Memórias dos Brasileiros
Depoimentos de Odaísa de Pontes Galvão
Entrevistado por Júlia Basso e Winny Choe
Piaçabuçu, 07/10/2007
Realização Museu da Pessoa
MB_HV062
Transcrito por Luany Promenzio
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Odaísa, pra começar eu gostaria que você me dissesse seu nome completo, o local e a cidade do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Odaísa de Pontes Galvão. Nasci em Mamanguape, que pertence ao Município de João Pessoa, não é? E a idade também? 25 de outubro de 1945.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Minha mãe é Maria Alexandrina de Pontes, meu pai é Sebastião Rodrigues de Pontes.
P/1 – E eles nasceram em Mamanguape também?
R – Nasceram em Mamanguape, são todos de lá.
P/1 – Você morou em Mamanguape até quando?
R – Até os 15 anos.
P/1 – E como era sua infância lá em Mamanguape?
R – A minha infância era trabalhar de agricultura, fazendo louça de barro. Eu era uma menina muito... Tudo que eu via aprendia. Depois dos 15 anos, eu fui para o Rio de Janeiro, continuei a estudar e a trabalhar. Lá eu casei em 1975. 21,12 de dezembro de 1975 e tive 3 filhos: Rodrigues, Roberlande, Robeneide e pronto. Eu continuei, conhece o alto de Boi de reis e hoje eu trabalho com alto de Boi de reis até morrer.
P/1 – E você têm irmãos?
R – Tenho, tenho irmão. Josefa Rodrigues de Pontes, Antônio Rodrigues de Pontes, tem Mirian Rodrigues de Pontes e Ermilio Rodrigues de Pontes.
P/1 – E seus irmãos também faziam louça de barro?
R – Não. Só quem fazia louça de barro era eu.
P/1 – E como você aprendeu?
R – E aprendi amassando barro com uma (loceira?). Ela me chamou, eu era pequenina. Ela disse: “Vem amassar o barro pra mim?” Depois eu estava vendo ela fazendo as louças. Eu amassava e fazia o bolinho e nesse bolinho eu fui aprendendo a fazer e eu fazia às vezes melhor do que ela. Eu gostaria muito de fazer as coisas, aprender a flor, a bordar, a costurar, mas minha mãe não queria que eu costurasse. Minha mãe saía de casa, ela escondia a lançadeira da máquina pra eu não costurar. Mas ____ revirava colchão, revirava tudo e achava pra fazer as bruxinhas, que eu fazia bruxinha também e fazia roupinha na máquina. Tinha que fazer as bruxinhas que hoje tem muitas bruxinhas. E eu fazia aquelas bruxinhas, ficava na minha calada. Ela dizia assim: “Teve gente que mexeu aqui na minha máquina que a lançadeira está toda fofada. Eu dizia: “Eu não sei. A senhora não escondeu a lançadeira?” Ela dizia: “Escondi, mas acho que teve gente que achou”. Eu achava mesmo e fazia.
P/1 – Com quantos anos isso?
R – Eu tinha de oito pra dez anos. Eu gostava de costurar e hoje eu tenho minha profissão como costureira, eu gosto de máquina. As minhas máquinas sempre estão ligadas em casa, que numa hora chega um e diz assim: “Corta a bainha da minha calça, bota um feixe”. Eu vou. Vou pra máquina. Fica toda vida no canto, exclusivamente armada e ligada que é pra eu não ter mais o trabalho de ligar.
P/1 - E sua casa lá em Mamanguape. Onde você fazia essa costura da bruxinha?
R – Ah, aquela casa lá a mãe vendeu e eu, depois que meu pai ficou muito velho, não pôde mais trabalhar. Eu trouxe toda a família pra Natal. Eles moram tudo em Natal. Meu pai morreu, ficou minha vó, hoje minha mãe tem 80 anos mas é forte ainda, anda pra todo canto e isso que é um prazer grande ela ser viva. É isso.
P/1 – E essa casa tinha quintal?
R – Tinha. Um terreno grande, um sítio . Era um sítio grande. Tinha laranjeira, coqueiro, bananeira, e tinha meu forninho pra eu cozinhar minhas louça.O principal era o forno da louça. Era isso.
P/1 – E você brincava bastante no quintal?
R – Brincava. A gente brincava de roda, de coco, de sambar. Brincava com as amigas. Na noite que era pra cozinhar as louças, aquilo era tudo gente solteira, fazia uma festa. Aí que (danava o pau?) brincar, cantar coco, ciranda. Então, isso era um divertimento pra gente, porque no interior a gente não tinha outro divertimento. Era dançar coco e brincar com os amigos. Naquele tempo era um tempo que tinha sinceridade. A gente podia soltar uma moça junto com os rapazes. Tudo se misturava. Não tinha aquela malícia que tem hoje. Hoje a gente pode soltar uma menina de dez anos com outro rapaz. Vai acontecer algos que não dá certo. E minha mãe deixava a gente brincar, até quando a gente se abusasse, cada um ia pra sua casa e a gente ficava brincando de ciranda, coco e as panelas lá, as tigelas tudo assando lá no fogo (risos).Quando amanhecia o dia que estava frio a gente, ia desenfornar do forno.
P/1 – E quais frutas que você gostava de comer lá do seu quintal?
R – Lá tinha jaca, coco, muito coco. Jaca, coco, caju, aquela graviola. Era isso que tinha.
P/1 – E qual você gostava mais?
R – De jaca (risos). É.
P/1 – Como você comia a jaca?
R – Era abrir, tirar o ____ e botar na boca. (risos)
P/1 – E sua mãe? Como você lembra dela nessa época?
R – Ah, minha mãe era uma mãe muito trabalhadeira. Fazia muitas flores. Ela construía muita flor. Eu aprendi muito com ela, fazer flor, fazer cocada, fazer “ciquio”. Ela fazia cocada, "ciquio", bolo preto, pra vender nas festas que havia lá. Às vezes tinha boi de reis, tinha (lapinha?), que nessa época era boi de reis e lapinha que tinha lá. Então, eu ia mais ela com candeeirinho de... Não tinha luz. Com o candeeirinho na mão, ajudando ela com balaio de cocada, balaio de bolo. E a gente sobrevivia sobre isso também. Agricultura e as vendas que ela fazia. Fazia grinalda pra anjo, fazia arranjo de “broquê”, de “boquê”, ____que o povo como dizia “boquê” de flor que era para as noivas casarem. Falava que era arranjo de flor. Tudo isso eu aprendi com ela. De tudo eu sei um pouquinho.
P/1 – Qual que era as flores que ela cuidava?
R – Ela fazia, cortava de pano, tanto ela fazia de pano, como ela cortava de papel. De primeiro que existia o papel de flor, esse era o papel crepom e hoje existe várias quantidades de papel pra gente trabalhar com flor.Trabalha com meia, trabalha com (gofada?), “fro” gofada. Era isso.
P/1 – E seu pai? Como você se lembra do seu pai?
R – Meu pai é um bom pai, trabalhava, fazia feira. Na agricultura. Fazia carvão. Ele era “caivoiro”. Às vezes ele não tinha, eu era mais velha. Aí não tinha um menino homem pra ir com ele, eu saía com ele também, ajudava ele fazer o carvão, às vezes desenfornava, ensaca, tudo isso.
P/2 – Você foi à escola?
