Projeto Conte Sua História
Depoimento de Antônio Caio Gomes Pereira Filho (Caito Maia)
Entrevistado por Marcia Trezza
São Paulo, 26/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV732
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Caito, nós vamos começar. Fale para mim onde você nasceu... Primeiro o seu nome completo, onde nasceu e a data.
R – Bom, meu nome é Antônio Caio Gomes Pereira Filho, vulgo Caito Maia. Eu nasci no dia 25 de março de 1969, numa maternidade muito chamada Pro Matre, que é um lugar onde só nasce: é um lugar que gera vidas. Tenho muito orgulho de ter nascido lá.
P/1 – Muito bom. Na cidade de São Paulo?
/
R – Na cidade de São Paulo. Perto da Avenida Paulista.
P/1 – Caito, você pode dizer como é que virou Caito Maia?
R – Então... É até esquisito, porque às vezes as pessoas perguntam: “Mas você tem dois nomes?”. O que teve de confusão, das pessoas emitirem passagem, sabe, ou na porta de… Sou convidado, o meu nome na lista está lá - Caito Maia - mas quando vou mostrar a identidade, as pessoas só falam: “Não existe”. “Mas eu tenho dois nomes”. Caito veio do seguinte: eu sou Caio e a minha mãe falava: “Mas ele não é Antônio, ele não é Toninho, ele não é Tonhão, quero que chame ele de Caito”. Então, ela me deu essa força e falou: “Caito”. E eu acho que eu gosto de Caito, eu tenho cara de Caito. E aí... Muito louco. Maia tinha um amigo meu. Ele falou assim: “A partir de agora, seu nome é Caito Maia”. E todo mundo começou a me chamar de Caito Maia. Umas coisas que não têm explicação, sabe, assim?
P/1 – E faz tempo?
R – Eu tinha dezoito anos, eu estou com cinquenta. Foi no colégio, na escola. No segundo colegial, assim. Um amigo falou: “A partir de agora, o seu nome é esse”. Eu falei: “Está bom”. Aí, todo mundo começou a me chamar, eu falei: “Então... Caito Maia” (risos).
P/1 – E do nada assim, ou tinha alguma história para ele chegar nisso?
R – Nada. Uma loucura. Encontrei com ele faz uns cinco anos, foi muito legal, assim. Ele falou: “Você não esqueceu que fui eu que lhe dei o seu nome, não é?” “Não esqueci”. Trabalhava numa rádio, foi divertido. Tem umas coisas loucas assim, tipo que vão acontecendo na sua vida e que você aprende que você tem que deixar fluir. Porque aí gera a verdade do coração, sabe? Essa coisa… Eu não sou um cara muito matemático, sabe? Muito pensador, calculista, assim. Eu deixo as coisas fluírem e elas, graças a Deus, estão indo bem.
P/1 – E aí começou Caito Maia…
R – Muito louco! Todo mundo me chamava de Caito Maia. Minha mãe se acostumou com Caito Maia faz uns cinco anos, seis anos. Ela ficava indignada: “Como assim, seu sobrenome…? não sei o quê e tal…”. “Mãe, eu gosto, me chamam assim, beleza”. Eu até fui ver para mudar o nome, mas é meio complicado, é meio esquisito. Mas eu ainda não desisti.
P/1 – Caito, fale então um pouco dos seus pais, o nome deles. Do seu pai e da sua mãe, a atividade deles.
R – Pai, Antônio Caio Gomes Pereira, um músico e uma pessoa absolutamente especial. Ele foi embora muito cedo. Ele tinha cinquenta e sete anos de idade, morreu do coração e eu, infelizmente, só percebi o quanto ele era espiritualmente evoluído nos últimos anos da vida dele. Então, isso para mim é até uma coisa um pouco triste. Falando um pouco de mãe, está viva, super figura, gente boa, maravilhosa, Maria de Lourdes Fleury Gomes Pereira. Ela também é nascida em São Paulo e uma pessoa… Uma grande mãe! Muito especial.
P/1 – Seu pai, além de ser essa pessoa evoluída como você colocou, como ele era para você? Como você o descreveria, desde a sua infância?
R – É engraçado porque agora, tipo ontem, eu falei dele. Da minha mãe e do meu pai também. Foi num outro assunto, e é muito louco porque você tem uma comparação com os dias de hoje. Por exemplo, eu sou um pai que falo “eu te amo” para o meu filho pelo menos umas quatorze vezes por dia. Eu o beijo o dia inteiro, eu o abraço, eu que escolho a roupa, eu que dou comida, eu que dou jantar. Eu sou separado, mas quando eles estão comigo, eu sou muito carinhoso. O meu pai era uma pessoa absolutamente carinhoso, mas aos moldes da década de 80, não é? Então, era uma pessoa que era um pai, aquela figura. Era um cara que quem cuidava era a minha mãe, ele não sabia… Por exemplo, a relação que eu tenho com os meus filhos não é a relação que eu tinha com o meu pai. Eu não lembro do meu pai ter falado: “Eu te amo”. Ele me amava, claramente! Então, era um cara… Músico, com uma sensibilidade assustadora, um poder de comunicação com jovens, magnífico. Era um cara que sentava e ele que levava todos os primos - nove primos - para assistir jogo de futebol, porque ele era louco pelo São Paulo. Então, ele levava as pessoas lá e as pessoas… A molecada ficava louca com ele. Era ele e a molecada. Era sensacional! Então, era uma pessoa muito especial, assim, que, durante vários momentos da vida, eu fui descobrindo o quanto depois que ele faleceu. Então, por exemplo, eu encontrei pessoas que falavam do meu pai e começavam a chorar, mas em prantos… Porque o meu pai era pianista, ele dava aula de piano. Então, as pessoas brincavam que tinham meia-hora de aula e meia-hora de papo (risos). Era uma pessoa muito especial e que faz muita falta na minha vida.
P/1 – Para você – se você quiser falar, lógico – teve algum papo que foi marcante, ou alguma situação… Situações que deixaram alguma marca para você, ensinamento, enfim?
R – Vários. Mas assim... Eu vou te contar um, por exemplo. Eu tenho Síndrome do Pânico, um pânico forte assim. Eu cuido. Ele era a única pessoa que conseguia me tirar do estado de pânico só na conversa. O único cara. Então ele sentava do meu lado e falava: “Eu sei, eu estou vendo que você está com dificuldade de respirar, e tal. Vamos conversar?”. Ele exercitava aquilo, me acalmava e me punha na cama. Era sensacional. Uma vez, assim, a minha vida… A gente vai falar nisso, mas a minha vida como profissional, minha carreira, foi muito difícil no começo, não é? Então, eu pegava um avião à noite, ia para Nova York, passava o dia comprando óculos, aí voltava para o aeroporto, tomava banho no aeroporto e voltava para cá (risos). Era isso. Só tinha dinheiro para o Metrô e para a comida chinesa de doze dólares, era o que eu tinha. E tudo bem. Daí, eu estava no aeroporto, ele me deixou no aeroporto. Na hora em que eu cheguei no aeroporto, bateu a crise. Um amigo meu me deixou. Aí eu liguei para ele e falei: “Eu não vou viajar”. “Você vai viajar”. Ele me acalmou pelo telefone, me colocou dentro do avião. Eu fui para lá, cheguei em Nova York… Está certo que assim... Na hora em que eu cheguei em Nova York, foi um dos piores dias da minha vida, porque eu tive crise o dia inteiro, sozinho, em Nova York, não foi legal. Mas ele conseguia me acalmar. Então, já que você está me perguntando, essa é uma história interessante em que ele tinha a grandiosidade, o espírito evoluído. Tanto é que ele foi muito cedo embora, por causa da… Ele conseguia fazer isso. É muito marcante para mim, sabe? É a única pessoa até hoje que eu encontrei que tinha a capacidade de me acalmar e me tirar aquela aflição.
P/1 – E você… A crise começou muito cedo?
R – A crise começou…
P/1 – Se você também quiser falar…
R – Falo. Não tem… Tenho orgulho de tudo isso, venci a crise, estou bem. Nunca deixei de fazer nada pela crise, e até as pessoas que estão escutando a gente... É legal ter essa… Já sofri horrores, mas eu nunca deixei de fazer nada e não vou morrer por causa de crise, entendeu? É simples como isso. Fácil? Não, difícil. Mas eu estava… Eu morava em Miami e até uma história rápida…
P/1 – Não precisa ter pressa.
R – Tá! Tranquilo. É que eu gosto de resumir, porque o resumo gera o gostoso no papo, sabe assim, fica… Mas o que aconteceu foi o seguinte: eu estava em Miami, fui morar lá e, chegando, eu escapei de um furacão. E aí, na escapada do furacão, quando eu voltei, eu comecei a… Eu serrava as árvores dos milionários, das piscinas, ganhei um belo dinheiro com aquilo. E aí, no meio dessas pessoas, tinha um brasileiro que o tio dele era distribuidor da revista “Veja”, na Flórida. Aí ele falou assim: “Você não quer trabalhar lá?” “Eu quero”. Aí, eu comecei a vender assinatura. Eu batia na casa da Márcia e falava: “Escuta, você não quer comprar uma assinatura?”. Só que eu sempre tive essa sensação de volume, eu sempre quis mais. Aí, eu enchi o saco. Na Flórida, nos Estados Unidos, não existe banca de jornal, existem distribuidoras e eu fiquei durante quatro meses infernizando uma distribuidora. Aí, a secretária... Eu lembro até hoje... Ela falou assim: “A gente vai lhe atender porque você é muito insistente...”. Ela queria dizer que eu era muito chato. “E eu queria lhe falar: a gente não vai fazer negócio com você, mas ele só vai lhe atender, lhe dar quinze minutos, e aí você vai embora. Mas você promete que nunca mais vai ligar?” “Eu prometo”. Eu fechei um contrato com ele, de um ano. Na verdade, dois anos. De quase vinte mil revistas por mês para distribuir. Foi muito legal. Então, eu estava morando em Miami super bem, feliz, contente, ganhando dinheiro, e aí veio a crise. E aí, desde então, a gente vem tratando, super bem, eu faço meditação, eu malho, tudo. Mas, resumindo: começou há bastante tempo…
P/1 – Você tinha que idade mais ou menos?
R – Eu devia ter uns vinte e um, vinte e dois. Cada um tem os seus desafios na vida. Esse é o meu. E a gente encara numa boa, a gente resolve numa boa e a gente consegue passar por isso, tranquilo.
P/1 – E você foi para Miami com que idade, Caito?
R – Então... Eu tive… Assim... Eu morei nos Estados Unidos oito anos. Eu sempre fui muito precoce (risos). A primeira vez que eu fui morar nos Estados Unidos eu tinha doze anos.
P/1 – Com a família?
R – Não (risos).
P/1 – Então, conte.
R – Eu fui morar na casa de um tio meu, no Texas. Mas, para chegar lá, eu fui sozinho. Foi divertido assim, foi engraçado, porque, tipo, eu parei em Miami, daí eu tive que ficar em conexão o dia inteiro em Miami. Aí um amigo do meu pai me deixou lá, eu falei: “Eu vou dar uma volta”. “Então vai”. Eu saí sozinho lá, toquei bateria na loja, comprei uns discos, foi divertido. E aí, isso já começou a me trazer uma bagagem muito especial assim, na vida. E aí, depois, eu fui… Eu fiz Faculdade de Música nos Estados Unidos, porque a minha formação é de música, não fiz Faculdade de Administração de Empresas, fiz Música. E aí, depois, eu morei em Miami. E foi nesse momento que surgiu a conexão com os óculos, aquela coisa toda. Mas o fato é que eu tive uma relação… Eu morei oito anos e foi muito especial, porque essa coisa de você viajar pelo mundo, de você conhecer culturas diferentes... Uma coisa muito legal é quando você sai do Brasil. Você valoriza duas coisas que eu acho que todos nós precisamos valorizar: o Brasil e a nossa família. É muito especial. Então, quando você está fora, você fala: “Nossa, que saudades do meu pai, da minha mãe, do meu irmão. Nossa, como o Brasil é maravilhoso, como a música brasileira é linda, como o povo brasileiro é lindo”. Então, é importante para as pessoas valorizarem, assim.
P/1 – Isso que eu ia lhe perguntar: como que você pensava no Brasil lá, não é? O que você sentia de valorizado? Assim…
R – É muito louco, porque eu estudava numa Faculdade de Música lá em que as pessoas… Um dos grandes lances da Faculdade é que as pessoas eram músicos do mundo inteiro. Então, por exemplo, o professor lhe dava uma tarefa, uma geek que a gente chamava: “Então, você tem que compor, fazer uma música de MPB, você tem que escolher os músicos e me trazer”. Então, na hora de fazer esse trabalho, você fazia tipo… Pegava um baixista jamaicano, um guitarrista inglês, este era o charme da história. Por que eu estou falando isso? Os brasileiros e os italianos eram os únicos povos que choravam de saudades. É muito especial. Eu sou um grande brasileiro, eu tenho orgulho do Brasil, por mais que… Um monte de barbaridade que a gente está vendo, não é? Mas eu acho o brasileiro… O Brasil… Eu conheço o mundo inteiro e tenho um orgulho muito grande do Brasil assim, eu tenho um amor muito grande pelo Brasil. Então assim... É muito louco, porque a gente tem uma relação muito forte com os nossos amigos, com a nossa família, com essa energia gostosa, sabe, esse papo gostoso. Isso faz muita falta quando você está fora do Brasil, dá muitas saudades. Até Tom Jobim falava que Nova York é um lixo, e é demais; Brasil é um lixo, e é demais (risos). Ele falou umas palavrinhas mais feias, mas… Que é isso mesmo, não é?
