Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Rafael Torres Fattibene
Entrevistado por Eliete Pereira
Santo André 09/03/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_49
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Rafae...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Rafael Torres Fattibene
Entrevistado por Eliete Pereira
Santo André 09/03/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_49
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Rafael, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Rafael, qual o seu nome completo?
R – Rafael Torres Fattibene.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Santo André, São Paulo.
P/1 – E qual a data do seu nascimento?
R – Vinte e cinco de julho de 1985.
P/1 – E o nome completo dos seus pais?
R – Meu pai é Antônio Paulo Fattibene e minha mãe é Nádia Torres Fattibene.
P/1 – Os seus pais faziam ou fazem o que?
R – Eles trabalham com convênios, são representantes comerciais. Os dois.
P/1 – Os dois?
R – Os dois.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs, duas irmãs mais velhas.
P/1 – Irmãos?
R – Irmãs
P/1 – Irmãs?
R – Mulheres. Duas mulheres.
P/1 – Qual o nome das suas irmãs?
R – A mais velha é a Bianca e a do meio, a Carol, Carolina e eu sou o caçula.
P/1 – Rafael, como você poderia descrever pra gente os seus pais?
R – Meus pais? Deixa-me pensar. É fácil, mas pra falar é complicado. São pessoas que sempre tiveram comigo, eu não posso... Tudo de bom no que eu tenho na minha vida eu devo a eles, questão de caráter, de formação mesmo, de valores. Meu pai sempre trabalhou, sempre lembro de pequeno os dois sempre trabalhando muito, sempre saindo pra trabalhar, aquela correria cuidando da gente. Sempre muito presente também, eu tive uns pais bem participativos.
P/1 – Rafael, eles eram participativos, mas estavam sempre ali acompanhando vocês?
R – Quando eu era criança minha mãe ficava mais em casa. Depois que a gente cresceu que ela começou a trabalhar mais fora. Mas então minha mãe ficava mais nessa parte, né? Família meio tradicional, antiga, da casa, dos filhos e meu pai na lida. Mas minha mãe também sempre fazia uma coisinha aqui outra ali.
P/1 – Você estava falando, Rafael, dos seus pais. Os seus pais sempre foram representantes comerciais ou eles fizeram outras coisas?
R – Meu pai já teve, quando eu era criança se eu não me engano ele teve uma imobiliária, morava no interior. Morei muito no interior quando criança, morei um tempo no nordeste também, Fortaleza. Aí ele já era representante, mas no interior ele chegou a ter uma imobiliária. Aí minha mãe tinha uma papelaria em casa, na frente de casa. Então eles iam comprar coisas no Paraguai, revendiam aqui, então ela ficava... Por isso que eu falei, o meu pai trabalhava mais fora, a minha mãe cuidava da gente, mas ela sempre ajudou também nessa questão do trabalho em casa. Depois ele começou a trabalhar nessa área comercial e trabalha até hoje há muitos anos já.
P/1 – Você fala que a sua família... A sua família sempre foi de São Paulo, do estado? A origem da sua família.
R – A origem é. Meu pai nasceu em São Paulo mesmo, capital, e minha mãe é daqui de Santo André.
P/1 – De Santo André.
R – E nós nascemos, eu e minhas irmãs somos todos aqui de Santo André. Meu pai veio novo pra Santo André, criança, e a gente morou... Quando eu nasci morei de pequeno aqui, depois a gente mudou, foi morar em Socorro no interior de São Paulo, depois a gente foi pra Ribeirão Preto, interior de São Paulo, aí de lá a gente foi pra Fortaleza no Ceará e quando retornou, 2001, a gente veio pra São Bernardo e está aqui desde então.
P/1 – E qual a memória que você tem dessas viagens? Você era pequeno então?
R – Eu era pequeno. Eu tinha as dificuldades um pouco de escola, adaptação, essas coisas, mas também por outro lado eu tive a oportunidade de morar em Fortaleza, próximo da praia que era ótimo. Você ia pra escola, depois passava a tarde na praia, né?
P/1 – Quanto tempo vocês moraram lá?
R – Eu morei um ano e oito meses só, não foi muito. Eu voltei em 2001, tinha 15 anos mais ou menos, então morei entre os 13 e os 15 anos, essa faixa etária, o começo da adolescência.
P/1 – Você chegou a surfar?
R – Não. Andava de skate. Andei de skate.
P/1 – Deixou saudade então Fortaleza?
R – É. Depois que eu vim embora achei, quando eu estava lá eu não gostava muito porque eu tinha deixado os meus amigos de escola, tudo. Aí depois quando veio pra cá aí comecei a sentir falta, aquelas coisas bestas que quando você mora você não quer voltar por causa dos amigos, aí depois que voltou, quando eu paro pra pensar eu falo: “Pô, a gente podia ter ficado, né?”.
P/1 – Você mantém contato com esses amigos?
R – Não. É porque eu morava em Ribeirão Preto, então quando eu fui pra Fortaleza eu queria voltar pra Ribeirão Preto, só que eu andava de skate e tudo. Aí quando eu vim de Fortaleza eu não fui pra Ribeirão Preto, a gente veio pra São Bernardo, então acabou que eu acabei perdendo todos.
P/1 – Pelo Facebook não encontrou ninguém?
R – Não. Não tenho Facebook. Não, não sei, eu sou meio atrasado. Dessa época eu tenho um primo meu, que é o que a gente cresceu meio junto, que ele mora até hoje em Ribeirão Preto, que é um amigão também, praticamente meu irmão e a gente tem bastante contato, conversa. Não se vê muito pessoalmente, mas como é meu primo e também tava no ciclo de amizades é o único contato que eu tenho até hoje.
P/1 – Rafael, você tem um sobrenome que é italiano a origem, Fattibene.
R – Isso.
P/1 – Você tem contato com os seus avós, com essa origem italiana? Vocês têm essa memória na família?
R – Então, o Fattibene é do lado da família do meu pai, né? A família do meu pai não, eu tinha contato com o meu avô que já faleceu e eu tenho a minha avó, mãe do meu pai, que está viva até hoje, tá com, pode errar, eu acho que é 83 pra 84 anos. Mas a família do meu pai não tenho muito contato, não. Primos do meu pai eu vi poucas vezes e a família da minha mãe sim, eu conheci o meu bisavô que ele veio da Itália, tudo. Então é uma família mais unida, que tem mais contato, meu bisavô já faleceu, minha avó também, mas de pequeno eu ia, eles moravam aqui em Santo André, então eu lembro que a gente ia à casa dele e tudo. A família da minha mãe era mais próxima, a do meu pai não, eram mais os meus avós mesmo e os irmãos do meu pai, meus tios.
P/1 – Você lembra quando você era pequeno dessa família de origem italiana alguma coisa que era muito italiana?
R – Almoço de final de semana na casa da família do meu bisavô, apesar de eu ser muito pequeno eu lembro algumas vezes de vir, aí estavam os primos da minha mãe. Porque o meu bisavô teve cinco filhos, minha avó e mais quatro irmãos, aí então às vezes juntava tudo. A família do meu pai o meu avô, meu avô cozinhava muito, até o final de ano a gente ia pra casa dele, que ele morava em Socorro. A gente mudou pra lá e depois ele foi morar pra lá também. Então a gente final de ano tava sempre reunido com o meu avô quando ele era vivo e ele gostava de cozinhar, ele acordava cedo, fazia aquela mesona, cozinhava muito bem e a gente passava lá uns dias comendo bem. Os irmãos do meu pai, aí meus primos tudo, essa é a lembrança que eu tenho. Mesmo depois que a gente foi morar em Ribeirão Preto a gente sempre ia pra casa dele lá em Socorro, final de ano ele sempre juntava a família. Acho que isso é bem italiano, né?
P/1 – E os seus avós falavam italiano? Você lembra?
R – A mãe da minha mãe, minha avó falava. Eu me lembro dela no telefone, ela tinha algumas conhecidas, não sei se eram parentes também, mas que ela conversava em italiano. Só que ela acabou não ensinando os filhos, então a minha mãe não fala e a gente acabou não... Não foi passado, mas ela falava. Porque o meu bisavô era italiano então eles falavam em casa em italiano, tudo.