R – Eu fui à escola, sim. Minha mãe brigava muito com meu pai, porque ele não queria que eu estudasse, queria que eu só vivesse com ele trabalhando diretamente. Minha mãe tirava uma horinha escondido dele e pagava uma professora pra me ensinar. E eu era de primeira classe, eu gostava de estudar, gostava de ler, até hoje. Ele dizia assim: “Pra onde foi Odaisinha?” Que ele me chama de Odaisinha. E mãe disse: “Ela foi ali na casa de um...“ De Rita, que morava assim na vizinhança perto que era as irmãs dela. Mentira. Eu estava na escola bem bom. Quando eu chegava de tarde, a minha mãe já pagava outra escola, de noite. Eu era ___, quinhentos réis nessa época pra eu aprender. Chegava lá eu estudava, estudava à noite, e vinha embora. Às vezes eu não tomava nem banho. Chinelinho nos pés, que nesse tempo chamava chinela pega bode. Eu botava a "chinelinha" nos pés e saía "desconfiadinha" por ali com o caderno escondido e mandava. Aí ele ficava. Ele gostava de cantar coco. Às vezes ele ficava lá na calçada só catando coco e eu lá na escola. Ele ficava... lá. Às vezes ele saía, mãe dava graças a Deus. Ele saía não prestava nem atenção onde nós estávamos. Mas assim eu fui crescendo, crescendo, quando fiz meus 15 anos, eu disse: ”Meu Deus, todo mundo tem um gosto de ter as coisas e eu não tenho nada”. Ele não gostava de comprar roupa pra mim, não gostava de ajudar, e eu fui trabalhar pra motor de (agave?). Eu disse: “Mãe, vou trabalhar pro motor de agave”. Agave não sei nem se vocês sabem. Aqui tem aqueles pés de agave ali, mas é diferente o agave, de puxar no motor. Eu cortava. Então eu fui cortar dentro daqueles campo de agave, não tinha fim. Era muita gente cortando. Lembro que nessa época cortava 120 quilos por dia. Então 120 quilos por dia dava 1,20__ eu me lembro. Aquilo era dividido. Eu cortava, a metade era minha, a metade era de quem carregava, Colocava lá nos metros, na metragem, né, pro motor puxar. Quando era de tarde: “Esse aqui é de Odaísa Fulano de tal”. Puxava e dizia: “Deu 120”. Eu cortava 120 quilo por dia. Eu ganhava 1,20. É pronto. Na semana todinha, eu fazia metade, se desse 600 mil réis, era 300 de um, 300 de outro. Ah, aquilo era um dinheirão pra gente. Era dinheiro demais. Eu toda vida fui muito disposta, também puxava ele, quando não encontrava o motor que vinha de fora pra puxar ali o motor. Eu tinha uma máquina que era uns pesos, máquina de peso, se colocava dois pesos, abria a boca, enfiava o agave e puxava. Nisso eu puxava cinco quilos por dia. Colocava lá, às vezes eu lavava, as mãos todas cortadas do agave, que o agave corta muito. Toda cortada, toda sangrenta, mas assim a gente queria ganhar dinheiro, nem sentia dor que o agave corta. Lavava, botava no estaleiro pra secar, quando era no fim de semana tinha 20, tinha 25 quilos e seu eu vendia também ____ dinheiro pra se manter. Eu só não queria estar sem dinheiro. O dinheiro era o principal pra mim.
P/2 – O que é esse agave? Ele serve pra quê?
R – Ele serve pra muita coisa, pra corda. É o agave de corda, que faz corda. Ele é um tipo assim agave, mas esse aí é um agave diferente, sabe?
P/2 – Você colocava ele no motor pra amassar e tirar fibra?
R- Tirava a casca, enfiava no motor e puxava. Tirava e ficava só a fibra pra fazer a corda.
P/1 – É como sisal?
R – É.
P/1 – E você ficou trabalhando nisso por quanto tempo?
R – No Rio? Não, isso, eu fiquei muito tempo. Eu fiquei de 10 anos a 15. Então eu fui, resolvi ir pro Rio. Disso eu resolvi ir pro Rio.
P/2 – Antes de você ir pro Rio, você falou que ia pras festas ajudar a sua mãe a vender os doces?
R – Era.
P/2 – E nas festas, como que eram as festas? Você gostava?
R – Eu gostava. Tinha coco, tinha ciranda, tinha baile, forró. Tinha forró pros (caras?) dançarem. Às vezes eu queria dançar, a mãe dizia: ”Se você for dançar eu lhe dou uma pisa (risos). Eu gostava de dançar, mas ela não queria que eu dançasse. Então eu ficava por ali, ficava amuada. Ela disse: ”Você está com raiva por quê? Cuidado na corda”. (risos). Aí eu... era carrasca minha mãe.
P/2 – E como é que era, as festas tinha muita gente?
R – Ia, o povo da vizinhança ia tudo, porque nesse tempo não existia festa, não existia história de banda, não tinha história de discoteca, não tinha nada, só era forró. As festas a maioria era forró e lapinha e tinha hoje como pastoril, hoje fala o pastoral. Na minha época, não era o pastoril, era drama, sabe? Chama o drama. E hoje é boi de reis, é lapinha, é congo, é capoeiro, é cabocolinho, tudo tem festa. Em todo canto tem festa e maioria é de banda. Banda de maior cantor famoso é com banda.
P/2 – O boi e o coco já tinha nessa época?
R – Sim, já tinha, que tinha ciranda, tinha o coco e a lapinha.
P/2 – Qual que era o coco?
R – O coco era... Eles cantavam e embolavam. Eles cantavam: ”Mineiro pau, mineiro ô. Vou me embora dessa terra, mineiro pau, mineiro ô. Segunda-feira que vem, mineiro pau, mineiro ô”. E aí levava as palavras dodinhas até o fim.
P/2 – E o boi?
R – O boi nessa época não era comigo, mas eu sei do meu boi, que canta assim: “Na chegada dessa casa, levantamos a bandeira. Na chegada dessa casa, levantamos a bandeira. Viva a honra dessa casa, a cultura brasileira. Viva a honra dessa casa, a cultura brasileira”. E levava até o fim. Aí como eu levo hoje.
P/1 – E o boi tem várias partes?
R – Tem. Tem a parte da burrinha, Jaraguá, porque tudo é personagem. E tem as músicas também, da burrinha, do Jaraguá, o boi, o gigante. E as músicas tem Menino Jesus da Lapa, tem ___ na areia, tem o pão de balaio, tem a chegada dessa casa como eu cantei, tem a masseira, tem menininha bonitinha só aquela de ____tem abrimos a porta____ se quiser, tem na hora Deus amém. Tudo é música e cada música é uma dança, é um passo, é assim.
P/2 – Canta uma.
R – Ah, eu não tenho voz pra cantar, não.
P/2 – Tem sim.
R – Tem nada.
P/2 – Você falava que seu pai cantava muito coco na calçada, você lembra de uns coco que você escutava quando você era pequena?
R – Me lembro um pouco, muito pouco. É eu me lembro mais de poesia, que ele ___ assim: “Cravo branco na janela é sinal de casamento, menina guarda seu cravo pra casar não falta tempo. Lá vem a Lua saindo por trás da bananeira, nem é Lua nem é nada. É a bandeira brasileira.(risos) É. Tem muita coisa.
P/1 – O seu pai brincava o boi naquela época?
R – Não, ele não brincava boi, ele só era conquista, embolador de coco. Às vezes se ajuntava ele e os amigos, ele era embolador de coco.
P/2 – Nessas festas do boi, do coco, da ciranda, como que eles se vestiam?
R – Do mesmo jeito que estava. Se eles saíam. Eles mesmos brincavam dando___ um no outro pra lá e pra cá, pra lá e pra cá. Então era isso. Que aqui hoje tem as personagens que vestem as roupas do coco, bate lata, o coco de ciranda, o coco de axé, tem muita coisa aqui. No Rio Grande do Norte também é a mesma coisa. Tem o bate lata, tem o cabocolinho, tem os ___ de calçola, que é tipo coco, é assim.
P/2 – E então você começou a brincar o boi?