P/1 – E Caito, voltando agora para a sua infância, que lembranças você tem da sua infância, marcantes assim? Como era a sua infância? O que vocês faziam?
R – Então... Ontem eu estava exercitando isso, muito louco a gente voltar para esse assunto, assim… Eu não tenho… A pessoa que estava falando comigo, ela estava querendo achar alguma coisa errada na minha infância, assim, não sei o quê, eu não sei. Eu não tenho… Eu tenho lembranças tão boas, sabe? Eu tenho lembrança de um pai, de uma mãe… Não lembro de brigas. Eu lembro de diversão, lembro de carinho, lembro de amor. Claro, uma criança tem as suas desavenças, não é? Faz as suas bobagens, claro, mas era gostoso. Eu não tenho nenhum trauma de infância. Eu tenho lembranças muito boas, de um pai engraçado. A única lembrança ruim que eu tenho é que o meu pai morreu de asma e eu lembro que ele sofreu muito com isso. Então eu via o meu pai… A lembrança que eu tenho é o meu pai com falta de ar, mas lembrança que eu tenho é muito mais ele feliz, dando risada, do que com falta de ar, entendeu? Então, era gostoso. Eu tinha uma infância... Porque eu nasci na Granja Viana, aqui em São Paulo, em Cotia. Tinha um avô muito legal, maravilhoso, uma avó muito especial, a família se reunia constantemente, as famílias eram muito carinhosas, era muito gostoso, os primos eram divertidos, a gente viajava com os primos, férias deliciosas.
P/1 – E você tem um irmão que você falou.
R – Eu tenho um irmão. Eu estou com cinquenta… Cinquenta não, eu vou fazer cinquenta daqui a quinze dias - eu tenho quarenta e nove. E eu tenho um irmão três anos mais novo que eu. Então, a gente tem essa coisa, mas eu não tenho assim, tipo, alguma coisa…
P/1 – As lembranças são leves?
R – São.
P/1 – E Caito, do que vocês brincavam? Ou com o seu irmão ou com os seus primos, ou com amigos? Quando você era criança.
R – Então... É engraçado que assim... Tem um fator, que eu fui muito gordinho quando criança. Aos dezesseis anos de idade eu perdi cinquenta quilos. Todo mundo faz essa cara. E é muito louco, porque eu perdi uma pessoa, não é? Uma pessoa de cinquenta quilos. E foi muito interessante que, a partir daquele momento, eu percebi que conseguia fazer qualquer coisa. Na hora em que você perde cinquenta quilos... Agora pode vir o mundo que eu faço qualquer coisa, entendeu? Então eu tive uma infância onde eu tinha essa coisa do peso, que esse foi um lado meio traumatizante, porque assim... Tipo, não era um gordinho que sofria bullying, era um gordinho de quem todo mundo gostava, era incluído, era muito legal, mas, por exemplo, tipo, namoradas, tal, no começo era meio difícil, porque tinha um lado estético, não é? E eu lembro que a minha mãe sofreu muito assim, porque não era legal ver. E aí, quando eu emagreci, ela ficou muito contente, ficou muito feliz assim. E daí para frente, eu nunca mais engordei, fiquei com um corpo bacana, tudo mais, tudo certo. Mas isso foi um ganho de autoestima muito sério. Então, eu tinha uma infância, mesmo gordinho... Eu era muito esportista, tinha muito envolvimento com o esporte, eu jogava basquete, jogava muito bem esporte, era um gordinho muito ágil e era muito legal assim. Era muito bacana, era muito gostoso. E eu era sócio de um clube. Então, isso foi uma grande sacada que o meu pai e a minha mãe tiveram, porque a gente chegava no clube de manhã e ia embora à noite. E o que eu fazia no clube? Eu fazia esporte. De manhã era futebol, à tarde era basquete, vôlei, depois nadava, polo, não sei o quê, então era muito gostoso.
P/1 – Então era escola e clube?
R – Escola e clube. Era assim: durante a semana, era escola. No final de semana, era clube. E, durante a semana, na parte em que não estava estudando, também era no clube. Então, era uma coisa bem diversificada, mas era uma coisa leve, sabe? Divertida.
P/1 – E os amigos… No clube, tinha amigos?
R – Muitos amigos. Que são amigos até hoje, assim. Muitos. Da escola, eu não tenho tantos amigos quanto eu tenho do clube. Do clube, eu tenho grandes amigos até hoje, pessoas pelas quais eu sinto muita coisa, porque, realmente, ali foi que eu vivi mesmo, que eu tive pessoas bacanas, pessoas legais. Uma coisa interessante do meu pai é que o meu pai nunca teve condições… Não era uma pessoa de condições financeiras, mas ele me fez estudar nos melhores colégios do Brasil e também me fez estudar nesse clube, que era um clube muito bacana, e tal. Mas mesmo assim... E isso é uma coisa que eu aplico com os meus filhos, é a coisa de… Eu sempre tive contato com pessoas de classes sociais diferentes. Isso para mim é uma coisa absolutamente essencial na minha vida.
P/1 – Quando você era criança, em que escola você estudou?
R – Estudei no Porto Seguro.
P/1 – E aí, você já tinha essa convivência com diferentes classes? Ou foi acontecendo depois?
R – Foi acontecendo depois. Acho que, para mim, uma das coisas que mais me incomodava no Porto Seguro era essa… Sabe… Porque eu, Caito, particularmente, até hoje eu tenho muito cuidado com isso, sabe? Eu, graças a Deus, circulo em classes sociais diferentes. Para mim são pessoas, e isso é que me interessa. Entendeu? Então, é muito gostosa essa relação e eu prezo muito. Quando, no meu passado, eu tive essa relação de fazer essa gestão com todas as classes; para mim foi muito legal.
P/1 – E no clube, você tem algum episódio, alguma situação assim que vocês, quando se reúnem, vocês lembram, contam?
R – Ah, tem muitos episódios. Tem episódio de carnaval, os carnavais no Paulistano, que era engraçado porque a gente tocava, tinha uma escola de samba e eu tocava na escola de samba, tudo. Eram carnavais sensacionais, eram lembranças deliciosas.
P/1 – Descreve assim, com um pouquinho mais de detalhes, esses carnavais.
R – Os carnavais… Eu não sou muito fã de carnaval, eu sou mais rock and roll assim, mas era uma lembrança tão gostosa, porque a gente se reunia antes, tinha um cara que treinava a escola de samba e então os ensaios eram ensaios gostosos, que as pessoas se reuniam, as namoradas, os amigos, todo mundo tinha aquele envolvimento, e aí na hora da gente… Quando a gente tinha que entrar, tinha que comprar uma roupa branca, então era uma roupa legal, bacana, era uma lembrança muito gostosa, porque a gente entrava no meio do salão do Paulistano, lotado, tocando para a escola de samba, subia no palco, aí o teatro inteiro… O teatro não, o ginásio inteiro dançava. Aquilo era muito legal. Então, é uma lembrança gostosa, tinha envolvimento com a música já, não é? Porque eu tenho um envolvimento muito forte com a música, e então são lembranças como essa assim, que são muito legais . Para mim, falando um pouco de infância, eu tenho dois momentos na minha vida: eu tenho o momento esporte e tenho o momento música, que começou muito cedo. Começou com onze anos.
P/1 – Conte. Conte como começou.
R – Então... O meu pai era um professor de piano muito bacana, uma pessoa muito especial, assim. Ele inventou um método que é o seguinte: uma pessoa que nunca tocou na vida e não quer ser um profissional, em quatro aulas ele já tocava uma música. Depois do método, você ia comprando as músicas que ele vendia por fita de VHS, então você escolhia a música que queria tocar. E você, em quatro horas, aprendia a tocar a música. E ele sustentou uma família muito bem com esse método. Era muito legal. Só que ele nunca me ensinou um acorde, nunca. Ele falou assim: “Eu não quero que você sofra o que eu sofri”. Só que eu queria e aí não teve jeito. Então assim... Com uns dez, onze anos, eu comecei a mexer na história da bateria e eu queria ter a minha bateria. E é muito louco porque, tipo, eu sempre tive a coisa da musicalidade com o business, sempre! Então, falando um pouco da música, a música eu já comecei a ter banda, já comecei a me envolver com a música, já comecei a fortalecer. Eu tive… Vou separando as coisas, eu tive três bandas na minha vida - eu fui músico profissional durante quinze anos. Eu tive três bandas que foram assuntos seríssimos, tipo, uma banda a gente assinou o contrato com a Warner e com o Gugu Liberato lá, eu fui tocar no SBT, tudo, e a gente ia ser um sucesso. Só que na hora do ‘vamos ver’, o vocalista desistiu e acabou. Mas a gente assinou contrato, nós gravamos disco, chegamos a ser lançados na rádio, um negócio seríssimo.
P/1 – Como chamava a banda?
R – Essa primeira banda chamava Silvia James. Aí, depois, eu tive uma banda com o Gastão, que apresentou a MTV muito tempo, chamada Rip Monsters, em que eu era o baterista do Rip Monsters, disco, tudo…
P/1 – Da outra também você era baterista?
R – Também baterista. Aí eu tive a última banda, em que eu era vocalista, tocava guitarra base, chamava Las Ticas Tienen Fuego. E aí, é engraçado porque com essa banda a gente concorreu no VMA, da MTV. Tipo três mil bandas, foram escolhidas cinco, e a gente era uma das cinco. E foi aí que a gente… Foi um negócio seríssimo, fiz turnê no Brasil inteiro junto com várias outras bandas, um negócio sério, assim. E é engraçado que a gente concorreu no VMA e tinha cinco bandas e a gente não ganhou, não é? E foi ali que eu tomei a decisão: “Então, agora eu vou vender óculos”. E eu costumo falar que a banda acabou, então assim... O Brasil perdeu Las Ticas Tienen Fuego, não perdeu nada, mas o Brasil ganhou, olha só que interessante, dessa banda, eu saí da banda… Quando acabei, eu fiz a ‘Chilli Beans’. O guitarrista, meu irmão parceiro, inventou a cerveja Devassa e o baterista inventou uma marca chamada A Mulher do Padre, que é uma marca antiga, legal, tal… Então assim... Com processo criativo era legal, então o Brasil perdeu a Las Ticas Tienen Fuego e ganhou coisa muito melhor do que aquilo.
P/1 – A gente vai voltar para a sua infância, mas assim... Como que acontece isso? Assim... Um lança Devassa, você a marca importantíssima… Como isso foi acontecendo, assim? Ou começou antes dessa banda?
R – Não. Era um exercício em paralelo, porque da mesma maneira que você tinha o seu sonho da música, que não pagava conta, você tinha que ter uma atividade que entrasse dinheiro, entendeu? Então, em paralelo, a gente tinha as nossas atividades profissionais, porque a gente tinha que pagar as nossas contas, a gente tinha que viver, pagar aluguel, pagar essa coisa toda. Então, por isso que tinha essa coisa. Então os três, em paralelo, faziam isso.
P/1 – Ah, tá. Então, vamos voltar lá para a infância, depois a gente detalha mais.
R – Tá bom.
P/1 – Você disse que tinha essa situação, que depois você emagreceu tanto, mas você era esportista, você era bem acolhido, não tinha… Não sofria bullying, nada. Se você puder contar um pouco dessa passagem de resolver emagrecer, detalhar um pouco isso.
R – Tá. Assim... Eu emagreci nos Estados Unidos, muito louco assim. Mas na verdade, eu não queria ter aquele corpo, eu queria emagrecer, mas eu já tinha meio que desistido. E aí me bateu uma loucura, fiquei durante seis meses doido, que eu fiquei… Porque assim... As pessoas me perguntam: “Como que você conseguiu emagrecer?”. Do único jeito, não é? Eu não acredito em nada, cirurgia... Não acredito em nada. O hábito da pessoa é que tem que mudar. É aí. E assim... Se você fechar a sua boquinha e fizer exercícios, você vai emagrecer, simples como isso, de um jeito saudável. E aquilo foi acontecendo.
P/1 – Mas teve uma coisa assim... Você falou: “Agora. Vai ser agora”?
R – Assim... As pessoas me perguntam muito isso. Eu vou te falar uma coisa: quando eu morei nos Estados Unidos... Eu costumo falar que passar fome no seu país é ruim; passar fome longe do seu país é muito ruim. É uma humilhação, você se sente… E assim... Você não tem a casa da sua mãe para ir para casa para comer. É complicado, você passa fome, você dorme com fome. Dormir com fome não é legal. Eu não tenho certeza, mas eu acho que, nesse momento, me deu esse clique assim. Eu comecei a correr, malhar, fazer abdominal, tapar a boca, as coisas começaram a rolar, o meu corpo começou a emagrecer, começou a ficar legal, eu comecei a mexer, comecei a mexer e aí esse foi um clique interessante, entendeu? Porque a partir daquele momento, você percebe que as coisas estão na sua mão, você está com o controle da situação. E, da mesma maneira que antes eu não era a pessoa mais olhada pelas meninas, a hora em que eu emagreci cinquenta quilos eu virei modelo, entendeu?