P/1 – Você sabe qual é a região dele na Itália?
R – Não. Não sei.
P/1 – Rafael, como que foi a infância de vocês?
R – Então, a gente mudou muito, eu falei, na infância a gente mudou de cidades e também nas cidades a gente acabava às vezes mudando de casa, de bairro. Mas eu ainda consegui pegar uma época de infância que eu jogava bola na rua, jogava a gente chamava de taco, aqui o pessoal chama de não sei o quê, futebol de botão. Eu ainda tive essa infância de brincar na rua. Morei no interior, então depois nós subíamos em pé de fruta. Em Ribeirão Preto tinha um pé de manga no final da rua que a gente ia lá roubar manga no quintal, era uma senhora, ela corria atrás da gente com um cabo de vassoura na mão. A minha infância foi assim, como eu tinha duas irmãs mulheres mais velhas era mais os amigos, porque as minhas irmãs brincavam de boneca, essas coisas, então eu ficava mais nesse negócio de jogar bola mesmo.
P/1 – Qual a diferença de idade entre você e as suas irmãs? Sua irmã mais velha tem quantos anos hoje?
R – A minha irmã mais velha, eu estou com 29, ela tem 34 e a minha irmã do meio é três anos mais velha que eu, ela está com 32. É. 32 ou 33, não sei, eu confundo.
P/1 – Mas aí vocês não tiveram, vocês não tinham... Cada um brincava com os seus amigos.
R – É. Minhas irmãs eram bem próximas porque elas são dois anos de diferença. Eu brinco também com elas, mas na infância mesmo elas eram mais próximas, mas estava sempre junto ali, eu estava sempre pentelhando elas, o caçulinha, o menino.
P/1 – Era o protegido você?
R – É. Elas falam que eu sou protegido, eu discordo.
P/1 – Mas, Rafael, e lembranças de escola, você tem? Mesmo com essas interrupções que você mudava muito de escola por causa das mudanças, né?
R – Eu fui um bom aluno até a quinta série, vamos falar, depois eu comecei, matava aula, todas essas coisas, mas quando eu fui pra Fortaleza eu sofri um pouco por causa da diferença de cultura mesmo, de sotaque. Então as brincadeiras, as piadinhas, mas tudo uma coisa tranquila, nada... Por isso quando eu falo também que eu morava lá e queria às vezes vir porque é bem diferente uma criança, um adolescente de 12, 13 anos, de repente você muda de estado, é meio que um choque. Mas eu jogava bola em Fortaleza, eu joguei bola na escola, então eu ia viajar com o time lá da escola, a gente jogava futebol de salão, com o treinador, então a gente dirigindo pro interior. Então eu conheci algumas cidades pequenas ali do Ceará por conta disso, de ir viajar pra jogar bola.
P/1 – Qual era a tua posição?
R – Era futebol de salão, né? Então eu jogava fixo, no futebol de campo seria o zagueiro, jogava ali de fixo. Em Ribeirão Preto eu joguei bola também, eu jogava futebol de campo também, jogava de volante ali no meio de campo. Aí quando eu fui pra Fortaleza que fui jogar no time da escola era futebol de salão. Então eu jogava, aí eu ia viajar com o time, tudo. Foi uma época bem interessante também, apesar dessa cabeça de querer ir embora, podia ter aproveitado mais, mas era uma época boa que eu tenho boas recordações.
P/1 – Aí quando você voltou pra São Paulo, quando você saiu de Fortaleza, aí você também já tava na sua adolescência, né? Já estava...
R – É, eu já estava... Foi em 2001, 15 anos, eu fiz 15 anos aqui se eu não me engano, no retorno.
P/1 – Como foi essa volta pra São Paulo?
R – Aí foi outra mudança, porque eu vim pro ABC que é onde eu nasci e tudo, mas eu tinha morado aqui bem pequeno, né? Aí com 15 anos eu fui estudar próximo de casa, tive dois amigos da minha sala que moravam no meu prédio, um deles também, que a gente pegou um vínculo muito forte. Então a gente vivia junto, que aí que eu comecei nessa área social, que o pai desse meu amigo que morava no meu prédio era educador social. Então com 15 anos eu comecei a participar de conferência lúdica de direito da criança e do adolescente, ele trabalhava em ONGs, ele era arte-educador também, ele fazia artesanato, oficina de artesanato. A gente ia à ONG que ele trabalhava, eu estudava no período da tarde, às vezes de manhã a gente ia à ONG que ele trabalhava fazer a oficina junto com as crianças, lá com ele, aprendi algumas coisas. Então foi aí com 15 anos quando eu voltei que eu parei de jogar bola, tudo, que eu vi que não ia dar muito certo, aí que eu comecei nessa área social, a participar com ele em algumas coisas. Estou até hoje.
P/1 – Rafael, você estava contando quando você conheceu o pai do seu amigo que trabalhava com educação social e que isso um pouco marcou a sua vida, né?
R – É. Acho que foi um divisor de águas de um lado. Porque eu comecei a participar, ele levava a gente pra participar tanto nas atividades com as crianças, reuniões, conferências de direitos, então aí eu acho que ali é que eu comecei a ter outra visão do mundo, das coisas. Ele trabalhava com criança em situação de rua, tudo, então eu comecei a ver outra realidade, a gente ia buscar os meninos às vezes nas comunidades, tudo. Querendo ou não minha família nunca foi de ter dinheiro, mas tinha uma vida boa, tinha de tudo em casa de comer, sempre morei em casas boas. Então eu comecei a ter contato com outra realidade, eu acho que ali foi mesmo o divisor de águas da minha vida, que eu vi que eu falei tem pessoas que não estão nessa realidade, mas que estão fazendo junto, fazendo por essas pessoas e fazendo junto. Aí que eu comecei a ter acho que essa consciência.
P/1 – Você lembra alguma situação que te marcou nesse período? Um caso de alguma criança ou alguma situação que você lembra que te marcou nesse período quando você começou a ter contato com essa área.
R – Eu lembro, o pai do meu amigo é o João Rui, então a gente ia muito na casa dela passar final de semana e a gente era adolescente e tinha um rapaz que vivia lá e que era atendido por ele. Ele era próximo da gente, aí numa situação que ele questão acho que de furto de carro, tudo, que ele estava participando, ele acabou morrendo num acidente e ele era meio próximo da gente, então foi uma coisa que ficou meio, a gente na época ficou até meio...
P/1 – Vocês ficaram abalados?
R – É. Porque ele estava muito com a gente ali, mas ele vivia uma realidade que ele acabou indo pra esse lado da vida que acabou levando ao fim dele. Então acho que isso pro lado ruim, agora o lado bom tem várias, né? Como eu disse a casa dele vivia cheia de... Eu mesmo tinha 15 anos, a gente estava sempre lá e a gente fazia nossos churrasquinhos lá com os nossos amigos e com o pessoal da ONG. Então a gente aprendia muito, a gente teve muito contato com muita gente dessa área, acho que foi um aprendizado, essa convivência na casa dele foi uma bagagem muito grande pra mim.
P/1 – Rafael, além dessa experiência que você teve na casa do pai do seu amigo, de uma experiência social, você sofreu alguma influência musical também aí na casa deles?
R – Sofri. Nessa época eu era, com 14 pra 15 anos eu comecei a... Não era do movimento punk, mas eu ouvia música punk, ia pro show, cheguei a ter moicano, andava tudo cheio de corrente e aí quando eu comecei a conviver mais com ele, ele ouvia muito MPB, né? Muito MPB, muito Chico Buarque, Gil, Caetano, esse pessoal. Eu não conhecia muito também, então quando eu comecei lá ele tinha... Eu tenho até hoje a influência do meu pai, porque o meu pai é músico também, toca bateria, tudo, então o meu pai tinha discos em casa e o João também, então eu tenho até hoje vitrola, disco. Então ele tinha os vinils, a gente ficava lá, ele tinha uma coleção, ele tinha muito vinil, a gente ficava lá o final de semana, às vezes de sábado pra domingo a gente dormia lá, ficava ouvindo. Ele gostava de colocar: “Ah, escuta esse aqui”. É muito Chico Buarque e Raul Seixas que eram os principais, mas tinha diversos músicos, compositores. Então musicalmente também foi...
