Dez Anos da Fundação Gol de Letra
Entrevista de Sônia Helena Doria London
Entrevistada por Ricardo Pedroni e Nádia Lopes
São Paulo, 29/06/2009
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FGLTM_001
Transcrito por Guilherme Pereira de Carvalho
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Sônia. Pra começar, você pode falar o seu nome completo, data e local de nascimento?
R – Sônia Helena Doria London, local de nascimento, São Paulo, dezessete de dezembro de 1952.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava Hélio Ivo Angrizani Doria. Minha mãe, Nancy Angrizani Doria.
P/1 – E a atividade deles?
R – Meu pai foi juiz de direito, que já morreu, e a minha mãe não fez nada. Quer dizer, estudou. Estudou História e Geografia, mas nunca trabalhou.
P/1 – E tem irmãos?
R – Tenho dois. Um mais velho, Carlos Alberto, e um mais novo, Og Roberto. Og Roberto, que é difícil entender, né?
P/2 – É Og?
R – Og. O, G mudo.
P/1 – E qual é a sua formação, Sônia?
R – Eu fiz Letras. Língua e Literatura Francesa e Portuguesa.
P/1 – Como foi essa opção?
R – Foi difícil, não sabia muito o que fazer. Eu gostava muito da França, tinha muita vontade de conhecer e achava lindo quem traduzia, quem dominava uma língua. Juntei essa paixão pela França e pela tradução. Intérprete, enfim, alguém que domina uma língua. Achava francês superbonito e aí fui fazer, mas trabalhei pouco com língua, na verdade acho que nunca trabalhei.
Eu fui dar aula de francês na escola de segundo grau do ensino médio e foi um desastre minha experiência como professora. Fui dar aula recém-saída da faculdade e entrei nessa classe de ensino médio pra substituir. Ensino noturno, na Vila Gustavo, uma escola pública. Os meninos não estavam nem um pouco interessados em aprender francês. E ver que era uma professora novinha, nossa, foi um horror! Acabaram comigo!
Mas por conta disso me interessei pela educação....
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Entrevista de Sônia Helena Doria London
Entrevistada por Ricardo Pedroni e Nádia Lopes
São Paulo, 29/06/2009
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FGLTM_001
Transcrito por Guilherme Pereira de Carvalho
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Sônia. Pra começar, você pode falar o seu nome completo, data e local de nascimento?
R – Sônia Helena Doria London, local de nascimento, São Paulo, dezessete de dezembro de 1952.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava Hélio Ivo Angrizani Doria. Minha mãe, Nancy Angrizani Doria.
P/1 – E a atividade deles?
R – Meu pai foi juiz de direito, que já morreu, e a minha mãe não fez nada. Quer dizer, estudou. Estudou História e Geografia, mas nunca trabalhou.
P/1 – E tem irmãos?
R – Tenho dois. Um mais velho, Carlos Alberto, e um mais novo, Og Roberto. Og Roberto, que é difícil entender, né?
P/2 – É Og?
R – Og. O, G mudo.
P/1 – E qual é a sua formação, Sônia?
R – Eu fiz Letras. Língua e Literatura Francesa e Portuguesa.
P/1 – Como foi essa opção?
R – Foi difícil, não sabia muito o que fazer. Eu gostava muito da França, tinha muita vontade de conhecer e achava lindo quem traduzia, quem dominava uma língua. Juntei essa paixão pela França e pela tradução. Intérprete, enfim, alguém que domina uma língua. Achava francês superbonito e aí fui fazer, mas trabalhei pouco com língua, na verdade acho que nunca trabalhei.
Eu fui dar aula de francês na escola de segundo grau do ensino médio e foi um desastre minha experiência como professora. Fui dar aula recém-saída da faculdade e entrei nessa classe de ensino médio pra substituir. Ensino noturno, na Vila Gustavo, uma escola pública. Os meninos não estavam nem um pouco interessados em aprender francês. E ver que era uma professora novinha, nossa, foi um horror! Acabaram comigo!
Mas por conta disso me interessei pela educação. Eu disse: “Nossa, mas como é que faz pro outro aprender, pro outro gostar, enfim, se interessar e se motivar? Como é que aprende? Como é que as pessoas aprendem?” Aí fui fazer, então, Psicologia da Educação, na pós, pra entender um pouco melhor essa questão da educação. Fui estudar Piaget, estudar, enfim, os estudiosos do desenvolvimento da aprendizagem. E aí me encantei e fui pra área da educação. Educação, mas educação não-formal. Fui dar aula numa escola de ensino fundamental, no primeiro ano. Fui ajudar na aula de alfabetização. E aí, lá, comecei a perceber isso, comecei a estudar, enfim, a questão da aprendizagem. Depois tive uma pré-escola. Sempre fui pra área da educação não-formal. E aí, fui pras ONGs, fui, enfim...
P/2 – Você estava com que idade – porque você era novinha fazendo essas coisas? Só pra gente se situar, mais ou menos...
R – Não, saí da faculdade com 23, 24 anos...
P/2 – Já era uma preocupação que estava pintando ali?
R – É.
P/2 – E esse trabalho que você começou a fazer, era remunerado?
R – Sim, sim...
P/2 – Era o seu primeiro trabalho?
R – Primeiro trabalho. Não, antes de trabalhar… Então, fui dar essa aula, aí eu fui secretária bilíngue francês-português numa empresa francesa aqui em São Paulo, que chamava Thomson-CSF. E aí engravidei do segundo filho, criei e montei a minha escola. Eu morava numa chácara, no final ali da Francisco Morato, onde hoje é a Escola da Vila. Eu era casada, enfim, com um da família que tinha aquele pedaço lá, e a gente, então, pegou lá um pedacinho e montou uma escola, uma pré-escola. Quando eu engravidei, eu saí dessa empresa e resolvi montar essa escola. Eu já tinha tido também a experiência na Escola Lourenço Castanho, que é essa experiência com primeiro ano. E aí, resolvemos montar a pré-escola.
P/2 – Eram crianças de que idade, nessa escolinha?