P/1 – Modelo profissional?
R – Modelo profissional. Ganhei um dinheirinho, um belo dinheirinho, comprei um carro, foi muito legal. Então aí a vida começa a mudar, entendeu? É interessante isso. Isso, para um processo de evolução como ser humano, é muito especial. Porque você vai se formando, você vai se fortalecendo, você vai tendo autoestima, você vai achando os seus caminhos, não é? Então, isso para mim foi uma coisa… Foi um clique muito interessante. E ele fortaleceu o meu lado mais artístico, assim, é engraçado. Quando eu emagreci, eu fortaleci mais a música, tipo, eu fui mais para o lado da música.
P/1 – Como assim?
R – Ah, as minhas atividades… Porque esporte quando eu era criança, era muito forte. Então, na época em que eu era moleque e tal, futebol, basquete, vôlei, tinha muita facilidade com o esporte, muita, muita! Sempre! Só que daí: agora você emagreceu, então você está pronto para fazer esporte. Não, quando eu emagreci eu fui para o lado da Arte, da música, entendeu? Então fui mais para esse lado do que para o outro. E foi para onde pendeu, para onde eu estava a fim, para onde eu curtia. E é importante e é legal as pessoas saberem disso. E eu comento muito que tem pessoas que passam a vida inteira tentando uma coisa e não veem os chamados de Deus e caminhos novos de Deus, que Deus está mostrando, e deixam passar aqueles caminhos. E eu acho importante que as pessoas tenham essa consciência, sabe? Porque, às vezes, você acha que quer ser uma cantora e vai ser uma bela vendedora de óculos. E quando você vender óculos, você vai ser bem feliz - mais do que uma cantora. Então, eu costumo falar que se você tiver numa história e, de repente, chamar a atenção de uma outra história que está aqui do seu lado, exercite isso, porque pode ser um caminho novo que Deus está lhe mostrando e que vai te trazer muito mais felicidade do que esse.
P/1 – Então voltando para quando você resolveu ir para os Estados Unidos. Aí, você tinha uma infância assim, como você contou, e com doze anos, você… Não sei como, então conta como foi essa decisão. O que aconteceu para você ir para lá?
R – Então... Foi uma atitude muito legal do meu pai e da minha mãe, corajosamente falando. A gente tinha um tio, uma tia, que moravam no Texas, um lugar super figura assim, e pintou a oportunidade, eles me convidaram. Eles fizeram um super sacrifício, me compraram uma passagem e me mandaram para lá.
P/1 – E você… Como você se sentiu nesse momento?
R – Me senti muito feliz, muito contente. Muito bacana. Fez muita diferença para mim.
P/1 – Mas você estudava… Já frequentava esse clube na época?
R – É. E eu larguei tudo e fui lá ficar seis meses no Texas.
P/1 – Ah, seis meses você ficou?
R – É.
P/1 – Mas você depois continuou mais tempo nos Estados Unidos?
R – Eu fiquei oito anos ao todo.
P/1 – Direto?
R – Não, entre idas e vindas, entendeu? Voltei, depois fui, voltei e fui.
P/1 – E lá, chegou lá, você disse que nesse momento, ainda… Você passou por esse processo de mudar esteticamente e tal, mais para a frente?
R – Mais para a frente. Ali, inclusive, até engordei mais. A primeira vez que eu fui... Mas foi muito especial porque eu dei de cara com… Hoje, a globalização… Nova York está aqui do lado, você entra no Google, você está em Nova York, você tem uma coisa… A gente era… Não tinha ideia, não é? Então, para mim, foi: “Nossa!”. Eu fiquei deslumbrado com tudo aquilo, com a história toda, a gente ver tudo assim… Então, foi muito especial viver aquela situação.
P/1 – Você ficou na casa dos seus tios?
R – É. E foi uma experiência muito legal.
P/1 – Estudou nessa época lá?
R – Não. Eu fiz alguns cursos, mas eu fui para lá para ficar seis meses vivendo a vida deles, tudo, tal. Foi muito legal, foi uma experiência muito bacana.
P/1 – E aí, voltou?
R – Voltei. Na hora em que eu volto, eu dou de cara com um mundo completamente diferente. Quando você se desloca da bolha, você sai da bolha e vai para fora e volta para a bolha, você toma um susto. Você toma um susto.
P/1 – O que você encontrou?
R – Os seis meses... Parecia que eu tinha andado uns dez anos na minha vida.
P/1 – Amadureceu.
R – Amadurecimento, valorização, conhecimento, não tem jeito. Você pega a sua cabeça e faz assim… Por mais que eu estivesse no Texas, que não é um dos lugares mais (risos)... Mais cabeça aberta do mundo, mas, ‘meu’, estava lá. Cara, estava lá e foi muito legal assim. Então quando você volta para a bolha, primeiro você percebe que aquilo é uma bolha, você fala: “Opa, espera aí. Eu quero mais do que isso, eu não quero só essa esquina aqui…”. Mas foi muito legal. E aí foi que começaram a abrir as portas para querer viajar, querer conhecer, querer crescer, querer evoluir. Muito grato.
P/1 – Voltou para o Porto Seguro?
R – Não, aí eu fui estudar em outra escola. graças a Deus! Porque eu abri a cabeça, fui para outros lugares, estava no Objetivo, muito legal, conheci um monte de gente bacana, um monte de amigos que eu tenho até hoje, sabe? Aí, eu fui muito grato pela maneira como aconteceu, foi muito especial…
P/1 – Aí voltou para… Frequentava o clube?
R – Sim. Sim…
P/1 – Continuou?
R – Sim. Aí chegou um determinado momento em que o meu pai estava numa situação financeira muito complicada e eu também não estava frequentando tanto o clube, e aí o meu pai vendeu o título. E a gente encerrou o ciclo do Paulistano. Pronto.
P/1 – E aí, começou você jovem aqui, quer dizer, chegou amadurecido com doze anos, treze… E como era a sua vida, além de estudar? Aí, não era mais o clube, mas assim... Como que você… O que vocês faziam, ou a banda quando começou…
R – Então... É a música. Desse momento da volta ali para frente, na minha cabeça era a música. Era exercitar a música, era formar a banda, era gravar um disco, era ter uma carreira, ter a carreira musical, o que faz, a minha relação com música, como que toca… Pô, estudei no Colégio Objetivo, a gente ganhou FICO, que era um festival que tinha no Ginásio do Ibirapuera, muito legal. Então assim... Eu tive um envolvimento muito grande com música. A volta tinha uma relação muito forte com a música. Esse exercício de música durou quinze anos na minha vida. Bastante.
P/1 – Como que virou isso? Você tocava, se interessava, seu pai é músico, mas assim... De você ir com tanta força para formar banda. Isso foi na escola? Conte um pouco.
R – Não foi na escola, não! Foi fora. Foi a música, quando ela bate na veia da pessoa... O esporte é diferente, porque o esporte você pode colocar os seus filhos no esporte, a música não, ela tem que ser encantada. Então, de onde veio isso? Veio de uma capa de um disco, entendeu? Daquela loucura, que aquilo me encantava. E até, tipo, eu estava vendo um documentário legal, da Turma da Colina, que é o pessoal da Legião Urbana, plebe Rude e tal, da década de 80, das bandas lá, e o cara… O vocalista do Plebe Rude, o Felipe, falou assim: ‘Pois é, hoje você aperta um botão, você tem quinhentas mil informações. Na época, a única informação que eu tinha para criar um disco era um disco que estava na minha mão. Então, só da capa do Sex Pistols, eu criei três músicas, olhando a capa”. Então você tinha um encantamento pelas coisas, você sentia o cheiro da capa do disco, aquilo lhe fortalecia, aquilo gerava imaginação, criatividade. Tinha coisas muito fortes na época, programas de televisão, videoclipes, e aquilo me encantava.
P/1 – Se você puder voltar a essa cena, assim, momento, sabe? Eu estava em tal lugar e aí, de repente, eu peguei o disco… Tente fazer essa viagem assim, de volta para um momento. E descrever esse momento.
R – Te falo perfeitamente. Eu estava… A gente morava ali nos Jardins e eu estava… Tinha uma loja de discos chamada Star Chip e eu peguei o disco do ACDC - “Highway to Hell” - e tinha umas mãozinhas assim, tinha o Angus cantando e umas mãozinhas da plateia. Só que as mãozinhas tinham uma luva azul, era muito louco! E aquilo, Nossa, eu fiquei louco com aquilo, cara. Fiquei louco, louco, louco. Para mim foi uma sensação boa assim, que veio, sabe, tipo… shows…
P/1 – Não, mas espera aí. Aí você estava lá, viu o disco, e aí? O que aconteceu depois?
R – O disco, obviamente que... Aí, você abre o disco e escuta o disco e é muito louco, porque você fica escutando o disco e olhando para a capa doze horas sem parar, entendeu? Tinha tempo para isso. Então, era uma coisa muito especial, era muito gostosa a relação que você tinha, e aquilo foi… Eu comprei o disco, voltei para casa, fiquei escutando o disco, aquilo me gerou mais vontade ainda de fortalecer, me deu um direcionamento de que tipo de música que eu queria fazer. Então assim... Esse é um exemplo de uma coisa que aconteceu, de novo, é um disco que eu comprei numa loja, que eu senti o cheiro do disco, a capa do disco, e aquela capa frente e verso gerou um monte de desejos e sonhos.
P/1 – Muito bom. E continua essa história. E aí, o que você fez?
R – Ah, daí a gente começa a se juntar com amigos, quem toca o quê, não é? “Você toca isso?” “Não, não toco, mas tudo bem, eu vou aprender, eu toco baixo…”.
P/1 – Se você fosse, realmente, contar assim, detalhes... Seria bacana você contar essa história em detalhes. Ouviu esse disco… Claro, tem coisas que a gente nem lembra, não é? Mas quem você buscou? A história mesmo, sabe? Como que foi acontecendo, conversou com tal amigo, o que ele falou, enfim…
R – Então... Tentando lembrar um pouco, quando eu comecei a minha carreira musical, diferente de hoje, as pessoas… Você tinha exemplos, inspirações de músicas, de bandas, muito fortes, não é? A década de 70 e a década de 80 foram absolutamente icônicas, não é? Então, você tinha ídolos que inspiravam a todos. E assim... Da mesma maneira que hoje não tem mais… É uma música. Antigamente, não era uma banda, era um conceito. Então, o ACDC tinha um conceito, tinha uma mensagem para passar, tinha um figurino, tinha um cheiro, tinha uma atitude, ele tinha um disco. Era um pacote gigantesco. Pink Floyd era um negócio que… Deixa eu te explicar, ‘meu’, os caras nasceram aqui, criaram aqui, fizeram uma loucura ali, criaram uma história… Então, para mim... Isso para um adolescente que está querendo entrar na música, isso é muito inspirador, entendeu? É muito forte isso. Porque você não vem com uma música, você vem com o figurino dos caras, a casa dos caras, o videoclipe dos caras, onde os caras gravaram. E aí, você vai conectando e vai gerando isso para a sua história, entendeu?
P/1 – E a primeira banda... Você era baterista, vocês tiveram que ideia assim, e como é que… O primeiro… A primeira apresentação…
R – Então... A primeira banda… Porque assim... Uma coisa que eu estava comentando até com a minha mulher outro dia... Eu nunca fui de ser cover. Eu sempre quis fazer música própria. Mas a minha primeira banda era de ‘cover’, com uma música própria, que a gente concorreu no… Concorreu e ganhou o FICO. E aí, a primeira banda eram amigos de colégio, do Objetivo, que a gente se reuniu para tocar no FICO. E a gente tocava várias músicas, muito bem tocadas, de outras bandas. E tocava a nossa música, que ficou meio famosinha, a música foi legal.
P/1 – Que ganhou, inclusive?
R – Que ganhou. Então... A banda chamava-se Luzes e essa foi a primeira banda que a gente fazia ‘cover’ de bandas que a gente admirava, que a gente gostava, ou ‘covers’ que também agradavam o público, que era importante também, não é? Porque você tem que fazer coisas interessantes, não adianta só fazer músicas de que você gosta e que ninguém gosta. Então, tinha… A primeira banda foi meio por essa onda assim.
P/1 – E depois vieram as outras?
R – Vieram as outras, que aí, sim, a gente começou a compor. A segunda banda que eu tive chamava-se Silvia James, que a gente assinou contrato, tudo, era uma banda de tecnopop, de música eletrônica. Na época, tinha o New Order. Todas essas bandas estavam bombando, a gente tinha uma música eletrônica, só que cantada em Português. Foi muito legal, uma banda que tinha tudo para estourar, mas Deus não quis…
P/1 – Daí o vocalista saiu.
