez anos de idade e se adaptou ao clima, ali à cultura da cidade, ao perfil e mora lá. E o meu filho mais novo tem 20 anos. Ele já mora sozinho aqui em São Paulo, eu comprei um apartamento pra ele e ele já mora sozinho. Até mesmo porque isso interferiu um pouco no meu casamento. Filhos do primeiro casamento quando estão em contato com um segundo sempre existem algumas posições, algumas divergências. Então, pra poupar desavenças eu achei melhor que eu comprasse esse apartamento pra eles e eles morassem sozinhos. O mais velho não ficou em São Paulo, foi embora. Mas o mais novo ficou, ele faz Hotelaria no SENAC e tá trabalhando aqui próximo num restaurante que chama Marcelino. E tá aí já tem um tempinho, tá gostando do segmento. Agora recebeu um convite pra um hotel em Pinheiros que eu não sei o nome, tá pra ter uma entrevista aí. Mas eu acho que ele vai enveredar pra essa área de Hotelaria mesmo, que parece que é uma área promissora aí pros próximos anos. Ele gosta muito dessa parte do atendimento e servir. E ele é muito competente também e parece que ele vai se desencadear aí pra esse segmento.
P/1 – E o senhor gostaria que algum deles, um dia, levasse adiante a Ótica Luz e a Ótica Boa Vista. Eles têm algum plano pra isso, o senhor vê isso acontecendo?
R – Não. Eles trabalharam comigo um período. Quando eles vieram do interior pra São Paulo, isso foi em 2005, eles tentaram ficar comigo lá um pouco, mas eles não se adaptaram ao perfil do atendimento. E atendimento de ótica não é fácil mesmo. Ele é delicado, você tem que ouvir muito, ser muito ponderado. Não é simples, não é rápido, é um atendimento demorado, lento. E muita dúvida, muito ajuste. Não é reclamação, mas você tem que lidar muito com a psicologia, conquistar o cliente, fidelizar, fazer amizade. Então, eu acho que eles eram muito imaturos, eles não conseguiram visualizar isso, eles presentes nesse negócio. Por isso que eles não ficaram, nem o mais velho nem o mais novo. Mesmo porque tinha cobrança, eu cobrava resultados deles também. Não era só simplesmente estar ali e não apresentar resultados. Ficar na frente do computador falando no msn, no Orkut. Então, eu não tolerava algumas coisas, e eu achava que eles tinham que ser presentes e trabalhar como eu trabalho até hoje. Então, eles ficaram pouco tempo, acharam melhor sair e procuraram outros caminhos. Eu tinha uma expectativa porque eu gostaria de ver a Ótica Luz, como eu te falei, completando cem anos. E eu acho que eu não consigo chegar lá, mas eu tinha esperança que um deles assumisse. Mas assumisse dentro de um conceito de crescimento, de atendimento, de formação, conhecer o produto, conhecer a mercadoria, conhecer o cliente, conhecer o funcionário. Trabalhar da base, como eu trabalhei, pra poder evoluir, pra poder crescer, pra poder conhecer, ser conhecedor do ramo que estivesse atuando e não simplesmente se eu tiver algum problema de saúde, ele ter que assumir na marra porque aí é morte certa. Eu não gostaria que fosse dessa forma. Mas eu tenho o João Vitor. O João Vitor é o meu neto, mora no interior, ele tá com dois anos hoje. A gente não sabe, de repente ele pode ser meu sucessor. E eu não tenho interesse em vender a loja, em sair, a não ser que os planos de Deus sejam outros, a gente não sabe. A gente tem que entregar nas mãos de Deus, e esperar e confiar. Mas eu tinha vontade de trabalhar até o fim da minha vida. Esse é o meu desejo.
TROCA DE FITA
P/1 – Quando o senhor falou do seu hobby com os carros antigos, a gente faz uma ligação bem clara com o seu pai, que o senhor menciono que ele gostava muito de carros. Enfim, tem alguma coisa além dos carros como hobby, mas que remete à sua infância em Santo Amaro, com o seu pai que o senhor gosta de fazer até hoje?