R – Era de seis em diante. E tinha também pra adolescentes que iam pra escola ali da região, ensino formal e depois, à tarde, iam pra lá fazer lição, ter aulas de esporte, de artes. Fiquei até ter o segundo filho, em 1982… Não, 1986. Nossa, tô confundindo tudo. Em 1982 abri a escola e tive o segundo filho. Em 1986 fechou a escola.
P/2 – Quatro anos?
R – É.
P/2 – Foi uma experiência interessante pra você?
R – Foi bastante. E era uma época que na área da educação tinha muita… Estava tendo uma revolução. Estava chegando aqui no Brasil uma estudiosa que [se] chamava Emilia Ferreiro, que estudava a questão da aprendizagem, da leitura e da escrita. Eu estava fazendo pós também, então eu queria experimentar isso. E também [era] a época das escolas de educação mais alternativas, então tinha muita escola aqui na Vila Madalena, todo mundo experimentando um novo jeito de ensinar e, enfim, de ter [uma] escola mais preocupada mesmo com a construção do conhecimento, mais de ver como que a criança constrói e não de transmissão de saber e de aula.
P/2 – Aquela coisa do construtivismo?
R – Isso. Foi num momento bem interessante mesmo, mas aí não dava dinheiro… Eu acabei também me desentendendo com as sócias. Eram duas irmãs que eram minhas sócias e a gente se separou.
Eu fui acabar a pós e comecei a trabalhar com ONG. Não, antes eu fui pra Secretaria do Menor, que era uma secretaria do Governo Quércia que trabalhava com creches, com casa-abrigo, circo-escola, enfim, tinha uns programas de atendimento à criança e adolescente. O que também era uma revolução, porque eram pessoas que vinham da prefeitura, da época do Jânio e que foram mandadas embora pelo Jânio e aí criaram essa secretaria. Também era uma novidade dentro da área da Educação Infantil, era bem inovador. E buscava professores já formados, não eram professores leigos. Tinha hora de formação, as pessoas trabalhavam seis horas e tinha uma proposta mesmo educativa de Educação Infantil. Eu participei desse projeto e foi muito bom, aprendi muito. Depois [é] que eu fui pras ONGs.
P/2 – Que atividade você executava lá? Você foi deslocada pra alguma região ou ficou só internamente?
R – Eu comecei numa creche em Ermelino Matarazzo, como coordenadora pedagógica, e também implantei a creche. Fui pra lá e fiquei acho que uns dois anos sendo coordenadora pedagógica, e nossa, foi ótimo. Era longe pra caramba...
P/2 – Um público diferente que você começou a lidar?
R – É! Nossa, o oposto!
P/2 – Foi um impacto?
R – É, mas era essa a vontade, mesmo. De experimentar esse outro público, pensando numa educação diferente, diferenciada, e de qualidade pra esse público. Essa era a proposta da secretaria e então foi por opção mesmo. Fiquei lá acho que uns dois anos, naquela creche, e aí depois fui pra equipe da secretaria, equipe de supervisão.
Fiquei mais acho que um ano e meio, dois. A Secretária Alda Marco Antonio saiu, caiu. Entrou uma delegada – entrou com o Fleury, já estava no Governo Fleury – e aí era uma proposta bem ruim, bem de delegada, mesmo. E aí fui pras ONGs, então.
Fui pra uma fundação chamada Fundação Fé e Alegria, que tinha uns quarenta anos quando eu fui. E era dos jesuítas, da Companhia de Jesus. Foi difícil trabalhar com padres, com… Que queriam, meio que, pela educação também… Não é evangelizar que eles falavam, o que era? Enfim, fazer um trabalho também religioso. Eles meio que estavam… Não sabiam muito o que queriam, se era educação, se era pela evangelização.
É uma organização muito forte na América Latina. Começou na Venezuela, também por um padre, mas tem uma atuação… Lá eles têm uma atuação muito grande nas escolas de ensino formal. Eles têm escolas, dão escolas pro governo e aqui no Brasil, não. Aqui era uma ONG que também trabalhava com educação, mas educação não-formal. Tem em vários estados do Brasil. Eu fazia meio que a coordenação do trabalho em todos os estados. Mas foi isso, foi muito difícil. Um padre era o diretor, era o presidente. Um cara bem conservador, enfim… Também tinha mil problemas de financiamento, de recursos, sempre muito instável. Eu que disse que queria sair.
Uns seis meses depois… Quando eu resolvi sair, dei um tempo de seis meses. Comecei a trabalhar como consultora, aí a Fundação Abrinq me chamou pra fazer… Pra acompanhar a família, Raí, Leonardo, pra montar a fundação. Eu era cunhada da Ana Maria – era, não, sou – e também ela conhecia o que eu já tinha feito em educação infantil. A ideia deles primeiro era montar mais uma creche, começar com Educação Infantil. A gente foi junto construindo o projeto até implantar e com os mais velhos, o primeiro programa.
P/2 – Você lembra de momentos da discussão desse projeto, da equipe como trabalhava? Foi tranquilo, teve polêmica em relação a essa construção?
R – Não, não teve polêmica. Era uma coisa assim bem… Eu ficava muito satisfeita, mas ao mesmo tempo muito preocupada porque eu era a pessoa que mais entendia mais de terceiro setor e de educação, então me sentia muito responsável no que ia dar aquilo. Qual ia ser o desenho, se ia agradar, se era isso mesmo que eles queriam. Mas eu tive total autonomia. E tentei fazer uma discussão, meio que trazendo eles também, fazendo uma formação deles, mesmo. Com o apoio da Fundação Abrinq, que tinha uma relação muito forte, muito grande com outras organizações que trabalhavam com educação infantil, com educação de jovens, a gente tinha um contato fácil e aí fui com eles, principalmente com a Cristina, na época, pra conhecer esses projetos. Ela ia, a gente sempre discutia o que eles iam ver, depois o que via. Tinha a Rose, também, que sempre acompanhava. E depois, também, a fundação chamou várias especialistas da área de assistência social, na área de educação, na área de cultura e foi muito interessante o processo. Mas é isso, eu me sentia muito responsável assim por isso.
P/1 – E não se falava em Vila Albertina ainda nessa época ou já tinha essa ideia de ir pra lá?