R – Deus não quis. A gente respeita a força de Deus, porque ele sempre reserva para a gente coisa melhor, não é?
P/1 – Você sempre teve essa relação com Deus? De inspiração, como você está colocando?
R – Não, eu fui aprendendo com o tempo. Porque Ele sempre mostra para mim o meu melhor caminho, assim. É muito legal. Eu sou hoje espírita, com fortes tendências ao budismo. Eu… Uma história boa. Eu fui apadrinhado pela China. Há dezoito anos eu estava no meu escritório, aqui na Vila Madalena, a gente tinha trinta lojas. E aí tocou o telefone, falaram: “Eu queria falar com o dono”. “Sou eu, eu que atendo”. Resumindo, era uma pessoa falando Inglês muito mal, do governo chinês, falando assim: “Eu sou do governo chinês e a gente está fazendo uma pesquisa aqui no Brasil. E a gente identificou que um dia vocês vão ser grandes. A gente queria convidar você e quem você quiser, tudo pago, para ir para a China para ir para uma feira de óculos”. E aí cheguei lá, eles me apresentaram para todo mundo, e eu sou muito grato a eles, porque eles me cuidaram. E desde então eu tenho aprendido muito com o povo chinês: respeito, cultura, religião, entendeu? Aprendi muito com eles. A cultura oriental, eu tenho muito na minha vida, assim.
P/1 – Você diz que faz um exercício de meditação. Vem por aí, também?
R – É. Total, assim, tipo, são algumas coisas que a gente vai aprendendo: respeito de família, o lado hierárquico, a paciência, a meditação que a gente vai aprendendo com pessoas que cuidaram da gente e que a gente admira.
P/1 – Caito, e você voltou para os Estados Unidos algumas vezes, não é? Como foram essas idas e vindas?
R – Então... Texas, depois Boston, depois Nova York, depois eu estive em Los Angeles, aí depois Miami quase três anos, depois Los Angeles.
P/1 – Mas o que lhe fazia ir e voltar, ir e voltar?
R – A sede do mundo. A vontade de ter conexão com o mundo, de entender o mundo, de conhecer pessoas pelo mundo, de querer saber o que estava acontecendo na hora em que aquilo era lançado e assim... Eu lavei muito prato, eu servi muita mesa, eu fiz muita coisa para sobreviver, sabe? E isso me trouxe uma valorização para a vida, absurda. Tipo, hoje… Eu fico preocupado com os garçons, não é? Porque eu fui garçom dois anos e garçom é radical assim, você ser. É uma profissão muito difícil, você tem que ter uma sensibilidade muito grande. A hora em que você chega, para você não interromper. No restaurante em que eu trabalhava, você ganhava comissão para sobremesa, então você tinha que saber a hora de oferecer a sobremesa, senão o cara falava: “não”. Por exemplo, de repente tinha um casal na mesa e você podia interromper o momento especial do casal. Então, é uma profissão muito especial, você tem que servir a comida na hora e aí, várias vezes as pessoas chegam com o prato na mão… O garçom chega com o prato e as pessoas... Ninguém olha para eles assim, e aconteceu muito isso comigo, tipo: “Quem pediu estrogonofe?” “Ele”. E, na hora em que o garçom chega, eu boto a bola no chão, eu falo: “Quem pediu salada?”. Então isso tudo, se Deus quiser, eu vou repetir tudo isso com o meu filho. Eu acho um absurdo você chegar para uma criança de dezessete anos de idade e falar assim: “O que você quer ser na vida?”. Acho um absurdo, sistema… Tão absurdo, sabe? Então, os meus filhos, com dezessete anos de idade, eles vão viajar pelo mundo, vão conhecer o mundo, vão ter cultura europeia, um lado cultural, a história da humanidade, vão para os Estados Unidos para ter essa veia capitalista, que é importante, não sei, vão para a China, não sei. A não ser que o meu filho seja absolutamente bem resolvido com doze anos e fale: “Eu quero ser isso”. Ele não tem obrigação de saber isso, entendeu?
P/1 – Isso que eu ia lhe perguntar: você pensava... ‘eu quero ser tal coisa’? Além de músico?
R – Não. Eu quero ser músico. Quero ser músico. Me perguntavam: “O que você quer ser?” “Em primeiro lugar, quero ser músico; em segundo lugar, quero ser músico e em terceiro lugar, quero ser músico”.
P/1 – E você ia… Você disse que se formou aqui no ensino médio, aqui no Brasil?
R – É.
P/1 – E depois é que você começou a viajar?
R – Não…
P/1 – No ensino médio também?
R – Também. Dava umas fugidinhas, tal… Mas meio que depois do ensino médio é que eu fui viajar.
P/1 – E quando você ia, era por sua conta?
R – Então... É assim... Olha, eu sempre tive… Meu pai nunca teve condição financeira, mas eu não aceito o ‘não’. Se eu quero uma coisa, eu vou atrás. Então, desde moleque, eu sempre tive o meu dinheiro. Então assim... Com dezesseis anos eu fui morar sozinho, entendeu? Eu comprei um carro com dezessete anos.
P/1 – Mas com a sua grana?
R – Com a minha grana. Comprei um carro zero, à vista. Eu comprava… Eu trazia instrumento musical dos Estados Unidos e vendia para os amigos, entendeu? Tipo a bateria. Eu tinha uma bateria, porque eu fiz uma bateria nacional - eu que desenhei a bateria - o cara foi lá, fez a bateria para mim, tal. Aí, eu vendi essa bateria por um dinheirinho, consegui comprar a minha primeira bateria importada. Daí, eu vendi a bateria importada para um baterista de uma banda de Axé, que estava na sala minha de casa, o cara comprou por dois mil e quinhentos dólares. Cara, com aqueles dois mil e quinhentos dólares eu sabia que eu conseguia comprar a bateria nos Estados Unidos. Eu fui, comprei a bateria, trouxe a bateria… Então eu sempre tive essa veia, sabe? Essa facilidade dos dois mais dois virarem cinco. E eu sempre fui me sustentando.
P/1 – Com dezesseis você foi morar sozinho?
R – Fui.
P/1 – Conte essa passagem. Assim... Quando você chega…
R – Então... Foi meio radical com a minha mãe e com o meu pai, não é? Porque eles ficaram loucos comigo: “Como assim?” “Vou morar sozinho, quero ter a minha vida”. De dezesseis para dezessete. Eu aluguei um andar de cima, numa casinha, e fui morar sozinho.
P/1 – E, financeiramente, como é que você fez? Além de tudo isso que você contou assim, essa primeira vez.
R – Eu me bancava. Eu tinha dinheiro, juntava o meu dinheirinho, vendia os meus instrumentos musicais, entendeu? Teve uma fase do Paraguai, que eu ia para o Paraguai... Eu sempre tive essa veia de comerciante das fronteiras/muambeiro (risos). Então sempre aconteceu isso, assim, sempre foi muito normal… Mas assim... Nunca prejudiquei ninguém, sempre fui ético, eu sempre tive muito cuidado com ética, com tudo. Mas eu exercitava isso, entendeu? Então eu era o vendedor da turma.
P/1 – E aí, a primeira namorada nesse meio tempo? O teu primeiro amor, vamos dizer assim. Primeiro amor?
R – Na verdade, o meu primeiro amor foi na escola, no Porto Seguro, e que eu não fui correspondido. Então esse foi o meu primeiro amor.
P/1 – Sofreu?
R – Sofri. Sofri. É legal sofrer, não é? É bom. Mas eu sempre fui bem recebido pelas mulheres, assim, eu nunca tive… Sempre tive uma vida gostosa, assim, boa.
P/1 – Mas o primeiro amor foi assim?
R – Foi.
P/1 – E a primeira namorada, como foi?
R – A primeira namorada foi no Objetivo. Menina bacana, menina bonita, só que daí, eu não sei, eu não estava a fim de continuar, tal, e a gente terminou. Mas foi no Objetivo assim, foi legal, foi bacana.
P/1 – E vocês, assim, tocavam na noite?
R – Tocávamos na noite, mas não era tocar de barzinho, sabe? E a gente fazia show de banda própria, fazia uns shows por ali, a gente era contratado, tal. Então foi mais ou menos por aí, assim, não era… Eu não tocava em barzinho, não tocava na noite como músico, eu tentava fortalecer mais a música própria, fazer show, convidava as pessoas para ver os nossos shows, entendeu? Era mais por aí. Não tive esse envolvimento… Eu até acho que essa história de... Como chama? Essa história de você…
PAUSA
R – Eu até acho que… Eu não sei, eu não queria me viciar em ficar tirando música, sabe, dos outros. Eu queria exercitar a minha música. Então, por esse caminho que a gente ia.
P/1 – E você casou?
R – Casei.
P/1 – Como que foi esse casamento? Como que você conheceu a sua primeira esposa?
R – Na verdade assim... Primeiro eu me juntei com uma pessoa. Na verdade, foram algumas relações marcantes assim, tipo… Nos Estados Unidos eu fiquei um tempo com uma americana - um ano e meio, dois anos. Depois eu voltei, me juntei com uma pessoa, fiquei cinco anos morando junto, e aí a gente se separou. Aí eu casei mesmo e assim... tipo, é engraçado - fazendo um parênteses - eu sou uma farsa, porque nem o meu nome é de verdade, não é? Caito Maia. E eu não sei por que, eu tenho uma imagem de doidão, malucão. Tenho uma empresa muito moderna, não sei o quê e tal, e eu sou uma decepção para as pessoas, porque assim... Eu durmo cedo todo dia - durmo oito horas - não uso droga, não bebo, faço ginástica todo dia, medito, sou um cara tradicional, sou um romântico à moda antiga, casei na igreja, tudo certinho, tudo bonitinho, achei um tesão, achei muito legal, entendeu? Então eu sou uma decepção, porque as pessoas acham que eu sou o maior malucão, doidão, eu não sou, desculpa gente, eu sei que é uma decepção, mas é uma coisa. Então assim... Quando eu casei, eu casei na igreja, padrinho, tudo! E foi muito legal.
P/1 – Mas o que fez você: “Agora eu vou casar!”. Porque você tinha morado com pessoas, tal… Então essa pessoa que você encontrou e falou: “Agora eu vou casar”. Conte um pouco isso.
R – Então... Muito louco. Minha mãe… Graças a Deus... Sempre Deus colocou mulheres muito especiais na minha vida, mulherões, mulheres profissionais, sérias, éticas, bonitas, sempre tive… Graças a Deus! Só que a minha mãe perguntava: “E aí, agora vai?” “Não, agora não vai”. “Agora vai?” “Agora não vai”. Porque eu sempre quis ser muito, pai. Meu sonho era ser pai. Aí, essa pessoa com quem eu fui casado onze anos, minha mãe falou: “Agora vai?” “Agora vai”. “Sério?” E o porquê? Não tem explicação. Mas eu senti que ela podia ser a mãe dos meus filhos, entendeu? Aí, eu fiquei casado durante onze anos. Uma mãe absurda assim, uma pessoa muito séria, uma advogada, americana, e a gente teve um ciclo que acabou, porque eu acredito no ciclo, assim, você ficar onze anos com uma pessoa foi um casamento de sucesso, certo? Então assim... E ela me ajudou a ter as pessoas mais maravilhosas da vida, que são os meus dois filhos lindos, então… De novo, a pessoa que me deu aquelas duas delicias, eu a respeito para o resto da vida, muito.
P/1 – E como foi o dia do seu casamento, assim, aquela hora? Descreve.
R – Boa, boa, bem lembrado. Eu estava… Eu saí... Eu até estava tranquilo, estava nervosinho, mas estava tranquilo. Mas daí eu fechei a porta de casa, eu não estava com a chave da casa e eu esqueci as alianças dentro da casa. E aí eu tive que bater num vizinho, com quem eu nunca tinha falado na vida, morava há uma porção de tempo: “Posso pular?”. Aí eu pulei e entrei em casa e saí com as alianças. Aquilo me deixou super nervoso e eu cheguei atrasado, eu deixei minha noiva esperando…
P/1 – E você já estava arrumado?
R – Já estava arrumado! Foi sério, estava arrumadaço…
P/1 – Você pulou o muro arrumado?
R – Pulei o muro arrumado, eu nem lembro por que não rasgou. Nessa hora eu falei: “Abre isso aí que eu preciso pegar minhas alianças”. Fiquei nervosaço. Aí, ela queria me matar porque ele teve que ficar me esperando chegar. Aí eu cheguei e quase desmaiei umas doze vezes no altar, porque eu estava muito nervoso e a minha pressão caiu. E eu até avisei padrinho, mãe, falei: “Eu vou cair a qualquer momento, vocês me segurem, não deixem eu bater a cabeça” (risos). Daí minha mãe me deu chiclete, várias técnicas assim, mas…
P/1 – Durante a cerimônia?
R – É. Eu sou um cara muito emotivo, eu sou um cara que vivo as coisas muito especiais, tipo, eu gosto… Eu sou um cara emotivo, então foi muito emocionante, foi muito bonito, foi muito especial, foi muito gostoso.
P/1 – As músicas…
R – As músicas…
P/1 – Você que escolheu?
