IDENTIFICAÇÃO Sou Valdir Rodrigues dos Santos. Nasci em 5 de abril de 1943, em Arealva, Estado de São Paulo. FAMÍLIA Meu pai era Manuel Antônio dos Santos e minha mãe Maria Serrão dos Santos. Ambos eram do sítio. Depois que eles se casaram, meu pai passou a trabalhar como lenhador e minha mãe ficou trabalhando em casa. Ele morreu trabalhando, cortando uma árvore. Eu tinha três anos de idade. O meu pai nasceu na viagem, quando meus avós vieram de Portugal para o Brasil. Ele nasceu no navio, foi registrado na cidade de Santos. Quem escolheu Campinas foi minha mãe, porque meu pai já tinha morrido, eu tinha três anos de idade, minha mãe tinha cinco filhos e cidade pequena do interior ficava difícil para uma viúva criar todos eles. Minha irmã mais velha já estava entrando no científico e lá no interior não tinha esse curso, então optamos por vir para Campinas, porque tem maior campo de trabalho, de estudo. No interior, ela cuidava dos filhos, não trabalhava. Primeiro veio uma irmã minha trabalhar aqui. Ela trabalhou um tempo, arrumou um lugar para nós morarmos, e viemos. Quando chegamos aqui em Campinas cada um foi procurar serviço. Eu, já no segundo dia de Campinas, arrumei serviço na ótica. Trabalho até hoje em ótica. Eu tenho mais quatro irmãos. As minhas três irmãs não estão no comércio, tomam conta da casa. O meu irmão, até três anos atrás, ele era vendedor de tecidos, mas ele teve um derrame e está impossibilitado de trabalhar. CIDADES / CAMPINAS / SP Chegamos em Campinas em 1954. No dia seguinte da nossa chegada saímos pra procurar serviço e no outro dia seguinte já comecei a trabalhar. A primeira impressão que eu tive foi de medo. Quando desci da estação da Fepasa [Ferrovia Paulista SA], eu estava descendo com minha mala, meus sapatões de sola de couro, o bonde começou a descer da estação, eu pensei que ele ia sair da linha do trem, do bonde e ia me atropelar, tanto é que eu corri,...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou Valdir Rodrigues dos Santos. Nasci em 5 de abril de 1943, em Arealva, Estado de São Paulo. FAMÍLIA Meu pai era Manuel Antônio dos Santos e minha mãe Maria Serrão dos Santos. Ambos eram do sítio. Depois que eles se casaram, meu pai passou a trabalhar como lenhador e minha mãe ficou trabalhando em casa. Ele morreu trabalhando, cortando uma árvore. Eu tinha três anos de idade. O meu pai nasceu na viagem, quando meus avós vieram de Portugal para o Brasil. Ele nasceu no navio, foi registrado na cidade de Santos. Quem escolheu Campinas foi minha mãe, porque meu pai já tinha morrido, eu tinha três anos de idade, minha mãe tinha cinco filhos e cidade pequena do interior ficava difícil para uma viúva criar todos eles. Minha irmã mais velha já estava entrando no científico e lá no interior não tinha esse curso, então optamos por vir para Campinas, porque tem maior campo de trabalho, de estudo. No interior, ela cuidava dos filhos, não trabalhava. Primeiro veio uma irmã minha trabalhar aqui. Ela trabalhou um tempo, arrumou um lugar para nós morarmos, e viemos. Quando chegamos aqui em Campinas cada um foi procurar serviço. Eu, já no segundo dia de Campinas, arrumei serviço na ótica. Trabalho até hoje em ótica. Eu tenho mais quatro irmãos. As minhas três irmãs não estão no comércio, tomam conta da casa. O meu irmão, até três anos atrás, ele era vendedor de tecidos, mas ele teve um derrame e está impossibilitado de trabalhar. CIDADES / CAMPINAS / SP Chegamos em Campinas em 1954. No dia seguinte da nossa chegada saímos pra procurar serviço e no outro dia seguinte já comecei a trabalhar. A primeira impressão que eu tive foi de medo. Quando desci da estação da Fepasa [Ferrovia Paulista SA], eu estava descendo com minha mala, meus sapatões de sola de couro, o bonde começou a descer da estação, eu pensei que ele ia sair da linha do trem, do bonde e ia me atropelar, tanto é que eu corri, me agarrei no poste. Eu fiquei com medo do bonde. Nunca tinha visto um bonde na minha vida. Viemos de trem e fiquei com medo. O cara desceu, bateu blem, blem, aquele sino que tinha, blem, blem, falei: “Ih, meu Deus, vai sair daí.” Isso era um domingo à tarde, não tinha movimento e fiquei com medo. Mas depois a cidade me impressionou bastante. Grande. Eu queria conhecer o estádio de futebol do Guarani, da Ponte Preta. O primeiro fui conhecer o do Mogiana. Impressionante. Eu gostava muito da Igreja do Rosário, que era no centro. A cidade em si agradou a todos nós. Fomos morar na Rua Barão de Jaguara, uma casinha de fundo, que minha irmã arrumou. Morei eu, minha mãe, minhas irmãs, dava um jeito, beliche. Era do lado da Igreja do Carmo. Hoje já está demolida a casa, já não existe mais. INFÂNCIA Quando se é criança, em cidade de meio de mato, brincava muito de índio, fazia as flechas. Eu tenho até hoje uma marca de uma flechada que eu levei aqui. Futebol, natação, tudo quanto era rio que tinha lá perto, pescar, caçar. Era atividade que fim de semana punha um tostão no bolso, pão com doce de abóbora, estilingue, varinha de pescar, descia a estrada, ia até a beira do Rio Tietê, depois descia pescando. Depois voltava a pé. Passava o domingo todo andando. Quando eu comecei a trabalhar aqui, eu precisei pedir ordem do juiz no fórum. Fui eu e minha mãe lá. Minha mãe explicou para o juiz a situação dela, cinco filhos, ela sozinha, nós tínhamos que trabalhar para ajudá-la. O juiz fez uma autorização, porque eu não tinha 14 anos, tinha 11 anos. Fez uma autorização por escrito, falou: “Se for algum fiscal...” Naquele tempo, era diferente, e fez a documentação porque era uma necessidade. Como o juiz é a autoridade máxima da cidade não teve problema. Tenho muitos amigos aqui de Campinas que moravam lá no interior, inclusive fizeram