R – Não, não tinha. Desde o começo, não. Que foi… Começou-se a falar depois que o Governo do Estado cedeu aquele espaço. Mas tinha, sim, uma ideia de onde, de que tipo de clientela que ia ter e o tipo do lugar. Acho que a Vila Albertina se encaixou bem dentro do que a gente pensava, dentro do que eles queriam. Mas a gente procurou bastante.
P/2 – E vocês amadureceram todo esse projeto pra depois ir procurar um local ou foi uma coisa paralela? Como foi esse início?
R – Não, eu acho que foi… Deixa eu ver...
P/2 – A metodologia também, porque quando vai montar uma fundação assim, tem que tomar cuidado pra também não cair em assistencialismo. Como é que tinha isso?
R – Acho que desde o começo tinha essa ideia de que não era uma proposta assistencialista. E ficou uma coisa de… Como a gente não conhecia o lugar e não ia ter, não ia dar muito tempo de fazer um diagnóstico muito grande e da gente conhecer mais profundamente o local, eu acho que tinha uma coisa da fala deles também, de oferecer oportunidade, de dar oportunidade, de uma coisa boa, interessante e de qualidade. O projeto inicial era um pouco isso mesmo: vamos propor pra comunidade, pros jovens, experimentarem coisas interessantes.
Até ter a Vila Albertina ou mais clareza do financiamento que a gente ia ter… Era mais educação infantil, então a gente até fez contatos, fez algumas conversas com o Instituto Avisa - naquela época era o Crecheplan -, que também eu já tinha passado por lá, já tinha feito formação por lá. Mas toda a construção, a reforma do prédio da Vila Albertina, também, já tinha lá um lugar pra educação infantil. À medida que as conversas, as articulações foram crescendo, veio o apoio da Fundação Kellogg, que só apoiava programas de sete em diante, então a gente resolveu começar com esse programa com os maiores e a educação infantil ficou pra depois. Mas todo esse processo foi conversando com eles, eles participando.
Nessa época, o Raí já estava mais… Já estava aqui, veio em 98; o Leonardo não estava. Foi bem legal, bem participativo, bem...
P/2 – E os programas, como é que eles foram surgindo? Porque era criança de sete anos pra cima. Aí foi surgindo essa idéia do programa Virando o Jogo, isso também foi no início? Como surgiu isso?
R – Foi no início. A gente fez o desenho do projeto Educação Infantil e Ensino Complementar, que é esse de sete a doze. Vindo o financiamento a gente ficou mais com o outro mesmo. Mas participava também… A gente tinha junto também o Marcelo Jabu, que era o… É o assessor, quem estava pensando na área mais de esporte, mesmo. E essa educação complementar vinha muito… Essa vontade de trabalhar o esporte dentro de uma perspectiva mais educativa mesmo, mais ampla, também de experimentar várias modalidades. Eles tinham, acho que um receio do programa ficar com uma cara de escola de futebol, então a proposta de esportes era muito… Enfim, a gente fazia que fosse bem visível, bem clara, e nisso o Marcelo Jabu era muito bom. Um cara muito interessante, muito inovador nessa área de esporte. Depois vinham as outras áreas, que era dança, teatro, música, tinha leitura e escrita também.
Logo que foi lançada mesmo a fundação, e aí divulgado o programa que ia ter, a faixa etária, começaram a chegar as vontades das organizações de fazer parcerias. A Intel fez uma parceria, deu aquele laboratório de informática, teve a Unifesp, que quis participar com um médico e uma enfermeira, então tinha assim mesmo, também, até da gente: “Olha, vamos dar um tempo.” Muita procura, muita gente queria se engajar.
Acho que por ser uma coisa nova, de dois atletas, fazendo um projeto mais educativo e não de escolinha de futebol, isso chamou muita atenção, tanto de financiadores, quanto de organizações que queriam também participar. Então foi dessa forma, assim, a gente foi implantando, mas não tinha ainda a noção de trabalhar com mães, com as mulheres, aí foi chegando e a gente tinha que resolver. E aí foi muito boa a participação da Célia. A gente já tinha contratado a Célia, que era assistente social e tinha uma experiência grande de trabalho com famílias; casou bem e ela deu uma boa resposta pras as mães que queriam também participar. Muitas mães concorreram às vagas pra trabalhar lá, foram poucas selecionadas e tinha essa coisa de querer participar de alguma forma, de querer estar lá. E era um mistério ali, o que acontecia ali dentro, pra comunidade. Era uma coisa muito diferente, né? Acho que teve um movimento mesmo de pressão, não de briga, essas coisas, mas elas foram entrando, tomando espaço; a Célia foi dando esse espaço e elas participaram bem ali...
P/2 – A fundação foi se abrindo...
R – Isso. E tinha essa ideia mesmo, de nos primeiros dois anos a gente fazer essa coisa mais aberta, até pra comunidade chegar e a gente ver mesmo depois no que a gente ia firmar mesmo, porque a gente não conhecia, nem sabia qual ia ser a resposta. Aí a gente fez aquele projeto da Vila, como é que chamava mesmo? Pra conhecer a Vila.
P/2 – Do museu, é Museu Vivo....
P/1 – Cara da Vila?
R – Cara da Vila, é. A Cara da Vila.
P/1 – Como foi esse projeto?
R – Era essa vontade mesmo, da gente, da fundação conhecer melhor a vila e da vila também se conhecer. Ali já comecei a pensar mesmo essa coisa da história. A gente tinha lido aquele livro do Eduardo Britto, “[São Paulo Tramway] Tremembé” e falava um pouco da Vila Albertina.
A ideia era que os jovens com o projeto olhassem de uma outra forma a vila, a partir das linguagens de teatro, de foto, vídeo e artes plásticas. E tinha também de escrita. Foi muito interessante, muito legal, porque veio mesmo, trouxe essa história. Eles saíam, pesquisavam e fotografavam; tinha um professor de fotografia, o João Kulcsár, foi muito bom. Saíam mesmo ali pelas ruas, os meninos tinham… Enfim, educavam um pouco o olhar.
P/2 – Ampliou assim a faixa etária, no caso, de atuação.