R – É, junto com ela, mas é lógico que 60% de Beatles, lógico, não é? Beatles não é música, Beatles é outra coisa, não sei o que é, mas tem que ter, não é? Umas músicas muito bonitas, especiais, que a gente colocou no casamento. Mas foi muito legal, uma energia dos amigos, eu sou muito abençoado pelos meus amigos, sabe, assim... Porque eu não tenho muito… Eu tenho amigos de vinte anos, de vinte e cinco anos, entendeu? Então tipo assim, a gente sabe que a gente habita hoje um mundo de interesses, em que as pessoas chegam perto de você… E eu valorizo os meus amigos, é muito bonito, é muito pura a relação que eu tenho com os meus amigos, sabe? Tipo, eu fiz um almoço em casa, vinte e cinco amigos das antigas. Então, é muito legal assim. Minha noiva, que eu estou muito contente, muito feliz, muito especial, que eu estou amando, está demais assim, e ela ficou... E ela falou: “Nossa, mas que legal, cara, que…”. Ela tem uma sensibilidade muito forte, “Você tem amigos que gostam de você de verdade e quantos amigos você tem, não é?” Então, sempre estive rodeado de pessoas muito especiais, e o casamento foi de coisas muito especiais. Meu pai não estava, já tinha falecido. Eu fiz uma homenagem para o meu pai na festa de casamento, que assim... Muito poucas pessoas, até hoje, que eu não conheço direito, que estavam no meu casamento, falam assim: “Nossa, aquela homenagem que você fez para o seu pai ficou todo mundo chorando”. Então foi assim muito marcante. Eu não lembro exatamente o que eu falei, mas eu lembro que… Foi especial, ele estava lá com a gente, tal. Então foi bonito.
P/1 – E a sua mãe que esperou e perguntava, e ela no casamento, você lembra?
R – Ah, delirou, ficou toda feliz. Até a minha ex-mulher ficava brava: “Por que tem que convidar tanta gente?” “Mas a lista é da minha mãe, ela quer, por que eu não vou convidar, meu Deus? É um prazer para ela, deixa a minha mãe curtir o casamento do filho, convidar quem ela quiser, a família toda, claro que sim”.
P/1 – E você falou dos seus filhos. Que idades eles têm?
R – Um tem seis e o outro tem oito. São figuras muito especiais, assim.
P/1 – Meninos, menina?
R – Meninos.
P/1 – Dois meninos. Quais os nomes deles?
R – Benício e Luca. E eu tenho uma coisa… Assim... Eu tenho uma grande preocupação quanto a caráter, quanto a ética. Eu sou muito encanado com isso, mas muito, com ‘por favor’, ‘muito obrigado’… Aconteceu uma coisa muito chata assim, que o Luca… Eu conheço ele pela voz e aí ele falou assim… Eu falei: “O que foi, filho? Você está triste?” “Estou, estou chateado. os meus dois amigos falaram que eu estou ‘me achando’ porque o meu pai é rico”. Puxa, isso me… Nossa, isso me dilacera, dilacera! Sabe qual foi a resposta que ele deu? Ele falou assim: “Meu pai não é rico, meu pai trabalha muito. E outra, dinheiro não compra felicidade”. Ele respondeu isso para os meninos. Dois dias depois, os meninos pediram desculpas para ele. Uma criança de oito anos! Então assim... Eu sou abençoado com os meus filhos. Eles são muito especiais, é um olhar assim, muito calmo, muito tranquilo, muito maduro. E eu, numa das minhas consultas espíritas, uma entidade falou que eu ia aprender muito com os meus filhos, que eles iam me ensinar muito. E é muito especial, assim. São crianças… A gente sabe que essa geração nova é… Eles são diferentes porque se eles não forem, o mundo acaba, não é? Tipo, imagina, eu…
P/1 – Mas em que você observa que eles são diferentes? Do que você foi, do que você buscava muito, não é?
R – Eu tinha zero de preocupação com o mundo, zero de preocupação com as pessoas. Eu era uma samambaia, não fazia nem xixi direito, era uma planta. Pô, e ele me fez parar outro dia para brigar com um moço que estava jogando lixo na rua, entendeu? É uma consciência de ser humano, de respeito, de cuidado, que, imagina… Nem passava pela minha cabeça, sabe? Tipo, respeito, uma educação, uma consciência com… A gente estava na banheira… A gente toma banho de banheira toda quarta-feira, não é? Faz guerra de patinho de borracha. Ele desliga a banheira tem uma hora: “Está bom, vai acabar a água do mundo”. Desliga a banheira, entendeu? Você percebe que é um olhar muito mais maduro, muito mais consciente. Várias vezes ele me dá alguns toques assim e ele não fala nervoso, ele fala com um sorriso no rosto, coisa séria: “Você acha que é hora de você estar com o seu celular?”. Desse jeito, dando risada, desse jeito. Então você fica… Uma criança de oito anos, sabe, que você fala: “Pô, como assim?”. Então, é muito bonito ver. E agora começa a fase onde ele começa a entender o lado material, o lado capitalista. Então essa é a hora que mais me preocupa, entendeu? De você entender, de você respeitar. Eu tenho… Tem algumas coisas que a gente tem, assim, conquistas materiais, que eu tenho que fazer ele entender que as pessoas não precisam saber, entendeu? Porque não precisa. Isso é uma coisa nossa, sabe, tipo, eu Caito, tenho vergonha de falar algumas coisas assim, sabe? Algumas coisas capitalistas que a gente tem, que a gente precisa para o dia a dia. Eu tenho vergonha, eu não falo, não precisa falar. não quero tripudiar em cima de ninguém, estou bem, meu ego está na boa, não sou melhor do que ninguém, e também não precisa falar. Então, preciso ensinar isso para os meus filhos, entendeu?
P/1 – Não falar em que sentido?
R – De você ostentar, entendeu? Sabe, não é legal. Não precisa, sabe? Legal, está tudo certo, o carro é igual ao de todo mundo, está tudo certo. Então a gente exercita muito isso, muito, muito, porque ele vai nascer já num mundo em que ele é o filho do Caito, entendeu? Ele já tem esse peso. Então você é o Luca, você é o Benício, e você vai construir a sua história. E eu vou te admirar, e assim que vai. A gente tem 854 lojas. Abrir 854 lojas é fácil, agora educar um filho é difícil. Puxa, esse é... Não tem para quem ligar, não tem para quem perguntar e eu tenho uma preocupação muito grande.
P/1 – É na hora ali, não é?
R – Nossa Senhora, o que eu falo agora? O que eu falo?
P/1 – Caito, eu queria só…
PAUSA
P/1 – Caito, eu queria voltar um pouco para as suas idas para os Estados Unidos, para os momentos em que você esteve lá, assim. Talvez a viagem em que você ficou mais tempo lá, ou melhor, a época em que você morou mais tempo, ou algum momento muito significativo, você escolhe... Para falar um pouco dessas fases lá.
R – Vou dar alguns exemplos assim, interessantes. Quando eu morei em Boston, assim... É muito louco, porque ‘meu’, não tinha… Você não falava com as pessoas, era carta. Era uma carta. E era o telefone um minuto, custava uma fortuna para falar com o seu pai e com a sua mãe. Tipo assim... Vou contar dois momentos interessantes, em que eu recebi uma fita cassete dos meus amigos, que eles ficaram a noite inteira gravando e falando quatro horas de bobagem. ‘Meu’, apagava a luz da minha casa e ficava chorando de saudades deles, e parecia que eles estavam aqui do lado, no fone de ouvido, escutando. Isso é muito legal. Não tinha. Não tinha nem fax na época. Então, hoje, você entra no Skype, você liga, você faz o que você quiser.
P/1 – Que época… Que idade você tinha? Só para a gente situar.
R – Dezenove, vinte anos, vinte e um. Isso é uma coisa marcante. Outra coisa assim... Pô, estava passando fome, eu tinha assim, sem exagero, acho que uma semana de reserva, senão eu ia ter que voltar, ia ter que vir embora para o Brasil. E aí, eu consegui emprego numa empresa que se chama Dunkin’ Donuts, aqueles donuts. Puxa, eu menti que eu sabia mexer no Caixa, o cara me deu uniforme, eu voltei para casa todo feliz, lavei o uniforme na máquina de lavar, ‘meu’, daí eu falei: “Nossa…”. Estava sol, daí falei: “O sol está brilhando para mim…”. No dia seguinte, cheguei no horário, meia-hora antes de começar, aí o cara me pôs no Caixa, eu mandei muito mal no Caixa, ‘meu’. O cara pegou, em duas horas e meia falou: “Obrigado”. Me demitiu. Eu falei: “Puts, não acredito, cara”. E é muito louco, porque depois, na sequência, eu consegui um emprego de lavar prato na cafeteria, no restaurante da Faculdade. E assim... Tinha uma coisa meio esquisita, que eu ficava… As pessoas terminavam a bandeja e eu não estava na mesma altura das pessoas, eu estava num buraco, perceba. Então, eu olhava a barriga das pessoas, era como se eu fosse um nada. Tem uns significados aí, era uma coisa que era meio humilhante, porque as pessoas… Uma coisa é falar: “Obrigado, você lava? Está aqui, não sei o quê…”. Você tinha um contato visual. Não tinha, as pessoas não lhe viam, porque você ficava baixo. E eu pegava aqueles pratos, lavava panela, aquilo foi demais, aprender foi maravilhoso! Mas o fato é que aquilo marcou, entendeu? Mas aquilo ali é como… Eu comecei a ter dinheiro, comecei a economizar dinheiro, comecei a ter uma coisa interessante, fui morar na casa da namorada, não pagava mais aluguel, ela me liberou, tal, não sei o quê… Então teve várias coisas interessantes que vieram a acontecer. Então, isso foi uma coisa. Outra história, tipo, eu fui assistir ao show do Rush, que era uma banda… Não, show do Pink Floyd numa cidade a duas horas de Boston, de ônibus. E eu falo que eu quase perdi a virgindade porque perdi o ônibus e eu tive que abrir… E estava tipo menos quinze, menos vinte, eu tive que dormir num abrigo de mendigos e os caras eram mal encarados, esquisitos, ‘meu’! E era eu e um amigo meu, então a gente dormia cada um uma hora e falava: “Mano, fica esperto aí, ‘meu’” (risos). Mas assim... É muita lembrança boa, é muita coisa boa, muita experiência, coisas ruins que se transformam em coisas boas. Então, só para te dar alguns cheirinhos.
P/1 – Para situar também, você foi para Boston, aí que você foi estudar música?
R – Foi. E foi aí que eu perdi cinquenta quilos. Foi em Boston.
P/1 – Você chegou, não sei se precisou ou teve esse tempo de dizer: “Eu não vou estudar…”. Essa fase que você disse que não ia fazer faculdade de alguma outra coisa. Teve alguma conversa, teve alguma situação com os pais? Ou não precisou?
R – Foi difícil eles aceitarem, sempre foi difícil, porque eles queriam que eu fizesse uma faculdade. O meu pai falava assim: “Entra em qualquer faculdade, mas entra numa faculdade”, sabe? E eu não me vejo sentado numa cadeira, sabe? Não é para mim, assim, respeito… Acho até que… Acho até não, certeza que me fez falta uma faculdade, o lado técnico na minha vida.
P/1 – Em que sentido, assim?
R – Técnico. Tomada de decisões em cima de conhecimentos técnicos. O que eu fiz? Eu contratei sempre profissionais maravilhosos para me ajudar a fazer isso, entendeu? Foi isso.
P/1 – E a música, lá foi faculdade?
R – Berklee, em Boston.
P/1 – Quanto tempo?
R – Eu fiquei na faculdade um ano e meio, dois…
P/1 – E foi importante como aprendizado?
R – Foi. Eu não consegui terminar porque não tinha dinheiro, porque era muito caro, mas foi importante e foi também… Foi absolutamente essencial para conhecer pessoas, sabe, aquele intercâmbio cultural, aquela consciência do estudo da música, foi muito especial, foi muito legal mesmo, assim. Foi muito importante.
P/1 – Você já tinha tido as três bandas?
R – Não! Eu tinha tido uma banda só. Depois foram as duas bandas.
P/1 – Depois foram…
R – É.
P/1 – E essa última, fale o nome dela.
R – Las Ticas Tienen Fuego.
P/1 – Como é que foi esse nome? O que vocês tocavam?
R – Eu que dei a ideia… Era um funk, mas não era funk… Funk tipo Michael Jackson, Jackson Five, ‘groove’, não é? Era muito legal, a gente fez um clipe muito especial, e era uma banda muito legal. A gente tocou e as pessoas gostaram muito, era muito especial o jeito como a gente fazia, tudo. E a gente pegou o momento em que as bandas estavam acontecendo, tal, foi muito legal.
P/1 – E você escolheu esse nome do quê? Estou só tentando ver se tem alguma relação com o que vem depois…
R – Eu acho que sim, eu acho que sim…
P/1 – Então, fale disso.