grupo comigo. Tem um que é dono de uma imobiliária, Doutor José Osvaldo de Rezende, era amigo de sair pra caçar, pescar. COMÉRCIO DE CAMPINAS Em matéria de compra nós éramos muito crianças. Quem comprava era minha mãe e minha irmã mais velha, que inclusive trabalhava na Eletro Rádio, ali na Barão de Jaguara. Hoje é estacionamento um pouco pra lá da Padaria Orli. Ali era uma loja de materiais, de som, sofás. Nós comprávamos aos pouquinhos porque as condições... Naquele tempo também não existia Eldorado, não existia supermercado. Comprava na feira, às vezes. E, muita coisa, tinha armazém lá perto, fazia as compras em armazém. TRANSPORTE Costumava viajar de trem. Vim de Arealva de trem. Sempre trem. Não tinha ônibus. Era só trem que tinha na época. O ônibus fazia Bariri a Jaú. Em Jaú tinha que pegar o trem pra vir pra Campinas e já ia direto pra São Paulo. Era demorado. A viagem de Jaú a Campinas demorava quatro horas, cinco horas. Parava em tudo quanto era cidade. Trom, trom, trom... Saía na janelinha vendo as paisagens. E existia na época já o elétrico, mas era muito pouco. Era mais a tal de Leopoldina, parece que era elétrico, o resto era tudo a carvão, a lenha. Pegava a jardineira em Bariri, ia a Jaú, em Jaú vinha para Campinas. Jardineira é o onibuzinho que tem aquele motor na frente. Se chovia era um sufoco. Ainda mais que passava em uma cidade chamada Pouso Alegre, a terra era vermelha, era um barro. Uma vez o trator foi tirar a jardineira do buraco e era tudo terra, a jardineira vinha de lado. Era um sufoco. Não sabia se ia chegar. Sair saía, mas se ia chegar não sabia. Nem a que horas que ia chegar também. FORMAÇÃO Fiz o grupo em Bariri, o Grupo Escolar de Bariri. Estava no quinto ano e depois nós viajamos pra Campinas, mais ou menos, no meio do ano. Eu fiz no Ginásio Del Castro a conclusão da quinta série e depois comecei a primeira série ginasial. Naquele tempo era ginásio, hoje mudou bastante. Com 11 anos, não temos muita vocação: eu vou ser isso, eu vou ser aquilo. Pra mim, o primeiro emprego que eu pegasse, eu tinha que tocar até... Tanto é que quando eu entrei no meu serviço, eu nem perguntei quanto eu ia ganhar. O patrão me pagou no final do mês, eu saí dando pulos de alegria. Eu nunca tinha recebido um salário. Recebia, mas muita mixaria. No interior, às vezes, eu limpava, trabalhava no “turco”, no armazém, limpava o galinheiro dele, ele dava uns pedacinhos de bacalhau, uns pedaços de arroz, feijão. Sabia que nós éramos pobres, então ele fazia um saco pra mim: “Leva para sua mãe.” E nós nos alimentávamos assim, lá no interior. Agora aqui em Campinas, se eu tivesse entrado em uma loja de vender tecidos, ou vender móveis, talvez estaria até hoje também. Porque quando pegamos um serviço que precisamos, nós vamos fundo. Depois eu fui fazer Química. Estudei no Eduardo Prado, mas não deu certo. Eu fui fazer Química em Santos, mas em Santos o curso era muito caro, não tinha dinheiro, arrumei serviço lá, eu tinha arrumado serviço em uma ótica em Santos, a Casa Gabos. Mas quando eu fui fazer a matricula, o dinheiro não dava pra pagar aluguel, comer e viver e eu dei uma parada. Depois de um ano e meio, dois anos, eu voltei pra Campinas. Fui fazer Química por intuição, às vezes, algum amigo falava: “Eu vou fazer Química.” Porque, na época, era um estudo que dava margem de trabalho. Até hoje tem amigo meu que se formou em Química Industrial e tem uma fábrica de sabão em São Paulo. JUVENTUDE Saía um pouco de tudo, baile... Formaturas de colégios, não perdia uma. Era baile no Regato, no Tênis, no Concórdia, onde tinha baile de formatura já ia lá de smoking, gravatinha borboleta. Hoje eu não sei se existe ainda. Mas baile no Concórdia, fui sócio do Concórdia, sempre ia em baile. Agora futebol nem me pergunte, jogava a semana toda, sábado à tarde, domingo de manhã, domingo à tarde. Minha mãe até ficava apavorada: “Como é que você gosta de futebol?” Eu jogava na lateral direito. Cheguei a jogar no infantil do Guarani, quando o Zé Duarte era técnico. Eu joguei no infantil do Guarani, depois joguei no juvenil da Ponte Preta, mas parei. Parei porque eu tinha um amigo meu, jogava bem também, o Tim, veio um cara do Vasco de Americana, levou a gente pra jogar no Vasco, e já no profissional da terceira divisão. Mas não deu certo, porque nós éramos moços. Chegava no sábado ia em baile, domingo cedo tinha jogo. Não deu pra continuar, não. Vamos parar por aqui, porque não dá pra misturar madrugada com futebol. Com o Vasco, eu cheguei a jogar contra o Rio Claro. Esse que disputou com o Guarani esses tempos atrás, só que na época o Rio Claro também não era a sensação que é hoje. Mas eu ia jogar muito em Jacutinga, em muitas cidades por aí. Íamos de ônibus. Quando íamos em fazenda, nós íamos de caminhão. Jogar em fazenda aqui, Guedes, fazenda, aquela fazenda que fica ali na estrada de Mogi Mirim, tudo de caminhão. ESTRADAS Não eram como hoje. Tinha asfalto, mas era pista única, desse lado aqui. Agora outros lugares por aí, Fazenda Guedes, mato dentro, todas essas fazendas, tudo estrada de terra. Essa de pista única era a Mogi Mirim. Nós saiamos daqui para ir jogar na Fazenda Monte Best, Fazenda Guedes, chegamos a jogar até em Poços de Caldas. Tudo de ônibus. Eram poucas as estradas com asfalto. A Anhangüera, que não era o que é hoje, também. Era bem restrita. E essa de Indaiatuba, acho que... Não é Washington Luis não, acho que vai dar em Rio Claro. Essa coisa, estrada de Sousas era terra. Eu ia muito ao Regatas. Domingo de manhã, pegava o bondinho, o bonde 12 aqui na Luiz Alecrim, passava na Luiz Alecrim ia até Sousas de bonde, no Regatas. Lá ia jogar bola, nadar, se divertir, por volta de 62, por aí, mais ou menos. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu fui contratado como se fosse um office boy, fazia limpeza da loja, limpava vidro, varria, encerava, ia entregar óculos, fazia despacho no correio. Aquele tempo tinha bastante despacho, porque eram poucas óticas e o pedido... Geralmente, vinha muita gente de fora, consultava, passava na ótica e não era como hoje que tem equipamentos que em meia hora faz os óculos. Naquele tempo, demorava mais. Então despachava via correio, fazia despacho no correio, entregava. E nas horas vagas eu ia aprendendo a montagem. O Seu João Mostache, que era o gerente da loja, ele me mandava fazer conserto de óculos, gostava do meu serviço. Acionou a matriz, que eu estava com vontade de aprender a fazer lentes. Logo depois, eu fui para o laboratório, aprender a fazer lentes. Depois trabalhei na montagem. E na minha ótica, eu já parti para o balcão também. Porque tem que vender. Porque montagem, sulfassagem, faz tudo. Desde, pegar uma receita na mão... Na hora que eu pego uma receita de óculos na mão, eu já sei como é que vai ficar o óculos pronto no rosto da pessoa. Se eu pegar a lente, eu faço, monto, entrego para a pessoa, com visto médico, não tem problema nenhum. Os anos que nos ensinam. E eu sempre falo para os meus filhos: “Quando você fizer, faça bem feito, pra não fazer duas vezes.” INSTITUTO PENIDO BURNIER O Penido Burnier foi bom pra mim, porque inclusive quem era sócio da ótica Conceição, o Senhor Guilherme, era filho do Doutor Almeida, do Penido Burnier. E esse Doutor Almeida era um médico super inteligente. Por volta de 30, 40 anos atrás, uma senhora aqui de Campinas, muito rica, o marido a levou para a França, porque ela estava com um problema na visão e achava que no Brasil não tinha como resolver. Ela, no consultório com o médico francês, que disse: “Senhora, eu vou indicar um outro médico pra senhora, lá na sua terra, que vai resolver o seu problema.” Escreveu o nome: “A senhora procura no Instituto Penido Burnier, lá em Campinas, o Doutor Antônio de Almeida, porque ele vai resolver o problema da senhora.” E ela veio pra Campinas, foi recebida pelo Doutor Almeida, maravilhosamente bem, correu tudo beleza. O cara saiu do Brasil pra ir pra França e vir terminar o serviço aqui. Não só pra Campinas, para o Brasil todo, até para o mundo também. Porque aqui nós temos um oftalmologista no Penido, que a especialidade dele é fazer operação da catarata. Todos os médicos fazem operação da catarata, só que o pós-operação, o implante da lente, do cristalino, ela tem que ser minuciosamente calculada para não haver o uso de óculos pra longe depois. Porque a operação da catarata quando ela é bem feita, a pessoa só vai necessitar de óculos pra perto. A visão dela pra longe zera. Mas poucos conseguem fazer isso. É o doutor Gustavo de Abreu Filho. Hoje em dia, é até chato falar, existe uma parte que o médico é contratado pra indicar a ótica. Ele ganha 20% da ótica que ele indica. A maior parte em Campinas é assim. Eu, graças a Deus, nunca paguei, nem vou pagar médico. Eu vivo dos meus clientes, do meu conhecimento e dos meus amigos. Agora, antigamente, no Penido Burnier, quando vinha um médico de fora pra fazer estágio no Penido, com o Doutor Almeida e outros médicos, o Queiroz, que eram os mais antigos dali, eles exigiam que o médico fizesse estágio na ótica pra aprender como é que faz os óculos. Porque eu acho que pra ele conferir os óculos, ele tem que saber como é feita a lente, o tratamento da lente, a lente perfeita, a lente não perfeita. Eu estive com muitos médicos no laboratório ensinando como faz uma lente, em um determinado tempo. Passou. Hoje já não faz mais isso. Hoje aquela tradição já era. Mas teve o Doutor Hélio, o Doutor Valmor Largura, que morreu, que já era do Coração de Jesus, um monte de médico que passou pela ótica fazendo estágio. Punha avental de briga e vamos trabalhar. Eles cortavam o dedo, estouravam a lente, quebravam, mas iam aprendendo. Naquela época, a colagem de lente, do bloco - porque vem um bloco bruto e tinha que esquentar a lente e esquentar o piche, tinha que ir passando nessa lamparina, esquentava a lente e esquentava o piche e ia derretendo em cima da lente - os médicos queimavam toda a mão e nós dávamos risada. Umas passagens engraçadas. Coisas que médico queria fazer e não conseguia. Por exemplo, naquela época, como não existia o transplante do cristalino, da catarata, hoje extrai o cristalino, implanta a lentinha, não precisa nem usar óculos. Antigamente, tinha que usar aquelas lentes grossas, mais 12, mais 14, até mais 18 graus. Pra polir aquela lente, naquela curvatura, naqueles modelinhos, quem já tinha prática, suava. Os médicos ligavam a máquina, a lente voava pra cima. Era só risada. São passagens engraçadas, mas foi bom. FUNCIONAMENTO A gente abria às oito, saíamos às onze pra almoçar, voltava à uma hora e saia às seis. E tanto de manhã como à tarde eu trabalhava a pé. Ia e voltava a pé. Raramente, pegava o bonde do Botafogo, mais quando estava na cidade, quando morava lá, vinha pelo viaduto, porque o viaduto era antigo, vinha pelo viaduto. Era a pé mesmo. COMÉRCIO DE CAMPINAS Mudei para a Francisco Glicério, lá em cima. Foi quando minha mãe conheceu meu padrasto e se casou. Nós fomos morar na casa dele. Ele era viúvo também. Minha mãe era viúva, casaram na Catedral e eu saía de lá e ia trabalhar. Mas o comércio, na época, era meio fraco, tinha movimento, mas era fraco. Não é o que tem hoje. Tinha a Sears. Inclusive quando tinha o campeonato de futebol do SESC, a Sears participava também. Tinha a Mesbla. Tinha a Lojas Garbo. Tinha a Centara Guarani. Hoje já não existe mais também. Tinham várias lojas. Tinha a Rivema, era uma autorizada de