R – Sim. Porque era isso, como era de sete a doze, sete a quatorze e tinha aquela… Era no segundo ano da fundação, era 2000, 2001; já tinha uma turma que estava saindo, que era a turma do Vanderlei, do Alexandre… E aí, o que fazer? Porque eles não queriam sair e acho que a fundação também não queria que eles saíssem. Então a ideia foi essa, de aproveitar essa turma que estava saindo. Aí já tinha a Fundação Vitae, que convidou a fundação pra participar dessa seleção de projetos pra essa faixa etária, de dezesseis a vinte, dezesseis a dezoito; a gente apresentou esse projeto lá e foi aprovado.
Tinha a Fundação Vitae e tinha a WCF, que também era uma fundação que estava chegando no Brasil e que alguns… O Marcos Kisil da Fundação Kellogg também indicou a fundação pra participar desse primeiro ano de projetos da WCF. Eles também entraram com recurso e apoiaram esse projeto. Hoje, a WCF apoia mais esses projetos ligados à exploração sexual de meninas, mas antes de definir essa linha eles apoiaram alguns projetos aqui em São Paulo, algumas organizações. Ficou bem redondinho esse projeto, com financiamento. Muito bom.
P/2 – E ele deu sequência a uma linha de atuação depois, esses jovens, quer dizer [o projeto] A Cara da Vila?
R – Depois acho que eu já tinha saído, saí no fim desse projeto. Acho que ficou como FAC, Formação de Agentes Comunitários, né?
P/2 – Isso. Deixa eu só voltar um pouquinho, Sônia: logo quando vocês foram pra Vila Albertina, apesar de você ter atuado em Ermelino Matarazzo, como você sentia a comunidade, você chegando. Como era aquela comunidade logo que você chegou? O que você lembra disso, foi acolhedor?
R – Acho que foi superacolhedora, mas acho que tinha mais curiosidade do que… Curiosidade, um pouco de desconfiança e acho que satisfação também. Acho que foi sendo uma conquista mesmo, mas no fundo acho que não foi difícil. Foi tranquilo, porque a fundação era muito aberta e tinha essa figura do Raí, dos dois, que desperta uma vontade de estar perto, de ver como é. Eles também são muito abertos, então isso facilitou, mas eu lembro que na primeira reunião que a gente teve com a comunidade teve gente que reclamou daquele espaço ser dado, ser oferecido pra eles e não de continuar uma escola. Tinha gente que estava movimentando pra ver se conseguia o espaço pra escola de novo. Mas depois que isso não tinha mais volta, acho que foi tranquilo.
P/2 – Você lembra dessa reunião?
R – Eu lembro.
P/2 – Muitos pais, muita gente?
R – A gente teve uma ajuda do Cenpec [Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária] pra mapear ali quem eram as lideranças, quem eram as pessoas. Essas pessoas foram chamadas e foi bastante gente com pouca participação ativa, de conversa, tudo. Quem participava mais eram as pessoas que estavam ali, das escolas, das organizações, mas a comunidade meio desconfiada, querendo ver o que ia acontecer. Acho que tinha ao mesmo tempo um encantamento, porque era uma construção bonita também, uma coisa que mexeu com aquelas ruas, com aquele lugar; aquela quadra em cima, aquilo era uma coisa de impacto. Mas essa coisa de querer participar, como foi naquela seleção de você fazer uns sim, outros não, isso foi difícil.
P/2 – Só uma coisinha: essa reunião foi em 1999, já quando estava instalado, ou foi antes? Porque vocês foram pra lá, tiveram que fazer uma reforma pra depois poder abrir, inaugurar, chamar as pessoas pra participar, não é? Nesse processo de reforma não teve essa reunião, né? A reunião foi posterior...
R – É.
P/2 – No processo de reforma tinha alguma coisa da participação da comunidade, as pessoas estavam ali em volta querendo saber no que ia dar? Existia isso? Você chegou a acompanhar de longe, você acompanhou isso?
R – Nossa, não me lembro.
P/2 – Porque tem cenas, não sei se… Alguém descreve que quando começaram a reforma tinha gente da comunidade que ia lá, ajudava a carregar as coisas, mesa pra arrumar. Acho que tem uma pessoa que trabalha lá hoje, que é a Dona Esmeralda, que tinha o filho dela, o Diego. Diziam que ele estava lá sempre, cuidando das coisas. Não sei se isso foi alguma coisa que você chegou a ver.
R – Não, eu lembro disso, agora da reunião...
P/2 – A reunião foi posterior, foi perto da inauguração?
R – Não. Eu acho que pra dizer o que ia ter lá, que era a fundação, acho que foi antes.
P/2 – Foi antes?
R – Foi antes, eu acho que nem tinha a Célia...
P/2 – Não, não tinha mesmo.
R – É. Eu acho que foi… Foi anterior. Acho que antes da reforma teve essa reunião. Depois que definiram melhor, que conseguiu financiamento, teve… “Ah, então vai ser um programa pra adolescentes.” Aí tinha mesmo o Diego, me lembro bem do Diego. Toda vez que a gente ia visitar a obra ele estava lá no meio, e mesmo os trabalhadores que estavam lá, contavam dele.
P/2 – Mas eu queria voltar um pouco sobre a questão pedagógica. Existia um diferencial, você sentia que seria uma coisa diferente em relação à fundação? Sobre a metodologia, sobre o que ia ser… Diferente de outras organizações, tinha uma ideia diferente? Você sentia?
R – Essa era a nossa vontade, de ser diferente; a diferença entre ser assistencialista ou ser educativa. E uma educação com qualidade. Acho que eram alguns princípios. A gente via esses programas de educação complementar um tanto… Mais esses da prefeitura mesmo e de algumas ONGs, [como] educação complementar… Muitos que a gente visitou eu sabia que tinha isso: os jovens iam lá pra fazer lição; meio que repetiam o esquema da escola, levavam lição da escola. Além da lição era isso: aula de bordar pano de prato, era aula de, às vezes, arte, mas aquela coisa de ‘vamos desenhar’, sem nenhuma proposta educativa além dessa, de cuidar da lição de casa.
