Projeto Banco do Brasil - 200 anos de Brasil
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Arlete Silva Andrade
Entrevistada por Luis Egito e Nádia Lopes
Caicó, 09 de outubro de 2008
Código: BB200_HV013
Transcrito por Ana Caroline de Aguiar
Revisado por João Vitor Muricy
P/1 – ...Continuar leitura
Projeto Banco do Brasil - 200 anos de Brasil
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Arlete Silva Andrade
Entrevistada por Luis Egito e Nádia Lopes
Caicó, 09 de outubro de 2008
Código: BB200_HV013
Transcrito por Ana Caroline de Aguiar
Revisado por João Vitor Muricy
P/1 – Boa tarde, dona Arlete, muito obrigada por ter aceitado o nosso convite para a entrevista. Eu queria, por favor, que a senhora dissesse o seu nome completo, local e data do seu nascimento.
R – Arlete Silva Andrade nascida no dia 17 de abril de 1951, em Caicó.
P/1 – Certo, o nome do seu pai e da sua mãe?
R – José Domingues da Silva e Eulália Silva de Assis.
P/1 – Certo, o que seu pai fazia?
R – Meu pai era artesão, fazia cestaria. Trabalhava com o talo da Carnaúba fazendo cestos e balaios, porque naquela época a gente usava muito o balaio para fazer a feira e a cesta. Então meu pai, toda a minha família, se dedicavam a isso. Quando eu era pequena, também, eu ajudava meu pai.
P/1 – Sei, e a sua mãe fazia o quê?
R – Minha mãe lavava roupa. Meu pai ficava em casa, e ele trabalhava numa zona rural naquela época em que os fazendeiros tinham os seus moradores. Minha mãe era moradora, meu pai era morador, depois eles namoraram e se casaram. E chegou um certo tempo em que meu pai tava queimando o xiquexique para dar às vacas e choveu, com o corpo quente ele adquiriu uma asma, que naquela época, a medicina para ele foi pouca, não tinha tanta assistência; então meu pai morreu em 1960, deixou de fazer o trabalho de agricultor. Mas onde a gente morava, tinha um monte de carnaubeira e a gente aproveitava o talo e ele começou a fazer balaio pra vender na feira, no sábado, e os cestos pras pessoas fazer feira.
P/1 – Certo, a senhora conheceu seus avós?
R – Conheci.
P/1 – Dos dois lados?
R – Dos dois lados.
P/1 – A senhora lembra o nome deles?
R – Lembro. Uma é Severina da Silva, a mãe de minha mãe; e o meu avô por parte de minha mãe é José Francisco. Por parte de meu pai é José Domingos e a mãe é Maria da Conceição Silva, que era tudo Silva.
P/1 – A senhora sabe, conheceu seus avós, se eles comentavam da origem da família? Se eles eram daqui mesmo..., se vieram pra cá?
R – Só uma que falava, ela sempre dizia, “Minha mãe, ela foi pega a casco de burro”, então a sua descendência era mais de índio. Minha avó, por parte paterna, sempre dizia assim: que a mãe dela era baixinha, era valente, tinha um olhar diferente do sertanejo; então ela sempre dizia a gente que ela, a mãe dela, foi pega a casco de burro, aí eu perguntava: “O que é isso?”, “Não, vivia no mato e alguém pegou”.
P/1 – Caça de burro?
R – Casco de burro. É porque o burro, as pessoas foram atrás e pegaram.
P/1 – A senhora tem irmãos, dona Arlete?
R – Eu tenho duas irmãs, éramos três, uma faleceu. Eu tenho duas irmãs e um irmão.
P/1 – Certo, o nome deles?
R – Anailde Silva de Medeiros, Maria das Graças Silva Santos e José Francisco Neto. Esse mora em São Paulo há 30 anos.
P/1 – Dona Arlete, eu gostaria que a senhora contasse um pouco sobre a sua infância aqui em Caicó. Como era Caicó quando a senhora era menina?
R – Da minha infância eu lembro bem do local onde minha mãe lavava roupa, onde eu ia ajudar, né? Outras coisas que eu lembro da minha infância é..., eu morava no sítio, então estudávamos no sítio com minha mãe, porque éramos todos moradores. Meu pai adoeceu e ele veio pra cidade, então ele foi se dedicar ao artesanato, à cestaria, que hoje, meus tios e meus primos têm essa mesma profissão. E minha mãe lavava roupas, então eu lembro do rio onde eu ia ajudar a minha irmã, pegava a lata e carregava água do açude para a bacia onde ela lavava roupa. Quando eu desobedecia a minha mãe, eu tinha que ficar com o meu pai em casa; e eu ajudava ele também, ele sempre dizia: “Você é quem vai ‘botar’ a ‘perna morta’ do balaio”. Era simplesmente uma perna, um pedaço que ele cortava diferente dos outros, e eu fazia isso e ele trançava. Quando meu pai faleceu eu tinha 8 anos de idade, aí eu fui morar com essa família, e nessa família eu era aquela pessoa que fazia tudo na casa. Apenas com 8 anos eu tinha que fazer tudo: lavar prato, torrar café - porque naquela época não tinha o café, tinha que torrar. Tudo, tudo..., tinha que rachar lenha - porque o fogão era de lenha, comprava o rolo de lenha, o caminhão de lenha. E era o filho do fazendeiro que criou o meu pai e eu fui morar com um deles quando o meu pai morreu.
P/1 – Aqui em Caicó?