veículos, Agência Orozimbo Maia. Tinha bastantes lojas grandes. Foi um dos campeonatos que me deixou saudade, porque era um campeonato super bacana. Todos conhecidos, todos amigos. No final do campeonato fazia a seleção. Nós fomos jogar em São Paulo contra a seleção do comércio de São Paulo. Eles vieram aqui, no campo do Mogiana. Jogamos à noite até, e era uma coisa maravilhosa. Inclusive da seleção do comércio saiu até um garoto que foi profissional no Guarani depois. Como eu gostava de futebol, eu estava no céu. Tinha futebol de salão durante a semana e futebol de campo no final de semana. Atividade que não parava, acabava um campeonato, começava outro. ÓCULOS Hoje está pior que antigamente. Em matéria de usar óculos. A pessoa usa os óculos tudo errado. Esses óculos curvados que estão usando agora, antigamente médico não dava visto. Ele tinha uma escala no bolso, que ele pegava os óculos e ele punha a escala, se tivesse 30 graus de curvatura, ele aceitava, se passasse de 30 graus, ele mandava pra ótica fazer outro. Hoje tem gente que usa óculos, em vez de usar com a lente inclinada, uns 30, 40 graus inclinado, para dar melhor visão de leitura, usa os óculos assim, com a lente assim. A visão através da lente dá refração prismática e essa refração prismática significa aumento ou diminuição do grau. Praticamente, o que o médico receita a pessoa não vai usar. Vai usar um pouco a mais ou um pouco a menos. Por causa da maneira que usa os óculos erradamente. Porque os óculos ele tem que ter uma inclinação, principalmente o bifocal. O bifocal, o multifocal, se não tiverem a inclinação, a pessoa não consegue ler, não consegue se adaptar, acha que, puxa pra cá, puxa pra lá e não ajuda. Quantas pessoas aparecem na ótica com esse problema de não conseguir ver pra perto... Eu pego os óculos da pessoa, faço adaptação, coloco na pessoa: “Melhorou. Agora sim.” Para os óculos é fundamental o equilíbrio no rosto da pessoa. Existem pessoas que chegam com folha de revista perguntando se nós temos aquele tipo de óculos. Às vezes tem, às vezes não tem. Mas a maior parte quer os tradicionais. Por exemplo, esse meu Ray Ban, que eu já tenho há uns 20 anos, mais ou menos; tem pessoas que vão hoje na ótica e querem desse Ray Ban. Esse é o Bousch & Loumb ainda, não existe mais; agora é o Ray Ban da Luxótica. Que a Bousch & Loumb foi vendida para uma firma italiana. E tem os tradicionais: “Não, quero esse modelo.” E acabou. Agora tem pessoas que já querem modelo moderno, vêem na televisão. Você vê que a maior parte desses artistas que fazem propaganda, passa dez, 15 dias, já estão na ótica procurando esses modelos. Você tem que ficar acompanhando esses modelos de lançamento. ÓTICA SALDANHA Quando o Junior, meu filho mais velho, estava garotinho ainda, estudando ainda no grupo, eu pensava sempre no futuro deles. Eu, como empregado. Mais outro filho, dois filhos, ele mais velho, outro menorzinho, eu pensava comigo: “Se eu continuar empregado, eu nunca vou poder dar uma faculdade para o meu filho. E eu não quero que meu filho fique burro como eu, que pare no tempo.” Eu precisei parar porque eu não tive condições, fui obrigado a parar. Mas o que eu fiz? Eu tinha um carro. Juntei um fundo de garantia que eu tinha, mais o carro, comprei a ótica de um amigo meu, que já é falecido, que era na Saldanha Marinho, antiga Ótica Moura. Ele vendeu pra mim, falou: “Para você eu vendo Valdir. Porque eu já estou aposentado, vou parar e não quero mais saber disso. Você paga o que você quiser.” Eu entrei na loja dele, fiz umas reformas, lógico, estava com balcão com cupim, ótica muito antiga também. E começou ali, comecei a comprar maquinário. Comecei a colocar empregado. Comecei a trabalhar. O movimento começou a melhorar, sem pagar médico nenhum, que eu não uso essa arma. FUNCIONÁRIOS Para falar a verdade, eu tenho uma heroína, uma velha guerreira, que é minha mulher. Nós íamos juntos. Ela limpava a ótica, lavava, limpava os balcões e eu montava óculos, fazia lente na pouca máquina que eu tinha. Ia fazendo, na medida do possível. Coloquei sobrinhas minhas pra trabalhar, coloquei sulfassagista pra aprender a fazer lente e foi crescendo. Chegou uma época que eu tinha oito funcionários no laboratório. Mas hoje já não tenho oito, porque, hoje em dia, funcionário é caro. Fica muito cara a mão-de-obra. Eu faço o meu serviço. Antigamente não, fazia pra outras óticas também. Fazia pra ótica do japonês, do Missau, Doutor Missau. Mas eu cansei de fazer serviço pra os outros. É difícil fechar um mês que não tivesse atraso de pagamento. Foi indo, foi indo, acabei com o serviço de fora, só fiquei com o meu serviço mesmo. Hoje já estou mais reduzido. Pra mim, monte de serviço eram 20 pares por dia. Hoje a média é de cinco, dez pares por dia. Porque já não é mais como antigamente. Antigamente, usava-se muito cristal; hoje, usa-se o acrílico. E os graus de acrílico, hoje, praticamente vêm... Se a senhora pegar um grau menos cinco, com menos dois de astigmatismo, existe a lente pronta. Não precisa fazer. Muitos graus que antigamente não existiam, hoje já existem prontos, até graus fortes, dez graus, menos oito, menos doze, existem prontos. Ray Light, que era uma lente que tinha um cristal de alto índice... Trabalha, por exemplo, pra dar 14 graus, trabalha dez dá 14 graus. É uma lente muito danada, quebrava muito. Hoje existe pronta, já evita essa lente de ficar fazendo no laboratório. CASAMENTO Minha mãe, um dia, chegou e disse: “Seu irmão é mais novo que você, já está noivo, vai casar, você não namora?” Eu falei: “Namoro, lógico que namoro.” Ela falou: “Você nunca trouxe uma namorada para eu conhecer.” Eu falei: “Mãe, a hora que eu trouxer uma namorada para apresentar para a senhora, ela não é minha namorada, ela vai ser minha esposa. Porque começar a namorar uma menina hoje, daqui a quinze dias pára, vai ficar trazendo namorada em casa? Não vira. O dia que eu trouxer uma vai ser minha esposa.” E a primeira mulher que eu levei na minha casa, que eu apresentei para minha mãe, que era minha namorada, é a minha esposa até hoje. Conheci minha esposa indo pra Valinhos. Estava indo de carro pra Valinhos comprar uma peça de carro. E eu passando em frente à casa dela, eu a vi saindo. Eu fiquei impressionado com a beleza da menina. Eu falei: “Eu vou tentar conversar com ela.” Fiz a volta no carro lá em baixo, voltei, quando eu fiz a volta, ela entrou na casa da tia dela. Eu falei: “Puxa vida, eu não vou conseguir falar?” Fui mais pra diante, parei o carro, ela saiu, eu falei: “Agora eu vou falar com ela.” Falei com ela e ela: “Que você quer?” “Eu quero conversar com você, pode?” “Não, agora não”. “Mas não tem horário?” “Não.” “Mas eu quero conversar com você.” “Não, porque não sei o que...” “Vamos fazer uma coisa? De noite eu venho aí. Eu tenho que trabalhar agora, mas à noite eu venho.” Eu passei na casa dela, ela estava no portão, porque naquele tempo tinha uma muretinha em frente à casa dela, ela estava sentada lá. Eu falei: “Vou conversar com ela.” Comecei a conversar com ela, conversar com ela, conversamos acho que um mês. Naquele tempo, pra pegar na mão se não tivesse autorização do pai, não pegava. E comecei a namorar com ela. Namoramos pouco. Namoramos nove meses, fiquei noivo, um mês depois eu casei. E já estou com ela há 38 anos. Nós fomos morar em um cômodo de fundo, no Jardim do Lago; eu trabalhava na ótica e não ganhava muito. Não podia pagar uma casa, eram os cômodos de fundo. Tem gente que não dá valor pra amigo, mas eu tive um amigo que me deu uma tremenda força, foi meu patrão. Naquele tempo, tinham saído as inscrições da casa do Jardim Amazonas, casa popular. Eu tinha feito a inscrição, só que o número de casas sorteadas já tinha saído. E o Senhor Sérgio que era o diretor das casas populares, não sei se era o sindicato, o que era, através do Senhor João Batista da Luz, que é presidente do Sindicato do Comércio, tem o filho dele, Willian, e onde era o Sesc antigamente, hoje é o Sindicato do Comércio, ele ligou pra mim na ótica, falou: “Valdir, tem uma desistência, de um senhor aqui que vai mudar para São Carlos. Ele está com a papelada dele aqui e ele pagou tanto. Só que pra você pegar a desistência dele não é o plano de casa que você pediu. O plano dele é um plano menor. Você aceita fazer?” Eu falei: “Lógico que eu aceito.” Eu estava com o contrato da casa já findando e tinha que pagar tanto. Eu conversei com o Senhor Sérgio, esse meu patrão, ele falou: “Valdir, eu empresto esse dinheiro pra você, depois vou descontando do teu pagamento.” Eu falei: ”Deus é bom.” Fui lá, acertei as contas, paguei. O meu contrato estava vencido já há uns 15 dias. O sorteio das casas foi no dia 5, em um domingo de setembro. No dia 7 de setembro, eu mudei. Veja como é; nós estávamos em um sufoco tremendo, de repente abriu-se uma porta grande na nossa frente. FAMÍLIA O primeiro filho, eu falei: “Se for homem vou colocar o nome de Junior. E Ana Carolina se for mulher.” E veio ele. No dia em que ele nasceu, eu passei na casa da minha mãe pra falar que ele tinha nascido, estava na Casa de Saúde. Saí da casa da minha mãe, encontrei com um amigo meu, Airton, que já morreu: “Airton” “Ô, tudo bom, Valdir?” “Meu filho nasceu.” “Ô, não brinca Vamos tomar uma, então. Vamos comemorar.” Eu não tomava pinga. Aquele dia eu tomei uma pinga. E fomos comemorar, depois fui até em casa, peguei umas roupas, levei pra minha mulher na Casa de Saúde. Alegria total, primeiro filho é alegria total. Depois veio o Douglas, depois veio o Renato. Já morava no Jardim Amazonas. O Douglas nasceu lá. O Renato nasceu lá também. O Renato fez um ano de idade nessa casa que eu construí aqui no Jardim Paranapanema. Ele fez um ano certinho... Mudamos, acho que depois de dois meses; já teve aniversário de um ano dele, ele está com 19 anos. Faz 19 anos que eu moro aí. Em primeiro lugar, minha esposa não veio trabalhar comigo por beleza, veio por necessidade que eu precisava de alguém de confiança. E foi durante anos, depois veio o Junior. Ia na escola, saía da escola, ia pra ótica, ia aprender a trabalhar. Nisso o Douglas também. O Douglas, inclusive, se formou no Senac [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial]. Ele é professor de ótica, dá aula em Ribeirão Preto. Ele é contatólogo. O Junior também está se formando em contatólogo agora, optometrícia também. Optometrícia é o que se usa muito nos Estados Unidos, Alemanha, Japão. A pessoa tem um problema de visão, de grau fraco, ou quer mudar o grau da lente, ele não vai no médico, ele vai no optometrista, que lá é liberado. No Brasil está pra ser liberada essa profissão. O médico nesses países é pra curar uma doença, fazer uma operação, porque mudar o grau dos óculos é uma coisa fácil, pra melhor pra pessoa. Agora a participação da minha família foi pelo fato de eu com a mulher, depois, pra ela não ficar em casa fazendo nada, ia pra ótica. Até o Renato, mais novo, ele era nenezinho, ia pra a ótica. Na mesa do escritório tinha uma caixona, um colchãozinho, ele ficava dormindo no escritório. E, às vezes, saía com o carrinho, punha ele no carrinho, dava volta em frente à ótica, na Saldanha Marinho, pra lá e pra cá. Nasceu dentro da ótica, praticamente. E estão até hoje. Agora, eu vou ficar mais um pouco, porque tem o Douglas, tem o Junior, eu quero descansar, estou quase com 65 anos de idade, não é brincadeira. Nunca tive férias. Toda vez, nas firmas que eu trabalhava chegava