P/1 – Primeiramente, Amanda, você pode dizer o seu nome inteiro, local de nascimento e data?
R – Sim. Eu sou Amanda Cristina da Silva, eu nasci em São Paulo e a data de nascimento é 29 de setembro de 1987.
P/1 – Você pode fazer o mesmo agora para os seus pais, para o seu pai e para a sua mãe? O nome, local e data de nascimento, se você lembrar.
R – Essa é uma boa ressalva, se eu lembrar (risos), mas enfim, meu pai chama-se José Lourenço da Silva, ele nasceu na Paraíba, em Alagoa Grande, na verdade, João Pessoa, que o hospital era lá, mas ele morou a vida toda em Alagoa Grande, junto com a minha mãe também que é de Alagoa Grande, Maria de Lourdes da Silva e eu não lembro a idade dos dois. Meu pai já é falecido, minha mãe, acho que tem 60 anos, mais u menos… (risos).
P/1 – E quando você nasceu, você sabe o que eles faziam, na época?
R – Quando eu nasci, os dois já estavam morando em São Paulo, eles vieram para cá, minha mãe era auxiliar de serviços gerais, ou cozinheira, alguma coisa do tipo ou todas as coisas, antigamente, eles faziam tudo na casa dos patrões e o meu pai era motorista do senhor Laurindo, que era o empregador e minha mãe era essa faz tudo da casa.
P/1 – Na mesma casa?
R – Na mesma casa. Os dois trabalhavam na mesma casa.
P/1 – Como é que você descreveria, o seu pai, por exemplo?
R – Acho que… nossa, acho que falar do meu pai é um negócio muito louco, acho que falar da minha mãe é uma coisa mais suave, talvez mais constante, minha mãe é uma constante, mas meu pai é uma variável, uma variável gigante. Então, falar dele é meio complicado e simples, ele era o meu pai (risos).
P/1 – Mas por quê? Você pode falar?
R – Posso. Eu só vou tentar, porque tem coisas que sei lá, é difícil descrever. Acho que você sente, rola muito mais você sentir do que descrever, mas acho que o meu pai, ele era um general, acima de tudo. A criação que ele teve foi essa, então, não é de se estranhar que ele realmente fosse um general. Então os dois foram criados na Paraíba, era uma educação muito autoritária e também, muito fechada. Então o meu pai tinha uma visão de que a mulher tinha que ser criada para servir o homem e que ela não tinha outra função, não tinha que estudar, não tinha que trabalhar, não tinha que fazer outras coisas. Então, ele era complicado nesse sentido, até por isso que a gente teve muita… nossa, nós tivemos muitas discussões, muitas brigas por conta disso e a minha mãe era constante, porque ela fazia jus a essa identidade construída por essa educação, por esse tempo, por essas pessoas, então por isso que eu descrevo os dois assim. E ele tinha a variável porque ele fazia jus ao bom e velho nordestino (risos), com a faca. Então, era muito legal porque a gente tem uma cultura muito rica, acho que… você também é pernambucano, né? E eu absorvi muito disso, mesmo sendo paulistana, absorvi muito da cultura nordestina com os meus pais, porque era muito engraçado, até hoje, a gente tinha na cidade, na mesma cidade, três ruas só de família. Então, na primeira rua morava e ainda mora a minha família, na segunda, uma tia e na terceira, uma segunda tia. Então, a gente vivia muito cercado dessa cultura nordestina, por mais que estivesse em São Paulo, na verdade, não é capital onde eles moram, eles moram aqui numa cidade chamada Carapicuíba, cidade dormitório, aqui do lado.
P/1 – Você cresceu lá, em Carapicuíba?
R – Cresci. Cresci em Carapicuíba. Eu nasci na capital, mas logo em seguida, esse senhor Laurindo, que a gente chamava de Doutor Laurindo, que ele era advogado, ele doou uma casa para os meus pais, essa parte eu ia usar o lenço, mas não vou usar não (risos).
P/1 – Antes de voltar e ir para essa parte do bairro de Carapicuíba, você pode falar um pouquinho mais da sua mãe, então?
R – Então, a minha mãe é esse lance que eu falei, né, ela é bem… ela é constante até hoje, acho que faz sete anos que o meu pai faleceu e até hoje, é uma pessoa muito submissa, muito constante e é uma constância abaixo de zero, é muito complicado porque a gente percebe que isso faz mal para ela mesma, mas ela não tem um poder de reação, ela não tem condições de sair desse movimento que está ali, é como se fosse uma placa de gelo e ela se encontra embaixo dessa placa de gelo e ela não consegue romper isso. Então, eu acho isso muito complicado, porque eu fico olhando: “Putz, eu tive que romper muitas coisas pra…”, desafiei o meu pai para conseguir chegar e falar: “Eu vou trabalhar, eu vou estudar, eu vou fazer tudo”, e ela não consegue, então isso é complicado.
P/1 – Você falou que os seus pais são da Paraíba, né?
R – Sim.
P/1 – Conta mais um pouco dessa origem da sua família, o que você souber.
R – Olha, eu já nasci em São Paulo, na capital, voltei para lá quando eu tinha cinco anos de idade.
P/1 – Para ver os seus avós?
R – É, mas, eu voltei para lá tipo de férias, coisa do tipo, a gente não ficou lá e aí eu não me lembro depois de todo esse tempo, eu nunca mais voltei para a Paraíba, até voltei para o Nordeste, mas ainda não voltei para a Paraíba, é um dos planos de vida, ainda resta um tempo (risos), espero, para cumprir essa parte. Mas, eu sinceramente, não sei falar sobre a Paraíba, eu tenho uma imagem da Paraíba ou do que eles viveram lá que é pelos olhos dos meus pais, então, a imagem que eu tenho são dois mundos, que é um pouco do que foi vivido, que é a história aqui em São Paulo. Mas tem um mundo chamado João Pessoa e um mundo chamado Alagoa Grande.
P/1 – Alagoa Grande é…?
R – É o interior da Paraíba, ou já quase interior. E ai, esses dois mundos… em João Pessoa, a gente tinha até uma tia que eles falam que é a tia rica que eu não conheci, que eu não conheço ainda e em Alagoa Grande vivia todo mundo, vivia todo o resto – várias aspas, porque acho esse termo bastante pesado" –, mas vivia todo mundo em Alagoa Grande e uma tia lá em João Pessoa. E Alagoa Grande, a imagem que se tem é de uma casa muito simples, com um telhado só para aparar o sol e uma rede, as pessoas dormindo em redes, não tenho imagens de camas, isso são imagens de memória, né, como chama? História contada. Memória de história oral, ouvindo dos meus pais e… então, não tem imagem de camas, tem imagens de redes dentro de casa simples, com telhado só para aparar o sol e o roçado, porque é onde eles trabalhavam, eles não tinham outros afazeres e parece que pelo menos, dos que vivem lá até hoje, ainda não têm outros afazeres, as histórias que eu continuo ouvindo de quem está lá continuam no roçado. Eu não sei como é o roçado e sinceramente, não gostaria de saber (risos).
P/1 – Mas o seu pai, a sua mãe e os seus avós vieram de Alagoa Grande, é isso? Ou de João Pessoa?
R – Não, é porque lá na Paraíba, o hospital que fica mais próximo de Alagoa Grande é em João Pessoa, então eles moravam em Alagoa Grande, eles só nasceram em João Pessoa e voltam. É como Carapicuíba, não tinha… na época em que eu nasci, eu ainda estava na casa do Doutor Laurindo, mas alguns dos meus… todos os meus irmãos, a gente morava em Carapicuíba, mas todo mundo nasceu em Osasco, que é a cidade vizinha mais próxima, porque não tinha hospital em Carapicuíba. Hoje tem, mas antigamente não tinha, então todo mundo ia para Osasco, ou ia para Barueri, ou ia para São Paulo, para Lapa, que era mais próximo. Então, uma coisa meio assim. E lá, a mesma coisa, por isso que eu faço essa associação dos dois mundos. Para mim, algumas coisas são emblemáticas. Esse lance dos dois mundos para mim é bastante emblemático.
P/1 – E você tem irmãos, é isso?
R – Tenho.
P/1 – Quem eles são?
R – Nossa, eles são um outro mundo à parte. É bem engraçado isso também, porque meus pais fizeram bastante jus à cultura e educação que eles receberam na Paraíba e (choro) e aí eles enfim, eles colocaram nove filhos, não, oito filhos no mundo. Isso para mim é surreal, eu diria até inconcebível (choro), mas isso por quê? Porque é complicado também… eu também fico numa situação que é de novo essa comparação dos dois mundos, porque eles viviam num mundo que eu acho diminutivo muito vulgar, esse lance do “mundinho”, né? Não era o mundinho, era o mundo deles, era o mundo próprio, uma cultura, uma educação própria, então eles tiveram os oito filhos deles, que era para ser nove, mas um nasceu morto e que para eles isso era super normal e para mim, isso é um extremo absurdo. Mas são outros tempos, outra cultura e é um outro momento, um outro lugar também. Então, o lugar histórico… quando a gente pensa isso, que a história, ela tem uma série de componentes, de cheiros, de gostos, de vidas. Então a história dos meus pais é uma história que está muito ligada a minha história, muito implicada em mim, mas que tem muitas coisas que eu discordo e eu não deixo de ser filha deles por discordar disso, mas eu só gostaria de ter uma história, às vezes, um pouco diferente deles. Por exemplo, eles colocaram os oito filhos no mundo, só que eles não tinham uma preocupação direta em todas as necessidades básicas que uma criança tem. Para eles, dentro da educação deles, dentro da cultura deles, comer e beber tendo um teto era suficiente, mas isso não é suficiente, pelo menos é o que eu penso. E aí, se você coloca todas essas crianças no mundo, é muito provável que você perca o controle disso, não que as crianças devam ser controladas, mas você precisa educar um por um, se você não tem condições de educar um por um, não tenha mais que um, é uma equação simples, mas não para todos, não para todas as culturas. E isso que eu acho até bacana no trabalho, vira e mexe, a gente discute “n” questões assim, isso depois eu quero comentar, porque o trabalho é um outro mundo à parte na minha vida, porque são vários mundinhos, como hoje eu estou aqui contando a minha história para uma câmera e para algumas pessoas, mas há alguns anos atrás, eu não contava a minha história para ninguém, porque eu achava a minha história muito absurda (risos). Então falar tudo isso para mim era muita coragem, falava: “Nossa, que absurdo, como é que eu vou expor para as pessoas tudo isso?”, mas hoje eu acho que sim, acho que as pessoas têm que saber, porque Amandas Silva não tem pelo mundo? Tem milhares de Amandas Silva, que têm os mesmos conflitos, que esses conflitos não são psicológicos, tá gente? Não estou falando que eu preciso de psiquiatra ou que as outras Amandas precisem, pode até precisar, mas o que eu estou tratando são conflitos sociais. Enfim, e todos esses conflitos que existem são normais, mas vira e mexe, voltando no trabalho, a gente discute às vezes, essa questão da intolerância e aí, vira e mexe eu esqueço o que eu ia falar, então se eu ligar mal as ideias é porque eu já esqueci (risos), mas tudo bem.
P/1 – Mas a gente só estava falando dos seus irmãos, mesmo.
R – É, é que eu fui longe para falar do lance, mas esse lance de discutir as intolerâncias, deixa eu só tentar lembrar… ah, lembrei! É esse lance da diversidade cultural, mesmo, que é algo super normal, então esse lance da intolerância, acho que está muito ligado a isso, à diversidade cultural, eu entendo qual é a cultura que envolveu as ideias e as ações dos meus pais e o desencadeamento disso, eu não concordo, mas eu respeito e é um pouco disso que a gente vive hoje, o que leva essas pessoas a desrespeitar a cultura do outro? Então, acho que isso é um ponto que a gente, às vezes, deveria parar para pensar, porque gente, não estou falando que foi fácil, ver tudo aquilo acontecer, vira e mexe, alguém fazer uma brincadeirinha: “Nossa, seus pais não tinham TV em casa”, isso não é agradável, mas eu vou bater no outro porque ele fez um brincadeirinha, sendo que ele é filho único, tem tudo e beleza, tudo bem, mas às vezes, ele tem tudo e não tem o que eu tenho, tenho amor, tenho afeto, tenho tudo isso e ele sofre de carências emocionais, mas tem tudo de material. Então, as pessoas são diferentes, as culturas são diferentes e às vezes, pode parecer que eu estou falando tudo isso para até me auto afirmar, mas acho que não, porque se alguém mais vir esse vídeo além de mim mesma, porque eu já conheço minha história, né, conheça e respeite, é isso.
P/1 – E você estava falando da sua casa, que você passou a infância. Você se lembra dela como? Como que ela era para você, em Carapicuíba mesmo?
R – Sim. É uma casa grande (risos), é engraçado, porque alguns termos… aliás, acho que tudo é relativo, não são alguns termos, mas tudo é relativo e a casa é grande, mas ela é grande para quem, cara pálida? Com dez pessoas ali dentro, ela não é mais uma casa grande, ela ficou muito pequena, é como um fusquinha. Um fusquinha é super aconchegante, eu adoro fusquinha, gente, desculpa para quem não gosta tudo bem, mas eu adoro fusquinha e o fusquinha é super aconchegante, tal, difícil de dirigir, mas é super aconchegante, só que não é aconchegante quando tem dez pessoas lá dentro. Então, tudo é muito relativo. Mas essa casa que a gente viveu e minha mãe mora lá até hoje é uma casa grande, não tem muitos cômodos, são dois quartos, uma sala, cozinha, um banheiro, quintal e garagem, mas é a casa que a gente cresceu e que eles vivem até hoje e todos vivem lá, eu sou a única que saiu de casa até hoje.
P/1 – E você tem alguma história dessa casa que você acha importante falar? Com seus irmãos…?