R – Aqui em Caicó, ali na Coronel Martiniano onde vocês passaram. E ali eu fazia essa parte, mas eu me dedicava, fazia tudo: estudava de 10h da manhã às 2h da tarde. Quando chegava o balaio de prata era grande para lavar, aí eu ia cuidar tudo dentro de uma casa e depois ia fazer meus deveres, e até às 9h, eu lembro bem, não tinha energia elétrica, tinha um motor quando dava 9h, esse motor apitava e eu pegava a lamparina, acendia e ia fazer os meus deveres. Eu sempre gostei de estudar e eles deram apoio para que eu estudasse, então eu trabalhava em troca do estudo. E foi assim que eu comecei a estudar, me dedicar e fiz meu ginasial. Depois de fazer o ginasial fui fazer o científico, que era uma coisa que eu queria, era meu sonho fazer Medicina. E eu fiz o científico e essa família foi embora pra Natal e minha mãe era viúva e eu fiquei pra ajudar ela. Fiquei aqui pra ela lutar. Eu dava aula particular e fiz dois vestibulares pra Medicina: no primeiro eu tirei a média 8,5, mas não entrava porque não tinha vaga; a segunda tentei, naquele tempo era “brocoió” como se diz, não lutava, não sabia, saía daqui fazer esse vestibular em Natal com as colegas. Eu lembro de um dia que eu fiz uma garapa de açúcar pra botar no cabelo, porque não existia esse laquê pra não ficar só nos meus olhos, bem de madrugada acordava e fazia. Então fiz duas vezes e não passei, aí pensei: “Vou fazer Letras, porque minha mãe está aqui, tenho que ajudar ela”. E fiquei aqui em Caicó ensinando, depois arranjei um contrato no estado, fui professora de Ciências; fiz um curso de Letras, me formei. Fiz um curso de Ciências e comecei a enveredar muito pelos trabalhos sociais de luta, né, fundei a (EMEP?) que era a Associação dos Professores, sempre fui líder de classe, fundei, apesar de morar em Caicó, mas tinha pessoas que não tinham onde morar, nós fundamos a Residência Universitária. Minha era viúva, mas depois de 15 anos de viúva, ela casou e eu não queria que ela se casasse, então eu fiquei só, morando só; e eu fundei a Residência Universitária e por muito tempo fiquei morando nela. E todo movimento que tinha nessa cidade eu fazia parte, União Estudantil estava lá, aquele grêmio estudantil e sempre a minha vida foi assim. Crescendo, estudando, me formando, lutando..., hoje ainda sou envolvida, faço parte, sou presidente do Conselho Comunitário do meu bairro. Eu vou e volto, porque o pessoal pede e a gente vai. Nesse dia a dia aí me dediquei ao artesanato.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho, porque eu queria compreender melhor como é que essa garota de 8 anos sai de casa pra uma outra completamente diferente com tantas obrigações, como é que foi assim pra essa menina Arlete, essa carga pesada aí?
R – Eu, naquele momento, não achava que era pesado, achava que era normal, que era um dever meu. Por quê? Porque meu pai morreu, minha mãe lavava roupa, não tinha como dar de comer a gente, que muitas vezes quando comia o feijão, deixava o caldo pra tomar de noite. Então eu fiquei numa casa em que eu e meus irmãos não tínhamos essa situação. E aconteceu um episódio chato nas nossas vidas: a minha mãe __________ um pouco, e teve alguém que quis forçar a nossa casa, sabe, um vizinho. Então nesse momento aí foi difícil pra gente, para a nossa família, criança então. Essa família pediu: “Vamos morar comigo?”. Aí eu fui morar com eles e eu lembro que era julho e dezembro que eles me davam um vestido; então, eu era aquela pessoa que falava, “Isso aqui é da moça da casa e o que sobrar, o melhor é pra você”. E eu tinha três coisas que eu gostaria muito de comer naquela época e não comi, via na geladeira, era chocolate, uva e maçã. Aí quando eu comecei a trabalhar, no informal eu digo, “Na minha casa isso nunca vai faltar”. E eu achava aquilo normal porque eu tinha o estudo, toda vida gostei muito de estudar, fui louca pelo estudo. E eu passei no curso de admissão, depois vinha pra você fazer o teste e ganhar uma bolsa, aí fiz o teste e recebi a bolsa. Então naquele momento eu achava que era uma obrigação que eu tinha que fazer. Teve uma vez que o balaio de prata era tão grande, que eu levava da pia para um local pra enxugar, e quando eu fui botando, era uma barrinha assim, caiu, quebrou tudo, mas a pessoa que me criava, o dono da casa, tinha muito carinho e era muito humilde, a mulher era um pouco, brigou, não podia, era pequena, era pequena na idade, mas toda vida fui grande.
P/2 – Então com tanto trabalho que a senhora tinha, a senhora não chegou a ter tempo de brincar com outras crianças?
R – Não, nunca soube o que é brincar. Hoje eu tenho uma neta e digo, “Vamos brincar de boneca, já que eu não brinquei, vamos brincar”. Eu nunca brinquei de boneca, não tive essas brincadeiras, o meu foi trabalho.
P/1 – Queria voltar um pouquinho mais atrás, no tempo em que a senhora vivia com sua família lá, seu pai e sua mãe no sítio, que é no meio da caatinga; e como é que a senhora via esse ambiente, esse local..., o que é a caatinga pra senhora?
R – Um local tranquilo, né, harmonioso..., e o que eu lembro bem é só de uma coisa, era que todos os sábados a minha mãe dizia assim: “Vamos pra casa da fazenda esperar seu pai”. E quando o meu pai vinha em cima do caminhão, a gente só tinha uma alegria, porque ele trazia pão doce, que até hoje eu gosto; e confeito, que é aquele confeito duro papel. Isso aí eu lembro definitivamente, como a gente tomava banho e mamãe dizia: “Vamos para casa, pra fazenda”. E outra coisa que eu lembro, é quando mamãe sentava a gente, a gente botava a esteira e todo mundo comia sentado no chão, na esteira. Eu não tenho nenhuma mágoa, marca na minha infância, eu acho que a minha infância mesmo trabalhando ________ muito, eu tenho saudade. O colégio ainda existe e a gente ia correr de __________ bandeira no meio da rua, jogar bola naquele momento e isso aí pra mim foi muito bom.
P/1 – A senhora se lembra da primeira escola que a senhora teve aqui?
R – Foi o Senador Guerra, Grupo Escolar Senador Guerra.
P/1 – E alguma professora assim que tivesse marcado a senhora, que a senhora tenha lembrança?
R – Para mim, foi a professora da quarta série: Ana Anita.
P/1 – Ana?
R – Ana Anita.
P/1 – Anita.
R – A professora da quarta série.
P/1 – Por que, hein, dona Arlete?