na época das férias, patrão pedia pra eu ficar porque não tinha outra pessoa pra pôr no lugar, pagava as férias pra mim em dinheiro. E nós sempre apertados, era um bom negócio. Só que hoje foi o pior negócio que eu fiz. Porque eu acho que toda pessoa tem que tirar férias. É uma coisa, vou falar aqui, que devia ser obrigado no Brasil, tirar férias, porque quando você chega depois dos 60 anos, você vê que a necessidade de umas férias... É fundamental para o cérebro da pessoa. As pessoas que tiram férias freqüentemente tem uma vida mais alegre, passeiam mais, vivem melhor. Agora, aquela pessoa que só fica trancada no serviço, às vezes fica até doente. É que nem falava o finado Mário Natale, da Ótica Mário, que às vezes ele ia lá na ótica conversar comigo, ele falava: “É Valdir, o ótico depois de um determinado tempo, ele fica caótico.” E fica mesmo. Porque é um serviço de muitas medidas, muitos cálculos. É um serviço, de um eixo 150, se sai 151, aquilo vai ter muita influência na pessoa. Aquela receita do médico pode até estar errada, pode ser que não seja nem 150, seja 90, mas só que eu dei 151, ele manda voltar os óculos, fazer outra lente, para dar os 150 que ele pediu. É um negócio de responsabilidade. É duro. CLIENTES Acontece de pessoas que entram na loja, compram armação e mandam pôr uma lente sem grau, só pra falar que usam óculos. Vai entender o povo... É difícil entender, mas existe. É até gozado, e essa gente é legal, porque vai e paga à vista, não está nem aí. É tão grande o prazer de querer usar óculos que paga a vista. Não faz nem um crediário. Tenho duas lojas, a da Benjamim e a da Moraes Sales. A demanda da Benjamim é maior por ser mais conhecida. A da Moraes Sales já é menor. Só que tem uma pequena diferença: a ótica da Benjamim é uma ótica antiga, os balcões são mais altos, a pessoa é atendida de pé; tem bastante balcão, mas atende de pé. Agora na ótica nova já é mais moderno, é tudo balcãozinho, cadeirinha, a pessoa senta para ser atendida, as armações ali, então é uma diferença. Não vou falar que é matriz, mas a número um é a que tem mais movimento, mais tradicional. Por enquanto, porque aqui na Moraes Sales faz um ano, um ano e pouco, não deu ainda pra pegar aquela força total. E também vem a situação do comércio de não estar lá essas coisas; um dia é bom, dois dias são ruins, um dia é mais ou menos, uma semana é ruim. O comércio nosso oscila muito. Antigamente, nós falávamos que dia 10 arrebentava; hoje dia 10 não arrebenta mais. O comércio em geral. Muitos amigos meus que tem outro tipo de comércio, dizem que estão vendendo o almoço pra comprar o jantar. O poder aquisitivo está diminuindo. Muitos empréstimos. A pessoa vê a facilidade do empréstimo, acha que: “Vou comprar um carro.” Vai, empresta dinheiro e acaba se enforcando. Não gasta muito. Agora os maiores consumidores de óculos são as mulheres. Os homens têm armações de 40 anos atrás, quer que de uma arrumadinha e coloque a lente naquela armação. O nêgo não troca nunca, só se esfarelar na mão dele. É impressionante. A mulher não. A mulher já é mais vaidosa, um ano, ela já enjoa dos óculos, quer trocar. É o que está segurando. Eu tenho vários clientes de fora, Doutor Frago, inclusive, um cliente meu desde que eu montei a ótica. Ele trabalha em São Paulo e vem todo ano fazer óculos comigo. Tem um cliente de Manaus, é longe para burro, mas como ele tem família aqui perto, ele aproveita quando vem pra Campinas e vai à ótica trocar os óculos. Enfim, tem muitos que são fiéis mesmo. Agora tem uns que pisam na bola. Às vezes, o freguês é bem tratado, tem preço bom, trabalha direitinho, de repente a pessoa aparece na ótica com óculos de outra loja pra arrumar, porque onde comprou não arruma. Já não é um cliente fiel. Fiel é aquele que não procura outro. É bem tratado em um lugar, não abandona nunca. A nossa abordagem, é bem difícil falar... O principal fator é saber, em primeiro lugar, o que o cliente deseja. Nós não podemos descartar a mercadoria que gostamos, empurrar pra pessoa que não gosta da mercadoria. Tem que ver o modelo que ela gosta, o que fica bom. Quando se trata de um multifocal, tem que ver a parte técnica também, não é só vender os óculos. Tem que ter as medidas todas exatas pra sair uns óculos perfeitos, um óculos com campo de visão. Hoje já sairam lentes com multifocal. Primeiro era 22, hoje sai multifocal com 14 de altura, que é pra essas armações que a mulherada gosta muito de armações pequenininhas. Já saiu lente no mercado para servir esse tipo de armação. LENTES DE CONTATO A lente de contato em si é um excelente negócio. Excelente pra quem a industrializa. Tem a Johnson [Johnson & Johnson], outras indústrias por aí. Agora é muito bom pra quem tem uma miopia forte. É um espetáculo Os óculos do míope é uma lente grossa, a lente de contato não; coloca no olho, você nunca vai saber que a pessoa é míope. A pessoa pode até jogar bola com a lente, corre o risco de perder, agora é melhor do que jogar uma bola de óculos. Leva uma bolada na cara, adeus óculos. Mas a lente de contato é um negócio fenomenal. ORGANIZAÇÃO Sempre é bom colocar a armação na vitrine e a fotografia do fabricante atrás. A Pierre Cardin, a Detroit, mandam um pôster junto. Coloca-se a armação e o pôster atrás, que a pessoa vê o pôster, vê a armação, vê que ali tem qualidade. É muito importante isso; ótica ter qualidade. Porque ótica, tem bastante em Campinas. Mas tem laboratório... São cinco óticas em Campinas que fazem serviço de laboratório, fazem lente e montam óculos. O resto são postos de venda. Arruma lá umas balconistas, pra atender e terceiriza todo o serviço. ÓTICAS EM CAMPINAS Eu acredito que hoje, em Campinas, deve ter em torno de umas 260 óticas. Tem