R- Depois que eu casei, porque eu não conhecia esse negócio de boi. Eu casei, vim de lá pro Rio pra Rio Grande do Norte e comecei a conhecer, comecei a ver o figurino como era. Então meu marido dizia assim: “Você vai fazer o figurino do boi”. Eu digo: “E eu sei?” Ele disse: “Sabe sim, você sabe costurar, então você vai fazer esse figurino todinho”. Então sempre. Ele comprava fazenda, comprava todo o preparo e até hoje eu costuro. Tem 30 anos que eu costuro figurino todinho do boi. É feito por mim.
P/2 – Você conheceu seu marido no Rio de Janeiro?
R – Foi.
P/2 – E como foi essa vinda ainda na sua juventude daqui pro Rio?
R – Eu fui pro Rio com uma senhora. Fugi. Não tinha nenhum documento, não tinha nada. Então a mãezinha dizendo que ia comprar uma máquina pra mim e nada de comprar. Eu só trabalhando, trabalhando, um dia eu fugi. Eu convidei ela, eu disse: “Eu vou com você. Eu vou pro Rio vou com você”. Ela disse: “Vai mesmo”. Eu digo: “Vou”. Eu fiz uma malinha, um caixotinho assim, era um caixote de pau, enfiei a roupa tudo dentro ____. “Vamos”. “Vamos”. Peguei o malote. Mãe saiu pra buscar água. Então eu fui; botei a roupinha em cima do caixote e me mandei. Eu tinha dinheiro, porque eu trabalhava no agave. Então (registrei?) a mala e a passagem por 38 mil réis nessa época. E levei dinheiro pra comer no caminho e dormir também com ela no caminho. E nisso eu com 20 dias, fiquei numa chácara com ela no Rio de Janeiro, eu consegui falar com meu primo que eu tinha no Rio. Ele veio me buscar, botou eu numa casa de um afilhado de mamãe que eu já conhecia. Passei 20 dias, com 20 dias eu conheci um trabalho e fui ganhar 30 mil réis, arrumar. Eu era arrumadeira. Esses 30 mil réis, eu mandava dez pra minha mãe, que era dinheiro demais nessa época no Rio de Janeiro, né, ficava com dez e dez eu botava na poupança pra ter o seguro. Eu dizia: “Se eu precisar, na poupança tem lá”. E com esse dez mil réis eu comprava roupa, comprava remédio, comprava sapato, sempre segura. Passei seis anos, com seis anos eu vim ao Norte, comprei uma casa por dois mil e cem e deixei minha mãe morando dentro de uma cidade, tirei ela de um (território?), toda vida foi muito trabalhadeira, deixei ela lá e continuei no Rio.
P/2 – E vocês vieram de ônibus?
R – Fomos de ônibus. Passamos três dias de viagem, três dias a cinco. Nessa época que era muito difícil. Agora parece que é três dias que a gente passa. Mas nessa época passava cinco dias.
P/1 – A casa da sua mãe era perto da cidade?
R – Era. Eu botei ela pra morar na cidade e quando eu voltei é que eu vendi. Vendi e comprei em Natal. Até hoje eu tenho a casa do tempo de solteira.
P/1 – E no Rio, você morou na cidade, como era cidade do Rio pra você?
R – Pra mim é mil maravilhas até hoje. Eu morei ali na Laranjeiras, na Riachuelo, perto ali da Riachuelo e trabalhava na Laranjeira e ele também trabalhava na Laranjeira. No tempo que eu fui, era um tempo bom, não era um tempo agitado. Depois começou muito carro, todo mundo comprar carro tudo. Eu achava que era muita agitação, a gente trabalhava, estudava. Lá eu estudei “franco”. Terminei os estudos lá e pronto. Continuei, quando foi em 75, eu casei.
P/1 – Logo que você chegou no Rio, como é que você se divertia?
R – Vixe, eu não saía pra canto nenhum, eu fui só ao cinema. Eu fui ao cinema, vi logo um português na minha frente, que era uma chácara de português. Ele queria logo namorar comigo e eu só fazia chorar, arrependida do que tinha vindo, sabe? Que vindo deixado os pais. Mas depois eu conformei e fiquei lá mesmo.
P/1 – Na sua cidade antes do Rio tinha cinema?
R – Lá tinha, tinha cinema.
P/1 – Em Mamanguape?
R – Mamanguape.
P/1 – Você ia no cinema em Mamanguape?
R – Ia não.
P/1 – Só foi no Rio?
R – Só no Rio. É no Rio eu ia muitas vezes. (risos)
P/1 – Você fez amigos lá no Rio?
R – Fiz muita amizade, 15 anos também. E deixei muita saudade. Quando foi um tempo desse eu fui pro Rio com um trabalho lá no circo voador, no Rio. Fui pra lá com um grupo.
P/1 – Você tocou lá foi?
R- Foi, lá foi bom demais.
P/2 – Foi com outros grupos também?
R – Foi com um grupo. O grupo do boi de reis.
P/1 – Lá no Rio você brincou de boi quando você chegou?
R – Agora?
P/1- Não, da primeira vez?
R – Não. Não conhecia o que era boi, não conhecia. Não conhecia o que era boi lá, mas só conhecia lá no interior. Eu via e fugia, pra eu olhar um boi era um sacrifício tão grande, eu fugia também. O meu problema é fugir. (risos)
P/2 – Dona Odaísa, como que era? Você falou pra mim que fazia coroa de anjo quando a senhora era pequena?
R – Sim, as flores, a gente cortava e fazia aquelas grinaldinhas que o anjo quando morria lá no tempo antigo da história de Tancroso, não tinha que levar uma grinaldinha na cabeça? Agora acabou, era um neném que morria. E a pessoa também solteira que morresse ou um rapaz uma moça, então tinha que levar aquela grinaldinha.
P/2 – E me conta uma coisa, quando você foi pro Rio, você foi de quê?
R – Eu fui de ônibus. Nessa época tinha ônibus, cinco dias de ônibus.
P/2 – Deve ter conhecido muita gente também, porque cinco dias...
R – Ah, lá nós viajamos, nós parávamos nos hotéis pra dormir. A gente conhecia os que vinham dentro do ônibus mesmo. E fomos como retirantes.(risos)
P/1 – E tinha muita gente que estava indo pra morar no Rio também?
R – Ah, muita gente ia nessa época pra trabalho. Muita gente não ia a passeio. Hoje a gente vai ao Rio a passeio, mas nessa época o povo ia trabalhar.
P/1 – E quando você chegou no Rio, como era seu trabalho?
R – Eu trabalhava de arrumadeira. Assim eu contratava... era pode trabalhar aqui, eu trabalhava garota. Comecei a trabalhar, comecei a ser alta cozinheira, comecei a aprender trabalhar. Fui alta cozinheira pra americano, ai trabalhei com os americanos. Eu cozinhava e quando eu casei, eu já era cozinheira e deixei, vim pra minha casa, tomar conta da minha casa mesmo.
P/2 – E como foi que você conheceu seu marido?
R – Eu fui a um encontro, eu trabalhava com a sobrinha dele. Ele me avistou assim, como esse rapaz está aí. Ele ficou me olhando e eu calada. Ele disse pra sobrinha dele assim: “Maria José, eu vou procurar uma moça, vou me casar”. E Maria José disse: “E é, tio, o senhor não casou e ainda vai casar?” Ele disse: “Vou”. Desceu no elevador dizendo isso comigo e ela. Então ficamos. Quando foi no dia cinco de fevereiro, numa data, era no dia cinco de fevereiro, eu estava me arrumando pra passar o carnaval em São Paulo já. Ele ligou pra mim: “Alô”. “Alô. Quem é?” ”Manoel”. Eu disse... “Eu quero falar uma coisa pra você, quero casar com você”. E eu disse: “Casamento? Casamento é quatro letras que a gente dá e não desmancha mais nunca”. E não é? É uma coisa que a gente assina e não desmancha mais nunca. Ele disse: “Vamos sair”. Eu disse: “Vamos sair não, eu vou pra São Paulo, pro carnaval de São Paulo”. Ora, ia bem perder. Eu fui pra São Paulo, quando foi na quarta-feira de cinza eu ia pro trabalho na quinta. Vim, quando cheguei, parecia que ele estava ali vendo. Tocou o telefone novamente. “Vamos se encontrar”. E disse: “Eu estou muito cansada”. Mas ele disse: “É. Namorou muito por lá”. Eu disse: “É capaz”. (risos). Nem saí nem nada, que eu não queria, não queria. Mas tentou tanto, até que gente chegou a casar, porque eu não queria, não. Eu achava que não dava certo, mas foi um casamento muito bom. Era um bom dono de casa, não bebia, não jogava, não fumava. Era o que eu queria. Eu com 29 anos, ele com 41. Morreu com 73 e hoje eu estou com 62, fazer agora. E deixou três filhos e nós continuamos nosso trabalho no boi de reis, até morrer.