R – Eu não sei, eu acho que é porque ela tinha um tratamento. Eu tenho uma foto de quando ela levou a gente pra fazer uma festa na casa dela, e ela tinha tanto carinho pela gente... Por toda a minha vida, eu tinha essa parte que _________________ humildade, hoje eu dizia que era ________, mas eu sempre queria ser a primeira da classe em estudo, em ser obediente, em ser aquela pessoa pra agradar o professor, então por causa disso os professores se chegavam a mim. Uns chegavam mais, outros não, mas eu sempre dizia: “Eu vou estudar pra ser a primeira”. Eu queria ser a primeira em tudo, eu não colava, eu era muito direita.
P/1 – Dona Arlete, como eram as festas da cidade? Essas festas grandes assim..., São João.
R – Dessa parte aí eu não me lembro bem. Eu lembro assim, perto da Coronel onde eu morava, tinha um clube, era do clube do BB [Banco do Brasil], e onde havia as festas, as festas de Santana e lá tinha o baile da festa. Quando a gente morava perto, eu via o pessoal passar, mas eu nunca fui de participar de festa. Primeiro, porque a pessoa que me criava era evangélica, e há cinquenta e não sei quantos anos, o evangélico era aquele moldado que não faz isso, não faz isso. Então nunca fui à festa, não participava do social. Eu lembro bem que eu só gostava de uma coisa, no Carnaval, eu me trajava de papangu, eu e mais outra pessoa. Papangu é..., botava um pano, amarrava, saía vestido de calça de homem e enchia a bolsa de goiaba, que nessa casa tinha um pé bem alto de goiaba, então eu pegava as goiabas e enchia. Quando os meninos vinham correr atrás da gente, eu dava goiaba aos meninos. Aí eu só lembro disso, né, mas nunca fui de festa, de participar de festa, até hoje eu não vou a festa.
P/1 – Eu queria que a senhora dissesse o nome desse casal que criou a senhora.
R – Zilá Vale e João Maria Vale.
P/1 – Mas devido a essa limitação aí de serem evangélicos, não incomodava a senhora ir ao Carnaval, de participar da brincadeira de Carnaval?
R – Não, porque eu vim do sítio, eu lembro do meu pai dizendo no sítio: “Vamos ali pra uma cantoria”. Era um negócio muito _________ que a gente ia e o pessoal ficava cantando naquele violão, rápido. Então não vim de um local de festa, esse negócio todo. E as festas o quê? 20h, 21h já estava em casa, nunca tive, por isso não senti falta.
P/1 – Certo, certo..., e a senhora, com esse primeiro momento aí ajudando o seu pai na cestaria, como é que o bordado caiu na vida da senhora?
R – O bordado caiu na minha vida já grande, já formada. Aí eu fui convidada pra ser a coordenadora quando o Zé Agripino ganhou, e Lavousier Maia era governador. Então eu tinha uma pessoa que eu estudava e tinha aulas chamadas de Economia, que no colégio católico tem essa feira, essa parte, escola doméstica, mas eu tive só um pouco. Então eu gostava muito, pegava esse ________, preparava como sentar, como falar, não sei o que. E tinha a arte e eu queria fazer tudo, me acabava, mas fazia tudo; e eu aprendi a bordar.
P/1 – Isso no científico?
R – Isso no ginasial, aí eu aprendi a bordar, depois que eu aprendi a bordar aí fiquei, quando essa pessoa sumiu já em 1983, 1982, 1981. Eu fui convidada em 1981 a fazer parte de uma equipe - eu militava muito nesse social - pra ser coordenadora de uma equipe aqui. Tinha uma coordenadora e eu era sub e lá eu comecei, foi quando a associação já existia, ela já existia em 1970 e pouco, mas já tava acabado, então eu comecei a renovar. Comecei a fazer uma feirinha tal e tal, e fui chamando, e fui fazendo dentro dessa minha ação, como coordenadora. Aí eu comecei a chamar os artesãos e quando foi em 1983, aí a gente deu uma retomada pra associação. A associação chegou na minha casa com um (birô?), cinco conjuntinhos e a documentação. Aí eu comecei a revitalizar a associação, até aí eu bordava à mão; depois que eu comecei a organizar e a participar de feira e fui organizando, tinha os clubes de mães nos bairros, aí eu comecei a me dedicar ao fortalecimento e à organização da categoria. Porque eu tinha um meio, que eram as políticas sociais, os clubes sociais, aí eu comecei a organizar. A gente recomeçou e as pessoas não queriam, e eu comecei a assumir: “Não, fique você, fique você!”. Então eu fiquei na associação por muitos anos. Hoje ainda sou vice, pedindo pra cada um sair, então a gente organizou essa associação. Depois a gente viu que a região do Seridó era a melhor para o artesanato. Em 2000 a gente começou os governos sem fazer nada, a gente começou a dar uma limpa através de associação, lutando; aí nós criamos um comitê e fomos articulando o Seridó, ajeitando. Então em 2001 nós organizamos um comitê, o Comitê Regional das Associações de Cooperativa Artesanal do Seridó. Então passamos os 25 anos visitando os municípios e organizando, e até hoje o Seridó é a região que está mais organizada. Fui presidente em dois mandatos, agora saí e sou a vice. Aí foi nessa etapa aí, que foi criando a associação e foi engrenando e aumentando.
P/1 – Dona Arlete, de onde vem a tradição do bordado daqui de Caicó?
R – A tradição do bordado vem dos portugueses, dos alemães, que também estiveram por aqui, da escola das freiras que tinha arte doméstica; então quando os portugueses chegaram aqui, as mulheres bordavam até pra ocupar o tempo. Nós temos aqui, uma mulher, o nome dela é Maria Vale e ela tem um ateliê de fazer costura, pra fazer os casamentos ricos de Caicó - ela fazia o vestido, as festas de debutante, os 15 anos. Então ela mandou a filha dela, a filha dela aprendeu com o pessoal e ela começou a ensinar - que é uma coisa que eu ainda vou voltar, sempre luto, a gente ainda não chegou, mas vamos chegar lá. Volta a ensinar nas escolas o bordado, era bordado à mão, a linha vinha da ilha da madeira, porque vinha pra Recife e comprava que a gente ainda tem uma parte dessa linha que vinha, então começou a bordar à mão. Então essa filha dela começou a criar aquelas meninas que não tinham o que fazer e começou a fazer bordado, e se estendeu e veio. Foi criado a máquina Singer, e depois da criação da máquina Singer, a produção do bordado começou a ser à máquina.