R – Se é importante eu não sei, mas tem histórias engraçadas porque a casa… eu não sei, acho que todas as casas têm um pouco dessa história, mas ela é meio mal assombrada (risos). Às vezes, quando meus pais saíam para fazer compras, saía meu pai, minha mãe… porque meu pai tinha que trazer as compras no carro e a minha mãe que ia para realmente fazer as compras, e aí eu era a mais velha e tinha que cuidar de todos os meus irmãozinhos e fingir que eu era super responsável, que eu cuidava, zelava pela saúde e segurança de todos. Mentira, eu ficava morrendo de medo, então vira e mexe… era aquele portão de ferro e ai, faziam assim: “iuiuiuiu…”, aquele portão de ferro abrindo, parecia que tinha alguém entrando, gente, era horrível aquela sensação! E você com a TV ligada e todos dormindo do seu lado, eu: “Meu Deus, tem alguém aqui em casa”, vira e mexe, isso acontecia, mas até hoje eles dizem que acontece, eu não estou mais lá para ver, ainda bem, hoje no máximo, o que eu posso falar é que o que pode acontecer é o portão andar sozinho, mas pode ser um teste, pode ser alguém. Então, não tem tanto problema, mas agora, histórias da casa mesmo com os meus irmãos, eu não lembro, a gente brigava muito, porque eu sou a mais velha, hoje eu não tenho mais, mas eu tinha muitos problemas com os meus irmãos, porque eu herdei muito desse naipe do meu pai, super autoritária, não diria impositiva, mas tem um certo grau também de imposição, mas enfim, general, eu diria que eu herdei uma boa parte do general do meu pai e um pouco da serenidade da minha mãe, mas como ela mesmo diz: “Você ainda é o cão do seu pai” (risos). Então muito prevalece às vezes, mesmo porque dependendo da força, eu acho que a força do meu pai era muito grande, então eu acho que acaba prevalecendo o general dele. E aí, em casa, os meninos, eles… nossa, como eu disse, quando você tem muitos, você não consegue zelar por todos, e os meus pais já não conseguiam, então alguém tinha que assumir essa responsabilidade, acabava que muitas vezes, eu acabava assumindo isso e cuidando deles, às vezes, de forma até um pouco mais agressiva (risos), mas eu acho que criança também tem que apanhar um pouquinho, não acho que esse negócio de… se você desse conta do seu filho só falando, ele responderia a sua fala, mas enfim, não é para espancar ninguém. Mas lá em casa, os meninos já estavam em vários momentos atingindo um grau de desrespeito e a única autoridade que eles tinham era o meu pai, que era uma autoridade mais pelo medo do que pelo respeito e aí, depois de um tempo, depois da morte dele, eu percebi que o mesmo valia para mim (risos), que não necessariamente eles me respeitavam, mas eles tinham medo.
P/1 – Eles têm quantos anos cada um?
R – Olha, cada um eu não lembro (risos), mas o mais novo tem 13, é o único que eu lembro. Mentira, acho que a minha irmã também… eu tenho 27, ela tem 25, depois desse eu não lembro mais, só lembro o ultimo de 13 (risos).
P/1 – Amanda, como é que era na sua infância, o bairro que você morava? Carapicuíba, o que você fazia por lá? Como era?
R – Olha, a gente brincava muito na rua, era super legal a vida lá. Hoje eu acho que já não é tanto, até porque as pessoas mudaram, os tempos mudaram, eles cresceram, envelheceram, eu envelheci. Então, não sei, mas antigamente era muito gostoso, era muito legal. É uma casa mesmo, então a vila de casas, então você conhecia todos os vizinhos da rua, você podia bater na casa deles para pedir alguma coisa e às vezes, a gente fazia umas brincadeirinhas bestas para caramba, tipo, não era tipo Halloween que você saía pedindo as coisas, mas alguma outra coisa, tipo dia das crianças, ação de graças, alguma coisa assim e eu não tenho nenhuma lembrança que salte mais, só sei dizer que foi legal, que foi engraçado, divertido.
P/1 – Vocês brincavam mais na rua mesmo do que em casa, então, por essa questão da vilinha?
R – A gente brincava muito na rua e mesmo porque eram três ruas de família, então a gente vivia na casa um do outro, não tem esse… e a gente nunca foi criado com esse lance; duas coisas, falta um pouco desse controle que acaba perdendo, porque você já não está mais em Alagoa Grande, você já não está mais naquele mesmo sertão, é um outro contexto. Então, isso acabava ficando um pouco frouxo, mas também tinha a questão de que a gente estava todo mundo em família. Então, pensava-se que não tinham muitos problemas, não tinham muitos perigos e eu acho que, teoricamente, não tinha, mas na prática, talvez sim. Então, a gente… mais de rua, mesmo, não fazia nada em casa. Em casa, tinha que estudar, lavar e passar.
P/2 – E como você lidava com essa relação? Você brincava ali com seus irmãos, tinham primos também?
R – Tinham. Todas as famílias por parte de mãe e pai são muito numerosas. A minha avó teve 17, a minha tia que era a mais festeira, que morreu antes do meu pai, ela teve acho que ela teve 13, meu pai teve oito. Então, são famílias muito numerosas e é como eu disse, é cultural, é normal. Então, a gente sobrava primo, sobrava tio. Eu lembro que foi um fato marcante na minha festa de 15 anos, não sei se posso chamar de minha porque era do meu pai, não era minha (risos), mas foi muito legal, foi muito engraçado porque tinha muita gente que eu não conhecia, que eu nunca tinha visto na minha vida! Claro que tinha família, tinha muita família porque gente, nossa, minha família é muito numerosa, eu nunca parei para contar, mas eu fico pensando, dez por casa, uma média, tentar fazer uma média para compensar os que tem 17 e outros que tem cinco, então dez por casa e você multiplica, sei lá, por 30 casas (risos), são 300 pessoas. Eu fico falando… minha mãe: “Você não vai casar?” “Ai mãe, casar pra quê? Trezentas pessoas só da família. Não vou chamar os meus amigos! Como que eu vou pagar isso? Nunca, jamais!”, não, não quero, não mesmo e: “Você não vai ter filhos?”, eu: “Mãe, para quê que eu vou ter filhos? Todo mundo já teve por mim e pelas três próximas gerações, não precisa de mais criança no mundo”, muito complicado isso, mas fazê-los entender também é um trabalhinho de décadas! Mas tudo bem. Perdão, qual era a pergunta?
P/1 – Como que era esse dia a dia de você ir lá cuidar dos seus irmãos, morar num bairro que tinha um monte de primos, como é que vocês brincavam.
P/2 – Mesmo essa questão de você estar ali brincando junto e ter que às vezes, fazer o papel de…?
R – Como a gente era menor, acho que os momentos… tem várias lacunas nesses períodos de tempo, porque como eu não estava satisfeita com aquela história, eu fiz de tudo… eu planejei sair de casa desde os 13 anos, então eu já tinha um plano montado, arquitetado, deve estar até ai, arquitetado de como que eu ia sair de casa aos 13 anos. Então, depois dos 13 anos, realmente, eu comecei a ficar muitos períodos fora de casa e aí eu ficava menos tempo com eles, mas a relação até então, não era muito complicada, acho que até os 15 anos, a gente tinha uma relação mais tranquila, bacana. Só depois disso, que os caras foram ficando maiores, meu irmão mais novo ficou maior que eu, mas ainda assim, eu pequenininha batia nele, falava: “Não, você tem que assumir seu papel, seja de homem ou seja de homem mais velho da casa”, porque eu tenho nem que falar, apesar de eu ser totalmente contra várias coisas da cultura do meu pai, ou dos meus pais, ou seja, eu ser contra esse machismo, o exacerbado, eu sou machista, tive uma educação machista, então não posso falar que eu não sou machista, tem várias coisas que eu estou ali falando: “Você tem que ser o homem dessa casa, você tem que fazer o papel de homem”, então eu vejo que as minhas falas retratam muito isso, do que eu vivi, do que eu sou, eu sou formada de um monte de coisas e eles me formaram, então eu sou muito machista, eu nem me declaro feminista, porque tem amigas que falam: “Você não quer lavar, não quer passar”, eu não faço nada mesmo, eu falo para o meu namorado: “Você quer que alguém faça alguma coisa em casa, você contrata uma empregada, eu não vou fazer”. Mas acho que isso não é o feminismo, para quem diz, às vezes, não acho que seja, só acho que eu tenho direito de escolha, se isso é chamado feminismo ou não, amém, eu não instituo, eu só tenho o meu direito de escolha e eu acho que hoje eu tenho condições de escolher,. Quando eu tinha 13 anos, eu não tinha a menor condição de escolher, eu estava dentro da casa do meu pai, eu era sustentada por ele, ele me dava uma roupa uma vez por ano, mas ele que me dava aquelas roupas, enfim, ele me dava comida, água, luz, tudo! Então, eu não tinha direito de escolha, eu tinha que fazer, lavar, passar, cozinhar porque eu estava dentro da casa dele, mas depois que eu saí, eu posso escolher. E ainda mais se eu tiver condições econômicas de tomar essa escolha, de tomar essa decisão. Graças a Deus, hoje eu tenho um pouquinho mais, menos mal, mas enfim, então voltando ao lance dos meninos, a convivência até onde a gente esteve junto foi bem tranquila, depois que eu comecei a me afastar, as coisas degringolaram um pouco, porque nesse afastamento, eu comecei a não conversar tanto com eles, eu não sabia mais tanto o que eles faziam na rua e via que os meus pais já não tinham mais controle sobre isso também e aí quando eu voltava para casa, era para tentar resolver algum problema que eles tinham arrumado, que o meu pai, depois de um tempo, meu pai acabou adoecendo e a minha mãe não tinha poder nenhum dentro da casa e não tem até hoje. Então, acabou que eu voltei para casa para resolver problemas no lugar do meu pai. Então, eu não sei, eu acho que essa relação, hoje está menos mal, até brinquei a semana passada que eu falei: “Já cumpri a minha cota com todos eles”, porque depois que o meu pai faleceu e que a minha mãe ficou nessa roda viva e que ela não consegue sair dela, eu assumi um papel de general mesmo e fui muito dura com eles e não vou dizer que não devia ter sido, olha o machismo de novo (risos), mas enfim, eu acho que foi o que eles precisavam naquele momento, pode ser que em outro momento, eles não precisem disso. E aí depois disso, até tive alguns relacionamentos que as pessoas que estavam do meu lado diziam: “Amanda, você é muito dura com eles. Você é muito catedrática, tem que ser mais maleável, tem que tratar mais assim, mais assado”, não que eu levasse isso muito em conta, porque eu sempre acho que eu estou certa, mas enfim, quando mais de uma pessoa fala, aí eu começo a desconfiar.
P/1 – Mas voltando um pouquinho, em que período você começou a ir para escola? Vocês estudaram ali por Carapicuíba mesmo?
R – Sim, sim.
P/1 – Quando você começou?
R – Eu estudava em uma escola pública, a vida inteira, todos nós. E eu estudava na escola bem próxima de casa. Aí, quando eu montei o plano de sair de casa, eu comecei a procurar coisas que eu poderia fazer, porque eu vi que eu não conseguiria sair de casa se dependesse dos meus pais, pelo contrário, eles nunca iam pensar em querer isso. E se eu não me movesse, eu também não ia sair de casa, eu ia ficar para sempre lavando, passando e cozinhando, então eu comecei a procurar e eu sempre foi muito orelhuda, muito de escutar conversas para ver o quê que as pessoas estavam fazendo, o que elas estavam curtindo, porque se outras pessoas estavam fazendo e curtindo outras coisas, talvez aquelas coisas fossem interessantes e aí, observava qual era o status quo dessa pessoa, falava: “Bom, essa pessoa tem umas roupas legais, ou tem um chofer que é o pai dela, que faz isso, faz aquilo”, sei lá, ficava observando como é que eram as pessoas, como que as pessoas agiam e o que elas agiam para ver: isso aqui dessa pessoa me interessa, o que ela faz para ter isso? Então, eu comecei a ver e aí, eu vi que algumas dessas pessoas faziam uns lances que eu achei interessante, falei: “Deixa eu ver qual é”, então aos finais de semana, eu comecei a ir para um programa chamado “Escola da Família”.
P/1 – Isso em que ano, você se lembra?
R – Putz, eu tinha 13 anos, mais ou menos. Tinha 13 anos, não sei, faz as contas ai.
P/1 – Acho que 2000, né?
R – Estou com 27, 13 (risos), então com 13 anos, eu comecei a ir para “Escola da Família”, porque era um programa que abria a escola aos finais de semana e que tinha atividades culturais. Até então, eu não sabia o que eu ia fazer e nem o que eu queria fazer, eu só sabia que eu queria ficar o maior tempo possível longe da minha casa (risos). Então eu falei: “Vou fazendo essas mil coisas, uma hora eu descubro o que eu quero fazer e aí, uma hora dá certo”, então eu fui fazendo. Aí, eu arrumei cursos para fazer à noite, estudava de manhã, depois eu arrumei coisas para fazer no final de semana e aí, depois, nesse mesmo tom de ficar ouvindo as pessoas e ficar sabendo o quê que elas iam fazer, eu descobri algumas provas de uns colégios, descobri um colégio de formação de professores e de um outro na Lapa, que era formação de técnicos, secretariado e técnico em segurança do trabalho, sei lá, “n” técnicos que tinham na época. Aí, eu fui fazendo as provas, fiz a prova do técnico na Lapa, fiz mais uma que eu não lembro onde era, acho que era Pinheiros e fiz uma para essa escola de formação de professores, que na época, chamava Cefam, que era lá em Carapicuíba mesmo. E ai, eu passei nas três provas, só que duas que eram na Lapa e em Pinheiros, tinha que pagar metade da passagem e os caras davam a Bolsa do curso, você estudava de graça, só tinha que bancar metade da passagem. Em Carapicuíba, que era o Cefam, aí você não precisava pagar nada, mas recebia ainda uma Bolsa do governo, um salário mínimo do governo para poder estudar. Ai, eu lembro que na época, eu falei: “Putz, ser professora?”, tipo, não tinha… eu lembro que a minha mãe falava: “Você com cinco anos falava que queria ser professora e aí, com 13, dizia que queria ser advogada”, eu falava: “É, eu acho que eu tinha noção de grana já”, porque eu falava: “Professora não vai dar grana”, mas enfim… como eu tinha passado nessas provas, eu cheguei no meu pai e falei: “Pai, passei nessas três provas, só que duas delas eu preciso pagar metade da passagem e uma delas eu vou ter a bolsa. O senhor tem a grana para pagar a metade da passagem?” “Não tenho”, aí eu falei: “Se não tem, não tem, né, não vou ficar insistindo”. Aí eu fui fazer o curso de formação de professores, porque alguns escolhem, outros fazem as oportunidades, então, foi o caso de fazer naquele momento, não tinha muita escolha, quando a gente pode, pode. E ai, naquele momento, eu tinha aquela alternativa e foi bom, porque depois que eu passei a receber essa Bolsa do governo pelo Cefam, eu passei a ajudar em casa, porque meu pai já… ele esqueceu que colocar oito no mundo não é só de ar que se vive, o ar ainda está disponível, está acabando, mas enfim, e aí a gente começou a viver nesse lance. E aí, no último ano do Cefam, ele era até o quarto ano, você terminava o terceiro médio no Cefam e tinha mais um ano que era exclusivo para a formação de professores. Então, no terceiro médio que eu terminei, de novo, nesse lance de orelhada, eu comecei a ver uma movimentação dos meus colegas para prestar prova de vestibular, mas tinham várias coisas que para mim eram surreais, porque naquele mundinho de Alagoa Grande vivendo em Carapicuíba, muitas coisas não se falavam, muitas coisas sequer, existiam. E isso era normal, eles nunca tinham passado por “n” experiências. Então, quando eu comecei a ouvir esse lance de vestibular, comecei a dar uma pesquisada, fui ver o que era, como é que funcionava e tudo mais e prestei umas… sei lá, umas três ou quatro provas e felizmente passei, não passei nas quatro, né, mas acho que passei em duas delas, uma para Artes, na Faculdade de Artes em São Paulo, que eu queria muito, porque eu estava muito envolvida com teatro naquela época, estava muito envolvida com ballet e outras coisas das mil coisas que eu fazia para fugir de casa e comecei…
P/1 – Exatamente. Antes da gente… a gente vai voltar para esse período, mas na escola, ensino médio, ensino fundamental, o que você fazia que você gostava? Você já estava começando a sair de casa, o que você mais gostava de fazer?