P/1 – E quando vocês casaram, vocês foram morar juntos?
R – Fomos. Ele tinha um apartamento e eu tinha um alugado, morava com uma moça. Casei, deixei a moça no apartamento, passei poucos dias lá no apartamento dele e viemos embora, com seis “méis” viemos embora pra Natal.
P/2 – Com é que vocês decidiram vir?
R – Ele decidiu que tinha a mãe velha, a mãe dele tinha cem anos. E ele disse: “Eu vou visitar minha mãe”. Mas o meu pensamento era de ficar, não era de voltar. Ele era porteiro e eu trabalhava também, mas eu disse: “Eu vou embora que eu não volto mais”. Peguei os malotes, enfiei oito malotes, botei em dois táxis e fui pra rodoviária. Fui embora. “Agora vamos voltar”. “Agora não, não volto mais, não”. Ele tinha casa em Natal. Eu digo: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira. Vou ficar aqui mesmo”. Pronto, fiquei até hoje. Vou a passeio.
P/1 – Vocês já moravam em Felipe Camarão?
R – Não. Eu morava na 16, perto da família dele, que ele tinha casa lá na 16, mas depois a gente construiu umas casas, que não estava dando certo. Vendeu e comprei uma em Felipe Camarão. Tem 31 anos que eu moro em Felipe Camarão. Eu lá, tenho oito casas de aluguel.
P/2 – E como era Felipe Camarão quando você chegou?
R – Ah, Felipe Camarão quando eu cheguei era... Não tinha nem água, nem luz. Eu com os meninos pequenos tinha que pagar uma pessoa pra botar água pra eu lavar roupa em casa. Às vezes eu ia pra uma granja onde tinha______. Era uma dificuldade tão grande, eu vinha pra feira o _____ estava lá em baixo na Tamarineira. Eu ficava com uma raiva tão grande, que ele tudo que via na feira queria comprar e eu trazia nas costas. Não dá, não, ficava chorando, com a bolsa cheia de batata, inhame. Mas conseguimos numa política. Então a política botou água, botou luz e fez os calçamentos. Ainda tem rua que não tem calçada. Mesmo na rua que eu moro, ainda tem ____um ponto de cultura que ele pedia muito, enfiou um ponto de cultura lá. Tem um pedaço da rua que não é calçada. A gente está esperando em Deus que seja calçada, porque foi o pedaço que ficou pra saneamento, porque não é saneado ainda onde eu moro.
P/2 – E daí de pouquinho e pouquinho lá em Felipe Camarão você começou a puxar o boi, não, o seu marido?
R – É. Ele vinha puxando. Foi reconhecido pela Pretrobrás. Deu patrocínio e nós temos há cinco anos. Esse patrocínio vem com percussão, “capueiro”, flauta, vem com a rabeca, luthieria de rabeca pra construir e a rabeca pra ensinar. E os meninos estão muito bem. É por isso que nós continuamos com esse projeto e somos muito valorizados. Eu espero em Deus, porque cada dia Deus ilumina a gente, que a gente precisa demais, porque lá é um bairro muito carente, um bairro que a pessoa precisa aprender fazer muito as coisas também.
P/2 – Ele levava o boi, ele juntava de fim de semana com os amigos? Como que era que eles se reuniam?
R – Ele ensaiava. Todo fim de semana ele fazia um ensaio com as crianças, porque tem o boi adulto e o boi de mirim, de criança, de jovem e adolescente. De dois anos até 12,15 anos é adolescente. A gente brincava, ele ia pra uma área, como um salão, batendo no pandeiro e cantando as músicas. Os meninos dançando e aprendendo. Dançando e aprendendo. Então ele morreu e a gente continuou a mesma coisa. Achava que eu tenho 70 crianças, que eu ensino na sexta e no sábado eu ensaio. Então eu achava meu salão pequeno, porque ele foi um salão de cinco por cinco. Hoje eu fiz um de dez e meio por sete. Só está faltando o piso. O piso ainda está preto, falta a cerâmica. Então com a minha ajuda, com a minha inteligência de Deus que me dá, que me ilumina, eu fiz. Sem ajuda de Prefeito, sem ajuda de Governo, sem patrocínio de ninguém. Eu tenho a pensão dele, sou aposentada, tenho as bolsa de Griô e recebo os aluguéis das casa.
P/1 – E a festa do boi era como? Vocês ensaiavam em casa, você disse. E festa?
R – Ensaiava em casa. Tinha um chamado assim, num teatro, numa praça. Em qualquer canto que eles (contratava?) dizia: “Você vai brincar o boi de reis aqui?”
O meu contrato eu contratava 500, 600, 700, 800, dependia do lugar. Se fosse chamado pra uma casa de cultura, como Nova Cruz, Nova Interior, que eles me chamam. Pedavilino que é o lugar de Natal. Eu contrato e digo: “É 600”. Quando eu recebo aquele dinheiro, eu divido todinho pra turma, tocador que é 25 pessoas, às vezes é menos. Mas o cachê que eu recebo é dividido, do boi adulto e do mirim também, porque na conexão a gente não tem cachê. Nós temos patrocínio que é da Petrobrás.
P/1 – E seus filhos, eles já estavam no boi?
R – Eu tenho três netos, que é Brede, Fausto e Quevi. São os três netos, os três herdeiros do boi de reis. Trabalha Ruberneide, eu e os três netos e a minha nora. Minha nora também, é a Patrícia Freires.
P/2 – Mas o seu marido herdou o boi também?
R – Herdou do avô, do bisavô, veio de geração em geração. Isso ninguém pode abandonar porque a gente continua, vai passando de um para o outro.
P/2 – Ele herdou e você começou a brincar também?
R – Foi. Ele começou a botar eu pra brincar também, porque eu não brincava, só fazia as roupas. Ele disse: “Você tem que brincar também pra ver os defeitos e tal”.
P/2 – Você pegou o jeito, gostou.
R – Fiquei. Tinha componente. Às vezes eu não brincava, ficava só olhando. “Eu estou doente, estou doente da minha coluna, não posso brincar”. “Não. Você tem que brincar”. Eles forçavam eu brincar. Porque eles achavam bom brincar.
P/2 – E como é que foi, que começou a juntar com esses outros grupos de expressão artística?