R – Eu acho que sim, não sei, eu tenho facilidade para dar nomes, então tipo assim… Eu não sei, ‘pirei’ no ‘Las Ticas’ e o ‘Las Ticas’ era escrito errado, porque ‘Chicas’ é com ‘ch’ e era com ‘t’. Então, o apelido era ‘Las Ticas’. Então: “Vai tocar ‘Las Ticas’ hoje”. Então tem coisas que você não sabe explicar, elas vêm naturalmente, entendeu? É o tal do ‘feeling’, assim, que vem. Tipo ‘Chilli Beans’. Eu sonhei com esse nome, eu pensei…
P/1 – Então comece a falar disso.
R – Ah, eu, tipo, só para fazer uma transição, eu tinha… Eu até brinco com isso, porque eu morava na Pompéia, aqui em São Paulo, não é? Eu já vendia óculos e eu dividia a casa com o Digão, que era guitarrista do ‘Raimundos’, que estava explodindo na época. E aí, a gente tinha, no porão, tinha um banheiro, um quartinho de empregada e o estúdio. O estúdio era o meu mundo da música. Você está aqui na sua vida, estou aqui, tenho oportunidade da música, e aqui é o mundo dos óculos. No estúdio, ensaiava o ‘Raimundos’, ‘Las Ticas’ e tinha umas festas que eu costumava falar que, se por acaso, caísse um raio na casa, o rock nacional acabava, porque era ‘Sepultura’, ‘Ratos do Porão’, ‘Capital Inicial’, ‘Raimundos’, todo mundo na festa, lá na casa. Galera da MTV, tudo, era engraçado, era divertido. E eu olhava para aquele banheiro e falava: “Preciso escolher um caminho”. E daí, depois que a gente não ganhou o VMA da MTV, aí eu falei: “Agora, eu vou por esse caminho”. E eu comecei a fortalecer. Então, um parênteses de como aconteceu isso… Eu comecei com uma empresa…
P/1 – E aí, quando você escolheu aquele caminho, teve um sentimento?
R – Tive. Houve um sentimento de frustração. Sim. Durante uns cinco, seis, sete anos foi difícil, assim. Daí depois a coisa resolveu de vez, assim, um imenso prazer, adoro o que eu faço, vejo as bandas tocando, eles têm as carreiras deles, eu tenho a minha, eu estou contente, absolutamente bem resolvido. Mas, no começo, era uma frustração, porque era um sonho que chegou muito perto.
P/1 – E essa relação toda, com todo mundo da música, que na sua casa tinha essas festas, você que foi construindo isso?
R – Foi. Conhecia todo mundo, galera toda. A gente era muito amigo da galera toda, todo mundo do meio, assim. Então, foi muito legal. Fiz muito parte dessa galera toda.
P/1 – Desculpe, é que a gente já ia para outra história, mas como você trouxe isso, era um momento muito forte. E teve algum momento, alguma situação importante, assim, de registrar dessa época?
R – Sim, teve. Os meus primeiros… Eu falo para as pessoas, as pessoas acham que você fica bem sucedido nos primeiros… Acontece rápido e não acontece, demora, demora, demora, você tem que ter paciência, paciência. E os primeiros dez anos meus de venda de óculos eu me ferrei muito, apanhei muito. Conta negativa no banco, a conta não fechava, não conseguia pagar as minhas contas, era muito difícil.
P/1 – Já com a marca? Antes?
R – Não, chamava Blue Velvet, eu tinha uma empresa de atacado.
P/1 – Conte então dessa empresa para juntar com isso que você ia contar agora.
R – Tá. Então assim... Eu comecei… Bom, falando um pouco do começo mesmo, eu morei nos Estados Unidos, como eu falei, por oito anos, tal, e a gente… Tinha uma praia maluca lá, chamada Venice Beach, e eu comprei duzentos óculos num camelô e trouxe para o Brasil. E comecei a vender para todos os meus amigos, e não sobrava nada. Era muito legal, assim. Aí, fiz isso várias vezes. Chegou uma hora em que eu falei: “Eu vou bater na porta de uma empresa”. E aí, um cara chamado Tufi Duek, que era o dono da Forum, foi com a minha cara e me fez um pedidão de óculos escuros. Eu até falei: “Bicho, não posso… Não tenho dinheiro para isso” “Eu fui com a sua cara e vou lhe dar o dinheiro”. E aí, eu abri uma empresa de atacado de óculos escuros chamada Blue Velvet, em homenagem a um diretor de cinema chamado David Lynch, eu adoro o cara, tal, e Blue Velvet. E aí foi que eu comecei a vender óculos para todas as marcas do Brasil. Dois desses clientes não me pagaram, eu quebrei, entendeu? E nesse momento de quebra, eu quero fazer um paralelo com a história do Digão, do Raimundos, que a gente morava junto e ele veio para São Paulo. E assim... O pai do Digão era uma pessoa que tinha uma estrutura financeira, mas ele falou assim: “Você quer ir para a música, então eu não vou lhe dar um tostão, você vai para São Paulo, você vai se virar sozinho”. E ele passou meio que fome, se ferrou quando veio para cá. E eu o acolhi na minha casa. Falei: “Fica aí, brother, vamos dividir a casa”. E aí, eu lembro até hoje o dia, eles assinaram o contrato com a Warner e, na hora em que eles assinaram, receberam um checão e ele falou assim: “Estou rico, vou comprar uma S10 e uma Vimex”. Comprou a moto e o carro e veio para casa. E, numa das vindas, ele olhou para mim e falou assim: “Você está ferrado, não é? Eu quero te emprestar dinheiro, eu estou com dinheiro”. “Eu não quero dinheiro". Descobriu a minha conta e depositou cinco mil reais na minha conta. Foi muito legal, porque ele me ajudou, depois eu devolvi o dinheiro para ele e tal. Então, teve essa passagem que foi muito legal. Você vê que a música sempre esteve na minha vida, não tem jeito. Quem me patrocinou daquele jeito foi um dinheiro vindo da música. Voltando para a ‘Chilli Beans’, eu saí dali para… Como chama? Aí eu quebrei…
P/1 – E você vendia óculos atacado… Você falou que vendia óculos por atacado. E vinha de onde?
R – Então... Esses óculos eram chineses. Só que vinham de Nova York e Los Angeles, tá? E aí, o que aconteceu foi que ele não tinha marca, entendeu? Porque eu vendia os óculos… Eu era vendedor de commodities e eles punham a marca deles no meu produto. E aí, eu quebrei porque dois não me pagaram e não tinha margem, o risco era muito alto. E foi aí que eu entendi a importância de marca. Porque daí, a vida me levou para um lugar chamado Mercado Mundo Mix, que era uma feira de moda que aconteceu na década de 90, muito especial, muito legal, e foi ali que eu aprendi a importância de se ter marca.
P/1 – E dá para você falar um pouco, assim... “Ali eu aprendi…”. Como assim?
R – Vou falar, que é muito legal. Quando eu cheguei no Mercado Mundo Mix, eu era um vendedor de óculos, eu não tinha a marca ‘Chilli Beans’ ainda. E as pessoas... Ninguém me perguntava o que eu vendia, todo mundo perguntava qual era a minha marca. “Você não quer saber o que eu vendo?” “Não, qual é a sua marca? Qual o seu logo?”. E aquilo me chamou atenção: Nossa, que importante é esse assunto! E aí eu fiquei com vergonha, falei: “Puxa, eu não tenho marca, eu preciso criar uma marca”. Aí eu criei a ‘Chilli Beans’ porque foi uma coisa tipo assim, a pessoa… E aí, depois… Depois, a gente foi cada vez mais entendendo a importância de uma marca. Porque hoje, quando você tem marca, você tem tudo, não é?
P/1 – E aí, como veio essa marca? Você ia começar a contar aquela hora…
R – Assim... Eu tenho uma… Eu sonhei com um nome meio ‘Chilli’ assim, daí acordei e veio na minha cabeça ‘Chilli Beans’. Aí eu queria ter uma marca com onze letras, não sei por que, só para contar para os outros, depois. E eu queria ter uma marca que fosse simpática, que fosse glamorosa, não fosse antipática e que fosse falada em qualquer lugar do mundo. E ainda veio de quebra com um loguinho bem bonitinho, que é uma pimentinha para você usar. Então foi isso. Foi dessa maneira. Mas assim... Como eu te falei e repito, as coisas são muito orgânicas na minha vida, tipo, não são casos pensados, são casos sentidos, que as coisas vão acontecendo, vão fluindo e quando você vê, vai. E elas acontecem.
P/1 – E foi essa e pronto. Essa vai ser a marca…
R – É, porque casou, ficou bonito, as pessoas começaram a falar, as pessoas gostavam, eu fiquei famoso no Mercado Mundo Mix com os óculos, porque eram uns óculos diferentes, bacanas, então foi muito legal a experiência que eu tive assim. E ali eu já comecei a aprender a importância da diversidade.
P/1 – Como?
R – Porque foi ali... Você imagina, a gente estava saindo de uma ditadura, não é? Depois, na sequência, você teve uma liberdade com a música dos anos 80, com o rock dos anos 80, só que a sexualidade ali estava muito reprimida ainda, muito sério o assunto. Então, foi a primeira vez que um homem pegou na mão de um homem e uma mulher pegou na mão de uma mulher e saíram felizes andando na frente de todo mundo. Isso tem uma importância absurda. Eu sou heterossexual, com respeito absurdo a tudo, sempre, porque desde que eu me vi por gente, eu vi na minha frente essa coisa acontecer. E para mim, eu aprendi muito com isso. A respeitar as pessoas do jeito que elas são, ponto. Eu costumo falar que eu sou daltônico, eu não consigo ver negro, japonês, branco, amarelo. Tem uma coisa para mim que pega: é o olhar. Olho para mim é tudo. Aí sim, esse assunto me pega na veia. Agora, eu não consigo... Eu não consigo… Esse assunto tão esquisito, que as pessoas falam hoje, sabe, essa coisa do negro, do… Eu respeito todo mundo, eu não consigo, eu abraço todo mundo de um jeito igual, é tão gostoso, é tão leve, sabe? É mais leve para mim, assim, e foi lá que eu aprendi.
P/1 – Lá?
R – No Mercado Mundo Mix.
P/1 – Que você aprendeu essa riqueza… Quer dizer, você já tinha esse sentimento da riqueza da diversidade, mas lá…
R – Ele fortaleceu, porque eu vi muita cena, entendeu? Eu vi muita cena de homem com homem, mulher com mulher, mulher com homem, todas as… Tudo junto e convivendo bem. Vivendo feliz, contente, sabe? Então aquilo me ensinou muita coisa, foi muito bonito o que eu vi ali.
P/1 – E a tua marca tem relação forte com isso ou não? Foi lá que começou…
R – Não, ela não tem uma relação forte com isso, ela é uma marca muito eclética, sabe, é uma marca que contrata as pessoas pelo que elas são, entendeu? Muitas vezes, a gente nem julga a aparência assim, sabe? Então, eu te mostrei esse vídeo aqui, pô, é religião, orientação sexual. Tem uma senhora de sessenta e oito anos de idade, que ela é Caixa do Mega Shopping. Infelizmente, ela não vai poder ir à Convenção, mas, ‘meu’, ela foi… Acabou o Banco do Brasil, ela estava em casa, hoje ela está feliz na loja, entendeu? Então é muito bonito tudo isso assim, ela tem essa veia da diversidade e do respeito a todos.
P/1 – Caito, e você… Para a gente entender assim, como que foi os óculos, casando com a marca, ou se isso é mais eu que estou achando que é assim? Como que você foi trazendo os modelos e… Como que foi crescendo?
R – A ‘Chilli Beans’ começou de um óculos. Essa coisa de eu gostar muito de óculos escuros; o óculos escuro tem muito a ver com a música, não é? Porque… Os óculos escuros têm o poder de transformar as pessoas. Se você entrar na loja e ficar com uma câmera escondida, as pessoas entram de cabeça baixa, elas colocam os óculos, elas dão um sorriso. Então, têm esse poder sobre as pessoas. Depois veio a marca ‘Chilli Beans’ nos óculos escuros, mas os óculos vieram… Quem veio? O ovo ou a galinha? No meu caso, quem veio antes foi o óculos, não é que eu criei a marca e falei: “Eu vou vender o quê?”. Eu já tinha o produto e dei nome a esse produto. Foi assim.
P/1 – Óculos escuros nesse sentido, que você coloca?
R – Exatamente. Porque a gente veio ao mercado… Quando a gente veio, eu costumo dizer - e é verdade - porque quando eu comecei a vender óculos escuros, as pessoas falavam: “Eu tenho o meu óculos”. Era no singular. Hoje, as pessoas falam: “Eu tenho vários óculos”. Até de grau, as pessoas exercitam isso como acessório de moda. E foi a gente que fez isso no mercado, foi a gente que implantou essa coisa de tratar óculos como acessório. Tenho muito orgulho disso. Então foi assim que a coisa foi fluindo, entendeu? E a gente começou a fazer esse trabalho do Mercado Mundo Mix, que começou a fortalecer cada vez mais, que a coisa começou a andar, a acontecer. Depois, a gente abriu a loja na Galeria Ouro Fino, porque as pessoas reclamavam, porque elas queriam comprar mais o produto e não tinha loja fixa. Porque o Mercado Mundo Mix é um final de semana por mês. A gente fez um movimento de cento e cinquenta lojas lá, lotava a Galeria Ouro Fino no sábado, ficava fila, era muito legal…
P/1 – Mas aí, foi todo mundo para lá? Não eram só vocês que vendiam óculos?