Não era isso que a gente queria. Eu fui apresentando, fui conversando, fui mostrando pra eles o que eles queriam. Era um… Até a gente ter várias discussões, várias conversas sobre isso: “Vai fazer lição lá? Não vai fazer lição?” Acho que poucos foram fazer lição lá. Tinha uma proposta que era independente da escola, a gente não ia usar um tempo lá dentro pra eles fazerem lição de casa e sim pra experimentar e ver coisas novas e… Mas tinham alguns que faziam sim, que os pais pediam pra levar. A ideia era essa mesmo, que eles experimentassem coisas novas, fizessem coisas novas, que criassem um grupo e construíssem coisas que funcionassem pro projeto.
Foram feitas essas parcerias. Tinha então, como eu falei, o Marcelo, que tinha uma proposta bem diferenciada pra esportes. Todo mundo experimentar futebol, todo mundo experimentar o vôlei; eram várias atividades, então era isso, todo mundo passar por todas. Não é: “Eu quero fazer só musica” ou “Quero fazer só esse”, não. A ideia é que todo mundo passasse por todas e num futuro a gente oferecer algumas por opção. Na Cara da Vila eles já tinham essa possibilidade de optar, porque já tinham passado também pelo programa anterior. Na Cara da Vila puderam optar: “Quero fazer só teatro”, “quero fazer só música.” Aí teve essa coisa do Diego, acho que até o Raí contou da outra vez – eu também não lembrava disso: o Diego era o menor, ele não tinha saído ainda do programa, e na Cara da Vila tinha aula de música, aula de rap. Ele ficava lá, olhando assim, foi convidado a entrar e foi o que mais se destacou. E hoje é o que está aí até agora trabalhando com rap, com… Acho que tinha bastante liberdade de experimentar, de conhecer.
P/2 – Você participou… Teve uma seleção dos profissionais pra trabalhar ali, não é?
R – Foi.
P/2 – Porque são professores, afinal, estariam lidando com um público. Tinha essa proposta de leitura e escrita, tinha toda essa atividade. Você lembra desse processo como foi, você acompanhou?
R – Num primeiro momento, a gente fez aquela parceria com a escola de teatro da Lígia, então ela que levou os professores de música, de artes plásticas, de teatro. Educação física, participei com o Marcelo Jabu. E de leitura e escrita, quem que foi? Nossa, não me lembro. Não sei se foi o Cenpec, que indicou algumas pessoas e a gente selecionou. Aí, foi… Não sei se foi um erro, mas foi difícil a gente trabalhar com os professores que a Lígia indicou e os professores de lá, porque eram especialistas, mesmo. Chegavam lá: “Vim aqui dar essa aula.” Não se envolviam muito com a dinâmica dos programas e não eram da dundação, eram pagos pela Lígia – a fundação pagava pra Lígia e ela pagava os professores –, então foi difícil essa… A Célia, acho que sofreu bastante com essa construção do grupo de professores.
(pausa)
P/2 – Você estava falando da construção do grupo.
R – Acho que era uma coisa nova pra todo mundo. Pra Lígia, também, que tinha um trabalho mais… A escola ali no Pacaembu, com crianças que iam lá, de classe média, média alta. Pro Marcelo também, que era muito mais professor de escola mesmo, de ensino formal. Um projeto desse, com essas características, numa comunidade que ninguém conhecia, era mesmo uma coisa de experimentar todas as coisas boas, de experimentar e de se abrir, de ouvir, de observar. O dia a dia é mesmo de construção, de [um] grupo de pessoas que vinham das mais diferentes experiências, dos mais diferentes lugares. Uma relação trabalhista também diferenciada, então foi mesmo...
P/2 – E o que você sentia no início. Foi muito diferente da experiência anterior, das outras experiências que você teve antes? Como é que você se sentiu nesse processo?
R – Foi também. Eu não tinha essa experiência de implantar, foi a primeira vez que eu participei da construção de um projeto. Quer dizer, eu tive da minha escola, mas sei lá, acho que foi diferente...
P/2 – O que você sentiu de maior dificuldade nessa implantação?
R – De reagir mesmo ao dia a dia, de apoiar a Célia. A Célia é que ficava mais lá, né? E ela também não tinha essa experiência. Ficava pra ela fazer as reuniões com os professores, com os educadores; ela sentia aquilo no dia a dia, que era bem complicado. E aí então a gente… Mas eu acho que era isso, tinha essa coisa de todo mundo: “Então vamos experimentar”, mas é claro que, no dia a dia [isso] vai te afligindo. ”Bem, estamos aqui, todo mundo disposto, mas...” O dia a dia é que te dá a medida, que te deixa mais aflito ou não.
Com a dificuldade dela, a gente criou uma função, que era o coordenador pedagógico. Foi uma moça, a Roseli, ajudar a fazer a coordenação pedagógica. Eu acho que elas se deram bem, melhorou bastante. Mas essa Roseli, que foi fazer a implantação, enfim, foi a primeira coordenadora pedagógica, ela tinha já tido uma experiência grande em projetos sociais. Ela vinha da experiência de uma escola que tem um projeto social em Taboão, em Itapecerica, na Zona Leste, enfim, são vários programas; e ela saiu de lá pra ir pra fundação. Acho que foi bem, mas foi a chegada do Nelson que trocou.
P/2 – Até então não tinha a Coordenação Pedagógica?
R – Não.
P/2 – Era uma área só, aliás, era a Célia que cuidava?
R – Era a Célia que cuidava de todo o grupo, desde cozinheiras, serviços gerais e os professores.
P/2 – Seria uma coordenação geral?
R – É, uma coordenação geral.
P/2 – E a Roseli vai ser a primeira coordenadora?
R – É. Acho que foi um erro, porque tinha a coordenação pedagógica da Lígia, do grupo dela, mas a coordenação do que acontecia no espaço, na vida da fundação ficava por conta da Célia, que tinha que integrar todo mundo. E aí não foi fácil. Eu também não conseguia ficar lá; não era pra eu ficar lá, não dava, porque ficava mais fazendo outros projetos, acompanhando e buscando recursos. Nem era pra eu ficar lá, fazendo a coordenação pedagógica. A gente viu que a Célia estava mesmo precisando de ajuda, então, propusemos… Eu, ela, o Marcelo propusemos de trazer essa figura de coordenador pedagógico.