R – É, nós retratamos aí no começo que na infância era muito comum, nós somos em cinco irmãos, meu pai e minha mãe. Era muito comum, às vezes no domingo, minha mãe planejar um piquenique com meu pai, que era um passeio simples, fácil, econômico, então, era muito fácil. E o que meu pai levava? Levava nós ali na região da Guarapiranga, que ainda é uma represa bonita. Então, o que acontecia? Lá tinha uma área verde, um espaço, muito eucalipto, então, você tinha uma área livre e favorável pra você ter as crianças soltas ali com um certo controle. E por incrível que pareça, hoje quando eu to em São Paulo, às vezes um domingo de manhã, eu tenho um jipinho conversível, antiguinho mas ele ficou comigo esse jipinho. E principalmente nos dias de sol eu gosto muito de pegar minha esposa e tomar um sorvete ali naquela região, até hoje. Tanto pra mim quanto pra ela trazem memórias, porque o pai dela também levava ela pra brincar na Represa quando pequena. Pra mim não que o meu pai pudesse nadar, porque o meu pai sofreu na infância ele teve uma paralisia infantil. Aos dois anos de idade, morando lá em Marsilac, ele foi acometido de uma paralisia infantil e andou de muleta, de cadeira de rodas até os oito anos de idade, depois andou de muleta até ele conseguir um desenvolvimento. Mas nadar ele não nadava, jogava bola ele não jogava. Mas ele era presente, ele tava ali, conduzindo, estando junto. Mas eu gostava muito que ele contava histórias pra nós, ele contava histórias e eu gostava muito das histórias que ele contava. Em muitas delas estão envolvidos os carros. Então, eu gostava muito das histórias do passeio, que aconteceu isso, que reformou aquilo, que pintou, e que passou com o carro em cima duma cobra e assim eram muitas histórias verídicas. Mas é. Aí nesses finais de semana que nós íamos na represa; então hoje quando eu vou lá eu lembro disso um pouquinho, um pouquinho eu lembro. Então, hoje têm muitos restaurantes ali, eu gosto muito de um ali em especial que é de uma linha mais alto um pouco. Mas eu gosto da região, gosto. Até há pouco tempo atrás eu tava pensando em me desfazer do meu apartamento e comprar uma casa ali. Mas, por insegurança e por isso e aquilo eu to deixando isso em segundo plano, até mesmo porque agora estão um pouco mais difíceis as coisas, os imóveis valorizaram demais. Então, tá um pouco mais difícil. Mas eu gosto muito dali e isso me traz algumas recordações.
P/1 – E essa interação com a represa é típica do bairro de Santo Amaro até pela proximidade ou é uma coisa mais pessoal sua e da sua esposa?
R – Não, a gente vê que tem muita gente que usa a represa pra velejar, pra andar de jet-ski, pra. Inclusive tem um passeio, olha só como é que são as coisas, eu vou ali, vejo e tal. Mas tem um passeio de escuna que ainda é disponibilizado ali que eu falo pra minha esposa: “Olha, nós precisamos chegar cedo.” Mas pelo fato de ser um domingo e às vezes ela trabalha demais, acaba acordando um pouco mais tarde no domingo e aí eu já não gosto de chegar na hora do almoço pra dar um passeio de barco, eu gostaria de ir mais cedo. Então, to combinando com ela de qualquer dia voltar lá e contratar o passeio de escuna e fazer o passeio de escuna porque ele dá a volta ali na represa Guarapiranga, dá toda a volta ali por trás, chega nos outros bairros, olha deve ser muito bom ali. Principalmente num domingo de sol deve ser muito bonito.
P/1 – Agora pra finalizar quais são as lições que o senhor tirou pra sua vida pessoal a partir da sua atividade como comerciante?
R – Olha, eu aprendi o seguinte: que a gente sempre aprende muito com os mais velhos – isso é número um. Segundo, que a gente tem que ser humilde porque a lição que eu trouxe dessas pessoas com quem eu convivi me emociona muito, muito mesmo, porque pessoas muito íntegras, de caráter, idôneas, sérias, com compromisso, com responsabilidade, que é difícil hoje no ser humano. Eu tive, acho que Deus me colocou no lugar certo e eu tive a oportunidade de desenvolver isso. Mas o que eu aprendi muito foi a ser humilde, que eu acho que talvez quando eu era mais jovem eu não tinha essa dosagem. E isso eu aprendi bastante.
P/1 – Tem alguma pergunta que a gente não tenha feito, mas alguma coisa que o senhor gostaria de registrar aqui que a gente acabou não perguntando?
R – Eu acho que eu falei demais, falei bastante. Mas eu acho que a gente tem que agradecer a Deus acima de todas as coisas porque Ele tomou caminhos na minha vida. Não que eu seja um milionário ou... Mas pela formação que eu tive, sempre estudando em uma escola estadual, tendo que depois trabalhar pra conseguir terminar meus estudos porque depois você uma faculdade, eu não consegui entrar numa faculdade pública. Eu não tive nem sou um grande estudioso, eu acho que eu não ia conseguir mesmo. Minha esposa conseguiu, ela sempre estudou em escola estadual, mas ela tem uma facilidade diferente da minha no aprendizado e ela conseguiu entrar numa USP. Eu tentei, mas eu não consegui. Então, eu tive que pagar minha faculdade, estudar, o meu curso técnico. Mas eu agradeço a Deus acima de tudo, de todas as coisas porque ele me deu saúde, me deu uma família maravilhosa, pai, mãe e irmãos, minha família é muito unida. E a esposa que ele me deu hoje. Enfim, eu tenho que agradecer a Deus.
P/1 – E agora pra finalizar o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista, de ter falado sobre a sua história de vida?
R – É, eu acho um pouco emocionante porque é a primeira vez que eu faço isso. A gente não tem muito que ilustrar, que falar. A minha história é uma história simples. Espero que tenha algum conteúdo pra vocês.
P/1 – Então, em nome aqui do Museu da Pessoa e do SESC a gente agradece muito a sua participação. Muito obrigado.
R – Obrigado vocês também.
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