R – Lá a gente junta com o ___ de calçola, com caboclinhos, com pastoril. Às vezes vem, às vezes não é só um grupo que vai apresentar num canto. E eu digo: “Quantas horas tem?” Ele disse: “A senhora tem 15 minutos, o outro tem 20, o outro tem meia hora. E a gente tem que saber o horário que tem que “minisar” as figura, botar boi, Jaraguá, burrinha, essas coisa assim. A gente trabalha, são todos unidos os grupos do folclore são bem unidos. Agora só tive uma decepção muito grande, que no tempo que meu marido morreu, tinha aluno que queria que eu acabasse o boi e entregasse a coroa dos réis, que era meu marido e entregasse pra eles. Eu disse: “Não, não vou dar. Vocês são alunos. Vocês aprenderam a teoria dele, se querem fica comigo. Não vou dar a coroa de jeito nenhum pra vocês. Eu vou continuar, levantar a cabeça e continuar, se Deus quiser”. Eles foram, fizeram um boi lá, que eles já tinham toda teoria, toda aula, teve um patrocínio de um Vereador. Deu pra fazer o figurino, deu pra fazer o boi, o burrinho, eles vivem brincando lá, mas com as nossas músicas, com nossas histórias, com nossas “loa”. Porque eles diziam: ”Boa noite senhoras e senhoria, roupa caçada e fita Deus aceita meu louvor e segundo ____. Quem repara minha ___ atrasa minha vigia”. Eles continuaram dizer as “loa”, continuaram dizendo tudo. Então eu disse: “Vocês não podem, vocês podem brincar com as ‘loa’ de vocês, com a músicas de vocês que meu marido era um historiador”. Todas a músicas que tem, 150 músicas foram todas dele e ele não sabia ler, nem escrever, era um homem analfabeto. Mas ele foi o dom de Deus, que Deus deu a ele, então ele fazia tudo. E a gente podia escrever que estava tudo certo, ele tem CD. Ontem eu trouxe aqui 10 CDs. Porque a gente foi uma viagem de última hora, ainda tem muito CD. Nós fizemos três mil CDs pela Petrobrás. Registro fonográfico. Então deu pra gente patrocínio três mil CDs. Então foi 750 pra Petrobrás,750 pras escolas, 750 pra ONG Terra Mar e 750 pra mim. Em todos os cantos eu levo e vendo, eu dou. E eu mandei a minha filha, quando minha filha ___ aprendiz eu dei pra ela dar os____ aprendiz que estava aqui, por que eu não trouxe nada, nada. Eu queria trazer camiseta do boi, as coisas, mas se eu for pra Belo Horizonte ______ é sinal de eu ir. Que ___________ e eu sou o Griô mais antigo que tem.
P/2 – Me fala uma coisa Odaísa, quando você decidiu de continuar a brincadeira do boi, como é que foi pra você assumir isso? Quais foram as dificuldades maiores?
R – Eu não senti quase dificuldade, eu sentia desgosto. Quando eu entrava na sala pra dançar, eu sentia muita falta dele. Às vezes eu não aguentava, eu ficava assim triste, porque não é fácil. A gente vê aquela festa todinha, era o mesmo que está vendo ele. Tem momento que eu estou dançando, eu me lembro dele. A gente faz força porque a gente está num palco, num palanque, num negócio qualquer. A gente tem que resistir, ser dura, mas logo no começo, às vezes eu nem trabalhava. Eu saía assim muito triste, todo mundo alegre, levando o grupo, porque a gente precisa se manter, manter o grupo que às vezes precisa de um figurino. A gente não vai ter patrocínio ode vereador, nem de governo, nem de nada e a renda que eu ganho se tiver faltando a roupa do boi, a roupa da burrinha, está feia aquela roupa, a gente apresenta muito. Está faltando uma gola, a gola está feia, eu vou faço. De vez em quando aparece como foi numa mostra de natal, que teve uma mostra de cultura em Natal. Ali quem me conhecia deu muita ajuda. Deram muita fazenda, me ajudou muito. Eu fiz figurino, eu ainda tenho. Fiz coroa, que eu tenho as coroas que são feitas de alumínio. Ainda mesmo eu mandei fazer uma coroa igual a dele pra mim. Ainda não recebi. Vem da Paraíba, foi 70 reais, não sei se já chegou recado em casa. Mas eu quero ir pra teia com ela (risos). Porque eu gosto de coisa boa, eu gosto de me apresentar bem, pra ninguém botar defeito.
P/1 – No boi da sua família está você?
R - Minha filha, minha nora e três netos.
P/2 – Essa história de peixe-boi, peixe-elétrico. O que você costumava comer na infância?
R – Na minha infância eu gostava muito de carne. Peixe, eu nunca gostei de peixe, sempre gostei de carne e depois que eu fui para o Rio eu gosto mais de verdura, sabe, como mais verdura. Agora essa história de peixe-boi eu ouvia falar, que eles iam na feira e dizia: “Aqui tem um peixe-boi”. Mas dizia que era o peixe-elétrico, não sabia se era elétrico ou era de boi. (risos).
P/1 – Você ia na feira quando você era pequena?
R – Ia.
P/1 – E como era a feira lá?
R – Feira era bom, a gente vê o que tinha pra vender, carne, peixe, galinha. Nesse tempo não tinha galeto, só era falado em galinha. Galinha viva pra gente comer, a galinha caipira, não é?
P/1 – O que tinha nessa feira que você não encontrou mais? Ou o que você nunca tinha visto e você viu no Rio? A diferença das feiras...
R – Ah, não tinha era uva. Lá nesse tempo não existia uva, agora uva, morango. Eu vim ver morango, uva, no Rio de Janeiro. Maçã, pêssego, pêra, que nossa terra não tinha. Agora no Rio de Janeiro tem tudo isso.
P/2 – Quando você voltou e começou a fazer o boi e começou a juntar com os outros grupos, que é que foi que começou essa história de ponto de cultura?
R – Quem começou foi Vera Santana, que teve o patrocínio da Petrobrás, e ela é a coordenadora, então a gente foi pra São Paulo, naquela teia e lá nós ganhamos o ponto de cultura. Nós ganhamos lá o ponto de cultura, foi muito bom pra gente, que hoje nós precisávamos demais e lá no nosso território tem muita criança carente e a gente trabalha com 400 crianças lá, ensinando a capoeira, ensinando a percussão, a flauta tocar e a luthieria de rabeca. E tem agora a aula de vídeo também, pra gravar, filmar, tudo isso lá.
P/1 – Como é essa luthieria de rabeca?
R – Eles têm uma oficina que tem a madeira lá. Eles cortam o modelo da rabeca e colam e (menda?) e faz todinha a rabeca. Botam as cordas, tudo lá, é.
P/2 – Qual que é o mestre?
R – O mestre é Juvelino, lá, o mestre Juvelino.
P/2 – São quantos mestres?
R – Lá na luthieria de rabeca a gente não chama mestre, a gente chama professor de luthieria, Juvelino. Lá tem o professor Josenilso, que é sobrinho de Manoel, tem o professor Ubiratan, tem o professor Carlos Zen, tem o professor Jaílson, que é de bateria, de batuque, como é percussão e tem eu professora do boi de reis, que sou Odaísa de Pontes Galvão.
P/1 – Como chama o ponto de cultura de vocês?
R – Conexão Felipe Camarão.
P/2 – Tem uma diferença entre... ponto de cultura tem vários no Brasil, mas os pontos de cultura da Ação Griô, desse projeto grão de luz são alguns. Como foi que vocês foram chegando perto da Ação Griô?
R – Foi assim que ela fez uma ação, mandou para o Ministério que é o MINC. Foi aprovado. Nós somos griô lá e no ponto tem: eu griô mestria, oral; tem o mestre Cisso da rabeca, que é o mais antigo, que tem 88 anos, que foi o professor de todos e tem Chico Daniel que era do mamulengo. Ele morreu mas ficou o filho no lugar do pai. E tem Rubernei de Griô aprendiz e ele ficou como mestre griô. Aprendi por causa de não tem nem o nome dele, nome do pai, que é Chico Daniel, lá.
P/2 – E os aprendiz griô?
R – Rubernei de Pontes Galvão e minha filha e o Josivan, de Chico Daniel e o mestre Cisso da Rabeca e eu, que sou a griô, mestre oral.
P/2 – E como que você foi convidada pra ser mestre? Como foi?