R – As pessoas sempre confiaram em mim, assim. Então, eu abri a primeira loja lá, eu fui o primeiro a abrir a loja lá, e daí eu comecei a convencer as pessoas, aí foram dez lojas, depois foram cinco, aí virou um lugar legal.
P/1 – Galeria Ouro Fino, na Augusta?
R – É. Infelizmente hoje não tem mais nada lá. Acabou.
P/1 – E você ficou quanto tempo lá?
R – Meu Deus, eu acho que foram quinze anos. Eu sou do trabalho, então, eu abria e fechava a Galeria Ouro Fino. Aí, teve um dia, teve um episódio engraçado que, tipo, no sábado... A galeria não abria no sábado, eu falei: “Como assim? Eu vou vender no sábado”. E aí, tinha o porteiro, era uma figura assim, que ele era maior bonitinho, ele estava recebendo ordens, mas ele era do meu time. Aí eu comprei um pé de cabra, cortei o cadeado e falei: “Eu vou trabalhar hoje, bicho”. “Olha, eu vou deixar você fazer o que você quiser, você se entende na segunda-feira com a síndica”. ‘Meu’, sábado aquilo virou um fenômeno!
P/1 – Você e todas as outras começaram a abrir?
R – Sim. E ali teve uma importância absurda, porque foi ali que surgiram todas as festas ‘raves’. Ali era o único lugar no Brasil que tinha loja de disco para DJ, era o único lugar que tinha loja para vender roupa para ir nas festas ‘raves’, lojas para vender os óculos para as festas ‘raves’. E eu fiz uma coisa legal, que foi o seguinte: os meus amigos… Só para deixar claro, festas ‘raves’ foi um fenômeno que aconteceu na década de 90, a que iam oitenta mil pessoas numa festa. E eles não tinham onde vender os ingressos. Eu falei: “Seguinte, eu vendo os ingressos para vocês, presto conta, tudo bonitinho. Só que com uma condição: tem que ser na minha loja e só eu vendo”. Então, fazia fila na frente das lojas e eu dava o descontinho, o cara comprava o óculos e o ingresso. Então, foi mais ou menos por aí.
P/1 – E essa galeria tem história?
R – Muita. A Galeria Ouro Fino, na década de... Era o Shopping Iguatemi de São Paulo, era o formador de opinião de tudo! Então, ela tem história, muito. O primeiro Fasano era para ser lá e não foi. Então, um lugar de muita história.
P/1 – Você entrou lá em que ano, mais ou menos?
R – Eu entrei na Galeria Ouro Fino em 1997, 1998. Olha, a gente está em 2000 e…
P/1 – Vinte anos.
R – Menos, porque eu saí faz uns três anos, quatro anos. Só foram dezesseis anos que eu fiquei lá.
P/1 – E a ‘rave’, as ‘raves’… Fale só um pouquinho disso, porque as pessoas… É legal…
R – Festas. As pessoas, naquela época, quiseram sair das boates e ter convivência com a Natureza, com a música eletrônica. As festas ‘raves’ eram uma releitura das festas ‘hippies’ que aconteciam na década de 70, com música eletrônica. Com uma liberdade absurda de expressão, um lado um pouco pesado de muita droga, mas de muita diversão, de muita felicidade, de muita curtição que acontecia ali. Então, isso é um fenômeno que aconteceu no país, na década de 90 para 2000 - mais para 2000 - que foi um negócio assustador!
P/1 – Passava noite, dia?
R – Eram três dias, dois dias… Dois dias.
P/1 – E você continuava na relação com a música, dessa forma?
R – Total! Música, com Arte, com tudo, estava totalmente envolvido com isso. Sempre, sempre… Eu vendia uns óculos bolha, gigantescos, desse tamanho, que as pessoas compravam os óculos só para ir na ‘rave’.
P/1 – Além dos óculos escuros, você começou assim, era isso. E você disse: “Eles tinham o seu óculos”. Aquela coisa mais personalizada. Aí, você falou que virou acessório. Teve algum momento, alguma história?
R – Todo Mercado Mundo Mix eu tinha uma coleção nova, então era aí que as pessoas falavam: “Pô, mas eu quero comprar um novo”. Qual o segredo? Era preço.
P/1 – Como assim?
R – Eu tinha um preço acessível, daí permitia que a pessoa comprasse o próximo, entendeu? Então, todo Mercado Mundo Mix que eu estava ali, quando eu fazia o Mercado, eu falava: “Isso aqui é tudo coisa nova que chegou”. “Então eu vou comprar esse novo. Ah, vou comprar esse aqui, com lente amarela, azul, verde…”, entendeu? Comecei a tratar o produto diferente, com outro tom. Não como saúde. Não. Como moda, como um colar, como um brinco. Aí, deu no que deu.
P/1 – E depois, você foi para outros produtos?
R – Então... Mais ou menos, sabia? Porque assim... Hoje, a ‘Chilli Beans’ vende óculos escuros, óculos de grau e relógio. Mas o segredo do sucesso dela foi ter mantido um monoproduto durante anos. A gente acredita no conceito do pão francês.
P/1 – Qual? Ah, do pão francês…
R – De você ser bom no que você faz naquela história, entendeu? Então assim, tipo, eu acho… Acho, não, eu tenho certeza de que se eu tivesse aberto mais os produtos, eu teria me ferrado. Porque você se torna bom no que você faz e você… Então, dentro de óculos escuros, eu tenho linha esporte, clássico, casual, fashion… Dentro do meu mundo, eu te dou milhões de alternativas, mas no meu mundo. Entendeu? Eu vejo muita gente perdendo foco, porque não é fácil.
P/1 – E o de grau e o relógio…
R – O relógio vem em segundo lugar, porque é muito natural um acessório de óculos escuros, o relógio, não é? Faz sentido. A mesma pessoa que compra um óculos escuros compra um relógio, sempre com uma personalidade muito forte e não vendendo… Vendendo um acessório de moda. E faz já uns seis anos que a gente está com óculos de grau de um jeito também muito bacana, porque a gente está implantando a história das pessoas usarem o óculos de grau, três, quatro, cinco peças, entendeu? Em situações de usos diferentes, mas com o preço acessível. Senão ela não pode ter quatro, cinco peças.
P/1 – Você foi crescendo as lojas… Como que foi acontecendo isso? Ouro Fino continua, mais outras…
R – Não, é assim, só para dar uma resumida. Eu estava na Galeria Ouro Fino, aí eu recebi uma proposta de um shopping para uma loja, só que eu não tinha dinheiro para abrir uma loja e eu abri um quiosque. E foi ali o grande pulo do gato, porque foi ali que eu comecei a bombar. Porque o quiosque é mais fácil de abrir, mais barato, então você abre o quiosque e se posiciona. E nesse momento, também, no primeiro quiosque, eu já tive um monte de bando de malucos querendo abrir franquia da ‘Chilli Beans’, que esse foi um dos segredos, entendeu? Porque dá para você crescer rápido, você cresce com os seus parceiros, entendeu? Então, a franquia tem esse conceito onde você faz a franquia, esse cara toca o seu negócio, e ele te ajuda a desenvolver em regiões, entendeu? Então assim... É muito forte. Resumindo: Galeria Ouro Fino, quiosque no Shopping Villa Lobos - bombou rapidamente, em três meses eu já abri Iguatemi, Morumbi e Eldorado. E Higienópolis.
P/1 – Você ainda, sem franquia?
R – Eu ainda, sem franquia. Rapidamente a gente abriu uma franquia em Maringá e aí começou a acontecer, começou a explodir. Claro que nesse ano, pô, não sei se você sabe que a gente é… O único lugar no mundo que a Ray Ban perde é no Brasil, para a ‘Chilli Beans’. É muito legal, assim. Então a gente virou o que virou, não é? Mas teve essa expansão. Na sequência, depois de uns dois, três anos só de quiosque, a gente abriu a primeira loja. Hoje tem mais lojas do que quiosques. Mas aí, fortalece a história. E aí, começou a construir. Como que a gente construiu essa história? A gente construiu essa história de um jeito muito especial, com parceiros, com franqueados especiais e bacanas, entendeu? Os franqueados são as pessoas que nos ajudaram a fazer a ‘Chilli Beans’. Por quê? Porque além do amor que eles sentem pela marca, eles conhecem regionalmente o varejo, entendeu? E aí, você respeita! Então, pô, o cara está lá em Manaus, é uma característica que tem lá, você tem que respeitar o cara.
P/1 – Eles que procuram?
R – Eles que procuram. A gente é muito procurado. Bastante.
P/1 – Aí vocês fazem alguma seleção? Só de modo geral, assim, para ter essa parceria de que você está falando.
R – Radical. Assim... Só para você entender mais ou menos, todo mês trezentas pessoas preenchem “Eu quero ser um franqueado”. Dessas trezentas, a gente consegue selecionar vinte e cinco. Essas vinte e cinco vão para a ‘Chilli Beans’, eu faço uma apresentação, eles passam dois dias fazendo uma imersão e a gente consegue, dessas vinte e cinco, selecionar quatro ou cinco pessoas.
P/1 – Para depois ainda…
R – Não, aí dos cinco... A gente coloca os cinco no mercado. Mas esse filtro começou de trezentos e chega em cinco. Essas cinco a gente coloca no mercado.
P/1 – E tem alguns critérios assim, realmente…?
R – Tem, tem…
P/1 – Não sei se você quer falar.
R – Tem análise psicológica com o franqueado para ver se ele está capacitado, se ele tem a ver com o perfil da ‘Chilli Beans’. Tem a região dele. Tem toda uma análise que a gente faz para ver se esse cara tem potencial para ser um franqueado ‘Chilli Beans’. A gente aprendeu a fazer isso.
P/1 – Qual seria essa essência do…
R – Da ‘Chilli Beans’?
P/1 – É, dessa parceria, e também da Chilli Beans. É…
R – Então... Isso pode… Eu abro os dois dias e faço uma apresentação da minha… Eu faço uma palestra para eles, contando a história da marca. Primeira coisa que eu falo para eles: “Isso aqui não é um lugar para investidor, porque eu preciso de vocês no dia a dia tocando para ensinar e para a gente dividir experiências para construir juntos”.
PAUSA
P/1 – Eu estava lhe perguntando da essência dessa… Que não é só uma marca, não é? Dessa história. Então, o parceiro...Para ele ser parceiro mesmo... Aí, você estava dizendo o que você conta para eles.
R – É uma grande família, na verdade. Assim... Então, eles ficam dois dias tendo uma imersão da marca, com todos os departamentos, análises psicológicas, tudo. E aí eu começo fazendo uma palestra para eles, contando a história da marca e a primeira coisa que eu falo... Eu pergunto o nome das pessoas, de onde elas vieram e falo: “É o seguinte, eu quero que vocês saibam que isso aqui não é uma empresa de investidores, é uma empresa em que as pessoas precisam pôr a mão na massa, eu preciso da ajuda de vocês para a gente construir uma empresa juntos”. E é muito louco... Na hora em que você fala isso, tem umas pessoas que já olham com uma cara muito assustada, assim. Sempre tem uns investidores no meio. Eu falo: “Tem um monte de empresa no mercado que você vai lá, compra a franquia, passa no domingo para pegar o Caixa. Não é isso que a gente quer”. E aí você já seleciona, naturalmente, várias pessoas, entendeu? Porque a relação que eu tenho com os meus franqueados é muito especial, são dezessete anos, dezoito, vinte, quatorze, é muito unida a história. Então, faz toda a diferença, entendeu? A gente vai agora… Eu vou fazer um vídeo em homenagem a eles e eu tenho o vídeo deles há doze anos, porque eu fiz um vídeo para eles no… E eles não tinham os filhos. E, nesse momento, a ‘Chilli Beans’ deu essa condição deles terem filhos. E aí, agora, volto para frente com os filhos no meio, entendeu? Então, vai ser bonito.
P/1 – Eu estou entendendo… Eu estou tendo a minha percepção da sua marca, mas se você puder falar um pouco assim, qual a essência dela? O que a faz tão viva. Eu estou fazendo a relação com a música, com toda a sua história, mas… Não sei se você quer falar disso.
R – Claro que eu quero. Não, assim... É que a resposta é muito simples. É o respeito ao ser humano. Muito louco, por mais normal, mais simples que seja isso, é a coisa que mais vem na minha cabeça! Respeito ao franqueado, respeito ao time, valorização de pessoas. São pessoas, pessoas, pessoas. É impressionante como isso faz a diferença.
P/1 – E quem compra, também?