P/2 – Mas a outra pessoa que fazia a parte pedagógica, ela não tinha esse papel?
R – Não, tinha... A Roseli?
P/2 – Não, tinha uma outra pessoa que você tinha citado, antes da Roseli. Ou não tinha ninguém?
R – A Lígia?
P/2 – A Lígia, isso.
R – Não, a Lígia era a Lígia Cortez, que tinha a escola dela, com os professores dela.
P/2 – Ela só cedia os profissionais, arrumava os profissionais?
R – É.
P/2 – Depois que teve essa coordenação pedagógica, a Célia ficou mais com a área social?
R – Isso.
P/2 – Aí foi criada uma área social?
R – Foi criada uma área social, que foi...
P/2 – Só dá um exemplo pra gente. Quando você fala de dificuldade, que era difícil lidar, que tipo de situação, por exemplo, que afligia, que acontecia? O que você se lembra?
R – Na verdade, eu não estava, não participava muito das reuniões, não acompanhava muito. Mas eu lembro que a questão, por exemplo, era isso: os professores ali, eu acho que o maior foco de dificuldade era esse grupo que vinha da Lígia, que não tinha experiência de trabalhar com essa população. E não tinha uma relação de aceitar a coordenação da Célia. Era coordenação do espaço, na cabeça desses professores. A Célia organizava e fazia a coisa acontecer: ter sala, ter os professores, ter os alunos, mas eles não entendiam que a Célia era a coordenadora pedagógica. A Célia se queixava bastante desse descompasso, dessa falta de entendimento. Acho que...
P/2 – Nossa!
Isso foi 2001? Mais ou menos, só pra gente se situar.
R – É, isso.
P/2 – Mas você sentiu que da implantação da Gol, da inauguração até 2001, você sentiu que a Gol conseguiu crescer em alguns aspectos, você sentiu uma evolução? Deu pra pegar alguma coisa? Parece que o momento do projeto A Cara da Vila foi um boom, um momento importante.
R – É, eu acho que foi um momento… Acho que esses dois primeiros anos, [o processo] era mais fechado. Com A Cara da Vila, eles vão pra fora. E acho que até… Não só os meninos que estavam, que tinham de quatorze pra dezesseis anos, que eram poucos - o Vanderlei, o Alexandre e mais meia dúzia, mas vieram novos, mais novos… Mais velhos, mas entraram novos na fundação. Eles iam pra rua, iam fotografar, eles iam… Enfim, as atividades aconteciam muito pra fora. Isso foi muito positivo porque as pessoas também viam as coisas acontecendo; mais gente entrando, participando. Foi muito bom.
Mas até 2001 foi isso. Acho que sim, evoluiu bastante. Mas era um… Foi um momento de mais aprendizado mesmo, mais interno, ajustando essas coisas. Também tinha aquela auxiliar, Maria Helena, auxiliar da Célia, que veio também depois. A gente foi ajustando internamente as situações.
Algumas vezes a gente fazia alguns eventos e tomavam uma dimensão muito grande por conta de ser Raí e Leonardo. Qualquer evento chama a imprensa, qualquer evento mobiliza tanta gente que, por um lado é muito bom, dá uma visibilidade muito grande, por outro, internamente, era difícil organizar isso. É uma atrás da outra, então a Célia também dava uma [bronca]: “Gente, menos!” (risos) Coitada, porque era ela que segurava ali, né?
P/2 – E aquele trabalho do Museu Vivo, que o Museu da Pessoa – você ainda não estava no Museu da Pessoa, você estava ainda ligada à Vila? – teve aquele trabalho de colher depoimentos?
R – É.
P/2 – Como foi aquilo?
R – Então, isso foi uma coisa assim, também, que veio: “Vamos dar conta.”
P/2 – As ideias iam pintando e “vamos fazer isso”?
R – Não, ali foi um grupo de franceses que procurou o Raí, que queria trazer, enfim, ofereceu de trazer alguns profissionais pra fazer uma atividade aqui, com os meninos, um projeto social. “Ah, bacana!” Também, era uma coisa diferente, internacional. E aí: “Tá, então vamos fazer!”
Eu tinha acabado de sair. Isso foi começo de 2002, janeiro de 2002. A gente começou a planejar isso, acho que em setembro, outubro de 2001, e em novembro de 2001 eu saí, mas com o compromisso de recebê-los, de cuidar desse projeto só, até eles irem embora – que era o final de janeiro. Eles vieram em janeiro, ficaram janeiro todo aqui.
Acho que foi um barato, foi bacana, foi ótimo, mas internamente deu problema. O Nelson já tinha entrado e foi pouco envolvido nisso; quem, enfim, ajudou a desenhar um pouco foi a Célia. O Nelson estava entrando – acho que ele entrou no final de 2001 – e foi pouco envolvido. Também tinha a minha situação com ele, então a gente se falava pouco.
P/2 – Mas quando ele entrou o projeto já estava desenhado?
R – Já estava desenhado.
P/2 - Aliás, fala um pouco do projeto. Qual era a ideia do projeto? O objetivo era também contribuir pra trazer mais a comunidade? Tinha isso ou não?
R – Não. Eram oficinas. Oficina que começava e acabava ali: tinha uma oficina de maquiagem – maquiagem pra teatro, não maquiagem feminina –, tinha a coisa das histórias, tinha uma pesquisadora, que trabalhava com histórias de vida lá na França, com histórias de mulheres e que quis, então, vir pra cá pra colher novas histórias.
Eu já estava conversando aqui com o museu e a gente fez uma coisa junto. E a ideia era que esses artistas viessem e trouxessem, fizessem então as oficinas e que também a Gol de Letra devia colocá-los em contato com algumas artistas ou alguns profissionais brasileiros. Por isso que foi também o museu e essa moça que se chamava Noah, acho que era. A Rosali se aproximou dela, foi ótimo, porque ficou amiga dela, trocaram correspondência durante muito tempo. Tinha uma cara, um músico muito legal, que era basco e que também entrou em contato com os cantores, enfim, os grupos que faziam rap. Fizeram um trabalho que ficou muito bom, o trabalho de música. Esse da maquiagem, acho que não tinha ninguém aqui. E mais? O que que tinha? Acho que fotografia também. Quem trabalhou foi João Kulcsár, que também era da Cara da Vila.