ótica pra tudo quanto é lado. E não só é capital da ótica, porque Campinas é um campo muito grande de oftalmologista. Tem muitos médicos de vista em Campinas. Tem muita gente que vem do interior, das redondezas, onde vai parar? Em Campinas. Porque é um campo grande pra isso. E é uma coisa que tem tradição também. Penido Burnier, que já existe há muitos anos, já trilhou aquele parecer que a pessoa precisa de um médico: “Ah, eu vou para Campinas, lá tem o Penido Burnier.” Inclusive o Penido Burnier tem uma Campanha da Boa Visão, que eles fazem consulta gratuita. É muito importante isso para a cidade. E as óticas acompanham o ritmo dos médicos e sempre crescendo, sempre crescendo. Eu tinha uma, agora hoje, graças a Deus, eu tenho duas. E a tendência, mais tarde é crescer mais ainda. Eu tenho outro filho que pode ter uma outra loja e ele tomar conta também. É um garoto inteligente, está na faculdade. MARCAS A Bousch & Loumb, Vision, já fecharam. American Optical fechou também. Marie G. Enfim, naquela época era muito bom o comércio, porque nós comprávamos, não eu, porque eu era empregado, mas o patrão, comprava direto da fábrica. O vendedor passava, fazia o pedido, vinha da fábrica. Hoje, você não compra mais da fábrica, tem um intermediário. Você pode comprar da fábrica, que nem esse Essilor, que é a fabricante da Varilux, uma das melhores lentes do mundo, eles vendem pra nós, se nós comprarmos um caminhão de bloco. Mas um caminhão de bloco, se eu vender as minhas duas lojas, eu não tenho pra pagar. Nós somos obrigados a cair no fornecedor. Têm várias firmas em Campinas que trabalham nesse setor, eles pegam direto da fábrica e revendem para as óticas, tanto lente pronta, como os blocos. As armações não. As armações, nós temos aqui em Campinas, a Tecnol do Sérgio Carnieri, que ela tem em torno de umas 20 marcas e tudo de primeira qualidade. Não tem melhor no mercado. Não existe melhor no mercado. Existe uma que pode bater junto, que é justamente essa que comprou a B&L do americano, que é a Luxótica, que é italiana. Mas o resto é, trabalhar com a Tecnol é só alegria. Por exemplo, a pessoa compra óculos hoje, amanhã por uma falha ou qualquer coisa quebra, ela volta na ótica, pegamos os óculos, liga-se para o setor de troca, no dia seguinte a armação está na loja. Tem garantia total e isso umas armações que se souber trocar... Eu mesmo tenho uma armação Tecnol há oito anos, os óculos de perto. É qualidade do primeiro mundo. Agora tem umas chinesas entrando no mercado aí. Abre os olhos que derretem na mão. É duro. E muitas óticas trabalham com esse tipo de artigo. FORMAS DE PAGAMENTO Sempre fiz crediário particular na minha firma. Já dancei bastante. Perdi muito crediário. Mas enfim, vão lucros e perdas da firma. Sempre tem a parte que você perde, porque nem todo mundo é honesto. Hoje eu tenho cartão, tem o cartão Visa, crediário, cheque, não tem problema. Eu estou evitando um pouco de crediário, porque o crediário ultimamente em Campinas está meio arriscado. A pessoa na hora de comprar fala mil e uma coisas, depois na hora de pagar, você precisa ficar telefonando, atrasa um mês, dois meses, três meses, depois vai ver se no fim do mês tem dinheiro, vai pagar. Quer dizer, vai ver. Campinas cresceu muito e dentro desse muito tem muita gente que não honra a barba. O fio do bigode, como dizia meu pai. Meu pai tirava um fio da barba dele, punha no negócio. Ele morria, mas pagava. Hoje você vai cobrar uma pessoa em atraso, ela dá risada de você. Dureza hoje. Por isso que eu já optei pelo cartão, porque o cartão é garantido. A maquininha autorizou, o banco que se vire com o cliente. PROPAGANDA Uma vez só eu anunciei no rádio. Isso porque eu tinha um amigo que tinha uma rádio, aliás, trabalhava para uma rádio, ele precisou de óculos, a mãe dele precisou de óculos. Nós juntamos a despesa, o que ele gastou e nós pusemos um anúncio do rádio. Mas não foi por muito tempo. Foi durante uns dois, três anos só, porque depois a rádio fechou também. Quando tinha campeonato de futebol no Concórdia, das crianças, eu ofertava o jogo de camisa, dava jogo de camisa, pra eles jogarem com a camisa de futebol com a propaganda da loja. E assim por diante. Tinha convênio com o Banco do Brasil. Eles tinham lá na Praça de Esporte o painel da ótica e o que me lembro no momento é isso. Deve ter mais coisa também. Tinha aquele campeonato interno, que no final deu briga. Futebol de salão. Deu briga no final, mas eu patrocinei, eles jogavam com a ótica e eu garantia qualquer problema que acontecesse na quadra, se alguém se machucasse, eu levava no hospital ou na assistência, ou no pronto-socorro. Mas, graças a Deus, nunca aconteceu, porque no nosso time só jogava nêgo macho mesmo. Não se machucava à toa, não. Hoje em dia os futebolistas caem e já ficam quinze dias sem jogar. Eu lembro no meu tempo, que às vezes você ia jogar bola, sabadão torcia o tornozelo, domingo jogava uns arcos, enfaixava e jogava com o pé inchado mesmo. Não tinha problema. Hoje, não. Hoje o atleta tem um resfriado já não joga. Naquele tempo nós íamos jogar até com pneumonia. EMBALAGENS No principio, eu sempre procurei trabalhar com o mais em conta, porque nós não tínhamos poder aquisitivo grande. Hoje, graças a Deus, eu já trabalho com a melhor marca que tem no Brasil, que é a Focus. Fazem os estojos mais sofisticados, bonitos e tem vários modelos, tem pra óculos curvado, óculos pequeno, óculos grande. E eles trabalham muito bem na embalagem. Mandam tudo embalado em um plástico, com grampo grifado, você tem que rasgar o plástico pra tirar. É primeira linha mesmo. Sacolinha também. Nós fazemos sacolinha com a propaganda da ótica para pôr os óculos dentro. A pessoa sai com a sacolinha