P/1 – Foi uma grande influência.
R – Aprendi muito.
P/1 – E o seu pai ouvia o que? O que você ouvia em casa?
R – O meu pai gosta mais, ouvia mais Beatles, mais um rock, né? Ele toca bateria, tal, então ele tocava... quando eu morei que eu era pequeno no interior ele tinha as bandas que eles tocavam nos barzinhos à noite, eles ensaiavam, um tempo eles ensaiavam na sala da minha casa. Então eu ficava vendo, eles tocavam Beatles, nacional Kid Abelha, essas coisas, foge um pouco, mas o pop rock mesmo nacional e tudo. Então meu pai ouvia mais isso, tocava mais isso, porque ele tocava na noite, então era uma coisa mais aceita, vamos dizer, pelo público mais pop.
P/1 – Mas então onde que veio essa influência do punk que você teve?
R – Então, eu andava de skate, né, então na rua eu tenho. Eu tenho esse meu primo que eu falo que também ele é mais velho, ele tem a idade da minha irmã do meio, então eu acabei nessa minha infância, adolescência eu fui muito influenciado por ele. Então ele começou a ouvir, então ele sempre me mostrava: “Olha isso”. Ele tinha uma banda de punk rock, então acabei... Skate, esses esportes geralmente você pega uma fita, que na época era fita de vídeo quando eu era mais novo, não sou tão velho assim, mas então a gente colocava, quando tinha o pessoal andando de skate sempre tocava uns punks, uns hardcore, um som mais pesado. Então acabou vindo daí acho que essa influência toda, é uma mistura.
P/1 – Não teve uma influência do grunge?
R – Também.
P/1 – Nirvana...
R – Nirvana. Começou aí.
P/1 – Pearl Jam, Soundgarden.
R – Nirvana, Pearl Jam, aí depois vai indo Metallica, aí depois foi indo pro punk, um hardcore, um negócio mais agressivo, aí participava em manifestação. Quando eu comecei engajar nessa área social e ainda ia aos shows punks, ia em manifestação lá na Paulista. Comecei a participar mais, o punk incentiva muito isso, então fica essa bagagem.
P/1 – Rafael, as primeiras namoradas você teve quando você estava em Fortaleza ou antes?
R – Eu tive antes. Antes de ir, namorada não, as namoradinhas, né? Tive as namoradas, aí depois Fortaleza.
P/1 – Você se lembra da sua primeira namorada?
R – Então, minha primeira namorada, namorada mesmo foi aqui depois quando eu voltei, aí comecei com uns 17 anos, aí com 18 anos eu fui pai dela, de um filho dela, uma filha. Então ela engravidou, aí...
P/1 – Foi planejado?
R – Não.
P/1 – E quando você soube que ia ser pai?
R – Foi um baque, né? Tinha 18 anos, ia terminar a escola aí ela descobriu que estava grávida, a gente namorava, aí continuava morando com a mãe dela, eu com os meus pais. Então ela descobriu que estava grávida, aí com quatro, cinco meses no ultrassom a gente descobriu que a minha filha teve uma deficiência. Então ela nasceu com uma lesão na coluna, ela é cadeirante, ela anda na cadeirinha de roda, da cintura pra baixo ela tem essa deficiência. Quando ela nasceu eu fui morar junto com a mãe dela. Ela nasceu em abril, eu tinha 18 anos, aí em julho eu fiz 19, então eu era bem novo. Então aí também minha vida já deu outra mudada, porque aí eu fui morar junto, a responsabilidade, pagar aluguel, ter uma filha pra sustentar com uma necessidade especial, então eu tinha a questão dos tratamentos, tudo. Então eu acabei me afastando um pouco também dos meus amigos, saí um pouco da área social, trabalhei em fábrica, trabalhei com instalação de PABX, central telefônica, porque aí eu tinha que correr atrás. Vivi com a mãe dela... Como a gente foi morar junto muito novo, a gente morou um tempo juntos, separou, voltou, até o final de 2009 nós vivemos juntos. Aí em 2009 não dava mais, aí eu saí, separei dela, a gente não chegou a ser casado, mas minha filha veio morar comigo, eu fui morar com os meus pais. Aí de 2009 eu fui morar com os meus pais e minha filha sempre comigo, a Sarinha. Então aí depois disso eu casei de novo, tudo, agora, vai fazer agora em agosto três anos que eu estou casado, tenho outra menininha de dois anos, a Manuela, que é uma figura também. As duas irmãs que têm uma diferença, a Manu fez dois agora em fevereiro e a Sarinha vai fazer 11, então elas têm uma diferença bem grande, mas que agora a Manuela é xodó, na época até eu fiquei meio com ciúmes, tudo, mas foi tranquilo. É o xodó da Manu.
P/1 – E a Sarinha está estudando?
R – A Sara sempre estudou, ela estuda... Agora mudou, né? Tá no quinto ano que seria a quarta série. Então estuda em escolinha da Prefeitura. Ela nunca estudou em escola especial porque ela teve uma lesão na coluna, mas a parte cognitiva dela é normal, não sei se... Mas então ela estuda, está na escolinha, tudo, é super bem resolvida, supertranquila, apesar das dificuldades que ela tem.
P/1 – E a Manu está estudando, a Manuela?
R – A Manuela estuda na escolinha, a gente paga uma escolinha pra ela ficar, porque como a gente trabalha, tudo, então a gente colocou ela na escolinha. Ela vai um dia sim, um dia não, o dia que eu trabalho, como a gente trabalha, então aí ela vai e o dia que eu to em casa eu fico com ela, aí o dia que não ela vai pra escola.
P/1 – E a sua mulher hoje ela também trabalha na área do social?
R – Não. Ela trabalha na área da saúde. Ela é técnica de enfermagem. Ela trabalha no hospital, ele é particular, mas ela é da área da saúde.
P/1 – Vou voltar um pouquinho.
R – É, eu dei uma...
P/1 – Não, mas a ideia é essa mesmo, é a narrativa. Mas eu queria ouvir de você um pouco... Você começou a trabalhar quando você soube que seria pai ou você já tinha tido a experiência do primeiro emprego?
R – Já tinha quando eu era adolescente. Trabalhei em lava rápido, esses trabalhos assim de adolescente. Já aqui em São Bernardo, com 15, 16 anos já comecei a... Queria sair, fazer minhas coisinhas e precisava ter um dinheirinho, tudo, então comecei a trabalhar de 15 pra 16 anos, mas aí primeiro emprego mesmo com carteira assinada, registrada foi com 18 anos quando eu descobri que eu ia ser pai que aí eu falei: “Opa, agora eu tenho que trabalhar”.
P/1 – E qual foi o seu primeiro emprego carteira assinada?
R – Foi numa empresa que fazia instalação e manutenção de PABX, de central telefônica. A gente instalava, fazia cabeamento, fiação, instalava PABX, fazíamos depois manutenção. Aí foi com 18 anos, registrado com salário mínimo.
P/1 – Rafael, como você teve uma ruptura grande, porque você saiu da escola, já foi ser pai, já foi começar a trabalhar com carteira assinada, como era você nessa época? Como foi encarar tudo isso? Todas essas responsabilidades de uma vez.
R – Foi difícil. Foi bem difícil. Eu costumo dizer que a minha filha é uma benção, eu ganhei muito em tê-la, mas perdi pelo outro lado de com 18 anos assumir toda uma responsabilidade, que eu não me arrependo, mas foi bem puxado porque aí deixei, tinha os meus amigos e tal: “Vamos aqui?” “Não. Não dá. Não dá pra sair”. Tinha que trabalhar, tinha que cuidar da minha filha e tudo. Então nunca me revoltei com isso também, nunca fiquei triste, deprimido por causa disso, não, mas foi um começo meio complicado, depois a gente vai se adaptando. Também a criança vai crescendo, então você vai, deixa de viver algumas coisas de um lado, começa a descobrir coisas novas de outro.