Enfim, era meio que uma residência desses artistas num projeto social, que deviam ter contato com artistas brasileiros. Mas eram oficinas, oficinas tinha… Era uma coisa, também, de provocar a fundação, provocar a comunidade, oferecer coisas legais, mas acho que ali também foi...é isso, que tinha que acontecer e tinha muito isso, pelo começo...
P/2 – Você que fez essa ponte?
R – Mais ou menos, Quem cuidou de tudo, quem, enfim, aceitou foi o Raí, porque eles foram procurar o Raí. Então, vai ter que ter alguém pra cuidar disso: “Então, tá, vamos lá!” (risos) Era tudo assim, novo. Lembro da Célia ficar preocupada porque eles fumavam na frente dos meninos. Ficavam ali naquela entrada, perto da quadra, fumando, rindo e falando alto. A Célia ficava incomodada. É sempre uma coisa estranha, que provoca uma mudança na rotina, então ela ficava meio brava com essas coisas, com essas interferências. Mas acho que o saldo [era] sempre positivo.
P/2 – Foi feita uma página desse trabalho?
R – Isso, está aqui no museu.
P/2 – E pra comunidade, isso chegou a ser mostrado? Como foi isso?
R – Acho que na época, sim.
P/2 – Você lembra disso?
R – Foi feita uma cabine...
P/2 – Pra colher depoimento?
R – É… E aí tinha uma coisa de… Estava na véspera da Copa… 2002? É, né? (risos) O Zé colheu alguns depoimentos de experiências das pessoas com a Copa e já misturou um pouco ali. (risos) Fez uma cabinezinha. Que mais?
P/2 – Mas isso era uma novidade pra aquele lugar, não era?
R – Ah, era. Acho que ficou bacana. Acho que foi mostrado, sim, depois que eles foram embora. A Edna veio e lá se viu também na… Depois, nesse sitezinho, foi feito.
P/2 – E depois que acabou esse trabalho, você saiu então da Gol?
R – É, aí eu vim pro museu e fiquei permanente aqui.
P/2 – E dessa sua experiência na Gol, o que você acha que foi marcante pra você?
R – Ah, tudo, né? (risos) Essa experiência de implantar um projeto social. Eu tinha tido experiência da minha escola, que é aquela coisa… Quando você trabalha pro outro: “Quando eu tiver o meu, vou fazer assim.” Então, da escola foi uma experiência interessante, e com o projeto da Gol também porque, como eu disse, acho que eu tinha muita autonomia. Foi bacana pensar com eles, estruturar...
P/2 – Até na coisa de pensar, missão também é uma coisa que vocês discutiram? Porque tem muito isso da missão, valores… Como foi discutida, foi fechada a ideia disso?
R – Eu lembro que a gente… Eu provoquei, enfim, organizei uma oficina, uma conversa, na Fundação Abrinq, onde estava o Raí, a Cristina, a Rose e o pessoal da Fundação Abrinq; estava a Ana, tinha um pessoal que estava cuidando da parte jurídica também, os advogados, que também participaram. Tinha, acho que a Eli. A gente foi definindo qual era mesmo o sentido da fundação, pra que ela vinha, e aí, enfim, tiranos ali aquela missão, que hoje acho que já é outra, já está modificada...
P/2 – Ah, é? Você lembra qual que foi antes?
R – Era (pausa) promover...
P/2 – Porque a ideia é transformar… Contribuir...
R – Transformação da educação...
P/2 – Que as pessoas transformem a sua realidade, não é isso?
R – É, que são capazes de transformar a sua realidade. É essa mesmo?
P/2 – Então acho que a missão é a mesma...
R – Ah, tá… É porque uma vez eu ouvi dizer que ia mudar.
P/2 – Talvez tenha mudado uma palavra ou outra, mas a ideia é isso, de promover, aliás, de contribuir com isso.
R – De contribuir com a transformação...
P/2 – Isso foi uma coisa construída no grupo?
R – Foi, quer dizer, com o grupo dos instituidores, porque ainda nem tinha as outras pessoas. Não tinha a Célia, não tinha...
P/2 – Sim, pelo grupo, sim.
R – Foi muito legal.
P/2 – Uma curiosidade, Sônia. Você passou pela educação na sua formação. Dessa sua experiência, você formulou as perguntas, tem alguma coisa por trás disso? Eu fico imaginando dos filósofos, que luz que você trouxe ali no meio? Aqui tem um pouco de Piaget, tem um pouco do Paulo Freire, que a gente sente muito - pelo menos eu sinto muito.
R – Acho que tinha essa vontade, essa concepção por trás da construção do coletivo e de quem… De construção de conhecimento. A construção do conhecimento é feita a partir da experiência da relação do contato e da reflexão que você tem a partir do seu cotidiano e da sua vida. Então tinha Paulo Freire, Piaget, tinha Emilia Ferreiro, que, enfim, foi uma discípula de Piaget. Acho que muito, a partir… Também tinha Vygotsky; quando eu fui estudar foi o primeiro contato com Vygotsky, sócio-interativo, de experimentar, mesmo, de ver a influência da realidade na construção da pessoa, do homem e do grupo também, como isso influi na construção do… Na nossa construção, na construção da sociedade.
Eu falava muito pouco disso pra eles. Eu tinha isso como valor, como um arcabouço de questões que eu me identificava, mas acho que foi bacana isso de [estar] com eles, construindo isso. Às vezes eu sentia assim… Foi lá no encontro da linha do tempo, que o Raí falou que eles queriam um desenho assim, um desenho assado, e que ele achava que eu queria de um jeito, então… Não sei se vocês viram isso.
P/2 – Essa parte acho que foi a hora que eu tinha saído, eu não vi.
R – Ele falou que um dia eu cheguei com dois desenhos mostrando pra eles. Um era totalmente biografado, enfim, tinha… As crianças pintaram dentro, só; e tinha um outro, que era muito mais criativo. E que eu falei: “Bom, vocês querem como resultado esse desenho ou esse?” E falei: “É esse daqui!” (risos), não esperei muito eles responderem.