R – Viajar.
P/1 – Viajar?
R – Viajar. Nossa! Adoro.
P/1 – Pra onde você viajou que você…?
R – Naquela época?
P/1 – Sim.
R – Naquela época, a gente fez… eu fiz algumas viagens com o grupo de teatro que não dava nem para chamar de viagem, mas um festival de teatro em outra cidade, falava: “Nossa, vim para o festival de teatro em…!”, onde que era? Tipo, Jandira (risos), no, mentira, não lembro se era Jandira, mas era numa outra cidade ali do entorno, mais ou menos, ali perto da capital, daqui, esqueço que estou na capital, mas ali próximo da capital e era um super acontecimento, super legal. E aí, depois disso, a entrada no Cefam foi o start de tudo, porque no Cefam a formação que a gente recebia não era só para ser professora, mas era uma formação, eu sou meio suspeita para falar, mas eu acho que é uma das melhores coisas que o governo extinguiu foi o Cefam, porque a gente tinha uma formação de professores muito boa lá e a gente tinha muita saída de estudos de meio, e por mais que fosse estudo de meio, muitos dos colegas que estavam ali, talvez nunca tivessem aquela oportunidade se não fosse dentro do curso de formação de professores. Então, a gente foi; eu lembro até hoje, esse ano eu voltei lá, a gente teve uma saída de estudo de meio no Parque Nacional de Itatiaia e aquele parque é lindo, fantástico! Eu fiquei maravilhada, aquilo, gente: “A nuvem está passando em mim, que e legal” (risos), então foi muito bacana, eu acho que a formação do Cefam que em abriu muitos horizontes. E ai, depois da formação do Cefam veio a faculdade. Eu passei na faculdade de artes e passei na USP, na zona leste e aí eu falei: “Putz, de novo, o dilema. Caramba”.
P/1 – Mas o teatro e o ballet começaram quando?
R – No programa “Escola da Família”, lá tinha Kung Fu, que eu não gostava, não fazia, e fora isso, que nessa mesma época que eu tava procurando o que fazer para ficar mais tempo possível longe de casa, a minha mãe viu que eu estava procurando um monte de coisas para fazer, ela começou a juntar o útil ao agradável, que eu era a única que obedecia ela em casa, então, ela começou a me colocar umas coisas que eu não queria fazer (risos), mas que eram boas para eles, porque tinha… tem um instituto chamado Instituto Airton Senna, que é como o Instituto Casa da Gente, do cantor Netinho, é similar, a mesma politica e fica em Carapicuíba, os dois ficam em Carapicuíba, só que um fica um pouco… na Cohab e o outro fica na outra Cohab. Aí, eu ficava nesse Airton Senna, no Instituto Airton Senna e lá eu fazia basquete, gente, eu fiz basquete por cinco anos, até hoje eu não sei bater bola, eu odeio e eu ficava lá porque eu precisava da cesta básica, então, eu era chave de manobra, mas enfim. E tinham outras coisas lá dentro, eu acho que tinha jazz também que eu não gostava, eu achava legal ballet clássico, porque… eu nem gostava de ballet, mas o ballet era legal porque eu podia fazer algumas performance no teatro sendo bailarina na peça. Ai, falava: “Legal, vou fazer ballet para ser bailarina”, porque os papéis principais, até hoje… minha mãe fala: “Menina, você é muito ambiciosa, muito gananciosa”, eu falo: “Eu não sou ambiciosa, não sou gananciosa, eu quero o mínimo para sobreviver”, e aliás, eu não gostaria de sobreviver, eu quero viver, então é só o mínimo. Tanto que agora, eu estou numa fase super… não quero fazer mais nada (risos), cheguei num ponto que eu falei: “Acho que era aqui que eu queria chegar, estou de boa", não quero mais tanta coisa”.
P/1 – E no teatro, você fez muitas amizades? Como é que foi começar esse teatro?
R – Foi muito legal, cara, porque antes do teatro, eu até era bastante introspectiva, eu acho que eu nunca fui muito introspectiva, mas em relação ao que eu fiquei depois do teatro e talvez, ao que eu sou hoje, eu era muito introspectiva, eu pensava as coisas e escrevia no máximo, porque às vezes, eu não gostava nem de escrever por pensar que alguém poderia ver aquilo. Então, eu pensava e guardava comigo. Mas aí, o teatro foi um start para que as coisas fossem mais rápidas, eu acho, porque foi um lance… não sei, de se abrir mais para o mundo, o teatro faz isso, né, acho que não tem muito como explicar, eu sempre falo: “Gente, vai fazer teatro”, não dá para explicar a desenvoltura que você vai ganhar depois que você participar de um grupo de teatro, é só participando mesmo, porque depende de cada um, às vezes, um se desenvolve no olhar, o outro se desenvolve na fala, outro se desenvolve na gesticulação, que eu fico falando. Então são múltiplas inteligências, não sei, mas foi demais, nossa! Eu acho que se não tivesse rolado de eu entrar na USP, eu teria continuado o lance do teatro por bastante tempo, mesmo sabendo que eu não ia ganhar muita coisa com isso, porque no final, desde os 13 anos, eu sabia o que eu precisava para sair daquela… daquele…
P/1 – Ambiente?
R – Daquele ambiente, daquela camadinha de gelo do submundo do gelo, era de grana, era grana que eu precisava, então… porque o resto eu tinha, eu tinha amor, tinha carinho, tinha atenção e por mais que o meu pai fosse aquela pessoa que ele era, eu tinha o apoio deles, meu pai sempre falava: “Não concordo, mas você quer, então vai!”, porque eles sabiam que não adiantava mais me prender, então minha mãe sempre me apoiou muito. Ela sabia que por mais que ela me achasse ambiciosa demais, eu só queria o melhor para mim e para eles, que nunca foi só para mim e até hoje, não é. Então, eu acho que foi algo muito bom.
P/1 – Da infância para a juventude, o que você acha que mudou na sua vida, desses 13, 15 anos? Isso que você contou pra gente, mas no cotidiano, não sei se você teve algum amor?
R – Sim, sim. Eu só acho que eu, sinceramente, eu acho que eu tive dois episódios que eu me recordo bem na minha vida e a infância, eu não me lembro muito, porque desde que eu me reconheço por gente, eu acho que eu já estou na juventude, porque eu já era responsável por uma série de coisas, então essa parte da infância, para mim a infância é um livre brincar e eu não lembro desse livre brincar. Eu lembro de supervisionar a brincadeira. Então, eu acho que são duas fases que eu me recordo. É claro que eu devo ter tido… minha mãe fala que eu tive… ah não, eu lembro de um fato, um fato na minha infância, que eu estava com a minha irmã mais nova e aí ela falou: “Vamos brincar de cabelereiro?”, e aí eu falei: “Vamos, vamos”, ela: “Então tá, eu quero um corte aqui”, aí eu estava com uma tesoura de verdade, eu não sei quem deixou uma criança com uma tesoura de verdade, só minha mãe. E aí, eu peguei a tesoura e cortei o cabelo da minha irmã, cortei mais curto do que está o meu e todo zoado, porque o dela é liso… ela é muito mais índia do que eu, ela é pele mais escura, cabelo liso, preto, um cabelão assim, cabelo dela era na cintura e eu pá, cortei tudo! Quando a minha mãe chegou, que olhou aquilo, falou: “Meu, o que você fez com a sua irmã?” “Mãe, ela pediu um corte Chanel, cortei Chanel”, aí ela ficou doida comigo, gente, foi muito engraçado, acho que esse é o único momento que eu lembro da minha infância, porque depois disso, aí eu já comecei a ganhar todas as responsabilidades de cuidar de todos eles, então eu diria que a minha infância mesmo, foi muito curta. Aí, eu ganhei uma juventude, mais longa – entre várias aspas – porque eu acho que o cheque mate da minha juventude foi a morte do meu pai, então depois disso, eu fui obrigada a me tornar adulta, então não sei, eu acho que são esses dois estágios mais marcantes, acho que é isso.
P/1 – E no entremeio desse período em que você está se descobrindo no teatro, nos projetos, seria mais ou menos isso, entre a infância e a…?
R – Não, já é na juventude. Na infância, a minha mãe disse que eu queria ser professora. Eu acho que eu lembro mesmo disso, mas é que era um querer tão nobre, mas eu diria… é nobre, mas não para os objetivos que eu tinha. No final, acabei até sendo professora de verdade, ela até brinca comigo, ela fala: “Quando era criança, falou que queria ser professora e adulta, realizou” “Mãe, não era para ser bem isso, mas tudo bem”, mas acho que tudo se encaminhou na forma que eu queria mesmo e no tempo que talvez eu quisesse, porque as coisas aconteceram assim. Com 17, eu saí de casa, o meu pai só ia deixar eu sair com 18, mas eu tinha uma desculpa, que era estudar, então, eu consegui sair, então eu acho que o plano que eu desenhei quando eu tinha 13 anos se concretizou muito bem.
P/1 – Como foi sair de casa? Foi quando você entrou na USP, foi isso?
R – Foi.
P/1 – Como foi essa etapa da sua vida?
R – Acho que foi… foi um respiro. Foi um respirar um pouquinho mais leve, mas eu diria só um pouquinho, porque não foi uma das sete maravilhas do mundo, porque eu fui morar fora, mas todo estudante que depende das bolsas da USP sabe que as bolsas não cobrem os custos reais. Então eu fui morar num bairro horrível, que hoje eu posso dizer que é horrível, mas na época que eu morava lá, era a única coisa que eu tinha, então era o meu lar e se o meu lar é horrível, ele continua sendo o meu lar. Então foi bem assim, foi um respiro porque eu não tinha que dividir a casa com mais nove pessoas, ou até mais, dependendo da situação, e porque talvez, eu tivesse um cantinho mais meu, então eu fiquei morando, acho que uns dois, três anos sozinha mesmo, na casa. E aí foi uma experiência muito singular, talvez eu até diria legal, porque eu passei já meio que assumir as minhas finanças desde o Cefam, morando ainda na casa dos meus pais, porque eu tinha que ajudá-los em casa e tinha que fazer todas as minhas coisas, porque tinha que pagar uma série de coisas no colégio, essa bolsa não era para uso próprio, era para uso dentro das atividades do colégio, tinha que usar uniforme que você pagava, os seus materiais você pagava, os estudos de meio, a gente pagava. Então, era tudo com essa bolsa, mas aí eu aprendi já mexer ali com o dinheiro naquela época para economizar alguma coisa. Então, quando eu fui para USP com aquelas bolsas que a gente tinha, eu também já me virei melhor, dividindo os custos das coisas.
P/1 – Você entra para que curso lá?
R – Licenciatura em Ciências da Natureza. Curso super diferente, acho que agora já é um pouco mais conhecido, já são nove anos. São nove? Faz tempo! Mas enfim, já faz um tempinho, então é a formação de professores de Ciências. Aí, hoje, eu sou professora de… minha mãe fala: “Nossa, além de ser professora, é professora de todos!”, verdade, professora desde os pequenininhos na pré-escola, por conta do Cefam, até o ensino médio e podendo lecionar em faculdades particulares, porque eu também tenho mestrado. Então, professora ad eternum.
P/1 – E como é que foi a graduação para você lá?
R – Eu acho que foi tranquilo. Eu não; eu acho que era uma fase que eu precisava passar, não teve muitos destaques, precisava estudar… eu não sou assim, não tenho grandes lembranças como a maior parte dos universitários têm, porque eu não bebo, nunca bebi, então tipo, eu nunca fui para as festas da universidade, não gosto muito de festa. Eu gosto de fazer festa em casa. Nossa, quando eu morava lá perto da USP, a gente teve várias festas em casa, falava muito… não muito mais bobagem do que nas festas, mentira, porque nas festas rolava muita bobagem (risos), mas lá em casa era muito divertido, a gente comia, nossa, eu tenho um monte de amiga gorda, gorda de mente, não de corpo, algumas de corpo também, massa, nós somos muito gordinhas, adoramos comer e ver filmes e ouvir música, um violão, fazer um sarau em casa. Era um lance mais tranquilo…
P/1 – Mais intimista.
R – É, mais intimista, mais divertido, sei lá.
P/1 – E o quem que você conheceu lá da faculdade, que amizades você fez lá?
P/2 – E mesmo nessa questão que você falou da autonomia, tal, não as festas, mas o próprio ambiente universitário, que impacto você sentiu na sua vida?
R – Olha, eu acho que o impacto que eu senti… eu não sei descrever isso muito bem, mas a entrada na universidade, acho que foi uma outra etapa da minha vida. Quando eu estava lá dentro, eu não era outra pessoa, mas eu não era a pessoa que podia… eu não contava tudo o que acontecia e o que eu realmente era fora da universidade. As pessoas sabiam que eu era a Amanda, mas não tinham muitas informações de quem era a Amanda, porque eu não gostava de falar para as pessoas, porque hoje vocês estão aqui, são abertos, vocês talvez sejam treinados para ouvir as pessoas contarem suas histórias com todas nuances possíveis, mas na USP, as pessoas são estudantes “n”, das mais diversas culturas, das mais diversas classes sociais e etc. e talvez, eles não soubessem respeitar a cultura alheia ou os valores, as diferenças, e tudo mais da mesma forma que vocês. Então, eu achava muito complicado, eu achava a universidade um ambiente um tanto intimidador. Eu particularmente acho que eu lidava muito bem com aquilo, teve um momento que o mundo caiu, eu estava dentro da universidade e ali pra mim, foi uma quebra, que foi a morte do meu pai, mas fora isso, eu achava que era intimidador, mas falava com todo mundo, todo mundo me conhecia, porque: “Amanda é super simpática. Amanda é do quarto ano, ela que veio fazer divulgação do curso nas salas”, então tipo, eu acho que eu era na medida do possível, popular, mas não era popular das festas, era popular porque a gente estava sempre conversando, eu sentava com todo mundo, mais nesse sentido. E aí, eu lembro dessa época que eu tinha dois amigos, era muito engraçado, dois amigos muito próximos, um senhor de 60 anos e uma moça que eu acho que tinha 30 e na época, eu tinha 17, então era o trio, o trio andava para todos os lados na universidade, a gente ficava para cima e para baixo, mas ai, os três também eram muito… eu acho que era o trio social, porque era o John, esse cara de 60 anos, ele era super popular na universidade, porque ele era um velhinho super desencanado que fazia tudo, que queria estar em todas, que… e ele era muito ativo mesmo e bonito, pintoso o velho! Eu até falava: “John, menos”, e era muito engraçado, então acho que foi uma fase muito legal, uma fase muito boa, mas que no máximo essas duas outras pessoas que em acompanhavam, que sabia realmente o que rolava na minha vida, o restante era aquilo, um sorriso, um abraço e tchau. Então, não sei, não teve muitos marcos na universidade, acho que a universidade foi mais um meio.