P/1 – E quais foram as coisas novas que você descobriu depois que você começou a assumir uma família, a responsabilidade?
R – Só a responsabilidade de assumir uma família, ter que pagar um aluguel e ter que estar tudo em dia trabalhando e tudo e educar uma criança. É complicado porque eu era muito novo também, então você ter que começar a ensinar uma criança, educá-la, sendo que você ainda também está num processo, se bem que o ser humano está sempre aprendendo. Então comecei a deixar de sair, de fazer algumas coisas, mas ficar em casa e curtir a minha filha, curtir essa vida. E aí, lógico, depois de um tempo que a minha filha cresceu mais, minha casa os meus amigos iam, depois amigos com filhos que você vai fazendo então você acaba vendo outro lado.
P/1 – E se reunindo também com os amigos?
R – Reunindo-se com os amigos. Estando próximo de uma forma, não saía à noite, por exemplo, mas estava em casa também.
P/1 – E a sua família, como viu isso, essa sua transformação?
R – Então, a minha mãe quando descobriu que eu ia ser pai e tudo foi meio que um choque. Ela ficou assustada, tudo. Meu pai já é mais: “Não, tudo bem, a gente dá um jeito. Legal. Está muito cedo, mas parabéns”. Meu pai já é mais... Minha mãe já fica mais assustada porque ela sabia toda a... Os dois sabiam, mas meu pai já falou: “Calma aí”. Minha mãe já é mais emocional, né? Mas eles sempre me ajudaram muito. Eu falei no começo, meus pais são sempre, sempre do meu lado. Tudo que eu precisei, tudo, na educação da minha filha, no cuidar, tudo, eles estiveram sempre presentes, nunca me julgaram, fizeram nada disso, sempre me apoiaram. E aí foi aprendendo um pouco com eles também depois o outro lado de ser pai, né? De cuidar de uma criança.
P/1 – Você se espelhou um pouco no seu pai? Ou você sempre confrontava um pouco a educação que você teve...
R – No começo sim. No começo eu confrontava um pouco. Porque eu fui pai saindo da adolescência e na adolescência tem um pouco isso de querer ser diferente dos pais, de querer... E aí eu estava saindo desse processo, fui pai, então algumas coisas eu queria não sei se é confrontar, mas ser diferente porque eu tinha ideias diferentes do meu pai. Então no começo teve um pouco disso sim, mas depois que passaram os anos, ainda mais agora com outra filha, tudo, eu vejo que se, eu falo pra minha esposa, se eu for metade do pai que o meu pai foi pra mim pras minhas filhas já estou satisfeito, entendeu? Porque o meu pai é dez. A gente amadurece a gente enxerga e reconhece.
P/1 – Reconhece.
R – Reconhece. Isso mesmo. Porque eu às vezes queria confrontar, tudo, mas sempre quem estava lá do meu lado era ele, sempre que o bicho pegava ele e minha mãe, então é isso.
P/1 – E as suas irmãs? Como se viram tias?
R – Minhas irmãs já falavam que eu era o preferido depois que eu fui pai, então aí com a neta eu fui o caçula com neta, aí pronto, né?
P/1 – Homem, né?
R – O homem, caçula e com filha, aí eu virei o mais querido. Minha irmã do meio eu sempre tive bastante diálogo com ela, não que eu não tivesse com a outra, mas mais com ela, então ela foi a primeira pessoa a saber da minha família que eu ia ser pai. Contei pra que eu estava com um pouco de medo da reação, então eu falei: “Eu vou contar pra minha irmã, vou ver o que ela fala”. Aí eu contei pra ela, ela tomou um susto, tudo, mas aí ela me acalmou, estava meio preocupado. Ela me acalmou, tudo, e aí... São tias, né? Sempre estavam...
P/1 – Elas tiveram filhos?
R – Não. Elas não têm filhos até hoje. A minha irmã do meio é casada, mas não tem e a minha irmã mais velha é solteira, mas elas não têm filhos.
P/1 – Então você reina absoluto.
R – Eu reino absoluto, com duas crianças. Então elas curtem as sobrinhas, não sei se elas vão ter filhos ou não vão, pegam, levam pra passear. Mais a mais velha porque a outra é pequenininha agora que está... Então sempre levavam pra passear, tudo. Quando eu fui morar com a minha filha mais velha com a minha mãe a minha irmã ainda era solteira, então as duas moravam, eu voltei pra casa com a minha filha, ficava ali, uma família grande pra uma criança, ela parecia a irmã mais nova nossa.
P/1 – Agora, Rafael, por que você tomou a responsabilidade de ficar com a Sara? Você viu que você teria mais condições pra estar com ela? Porque não é muito comum o pai cuidar da filha, quando tem a separação geralmente quem fica com os filhos é a mãe, né?
R – A minha filha nasceu com uma deficiência, então sempre teve muitos médicos, muitos tratamentos, fisioterapia, ela começou a fazer fisioterapia com três meses de vida. Não tem muito assim, é minha filha, né? Quando eu não ia mais viver com a mãe dela eu quis leva-la comigo, a mãe não se contrapôs muito porque por muito tempo eu fazia muito. Então eu sempre tive trabalhos, eu sempre procurei ter trabalhos com meu horário flexível, sempre procurei ou trabalhar à noite, ou trabalhar em locais que eu pudesse ter dias, que eu pudesse leva-la pra fisioterapia porque é sempre durante a semana. Então eu sempre organizei a minha vida em função de ter os horários pra fazer. Então no momento que eu não iria mais viver com a mãe dela foi uma coisa meio que natural, eu já fazia. A lógica era essa, era ela vir ficar comigo pra eu continuar fazendo e ela tem contato com a mãe, é a mãe dela, mas ela vive comigo. Foi um processo meio que natural, uma continuidade.
P/1 – Agora, Rafael, os seus trabalhos, você falou que trabalhou nesse primeiro emprego de carteira assinada e depois você... Você ficou quanto tempo nessa firma?
R – Nessa firma fiquei acho que um ano e pouco, aí depois eu fui trabalhar numa fábrica, uma modelação, fazia moldes em madeira, então eu fazia acabamento. Fazia pintura, lixar, fazia o trabalho final. Como eu já até trabalhava com artesanato... Trabalhava não. Então eu tinha essa facilidade, então eu fui fazer aí fiquei mais um ano e pouco nessa empresa. Depois disso eu já trabalhei com tanta coisa na minha vida.
P/1 – Eu quero saber essa coisa do artesanato. Você trabalhava com artesanato?
R – Não, eu fazia oficina, né? Não cheguei a trabalhar, a gente fazia, eu sabia fazer, começava a esculpir algumas coisas. Faz muitos anos que eu não faço, mas de esculpir, de fazer pulseiras, cortina e pintar, fazer os objetos em madeira e pintar. Então eu já tinha meio que essa facilidade, mas não cheguei a trabalhar.
P/1 – Mas aí você pegou, sempre você mudava então de empregos, o que acontecia? Você via que mudava?
R – É, por causa dessas questões muito de eu me organizar por conta da minha menina. E eu estava começando nessa área social e aí eu tive que parar por causa da minha responsabilidade, então eu também ficava nos empregos, eu não era muito feliz, porque eu queria, sempre quis voltar pra essa área. Então eu ficava um tempo, aí começava a ficar meio de saco cheio, mas eu tinha minha responsabilidade, então até eu conseguir eu ia tentando me achar em algum lugar que me satisfizesse profissionalmente.
P/1 – E você encontrou esse seu lugar?
R – Hoje em dia eu posso falar que eu trabalho, que eu sou feliz no local que eu trabalho. A gente sabe que sempre pode melhorar, eu posso melhorar, posso fazer outras coisas, mas posso falar que eu gosto muito do que eu faço.