R – Porque eu já era mestra do boi de reis, que ninguém pode dizer que outro tem mestre. Eu tenho um contra pau, faz ____. Tenho um contrarregra, que é o mestre. No lugar do mestre, a gente coloca um homem pra suprir o lugar, pra não ter só mulher ali no meio, que é Francisco Pereira da Silva, que é o meu companheiro que trabalha comigo lá, no boi de reis.
P/1 - Sua filha contou uma história de como ela entrou pro boi. Como foi mesmo?
R – Ela quando era pequenina, quando era no carnaval, Manoel colocou dois bois na frente de casa pra brincar, o dele e outro, que chegou de fora, era amigo, então começou o carnaval, batucada e nós tínhamos budega e “pápápá” e o povo bebendo cachaça, cerveja e ele, os dois bois, brincando. E ela era pequenina, ela tinha dois anos. Então menino (dentro casa?) não ia ter cuidado, não é? Minha filha abriu um armário, trancou-se dentro do armário. Quando todo mundo saiu, a sorte é que povo não demorou, não ficaram até de noite, (senão?) ia morrer. Então quando procuramos a menina. “Cadê a menina?” E pus uma pessoa pra um lado, pus pessoa pro outro e disse: “Os bois carregaram a menina”. (risos) Eu disse: “Os bois carregaram a menina e agora a gente perdeu a nossa filha”. E ele disse: “Eu tenho fé em Deus que eu nunca mais vou “butar” boi”. Eu digo: “Homem tenha a paciência”. Ele disse: “Espera aí, que eu vou olhar aqui dentro do armário”. Abriu, estava só ______. A gente sacudiu, balançou ela, balançou com aquele olhão dela. Ela ficou suada, menina, que estava morrendo, morrendo mesmo, dentro do armário, que era esse armário bom de (cicupiru?). Não é hoje que a gente dá um murrinho e as portas abrem. Era miolo de cicupiru, o armário. Ela ficou lá. Mas só o aperto que a gente passou, ai ficamos um tempo e ela tinha medo daqueles mascarados. Tinha tudo menino assombrado. Eu sei que nisso, quando foi com um tempo, a gente continuou a brincar com boi de reis. Continuamos a brincar, ele saía todo canto, tinha chamado Capitania das ___, Fundação José Augusto, que lá é Teatro, tudo. Nós chamávamos, a gente ia. Ela foi crescendo, Manoel tocando, ela ia só olhando com aquele olhinho, tocando, então: “Se quer dançar?” “Não”. “Dança aí”. E começou a dançar com os meninos e lá continuou dançar e, quando é festa, a gente arrumou ela e compramos uma roupinha, um vestidinho, colocamos o ela pra brincar logo de vestido, porque era dama. Ela era dama do boi. Ficou e nisso hoje é artista. Hoje é artista. Ela tem expressão, ela sai pra todo canto e gosta e tudo.
P/1 – E também é griô aprendiz?
R – É griô aprendiz a Ruberneide.
P/2 – Qual que é a importância da Ação Griô ter chegado ali?
R – Eu acho uma importância muito boa porque ajuda quem não tem um salário certo. Como minha filha não tem salário certo, ela trabalha no (Detran?), mas só trabalha na parte da tarde. Ela é como bolsista, não tem carteira assinada, não tem nada. Ela trabalha como bolsista. Então ela tem esse dinheirinho, 350 reais já ajuda, ____ mesmo pra ela comprar roupa, sapato e pronto.
P/2 – E pra cidade assim?
R – E pra cidade pro ponto de cultura foi um ação assim importantíssima e (se isso ai segurar?), disse que isso aí é um ano, que é só um ano. Eu queria que fosse pra toda vida, mas pro ponto de cultura foi importante. Pra gente tem o ponto de cultura, tem a Ação Griô lá dentro e cada dia a gente tem que caprichar, fazer mais trabalho, mas escolha que pra eles reconhecerem pelo MINC, que pelo Ministério sendo reconhecida cada dia mais.
P/2 – E como que você vê que mudou assim para as crianças, pros mestres também, que é uma valorização também?
R – É muito valor porque esse homem, esse mestre Cisso da rabeca, ele tem um salário de 380. Ele tem 88 anos. A gente tira o dinheiro, que a gente nem pode mais tirar o dinheiro, depois pra ele. Ele fica muito feliz, ele compra roupa, compra comida pra se alimentar, que ele é muito pobrezinho. Esse griô mestre Cisso é muito pobre. Então ele acha uma felicidade, se continuar. A gente pede a Deus que continue o trabalho griô e seja todo mundo iluminado.
P/2 – E para as crianças?
R – As crianças também acha bom, porque ele vem e toca. Ele tem essa idade, mas ainda toca rabeca, toca, canta, dança com a gente lá em casa. As crianças acham muito bom.
P/2 – O que você acha dessa... Porque os mestres griô devem ser escolhidos porque eles tem uma tradição, um saber muito grande. Qual que é a importância que você acha disso?
R – Pra mim, eu acho uma importância grande porque a gente foi contemplado nessa ação, e ajuda muita. A gente fica com “tito” muito maior. Além do “tito” que a gente tem de ser patrimônio natural da cultura e a gente tem mais (sentido?) de griô. O “tito” é importante pra mim.
P/2 – Como que você faz pra ensinar as crianças?
R – Lá eu ligo às vezes. Eu ligo um DVD. Eu mostro o trabalho do mestre Monoel Marinheiro, como ele ensinava, explicando como é o boi de reis, a mostra a personagem, ___ o Jaraguá. Ensino a sair no Jaraguá, os passos, ensino as músicas. Às vezes eu mando os meninos tocar na zabumba, no triângulo pra ver como eles dançam. Às vezes eu coloco eles pra fazer desenho, desenhar, trabalhar com argila. Tem agora, como a menina estava falando que a gente ia pra botar uma aula pra fazer bruxinha, fazer bonequinha bruxinha, porque menina tem que dá pra uma menina que dá uma bruxinha e ela está aprendendo a fazer uma profissão. A profissão de fazer uma bruxinha. “Quanto é?” ”É um real ___ pequeninho assim. For maior, é três reais, cinco reais”. “Olha”. Se vender, é 50 reais. Eu sei fazer isso tudo.
P/1 – Como as crianças chegam lá no ponto de cultura? Elas que procuram, elas que vão atrás?
R – È, às vezes é a mãe. Chega: “Ainda tem vaga?” Eu estou dizendo no ponto: “Não”. Mas na minha casa, porque eu ensino ma minha casa. Eu tenho minha sede desde que ele morreu. Ensinava em casa. E eu fiz minha sede própria. Vai ser inaugurada dia 7 de dezembro. Se Deus quiser, vai ser inaugurada. Tem a festa Natal, Natal, vai ser lá. Então as crianças chegam e dizem: “Dona Odaísa, ainda tem vaga pro boi de reis?” “Tem, minha filha. Você vai brincar?” Ela diz: ”Quero”. “Vamos entrando, vamos entrando”. Chega a mãe: “Dona Isa, ainda tem vaga?” “Tenho”. ” O que é que precisa, paga alguma coisa?” “Não paga nada. É de graça”. Porque a gente dá roupa, sapato pra brincar e mais a fantasia. E a fantasia fica comigo e a roupa, sapato já foi limpinha pra eles brincarem. Não quero que fique na casa de ninguém porque eles destroem. Deixam no sol demais, ficam usando sapato. E assim a gente fica com aquela roupa dentro da sede toda vida. É nova, porque a gente não tem dinheiro pra toda vida ficar fazendo roupa.
P/1 - E com a Ação Griô, vocês vão às escolas?
R – Sim, com a Ação Griô a gente tem que fazer oficina nas escolas, que é pras outras crianças das escolas enxergarem a cultura, porque de primeiro não existia essa cultura. Existi, existia, mas ninguém estava dando conta de ter reconhecimento, porque a cultura precisa ser reconhecida. No tempo mesmo em que eu estudei, eu não conhecia. Se tinha cultura mas era cultura que ninguém reconhecia e se a cultura fosse reconhecida nós temos que valorizar nas escolas. Valorizar e ensinar, conviver com as escolas, ficar em parceira com portas abertas, porque na minha casa, na minha sede agora às vezes que chega colégio completo. “Dona Isa, eu quero uma pesquisa. Vou fazer uma pesquisa com a senhora.” Eu levo duas horas, cheio de menino, usa coroa, uma fantasia, tira retrato comigo e diz: ”Ai, eu vou ajudar a senhora numa peça de fita”. E tudo. Promete as coisas assim pra ter, e faço o relatório; o que é o boi de reis, o que é, como é que fazia, a gente escreve também. Que tem que ser dentro das escolas. Como eu ___ de dizer, a parceria dentro das escola é importante, porque leva dessas crianças entram no meio da droga, no meio de outras coisas muito ruim pra eles. A gente livra de tudo, porque eles dizem: “Ai, eu vou pro boi de reis e “sabo”, ____ tem o boi de reis, não é? Então ele já está tirando da mente dele essas coisas ruins e a gente, como griô, tem que educar; a gente tem que dialogar com essas crianças de hoje. Criança muito rebelde. A importância pra mim é isso.
P/1 – Como que as crianças receberam vocês nas escolas?
R – Ah, eles recebem. Fica tudo olhando assim: “Ai, dona Isa”. Eles me chamam de dona Isa. Dona Isa é boi de reis, de Manoel Marinheiro. Eles ficam todos alegres, contentes e quando sabes que tem boi de reis, minha porta é cheia. Nós temos um (paito?) lá que é chamado Cruz da Cabocla. É um largo que tem assim na rua paralela e fica uma igrejinha que era de uma cabocla que morreu de sede nesse tempo de camarão. E camarão não existia nem água nem luz. Dizem que essa cabocla andava com três filhos, morreu de fome e de sede de lá e fizeram um cruzeiro. Do cruzeiro a comunidade___ uma capelinha e hoje tem uma capela lá de Santa Luzia. Então lá onde há o patrimônio do mestre Manoel Marinheiro, começou ali, e faz toda brincadeira ali.
P/1 – Vocês brincavam nesse largo?
R – É. Tira, faz filmagem, tira fotografia, tudo é lá, no largo da Cruz da Cabocla.
P/2 – Conta pra gente um caso engraçado nessas festas de boi que você já fez.
R – (risos) Ai, sei lá. O que mais achei engraçado. Uma noite que a gente estava de festa lá, a gente estava brincando de mamulengo, os bonecos. O mamulengo começou a dizer assim: “Tome vinho, pegue vinho, tome vinho, pegue vinho”. A dona da igreja: ”Vamos parar, vamos parar com isso, vamos parar com isso. Isso aqui é igreja, não tem só adivinho, não”. Então ele, o homem, ficou olhando assim: “Vamos embora, Maneco, vai dar uma briga aí. Vamos embora”. E sai puxando ele, embora pra casa. Então a mulher balançou assim a tenta do mamulengo. O cara parou e saiu desconfiado. Eu digo: “Está vendo. Vai falar, que aqui é igreja, não pode falar em vinho”.
P/2 – E você comentou mais cedo que seu marido tinha um grande amigo, que os dois faziam festas juntos. Conta um pouquinho de como que era.
R – Era Chico Daniel. Eles dois. Chico era muito beberrão. Então Manoela tinha pena dele, a mulher deixou dele de tanta cachaça que ele bebia. Manoel foi que ele morava em Macaíba, que era um território. Manoel foi lá comigo num dia de feira, chegou lá ele estava bêbado, dentro de uma rede, caído. “Chico, rapaz, você não deixou de beber”. Ele disse: “Oh, eu só vou deixar de beber quando eu morrer”. O Chico disse: “Oh, se eu arrumar uma casa lá perto de mim, você vai morar lá perto da gente?” Ele disse: “Oh, vou, Manoel, vou”. “Quando eu arrumar, eu venho aqui lhe buscar. Eu quero que você vá”. Ele disse: “Eu vou”. Foi um dia, apareceu uma casa assim de frente. Eu disse: “Manoel, olha. Está bom de alugar aquela casa pra Chico”. Era muito amigo. Era o mesmo que ser irmão. Então Manoel foi e chegou em Macaíba. Ele disse: “Eu vou”. Manoel disse: “Pois está certo. Eu vou lá dizer que quero a casa pra você”. Ele veio. Lá passei não sei quantos anos. Foi brincando e Manoel brigava com ele todo dia por causa da cachaça. Todo dia: “Chico, deixa essa cachaça”. Ele foi e deixou. Deixou de beber. Ficou, ficou. Depois continuou a fumar, o coração começou a crescer, mas brincando ___ de junto dele lá, e lá ele viveu um bocado de ano. Quando foi em agora em março, no dia 3 de março, fazia 4 anos e 1 mês que meu marido tinha morrido, ele faleceu de repente do coração. Estava arrumado pra ir brincar com o filho. Deu um ataque, pronto, morreu, dia 3 de março. Ficou o filho, um mesmo trabalho dele com os mamulengos, que é o filho de Chico Daniel, Josival.
P/1 – Odaísa, você falou que você está continuando o sonho do seu marido, que era inclusive de fazer um ponto de cultura. E o que você sonha agora também, junto com esse sonho que você está realizando?
R – Eu fiquei muito alegre em ter realizado o pedido dele. Eu pensava que não ia ter poder de realizar, porque todo jornal que eu lia, ele dizia que o sonho dele era ter a casa de cultura dele. Então eu com muita força, que eu acho que não foi dinheiro que fez isso, não, eu acho que foi Deus. Porque pra gente construir o prédio que eu construí e tudo novo, eu acho que Deus almentou meu dinheiro. Pois eu pedia muito a Jesus que fizesse uma obra antes de eu morrer pra eu realizar esse pedido dele, porque ele foi um homem muito exemplar. Hoje é difícil os homens serem exemplares. Hoje não existe mais casamento. Hoje existe “chafudo”, casamento não. Então eu fiz tudo e hoje eu penso que cada dia eu quero coisas boas para aqui dentro. A ONG Terra Mar já me deu quatro mesas, botou 16 cadeiras e agora me diz que vai botar o bebedor das crianças. E esse ano vai entrar uma parceria pra dar os lanches, que os lanches eu dou por minha conta própria, a lele, não é? Às vezes eles chegam bem cedinho de 8 horas. Estão todos com fome. Às vez não tomam nem café. A gente faz o lanche e dá. Pretendo fazer camiseta, flores, bruxinha, quadro. Se Deus quiser, me der uns anos de vida a mais enquanto eu me for vou deixar ele bem preparado. O que Deus pode, Deus consente.
P/2 – Quem que trabalha lá no centro de cultura, como é que chama?
R – Lá no centro de cultura? Só eu, minha filha, minha nora, minhas duas filhas. Que minha filha outra que é casada. Eu faço as coroas, ela decora, reveste com as fazendas, com lantejoula, com... Passa na Maria, as pedras que tem que decorar. Ela me ajuda muito. E também nas fantasias, quando eu estou costurando, ela está colando os joelhos, está costurando. E a gente pretende fazer até figurino pra vender. Eu confio em Deus que eu faço porque às vezes tem festa de escola que vem tomar emprestado. “Ai, não tem pra alugar?” “Tem não, minha filha”. Às vezes eu dou. Agora mesmo eu estou com o boi numa escola emprestada. Eu saí e deixei a burrinha, o gigante tudo emprestado pra eles fazerem as festas deles.
P/2 – E você que fez?
R – Foi eu que fiz.
P/2 – Muito legal esse projeto dessa casa de cultura. É uma realização e tanto, ainda mais vendo você uma mulher tão forte. E como você se sente então realizando?
R – Muito orgulho, muito orgulho. Eu tenho orgulho de mim mesma. Não precisa nem dizer que eu tenho mesmo felicidade. Eu digo: “Sou muito feliz, graças a Deus”. Muito sofrida, muito trabalhada, mas eu me sinto forte ainda nessa idade, porque eu durmo cedo, não sei a qualidade de novela que tem, eu só vejo um pouquinho do repórter, às vezes. Tenho televisão, tenho vídeo, tenho DVD, tenho tudo, mas se eu ligar... Eu não tenho tempo. Não tenho tempo de estar vendo uma novela, uma televisão. Eu só vou fazer meu trabalho. Agora se for trabalho do boi, eu estou ali pronta. Se for pra fazer uma costura, estou pronta. Se for pra fazer alguma coisa que largue mas esse negócio de estar sentada vendo televisão.... Mâe diz: “Você vai morrer, o trabalho fica”. Eu digo: “Isso mesmo, o trabalho tem que ficar. Mas eu, graças a Deus, sou muito disposta”. Sempre peço a Deus: “Divino, que me dê muita força, muita coragem”. E peço a meus netos todo dia que eles cresçam pra enfrentar essa batalha, que a batalha é a batalha forte e a batalha com a cultura é importante e eu quero antes de morrer ver muita coisa com esses meninos todos quees tão aprendendo hoje nas escolas, nos pontos de cultura. Quando nós começamos o ponto de cultura, eu não tinha fé de ver aquelas crianças pegar uma rabeca, mas já estão tocando pra mim. No dia em que meu tocador falha, eu vou e pego uma criança ou duas e levo pra tocar no boi de reis. E eles levam tudo direitinho. Coisa mais linda do chão. É uma criancinha desse tamanho, de criança pequenina, já toca, não é?
P/2 – Odaísa, e aqui nesse encontro, com esses mestres aqui, como que a senhora está se sentindo?
R – Eu me senti bem.
P/2 – Está trocando muito?
R – Eles deram uma conversa. Eu já vou dizer outra: “Eu sou muito tímida. Eu gosto de olhar, apreciar. A minha coordenadora veio, que é a Ângela, ela disse: “Você está tão triste, você não diz nada”. Eu disse: “Você sabe que até na roda de prosa eu gosto de olhar, fica ali escutando, que escutando e olhando é que se aprende”. Ela diz: ”Vamos fazer esse trabalho”. Eu disse: “Não sei fazer, não”. Deixo todo mundo começar. Primeiro sabido, não é?(risos) Deixo todo mundo começar. Quando começa às vezes a fazer boneco de reciclagem, eles mandam fazer de garrafa,. Eu fico: “Eu não sei trabalhar, não sei fazer isso, não. Me dê uma máquina de costura. Eu sei fazer, mas isso eu não sei fazer, não. Depois eu vou, faço o bonequinho. Faço melhor do que eles, que eu costumo, a gente vê e aprende.
P/2 – E essas pessoas que também lutam pela cultura e estão começando. O que você pode falar pra elas com essa toda experiência que você teve?
R – Eu pra minha filha quando a gente... Minha filha é muito teimosa. Eu me senti muito feliz com a minha filha, porque ela nunca tinha viajado. Foi a primeira viagem que ela deu. Então eu deixo ela se abrir com o povo, conversar, apanhar contato e eu ficava de fora porque eu já estou jararaca velha. (risos) E ela fica pra escutar, ela que tem que aprender. Eu não tenho que aprender mais nada. Ela tem que aprender para a sabedoria dela ainda vir um pouquinho pra mim. Ela tem que aprender. Eu me senti feliz lá. Eu vou dizer lá pro povo que foi uma viagem boa porque ela está aprendendo cada vez mais. Se soltar. Que ela é solta. Ela se comunica. Ela é muito comunicativa. Então eu me senti muito orgulhosa por ela, porque ela veio. Eu fiz tudo pra ela vir. Eu disse: “Eu queria que ela fosse pra teia, queria que ela fosse pra ___. Que cada dia que ela anda, tem que aprender alguma coisa. Ela sabe ler e escrever, então.
P/2 – E para essas pessoas que estão no Brasil afora que estão precisando...
R – É, tem muita gente que está com a Ação Griô e tem cada dia mais pessoas. Que pessoa que eu vi aqui, as pessoas estão... É capaz de fazer tudo também, porque com o dinheiro, já ganhando o dinheiro, já tem o interesse de trabalhar. Se eles tivessem a Ação Griô mas não têm o dinheiro deles, têm que trabalhar, porque é trabalhando que a gente ganha dinheiro.
P/2 – E com cultura então?
R – Só o nome cultura. Tem que conservar, tem que pesquisa, tem que conviver com os mestres, porque os mestres sabem algo de importância à cultura.
P/2 – A senhora não estava querendo dar a canjinha?
R – Não! A minha coroa eu não dava, não. A coroa dessa de cultura com fome eu ia dar? Nada. Eu ia ficar com ela até morrer, segurando.
P/2 – A senhora não estava querendo dar o depoimento pra gente, não?
R – Hum?
P/2 – A gente tentou.
R – (risos) Não, mas era o tempo, não é? Porque eu tinha que ir pros diálogos, conhecer o povo. Mas eu nunca me recusei a dar nenhuma reportagem. Estou tão acostumada com televisão na minha frente que você pode abrir Internet, que eu estou toda hora na Internet. Cada trabalho importante.
P/2 – Mas você gostou de estar com a gente falando um pouquinho da sua história?
P/1 – Da sua própria vida.
R – Não, eu gosto, é uma brincadeira. É uma brincadeira.
P/1 – Você não quer cantar uma do boi pra gente?
R – Ai, meu Deus!.
P/1 – Uma que você goste bastante.
R – Bastante. Ah, canta só um pedacinho, um pedacinho. “Menino Jesus da Lapa, que te deu os cabelos louros? “Menino Jesus da Lapa, que te deus os cabelos louros? Foi a minha mãe Santana que mandou do seu tesouro. Foi a minha mãe Santana que mandou do seu tesouro. Jesus da Lapa, oh, meu Jesus da Lapa. Oh, meu Jesus da Lapa, nós viemos triunfar. Menino Jesus da Lapa, nós viemos triunfar.
P/1 –Ehhh.
R – Vocês fazem de mim o diabo.
P/2 – Odaísa, a gente queria agradecer muito.
R – Obrigada.
P/2 – Se a senhora quiser falar alguma coisa no final, antes da gente acabar, alguma mensagem.
R – Não. Eu vou dizer uma mensagem: “Encontrei as três Marias de noite pelo mar, em procura de Jesus não vi ele se levantar. Encontrei nossa senhora, bem cedinho, sexta-feira da paixão com galho de ouro na mão. Tornei a pedir, me deu seus cordões. Dei a ___ pra tecer esse cordão. Na ponta tem São Pedro na outra Senhor sem vão. No meio Cruzeiro da Virgem da Conceição, sete velha me “alumeia”, sete anjos me acompanham. Quem disser essa estrofe, a um ano se irradia, vê nossa senhora da morte três dias.
P/1 – Obrigada, Dona Odaísa
R – (risos) Agriô, agriô
P/2 – Museu da Pessoa agradece muito.
R – Obrigado. Vamos lá na teia.
P/2 – E vida longa ao centro, a São Griô.
R – De cultura, a São Griô, se Deus quiser, não é?
P/1 – Ao ponto.
R – O ponto.
P/2 –Ao Rio Grande do Norte.
R – Rio Grande do Norte.
P/1 – Ao boi.
R – Ao boi. Ao pessoal do boi, que de muita saúde, pra nós trabalharmos, definitivo, se Deus quiser.
P/1 – Legal, obrigada mesmo.
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