na mão. Todo ano eu faço aquela folhinha tradicional comercial, que é aquela de parede, que cada mês destaca uma. Todo ano eu faço aquela folhinha. Nunca deixei de fazer, mas eu tive uma vez que, no ano passado, teve um amigo meu que não ganhou a folhinha, ele foi ao laboratório, tinha uma folhinha, ele falou: “Essa daqui é minha.” Já tinha passado uns três, quatro meses do ano. Ele falou: “Você não me deu esse ano.” Eu falei: “Você não veio buscar, pô” Fazia muito calendário. Hoje já não faço mais calendário, não faço calendário porque tive uma vez, eu fiquei meio aborrecido, porque eu tinha uns calendários de bolso de time de futebol, de pesca, de fotografia de cidade, navio, tal, e Nossa Senhora da Aparecida também. Eu fui entregar uns óculos pra uma senhora, quando eu dei o calendário da Nossa Senhora da Aparecida, ela falou: “Não vou pôr nem a mão. O senhor me desculpa, mas a minha religião não permite.” Eu falei: “A senhora que me desculpe, porque eu não sabia.” Eu peguei a folhinha de time de futebol e dei pra ela. Fazer o que. O comércio é uma coisa muito... Você não sabe o que tem atrás ali, às vezes você pensa uma coisa, no fim é outra. PROMOÇÕES Nunca fiz. Eu faço desconto especial quando tem algum produto que já não está mais na mala do vendedor, que as fábricas de armações todo ano entram em reunião, aquelas armações que vendem menos, eles tiram de linha e lançam outra. Essas armações que saem de linha, já fazem um preço menor. Porque promoção, liquidação, oferta é tudo conversa, é tudo conversa. MUDANÇAS A mudança em si, das lentes. Antigamente, quando eu comecei, não existia multifocal. Ninguém escutava falar essa palavra multifocal. Depois de anos começou a aparecer. Primeiro foi uma firma italiana, que até esqueço o nome, pequenininha até, mas era bom enquanto não apareceram outros melhores. Mas na época do cristal, a melhor lente que existia era G15, cristal G15, que é essa lente aqui. Inclusive é a melhor lente pra quem gosta de um Ray Ban e quer uma vida prolongada para a vista, usa-se a lente G15. A lente marrom não é boa para a visão da pessoa. Ela provoca uma claridade no fundo do olho da pessoa, tanto é que eu ouvi um comentário que os médicos estão pra proibir essa lente. Lente amarela, azul clara, essas coisas, não se usa. Amarela é pra dirigir na neblina. Azulzinha é pra entrar em uma boate, ambiente escuro. Agora para o sol, o verde e o cinza G15 são as que dominam mais. Agora hoje, com o aparecimento da lente acrílica, o cristal está devagar. Por quê? Inclusive é até melhor, porque antigamente se fazia uma lente G15, 5 graus em cristal, o que acontecia? As bordas ficavam escuras, o centro ficava branquinho. Hoje não. A coloração do G15 da lente acrílica fica igualzinho, não deforma nem o centro, nem as bordas. DESAFIOS Concorrência. Existe muito comerciante que manda funcionário, manda parente com receita na mão pra procurar, ver meu preço, pra depois colocar dois “merréis” mais barato na ótica dele. Os demais, os maiores desafios foram os alugueis, as duplicatas. Que quando chega na hora de pagar, não tem um dia de atraso, fica atrasado, começa a complicar. SUCESSO Eu acredito que, em primeiro lugar, a honestidade pra fazer os óculos certinho, direitinho. Preço e pontualidade. Lógico que atrás disso vem um bom atendimento. A senhora entra em uma loja, é bem atendida, não é o tipo daquelas pessoas que estão atendendo a senhora, daqui a pouco vira as costas, vai atender outro. Isso não existe. A pessoa começou a atender um tem que terminar. Porque se começa a abandonar no meio dos orçamentos, a pessoa até acaba desistindo, indo embora e não compra. Então é fundamental isso. Pontualidade, honestidade e preço. COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu não tenho acompanhado muito esse vai e vem do comércio, mas eu acredito que o comércio de Campinas é grande e está crescendo cada vez mais. Agora existem muitos comércios, principalmente de construção, que a pessoa tem que ficar muito esperta. Em frente a minha casa começou a construir um prédio, parou e os proprietários sumiram. Quem deu dinheiro, passa todo dia em frente, olha para o prédio e sai chorando. Porque perdeu todo o dinheiro. Não encontra mais os fundadores da imobiliária lá pra construir. Infelizmente tem que ficar esperto. LIÇÕES DO COMÉRCIO Nós temos que ser humildes no comércio. Nunca deve falar mais que o cliente, que o amigo, que as pessoas que aparecem. Sempre tem que esperar primeiro o que ela quer, pra depois demonstrar o que tem. E nunca querer enganar o cliente. Pessoa que engana o cliente não vai pra frente nunca. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu tenho mais de 50 anos de ótica. Nunca estive em frente a um projeto como esse. Pra mim é um brilhantismo tremendo da parte do SESC. Porque nunca houve antes. E isso é muito bom para a cidade. É muito bom para o povo ver o que o comércio abre portas também, abre portas. A pessoa vendo, assistindo, tem condições de ter um pensamento melhor. Hoje em dia não é montar uma barraquinha na Costa Aguiar e vender CD a dois “merréis”. Isso daí não é futuro de ninguém. Amanhã ou depois pode cair uma fiscalização, acaba a barraca dele. Eu acho que tudo na vida tem que ter concreto, tem que ter chão firme. Partir pra uma coisa quando você está pisando firme. Porque muita gente se ilude: “Eu vou abrir, vou ganhar dinheiro.” É onde se dana. Porque tem que ser, inclusive, como se diz: cada macaco no seu galho. A pessoa sabe vender pneu, vai trabalhar com pneu. Como eu aprendi a fazer óculos, eu tenho que fazer óculos cada vez melhor. Tenho obrigação de melhorar minha capacidade. Esse é o meu pensamento.
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