P/1 – Nós estamos falando de que ano isso?
R – A máquina, acho que foi 1980 ou 1979. E hoje nós já temos a máquina industrial, que tem a máquina simples e você viu na outra sala que nós temos a máquina industrial, que o pessoal faz.
P/1 – E qual que é o segredo do bordado, dona Arlete? Como é que vem essa inspiração?
R – Eu acho que a inspiração é um dom divino, é uma arte. Eu sempre digo, é uma arte de um povo que sabe fazer. Porque quando você começa a fazer, cria dentro de você..., eu não sei bordar à máquina, mas eu sei se o bordado está bem, o colorido, é uma coisa que já é dentro da gente. Aí tem aqui, faz alguma coisa pra ornamentar pra embelezar a casa, pra fazer alguém feliz e o importante, essa oficina aí está sendo um trampolim de gerações e gerações de mulheres, e agora homens a sobreviver. Hoje, nós temos aproximadamente umas 5 mil bordadeiras dentro desse Caicó, nessa zona rural, nesse Seridó, todas ganhando um salário e meio, dois salários. Os que riscam, lavam, aprontam, bordam, vendem, então é uma coisa absurda, dá o prazer da geração de renda. E se a gente for ali no bairro e conversar com cada uma, elas se sentem felizes, muitas são doentes e vem pra cá. Eu conheci uma que há pouco tempo..., 2003, 2004..., a gente tinha uma casinha, e ela ia descendo com uma sacola - eu não sabia o que era - chegou e conversou, chorou e disse muitas coisas, e eu disse: “Venha pra cá aprender a bordar pra você ter uma profissão, porque você não tem nem uma profissão, não ganha nada, mas na hora que você começar a bordar, você ganha R$ 50 por semana, vai depender de você”. Então ela veio e aprendeu a bordar, hoje ela é instrutora, já tem um emprego, é uma pessoa feliz. Então..., ela ia descendo a um rio pra tentar suicídio, depois foi que ela me disse o que ela ia fazer com aquela sacola. E são 1,2 mil famílias que estão no poço e se levanta e é uma terapia. Se perguntar a todas as bordadeiras: “Bordar pra você é o que?”, elas vão dizer: “É uma terapia”, faz com amor. É uma geração de renda, não preciso de ninguém sou independente. Quando vem festa de Santana aí, elas bordam, bordam, bordam, aí quando chegam os dez dias de festa, você procure umas pra bordar, dizem: “Não, vou pra festa”. E elas dizem: “E quem é esse patrão que me deixa fazer isso?”. Brincam o Carnaval todinho, depois é que vão bordar..., tá na Semana Santa, não vão bordar, então é uma profissão que dá uma geração de renda e satisfaz, você tem o prazer.
P/2 – Uma curiosidade, dona Arlete, a senhora falou que tem alguém que risca, como funciona esse processo de bordar, como ele começa? Uma pessoa que vem e desenha? Como funciona isso?
R – Ela é uma cadeia produtiva, né, pega tecido, corta, aí já tem alguém que Deus deu o dom de criar, tem uns que pegam e vão criando e isso vai passando. Vai passando depois que eles fazem esse design, aí tem uns que já pegam e botam aqui e vai formar. O que é que eles fazem? Eles botam carbono aqui embaixo, o papel vegetal com risco e começam a riscar aqui, aí está pronto. E tem outro método, pega o gás, o anil e o risco é todo perfuradinho e eles colocam aqui e vão passando a bucha e pronto, depois que isso é riscado ele vai pra máquina. Quando você vai aprender a bordar, aí você tem 26 lições pra você poder chegar: primeiro, você vai cobrir o cordão, depois de cobrir o cordão têm umas três lições de cobrar, manejar a máquina, conhecer a máquina, fazer o cordão..., depois que fazer o cordão vai fazer só folha, depois vai fazer só rosa, depois vai fazer só os talos. É que depois você junta, aí quem já sabe bordar pega aqui e já sabe o que é que vai fazer, aí vai fazendo.
P/1 – E ainda tem muita gente que borda à mão?
R – Pouca, tem pouca gente, porque essas poucas que bordam à mão, a mão de obra é cara, aí o pessoal não quer pagar pelo valor. Nós não temos, eu acho 50 bordadeiras que se dedicam hoje a bordar à mão. A gente sempre faz, já retornamos e resgatamos. Acho que do ano passado pra cá, nós já fizemos umas quatro turmas, umas 60 pessoas de bordado à mão, mas num tipo chamado de Rococó que é de um negócio específico. Mas a gente vai tentar fazer nas escolas, um dia eu vou fazer, é isso que eu quero, colocar o bordado à mão nas escolas. Porque agora também tem a legislação, porque a gente vai bordar e a gente não pode pegar uma criança de 16 anos e ensinar aqui, as mães ensinam em casa, mas aqui eu não posso. 14 anos, muitos querem, mas eu não posso, senão o ministério cai em cima da gente.
P/1 – É engraçado que isso também é uma forma de preservar uma tradição que é forte na região. A senhora quando se referiu a esse coletivo de bordadeiras, está falando da região toda do Seridó, ou só de Caicó?
R – Todo o Seridó, mas aqui nós temos Caicó, Timbaúba dos Batistas (que é uma cidadezinha daqui a 20 quilômetros), Serra Negra, São Fernando, Jardim do Siridó e São José. Na Zona Urbana e Zona Rural, nós temos aproximadamente umas 5 mil bordadeiras.
P/1 – E essa produção toda, como é que ela escoa?
R – Em feiras. Por sinal, esse ano nós estamos com um problema, porque o país está passando por uma dificuldade. Quer queira, quer não queira, a gente está sentindo, né? Nós estamos passando por uma dificuldade de escoar nossas mercadorias. Tem feira, encontro..., e tem sempre umas pessoas quando a gente vai pra uma feira, então nós deixamos clientes e a gente vai, vai levando e vai dando pra passar. Claro que nós temos épocas de alta estação, e é bom, mas esses vão para o Brasil inteiro, porque cada um tem seus amigos..., vai vendendo e vai... Agora mesmo nós estamos com uma grande encomenda para São Paulo, para a loja Donatelli, pra fazer umas cortinas. E quando chega o final do ano, muita gente quer brinde. A gente tem uma boa venda aí quando é janeiro, boa. Fevereiro e março, que também isso é normal, né?
P/1 – O que é que é uma grande encomenda, dona Arlete?
R – Uma grande encomenda para a gente é numa faixa de uns R$ 50, certo?
P/1 – Isso significa o quê, uns quantos metros de _________?
R – Uns 200 metros dependendo da peça, porque se for umas toalhas de três metros, porque nós temos toalhas que custam até R$ 3 mil. Essa de R$ 3 mil a gente termina em 90 dias.
P/1 – Ela sai daqui custando R$ 3 mil?
R – Ela sai daqui custando três mil.
P/1 – Certo, e esse trabalho das bordadeiras está mais em função das encomendas ou em função mesmo da produção, e a produção vai se distribuindo?
R – Em função das encomendas, em função dos clientes que a gente já tem, e tem muitos que bordam; mas chega a uma certa idade que não dá mais pra bordar, então elas vão começar a preparar peça e vão ter várias pessoas bordando para elas, entendeu? Nós temos pessoas que já bordaram e hoje têm 70 anos, que tem numa faixa de 50 bordadeiras bordando para ela e ela vendendo.
P/1 – Ela fica coordenando o grupo.
R – Fica coordenando o grupo. Coordenando assim, na sua casa..., e nós temos uma dificuldade desse grupo querer fazer parte do associativismo, porque 80% dessas bordadeiras estão nas suas casas. A preocupação dela é que a pessoa chega lá e dava o tecido, a linha pra ela bordar. Ela entregou e recebeu esse grupo aí, é o grupo maior. Aí o grupo que se dedica a fazer, a vender e a se associar, ele é pouco, mas está crescendo agora. Por quê? Por conta das suas vantagens. Esse grupo que só borda estão vendo que não estão ganhando, porque quem manda fazer, manda riscar, pagou; manda bordar, pagou, mas depois, eles botam em cima 60%, 80% em cima da peça e quem vai fazer ganha duas vezes mais. É o caso da toalha do papa, as duas bordadeiras bordaram, a pessoa que encomendou é quem levou a fama, então com essa associação a gente foi na casa dela, mostrou a essa pessoa que o valor não está na minha pessoa que recebi a encomenda, mas está na pessoa que faz, porque aqui a gente luta por eles. A gente valoriza muito a pessoa que faz isso acontecer, que faz o bordado em si.
P/1 – E como é que foi esse episódio da “toalha do papa”?
R – Justamente, como nós vamos para a feira e lá encontramos as pessoas, então as pessoas fazem encomenda, certo? Então nós temos que apresentar a pessoa que bordou, a pessoa que fez. Aqui nós temos muito cuidado pra botar cada ponto nos “is”, pra saber quem é você: você é a que risca, você é a que cria, você e a que lava; e eu sempre digo que a pessoa que lava, engoma e passa o bordado, tem o mesmo valor de quem faz, porque nós temos dificuldade de vender uma peça mal lavada.
P/1 – Dona Arlete, eu vou fazer uma pergunta “besteirona” pra senhora, mas eu queria que a senhora refletisse sobre ela. A senhora disse que o associado tem vantagem, qual é essa vantagem?
R – A vantagem são várias. Compramos diretamente nos fabricantes, um tubo de linha a gente compra direto na fábrica, custa cinco reais para a gente; se a gente for comprar no comércio de Caicó, um é 7,5 e o outro é 9, então tem essa vantagem da compra do volume. Tem a vantagem de a gente sair e ir vendendo, quando eu vou vender sozinha, eu tenho muito mais despesa, então quando eu vou vender do grupo, o grupo vai e fica menor; então tem a questão da venda também em conjunto, fica melhor pra cada um. E tem outras vantagens, porque tem o intercâmbio, o associativismo e o companheirismo, porque somos nós, os sócios, que fazemos o cooperativismo e a associação. Nós não só estamos unidas colocando o braço no ombro, não só em relação ao bordado, não só em relação à venda, mas em relação ao dia a dia do companheirismo. Aquela bordadeira que ficou viúva ficou só, nós estamos ali caminhando. Aquela que adoeceu está enferma há muitos anos, a gente está acompanhando, lutando. E perguntamos: “O que é que está faltando pra você?”, aí ela responde: “Eu quero fazer um exame e não estou conseguindo”. Lutamos também pelas políticas públicas, eu sempre luto e fico dizendo: “Vamos fazer quantas casas em Caicó?”, então vamos fazer dez casas. Cinco vão para as bordadeiras, porque ela faz tudo de belo, bonito e ganham dinheiro, mas se você for analisar aí..., tem umas que vivem em verdadeiros (quichozinhos?). Então é uma luta do dia a dia, que muitas das vezes são atendidas e outras não. A reforma vem do governo... e eu fiquei com um tanto para fazer reforma das casas, quantas têm pras bordadeiras. Aí também tem o fortalecimento para a gente conseguir uma linha de crédito..., ontem eu tive uma reunião e o Banco do Nordeste disse assim, “Arlete, a carência aumentou”, e eu perguntei, “Pra quantos meses?”, e ele respondeu “Pra nove meses, isso foi o resultado daquela reunião que vocês lutaram”. São coisas que a gente luta pra classe, que o associado ganha, quem não é associado ganha.
(troca de fita)
P/1 – Dona Arlete, a senhora contou que teve esse seu período de vida aí, de militante social, e a senhora foi secretária do município. Como é que foi o envolvimento daquela militante estudantil até a responsável por uma secretaria, dentro do município de Caicó?
R – Encontrei dificuldades, porque eu tenho um ideal de uma maneira de luta, de honestidade dentro do dinheiro público. O que é público não é meu, é do povo, e eu encontrei dificuldades, até porque eu fui fazer parte da secretaria de umas correntes de direita tradicional, e o que eu pude fazer dentro da secretaria..., eu lembro que fizeram uma greve.
P/1 – Que secretaria que foi? Desculpa.
R – Secretaria da Educação, 2 anos. Primeiro eu fui coordenadora, depois eu fui 1 ano secretária, depois eu saí e fui ser a Secretária de Ação Social. Então foram quatro anos nesse trabalho.
P/1 – De quando a quando?
R – De 2000..., terminei em 1978, 1976..., esqueci agora o período. Há 8 anos, porque já passou um mandato, outro mandato 4, então foi quando? Já passaram dois mandatos e eu fui do anterior. Do anterior eu tinha uma dificuldade muito grande. Primeiro foi um cacique que foi o prefeito, que disse assim, o papa que é chamado de Papa Jeremias, aí esse homem quando ele foi prefeito, ele saiu pra ser deputado estadual e deixou o vice, esse era médico e disse: “Eu estou aqui”; e quando chegou, tinha uma visão muito pra ele, aí eu tive uma luta grande, tive que sair, porque dizia: “Não aguento então”. Eu tinha uma amizade do pessoal do PT [Partido dos Trabalhadores], do pessoal do PCdoB [Partido Comunista do Brasil], que antigamente era bem de esquerda, antigamente que eu digo assim, né? Então eu sempre tinha aqueles momentos de reunir com eles e direcionar isso. Então em todas as escolas, apesar de que era uma ação do conselho do governo federal ligar os conselhos de escola..., que vinha dinheiro. Eu tentei tornar o mais democrático possível, para que participasse o conselho da merenda escolar, conselho do Fundef [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério], fiz esses conselhos. Fazia tudo pra que houvesse a participação da população e também que eu tivesse a assinatura dele naquilo que ia fazer. Eu encontrei muita dificuldade, porque os nossos próprios colegas me deduravam ao prefeito e dizia que eu estava fazendo diferente: “O que você faz eu não faço”. A gente foi fazer um concurso, aí ele botou uma pessoa pra tomar conta desse concurso, e eu disse a ele: “Isso não está certo, isso não é direito”, aí ele falou: “Não. mas ele é quem vai fazer as inscrições”. Aí antes de terminar, eu fui ao banco e a pessoa me informou que o dinheiro do concurso estava no nome dele, em uma poupança. Aí eu saí e disse: “Olha dr. Nilson” - que era o prefeito - “Se o senhor não mudar isso, eu vou denunciar ao Ministério Público”. Aí eu esperei uns cinco dias e nada, eu desci e disse: “Eu vou hoje ao Ministério Público”. Fui ao Ministério Público e denunciei que o dinheiro estava sem ___________ e pedi uma ajuda a eles, pra eles cancelarem o concurso, foi difícil as pessoas reverterem o dinheiro, aí eu disse: “Nunca mais eu quero esse negócio”. Quando terminou foi difícil, mas foi bom porque eu ajudei muito e tentei fazer..., mas que é difícil é, não é fácil.
P/1 – Boa de briga a senhora, hein? Vou dizer! Eu queria que a senhora contasse um pouco, a associação já existia, a senhora revitalizou a associação e está apontando isso pra uma cooperativa, é isso?
R – A associação, mesmo com tudo isso aí..., quando eu passei esse tempo na secretaria, eu tinha uma vice que tomava conta. Aliás, eu fiz a eleição e saí, a menina tomou conta e eu com uma quedazinha porque o volume do trabalho era grande. Aí agora em 2004 que a gente começou com o DRS [Desenvolvimento Regional Sustentável], e a associação ainda existe. Em 2006 gente fundou a cooperativa.
P/1 – E qual é a diferença formal de uma coisa pra outra?
R – Tem que ser tudo a questão jurídica, né? Pessoa jurídica de direitos privados, fins não econômicos. Agora a cooperativa em relação à comercialização é bem melhor, eu tenho os meus direitos, tem uma fiscalização..., governo federal, governo estadual, governo municipal, INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], tudo isso; mas eu também tenho mais abrangência para comprar, comercializar, porque eu tenho nota. Não podia ter nota na associação pelo código civil, e hoje pra você vender o comércio você tem que ter a nota; e como é que eu ia fazer? Então a cooperativa foi criada mais para o cruel, como se fizer o duro - que é a comercialização. A associação é mais para uma razão social.
P/1 – A senhora mencionou uma coisa que me chamou muito a atenção, que é essa outra função da associação/cooperativa além do negócio, além do produto, além da produção. Que é esse bem solidário, esse bem intangível aí da solidariedade e tudo mais. Eu queria que a senhora contasse um pouco mais como isso se dá no grupo das bordadeiras aqui.
R – Isso vai dar no dia a dia. Nós temos reunião toda terça-feira, e como a gente mora numa cidade do interior, todo mundo conversa e olhe lá. É quando a gente se senta no escuro que a gente começa a conversar, sem querer saber da sua vida, aí você encontra alguém, conta sua vida, e vivemos assim. A gente pode ajudar o que está no meu limite..., e a gente vai ajudando. Ontem mesmo no curso, a gente estava com uma pessoa e ela estava triste, eu estava notando que ela estava ansiosa, e aí eu perguntei: “Porque você está...”, e ela respondeu: “Não, estou bem”, “Não, você não está bem”, “Por quê?”, “Porque a sua fisionomia não está bem”. Aí ela me disse o problema, né? Um problema sério. Eu já vou me dedicar a conversar com ela, se for preciso levar ao psicólogo eu vou levar. E isso vai desapontando no dia a dia porque eu sou evangélica, e às vezes levo pra igreja, procuro alguém, faço um encontro lá na igreja. Porque eu digo assim: o importante da nossa vida é ter um pouquinho de encontro com Deus, se você não tiver o seu equilíbrio em Deus..., porque às vezes dizem assim: “Não, Arlete, se não vamos fazer”, eu digo: “Não, mas deixa eu ficar com esse equilíbrio”. Que às vezes acontece alguma coisa na nossa vida, e vem o desespero, porque você não tem aquele equilíbrio e aquela vivência, a experiência no dia a dia com Deus. Porque eu tive um momento da minha vida muito difícil em 1988, eu fiquei viúva. Primeiro, meu esposo foi meu primeiro namorado; namorei dezessete anos, três meses e cinco dias, então quando eu me casei, só passei seis meses casada. Porque foi uma coisa, a gente pensava que era uma coisa e foi outra, então numa viagem ele faleceu numa bebedeira – ele foi com os colegas beber, virou o carro e morreu. E ele ficou sem cabeça na virada e eu fiquei só com dois filhos, um com 4 anos e o outro com 2 anos pra fazer tudo na vida, cuidar de estudo, ser professora (porque eu era professora), os dois expedientes e cuidar de menino, cuidar de tudo. Então eu tive isso aí, muito duro para mim, mas eu confiava muito em Deus, eu acho que se não fosse a confiança em Deus e a coragem..., porque quando alguém morre, em 30 dias muita gente chega pra você e tal e tal, depois que chega com 45 dias “se vire”, e quando eu vi que essa cena é assim eu disse: “Não, eu vou colocar e vou sair”. E fui, e minha mãe foi um grande elo para me ajudar, mesmo com eles pequenos, com seis anos, eu saí pra visitar, vender bordado nesse Brasil a fora. Eu saia em feira por todo o Brasil, vendendo..., eu andava de avião, eu andava de carro, de boleia de caminhão; dormi em hotel, dormi em posto de gasolina, dormi em um stand ao ar livre, então eu passei por tudo isso. Mas sempre dizendo: “Vai melhorar e a gente vai ter um final feliz”, sempre, sempre e sempre. Há não sei quantos anos eu disse: “Se Deus quiser, vamos ter um carro para a gente sair vendendo”, hoje a gente já pode agradecer porque já temos um novinho zerado.
P/1 – Dona Arlete, quando foi a primeira vez que houve uma venda pro exterior?
R – Sempre fazíamos venda para o exterior, porque tem gente que vai pra lá e vai levando..., uma venda sistemática foi pra TAM, que fizemos eu acho que em 2005. Que a TAM pediu um mostruário e nós mandamos através do balcão do exterior do Banco do Brasil, então nós fizemos essa venda; foi em 2006, foi um dia desses. Depois dessa venda já fomos duas vezes pra Portugal; uma vez na Itália, em Milão, expor, mas como a gente faz a exposição de cinco, seis dias..., hoje sabemos que pra gente fazer o comercio no exterior, temos que passar pelo menos um mês mostrando, isso aí a gente já sabe, estamos trabalhando pra fazer isso.
P/1 – E como foi a reação dos estrangeiros com o trabalho de vocês?
R – É muito bem aceito, porque você sabe: o Brasil lá fora é bem aceito - no Carnaval, nesse Brasil, em tudo. O nosso bordado só tem uma coisa, é que o nosso é à máquina, na Espanha é à mão, em Portugal é a mão, então eles sentem isso aí; a qualidade do bordado e o tecido, porque o preço de Portugal é muito caro em relação ao nosso. Essa parte aqui do richelieu é o carro-chefe no Brasil todo e no exterior. É no exterior que eles ficam perguntando como é que faz – impressionados - o design desse negócio nesses florais.
P/1 – Dona Arlete, como é que foi que o Banco do Brasil chegou nesse movimento aqui?
R – Em dezembro de 2004 a gente estava fazendo uma reunião na nossa associação, porque tínhamos uma casa alugada pra fazer as oficinas, e quando a gente chegou na tardezinha, eles chegaram e falaram: “Vocês querem fazer um convênio com a gente?”. Como a gente achava que o Banco do Brasil era aquilo que eu nem entrava, não tinha dinheiro a gente entrava só ali, mas tinha até um receio de entrar, então a gente aceitou. Então começou..., depois disso aqui com o banco, veio o DRS, fizemos um projeto juntos e fomos caminhando juntos, formando. Aí eles também ajudaram muito na questão da gestão, porque a nossa associação era uma coisa, mas não era uma parte como em uma empresa que você tem que trabalhar. Então, “vocês têm que ter isso”, e a gente começou a trabalhar na função da presidente, a função da vice, do tesoureiro, fluxo de caixa essa parte. Então nós crescemos muito de 2000 pra cá, a gente ia pras feiras e dizia: “Olhe, compre esse bordado de umas mulheres lá da nossa região”, e a gente viu que os empresários não conseguiam comprar nada de quem eles não têm confiança. Então a gente começou a construir, nós temos a construção desse prédio que foi feito pelo DRS. Em breve, se Deus quiser, vamos ter toda a nossa embalagem, toda a etiqueta e a gente foi sentindo a necessidade de ser empresário, artesão-empresário..., e que a gente tinha que tratar de negócio para negócio. Então hoje a gente ainda precisa crescer mais, estamos crescendo no patamar e nós sabemos quem é que não pode aventurar. Porque a gente tem que sentar, fazer preço e nós temos a tabela de preço que antes a gente não tinha. Hoje nós temos um design, que hoje essa parte de design é o mar, certo? Mas a gente catalogou alguma coisa e hoje a gente já sai com referência. Então, essa parte de gestão, ajudou bastante. A outra foi a divulgação, nós tivemos um horário nobre no Fantástico, então isso aí deslumbrou. Já era conhecido o nosso bordado, então isso aí pra gente foi formidável, essa parte aqui é a referência na nossa região, eu acredito, mas uma estrutura toda organizada como a nossa não existe no Rio Grande do Norte, que hoje não está tudo funcionando porque está nesse outro treinamento. Então a questão de gestão, a questão de infraestrutura, a questão da divulgação e da comercialização..., e hoje a gente pensa assim, vamos nos preparar para enfrentar o exterior, não da maneira que nós somos, mas vamos fazer site, vamos fazer nossas embalagens, vamos fazer nossas etiquetas, vamos fazer nossos folders, nossos catálogos, vamos botar uma loja virtual. Hoje, pra tudo isso a gente diz que vamos fazer e nós sabemos por onde começar, o que é que precisa e sabemos também o risco, a gente senta e fala: “Vamos botar agora uma loja virtual, que agora os Correios estão nos procurando, vamos”. Aí nós analisamos quais são os nossos deveres, os nossos riscos..., hoje a gente já conversa isso graças ao DRS.
P/1 – Como é que os associados e os cooperados veem o Banco e a posição do Banco no trabalho de vocês? Como é essa relação?
R – Uns muito bem, outros até com ciúmes. Aí eu digo, “Vocês podem vir”. Hoje a gente está fazendo esse curso de associativismo para associar outras pessoas que querem ingressar ontem e hoje, com uma parceria do Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], a gente está nessa reunião.
P/1 – O que a senhora diria que seria o fato mais marcante de toda essa trajetória aí da cooperativa e da associação? E do trabalho da união das bordadeiras daqui?
R – Eu acho que o fato mais marcante foi a nossa divulgação no Fantástico, que saiu Associação das Bordadeiras do Seridó, e a gente mostrou pro Brasil inteiro, para o exterior quem era a gente. Isso aí foi mais marcante, isso era conhecido, mas não era tão conhecido como foi isso. Nós passamos quase três horas recebendo ligação. Depois disso, as pessoas nos procurando. E o apoio sabe o que? O apoio logístico, a gente não tinha esse poder, mas o apoio logístico que nós temos do Banco do Brasil é de grande importância. Eu estava na Itália com grande dificuldade, em Milão sem saber onde parar, porque houve o problema da mercadoria, não só eu, mas quem foi. E eu não sabia falar inglês nem espanhol. Eles são bairristas, a gente trata muito bem o italiano, mas quando a gente chega lá a gente sofre um pouquinho, aí passei um e-mail para o Dr. Luís Osvaldo, em Brasília: “Dr. Luís Osvaldo, eu estou sentindo essas dificuldades”, no mesmo dia à noitinha ele me disse: “Amanhã você vai ao Banco do Brasil”, aí eu fui ao Banco do Brasil lá em Milão, aí não faltou nada pra gente, nada, nada, nada. Ficou uma pessoa nos acompanhando. Aí é outra coisa, e eu acredito que onde eu estiver a gente tem esse apoio. É muito importante isso.
P/1 – Está certo, nós estamos terminando, dona Arlete. A senhora disse que é viúva, né, e como é o nome dos seus filhos?
R – Um é Abdenego Felipe Silva Andrade e o outro é Abinadabe Silva Andrade.
P/1 – O que é que eles fazem?
R – Um me ajuda aqui, porque tem o contrato dos meios, eu pedi um funcionário e eles mandaram. Eu nem queria, porque mãe e filho, mas eles mandaram e ele me ajuda nessa parte aqui. Ele ajuda porque é casado e tem dois filhos e o outro está estudando Engenharia Elétrica - se forma o ano que vem.
P/1 – Certo, e seus netos?
R – Meus netos são só de um, porque o outro é solteiro. Um tem quatro anos - que é a Bianca - que eu não tive nenhuma filha e eles moravam comigo, só faz um ano que estão morando só, então foi a filha que eu não tive. E o outro que já apareceu, que é o Cauã - que tem oito meses, nove meses.
P/1 – Dona Arlete, o que é que a senhora pode dizer que foi o seu maior aprendizado nessa vida aí de atividade comunitária aqui em Caicó?
R – A minha maior aprendizagem no dia a dia foi saber que eu sozinha não faço nada, que a união é a força de tudo, que eu não vou chegar a lugar nenhum só, certo? E outra coisa é saber que no meio disso, existem pessoas com mais dificuldade do que eu, não sou só eu que tenho as dificuldades..., e que eu posso ajudar e posso também ser ajudada. O que eu acho mais importante para mim era o dia do meu aniversário, tem muita gente que não gosta, mas eu amo o dia do meu aniversário, porque eu não faço nada, eu fico em casa só recebendo ligações, emissora, não sei o que. Só às vezes, nos meus 50 anos, uma pessoa se meteu e disse: “Quero dar uma ajuda a você, pros seus 50 anos”, eu digo então: “Você quer me ajudar, então eu quero fazer lá na favela do Frei Damião”, que lá não tinha um colégio quando eu fui secretária, coloquei uma escola de pé no chão. Aí a sujeira de lá era um povo que eu tinha que caminhar e dizer: “Você tem que tomar banho”, porque uma pessoa de fora não podia chegar lá, que primeiro a gente tinha que conviver como eles eram, pra depois a gente se informar. Então eu fiz os meus 50 anos lá, com um café grande no meio da rua. Então, aí eu noto que a gente nunca está só, sempre tem alguém, e todos os níveis, e todas as raças que me dão a mão. Nessa favela mesmo as pessoas têm medo, eu entro lá qualquer hora da noite, qualquer dia, ninguém me faz nada. E sempre tem uns que falam: “Olha se nego fizer um tanto assim com você, você me fale”, se eu sou doida pra dizer nada, então graças a Deus eu não sou roubada, tenho aquele cuidado e isso pra mim é tudo.
P/1 – Dona Arlete, qual que é o futuro da associação, da cooperativa? Qual é o futuro dessas bordadeiras tão talentosas aí?
R – O futuro da associação é formar mais associados, que é um trampolim que nós formamos, que em 90 dias a gente forma uma pessoa se ela tiver a queda pra ser, então ela vai ter a sua geração de renda, então cada vez mais aumentar o número..., consequentemente aumentar o número de renda pra eles, se eu for aumentar, o número vai aumentando..., e a gente sair desse Brasil para o exterior se Deus quiser.
P/1 – O que a senhora avalia dessa ideia de o Banco do Brasil contar a história dele, mas pegando esses exemplos de grupos sociais, pessoas que estão vinculadas ao banco de uma forma diferenciada, em cada bioma brasileiro, como é que lhe parece essa ideia?
R – Para o Banco é importantíssimo, pra mostrar que o Banco do Brasil também tem coração, que não só é o duro, o dinheiro. É pra mostrar que há uma preocupação, porque a gente pensa que o bancário, o Banco do Brasil, é só pra dinheiro, pra dinheiro, pra dinheiro. Mas que nesse momento teve o cuidado, o amor de fazer a sua parte social, de fazer milhões de pessoas felizes, de fazer milhões de pessoas independentes, milhões de pessoas ganhando a sua geração de renda e dizendo assim, eu não tenho patrão. Eu agradeço ao Banco do Brasil que criou essa estratégia, do DRS, isso aí pra gente é importante demais.
P/1 – Alguma coisa que a senhora gostaria de ter dito e a gente não perguntou?
R – Não, já disse tudo.
P/1 – E o que a senhora achou de ter participado dessa entrevista?
R – Bem, bom. Pensei que era mais difícil.
P/1 – Muito obrigada, então, dona Arlete. Foi muito bom ouvi-la. Muito obrigada mesmo.Recolher