P/1 – Teve algum professor que você gostou muito?
R – Tem. Tem dois professores que são pessoas muito queridas e tem também uma moça que eu esqueci, mas enfim, tem dois professores que foram meus orientadores, um meu orientador na iniciação cientifica e a outra, minha orientadora no mestrado. Esses dois professores marcaram demais porque o professor da iniciação cientifica, Paulo Rogério – um beijo –, ele era uma pessoa muito metódica, muito organizado, várias coisas que eu admiro muito nele que eu não tenho, sou uma pessoa super perdida, super desorganizada, nossa, sou muito o contrário dele e eu admirava tudo aquilo que eu não tinha nele. E foi legal, porque a convivência de quatro anos juntos, ele conseguiu ensinar muita coisa pra gente, porque desde o primeiro ano que eu entrei, a gente já começou a iniciação cientifica, depois, fiz o trabalho de conclusão com ele, então foi muito legal, porque a convivência de quatro anos me ensinou muitas coisas e hoje, quando eu quero, eu consigo ser organizada e quando também tenho disponibilidade, porque às vezes, você está tão saturada de coisas, que mesmo que você queira, fica um pouco difícil. A professora Maria Helena [som de beijo], queridíssima! Professora Maria Helena é linda de viver, ele me ajudou muito, ela sabe muito da minha história e eu não sei, ela é a chilena mais linda que eu conheço (risos).
P/1 – Ela te orientou no mestrado, foi isso?
R – Foi. Mas foi muito legal também, eu estou em dívida com os dois, porque eu ainda não produzi os artigos que eu precisava produzir (risos), mas eu vou assim, ainda existe uma vida e eu espero nessa vida ainda produzir os artigos, mas enfim. E é isso, acho que da universidade não teve muito… ah, teve a Ieda, Ieda, todos os corações para você, Ieda, Ieda Reis foi a pessoa que… é a assistente social da universidade e eu lembro que foi muito engraçado, no primeiro dia, fazer a matrícula, estava eu e a minha mãe lá e eu olhei e falei: “Meu Deus, mãe, eu não vou ter como ficar aqui” (choro), falei: “Mãe, eu não vou ter como estudar”, aí ela: “A gente vai dar um jeito” (choro).
P/1 – Ela te ajudou?
R – A minha mãe, ela… qualquer ajuda psicológica que você precisar, a minha mãe pode te dar, aí ela me apoiou muito. Eu falei: “Mãe, não vai ter como, é do outro lado da cidade, eu preciso terminar o Cefam…”, os horários não estavam batendo, tipo, para voltar à noite, zona leste para Carapicuíba não dava tempo para chegar em casa, então, ficava muito tarde e aí, a gente… nossa, foi uma… não sei, cara, acho que foi tanta gente naquele momento que estava do meu lado, que foi uma congruência incrível de boas energias, porque naquela época, realmente, eu não ia conseguir fazer as duas coisas ao mesmo tempo. E eu estava no ultimo ano do Cefam, precisava terminar aquilo para ter o meu diploma, eu não gosto muito desse… eu não gosto muito, não, eu odeio esses lances inacabados, eu acho que se você iniciou uma coisa, você tem que terminar, senão você não iniciava, não começa, pô! Ok, também tem gente… eu ia falar que tem gente que não tem capacidade de terminar, mas acho que isso é muita arrogância, né? Se você não tem condições ou não se propõe a terminar aquilo, acho que nem inicia, mas aí, eu estava nesse lance do Cefam, eu falei: “Eu tenho que terminar, mas eu também não posso deixar de entrar na faculdade com uma oportunidade dessa”, e aí, a gente encontrou a Ieda naquele dia, estava lá com… era quase um… porque a USP Leste, gente, nasceu, não sei se alguém soube de como foi o inicio da USP Leste, mas era um campo de barro com dois prédios (risos), então a gente tinha o… eu até esqueci, o bloco didático lá, que era tudo e um outro lá que eram três torres das aulas e outro que funcionava tudo: direção, coordenação e tudo. E a Ieda estava lá com um negócio que era quase que uma cartolina escrito “Serviço Social”, é o que eles tinham, era um banner, uma coisa assim, eu achei muito engraçado, eu falei: “É, o inicio é o inicio de tudo mesmo, mãe, porque quando eu entrei na USP do Butantã não era assim”, eu já tinha entrado algumas vezes lá para pegar um livro ou outro, fazer umas coisas nas bibliotecas que tem lá e eu falei: “Mãe, é muito diferente aqui”, mas enfim, foi o início, foi muito legal fazer parte da primeira turma de LCM, acho que isso sim, é algo que é bacana, fazer parte de um campus novo, de um curso novo, de uma proposta nova, por mais que tivessem as mesmas pessoas porque o vestibular da USP é único e as pessoas que vão prestar vestibular são as mesmas. Então felizmente, na USP Leste, pelo menos no começo, a gente tinha caras novas, então foi muito legal, porque a proposta da instituição, a proposta daquele campus, em algum momento, ela fez jus. Hoje, eu não posso dizer, eu já estou muito afastada da universidade, mas os comentários de amigos que estão lá dentro me deixam perplexa, mostram que a situação está se tornando um Butantã, uma réplica, isso é ruim? Não sei, não sei, mas depende de quem são as pessoas, de quem você está tratando, porque é ruim pela proposta do campus. A proposta do campus já não se concretiza com o modelo Butantã e é ruim, porque as pessoas que poderiam ter acesso aquilo já não têm mais. Então, tem muitos pontos negativos, agora, o público que frequenta o Butantã e hoje frequenta a EACH, vai falar :”Não, mas está tudo bem, tem que ser assim”, ok, não estou dizendo que não tem que ser, mas pode ser mais do que isso. Enfim…
P/1 – Você está falando do afastamento do campus com o resto da sociedade, é isso, mais ou menos?
R – São muitos fatores, eu acho que a EACH, ela tem uma proposta, ela nasceu com uma proposta e a proposta era a integração social e essa integração social para promover a educação, que é um objetivo não só nobre, mas é o que deveria acontecer. Isso é uma questão da saúde pública, educação é uma questão de saúde pública e se a gente tinha essa proposta no campus, eu acho que quando eu entrei, a gente tinha condições de, hoje, eu não tenho tanta certeza, eu já estou muito distante para dizer que sim ou que não, mas eu já tenho muitas dúvidas, porque mesmo na época em que eu entrei, tinha muita gente assim… eu vou até abrir um parênteses aqui, gente, muitas vezes, por diversas vezes, pode ser, vocês percebem na minha fala e tal que está imbuída de muita carga social, socioeconômica, inclusive, mas isso porque eu acho que as questões sociais, elas também são questões de saúde pública. Se você tem pessoas desprezadas numa sociedade, elas vão afetar o restante da sociedade, por mais que vocês deixem ela num cantinho, esse cantinho vai apodrecer e vai começar a apodrecer a beirada de tudo o que você vai… você está no centrinho? Ótimo, uma hora a podridão vai chegar no seu centro. Então, não dá para você desprezar as margens, porque as margens fazem parte do todo, uma coisa não é independente da outra. Então, é isso que eu falo, a EACH, ela teve um marco muito importante na minha vida, porque eu acho que a proposta dela cabia muito bem dentro do que eu procurava, falei: “Beleza, achei um lugar onde eu posso ser acolhida”, só que não (risos). Então, isso por que, gente? Porque é o que eu falo, por mais que hoje eu use pedra da rua , e esse negócio é caro, mentira (risos), mas por mais que eu tenha condições de comprar mais coisas do que eu gosto e eu posso comprar roupas mais de uma vez por ano e eu mesmo escolher as roupas, nem sempre foi assim. Então o fato de já entrar na EACH foi fato inédito na minha família, foi um fato inédito em várias famílias que têm a mesma história que a minha. Então, e aí a gente chegar e ver tudo aquilo não é fácil, assim como não foi fácil entrar no Sesc. Então foram momentos que não foram fáceis, porque todas as pessoas que estão dentro desses grupos são pessoas que não tiveram acesso mais fácil ou menos fácil do que o meu, mas elas tiveram conhecimento disso, elas sabiam que isso existia, o grupo de onde eu venho não sabe que isso existe (choro). Tem uma história muito engraçada, trágica, mas muito engraçada, que quando eu passei na USP, meu pai chegou no trabalho dele, ele trabalhava – bom gente, eu falar todos os nomes de instituição, depois a gente pode cortar – meu pai trabalhava na PB Kids, uma rede de loja de brinquedos e ele trabalhava diretamente para os donos, ele era motorista de caminhão que fazia entrega, mas pelo tempo de casa que ele tinha… meu pai tinha… e pela dedicação que e o meu pai tinha, porque o meu pai quando tem aquela frase: “Já não se fazem funcionários como antigamente”, o meu pai é um dos que morreu, porque o meu pai era um servo, era o símbolo da servidão. Então, ele era muito benquisto dentro daquele grupo de empresários, os donos da rede e aí quando eu passei na universidade, meu pai chegou, ele não sabia nada, mas eu cheguei em casa, falei: “Pai, passei na USP, passei na USP”, super saltitante e serelepe e todo mundo olhando, tipo aquela cara: legal, o que é isso? (risos), e aí foi isso. Mas é um pouco também desconcertante para as pessoas que eu falo, do meu grupo, porque depois eu até quero falar desse lance do meu grupo, porque eu tenho vários grupos e isso me gerou em certos momentos, uma crise de identidade, mas do grupo de onde eu venho, as pessoas, elas se sentem um pouco acuadas quando se fala de algo que elas não sabem o que é, isso é normal também, então eu falei: “Pai, eu passei na USP”, ninguém sabia o que era, mas tudo bem, ela está feliz, é algo bom. Então, meu pai chegou na loja, na rede, na casa da patroa e falou: “Eu tenho uma novidade muito boa para contar”, e aí a dona lá: “Ah é, Léo? O que é?” ”Minha filha passou na USP”, ele não sabia o que era a USP, ele não tinha a menor ideia do que era USP, tipo, é de comer? Ele só sabia que eu estava feliz, eu estando feliz, meu pai está feliz e aí a mulher começou a esbravejar: “Você está louco? Imagina, sua filha nunca ia passar na USP, meu filho está tentando há quatro anos e não passa, por que a sua filha vai passar?”, e falando desse jeito com o meu pai e o meu pai sem entender. Aí ele falou: “Desculpa senhora, eu vou arrumar uma coisa ali e já volto”. E nessa época, a gente estava meio brigado, então ele nem falou comigo, mas (choro) ele chegou na minha tia, na casa da minha tia e falou… a tia Carminha que também não sabia de nada, não sabia bulhufas o que era a USP, aí chegou lá e falou: “O que é essa tal de USP? Eu fui falar para dona fulana que a Amanda passou na USP, ela não acreditou em mim, disse que eu era mentiroso! O que é isso?”, e as minhas tias me contando, porque ele não veio falar comigo. Minhas tias também não sabiam o que era, mas aí, uma delas lá, sei lá o que foi fazer, deu uma pesquisada e falou: “Ah, é uma faculdade, diz que é uma faculdade boa”, aí o meu pai falou: “Ah, estranho, a mulher não acreditou em mim”, e aí ficou por isso, sabe? Eu vim saber disso depois da morte dele (choro). Mas enfim, é isso. É por isso que eu falo, que é assim, essa questão da EACH, a questão da USP são muitas coisas que eu entendo que a maior parte não entenda, porque gente, é difícil de entender, é muito difícil de entender, é você estando nos dois mundos para você entender, porque se você está nesse mundo da USP Butantã, e também não é uma segregação, eu não gosto dessa segregação, eu acho que a EACH é USP tanto quanto Butantã, Piracicaba e outras, mas eu acho que essa segregação, ela é uma segregação simbólica muito significativa porque o pessoal que está na USP Butantã, em geral, uma generalização bem grosseira, eles nunca viveram em outro mundo que talvez fosse há alguns anos, o mundo da EACH, eles nunca viveram nesse mundo e eles; e eu, sinceramente, acho que neles não gostariam de viver, se tivessem essa escolha, não viveriam, se eu tivesse escolha, eu não teria vivido, mas eu vivi nos dois mundos e eu acho que foi muito rico, foi muito legal, foi doloroso, mas teve uns artigos que eu li aí certas vezes que foram muito legais, muito iniciativos, porque até a felicidade, ela precisa de dor, quando você ri, quando você ri demais, ri tresloucadamente, os músculos do rosto doem e isso é bom. Então eu acho que é demais, cara, é demais você ter a visão dos dois mundos, e você passar por isso ilesa, porque ninguém passa ileso.
P/1 – E como que é essa historia dos grupos que você falou que queria falar para a gente?
R – Esse lance da crise de identidade…
P/1 – Isso.
R – Porque meus pais são paraibanos e eu tenho uma carga cultural muito grande da Paraíba, mas eu vivi a vida toda em São Paulo e nunca fui para Paraíba depois de cinco anos de idade, então, teoricamente, eu sou de São Paulo e aí, quando eu cheguei na EACH, a minha carga cultural nordestina era muito mais forte do que a minha carga cultural de São Paulo, porque onde eu vivi, em Carapicuíba, era praticamente a família nordestina. Então, foi muito engraçado, porque o primeiro dia de aula no EACH foi… gente, eu só tenho histórias tragicômicas, mas pelo menos, dá para rir e aí no primeiro dia de aula na EACH, a gente foi para a Bandex, bandejão e aí, chegou lá no bandejão era frango, mas aquelas coxas de frango mesmo e eu falei: “%$@! tô ferrada!” – naquela época eu não falava palavrão, agora eu falo, mas naquela época eu não falava palavrão – e ai, eu falei: “Meu Deus, me ajuda”, tipo, em Carapicuíba, a gente vivia entre nordestinos e a cultura é muito regrada mesmo, gente, quando eu digo, as pessoas às vezes, não acreditam, mas isso é recente, eu sei que é recente, mas a gente comia feijão com farinha amassado com a mão, bolinha de feijão com farinha, eu não comia com garfo e faca, eu aprendi a comer com garfo e faca na universidade, comia com colher, colher e uma bandeja, um Tupperware, cumbuca. E aí, quando a gente chegou lá e tinha aquele frango e não tinha colher, só tinha garfo e faca, gente, eu falei: “Deus, segura, protege, porque agora eu vou precisar muito de ajuda”. Aí foi muito engraçado, foi trágico, mas foi engraçado, eu fui tentar cortar o frango com o garfo e a faca e o frango voou no prato do meu colega (risos), foi horrível, foi muito engraçado e aí, todo mundo parou, ficou meio estático e eu: “Caramba, o frango está com asa, gente, vou pegar outro”, sai da mesa correndo porque eu não sabia se eu ia ou se eu morria de rir, porque gente… aí, eu voltei lá, todo mundo rindo , deu certo, que bom (risos), porque realmente são momentos, então quando eu digo que a EACH foi algo muito legal na minha vida é porque realmente foi uma quebra, só que essa crise de identidade começou a surgir, porque eu tinha uma carga cultural muito forte do Nordeste, mas eu vivia em Carapicuíba que já é São Paulo e agora, eu tinha voltando onde eu nasci, na Capital, mas eu não sabia nada daquela cidade, eu estava perdida na capital, eu não tinha noção dos hábitos daquelas pessoas, eu não tinha noção da cultura daquelas pessoas, porque eu vivia em outro mundo, eu vivia numa bolhazinha de Alagoa Grande implantada em Carapicuíba e aí eu falava que eu era paulistana e ninguém acreditava em mim: “Mas e seu sotaque?”, eu: “É, mas eu sou paulistana”, foi muito engraçado, mas ai eu fiquei pensando: “Afinal, eu sou paraibana, paulistana, o que eu sou?(risos), de onde eu vim? Para onde eu vou?” Porque tinha uma… eu passei por muitos lugares e eu ainda não tinha parado em nenhum e ainda não sabia se eu queria parar em algum, então isso me gerou uma certa crise de identidade, foi uma quebra, aquele momento foi uma quebra, mas foi muito legal.
P/1 – E você fez um grupo também lá na EACH de amigos?
R – Sim, meu grupo eram só esses dois, que eram os que estavam comigo ad eternum, até hoje a gente tem um pouco de contato, menos, mas tem. E esses eram os mais próximos mesmo que sabiam da minha história, sabiam quem eu era, os demais, os frango saltar do prato foi um acidente, ninguém sabia, sabe até hoje que eu não sabia comer de garfo e faca. Então, as outras pessoas eram meus amigos também, eu tinha uma série de amigos, todos os anos, em todas as turmas de LCM, porque eu era uma ativista de LCM, então…
P/1 – Você chegou a fazer parte de algum movimento lá dentro, estudantil ou não?
R – Só desse movimento de matrícula, participava sempre da campanha de matrícula.
P/1 – Recepção dos calouros, né?
R – É, recepção dos calouros, eu não fazia parte do pessoal que pintava, não, parte do pessoal que divulgava o curso e falava do curso, era o ladinho mais cult.
P/1 – E como é que eram essas suas festas na sua casa que você fazia? O que vocês faziam lá, como é que era?
R – A gente ficava assistindo filme, vendo vídeos de bobagem e comendo muito, ouvindo música, violão, era sempre isso, não… o que mudavam eram as piadas (risos), mudavam as conversas. Às vezes, entravam pessoas novas, porque uma característica que o pessoal me conhecia bem é que a minha casa estava aberta para qualquer um, se o mendigo quisesse entrar, ele podia entrar na minha casa, eu até eu brincava: “Gente, se o mendigo quiser entrar no Sesc, ele pode entrar no Sesc, o Sesc é para todos, está de portas abertas”, aí todo mundo me olha, eu falo: “Se você quiser sair, você pode sair, mas o mendigo pode entrar”(risos), mas enfim, a minha casa também era a mesma coisa, todo mundo podia entrar e ficar. Então, até rolou de eu receber muitos amigos em casa nesse lance de viajar que eu adorava, várias coisas deram certo depois da EACH, e eu recebia amigos chilenos, uruguaios, de fora do país, mas de dentro do país, recebia amiga que tinha sido despejada pela mãe (risos), recebi amigos que queriam passar a noite, outros que moravam longe como eu morava antes e precisavam de um teto: “Vem para casa, divide aí”, então muita gente passou pela minha casa, minha casa sempre foi de todo mundo.
P/1 – Uma casa maior do que a da tua infância, né, nesse sentido, né?
R – É verdade, eu até nem tinha pensado nisso, você falando agora, eu fiquei pensando, pensei e falei: “Nossa gente, eu que não gostava de aperto, eu passei muitos apertos, até dividi a minha cama muitas vezes com os amigos que iam lá pra casa” (risos). Teve uma vez que gente, é terrível, mas era tanta liberdade que as pessoas tinham, que uma amiga chegou com as malas, eu: “Onde você vai, Li?” “Vim dormir aqui, que lado da cama você quer?”, era a minha cama (risos), eu olhei e falei: “Tá bom, pode escolher” (risos), era muito isso, então as pessoas sempre tiveram muita liberdade comigo, hoje eu não digo que não tenham tanta, as pessoas continuam tendo essa liberdade, só que hoje eu tenho que consultar o meu namorado, o meu chatinho, meu namorado.
P/1 – E ele, você conheceu na EACH?
R – Não, conheci em São José, na verdade, o Rodrigo é uma história bem recente, a gente está junto há menos de um ano e não sei, ainda não tenho histórias tragicômicas com ele (risos).
P/1 – A gente chega lá ainda. Você pode contar um pouco para a gente sobre o seu mestrado, como começou, o que ele é?
R – Meu mestrado, ele segue uma linha mais humanista, era sobre a percepção – estou tentando traduzir aqui – é um estudo sobre Maturana, Humberto Maturana, chileno e aí, ele fala muito desse lance da biologia das emoções. Então, o meu mestrado é uma defesa de que tem coisas que eu gosto muito de comer (risos), é mentira, mas é verdade, eu adoro comer, mas não tem nada a ver com o meu mestrado, mas eu adoro viajar e eu gosto muito da educação não formal, eu sou professora, mas eu me especializei na educação não formal, meu mestrado é voltado para educação não formal. Então, o que eu falo é que é uma abordagem da percepção dos monitores sobre as emoções do público ao visitar o espaço educativo. Então, é uma tentativa de explicar biologicamente as emoções do público ao entrar no espaço novo para eles, num espaço educativo. Resumidamente, é isso assim, é que falar de Maturana é algo meio surreal para algumas pessoas. Mas eu gosto, acho que… Maturana diz que as emoções são biológicas, que uma coisa não está distante da outra, que não adianta você tentar distinguir o ser humano biológico do ser humano emocional, os dois constituem o mesmo individuo e se completam e se relacionam o tempo todo, que isso está muito imbrincado. Então, quando você vai falar das reações do público num ambiente de educação não formal ou qualquer ambiente, é que no meu caso especificamente é educação não formal, esse corpo, ele está repleto de emoções biológicas emocionais. Então é essa abordagem de explicar o que é o amor na visão de Maturana, o que é a aceitação do outro, a negação do outro, isso também… acho que tudo o que eu fiz na minha vida tem uma relação muito sutil com a minha história, então tudo que… por mais que as pessoas escutem isso isoladamente, não dá para montar a história, então mas tudo tem muita relação com quem eu sou. Então o meu mestrado, por exemplo, quando Maturana fala da negação e aceitação do outro, são de novo, esses dois mundos, quando você nega o outro, você está negando a origem dele, você está negando a cultura, o ser do outro. Quando você aceita esse outro, você pode não concordar, mas você respeita e isso que é importante, então é um pouco disso que Maturana fala, da importância de aceitar o outro como legitimo na convivência. E essa aceitação, ela se dá pelo respeito, principalmente.
P/1 – Por causa disso, você viajou? Também por isso?
R – Não. As viagens, elas ocorreram em vários momentos, como eu gosto muito de viajar, foram vários momentos viajando, mas aí teve um momento que foi… eu brinco que a minha vida é um gráfico da Bolsa de Valores (risos), tem muitos momentos em alta e outros em queda brusca, vai abaixo de zero. E aí, um momento… são essas quebras que eu falei, outra quebra, as quebras podem ser positivas ou negativas e normalmente, elas são positivas e negativas, porque as positivas vêm carregadas com um forte teor de negatividade, isso por quê? Porque em vários momentos da minha vida, quando eu tive uma ascensão muito grande, houve um impacto muito severo de vários valores, culturas e tudo mais e uma queda - eu não gosto muito dessa palavra, mas talvez seja a que cabe no momento – uma carga preconceituosa muito grande, porque as pessoas quando me veem hoje não acham que eu já tive um outro lado da história: “Você trabalha no Sesc, você estudou na USP, você isso, você foi para a Europa, você foi para a América do Sul…”, e não parece que eu tenho família e eu tenho, eu ainda tenho a minha família, eles continuam no mesmo status quo, abaixo da camada de gelo e eu não nego, eu amo eles. Então, é só que infelizmente, eles não têm a mesma avidez que eu por uma coisa diferente daquilo, para eles, aquilo talvez esteja bom e eu não posso mudar isso. Então, eu digo que foi um impacto muito grande porque quando você chega nesses outros espaços, as pessoas começam a tecer falas indiscriminadamente, não por; não de proposito, mas porque elas estão conversando, estão falando e às vezes, entra num assunto que vai acabar me atingindo, porque eu lembro quando eu entrei no Sesc, eu falei para a minha mãe: “Mãe, eu não volto naquele lugar, eu nunca mais quero entrar ali” (risos), e ela: “Não, você vai, você vai amanhã, você vai depois de amanhã, você vai todos os dias”.
P/2 – Você poderia falar um pouco mais dessa… você falou que é professora, você está no Sesc, se você já deu aula, como que você começou a atuação profissional até chegar ao Sesc, como o seu mestrado influencia tudo isso, a sua visão de educação.
R – Tá, eu falo sim, mas esse lance dessa reunião, era uma semana de recepção dos funcionários do Sesc e aí, as pessoas talvez não façam de propósito, mas é complicado, porque você não sabe com quem você está falando, você acabou de conhecer a pessoa. E ai, um dos superintendentes do Sesc, daqui da sede, de São Paulo, recepcionando a gente, tudo mais e aí, ele solta uma: “Meus parabéns a todos vocês porque vocês são vitoriosos, vocês são vencedores, nã, nã, nã… e bom, nós gostaríamos de agradecer porque vocês fizeram um excelente processo seletivo, e isso e aquilo, e aquilo outro e é bom saber que nós temos pessoas cultas e assim, assim, assado e não sei o que, e claro, né, todos aqui são da classe B, A e B, porque a classe C não sabe ler, ela não poderia chegar aqui no lugar onde vocês estão sentados, então a classe C e D e outras tantas a gente não pode nem considerar que estaria aqui conversando hoje”, eu olhei, falei: “Gente, esse cara está louco”, eu olhei, cheguei em casa e falei para a minha mãe: “Mãe, ele não tem o direito de me desrespeitar, não dá, a posição que ele exerce hoje não dá a ele o direito de me desrespeitar como ser humano” (choro), e aí, a minha mãe, aquele poço de calma, de relevar tudo, de seguir e fazer e acontecer, ela falou: “Filha, fique calma, essa não foi a primeira e nem a última vez, ainda vai passar muito por isso” (choro) e gente, é terrível, é ridículo como ela tinha razão. É muito horrível e foram sucessões de fatos, uma repetição até que hoje esse alguém que fala, eu dou uma ignorada, porque eu falo: “Meu, beleza, já atingi um status, eu diria em todos os sentidos, apesar da minha fala ser sempre carregada desse lance socioeconômico, mas eu digo agora, num sentido num status emocional, num status social e econômico que isso me afeta menos, eu diria que eu estou mais neutralizada, não diria que isso é positivo, pelo contrário, isso é muito negativo, muito. Outros que passem… eu tenho amigos lindos de viver, da época da faculdade inclusive, Zaqueu, lindo! O Zaqueu é outra figura que passou por coisas tão difíceis quanto eu da EACH, um vencedor de LCM, professor, está aí no doutorado, tem 30% da visão, o cara não enxerga nada, e ele faz umas coisas que eu não faria, eu falo pra ele: “Cara, eu pago o maior pau para você, porque eu não faria 1% do que você faz”, Carina Shiro, outra também que é uma vencedora. Então eu acho que também faz parte dessa conversa hoje muito mais do que a minha história, um tributo a essas pessoas maravilhosas que compõem o meu corpo, meu corpo histórico, meu corpo emocional, meu corpo social, porque essas pessoas me fizeram o que eu sou hoje, tem parte ruim também, mas eles não são responsáveis por isso (risos).
P/1 – E antes do Sesc, o que você…
R – Então, deixa eu falar dessa linha que ele me pediu. Então, tentando colocar isso na linha histórica, acho que em 2005, eu terminei o Cefam, em 2008, eu terminei a universidade. E aí, quando eu terminei a universidade, eu fui lecionar, e eu lecionei em colégios particulares, escolas públicas, eu gostei muito da experiência de lecionar em escola pública, eu acho que foi muito válido, me fez crescer, algumas coisas que eu fiz lá dentro, eu carrego no coração até hoje, porque os meninos eram meninos incríveis, a gente tem meninos incríveis por aí a fora, eles são fantásticos! Então, tem uma galerinha que eu trabalhei lá em Osasco, que eu acho que são pessoas maravilhosas, talvez, eu nem lembre mais deles que eles tinham 11 anos e isso já faz um… sei lá, 2009, então já faz seis anos, eu não vou reconhecê-los mais, mas eram meninos de 11 anos que eram pessoas lindas e foi muito legal trabalhar com eles e depois, eu também trabalhei na zona leste de São Paulo, em escolas públicas, também foi um trabalho muito bacana, deu super certo, era mais difícil, porque era uma realidade mais dura e é o que eu disse gente, não é fácil e nunca vai ser fácil, os desafios sociais… eu até entendo em parte, porque eles são marginalizados, porque não é fácil! É muito mais fácil você trabalhar com a galera que já tem um outro nível, um outro status quo, porque essa galera realmente exige mais atenção, exige você por inteiro, não exige só o seu conhecimento cientifico, exige a sua doação emocional, exige a sua doação de tempo, de escuta, de muita coisa e não é fácil, mas enfim, o trabalho como meninos da Zona Leste foi muito bacana também, só teve um trabalho que talvez tenha me feito sair um pouco da educação, que foi eu trabalhar em escola particular, esse foi muito complicado, foi muito complicado, porque eu tinha meninos lá muito bons, mas tinham outros meninos que eles não eram meninos ruins, mas eles sabiam usar outras pessoas, eles sabiam usar os seus pais, eles sabiam usar a direção da escola e isso é muito complicado quando eles querem fazer algo ruim. Então teve um episódio na sala de aula que foi o que mais me marcou, porque aquele dia eu falei: “Eu não vou mais trabalhar nessa escola”, e na época, meu ex-namorado, Luiz Paulo, querido, lindo, ele falou: “Amanda, não, você tem que voltar”, é até engraçado dizer isso, mas depois que a gente começou a namorar, ele era o papel da minha mãe, porque ele era uma pessoa muito serena, uma pessoa muito calma e eu sempre fui muito explosiva, muito ansiosa, muito nervosa, querendo fazer tudo acontecer e tal, então ele sempre fazia esse papel de: “Calma, respira, vou te fazer uma massagem e amanhã você volta”, então foi bem legal a presença dele na minha história foi linda! E nesse episódio da sala de aula, eu estava lecionando, estava na frente do quadro, escrevendo uma equação química de balanceamento e um dos meninos acertou uma borracha na lousa, ai eu peguei a borracha e coloquei no cesto de lixo, aí ele: “Professora, você pegou a borracha e jogou a minha borracha no lixo! Você tem que pegar, porque o meu pai vai fazer isso, meu pai vai fazer aquilo, porque não sei o que…”, falei: “Meu bem, existem duas coisas na frente da sala: eu e a lixeira, você, obviamente não queria acertar a professora, então eu te fiz o favor de colocar a borracha na lixeira”, aí ele olhou: “Não sei o que, não sei o quê…”, eu falei: “Olha meu bem, eu vou terminar a minha aula, depois da aula, a gente volta a conversar junto com a diretora, porque se você não está concordando com essa afirmação, talvez você concorde com a afirmação dela”, aí eu terminei a aula e a gente foi conversar. A reação da diretora acabou com a minha vida (risos), acabou com a minha vida! Eu cheguei, expliquei a situação para ela, ela falou: “Pode voltar para a sala”, aí eu falei: “Tudo bem, depois ela vai conversar com ele, não precisa conversar agora na minha frente”, ela olhou pra mim e falou: “Amanda, vamos evitar maiores conflitos porque a gente está em época de rematrícula”, eu olhei e falei: “Meu, ela está zoando com a minha cara, não é possível isso, o moleque acerta a borracha no professor, não estou falando que é uma entidade, mas se ele não consegue respeitar o professor, quem ele vai respeitar?” É uma pessoa que está ali ajudando ele, tipo, está doando para ele atenção, está doando conhecimento, está doando tempo, escuta também por mais que seja, por mais que eu tivesse meus meninos na escola pública, e que eu fizesse uma doação integral para eles lá, a mesma doação eu tinha com esses meninos da escola particular e aí você tem isso de retorno? Eu entrei em crise, falei: “Meu, não! Não quero isso pra mim, não é isso que eu quero”, eu acho que esse foi o ponto que me faz sair um pouco da educação, porque eu sempre gostei muito de educação informal desde a época do Cefam, quando a gente faz esse lance dos estudos de meio, achava isso fantástico, eu falava: “Cara, esse lance da educação não formal é o que há”, e aí, quando eu tive essa quebra, essa ruptura na educação formal, eu falei: “Eu acho que o meu lugar é na educação não formal, conversar com esses meninos em outro ambiente, fora dessas mesas e cadeiras, fora dessas salas de aula, fora desse lugar inóspito”, porque hoje a sala de aula é um ambiente meio claustrofóbico, sei lá. Não culpo ninguém, mas às vezes, eu culpo sim, mas enfim, não vou entrar nesse mérito agora.
P/1 – E de lá, você entrou para o Sesc, foi isso?
R – Ai depois que eu dei aula nesse colégio particular, foi em 2009, eu entrei numa editora, trabalhei na Editora Moderna, fazendo edição de livros de Ciências, também e logo depois que eu entrei na editora, surgiu um processo seletivo para pesquisador na universidade… em algumas universidades por fora do mundo e de novo, eu prestei “n” processos. Ai, um era para Inglaterra, outro para Portugal e um para o Japão, meu namorado na época era japonês, ele falou: “Não acredito, vai para o Japão”…
P/1 – Ele era japonês?
R – O Luiz Paulo Goda Perroni, italiano e japonês, é uma mistura, quase como você, porque ele é alto, gigante e com olho verde, mas bem puxado, eu fui descobrir que o olho dele era verde depois de três meses juntos, foi muito engraçado, gente, tragicômico, mas foi terrível. Então, e eu prestei os processos e ele até falou: “Você não vai para o Japão, não vai dar certo, isso não é legal”, falei: “Calma, deixa eu ver o que dá”, porque todo esse processo, ele ainda era um processo de desenvolvimento, ainda era um processo de que eu não estava onde eu queria estar, eu ainda morava numa casa horrível, era uma casa do lado da EACH, só que do lado da EACH, você tem um terreno invadido, que chama Jardim Keralux, esse terreno invadido fica no coração de “n” fábricas ao redor, essas fábricas liberam poluentes muito nocivos, na época em que eu estava lá eu fiquei mesmo doente. Eu não dava muita trela para isso, mas quando eu comecei a ficar doente, eu passei a sentir que era real e fora que todas essas fábricas juntas tinham muita fuligem e a casa que eu morava era uma sobre casa, não tinha teto, não tinha nada (risos), bem a música, mas era uma telha muito mal posta, não tinha fechamento, dava para ver os buracos, quando o sol levantava, ele entrava na casa diretamente, porque tinham os buracos, tal. Então, as fábricas liberavam fuligem, a casa ficava cheia de fuligem, era uma casa muito ruim, muito… era horrível, mas era o que eu conseguia pagar com a condição que eu tinha, tendo que me manter, porque eu não tinha ajuda do meu pai, muito pelo contrário, eu continuava ajudando lá, então eu tinha que manter um nível que eu pudesse me sustentar e nessa casa horrível, todo esse processo de Cefam, faculdade, trabalho em escola pública, escola particular, na Moderna, na editora, ainda foi todo um processo de tentativa de estabilização posterior, porque naquela condição, eu não estava estável, pelo contrário, eu estava muito fragilizada ainda por conta de toda aquela condição que ainda era muito desumana, eu digo isso não como um auto flagelo ou como me sei lá, como que fala? Me colocando numa posição de pena, nem nada, mas muitas pessoas, gente, muita gente vive em condições desumanas, não fui só eu que vivi e foi bem tragicômico várias cenas dentro dessa casa, porque várias coisas ocorreram, as vezes, eu ficava com um cara super legal, lindo, maravilhoso que me conhecia em outras condições e ai, quando ele falava: “Deixa eu te levar em casa”, eu: “Não, não precisa” “Deixa eu te levar em casa” “Imagina, não precisa” “Eu insisto” “Meu Deus, você não sabe o que você está fazendo”, daí teve até um caso de que o cara foi, lindo, maravilhoso, apaixonado, me levou em casa e nunca mais apareceu, porque ele conheceu a minha casa (risos), e eu não culpo as pessoas. O Luiz que viveu comigo por três anos, o japonês, a gente ficou muito tempo junto e ele não ia a minha casa, ele não gostava da minha casa e até que chegou um… teve uma outra ruptura lá que foi na nossa relação e eu passei a não frequentar mais a casa da mãe dele, me recusei, não entrava mais lá, eu não colocava nem o pé na calcada, porque eu me sentia muito fragilizada naquele ambiente, então eu falei para ele: “Ou você passa a frequentar a minha casa que é o meu lar, é o que eu posso pagar hoje ou a gente termina”, para ele foi um martírio ter que passar a ir na minha casa, ter que passar a entrar no Jardim Keralux, caminhar por aquelas ruas e ai, eu morava em… Jardim Keralux tem várias ruas quando você entra no bairro, mas eu moro bem perto da EACH, tem a EACH, uma escola que é onde eu lecionava, a escola pública, um córrego e umas fileirinhas de casas que vai entrando até o final do córrego. Eu morava logo no inicio dessa fileirinha de casas. E lá no final, tinha uma boca lá, eles têm que ganhar a vida de algum jeito (risos), enfim, então eu era amiga de todo mundo e vira e mexe, a galera me ligava: “Amanda, não vai para casa hoje, porque mataram três na passarela”, tinham dois acessos para o bairro: um era passando por baixo de uma ponte onde só passava carro baixo ou peruinha, o outro acesso era pela passarela, ou você entrava pela Ayrton Senna. E ai, vira e mexe, tinha alguém morto na passarela, pessoal: “Não entra…”, eu: “Eu conheço quem matou e quem morreu, não tem problema”, então era muito assim, e aí ele se sentia muito acuado nesse ambiente e ele tem as razões dele, é normal isso, mas enfim… e ai, quando eu fui viajar, voltando. Cinco anos depois, mas ai depois que eu saí da Moderna, não, que eu prestei todas essas provas, saiu o resultado, o primeiro resultado que saiu foi o de Portugal e ai, o de Portugal, os caras me aprovaram, falaram: “Beleza, agora você vem”, e ai foi um outro parto, porque como que eu ia? Como que eu ia pagar três mil e quinhentos reais uma passagem para ir? E ai, eu tive que sair pedindo para todo mundo, aí pedi na universidade, tal porque os caras… interessa eles muito que alguém represente eles fora, nas universidades do exterior, mas bancar isso já são outros quinhentos. Então, foi uma guerrinha lá dentro, fui falar com todos os reitores possíveis para tentar que eles me pagassem a passagem, porque lá eu teria uma Bolsa, eu iria receber para trabalhar pela universidade, Universidade do Minho, em euro, era uma universidade que fica ao norte de Portugal, em Braga, mais próximo de Coimbra do que de… Coimbra, não, mais próxima ali do Porto do que de Lisboa e aliás, ficava bem perto de Porto. Então foi ai quando eu fui, porque saiu o primeiro e eu estava numa situação que eu falava: “Gente, preciso mudar minha vida, preciso que alguma coisa aconteça”, então foi muito legal, eu nem esperei as outras Bolsas darem o resultado e fui embora para Portugal mesmo e foi legal, porque era um contrato de três meses a dois anos, eu estava no Brasil fazendo mestrado ainda sem Bolsa, e tendo que trabalhar e estudar com aquela dedicação integral e todas as complicações que todo mundo já conhece. E eu fui e foi uma experiência muito legal, porque foi a primeira vez que eu sai do Brasil, nunca tinha saído do Brasil. E sai daqui super pimpona porque eu falei: “Beleza, é o menor dos males”, eu não sabia falar inglês, não sabia falar nada além de português, então foi legal que eu passei para Portugal, porque aí fala português e eu tava feliz e contente, porque se fosse para a Inglaterra, eu estaria lascada, mas ai, como saiu Portugal, eu sai toda contente. Quando chegou lá, a realidade não era bem essa, porque a população de Portugal é uma população velha já, tanto que hoje eles têm politicas de povoar a cidade porque realmente a população é muito velha e os jovens que têm lá são jovens estrangeiros. Então, quando eu cheguei lá, eu não falava português, os meus amigos mais próximos era uma búlgara e um italiano e um alemão (risos), eu falei: “Gente, como é que eu vou falar com essa galera?”, e tipo, eu tinha feito vários cursos que eu tinha conseguido Bolsa na época que eu morava em Carapicuíba, aquele lance de… gente, eu tenho tantos atestados de pobreza que são incontáveis na minha vida, fiz oito cursos pelo Senac todos com atestado de pobreza (risos), fiz curso de inglês, enfim, vários e ai, nesse lance do curso de inglês, foi bom, porque eu sabia falar palavras avulsas e aí quando eu cheguei lá, eu só sabia falar palavras avulsas, ainda bem que a búlgara falava inglês, o alemão falava todas as línguas do mundo, ele falava português de Portugal também e o italiano só falava italiano, mas dá para entender alguma coisa daquilo ali. E a gente foi tentando se entender ali, ora em português, ora em inglês, mas foi muito engraçado, eu tive que aprender inglês, porque a búlgara era a minha melhor amiga lá e eu só falava com ela em inglês. Os meninos eram muito meus amigos, mas o alemão, até… depois, a gente até acabou brigando um pouco, porque ele se aproveitou da situação, teve um dia que ele chegou… e eu não sabia inglês, e ai, até então, eu falei: “Gente, no Brasil é assim, acho que aqui todo mundo é legal, é super gente boa e tal”, então eu não sabia falar inglês e eu falava “Yes” para tudo e ele: “Can I kiss you?”, e eu: “Yes”, e sorrindo e dizendo “sim”, era a única coisa que eu sabia falar direito e ele me beijou e eu bati nele, eu falei: “O que é isso? Você está louco e não sei o que” “Eu perguntei” “Mas eu sabia o que você tava falando?”, e a gente se desentendeu e depois, acho que no dia seguinte, eu encontrei a Navana que era a búlgara – ai, saudades da Navana – e ai, a Navana me falou: “Amanda, eu vou ali e já volto, tá bom?”, eu: “No ofense”, ela: “Você entendeu o que eu disse?, eu: “No ofense”, ela: “Por que você está falando no ofense?”, ai eu: “Porque da última vez que eu disse ’sim’ não deu certo”, então foi muito tenso isso, mas foi legal, porque depois de três semanas eu já estava falando inglês, de uma forma que dava para levar. Então eu acho que valeu muito a experiência, essa foi uma super ruptura na minha vida, porque foi muito engraçado gente, esse período foi uma… quando eu me vi lá na Europa, em Portugal e em outro país falando inglês com outras milhares de pessoas diferentes, húngaros, búlgaros e etc., eu olhei e sabe aquele lance de você olhar para dentro e falar… é um “Quem sou eu?”, mas é um “Quem sou eu?” tão gostoso, não é mas aquele anterior que falava: “Putz, quem sou eu que não encaixa em lugar nenhum?”, é um “Quem sou eu?” que encaixa em todos os lugares, eu sou de todo mundo, sabe e eu falei: “Puxa que legal isso”, muito legal você estar em todos os lugares e todos os lugares serem seus também e foi muito legal isso, acho que essa foi uma experiência super bacana, foi uma tremenda ruptura para o bem, acho que foi muito para o bem, eu diria para o bem, para o mal em outro momento, mas hoje eu avalio que foi muito para o bem, porque naquela época, eu e o Luiz, ainda estávamos juntos e a gente estava numa situação muito complicada, porque assim como o superintendente do Sesc falou todas essas coisas, a mãe dele também me falou muitas coisas que me esfaquearam, teve um dos momentos que… acho que um dos momentos mais tensos, na nossa relação, do Luiz e eu foi quando a mãe dele disse que eu podia deixar os pratos na mesa e voltar para comer na cozinha, porque eu era negra e pobre, eu falei: “Gente, eu ser negra é um ser, não é um estar e eu ser pobre é um estar, não é um ser. Então, hoje eu estou pobre e sou negra e eu não vou me rebaixar ao que a senhora pensa”, então acho que foi uma situação muito difícil, e para a gente foi muito difícil, porque a gente se gostava muito mesmo e ai, quando você perguntou das paixões, o Luiz foi uma dessas paixões (choro) e o nosso amor era lindo, mas tem algumas coisas que não resistem, não resistem às diferenças, não resistem aos preconceitos, não resistem (choro) e isso não resistiu e tudo bem, a vida continua. Então, foi uma época muito difícil, porque logo depois disso… por isso que eu falei que depois de um determinado tempo, ou ele frequentava minha casa ou a gente não se via mais, porque depois de ouvir isso, eu nunca mais pisei na casa dele e aí logo depois disso, eu fui para a Europa por esse convite de trabalho, por ter passado na prova e na Europa foi muito bacana porque foi toda essa ruptura muito boa, porque eu estava sendo tão mal tratada, isso soa meio com… eu não gosto desse lance de pena, então falar que eu estava sendo mal tratada para mim soa como lance de pena, mas eu tava fragilizada, eu acho que eu estava muito fragilizada com toda aquela situação das diferenças, de novo, as pessoas não são obrigadas a aceitar, mas se elas já respeitarem, já é o suficiente e ali, eu não tava sendo respeitada, então eu sai daquele lugar e fui para a Europa e quando cheguei lá foi muito legal, porque eu conheci esse grupo de amigos que estava mais próximo de mim, a búlgara, o alemão e o italiano e depois disso, chegou um monte de brasileiros (risos). Eu nunca vi tanto mineiro, gente, parece que mineiros brotavam do chão, eu falei: “Gente, que legal”, até então, não conhecia mineiro, mas mineiro é uma coisa tão fofa, mas tão fofa, gente, que dá vontade de pôr no colo e ninar (risos), eles são lindos, eu adoro ver [som de beijo] amigos mineiros lindos e foi muito legal, quando os meninos chegaram, meninos e meninas porque eu estava lá sei lá, um mês, com a búlgara, a Navana, com… enfim, estava lá com os meninos e ai, chegaram os brasileiros e ai, eu ia fazer aniversário num lugar totalmente… a oito horas de viagem da minha casa, um oceano atlântico nos dividindo (risos) e aí, eu falando com a minha mãe, às vezes e tal, e foi muito engraçado porque eles fizeram uma festa surpresa para mim. Gente, isso foi super marcante, não o fato de ser uma festa surpresa, mas é que naquele momento foi muito significativo para mim, eu estar num lugar totalmente desconhecido, com pessoas totalmente desconhecidas e essas pessoas desconhecidas me acolherem melhor do que onde eu estava, que era o meu lugar de origem, que era o meu lugar e ali, eu não era bem tratada, eu falei: “Gente, que coisa louca! No meu lugar, eu não sou bem tratada e aqui, eu sou tratada como uma rainha”, e veio de novo esse lance da faculdade, que é super popular, falo com todo mundo, foi super legal, foi muito divertido. Então enfim, acho que… esse “super popular”, várias aspas, porque a popularidade é relativa (risos), mas foi uma experiência muito legal e quando eu voltei, aí foi o momento das decisões, então foi o momento em que eu e o Luiz nos separamos, porque realmente não tinha mais condições e foi o momento em que eu olhei e falei: “Eu não tenho mais condições de morar nessa casa”, eu levei uma malinha miserável e voltei com três malas e as minhas amigas, gente, minhas amigas acabaram com a minha vida, eles: “Nossa, você que nunca comprava roupa trouxe três malas?”, eu: “Verdade, eu comprei roupas”.
P/1 – Você fixou quanto tempo lá?
R – Quatro meses só, porque ai quando eu cheguei lá, a galera me aconselhou a Bolsa no mestrado aqui, eu falei: “Ai, que brincadeira! É só eu chegar, dar um pulinho para fora e a galera manda voltar”, e aí eu fiquei então só os três meses do contrato e um mês viajando e voltei para fazer o mestrado com Bolsa, porque agora tinha que ser dedicação integral com verdade.
P/1 – E você viajou por onde, lá?
R – Foram sete países, eu acho. Foi Itália, Alemanha, França, Eslováquia, República Tcheca, Portugal e qual? Está faltando um, não lembro, por ali, mas gente, esse lance da viagem também foi muito legal, porque eu sempre fui meio desencanada, até por não ter nada, então não tem o que as pessoas levarem de mim, se elas quiserem, elas podem levar um sorriso, um abraço, mas eu não tenho dinheiro, não tenho nada. Então eu sempre andava muito desencanada de tudo e foi muito legal porque eu cheguei lá e teve uma hora que eu estava no buzão, saindo de… estava saindo da República Tcheca indo para Berlim e ai, eu estava assistindo um filme na TV que era em tcheco, mas com legenda em inglês e aí, eu comecei a rir, porque eu comecei a entender o filme, falei: “Ai gente, que feliz que eu tô, né?”, isso é horrível, mas alegria de pobre (risos), foi muito engraçado e outro fato é que nesse mesmo ônibus, estava com a lista de hostels que eu ia ficar, mas não tinha feito reserva em nenhum, eu nunca faço reserva, porque eu tenho medo, esse lugar, eu não sabia que era tão longe da estação e aí vai que eu fico num hostels, reservo e o negócio é super longe, então eu nunca reservo, pego uma listinha e vou que… quando eu chegar lá, eu decido. E eu estava nessa, com a listinha de hostels: “Onde fica esse hostel?”, ela olhou e falou: “Cara, você vai chegar lá muito tarde”, falei: “Tarde aqui é relativo, quatro horas da tarde, nove da noite é noite”, aí ela olhou: “Não, mas você vai chegar muito tarde, não vou deixar você na rua sozinha e tal”, e foi muito legal, a Malika, me levou para a casa dela, e eu fiquei na casa dela quase uma semana com ela e com o esposo dela e foi muito legal. Gente, ela é uma tcheca casada com um alemão, linda, linda, linda, é uma pessoa demais e foram momentos inesquecíveis. Eu tenho momentos que valem para a vida inteira, eu tenho vários. Navana é um, a Malika é outro e uma senhorinha que eu não sei o nome, mas eu chamo de vozinha é outro, que foi muito legal. Eu estava saindo da Bratislava, na Eslováquia, indo para República Tcheca, num trem e aí eu tentei estabelecer comunicação com essa senhora para perguntar se as moedas que eu tinha que eram só euro eram aceitas lá na Republica Tcheca, ela olhou e ela só falava tcheco e eu não entendia um palavra de tcheco, eu falei: “Gente, se inglês está difícil, tcheco então, estou ferrada, como que eu vou fazer isso agora?” (risos), mas foi muito legal porque aí ela começou a tentar fazer mímica e se esforçando ao máximo para me ajudar, chegou uma hora que ela cansou, ela pegou um punhadinho de moeda tcheca e pôs na minha mão, ai eu olhei: “Ai que lindo, bonito, beautiful, nice”, ai ela: “É sua” e eu: “Não, não posso aceitar”, e fixou aquele negócio, até que uma hora eu falei: “Bom, ela está insistindo muito, está bom”, ai veio a mulher do ticket, eu falei: “Moça, você fala inglês?”, ela: “Falo” “Me ajuda então, pergunta por que ela está me dando as moedas”, ai ela perguntou e falou: “É porque você só tem euros, ela está te dando as moedas tchecas porque… a corona tcheca porque não vai aceitar no metrô, senão você não vai entrar no metrô para chegar onde você quer”. Aí eu olhei e falei: “Gente”, mas é de uma sutileza, uma amabilidade, aquilo foi um dos gestos mais lindos da minha vida, uma senhora, de uns 80 anos se esforçando para conversar com uma jovem estrangeira que ela nunca viu, foi muito legal. Aí, perguntei para a mulher como é que falava a única palavra que eu poderia aprender em tcheco: obrigada, e aí eu lembro muito dela, é a vovozinha do Dekuji, que é a única palavra que eu sei falar em tcheco: Dekuji, obrigada. E depois disso, ela pegou na minha mão, desceu comigo na estação, a vovozinha, me levou até a central de informações turísticas, me abençoou, fez o sinal da cruz e me deu um beijo na testa, gente, aquilo foi lindo, lindo, lindo, um dos momentos que você fala: de guardar no coração, mas não é de mentira, é de verdade, guardar mesmo para sempre, aquela caixinha de música que você tem guardada no coração que abre e tem um monte de segredinho? É essa, é lindo! Enfim, essa viagem me rendeu vários momentos foram muito legais e foram momentos de muita descoberta, foram momentos de falar: olha, chegou a hora de largar tudo aquilo para trás e começar uma vida nova. E ai, foi quando eu passei no Sesc, voltei para o Brasil, nem terminei o meu mestrado, estava fazendo o meu mestrado com a Bolsa, me chamaram para o Sesc, eu entrei no Sesc e terminei o meu mestrado e continuo aqui até hoje. Agora, eu cheguei num momento em que eu falo que a minha vida está mais estável, porque eu já moro num lugar que tem teto, é bonito! Tem uma vista bonita, é no alto, eu tenho elevador (risos), enfim, está assim, é digno, é mínimo, é o mínimo que é necessário para um individuo viver, dignidade, hoje eu tenho isso, então eu acho que eu estou feliz. Às vezes, o Rodrigo, que é o meu atual namorado, ele fica pegando no meu pé: “Amanda, você não se mexe, você não faz as coisas”, eu falo: “Cara, você não tem noção de como eu já me mexi até hoje, me deixa quieta um instante”, é muito… ele também tem uma raiz parecida com a minha, então às vezes, incomoda ele um pouco essa constância, porque ele ainda quer muito mais. Eu falo pra ele: “Eu acho legal, acho ok que você queira mais, mas eu cheguei onde eu queria chegar, eu acho que eu posso descansar um pouco, eu posso respirar, chega dessa correria insana, desse… de tudo isso, de andar de sol a sol, chuva a chuva”, porque foi isso, gente, eu morava em Carapicuíba e não tinha dinheiro para pagar a passagem, eu andava no sol, às vezes, eu sou mais queimada de sol do que morena, mas enfim, quem vê… eu tenho uma irmã que ela é pálida, quem vê fala: “Não é sua irmã”, eu falo: “É sim, gente, eu já fui dessa cor” (risos), então é muito complicado e eu converso muito com ele porque chega uma hora na nossa vida que a gente só quer parar e eu acho que chegou a minha hora, quero parar e admirar e aproveitar e desfrutar, poxa, hoje eu tenho o dinheiro para fazer a viagem que eu quiser, eu quero viajar, eu não quero mais ficar sei lá, sabe, fazendo mil coisas, porque eu tenho que pagar isso, eu tenho que pagar aquilo, eu tenho que subsistir, eu tenho que manter o subumano para sei lá… então, enfim, acho que é isso. Deixa eu ver se tem alguma coisa aqui que eu queira compartilhar.
P/1 – É, mostra pra gente aqui.
R – E quando eu morava no Keralux, Jardim Keralux, na zona leste de São Paulo, lá do lado da EACH, eu comecei a fazer um negócio que eu chamo meio de mural de desejos, na verdade, são objetivos do ano, é um mapa, gente, eu adoro mapas, mas eu comprei um mapa que eu gostei mais do que esse, ai usei esse para outra coisa. E eu comecei a fazer isso, o primeiro objetivo do ano que eu fiz foi em papel higiênico grudado na parede, esse é um dos mais sofisticados, mas tem um mais sofisticado do que esse, não trouxe todos. Então esse é o de 2013 e aqui, eu coloco um pouco do que eu me proponho a fazer no ano, eu nem sei o que está escrito ai, se tiver alguma coisa tragicômica, me perdoem.
P/1 – Deixa eu ver: terminar o meu mestrado, praia de nudismo (risos)
R – É, foi mal! Eu esqueci (risos). Foi mal, às vezes, tem umas coisas assim.
P/1 – Descansar a mente e o corpo despretensiosamente, viajar em muitas pessoas e nós para os mais diversos universos possíveis, trabalhar, ganhar e poupar uma grana, além de cuidar da minha saúde mental e física. Esse é 2013?
R – Esse é o de 2013.
P/1 – E você fez outros depois, em 2014, desse ano?
R – Sim, esse daqui… eu acho que eu comecei…
P/1 – O de 2015 está na parede ainda, né?
R – Tá, está na parede. Eu comecei a fazer isso em 2000 e… não sei, 2007, 2008, acho que foi em 2009, na verdade, que foi o primeiro que não resistiu ao tempo, o papel higiênico (risos) e o segundo já foi uma colagem de folhas, está aqui, não sei se foi o segundo ou o terceiro, sei lá, esse é bem precário também, não dá nem para montar ele.
P/1 – Se você conseguir abrir uma partezinha só… cuidado para não…
R – Não sei se vai dar para ver alguma coisa. Enfim gente, mas todo ano tem um. Agora os objetivos ficaram maiores, exigem um tempo maior de maturação, são de longo prazo. Esses aqui eram coisas mais de curto prazo, depende, né, você ter um teto, para alguns, é longo prazo, mas é isso.
P/1 – Tem mais o quê ai?
R – Putz, tem um monte de coisas! Eu me organizo… eu aprendi isso com o Paulo, meu orientador, mapas conceituais, são organizadores de pensamentos, então, pode ser… (risos), não está muito organizado, mas aqui, ano a ano, ele vai alterando, aí eu vou riscando… esse daqui foi feito em 2009 e sofreu alteração até o no passado, que era quando eu ia terminar o mestrado e ainda pode sofrer alteração, mas agora, eu já fiz outro a partir dele. Ai, esse daqui é o planejamento 2013, que tipo, tem os objetivos do ano e tem os planejamentos, os planejamentos são em forma de mapas conceituais. Eu acho que eu não tenho mais o de 13 anos, mas tenho aqui uma casa que eu desenhei, gente, tem um negócio aqui que é muito velho, nossa, muito velho mesmo, estava até… abri a pasta hoje, o negocio caiu!
P/1 – Então mostra pra gente.
R – Quadro de objetivos, está horrível, mas quadro de objetivos, isso é muito velho. Eu acho que isso daqui deve ser de 2003, 2005, não sei, eu acho que é de 2003.
P/1 – O que tem ai?
R – Aqui era a casa, a maquina de lavar, por que uma pessoa vai querer uma máquina de lavar, gente? Porque na minha casa, eu lavava roupa na mão de dez pessoas, é por isso que eu queria uma máquina de lavar. Um depilador, nada a ver! Eu olho isso hoje e falo: “Nada a ver”!
P/1 – E atrás?
R – Um tapete e uma cama de verdade (risos). Enfim, esse daqui eu acho que é de 2003, eu devia ter 15 anos, é, faz 12 anos isso! Então, mas o resto são todos mapas conceituais, mapa, mapa…
P/1 – Você começou quando fazer esses mapas?
R – Em 2005, acho que… foi quando eu entrei na facul, 2005, é, que aí o Paulo começou a nos orientar e ele… toda metodologia de pesquisa dele era baseada em mapas conceituais e foi que eu aprendi a ser um pouquinho mais organizada, só que não, né, porque no final, eu não sou muito organizada. E tem um monte de anotação, de coisas… ah, esse é o desenho símbolo da minha jornada. Essa é uma marca registrada.
P/1 – O que é?
R – Toda a minha casa tem esse desenho, as minhas coisas têm sempre esse desenho…
P/1 – Você pode mostrar de novo? O que significa isso? O que é?
R – Esse desenho, ele… eu não sei explicar o significado dele, mas ele para mim tem muito significado, mas é difícil às vezes, externar algumas coisas, mas ele representa para mim uma calmaria, algo que eu queria atingir, que eu não tinha, porque gente, é muito… eu falo até hoje, eu adoro silêncio na minha casa, a casa onde eu vivo hoje, a minha mãe também adora, outro dia, ela até quis morar com a gente, eu falei: “Mãe, agora eu estou morando com o Rodrigo, como que você vai morar aqui num apartamento de um quarto?”, então, não dava para trazer a minha mãe, convenhamos, mas enfim, a minha casa hoje é muito silenciosa, muito calma, eu estendo a minha rede e fico tomando um ar na janela, é super tranquilo. Rede, coisa de super paraibana, dentro do apartamento, mas é, então eu acho que esse desenho representa tudo o que eu não tinha desde que eu comecei a desenhar, aos 13 anos de idade. Era uma calma, uma paz, porque era tudo muito… e não é uma calma, uma paz, estar somente num lugar silencioso, mas é de tudo, é de você poder desfrutar dessa calma, dessa paz e sem se preocupar com outras milhões de coisas. Então, acho que esse desenho era principalmente, ele foi alterado por um amigo meu, por exemplo, essa árvore não é parte do meu desenho, mas foi uma contribuição bem vinda de um amigo meu. Acho que é mais essa serenidade, essa calma, essa paz e também às vezes, um esconderijo, porque na época, não tinha muito para onde ir, então às vezes, essa paisagem servia para mim como um esconderijo, sei lá.
P/1 – Você disse que você está usando uma pedra da lua, é isso?
R – É.
P/1 – Por que você usa ela? O que significa para você?
R – Eu acho que as pedras têm uma energia muito boa. Eu não sou uma pessoa muito… sei lá, eu não sou muito bicho grilo, gente, pelo contrário, eu acho que eu sou muito mais… como é que fala? Essas pessoas… ai, esqueci a palavra, mas a palavra não é ambiciosa, mas sou muito mais a missão da grana, de dinheiro e tal, mas tem outros momentos que eu sou meio bicho grilo, mas só um pouquinho, porque acabo sendo tomada por esse poder da ganância e tal, mas não é essa palavra, enfim… mas tem algumas coisas em que eu acredito muito, a energia é um negócio que eu acredito muito, na energia das pessoas, na energia do ambiente e eu acho que é um pouco isso, quando eu desenhava essa paisagem mesmo, poder da água, o poder do céu, a lua, gente, eu adoro a lua, é linda, tem várias coisas de lua em casa, a lua e o sol, porque eu acho que são energias muito boas, renovadoras, tal, mas eu não sirvo para falar disso, sinceramente, eu não acho que eu sou uma referência para falar dessas coisas, eu acho que esse meu outro lado acaba prevalecendo muito mais. Ás vezes, o pessoal… na faculdade, falavam que eu tinha um estilo meio bicho grilo, meio índia (risos), que eu usava muito…
P/1 – E você tem alguma descendência indígena?
R – Tem, tem! Por parte do meu pai, parece que uma… eu não conheci, mas uma tataravó, acho que uma tataravó era índia e o meu avô era branco e negros, a gente não sabe de onde vem, eu suponho que tenho, porque esse cabelo cacheado não é à toa, mas minha família é bem preconceituosa, eles não assumem, pelo menos, não me falaram onde está o negro. Falei: “Gente, por favor, né, olha isso? Como é que vocês são preconceituosos? Que incoerência! Que absurdo!”. Mas enfim, a vida é feita de incoerências e muitas, muitas.
P/1 – E diz pra gente, o que você faz no Sesc hoje? Estou chegando nos dias de hoje, já.
R – Faço a programação cultural de circo, de juventudes, programação para jovens e também, diversidade cultural e meio ambiente. Diversidade cultural, até por isso que eu vim aqui hoje, vim conhecer um pouco do Museu, ver como que vocês trabalham e tentar absorver alguma coisa para abordar lá no Sesc, porque tem algumas questões que são… isso eu sinto muito no meu trabalho, tem algumas questões que são difíceis você passar para as pessoas, porque elas são perceptíveis, não são questões que uma fala vá absorver, uma fala vá passar. É perceptível, mesmo, não dá para falar de diversidade cultural só falando, eu acho que é muito… eu, particularmente, acho que é muito vago falar de diversidade cultural só uma fala e é a mesma coisa que você falar das questões sociais, só a fala é muito complicado, então vira e mexe, no meu trabalho, eu procuro uns elementos, até demoro um pouco para desenvolver as ideias, porque eu fico tentando achar elementos táteis para explicar para as pessoas, para exemplificar para as pessoas do que eu estou falando, porque eu vejo pela minha família, gente, eu estava com o Rodrigo, esses dias, a gente foi lá em casa, e aí eu não sei o que eu estava explicando para os meninos, o Rodrigo: “Ah, é assim, assim, assado”, eu falei: “Rodrigo, calma! Não é bem assim. Você fala: ‘Assim, assim, assado’ para uma pessoa pode resolver, para outras tantas não vai resolver, você precisa falar mais pausado, mais exemplificado, você precisa de outros elementos para que atinja a base que essa pessoa tem, as bases das pessoas são diferentes e em geral, a base da base brasileira precisa de muitos exemplos, precisa de uma explicação mais pausada, precisa de um cuidado, uma atenção muito maior. O topo pode entender com meias palavras, mas a base não vai entender”, então é um pouco isso, eu vivo nessas procuras, porque eu acho que… eu não sei se todos têm essa preocupação na instituição, mas eu, até pela minha história, talvez, eu tenho muito essa preocupação, porque a quem eu quero falar? Eu vou falar para mim mesmo? Ou eu vou falar para outras pessoas que ainda não frequentam Sesc, porque essa é uma crítica que eu também tenho, uma critica muito grande, o Sesc, a instituição é bem até bem complicada, assim como eu fiz a crítica a EACH, falei tudo isso que eu acho da EACH, da USP e tudo mais, eu tenho a crítica tanto quanto para o Sesc, porque o Sesc é o Serviço Social do Comércio e cadê o social? De que social nós estamos falando? Social classe A, social classe A/B? Não chegou no B, o C nem entra, ah não, entra sim, os terceirizados! Então, é muito complicado. Alguém pode ouvir isso e falar: “Pô, ela está sendo irônica”, mas gente, que ironia maior do que a própria instituição? Aquilo lá é uma puta ironia, é o Serviço Social do Comércio porque atende…que deveria atender os comerciários, é necessário que o estado intervenha na receita da instituição para que obrigue-os a atender o comerciário, que é o público fim. Deveria ser o público primeiro, porque o público fim, existe o fim de finalidade e o fim de o último a ser atendido, no caso, eles só usam a segunda opção, não é o público de finalidade. E a gente tem essas incoerências, eu me debati muito com essas questões quando eu entrei na instituição e acho que até hoje, tanto que São José é uma unidade que tem um atendimento classe A e B, não chega na C e não sei, acho que não tem intenção de chegar, pelo o que eu vi até hoje, mas pode mudar, tudo pode mudar. E eu fico pensando, até fiz o mapeamento das unidades que têm maior adesão de outras classes, porque gente, seria também uma hipocrisia eu ficar depois que eu cresci, eu ficar atendendo classe A e B, eu preciso também cumprir um papel social que é o retorno as minhas origens, que é ajudar essas pessoas a também ver… elas não precisam mudar, elas precisam conhecer novos horizontes, elas precisam conhecer novas coisas, elas precisam saber que existe um outro mundo e que ela tenha possibilidade de escolher ou não, mas como que você vai escolher alguma coisa que você não conhece? É o maior crime que poderia ser cometido e que a gente comete todo santo dia, as pessoas não sabem de nada, elas não conhecem nada! Todo dia isso ocorre e é um crime social muito bem-vindo até. Mas enfim, acho que a instituição, ela tem muitas incoerências, não acho que vá ser do dia para noite, acho que está bem longe de resolver essas questões internas, até acho engraçado, porque quando eu entrei lá, o pessoal falava… houve um movimento primeiro e que depois de um tempo, já queriam me botar para fora e depois, foi engraçado o comentário que eu ouvi, um falou: “É interessante ter ela no grupo porque ela tem uma visão diferente da nossa”, aí eu falei: “Bom, obrigada, mas o que você quis dizer com esse ‘diferente’?”, mas é legal, e falam: “Você tem uma visão do rap, uma visão do pagode, do samba ou em relação aos estilos musicais, mas também tem uma visão extra em outras coisas”, porque essa é uma outra coisa, quando eu fui morar em São Paulo, também rolaram essas coisas assim, os meus amigos todos ouviam rock e eu ouvia outras coisas e todo mundo fala que foi horrível, porque eles me obrigaram a ouvir rock e depois passaram a fazer chamada oral de rock e até que eu acertei uma música que era do Deep Purple, eu acho e eles pararam de encher, porque falaram: “Agora ela já sabe”, eu falei: “Nossa, que saco isso”, eu gosto de todos os estilos, não vou falar que hoje eu gosto só do meu, agora passei a gostar de rock, não, eu ouço tudo e eu acho que é esse o lance da diversidade cultural mesmo. Acima de tudo, se você não é diversa, você aceitar que o outro é, porque… eu fiquei pensando nisso essa noite, esses dias, sei lá, nós somos muitas histórias, acho que talvez seja muito triste alguém que é uma história só, não sei, porque… eu não sei, pode ser até que eu esteja sendo preconceituosa nesse momento, mas é que eu tenho tantas histórias em mim mesma, que eu falo… é até divertido, é horrível, às vezes, mas é muito divertido. Enfim, é um pouco isso, mas o Sesc é isso também, é um instituição incoerente, que ainda não cumpre com o seu papel final, mas que há uma esperança, pelo menos, eu ainda tenho.
P/1 – Eu queria passar para a parte final, na verdade, não queria passar, porque tinha várias perguntas, mas… não sei quanto tempo foi… duas e vinte e cinco?
R – Eu acho que a gente… é hora de dar tchau.
P/1 – Mas, a gente sempre deixa aberto para… que é isso que você falou, você tem muitas histórias, todo mundo tem, então às vezes, não dá tempo e a gente sempre deixa aberto para você voltar, fazer a parte dois da sua história, tem gente que vem mais de uma vez, tem gente que vem três, quatro vezes, então não acaba, né? É uma parte do depoimento, só. E nessa parte final, eu queria perguntar para vocês se vocês têm alguma pergunta que vocês queiram fazer.
P/2 – Eu queria perguntar só o que você achou dessa experiência de contar a sua historia para a gente, compartilhar todos esses momentos…
P/1 – Mas antes disso, você tem alguma coisa que você queria falar e a gente não perguntou?
R – Não que eu me lembre. Ah, mas esse lance do que eu achei, eu fiquei muito ansiosa, gente, nossa, porque eu fiquei pensando: é a primeira vez que eu agendo para contar a minha história. É muito engraçado, porque geralmente, você encontra pessoas, isso ocorre muito nas viagens, você está viajando e aí você está ali… eu viajo muito sozinha, agora talvez, a gente comece a viajar junto, eu e o Rodrigo, porque ele… ah, eu falo tanto do meu pai, mas eu achei um machista igual, muito machista e ele não gosta que eu viaje sozinha, mas eu adoro viajar sozinha. Então talvez, a gente comece a viajar junto, mas enfim, enquanto eu viajei sozinha é muito legal, porque você está aberta a tudo e a todos e ai, ocorre muito disso, de encontrar alguém e acabar trocando algumas coisas da sua historia, mas agendar para contar história é a primeira vez, então eu fiquei muito ansiosa ontem a noite, eu até falando com o Rodrigo, ele já dormindo, eu acho que ele nem ouviu um centésimo do que eu falei. E eu, não sei se eu consegui dormir, eu sei que eu fiquei um bom tempo acordada até conseguir dormir. Então é isso, é uma experiência bem engraçada, acho que é isso.
P/1 – Eu queria fazer como ultima pergunta é saber quais são os seus sonhos agora.
R – Ah, essa é uma boa pergunta! Agora, é desfrutar um pouco mais esse momento que é um momento de maior equilíbrio, eu acho que equilíbrio foi uma palavra que apareceu muito em todos os anos em que eu comecei a fazer esse objetivos do ano, é sempre equilíbrio, equilíbrio, equilíbrio, porque às vezes, as pessoas usam equilíbrio como uma palavra isolada, mas é uma palavra que tem muitas conotações e quando você trata de um individuo, mais ainda. Então, acho que agora, eu cheguei num momento de maior equilíbrio, acho que não total, mas equilíbrio que eu já almejava, então desfrutar desse equilíbrio. Viajar muito, que até hoje é uma das minhas maiores paixões é viajar e eu vou tentar comprar um teto, porque agora que eu já tenho um teto, ele ainda é alugado, mas é um teto bem confortável (risos), então agora a ideia é comprar um teto confortável que seja meu. É isso, para esse ano, basicamente, tem outras coisas, mas é tipo praia de nudismo, que eu não lembro que eu tinha escrito (risos). É isso.
P/1 – Tá certo. Então, a gente te agradece. Foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA
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