P/1 – E como você voltou a área social?
R – Então, aí eu trabalhei na fábrica depois eu fui trabalhar com vendas, porque minha mãe trabalha, eu fui trabalhar pra ela. Então eu trabalhava lá na Santa Ifigênia, eu vendia pras lojas, era representante comercial. Aí também fiquei lá mais de um ano
P/1 – Lá na Santa Ifigênia vocês tinham alguma loja lá?
R – Não. Ela vendia produtos da fábrica pras lojas, a gente é da fábrica, então eu ia às lojas vender.
P/1 – E que produto que era?
R – Era parte de telefonia, aparelho telefônico, acessórios. Fiquei lá um tempo, aí 2010 eu tinha um amigo meu lá da adolescência, tudo, que foi trabalhar no Andrezinho Cidadão, que é o Instituto Monsenhor Antunes, na ONG, aí no programa Andrezinho Cidadão. Aí ele falou: “Está precisando de educador aqui, tal”. Aí ele levou o currículo, eu mandei, ele levou meu currículo, chamaram-me pra fazer a entrevista e aí eu comecei, aí que eu voltei pra área social.
P/1 – Isso foi 2010?
R – 2010. Comecei 2010.
P/1 – E como que foi fazer esse trabalho de educador social nesse projeto?
R – Então, o Andrezinho Cidadão trabalha com abordagem de rua, crianças e adolescentes em situação de rua. Então são as crianças que ficam no semáforo fazendo malabares, vendendo bala, pedindo dinheiro. As crianças que estão na rua. Então o trabalho lá a gente fica o dia inteiro na rua e a gente aborda essas crianças, porque geralmente essas crianças não estão na escola, estão em situação de vulnerabilidade social, então não estão na escola, não voltam pra casa, ficam na rua. Então estão expostas a várias coisas. O nosso trabalho era o que? Era criar um vínculo com essas crianças e adolescentes na rua, então a gente passava sempre, conversava, brincava, às vezes levava jogos, tudo, e fazia criar um vínculo, pra que? Pra tentar descobrir a história dessas crianças, onde elas moram, por que elas estão na rua e aí a partir daí, quando a gente descobria o endereço, tal, às vezes a gente oferecia: “Deixa eu te levar pra casa”. Pra tentar descobrir da onde essa criança vinha e o porquê ela estava na rua. Aí quando a gente conseguia descobrir, tudo, aí entrava a técnica, a equipe técnica do programa, a gente fazia uma visita domiciliar. A gente trabalha na rua em dupla, geralmente em dupla, nunca sozinho, ou dois ou três, geralmente é duo. Então quando a gente descobria, criava esse vínculo, uma das pessoas dessa dupla ou os dois ia junto com a técnica do programa fazer a visita com a mãe, com o pai, com a avó, pra entender por que aquela criança está na rua. E a partir daí tentar levar essa criança de volta pra escola, que é o principal, que era trazer ela pra escola e a técnica junto com o pessoal do setor da prefeitura, da assistência social da prefeitura, do Creas, tal, inserir essas famílias em programas sociais, seja um bolsa aluguel, um bolsa família, algum programa social que essas crianças muitas vezes vão pra rua pra conseguir uma renda pra levar pra ajudar em casa. Então a família perde essa renda, mas tentar integrar em algum outro programa pra que a criança não perca o estudo dela.
P/1 – Rafael, vocês tinham alguma identificação quando vocês iam pra rua? Vocês tinham um colete, crachá, alguma coisa?
R – A gente tinha as camisetas do programa e crachás, sempre. Pra identificar, né? Porque a gente estava na rua conversando com as crianças, tudo, pra eles nos identificarem e também pra ficar mais fácil também perante até outras pessoas que de repente acontece alguma coisa e a gente tá trabalhando ali.
P/1 – Você se lembra de alguma história quando você começou a fazer esse trabalho? Porque antes você tinha aquela experiência que era próximo ali da casa do pai do seu amigo, você acompanhava as oficinas, mas agora você estava assumindo isso como um trabalho. Você tem alguma história pra dizer de algo que te marcou quando você tava ali fazendo a abordagem de rua?
R – O meu primeiro dia de trabalho no Andrezinho eu cheguei na sede, era aqui no centro de Santo André, aí quando eu cheguei a nossa sede era um espaço da Prefeitura, então fica ali no centro, ela é uma praça, que é onde era o Creas antigamente que não é mais. Ela é uma praça na frente com um parquinho e tudo e tinha a nossa salinha. Quando eu cheguei tinha um menino de oito anos, o Cleberson, ele estava ali escorado na missa, estava virado da noite, tudo, tinha as dependências dele já desde criança. E esse menino tinha uma deficiência no olho que ele não conseguia abrir o olho e ele era uma criança de oito anos, bem magrinho, bem sujo, bem... E aí foi o meu primeiro contato, foi ele, eu cheguei e ele já estava ali. Então, não vou falar que eu me assustei, não foi um susto, mas foi uma coisa que quando eu o vi, porque ele estava meio fora de si, vamos dizer, ele estava à noite na rua fazendo um monte de coisa errada. Então foi quando eu já bati de frente com a realidade que eu ia encarar ali, porque quando a gente trabalha que nem eu participava de oficinas, eu não fazia, mas participava, querendo ou não a criança ia pra lá depois da escola, alguma coisa, então ela não estava naquela situação de rua, tão abandonada, digamos. Então quando eu o vi, eu sempre me lembro dele, ele não era daqui do ABC, ele era de São Paulo, ele acabou indo embora, a gente nunca mais viu, mas foi uma coisa que me marcou porque ele era muito pequenininho, muito magrinho. Você olhava assim ele era muito frágil, ele tinha esse probleminha no olho e não conseguia abrir o olho, mas ele já estava, a cabeça dele, as conversas dele, já era um mundo de adulto, uma coisa muito fora da realidade dele. Então eu acho que foi a minha primeira hora de trabalho quando eu cheguei, foi o meu primeiro contato, eu acho que já foi o que me marcou, aí eu já vi mesmo o que eu ia encarar, como que ia ser esse trabalho. Então eu sempre lembro muito dele, marcou bastante.
P/1 – E você ficou quanto tempo fazendo esse trabalho?
R – Então, eu fiquei no Andrezinho... Eu trabalhei em dois períodos no Andrezinho, se somar eu trabalhei um ano e meio, um ano e oito meses, mais ou menos.
P/1 – O primeiro período você ficou quanto tempo?
R – Foi um ano.
P/1 – Um ano?
R – Um ano. Aí eu trabalhava no programa Andrezinho Cidadão, que era do Instituto Monsenhor Antunes, e comecei a trabalhar num abrigo, uma instituição de acolhimento em Diadema, lá em São José. Então eu trabalhava de dia no Andrezinho, das oito às duas, e entrava às 18 no abrigo, ficava até as seis da manhã, mas trabalhava lá um dia sim, um dia não. Então eu trabalhava uma noite lá, então eu dormia, uma noite eu dormia em casa, outra noite eu ficava trabalhando.
P/1 – E você foi começar a trabalhar lá no abrigo porque você viu que era uma oportunidade de você também atuar nessa área social ou você também viu que haveria ali uma oportunidade de você complementar a sua renda?
R – As duas coisas. Porque nesse período eu morava com os meus pais, né? Com a minha filha, só tinha a minha filha mais velha e eu queria estudar, fazer uma faculdade, queria ter o meu espaço também, minha casa, tudo. Então além da experiência de trabalhar, continuar trabalhando na área social que é uma área que eu gosto, tinha a questão dos dois empregos da questão da renda também, que é uma questão acho que natural.
P/1 – Agora, Rafael, como era lá no abrigo?
R – Então, o abrigo eu entrei lá também em 2010, aí é uma nova experiência porque você trabalha também com crianças e adolescentes, mas é outro processo porque eles moram na casa. Então ali a primeira vez que eu trabalhei lá eu não vou lembrar certinho, mas tinha em torno de uns 25 acolhidos, educandos. Então é uma rotina da casa, você serve jantar pra eles, coloca pra tomar banho, de manhã acorda pra ir pra escola, serve café-da-manhã. Então é como se fosse uma casa, seus filhos, só que você tem, na época era mais ou menos isso, 25 crianças e adolescentes de faixa etárias diferentes, de gêneros diferentes e com histórias de vida muito diferentes. Geralmente criança que está numa instituição de acolhimento sofreu muito pra estar ali, até chegar ali. Então são crianças que já têm traumas muito grandes. São histórias de vida diferentes, com traumas diferentes e muitos traumas e todos juntos dentro de uma casa com duas, três pessoas pra fazer o papel de pai e mãe durante 12 horas, depois você vai embora e vai chegar só no outro dia porque o funcionamento é assim. Então a gente... É meio complexo, é um trabalho bem... Porque às vezes você não tem um... Você acaba sando a história de cada um, mas aí você tem que saber como lidar. É diferente uma criança que estava na rua porque não tinha condições de morar na casa e tava na rua e foi pro abrigo, uma criança que sofreu um abuso sexual. Então, quer dizer, são várias histórias e você tem que saber chegar em cada um, mas ao mesmo tempo você tem que tratar todos de forma igual e todos têm o mesmo direito. Então é meio complicado, eu acho que eu aprendi muito, muito. Tudo a gente aprende, mas ali nesse meu primeiro contato, na minha primeira semana eu fiquei bem assustado.
P/1 – Você se lembra de algum caso como desse menininho que você viu no primeiro dia no Andrezinho?
R – Não. Aí já foi um modo geral mesmo, porque são muitos conflitos, brigas mesmo, brigas... Às vezes, principalmente quando tem grupos de adolescentes, conflitos, brigas mesmo e aí é isso, você tem que saber lidar, você acalmar, entender, entender o lado de todo mundo e eles vão continuar juntos ali, convivendo. E essa coisa de é tudo de todo mundo, mas nada é de ninguém, porque ali o abrigo em si é um lugar teoricamente provisório, até pela lei são dois anos que a criança no máximo deveria ficar lá, mas na prática geralmente não é isso que acontece, as crianças acabam ficando anos até fazerem às vezes 18 anos e depois saem porque depois dos 18 não pode. Então ali é a casa deles, mas na verdade é tudo de todo mundo, então não é nada... Então é bem difícil, você tem que trabalhar valores com eles, tudo, porque está no papel, é educador, a gente tem que educar, tentar preparar pra conviver na sociedade, então é bem complexo. Essa junção toda no começo eu fiquei bem assustado, primeira semana eu fiquei meio assim, mas depois você vai se adaptando, pelo menos eu fui.
P/1 – Você teve alguma formação prévia pra fazer esse trabalho? Que exige muito, né? Exige uma autopercepção porque primeiro a impressão que se tem, pelo menos uma pessoa leiga ou do senso comum, é de que quando vem crianças que estão em situação de vulnerabilidade, de você acolher e ao mesmo tempo ter uma atitude muito paternalista. Como fugir disso num sentido de tentar isso que você explicou antes de tratar todo mundo igual, sem que você não se sinta também afetado pela história dessas crianças? Com as suas histórias de vida, com as suas tragédias, com os seus dramas.
R – Preparação não, a gente não teve. Então, tinha a minha experiência na área social com crianças e adolescentes, mas então a gente vai aprendendo mesmo na prática, o que é bem difícil porque você tem que ter um vínculo com eles, mas você não pode se apegar. Eu falo porque amanhã, depois eles podem sair, aí você não pode ter preferências, porque sempre tem aquele que você se identifica. Teoricamente, que nem adolescentes, então tem aquele que você conversa, mas você acaba se identificando, mas no tratar eles estão ali, têm os mesmos direitos, você não pode fazer essa diferença, criar essa preferência. A gente às vezes sofre com a história deles, mas a gente não pode demonstrar, então é bem complicado. É um trabalho que mexe muito com o emocional, porque você tem que ter uma postura, você pode de repente estar acabado por dentro, da história, triste, emocionado, mas a gente tem que, teoricamente, sempre manter a postura, deixa pra chorar em casa, deixa pra sofrer em casa, entendeu? Então mexe muito, abala muito o emocional no começo e sempre, né? Até hoje eu continuo trabalhando... Você vai aprendendo a lidar com o seu emocional, no começo você sofre mais, mas até hoje tem histórias que a gente vai sabendo, vai te abalando. Eu acho que a partir do momento que não fizer mais diferença pra mim a história deles aí eu mudo de profissão, eu mudo de ramo porque não é uma coisa natural, acontece muito, mas não é. É complicado.
P/1 – Você se lembra de alguma história que te abalou, que você voltou pra casa sentindo?
R – Uma específica não. Agora assim não.
P/1 – Mas tem perfis, vamos dizer, tem alguns perfis de violência, de abuso?
R – Tem. Então você percebe, que nem as meninas quando sofrem abuso elas têm um perfil diferenciado, diferente. Têm uma sexualidade... Às vezes é muito tímida, muito fechada, ou é muito...
P/1 – Aflorada.
R – Aflorada. É. Então, é um trabalho que você tem que sempre ser muito cauteloso, né? Bem lidar, os meninos, quando você tem problema de drogadição, de dependência química, então você tem que também saber por que eles têm um emocional também, ele está tranquilo, de repente ele fica nervoso e é a dependência, a abstinência. Você tem que saber entender, mas você tem que saber contornar, você tem que saber conversar, tentar acalmar, mas você não pode deixar também fazer o que quer, você tem que proteger os outros também. Então tem toda uma artimanha aí que você vai...
P/1 – Isso de uma forma intuitiva que vocês vão construindo esse...
R – É, a gente tem. Depois, quando você fala de formação, depois no processo a gente acaba às vezes tendo formações, capacitações porque está sempre... E que é muito bom pra você compartilhar com outros profissionais, mas no dia a dia é isso mesmo, é intuitivo. É basicamente isso.
P/1 – Rafael, você disse antes pra gente que você elaborou um projeto aqui pro Instituto que teve uma relação, um apoio do programa Criança Esperança. Conta um pouco como que você soube dessa possibilidade de apoio, como você soube do programa Criança Esperança também.
R – Então, quando eu comecei, antes de eu começar a trabalhar com o Instituto eu tinha um grupo que chamava Núcleo de Comunicação Marginal. A gente tinha um projeto que se chamava Sessão Fala Viela, então a gente fazia o que? A gente em São Bernardo tinha duas comunidades que eram no alojamento ali do Silvino e na Vila São José, a gente de domingo à noite estendia, montava um telão, um tecido, e fazia exibição de cinema, de filmes, só filmes nacionais. Então a gente fazia uma seleção de filmes não muito fortes, porque era aberto, era no meio da comunidade, então a gente começou com esse projeto. A gente começou a levar o cinema pra comunidade.
P/1 – Isso foi quando, Rafael, que você começou a ter esse... Esse foi um projeto paralelo então?
R – Esse foi um projeto paralelo que eu fazia junto com... Que é um projeto do Leonardo Duarte e o Miguel, Miguel Fernandes, que são dois parceiros meus. Eles tiveram essa ideia e aí me chamaram, a gente começou a fazer, mas era uma coisa que a gente fazia por conta, a gente não...
P/1 – Vocês não tiveram apoio de nenhuma instituição?
R – Não. A gente começou a fazer e o Leonardo é fotógrafo e o Miguel trabalha, fazia faculdade e tudo, com artes visuais, tudo. Então a gente começou esse projeto de levar o cinema pra dentro da comunidade e a partir disso a gente começou a fazer oficinas, oficinas de fotografia e de cinema pros meninos das comunidades que a gente fazia exibição. Então, domingo à tarde a gente fazia oficina num sábado, a gente ia sempre junto participar, eu digo eles porque eles que trabalham mais nessa área, mas a gente participava junto com as crianças da comunidade e fazia exibições de cinema com o intuito de levar mesmo a cultura pra essas crianças que já é tudo tão escasso dentro da comunidade. Então a gente vê muito às vezes a cena cultural dos municípios, tudo, é sempre centralizado, eles passam sempre no centro da cidade, são espaços que o pessoal da comunidade da periferia não tem acesso. Então a gente quis levar pra comunidade essas informações também. Então o projeto parte mais ou menos desse fundamento. Então eu tinha esse projeto com eles. Quando eu entrei no Andrezinho, no Instituto Andrezinho, tinha no meu currículo que eu fazia esse trabalho e aí na época o Rui, que era o coordenador do Andrezinho, falou que ia ter o projeto, que o Criança Esperança estava atrás de projetos pra financiar, tudo. Aí sabia que eu trabalhava com isso e tinha o Mateus, que é um educador na época que a gente trabalhava junto, eu e ele sentamos e elaboramos mais ou menos um projeto, porque o Mateus participava com a gente lá no núcleo. Não era ativo, mas ele tava sempre presente, sempre que ele podia ele ia, tinha os compromissos dele. Então a gente elaborou um projeto mais ou menos nessa linha. A gente não ia fazer exibição de filmes, mas dentro dessa área de fazer oficina de cinema, de fotografia, o núcleo de comunicação depois a gente conseguiu aquele Ponto de Cultura. Então aí conseguiu financiamento pra produzir um documentário, entendeu? Então eles produziram o documentário...
P/1 – Sobre o que?
R – Então, eu estou tentando lembrar o nome agora.
P/1 – Você lembra mais ou menos a temática?
R – É Minha Casa, Uma Luta!, Minha Casa... Na internet você acha até no Youtube tem, Minha Casa, Uma Luta!. Que em São Bernardo teve uma ocupação do Movimento Sem Teto no terreno da Volkswagen, muitos anos atrás. Então as famílias que foram pra lá depois teve a desocupação, então esse documentário conta a história dessas famílias, quem são essas famílias, pra onde foram essas famílias. Porque na época que fez o documentário eles participaram mais, eu estava em outros projetos, mas então eles produziram esse documentário no Ponto de Cultura. No Andrezinho quando o Rui chamou a gente pra escrever um projeto a gente imaginou em fazer um projeto relacionado ao cinema, mas não fazer documentários, fazer curtas, porque a gente tinha também uma educadora que trabalhava com a gente, a Helen que ela é formada em artes cênicas, tudo. Então a gente pensou em misturar um pouco essa questão do teatro e produzir alguns curtas, mas com os meninos manuseando, filmando, eles fazendo toda a produção e a gente junto apoiando. Aí a gente escreveu o esboço do projeto, eu e o Mateus, aí o Rui finalizou, fez lá do jeito que eles tinham pedido, montou a estrutura certinho e foi aprovado pelo Criança Esperança, se não me engano foi em 2010. Eu estava nesses dois trabalhos, no abrigo de noite, no Andrezinho de manhã e aí começou a ficar muito cansativo, muito puxado, eu acabei saindo do Instituto pra ficar no abrigo. Então eu participei da elaboração do projeto, mas quando foi começar...
P/1 – Você não acompanhou.
R – Eu não acompanhei.
P/1 – Mas você já conhecia o programa Criança Esperança?
R – Conhecia pela televisão, né?
P/1 – Pela televisão só?
R – Só pela televisão. É.
P/1 – Você já chegou a doar?
R – Não.
P/1 – Só pra entender, Rafael, você no núcleo, Sessão Marginal o nome?
R – Núcleo de Comunicação Marginal.
P/1 – Isso, de Comunicação Marginal, o que você fazia lá? O que tinha, qual era a sua contribuição?
R – Então, como a gente fazia tudo por conta, o início do projeto era o que? Exibição de filmes, cinema. Então a gente ia domingo à noite, final da tarde, montava, então eram poucas pessoas, a gente selecionava, durante a semana a gente se reunia, selecionava algum filme, a gente priorizava filmes nacionais, questão de discussão do grupo, chegamos a esse consenso. No começo era isso, era montar, exibir cinema. A ideia era exibir um filme, depois fazer um debate, mas que acabava não acontecendo, geralmente era mais a exibição de filmes. Depois de uns meses a gente começou a fazer a oficina com as crianças da comunidade. Então, por exemplo, o Leo fazia a oficina de fotografia, a gente ia junto pra ajudar a organizar, porque a gente saía pra rua tirando fotos, então a gente fazia nesse processo mesmo de organização.
P/1 – De produção então?
R – De produção. Isso.
P/1 – Por que eu faço essa pergunta pra entender um pouco qual o seu vínculo com a comunicação, se você tem essa... Você me falou antes da música que você teve uma influência...
R – É mais de...
P/1 – E o cinema, se você tem uma preferência, se é um hobby.
R – Não. É mais um hobby, eu não tenho...
P/1 – Você ajudava a fazer a seleção dos filmes também?
R – Ajudava, mas quem fazia mais era o Miguel porque ele trabalha com isso, tudo. Então ele estuda cinema, então acabava ele fazendo mais. Então, na verdade nós somos amigos já, então a gente já é amigo há muitos anos. A gente queria fazer um projeto nosso, a ideia era montar uma coisa nossa pra fazer na comunidade e aí olhando e juntando a gente viu, cinema é uma coisa legal, que é importante, e a gente chegou no Miguel e o Leo que são mais ligados nesse setor. Então a gente pegou e focou nisso e eu ajudava na organização mesmo, porque a ideia era montar mesmo uma ONG futuramente, tudo, que acabou não acontecendo por várias questões de todo mundo. Mas o cinema é mais um hobby.
P/1 – E lá no abrigo você continuou até agora, você estava no abrigo ainda?
R – Eu fiquei lá em Diadema, aí eu tive mais uma passagem pelo Andrezinho. Quando eu falo que eu fiquei acho que um ano e oito meses, a primeira vez foi um ano, aí depois eu...
P/1 – Você voltou.
R – Eu fiquei um ano no Andrezinho, um ano no abrigo, fiquei mais oito meses no Andrezinho e depois fiquei mais um ano no abrigo, um ano e pouco.
P/1 – Você intercalou então?
R – Intercalando. Isso.
P/1 – Mas por que você fez isso? Foi planejado ou aconteceu?
R – Foi acontecendo. Foi acontecendo de um ir me chamando, eu ia e começava, ia trabalhar um tempo nos dois, aí depois parava, tudo. Aí 2012 eu fui pro Andrezinho da segunda vez, fiquei mais oito meses, aí voltei pro abrigo, fiquei nos dois. Eu casei, por enquanto eu namorava, casei com a minha atual esposa, aí não dava pra ficar em dois empregos, tudo. Ela estava trabalhando, a gente alugou a nossa casinha, tudo, aí a gente foi morar junto. Como a minha menina morava comigo, a mais velha, eu saí de novo do Andrezinho pra ir trabalhar à noite porque aí eu ficava com ela, pra fazer as coisas dela. Depois a minha esposa engravidou, tudo, aí continuei trabalhando lá no abrigo à noite. Aí o Instituto que coordenava o Andrezinho, coordena ainda o Andrezinho, assumiu as casas de acolhimento aqui em Santo André, aí em dezembro do ano passado eles me chamaram, ligaram, falaram: “A gente está com um abrigo aqui, tal, você não quer vir trabalhar com a gente?”. Já me conheciam, tudo. Aí eu troquei o abrigo de Diadema pra vir trabalhar aqui em Santo André.
P/1 – Você mora em Santo André?
R – Eu moro em São Bernardo.
P/1 – São Bernardo. Como que você faz esse deslocamento?
R – Hoje eu faço de ônibus, geralmente trólebus, de ônibus.
P/1 – Tranquilo então?
R – Tranquilo. Eu entro seis horas da manhã, saio de casa quatro e meia, não tem trânsito, é rapidinho.
P/1 – E você teve contato com outros projetos que você tenha conhecido que o programa Criança Esperança tenha apoiado, projetos sociais?
R – Não.
P/1 – Não? E no caso daquele pai do seu amigo, como é o nome do seu amigo mesmo?
R – Lucas.
P/1 – O Lucas. Você chegou a vê-lo, revê-lo depois...
R – Então, eu tive um contato bem forte com ele dos 15 até os 18, aí ele faleceu. Então quando minha filha nasceu, quando minha filha ia fazer um ano em abril, em março, um pouco antes de ela fazer um ano, então em março de 2005 ele faleceu. Então eu tive contato com ele de 2001 a 2005, quatro anos mais ou menos.
P/1 – E o Lucas, você tem contato com ele?
R – Bem pouco.
P/1 – Pouco. Porque um pouco eles marcaram a sua vida nessa...
R – Marcou. Marcou bastante.
P/1 – Essa contribuição musical...
R – A gente tem, quando tem aniversário da filha dele eu vou, ele vai no aniversário da minha filha, mas é mais esses contatos mais de...
P/1 – Do cotidiano não?
R – Não. No cotidiano não.
P/1 – Rafael, você tem... O que você pensa que é a coisa mais importante da sua vida? Quais são as coisas importantes?
R – Primeiro minhas filhas, né? Minhas filhas, Deus acima de tudo, minhas filhas e minha família. A minha família eu sempre falo muito, mas é porque minha família é... Porque eu também trabalho nessa área, então eu trabalho muito com famílias destruídas, vamos dizer, famílias com crianças que não têm referência nenhuma de família. Então toda hora que eu paro pra pensar, que eu penso na minha família eu vejo que eu tenho muita sorte porque eles estiveram sempre comigo. Acho que por eu trabalhar com isso, com essas crianças e cuidar de crianças que na realidade deveriam estar com a família, não deveriam estar no abrigo. Como eu falei, o abrigo, a instituição de acolhimento é um lugar que deveria ser provisório, na verdade não deveria nem existir, mas deveria ser provisório. Então como eu vejo, trabalho muito, convivo muito com isso, sempre que eu paro pra pensar eu penso na sorte que eu tive de ter a família que eu tenho.
P/1 – E hoje, Rafael, você tem algum sonho?
R – Sonho? Eu tenho vários sonhos.
P/1 – Quais?
R – Com quase 30 anos que eu vou começar a fazer uma faculdade, comecei a fazer uma faculdade agora.
P/1 – Qual curso?
R – Serviço Social. Então, que nem eu falo, eu sou muito feliz com o que eu faço, em ser educador muitos anos, mas eu acho que estudando, capacitando-me eu posso fazer mais e exercer outras funções dentro das instituições e contribuir mais, não sei.
P/1 – Hoje você está trabalhando com algum projeto específico dentro aqui do Istituto ou só no abrigo nesse sentido do acolhimento?
R – Por enquanto a gente está só no acolhimento. O Instituto... Que nem, eu comecei agora em dezembro, então o Instituto assumiu há pouco tempo, então está num processo de reformulação de equipes, tudo, tanto que eu sou novo. Então no momento a gente está mais nessa questão mesmo do cuidar, da rotina mesmo. Mas a ideia é ter outros projetos, a gente é até cobrado pra ter outros projetos com eles.
P/1 – Você pensa, tem alguma ideia de projeto que você queira propor ou que esteja ali começando maturar?
R – Então, eu acho que a gente tem um princípio básico, a instituição de acolhimento, as crianças, a gente tem que trabalhar uma questão muito de valores eu acho com eles. Eu tenho visto muito isso, pensado muito nisso de questão de dar valor, porque que nem eu falei, é tudo de todo mundo, mas não é nada de ninguém. Então se eu quebro isso, se eu jogo isso fora, pra mim tanto faz, entendeu? As instituições de acolhimento não são ricas, mas acabam recebendo muitas doações e muitas coisas, então as crianças acabam às vezes nem sabendo da onde vem, então acaba não tendo muito alguns valores. Até da vida mesmo porque já vem de um contexto todo bagunçado, história de vida tudo, então eles acabam... A questão da relação do amor ao próximo, do respeito, perdeu-se muito, essas crianças perderam muito isso. Eu tenho pensado muito, ainda estou num processo, não sei como fazer isso, mas eu tenho procurado entender como trabalhar isso numa forma que não seja chata pra eles, não sei que formato que dá pra fazer isso, mas trabalhar um pouco isso de respeito, de valores, valores com o próximo, valores com o seu meio, o meio que você vive, entendeu? Porque a gente vê que se perde, é como eu falei, são várias histórias, vários traumas e acaba se perdendo um pouco o respeito, o amor ao próximo. Eu tenho pensado muito. Agora de oficinas, de projetos por enquanto não. Eu acho que abrigo é complicado, eu falo isso, abrigo... Você fazer oficinas, tudo, você precisa, mas o tempo, você está ali, são muitas crianças pra cuidar, então aquela rotina de levar no médico, hoje eu trabalho no período do dia, então você leva no médico, leva na escola, busca na escola, serve almoço, sabe? Coloca pra tomar banho, não sei o que. Final de semana a gente faz a comida também, os adolescentes às vezes acabam ajudando. Então a gente tem que inseri-los nessas rotinas e aí fazer um projeto paralelo é meio complicado. Dá pra se fazer, mas tem que...
P/1 – Mas é puxado.
R – É meio puxado, entendeu? Então é complicado. Final de semana às vezes vem gente de fora visitar, fazer algumas atividades já com eles, então é meio puxado.
P/1 – Agora, Rafael, você participou de um projeto que foi aprovado pra ter um apoio do Criança Esperança e o projeto aconteceu, teve início, meio e fim, ele já se encerrou, mas vocês pensam de apresentar algum tipo de projeto, de conseguir esse apoio via Criança Esperança?
R – É sempre bom, né? A gente que trabalha com projetos nessa área social a questão financeira sempre é um impasse. Então se você tem um local, como que nem o Criança Esperança, alguém que financia projetos, tudo, é sempre importante, é sempre interessante. Hoje a gente não tem um projeto em mãos, mas a ideia é futuramente ter e se futuramente puder ter essa parceria novamente é sempre bem vinda.
P/1 – Você soube de algum retorno que teve esse projeto que você ajudou a elaborar, esse de audiovisual? De crianças que tenham participado.
R – Não.
P/1 – Não? Vocês têm registros desse projeto aqui? Os curtas ficaram? Tem acervo?
R – Eu sei que eles produziram, eu sei quem executou foi a Carla e o Pirata que fizeram as oficinas, eu sei que eles produziram os curtas.
P/1 – Você chegou a ver algum?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não, foi meio... Porque foi um projeto que começou o pessoal do Andrezinho a fazer e aí no meio do caminho o Pirata assumiu junto com a Carla porque o Andrezinho tinha já as suas demandas. É que nem eu falo do abrigo, a gente já tem às vezes algumas demandas no espaço que a gente trabalha e não consegue ter tempo pra fazer, pra agregar. Aí ele assumiu, então foi meio tumultuada essa... Não foi tumultuado, teve essa mudança no caminho então eu acabei não tendo um contato, aí eu saí, eu fiquei em Diadema um bom tempo, então eu acabei não tendo contato.
P/1 – Rafael, você quer acrescentar alguma coisa que eu não tenha perguntado, porque a gente já tá chegando no final da entrevista?
R – Não. Acho que não.
P/1 – Pra você que seja importante que eu não tenha comentado, pra sua vida marcou e que...
R – Não. Eu acho que foi...
P/1 – E o que você sentiu contando a sua história?
R – Sei lá, é meio estranho, né? Nunca parei pra pensar na minha vida desde a minha infância. Nunca parei pra pensar tudo, então é meio estranho, mas satisfatório também. Eu acho que a minha vida, cometi vários erros, tem várias coisas que eu não faria hoje, mas também eu sei que tem várias coisas que eu me orgulho de ter feito, vamos dizer assim. É isso.
P/1 – Tá certo então, Rafael. Em nome do Museu da Pessoa a gente agradece a sua história e obrigada.
R – Obrigado.
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