R – Todo mundo. Mas o time interno, assim, sabe? Dos gerentes, vendedores, essa coisa toda assim, o respeito. As pessoas são diferentes, elas são felizes, elas… Você vai numa loja, rola um sorriso, rola uma admiração, é muito especial. Então, para mim, são dois assuntos que eu tocaria: respeito ao ser humano, por mais simples que isso possa parecer, mas é o que faz a diferença, e é uma empresa mutante. Eu não tenho lemas, pensamentos, frases, eu não tenho. Eu me reservo o direito de ser mutante e ter a liberdade de ser quem eu sou, na hora em que eu preciso, de acordo com o que vai acontecer. Eu não quero ter uma frase, não quero. Eu estava… Às vezes, entrevistas, eu estava com outras empresas, a primeira empresa falou: “A minha frase é essa…”. Daí: “A minha frase é essa…”. Eu falei: ‘Eu não tenho frase, gente”. O teatro quase caiu de dar risada, mas é isso.
P/1 – Muito bom. Eu queria saber um pouco... Quando você teve o seu filho. E aí, como foi assim quando ele estava nascendo?
R – Ah, muito especial. Muito especial. Primeiro, que era uma coisa que eu queria muito. Muito ser pai. Eu nasci para ser pai. Eu tenho dois filhos, mas eu quero ter mais uns três, quatro, adotar, pode mandar que eu cuido, eu adoro. É um momento diferente, não é? É um momento que, consciente e inconscientemente, você tem uma mensagem ali, tipo, agora mudou, agora você tem um filho, agora você tem um exemplo a dar, você tem uma educação a dar.
P/1 – Mas quando ele nasceu, assim, como foi?
R – Foi assim: a gente tentou treze horas de parto normal e aí chegou uma hora em em que o médico falou assim: “Não pode mais, agora acabou. A gente vai ter que fazer uma cesárea”. E aí eles me prepararam, prepararam a minha ex-esposa, a gente foi para a sala de parto. E aí eu estava junto com ela aqui, a cabeça dela estava ali, tem certas coisas que a gente não precisa ver, não é? Mas tudo bem. Mas aí eu lembro, até hoje, que o médico... Ele pegou o pé do Luca, já se preparou, puxou o meu braço e falou assim: “Vem aqui ver essa cena que você não vai esquecer nunca mais”. E ele já puxou o Luca, foi demais. Foi demais! Aquele momento foi forte, porque teve um silêncio de uns três segundos e ele começou a gritar. Foi muito especial. Então, essa foi a cena que aconteceu no nascimento do meu filho (risos).
P/1 – É muito louco, não é?
R – Nossa Senhora!
P/1 – E agora, você está noivo de novo…
R – Eu estou… Assim... Tipo, eu achava que ia ser apaixonado só pela ‘Chilli Beans’ agora. Mas eu fui pego de surpresa (risos). Encontrei uma pessoa que quebrou as minhas pernas no sentido de coração, de sentir, de sentir uma paixão adolescente e uma coisa especial. E ela está me trazendo uma coisa muito bonita que é… Eu estou tendo equilíbrio mais na vida, sabe? Então, ela me trouxe esse exemplo e essa cutucada de dividir o tempo entre profissional, meus filhos e ela, e tudo junto, entendeu? Porque quando você trabalha, você trabalha, trabalha, trabalha, você deixa, às vezes, de ser presente com os filhos. Só que eu tenho uma coisa que eu tenho uma consciência muito tranquila. Assim... Que eu acredito na qualidade e não na quantidade. Porque eu vejo muitos pais o dia inteiro que nunca olharam no olho dos filhos, não sabe o que o filho come, o que o filho gosta. Eu tenho qualidade, eu sei o que os meus filhos gostam, o que eles não gostam. Eu os ponho para dormir. Mas mesmo assim, esse movimento novo que eu estou na minha vida, nessa relação que eu estou, pessoal, está me trazendo a consciência de aproveitar mais. Isso tem a ver com a maturidade, tem a ver com o futuro, tem a ver com a qualidade de vida, tem a ver com curtição. Vou continuar trabalhando, eu amo o que eu faço, mas eu estou dividindo o meu tempo mais e está uma delícia.
P/1 – Porque o trabalho é uma paixão, não é?
R – É. Eu não trabalho mais, eu me divirto. Eu amo o que eu faço… Bom, dá para você perceber quando eu falo trabalho, eu sou o senhor empolgado da estrela, mas assim... Eu gosto muito do que eu faço, eu gosto muito do trabalho que a gente faz, dos resultados, eu gosto de ver o olhar das pessoas. É muito especial, assim, sabe? Tipo, durante muito tempo na minha vida eu tive dificuldades para dormir, porque as pessoas vinham: “Todo dinheiro que eu juntei na minha vida eu estou investindo em você. Comprei uma franquia”. Falavam desse jeito. E é difícil você conviver com uma situação social, um cara ético, um cara honesto, é difícil conviver com essa situação. Agora, faz tempo que eu convivo melhor com essa situação. E você vê as pessoas... Para mim, a coisa mais louca é assim, o cara me convidar para ir para Florianópolis, na casa que ele construiu com o dinheiro da ‘Chilli Beans’. Isso é um das coisas mais doidas. “Jura que isso aconteceu por causa da loucura que eu inventei?” As vidas se consolidaram, as pessoas compraram imóveis, realizaram sonhos, viagens, filhos, por causa do maluco… Ainda é difícil de sacar, sabe? Mas é legal. Uma sensação boa.
P/1 – Você falou na sua… Eu estou lembrando, por causa disso que eu estou dizendo, você falou… Quando eu perguntei qual a sua atividade, você falou: “Vendedor de óculos”. Mas o que é o seu dia a dia? O que significa isso?
R – Então... Eu sou vendedor de óculos. Mas, mais do que isso, eu sou gestor de pessoas, é aí. Eu tenho uma disciplina, eu tenho o meu dia a dia, tenho minha rotina, mas assim... Cuidar de pessoas, administrar pessoas, administrar egos é uma das coisas que eu mais faço. Faz parte, eu tenho prazer em fazer isso, até acho que eu tenho uma habilidade para fazer isso, faço isso com o maior prazer, porque é o necessário. E exemplos que vêm de cima.
P/1 – Como assim?
R – Exemplos: ‘obrigado’, ‘por favor’, valorização, respeito, cuidado. Tipo, por exemplo, no meu Instagram vem reclamação de cliente que teve problema e eu respondo para os caras, eu respondo para o cara na hora: “O que você precisa?” “Jura que é você que está me respondendo?” “Claro, você é meu cliente”. Esses exemplos têm que vir de cima, entendeu?
P/1 – Você continua com essa relação direta, pelo que você falou, você atende telefone…
R – Tudo! Nada mudou.
P/1 – Mas é uma loucura, porque é muita…
R – Mas você administra bem. Eu estava agora ali no carro, tem uma amiga minha que ela atende muito empresário, ela faz vários eventos e falou assim: “O mal da nova humanidade é gestão de tempo”. Eu tenho tempo de sobra, porque eu não tenho um e-mail para responder, na minha caixa de entrada e de saída, respondo tudo, zero, eu não tenho nada. Whatsapp, eu respondo todos. Agora eu tenho três que eu vou sair daqui e vou responder. E me sobra tempo.
P/1 – Tem a ver com delegar?
R – Tem a ver com disciplina. Disciplina é o segredo da vida.
P/1 – Como assim?
R – Disciplina. Eu sou muito radical com disciplina. Eu vou fazer um comentário assim. Tem um vídeo do Will Smith, sabe aquele ator legal para caramba? Ele estava meio bravo porque ele encontrou umas pessoas na rua que falaram: “Pô, mas você se deu bem, você consegue tudo…”. Aí ele fala assim: “Ninguém sabe o que tem por trás dessa disciplina que eu tenho”. Ele batia na mesa: “Self discipline”. Então assim... Por que eu estou te falando isso? Eu faço coisas há vinte e um anos iguais. Eu não demoro para responder mensagens para ninguém, mesmo que seja um ‘não’. Os meus franqueados até brincam, falam: “Eu não te ligo às dez horas da noite porque eu sei que você vai me ligar na hora”. Os e-mails eu respondo tudo na hora. A minha mesa... Não tem um papel na minha mesa. Então, isso é uma coisa que faz toda a diferença. Todo dia de manhã eu malho, acabei de meditar agora no carro. Você acaba sendo, às vezes, meio chato, mas o segredo da vida é disciplina. Tem uma coisa que é assim... Eu brinco, não é? Deus está lá em cima e aí, tipo, fala assim: “Eu estou descendo, não sei o quê, tal, vai para a Terra. Você pode escolher: disciplina ou talento?”. Aí tem um malandrão que fala: “Eu quero os dois”. “Não, amigo, você não entendeu: ou é disciplina ou é talento”. O cara que escolheu a placa da disciplina pode ser a pessoa mais zero de talento do mundo, ele faz o que ele quiser, o que ele quiser. Constrói a casa dele, compra a casa dele, ele faz o que ele quiser. O cara com talento - e eu conheço gente com muito talento, sem disciplina - ele não consegue realizar uma página da vida dele. Então, para mim, eu tenho essa consciência da disciplina. E aí, de vez em quando, Deus dá as boiadas e fala: “Você pode levar as duas placas: disciplina e a coisa”. Daí vêm os monstros… Disciplina com talento, aí acabou. Que é o caso do Will Smith, desses caras, entendeu? Até a Lady Gaga, ontem, no Oscar, ela falou de disciplina. Então isso, para mim, é um dos lemas da minha vida.
P/1 – A gente está terminando. Alguém quer perguntar alguma coisa? Caio? Camila, quer perguntar? Você quer falar alguma coisa, contar algum momento assim, mesmo lá da infância até hoje, de qualquer situação, que eu não perguntei, a gente não…
R – Eu vou falar duas coisas. Primeiro, as pessoas me perguntam muito da minha vida, como que ela foi acontecendo e como que eu planejei. Metade eu planejei, metade eu fui conduzido por uma força maior do que eu, não sei explicar o que é. Tem um exemplo do Guga, que ele estava na primeira final de Wimbledon e que, da metade do jogo para frente, ele estava tão cansado que ele não conseguia mais responder aos movimentos dele. E quando ele batia na bola, ele fechava o olho, ele falava: “Não era eu que estava batendo na bola”. Isso acontece comigo. Ele fechava o olho e batia, e a bola entrava certinho. Ele estava tão cansado, que ele não tinha mais força para bater na bola e uma força fazia ele bater na bola. Isso acontece comigo. Para a gente terminar: as pessoas me perguntam muito de dicas. Aí eu costumo falar de arroz, feijão, amor e pimenta. O que é isso? O arroz com feijão é a base. Tente fazer um cálculo, tente fazer um pouco de conta para ver se o seu negócio para em pé. Não faça muita conta porque se você fizer muita conta você não faz o negócio. Mas faz uma continha. Segundo: amor. Ache alguma coisa que você ame, que daí você não vai trabalhar, você vai se divertir. E é isso que vai lhe dar força para você vencer os momentos complicados. E a última de tudo é pimenta: por favor, não copie. Ponha um veneno, ponha uma cara diferente, não se contente em ser igual aos outros, já tem muita coisa copiada. Nos dias de hoje, as pessoas têm tanto acesso à informação, vá atrás de uma coisa diferente para você ter uma personalidade. É isso.
P/1 – Muito bom. E a gente tem umas perguntas meio… Sonho. Além de tudo isso, que já é um sonho, tem algum assim?
R – Eu não tenho nenhum sonho capitalista, nada. Eu não tenho que pedir nada. Eu só consigo agradecer. Eu não tenho nenhum sonho. Já passei por momentos muito difíceis na minha vida, continuo tendo difíceis, mas eu não tenho nada o que pedir. Para mim são duas coisas, em termos de sonho: legado, deixar um legado. Essa entrevista é um legado; para mim, a interpretação de quando vocês me passaram o briefing; para mim, é isso, eu vou deixar um legado, depois que eu passar dessa aqui para uma outra espiritualidade, eu vou ter um momento… Eu deixei algumas palavras interessantes, que eu acho que vou poder ajudar as pessoas, não é? E assim... No meu raio de alcance, eu fazer o bem para as pessoas que estão do meu lado, uma ideia de fomento. Então, esse para mim é o sonho que eu continuo tendo para deixar para a humanidade, para continuar a vida aí.
P/1 – Eu estou fazendo um gancho, quando você falou, e voltando: “Eu vendo óculos”. É uma metáfora, na verdade, não é?
R – É, é uma metáfora. Porque o vender óculos se torna até pequeno perto de toda essa missão toda. É isso aí. Exatamente isso.
P/1 – E tem a ver com o olhar, não é?
R – Tem a ver com o olhar, tem a ver com o humor. O óculos tem uma relação absurda, ele muda a energia das pessoas. As pessoas entram de cabeça baixa e saem de cabeça alta, com óculos escuros. É muito louco. Que delicia que eu vendo um produto assim, não é (risos)?
P/1 – Então, olha, muito obrigada. Para mim, pelo menos, eu aprendi um monte. Foi um prazer enorme. Parabéns.
R – Obrigado, Márcia. Foi um prazer, uma delícia de papo. Estou duas horas aqui de pão delicioso, passou muito bem. Espero que eu possa ter ajudado a turma aí.
P/1 – A gente ficaria mais umas duas aqui, no mínimo.
R – E tem história para contar, viu!
P/1 – Pois é! Mas está ótimo. Obrigada, viu!
R – Obrigada você.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher