P1 – Boa tarde, Silvana! Tudo bem?
R – Boa tarde, Genivaldo! Tudo bem.
P1 - Então, obrigado por aceitar o nosso convite. Eu vou começar com uma pergunta bem básica: o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
R - Meu nome completo é Silvana Helena Gomes Bahia. Eu nasci no dia 26 de julho de 1985, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (RJ).
P1 – Qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai se chamava Leo Silvano Bahia e a mãe se chama Edinair Gomes Leite.
P1 – Eles são também do Rio ou vieram de alguma outra cidade?
R – O meu pai era carioca, nascido aqui no Rio, mas com pais baianos, e a minha mãe nasceu em Belém, é do Pará. Minha família por parte de mãe, hoje, mora em São Paulo, a maioria, mas minha mãe nasceu no Pará e ainda tem família, também, lá.
P1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho um irmão, um pouquinho mais novo que eu. A gente tem uma diferença pequena de idade. Se chama Leo também, Leo Silvano Bahia Filho, e que hoje não mora mais no Rio comigo, mas está morando na Bahia. Está terminando o curso de Arquitetura, na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
P1 – Você gostava de ouvir histórias, quando você era criança?
R – Muito, eu adorava ouvir histórias. Acho que a minha mãe é a grande incentivadora pela paixão pela leitura que eu e meu irmão desenvolvemos, porque a minha mãe sempre gostou de contar histórias pra gente. Tinha uma época que a minha mãe vendia livros e eu lembro que, quando ela podia comprar um livro pra gente, era sempre uma alegria, assim, porque era a sorte de ter um monte de histórias novas. Gibi, essas coisas todas. Sempre gostei muito de ler. Acho que minha mãe é que plantou essa sementinha em mim, sem dúvida, porque ela também é uma grande leitora e sempre gostou de inventar histórias, contar histórias da cabeça dela também. E acho que eu também puxei isso dela, porque adoro criar histórias. Eu gosto...
Continuar leituraP1 – Boa tarde, Silvana! Tudo bem?
R – Boa tarde, Genivaldo! Tudo bem.
P1 - Então, obrigado por aceitar o nosso convite. Eu vou começar com uma pergunta bem básica: o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
R - Meu nome completo é Silvana Helena Gomes Bahia. Eu nasci no dia 26 de julho de 1985, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (RJ).
P1 – Qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai se chamava Leo Silvano Bahia e a mãe se chama Edinair Gomes Leite.
P1 – Eles são também do Rio ou vieram de alguma outra cidade?
R – O meu pai era carioca, nascido aqui no Rio, mas com pais baianos, e a minha mãe nasceu em Belém, é do Pará. Minha família por parte de mãe, hoje, mora em São Paulo, a maioria, mas minha mãe nasceu no Pará e ainda tem família, também, lá.
P1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho um irmão, um pouquinho mais novo que eu. A gente tem uma diferença pequena de idade. Se chama Leo também, Leo Silvano Bahia Filho, e que hoje não mora mais no Rio comigo, mas está morando na Bahia. Está terminando o curso de Arquitetura, na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
P1 – Você gostava de ouvir histórias, quando você era criança?
R – Muito, eu adorava ouvir histórias. Acho que a minha mãe é a grande incentivadora pela paixão pela leitura que eu e meu irmão desenvolvemos, porque a minha mãe sempre gostou de contar histórias pra gente. Tinha uma época que a minha mãe vendia livros e eu lembro que, quando ela podia comprar um livro pra gente, era sempre uma alegria, assim, porque era a sorte de ter um monte de histórias novas. Gibi, essas coisas todas. Sempre gostei muito de ler. Acho que minha mãe é que plantou essa sementinha em mim, sem dúvida, porque ela também é uma grande leitora e sempre gostou de inventar histórias, contar histórias da cabeça dela também. E acho que eu também puxei isso dela, porque adoro criar histórias. Eu gosto muito da ideia de narrativa de memórias, adoro. Por isso que eu fui fazer Comunicação também, na minha graduação.
P1 – Qual era a ocupação dos seus pais?
R – A minha mãe já teve um monte de emprego, né? A minha mãe é costureira. Hoje em dia, trabalha cuidando de idosos e meu pai era músico, violonista.
P1 – E, voltando pra sua infância, você se recorda da casa onde você passou a sua infância?
R – Sim, muito. Eu passei a minha infância em um apartamento, aqui no Centro do Rio de Janeiro, que é da minha família. Assim: eu, minha mãe, meu irmão, meu pai e os agregados, porque sempre teve muita gente na nossa casa, mesmo a nossa casa sendo um apartamento muito pequeno, uma quitinete, aqui no Centro, como tem muitos outros. E eu me recordo muito, porque recentemente eu morei lá de novo, né? Eu saí, depois dos vinte e tantos anos e retornei agora, em 2017, e aí saí tem um ano e meio.
P1 – E o que você mais gostava de brincar, nessa época?
R – Olha, eu gostava muito das brincadeiras coletivas que, mesmo tendo sido uma criança criada em apartamento, no meu prédio tinha um "play" e essa coisa dos amiguinhos ali que, na verdade, muitos são meus amigos até hoje e a gente mantém contato. E as brincadeiras que eu mais gostava eram as coletivas, tipo: pique-bandeira, pique-esconde, queimada. Depois que proibiram a brincadeira de bola, pra grandes brincadeiras, assim, coletivas, no prédio, eu lembro que foi bem frustrante. Mas era uma brincadeira que eu gostava muito, assim, de correr, enfim, de estar, também, no coletivo, né?
P1 – Você tinha algum sonho de infância?
R – Ah, muitos. Eu tinha muitos sonhos. Na verdade, eu tenho muitos sonhos. Tenho me considerado cada vez mais velha e uma ativista dos sonhos. Eu acho que, dos meus sonhos de infância, muita coisa que eu realizo hoje, nem na infância eu sonhei, (risos) na realidade, mas sempre fui muito sonhadora também, na infância. Eu sonhava em ser muitas coisas, né? Desde, sei lá, passista de carnaval (risos) a dentista, algum tipo de profissão ligada à arte também, que eu sempre gostei muito. Acho que esses eram os meus sonhos, assim, sobre o que eu pensava de futuro, o que eu queria ser. Esses são os sonhos que eu mais me lembro. Mas eu sempre sonhei muito, sou uma pessoa que gosta de sonhar e acredito que essa é uma característica que a gente nunca deve perder, essa habilidade, na verdade, que é de manter os sonhos vivos na gente e, quando realizar, sonhar de novo com outras coisas.
P1 – Caminhando pra sua vida escolar: você se lembra da sua primeira ida à escola? Ou desse período que você começou a estudar, como você se sentiu?
R – Eu me lembro muito. A escola foi muito importante na minha vida. Era muito bom ir pra escola. Acho que, não sei, a escola realmente é um lugar de aprendizado e não só sobre os conteúdos lecionados pelos professores, mas acho que também sobre uma dinâmica de viver em comunidade. E a escola era muito isso pra mim, sempre foi. Sempre gostei muito de ir pra escola e tinha uma boa relação com os meus professores. Inclusive, uma professora que foi minha primeira professora da primeira, não sei se do (Ciab?), talvez, mas até a terceira série, que é a ‘tia’ Bete, eu sempre quis encontrar, depois que eu cresci. Ela foi muito importante na minha vida, porque lembro que uma vez ela doou pra gente uma biblioteca dela. Muitos livros. Muitos, muitos livros. E isso ficou muito marcado. Ela me deu um diário também, que eu comecei a escrever, ali, com uns nove anos. Eu gostava muito, sempre gostei muito de escrever. E a ‘tia’ Bete, depois que eu cresci, nunca mais tive contato. Chegaram as redes sociais, eu sempre busquei por ela. Quando eu terminei a graduação, procurei a ‘tia’ Bete. Eu me formei, consegui ir pra outra cidade, que eu acho que era um sonho também que não tinha muita certeza se eu ia realizar e depois, no mestrado, foi a mesma coisa. Quando eu passei e quando terminei o mestrado, que foi um grande desafio, eu procurei a ‘tia’ Bete e não achei. Quando foi esse ano passado, de pandemia, eu estava em casa, zapeando as redes sociais e pensei: “Cara, eu vou procurar a ‘tia’ Bete de novo”. Elizabete Jardim, o nome dela. E eu achei. Olha, eu vou te falar: talvez essa relação com essa professora foi tão determinante pra tantas coisas, que eu mesma nem sei mensurar. E quando eu a encontrei, ano passado, na rede social, foi assim, pra mim, uma 'explosão tchacabum' interno, sabe? (risos) “Caramba, eu não acredito, ‘tia’ Bete”. E pra mim era importante contar pra ela, sabe, assim: “Cara, eu consegui estudar”. Acho que também a minha mãe, com certeza, meu pai, mas a ‘tia’ Bete é esse elemento externo ali, em relação à minha educação, pelo menos nesses primeiros anos de educação, que é a minha lembrança mais forte da infância, em relação à escola. Essa relação com a professora de, caramba, tê-la como uma referência, sabe? Uma inspiração. A ‘tia’ Bete sempre foi isso pra mim, até hoje eu não consigo mais chamá-la de ‘tia’ Bete, inclusive. (risos) A gente está esperando essa pandemia melhorar, passar, pra poder se ver pessoalmente. E foi muito bom encontrá-la, assim. Foi, sei lá, a realização de um sonho que eu tinha, já adulta, de encontrar a ‘tia’ Bete, pra poder contar pra ela, sabe: “Deu certo, eu estudei”.
P1 – Como você ia pra escola? Era longe? Você ia a pé ou de ônibus?
R – Eu ia pra escola andando. Meu pai... Eu estudava numa escola, que é no Sambódromo, aqui, do Rio de Janeiro, que poucas pessoas sabem, mas funciona uma escola ali, pública. Acho que não sei se tem ensino médio, mas acho que deve ter. Eu estudei no ensino fundamental e, como morava na Rua do Riachuelo, que é bem pertinho de onde eu fui criada, a gente sempre ia andando pra escola, voltava andando. Era uma escola que a gente ficava de oito às cinco, era um Brizolão, [Centros Integrados de Educação Pública (Cieps)], era ainda um resquício dessa política pública de educação pensada, assim, pra também aliviar um pouco a carga dos pais, pra trabalharem. Então, a gente ficava na escola de oito às cinco, comia na escola, tomava café, almoçava, lanchava. Por isso que eu digo: era muito tempo na escola. Então, não tem como não ter uma memória desse período e até ela não ser tão viva, né? Porque era muito tempo. Eu acho que a escola foi um lugar que eu aprendi sobre muitas coisas, não só sobre as matérias lecionadas, como eu comentei.
P1 – Você tinha, no ensino fundamental, alguma matéria ou professor, mais tarde, que fosse predileto, que você gostasse mais?
R – Isso no ensino fundamental ou no ensino médio?
P1 – No fundamental, ainda.
R – Então, a ‘tia’ Bete foi a minha grande inspiração e ela dava aula de Português, se eu não me engano. Porque não era Português, né? Era um outro título, a gente chamava de outra coisa. Acho que é no ensino médio que começa a separar o ensino de Português, Matemática e Ciências. Eu não lembro direito, mas acho que a ‘tia’ Bete dava aula de Português e Redação. Sempre foram minhas matérias favoritas e tinha também uma parte que eu sempre gostei muito, que era Ciências e Geografia, também eram disciplinas que eu gostava bastante.
P1 – E você comentou que passava das oito às cinco, na escola. Que outras atividades vocês faziam, que marcou pra você e que se lembra até hoje?
R – Educação Física. Acho que a aula de Educação Física eram as aulas, também, não escritas, mas que você poderia, entre algumas aspas, ‘brincar’. Eu acho que essas aulas e as de arte também, porque era outro momento, que não era escrever, sentar, copiar do quadro. Então, essas aulas também. Porque é isso: numa escola de período integral tinha que ter esses escapezinhos também, que não fosse só deixar ali o estudante sentado todo o tempo. E também tinha uma coisa que eu gostava muito, além da hora de comer: era a coisa de descansar. O momento de descansar também era muito bom. (risos)
P1 – Pelo que você comentou, passou a sua infância morando no Centro do Rio. Como era essa relação sua e da sua família, com a cidade, já que você já estava num local central, mais agitado? Como era? O que você gostava de fazer? Onde que vocês gostavam de passear?
R – Exato. Eu fui criada no Centro do Rio e acho importante dizer que o Centro do Rio, nos anos noventa, que foi quando eu era criança - anos oitenta, noventa -, não era o Centro que a gente conhece hoje, né? Esse Centro "cult" e bacaninha, gentrificado. Acho que isso também é uma diferença bem grande, embora, atualmente, o Centro da cidade e a Lapa estejam bem abandonados de novo, de volta aos anos noventa. Mas acho que é isso: também estar numa região central possibilitou que a gente pudesse circular muito à cidade. Meu pai era um cara muito popular, digamos assim, tinha muitos amigos, então a gente sempre fazia esse rolê de visitar os amigos do meu pai, da minha mãe, da zona norte, dos subúrbios. E acho que uma outra coisa que a gente fazia muito também, que eu amava muito, era ir à praia, porque a praia estava relativamente perto de casa. Era um ônibus só e então a gente ia muito à praia. Acho que também esse amor que eu tenho pelo mar tem muito a ver com essa construção da infância, assim. Minha avó morava em São Paulo (SP), tinha vindo de Belém (PA), a mãe da minha mãe e, toda vez que ela vinha pro Rio, ela levava as crianças todas pra praia. É também uma memória bem gostosa de infância e tem a ver com a cidade. E acho que as praças também, né? Frequentar, ali, as praças pra brincar: a Praça Cruz Vermelha, que é perto da minha casa; a praça do bairro de Fátima também era um passeio que tinha muito a ver com essa ideia de circular na cidade.
P1 – E passando pro seu ensino médio: o que mudou nesse período, pra você? Você chegou a mudar de escola? Quais foram as transformações que você passou, nesse período?
R – Cara, o ensino médio, realmente, foi um período bem diferente na minha vida escolar, né? Eu mudei de escola, estudei em algumas escolas no ensino médio e aí, também, na sexta série eu já ia sozinha pra escola. Então, eu estudava em um outro bairro, que era Laranjeiras, aqui no Rio, numa escola municipal também. Aí eu pegava um ônibus sozinha e já era uma outra relação com a escola, com a cidade e também com a vontade de estudar, né? Eu acho que, no ensino médio... Sempre fui uma aluna muito boa no ensino fundamental; no ensino médio, eu me entendi mais como uma aluna dedicada, conseguia ir... Eu nunca fui uma aluna não participativa, mas chegou uma hora que a escola começou a ficar um pouco chata pra mim, assim, porque tinha outras coisas que eu queria ver também. Acho que também culmina com esse momento de adolescência, então você quer ficar com os seus amigos, acha que a escola não é tão legal, mais, as disciplinas, assim. E aí acho que foi um grande jogo de altos e baixos, a minha parte do ensino médio, assim, porque tinha momentos que eu estava apaixonada pela escola e tinha outros momentos que eu estava muito de saco cheio da escola, assim, sabe? De: “Ai, preguiça. (risos) Por que eu tenho que aprender isso? Pra que eu tenho que aprender isso?”. Acho que isso também tem muito a ver com as relações que eu fui criando, né, nessas escolas que eu passei, com alguns professores também. Eu lembro de ter me apaixonado por Matemática, porque tinha uma professora disso na época, que eu era muito boa de Matemática e ficava pensando: “Caramba, eu sempre tive dificuldade com Matemática no ensino fundamental”, mas no ensino médio tinha mudado e eu achava sempre que tinha a ver com a relação ali com a professora, que era uma professora que trazia outras formas de explicar, sabe? Eu acho que isso também garantia meu interesse, de alguma forma.
P1 – Nesse período do ensino médio, o que você e as suas amigas gostavam de fazer fora da sala, da escola?
R – Ai, matar aula pra ir pra cachoeira. (risos) Matava aula pra ir pra cachoeira, pra ir pra praia. Nessa época, no Rio - não sei se ainda é assim, acho que é -, mas, a gente tinha passe livre, né, a escola pública. Então, a gente usava _____ da escola pra matar aula, pra ir pra praia e fugir um pouquinho. Teve uma época que foi difícil a minha relação com a escola e a minha mãe ficou bem... Logo depois que meu pai faleceu, eu devia ter uns treze anos e catorze, quinze anos, foram idades bem difíceis pra minha mãe cuidar de mim, assim. Eu sempre gosto de contar isso, porque fui uma adolescente que deu trabalho pra minha mãe, bastante trabalho. (risos) E hoje fico pensando: “Nossa, cara, minha mãe tinha, realmente, muita paciência”. Mas o trabalho era esse, de eu não querer ir pra escola, de achar que queria ir pra praia, fazer outras coisas. Estava a fim de conhecer o mundo, assim, de outro lugar. Cara, depois que eu entendi também a importância [do estudo]... Aí eu fui ficando mais velha e, claro, estudando sempre, mas depois eu fui entendendo a importância, porque eu acho que a gente não tem muito essa noção quando a gente é adolescente: “Por que a gente tem que ir pra escola? Por que tenho que aprender raiz quadrada? Eu nunca vou usar isso na minha vida, né? Mas, gente...”, sabe? Teve muitos momentos difíceis, assim. Não foi simplesmente fácil. Acho que eu nunca fui também uma pessoa muito brilhante, assim, que as pessoas olhavam... Eu não falo isso de um lugar de baixa autoestima, mas de um lugar... As pessoas nunca olharam pra mim muito assim: “Essa menina vai ser brilhante quando crescer. Tem um futuro”. E quando a gente conta a história, né, da gente, parece que tudo é muito linear, que a gente está muito, já, predestinado a determinadas coisas. Gosto sempre de pontuar que pode ser, não estou dizendo que não, que tem um esforço muito grande aí da minha parte, da parte dos meus pais, mas também tem momentos que não fui, assim, tão dedicada. Eu queria ir pra rua, queria conhecer o mundo, coisas, ir pra praia - adolescente -, ir pra cachoeira, matar aula. Era um tempo de namorar. Eram coisas que acho que estavam passando muito pela minha cabeça, assim, na adolescência, sabe?
P1 – Nessa época, você já pensava no que você ia fazer de curso superior? Já passava pela sua cabeça [a] Comunicação?
R – Não, nem um pouco. Na verdade, eu queria estudar na universidade, mas não tinha certeza se isso era uma possibilidade, se seria uma possibilidade pra mim, porque, embora a educação seja um direito, ela ainda é um privilégio num país como o nosso. E, claro, muitos outros privilégios eu sei que eu tive, né? O fato de ter mãe e pai já é um grande privilégio e isso já garante ali uma estrutura, até pra gente pensar o futuro. Só que na minha casa, se eu tivesse terminado o ensino médio e conseguido um trabalho de carteira assinada, talvez isso já estivesse ok. Assim: “Beleza, você tem um trabalho”. Fazer um curso técnico, ter uma profissão. Isso era muito importante, minha mãe sempre falou sobre isso e como era importante que eu fosse independente. E ali, ainda, eu não achava, no final do ensino médio, que a universidade era uma possibilidade pra mim. Não achava que eu poderia ir pra universidade, que era caro, tinha que fazer curso pré-vestibular e eu fui pro mercado de trabalho antes de ir pra universidade. Eu entrei na universidade, já tinha 22 anos, eu acho. Pra mim era tipo uma vitória, assim, porque também acho importante dizer que sou a primeira pessoa da minha família a ir pra universidade. Então, a universidade sempre foi uma coisa muito distante pra minha mãe, pros meus tios. Hoje, meus primos, meu irmão estão na universidade, meus primos também já foram pra universidade, mas eu acho que essa história também não é comum só a mim. Acho que tem muitas mulheres da minha geração que também são as primeiras. Mulheres e homens negros, né, que são os primeiros da sua família a irem pra uma universidade. É algo que também tem a ver com o momento do país, políticas públicas e tudo isso.
P1 – Me conta um pouco sobre essa sua entrada no mercado de trabalho. Onde você foi trabalhar? E uma curiosidade: você se lembra do que você fez com seu primeiro salário?
R - Muito boas essas perguntas, porque os meus primeiros trabalhos foram bem ligados, ali, àquele ciclo de afetividade, de família. Então, eu fui babá dos meus primos: os levava pra escola e eu chamo isso de trabalho porque, além de ser uma responsabilidade, eu ganhava dinheiro pra fazer isso. A minha tia Rita, que é uma grande amiga da minha mãe, sempre me gerava esses pequenos empregos, assim, que era cuidar dos meus primos, levá-los pra escola. Eu era mais velha, quase dez anos, então eu podia já ter essa responsabilidade. E aí, depois, eu trabalhei num “pet shop”; trabalhei como manicure durante muito tempo, porque minha mãe era manicure também por um tempo e eu aprendi a fazer unha vendo a minha mãe fazer. Então, virei manicure das minhas amigas, ali, também, já na adolescência, no final da adolescência. E comecei, entrei nesse mercado formal de trabalho sendo estagiária de uma terceirizada de Banco, na época, que nem existe mais. Meu primeiro emprego de carteira assinada que eu consegui. Na verdade, eu entrei como estagiária e depois fui efetivada, virei assistente administrativa. Meu primeiro salário, eu lembro que, nessa época, já estava muito apaixonada por essa coisa de acampar e de viajar com os amigos, de poder estar muito perto da natureza e eu, no meu primeiro salário, comprei uma barraca de “camping”, porque eu sempre quis ter uma barraca de “camping”, equipamento, saco de dormir, fogareiro, essas coisas e eu queria fazer disso, do meu salário, um investimento nesse lado, que eu pudesse, quando estivesse de férias, viajar com os meus amigos, ou no feriado. Sempre gostei muito de aventura. Meus amigos, alguns, me chamam de ‘Dora, a Aventureira’, porque eu gosto de experimentar as coisas, assim. Recentemente, inclusive, eu pulei de paraquedas, porque queria sentir essa emoção também. Então, eu gosto um pouco dessas adrenalinas, sempre gostei de fazer trilha. Enfim. Então, era meio que isso: meu primeiro salário era meio que pra pagar essas experiências, essas viagens.
P1 – E você começou a fazer… Quando você decidiu fazer o vestibular, já estava trabalhando nesse Banco?
R – Não. Eu fui trabalhar, depois do Banco, numa empresa multinacional, que fazia serviços de “courier”, Fedex, Sedex, como digitadora. Trabalhei lá e tive a oportunidade de ir pra universidade, porque a empresa pagava cinquenta por cento de determinados cursos. Tinha lá, Direito, Administração, Economia e eu já estava muito, assim, pensando: “Cara, eu preciso estudar, porque não quero fazer isso que eu faço o resto da minha vida”, queria conhecer outras coisas. Sempre tive uma curiosidade que me levou e me leva a lugares que nem imaginava que eu poderia chegar. E eu queria muito estudar, porque via que aquela situação, ali, eu não ia aguentar ficar por muito tempo. E aí, quando eu completei um ano de empresa, eu tinha direito a esse benefício, que era da empresa custear cinquenta por cento de determinados cursos e um desses cursos era Comunicação. Eu olhei pra todos esses cursos e fiquei pensando: “Cara, o que eu quero fazer, o que vou fazer?”, porque até ali eu já queria ter feito Odontologia, Engenharia Ambiental, Música, Artes Cênicas. Eu quis fazer muitas coisas, assim. E ali eu falei: “Ah, eu acho que eu vou fazer Comunicação, porque talvez é o que tem mais a ver comigo nesse momento, dentro dessas escolhas aqui”. Aí eu fui estudar numa universidade particular, onde eu me formei. Aí fiz Comunicação com ênfase em Jornalismo.
P1 – E como foi essa experiência da faculdade, pra você? O que mudou? Como foi a sua adaptação no curso?
R – Olha, a faculdade foi uma experiência muito boa, assim. Não necessariamente leve, mas muito boa, porque acho que deu, pra mim... Embora eu já estivesse trabalhando - sempre trabalhei -, fiz tudo que eu estudei, todas as épocas, eu sempre estudei trabalhando. Não quando era criança, mas depois da adolescência, tudo. E quando eu entrei na faculdade, primeiro, era a realização de um sonho, né, entrar na faculdade, gente, ______. Isso era uma coisa muito assim: eu não acreditava nisso. E eu conheci muita gente bacana na minha universidade, mas pessoas também muito diferentes de mim. Foi na universidade que eu entendi, me entendi como uma mulher negra e o que significava politicamente nesse mundo, no Brasil principalmente. Não que eu tivesse dúvidas que eu era negra ou não, que nunca foi uma dúvida, mas entender seu lugar nesse corpo político. Embora eu não usasse essas palavras ainda, nessa época, mas entender, inclusive, em ver quantas pessoas negras tinha na minha turma, na universidade como um todo. E a universidade foi esse lugar meio que deu uma estourada na minha cabeça, em relação às questões raciais e de gênero, mas também a um mundo de possibilidades, né? Nos primeiros semestres, eu amava o curso, muito, porque eu adorava, ficava muito feliz de estar aprendendo aquelas coisas. Só que, quando chegou metade do curso, que era um momento de estagiar, de começar a trabalhar na profissão, ali eu tive um outro choque de realidade. Porque eu tinha uma visão bem romântica sobre o jornalismo, eu imaginava que o jornalismo era um ofício social, acima de tudo. Embora seja, mas eu tinha essa paixão, essa coisa de: “Caramba, sou jornalista! Vou ser uma jornalista” e quando eu vou pro mercado, ali, buscar estágios, cara, era muito difícil. Eu não entendia porquê eu não conseguia entrar, assim. Hoje, eu acho que até entendo melhor. Agradeço por não ter entrado em muitas das oportunidades que eu tentei, embora tivessem outras que eu queria muito - fui até bem longe num processo seletivo pra estagiar numa grande emissora de TV -, mas várias outras vagas que eu tentava estágio eram de comunicação corporativa. Eu fazia as provas, passava e quando chegava na entrevista, nunca entrava. Fiquei muito, muito decepcionada nessa época, porque eu ficava pensando: “Gente, eu investi tanto nisso, minha mãe investe tanto”. Eu tinha uma culpa, também, da minha mãe estar investindo, porque a minha mãe pagava os outros cinquenta por cento da universidade. Até o momento, que depois, já no final, eu era do grêmio da universidade, do diretório acadêmico e tinha mais uma bolsa, por conta do diretório. Então a mensalidade ficou bem menor e eu já trabalhava, pude começar a tirar um pouco esse peso da minha mãe. Mas eu não conseguia passar nas entrevistas e nunca entendi o que acontecia. Eu lembro que uma coordenadora do curso falou: “O problema é que seu cabelo é muito cheio, assim. Você tem que fazer um jeito de usar esse cabelo diferente. E você também é muito colorida, tem que estar mais dentro de um padrão”. Eu nem entendi, naquela hora, o que ela estava dizendo, mas essa fala me marcou. Lembro que eu cheguei em casa e o meu tio ficou muito chateado, muito irritado quando eu contei isso. Ele queria ir na universidade e eu falei: “Não, deixa pra lá”. Mas foi bem difícil, assim, essa segunda virada da universidade, porque eu achava que eu não ia conseguir trabalhar na minha área, sabe? Então, veio que um misto de decepção também.
P1 – Quando você finalizou o curso, quais foram seus passos? Como foi a sua entrada no ramo, na área?
R – Então, um pouco antes de eu terminar, fiz um processo seletivo pra um projeto que estava começando aqui no Rio, que se chama Agência de Redes pra Juventude e eu passei nesse processo. Foi uma grande virada na minha vida. Isso foi em 2011. Era um projeto que estava começando e eu fui ser estagiária de cultura digital. E era um momento também, que eu acho importante dizer, que era onde essas tecnologias de comunicação digital começavam a ficar mais populares: a internet, o próprio celular, “smartphone”. Então, era uma coisa muito nova, tudo aquilo. Eu, muito curiosa, fiz esse processo seletivo, e esse era um projeto que trabalhava com projetos de jovens de algumas favelas do Rio de Janeiro. Virei instrutora de alguns jovens que passaram por esse projeto, no campo da cultura digital. E ali, cara, eu entrei pro mundo das organizações sociais e fui entender o que eu ia fazer com a Comunicação, né? Porque me formei, ia me formar, então foi um pouco antes de eu me formar. Na sequência desse trabalho, eu comecei a estagiar no Observatório de Favelas, que é uma organização social aqui no Rio de Janeiro também, que fica na Maré, que é um lugar super importante na minha trajetória. Eu aprendi muita coisa. Fiquei trabalhando lá por cinco anos, me formei trabalhando lá. Virei jornalista “trainee”, saí de lá como jornalista plena. Mas foi um lugar que eu trabalhei com muita pesquisa, fiz muita pesquisa sobre comunicação, direito à cidade, direito à comunicação, justiça racial e acho que lá também é um lugar que começa a moldar um pouco. Isso, eu estou falando de dez anos atrás. E as coisas nunca são em vão, a gente às vezes não sabe o que está fazendo em determinados lugares, porque está aprendendo isso. Como eu falei no ensino fundamental e médio: “Por que eu tenho que aprender raiz quadrada?”, né? Tudo isso é importante, porque faz parte da sua bagagem. Hoje, eu acredito que o trabalho que eu faço, essa semente eu plantei há dez anos, que foi quando tive essa oportunidade de trabalhar na Agência de Redes pra Juventude e no Observatório de Favelas.
P1 – Me conta como você encarou isso. Você falou que, quando estava tentando fazer estágios, a maioria das vagas, das entrevistas eram pra comunicação corporativa. E quando você, de fato, entrou, [foi] em algo muito mais social, uma outra - completamente diferente - vertente. Como você se sentiu com isso?
R – Acho que foi uma realização, um “match” ali entre um desejo que eu tinha, porque não sei nem te dizer. Acho que talvez seja coisa que não é explicada, assim, com palavras, mas pensando em missão de vida, o porquê que eu sempre tive essa coisa de querer trabalhar com questões sociais. Eu nem sabia qual era o nome disso, não era uma ativista dos Direitos Humanos, mas era uma pessoa que sempre me tocou, isso, e eu acreditava que a Comunicação devia ser pra isso também. Principalmente pra isso, pra transformar a sociedade de uma forma positiva. Então, quando eu entro nesse universo das organizações, pra mim é uma realização, que eu fiquei pensando: “Cara, então eu sei o que vou fazer com tudo isso que aprendi, nesses anos de universidade”, sabe? Que eu estava vindo de um processo muito de decepção, de pensar: “O que eu fiz? Eu podia, sei lá, ter feito outra coisa, que talvez me garantisse um emprego”, porque também tinha muito isso, né? Não era só ir pra universidade. Ir pra universidade era a garantia de um futuro profissional. Então, todo aquele investimento que a minha mãe fez, que eu fiz, também tinha muito essa ideia de retorno, né? Você precisa retornar, de alguma forma. E essa coisa de não conseguir um trabalho, me frustrava muito. Então, acho que conhecer, chegar nesse lugar foi uma realização não só no campo profissional, mas também em relação a minha autoestima, porque acho que durante muito tempo eu ficava achando que tinha algum problema, que era comigo. “Ou eu sou muito burra, ou não sei o que está acontecendo, porque eu não consigo trabalho”, sabe?
P1 – E quanto tempo você passou no Observatório das Favelas?
R – Eu trabalhei no Observatório por cinco anos, quase. Eu trabalhei lá do começo de 2011 até o final de 2015, e é uma organização que eu tenho muito carinho, principalmente pelas pessoas que eu conheci lá e o tanto que eu aprendi. Lá, eu acho que, de fato, me formei enquanto uma pessoa, um indivíduo que consegue fazer leituras críticas também, sobre o mundo. O Observatório foi uma casa, uma escola, uma (mãe?) durante muito tempo. E os meus amigos, meus grandes amigos hoje, tirando os meus amigos de infância, são amigos que eu fiz nessa fase. Meus amigos pessoais hoje, a minha galera, é muito que eu conheci ali na Maré. Então, foi uma experiência muito enriquecedora. Sempre que eu posso, trago pra fazer algum trabalho junto, enfim, que eu faço parte dessa rede.
P1 – Qual foi seu próximo passo?
R- Trabalhando no Observatório, eu sempre fui uma pessoa que gosto de gente, né? Como eu falei. Então, sempre me envolvi com muitas pessoas, troquei, aprendi. E esse trabalho que eu fiz antes, na Agência de Redes pra Juventude e no Observatório, me possibilitou conhecer muita gente, na cidade e fora da cidade. Projetos, iniciativas. Era um momento diferente do Brasil - eu acho que é importante dizer isso - e era um momento diferente, também, na cidade do Rio de Janeiro. Um momento que antecedeu os megaeventos, então a cidade estava em ebulição: tinha muito investimento em projetos sociais; então tinha muita coisa acontecendo na cidade, ao mesmo tempo. E eu tive a sorte de ter parceiros muito incríveis, que eu conheci na Agência de Redes e que são meus amigos pra vida, que é a Yasmin Thayná e o Bruno F. Duarte. E a Yasmin criou um projeto, um filme, chamado “Kbela”, que é um filme que fala sobre ser mulher e tornar-se negra. Um filme que está até na internet hoje em dia, mas “Kbela” é de 2015, fez muito sucesso, ganhou prêmio e nasce muito a partir dessas redes de afetos. Aí a Yasmin dirigiu “Kbela”, chamou Bruno e eu pra fazermos a comunicação. Foi a primeira vez que eu experimentei fazer uma comunicação que tivesse a nossa cara, assim: não era uma comunicação institucional, como os outros trabalhos que eu estava fazendo e a gente pôde pirar um pouco nessa criação. Fez muito sucesso esse trabalho, né? Eu acabei sendo reconhecida por algumas pessoas, por esse trabalho de comunicação do “Kbela” e, nessa época, eu trabalhava. O “Kbela” era um trabalho voluntário, mas eu trabalhava no Observatório e fui desenvolvendo e pensando projetos. Acabou que eu me envolvi com muitas ações que tinham a ver com cultura, com arte, com tecnologia e com comunicação, nesse período. No ano seguinte, a Yasmin criou a Afroflix, que é uma plataforma que é meio que um ‘hackeio’ da Netflix, que disponibiliza filmes que tenham pelo menos uma pessoa negra como realizadora e eu fui trabalhar no Olabi, no final de 2015. Mas, antes de trabalhar no Olabi... O Olabi nasceu em 2014, criado pela Gabriela Agustini, que é minha parceira hoje, minha sócia, com que eu dirijo, faço essa direção da organização e a gente se conheceu em 2014. Tinha uma oficina que era de programação pras mulheres e que eu tinha muita vontade de participar, porque já tinha vontade de entender um pouco sobre programação, embora eu não seja uma programadora, mas eu queria entender se era capaz de entender sobre isso. E aí, quando eu conheci a Gabi, ela me chamou pra fazer essa oficina aqui no Rio, falou: “Por que a gente não faz uma edição da RodAda Hacker no Rio?”. E é uma metodologia aberta, qualquer pessoa pode fazer. Eu trabalhava no Observatório e a Gabi tinha acabado de criar o Olabi, a gente fez essa edição da RodAda Hacker, eu ajudei a produzir, a realizar, mas também participei da oficina e a minha instrutora, a Stefania Paola, topou continuar me dando aula de programação. Daí eu aprendi um pouquinho sobre linguagem de programação e, no ano seguinte, a Gabi me chamou pra trabalhar no Olabi como formadora de comunicação, era meio que Relações Públicas ali. E aí, mais uma vez, a gente nunca sabe quando a gente conta a história da gente, parece que tudo é linear: aconteceu isso, encaixou com aquilo. Eu acho bonito esse exercício de se narrar, porque também é importante lembrar das coisas, né? E acho que mais uma vez a minha vida dá um salto - assim como foi entrar na universidade, ir trabalhar no Observatório de Favelas, no Rio e na Agência de Redes pra Juventude – quando eu participo dessa RodAda Hacker, né, que é me levar um pouco pra esse mundo que eu estou mais, hoje. Que é de entender ali o que são essas novas tecnologias e como a gente é afetado por elas. E, no ano seguinte, a Gabi me chama pra trabalhar no Olabi, ali, no final de 2015. Em 2016, eu assumo esse trabalho, ainda um pouco perdida nesse lugar, mas tentando entender cada vez mais porque eu tinha que estar ali, o que aquilo ali tinha a ver também com tudo que eu tinha acumulado em relação a questão dos direitos humanos, às causas sociais, de justiça social, acima de tudo.
P1 – Em que momento surgiu o PretaLab?
R – Legal. O PretaLab! Eu cheguei pra trabalhar no Olabi em 2015, né, no final de 2015. E durante o ano de 2016, eu trabalhei fazendo muitas salas em eventos, que o Olabi era convidado, pra falar um pouco sobre cultura “maker”. Isso porque o Olabi nasce nesse contexto de cultura “maker”, de pensar o que é isso a partir do Brasil, a partir do ___ global e o que a diversidade na produção das tecnologias pode impactar. Durante esse ano, de 2016, eu circulei muito em eventos de inovação, de tecnologia e, geralmente, eu era a única mulher negra nesses destaques e como “speaker”, era a única, mesmo, assim. Até, muitas vezes, a única mulher. E comecei a pensar que eu queria criar alguma coisa que pudesse estimular outras mulheres negras também, nesse campo. Porque eu sempre duvidei que não existissem outras. Eu falava: “Cadê as mulheres negras, aqui? Por que esses eventos são, sempre, só de homens brancos? Cadê as mulheres negras? Por que elas não estão aqui?”. Eu já estava muito influenciada também por um movimento que eu via crescer em São Paulo, que era uma discussão muito forte de gênero e tecnologia, que eu considero, obviamente, muito importante, mas sempre me incomodou a gente não discutir isso, de uma forma interseccional. Como a gente também traz as mulheres negras pra essa discussão, pensando aí que o guarda-chuva de ser mulher é muito diverso e muito amplo. Então, em 2016, eu começo a perceber isso e gera, né, essa vontade enorme de querer pensar e discutir tecnologia e inovação com outras mulheres negras também. Aí, em 2017, em março, a gente lança a PretaLab. É importante dizer que, na verdade, ela é um projeto do Olabi, dentro de vários outros que a gente cria, mas esse é um projeto que trabalha pra um público bem específico, que são as mulheres negras que fazem parte desse universo da tecnologia, hoje, no Brasil. Tem meninas [de] fora do Brasil também. Mas essa ideia de criar um espaço, uma conexão, uma forma de se encontrar e saber o que a outra está fazendo, de como era importante também trazer essa discussão racial pro universo das tecnologias. Assim surgiu o PretaLab, em 2017, em março a gente lança a PretaLab com duas iniciativas: uma que é um mapeamento, pra tentar entender quem são as mulheres, quantas são, o que elas fazem, mulheres negras que fazem parte, criam tecnologia no Brasil, porque pesquisas, assim, oficiais, até hoje não existem; a gente queria estimular ali uma geração de dados também sobre esse assunto, porque, se não tem dado sobre um assunto, é como se aquilo ali não fosse um problema. Então, também trazer um pouco essa discussão, pra esse universo da tecnologia que, em geral, se descola muito das questões sociais. Então, a PretaLab nasce assim: primeiro com essa iniciativa de mapear as mulheres. Até hoje a gente faz isso, mas hoje com uma plataforma, bonitinha, então qualquer mulher negra que se considere parte da tecnologia pode preencher o nosso formulário e se cadastrar, entrar pra nossa rede. E também, naquele mesmo ano, a gente fez uma série de vídeos pra inspirar outras mulheres também, nessa discussão. A gente convidou nove mulheres que já têm um trabalho relevante na área, pra compartilhar com a gente, ali, um pouco do seu trabalho, um pouco da sua visão de mundo e um pouco da importância de ter mais mulheres negras nas tecnologias. E aí o projeto virou um sucesso, assim. Pelo menos nas nossas bolhas, o projeto começou a crescer bastante e a ganhar uma importância, trazendo uma importância sobre esse tema. Porque eu acho que isso tudo é muito recente ainda, né? Por mais que o projeto já tenha quatro anos.
P1 – Você acha que o projeto foi crescendo aos poucos? Que iniciativas vocês têm tomado, desde esse início? Como você avalia o sucesso, no sentido de continuar se expandindo, pensando essa questão da mulher negra na área da tecnologia?
R – Eu acho que o projeto cresceu muito. Assim, claro que a gente quer crescer muito mais, mas o projeto acabou sendo sucesso, eu acho, principalmente porque as outras mulheres negras abraçaram essa ideia. E acho que é isso que faz também eu me sentir muito satisfeita no âmbito pessoal, por fazer algo que, de fato, tenha sentido pra outras pessoas. Não por uma questão de arrogância, tem que fazer sentido pra outras pessoas, mas é questão que é uma coisa que é coletiva. A PretaLab, as pessoas entendem muito bem o que a gente faz, porque a gente faz muita coisa diferente. Porque, na verdade, a PretaLab é um projeto-causa, sobre a importância, a pertinência, a urgência do protagonismo das mulheres negras no campo da tecnologia. Então, pra isso, a gente cria várias ações. Tem uma parte que é muito focada em educação, que é onde tem os nossos núcleos formativos, inclusive está com chamada aberta agora. A gente tem uma parte que é de conexão, são vagas de emprego pra mulheres que querem ingressar no mercado formal de tecnologia. A gente tem uma outra vertente, que é um braço de dialogar aí com empresas e com organizações sociais que querem construir diversidade da porta pra dentro: como a gente cria ou colabora pra construir ambientes que realmente possam abraçar essa diversidade. Porque eu acho que, acima de tudo, diversidade é sobre mudança de cultura, é mudança de “mindset”. Então, não é sobre uma consultoria pontual, uma coisa pontual. A gente está falando de um processo. Então, também, não vamos resolver em um ano, em um mês, um processo de mais de quinhentos anos de exclusão, mas a gente precisa começar por algum lugar. E acho que é muito o trabalho que a Preta Lab faz hoje, embora seja um trabalho muito pulverizado, em muitas ações. A gente é uma rede, tem uma plataforma onde as mulheres negras podem se cadastrar, onde a gente disponibiliza ali bolsa pra curso, conexão com empresas, mentorias, enfim. Tudo que é possível pra colaborar com a carreira dessas mulheres, não só com a carreira delas enquanto profissional, mas também acho que com o fortalecimento emocional. A gente estar em rede é muito importante por isso também, porque é muito ruim você olhar pro lado e ver que você é a única pessoa daquele espaço que tem essas características: que é uma mulher, ou que é uma pessoa negra, que é uma pessoa Lgbtqia+. Então, acho que trabalhar também essa dimensão, que é um pouco mais subjetiva, mas é de pertencimento, de autoestima, é muito importante e a gente faz isso também. PretaLab nasce com algumas ações e vai se desdobrando em várias outras. Então, pode ser que também, no ano que vem, a gente invente outras coisas. Hoje, a gente também tem um “podcast”, que chama de PretaPod(e), que é um lugar onde a gente entrevista as mulheres que são referências pra gente. Enfim, tudo que é ação pra positivar, trazer luz pra essas questões, a gente pode fazer. Então, é bem esse trabalho que, basicamente, que olha pro coletivo, pra uma transformação aí, de mudança de “mindset”.
P1 – E você sente que, apesar de haver um crescimento, ainda que a questão de gênero e também de raça impede as mulheres de entrar na área de tecnologia?
R – Com certeza. Eu acho que isso ainda é uma questão. Que bom que a gente tem falado mais sobre isso! Mas só falar não vai resolver os nossos problemas. A gente precisa agir, né? E agir, também, às vezes, a gente não sabe muito por onde a gente começa, porque é o que eu sempre falo: a gente não vai conseguir, em um mês, reduzir, resolver, na verdade, um problema que tem mais de quinhentos anos. A gente precisa ter essa consciência, eu acho. Porque é tudo pra ontem, mas pra ontem tem que começar em algum momento, né? E esse momento é agora. Então, acho que a gente ainda tem muitos desafios, porque é uma discussão que a gente está começando a fazer agora, isso ainda é muito nichado, isso ainda está muito dentro de bolhas. Isso precisa ser um pacto social, a redução dessa desigualdade por conta de gênero e raça tem que ser um pacto que a gente tem que fazer enquanto sociedade. Não é sobre mulheres, sobre as pessoas negras: é todo mundo. É um problema de todo mundo. Então, acho que a gente tem discutido mais isso, tem sido mais olhado e acho que isso é muito importante. Esse é o primeiro passo, inclusive, pra gente começar a desconstruir, solucionar, resolver esses problemas, mas acho que a gente ainda precisa... Tem um longo caminho aí, uma grande jornada pra, de fato, sei lá, vivermos numa sociedade que tenha algum tipo de equidade, olhando pro campo das tecnologias, em especial, mas eu acho que não só, pensando aí a sociedade como um todo e nos mercados de trabalho.
P1 – Conta um pouco sobre o seu mestrado: de onde veio a ideia, como isso começou.
R – Legal. O meu mestrado, eu entrei em 2014, fiz na universidade federal aqui em Niterói, no estado do Rio. Eu estava muito mobilizada pela jornada de 2013, aquele momento que o Brasil estava vivendo, de manifestações e ocupação das ruas e eu quis fazer uma pesquisa sobre o que estava em disputa, o que a gente estava disputando nas ruas, por meio da arte, das culturas e desses coletivos, que eram meio um misto de movimento cultural, social, mas também um movimento artístico. Então, eu fui pro mestrado com essa ideia, de pesquisar os coletivos de arte e de cultura que ocupavam as ruas do Centro do Rio de Janeiro, disputando também algum tipo de territorialidade e subjetividade sobre esses espaços. Eu lembro que estudei um coletivo específico, que foi o Coletivo Peneira, que realizava um Sarau do Escritório numa esquina, aqui, na Lapa, uma vez por mês. E eu lembro que um meu interlocutor no grupo, no coletivo, sempre falava: “A gente quer disputar a Lapa com a Ambev também. Não queremos que seja só propaganda de cerveja que tenha na Lapa. Então, a gente usa esse espaço pra ser um palco também pra outras manifestações artísticas e culturais”. Então, no mestrado, eu pesquisei muito essa ocupação do espaço urbano, por esses coletivos artísticos, que eram, ora, também, híbridos: um tanto arte, um tanto cultura, um tanto movimento social. E era isso que eu queria entender: o que significava aquilo ali? O que a gente, na verdade, estava disputando em termos de espaço urbano, de rua, de ocupação? Que vozes eram aquelas? O que aquilo ali, aquelas vozes queriam dizer? Então, foi muito um mestrado, como era interdisciplinar, eu bebi muito ali na Arquitetura, na Sociologia, na Antropologia, pra criar essa dissertação de mestrado, que foi quase um parto, porque eu tinha quatro trabalhos na época e a dissertação de mestrado. Então, foi bem, um momento muito desafiador, assim, da minha vida também. Embora dissertação, teses, TCCs sejam polifonias, porque a gente nunca fala sozinho, é um trabalho muito solitário. Era essa a minha dificuldade. Eu sempre fui do coletivo, gostar da multidão, ficar aglomerada: na hora de sentar a bundinha pra escrever, ai, aí era desafiador. Porque tinha essa coisa também, muito trabalho, tinha quatro trabalhos na época: dois voluntários, que eram reais também, e dois remunerados. Então eu me dividi ali entre cinco coisas muito importantes da vida, que eram os trabalhos e o mestrado.
P1 – Como você acha que a sua atuação profissional influenciou seu mestrado e vice-versa?
R – Acho que a minha atuação profissional influenciou meu mestrado em tudo. Eu estava trabalhando no Observatório de Favelas quando eu entrei no mestrado, e o Observatório é uma organização criada, assim, pelo que eles chamavam de intelectuais da periferia. Então, tinha muito essa coisa de estimular à pesquisa, ao estudo formal, acadêmico, entrar no mestrado, fazer um doutorado e, como eu fazia muita pesquisa no Observatório, embora trabalhasse na comunicação institucional, né, trabalhando essa coisa de toda a comunicação da organização, seja internamente, seja externamente, também tinha uma camada do nosso trabalho, que era de pesquisa. Então, isso também, trabalhar no Observatório, ter feito essas pesquisas, me deu essa vontade de ser uma pesquisadora, de investigar esses fenômenos urbanos, que é uma coisa que me interessa muito até hoje. Embora meu mestrado não tenha a ver com o que eu trabalho hoje, com o que eu pesquiso hoje, mas sem dúvida ele também me deu bagagem pra o que eu faço atualmente. Acho que essa relação com a cidade, conhecer muita gente, entender as cenas da cidade, as redes da cidade, foi determinante também pro desdobramento que a minha carreira teve na sequência.
P1 – Quais são suas atividades atuais?
R – Atualmente, eu sou codiretora executiva do Olabi, que é essa organização social que trabalha pela missão de democratizar as tecnologias e aí, isso, o que significa, né, ser diretora executiva de uma organização? Mas, é basicamente criar, implementar e desenvolver as estratégias ali, pra cumprir com a missão da organização. Então a gente analisa projetos, desenvolve projetos pra variados públicos, desde questões mais educacionais, de aprendizagem, também pesquisas, articulações em rede, enfim. É um trabalho muito extenso, mas também [é] muito gratificante o trabalho que eu realizo no Olabi, porque me sinto como se, de alguma forma, tivesse ganhado na Mega Sena, não porque eu ganho muito dinheiro, mas porque trabalho e ganho dinheiro fazendo uma coisa que eu gosto, que acredito, embora seja um desafio, uma luta, mas tem um poema do poeta Sérgio Vaz, que eu sempre me lembro, que é: “Não confunda briga com luta, porque briga tem hora pra acabar, luta não tem hora pra acabar”. E é isso: acho que eu consegui, de alguma forma, colocar aí no mesmo pilar propósito: trabalho, desejo e brilho no olho. Então, isso é uma coisa que me faz sentir muito realizada no campo do trabalho. Além do Olabi, hoje, eu também dirigi um documentário com meu parceiro, Bruno F. Duarte, que se chama “Quadro Negro”. Inclusive, abriu o festival do Rio de Janeiro, aqui, esse ano, o festival de cinema, que é um documentário sobre a trajetória dos estudantes negros na universidade. Se chama “Quadro Negro”. E eu acho que eu sou uma experimentadora. Então, eu tenho meu trabalho formal, que é dirigir uma organização e isso é muita coisa, mas também gosto de experimentar outras linguagens, nessa ideia de narrativa e memória, que eu falei. Então, fiz o documentário, a gente tem “podcasts” que eu apresento também - gosto de experimentar essas linguagens - e trabalho muito no campo da educação, desenvolvendo metodologia, formando outras mulheres negras em tecnologia, faço pesquisa nas universidades. Então, na verdade, o meu dia é bem... Meu cotidiano é muito tomado por essas ações, mas que também me fazem me sentir muito realizada, sabe, em algum lugar da minha vida, no meu íntimo.
P1 – Indo pro último bloco de perguntas: quais são as coisas mais importantes pra você, hoje em dia?
R – Boa pergunta! As coisas mais importantes pra mim, hoje em dia? Talvez a saúde, a minha e a da minha mãe; acho que essas são as coisas mais importantes. Do meu irmão, dos meus amigos, das amigas. Acho que essa pandemia também traz muito uma noção de como a gente se cuida, do quanto a gente não se cuida também. Então, acho que talvez a coisa mais importante pra mim, hoje, assim, é a saúde. E aí eu não estou falando de um campo da saúde, estou pensando em saúde de uma forma ampla, que vai desde a saúde física à saúde mental. Então, acho que quando a gente não está saudável em algum desses campos, não está bem. E eu acho que a gente, enquanto sociedade, não está saudável já faz um tempo, [desde] antes da pandemia. Mas acho também que esse momento é o momento que a gente pode fazer novos pactos: desaprender algumas coisas, aprender outras, entender como a gente pode caminhar melhor. Acho que tudo passa pela questão da saúde.
P1 – Quais são os seus sonhos pro futuro?
R – Muitos sonhos. (risos) Eu sonho muito. Mas o meu maior sonho pro futuro é que essas desigualdades que a gente vive hoje: sociais [e] raciais, não existam mais. Talvez seja um sonho muito utópico, mas esse é o meu grande sonho pro futuro. Talvez a gente não veja essas transformações, mas acredito que a gente precisa plantar mais sementes, do que quebrar galhos. Então, eu acho que a gente está fazendo isso, de alguma forma. Isso já tem sido feito, há alguns anos. Eu acho que, de alguma forma, a gente também lida com muitos desafios no contexto que a gente está vivendo hoje, talvez a maior comorbidade é essa: ser brasileiro, de estar no Brasil num momento como esse, mas também eu uso o otimismo como ferramenta e não como estado de espírito. E acho que otimismo é ter esperança, é poder sonhar. Então, meu grande sonho, de fato, é um sonho com um país que seja menos desigual, onde a gente tenha mais oportunidades pra todo mundo. Onde a gente não tenha que entrar, tá numa situação onde a gente possa, de fato, viver a nossa plenitude no mais bonito que ela tem, que é a nossa diversidade. Talvez esse seja meu maior sonho. E o mais ousado, também, né?
P1 – E a última pergunta, então: como foi você contar a história da sua vida pra gente, hoje?
R – (risos) Foi interessante, porque acho que é isso, toda vez que a gente conta a nossa história, sempre a enquadra de uma forma linear: o que aconteceu, o que a gente também não conta. E é sempre bom poder rever a minha história de vida, falando-a, colocando-a pra fora e tendo uma linguagem pra expressá-la, porque acho que também me dá uma autoestima, talvez, uma segurança de pensar: “Caramba, já fiz tanta coisa, né? E estou aqui ainda, fazendo um monte de coisa”. E, muitas vezes, a gente está na correria do dia a dia e não percebe isso, não lembra como a gente chegou e quais foram as escolhas que nos trouxeram até aqui. Então, acho que contar a minha história pra vocês hoje me fez me conectar um pouco com outras Silvanas que eu já fui, em primeiro lugar; e em segundo, reconhecer também um pouco dessa jornada, que é a vida, que é a minha vida, que todo mundo tem a sua, mas que a gente não está o tempo todo lembrando dessas nuances: o que foi determinante. E é claro que às vezes a gente precisa de um tempo, até pra poder refletir sobre aqueles acontecimentos das nossas vidas, que às vezes também não são só os melhores, os mais belos, mas também os mais desafiadores. Acho que contar hoje a minha história pra vocês me conectou com isso, com essas Silvanas que eu fui e que eu sou, mas também me faz reconhecer a minha caminhada, assim, e eu sei que também ainda tem muita coisa pra fazer pela frente porque, como eu sempre falo: “O problema que eu quero resolver é muito grande e eu não vou fazer isso sozinha. Que bom que eu tenho aliados, amigos, família, enfim, pessoas, meu time que eu trabalho e que também querem resolver esse grande problema que a gente tem, que é a questão da desigualdade”. Então, trabalhar com justiça social, entender também um pouco da minha caminhada, o quanto isso já estava ali há muitos anos, acho que foi o que eu disse no início: muitas vezes nem sabia qual era o nome daquilo, mas já estava ali esse desejo de trabalhar pra um mundo mais socialmente justo. Então, contar essa história também me localiza nesse tempo.
P1 – Eu agradeço muito, Silvana, sua participação, seu depoimento. Em nome do Museu da Pessoa, muito obrigado!
R – Eu que agradeço, gente, essa oportunidade, a escuta e o prazer de trocar essa ideia com vocês!
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