Então era isso, meio que mostrando pra eles por onde caminhava, o que eu acreditava; eles foram aderindo e entendendo, então isso pra mim foi muito satisfatório. Deu muita satisfação pessoal. Que bacana fazer a formação deles, de implantar aquilo, ver aquilo acontecer e acho que os resultados [foram] bons. Mas também foi muito… Acho que muito sofrido também de você ver: “Não, não é por aí, é aqui.” Você espera uma reação e é outra. Enfim, de construção de grupo, isso acho que foi difícil.
A questão do Raí e da Cristina brigando e se separando... Aquele sonho, que era sonho deles e que passou a ser nosso, também sofrendo muita interferência. Tudo isso influenciou naquele resultado. Mas acho que foi… Eu fiquei muito satisfeita.
P/2 – E você pegou bem isso, da implantação e da dificuldade, a crise até, entre as pessoas?
R – É, a crise… Aí tem dificuldade de… Tive algumas dificuldades pra lidar com isso. O quanto eu conseguia isolar as coisas, pra não serem atingidas pelas questões mais familiares e pessoais ali. Eu achava, muitas vezes, que eu era responsável por isso, que eu tinha que fazer isso. A Célia lá e eu no espaço mais institucional.
P/2 – Difícil. Eu fico imaginando como é que conseguiu se levar o trabalho, porque tinha todo esse problema interno e ao mesmo tempo tinha que estar atuando. Pra comunidade isso não se passou. Você sentiu essa crise e conseguiu não deixar resvalar pra comunidade?
R – Não sei. Acho que a crise… Acho que tem várias crises, né, minicrises. (risos) A primeira, a saída da Cristina, acho que foi mais institucional. Lá no programa, não sei, acho que não influenciou muito, não mexeu muito. A crise da minha saída e a entrada do Nelson, toda a dificuldade e depois a saída dele também. Ele e mais um...
P/2 – Você saiu, ele entrou. Foi exatamente isso que aconteceu?
R – Não. Um tempo...
P/2 – Vocês conviveram?
R – Acho que uns três meses a gente trabalhou junto, mas sempre foi de oposição, então isso apareceu, mexeu com o programa. Depois, também, acho que a saída deles – aí foi ele, Rose, saiu todo mundo, uma boa parte também. Logo em seguida, acho [que] a Célia. Isso afetou, mas acho que também é essa crise, essa confusão, entre… Eu saio, o Nelson entra, então é também uma dificuldade deles mesmo entenderem: “Bom, qual é o nosso projeto mesmo? Que linha a gente quer mesmo?” Essa coisa da experimentação, ficou muito… Acho que ficou um tempo maior do que deveria, sem eles terem muita clareza do que eles queriam. Depois, a entrada da Zélia, da Escola da Vila, ajudou bastante a retomar o projeto, ampliar o projeto pedagógico, a entrada da Mônica... Acho que aí a coisa tomou um rumo de novo.
P/2 – Veio uma energia?
R – É.
P/1 – Eu fiquei só com uma duvida: quando é que a Gol de Letra passou a envolver a família? Quando é que surgiu essa preocupação, porque você falou que no começo não tinha isso.
R – Acho que foi depois desse momento de ficar mais voltado pra os jovens, um ano, um ano e meio de programa. Entra essa coordenadora pedagógica e a Célia se dedica mais a isso, a preparar, receber, atender as mães. No começo… Quer dizer, a ideia era também de se relacionar com as famílias, de trazer, mas não um grupo de mães, não um grupo de mulheres.
A gente não sabia muito como ia ser isso. Tudo o que foi desenhado, tudo o que foi pensado era para os adolescentes. Quando acontece isso, ela se dedica mais a isso, né, então a coisa acontece, mesmo. Mas até a contratação dela, o perfil dela, era pra acontecer isso mesmo. Uma assistente social, que já tinha essa experiência de trabalho com famílias, então a gente queria alguém que viesse dessa… Que tivesse essa origem, não só pedagógica, não só educacional, mas alguém que sabia lidar com comunidade, tinha uma proposta interessante. Quando a gente conseguiu definir mais o que ela ia fazer, enfim, se livrar mais da questão pedagógica, então ela pode se dedicar mais a esse projeto de inclusão, de trazer as famílias.
P/2 – Legal, você fez uma ponte, porque a Célia esteve aqui. Ela falou algo assim: “Quando chegou a coordenadora pedagógica, fiquei feliz porque aí eu fiquei livre pra fazer o que eu queria fazer.”
R – É, e ela tinha esse perfil. Ela fez Pedagogia e Assistência Social. A gente achou que era um perfil muito interessante, só que a gente achou que ia ser tranquila a questão pedagógica.
Ia ter a Lígia, ter o Marcelo, enfim, cuidando mais do pedagógico. Mas precisa ter alguém lá que cuide do projeto pedagógico da instituição, não só o saber ensinar, né?
P/2 – É muita coisa, né?
R – É muita coisa. E ainda tem o grupo, é...
P/2 – Nossa, agora que eu estou entendendo. Todo mundo que passou por aqui falou do profissionalismo. A palavra “profissionalismo” é muito citada aqui. Isso eu vejo através da seleção dos profissionais. Você falou que o perfil dela era esse; todo mundo tem uma marca ali na Gol, né? Que passou por ali...
R – No início foi muito forte isso. Até de trazer essa experiência, de fazer essa parceria com a Lígia. Eram profissionais da área de dança, de não sei o que, e aí trazer o fotógrafo e você trazer… Era a preocupação, mesmo, de trazer especialistas e profissionais das áreas.
Depois é que foi se formando internamente as pessoas pra assumir esta função. Muitos jovens ou até pessoas ali da comunidade tiveram, ainda, um contato com esses profissionais. Com a saída deles é que foram assumindo as oficinas, as aulas, mas era essa ideia mesmo de ser bem profissional.
P/2 – Desde o início, porque você também está ali, né, Sônia? “Quem vai ajudar a gente a elaborar o projeto?” Aí aparece a Sônia, com a bagagem e a experiência...
R – É. E o Marcelo. O Marcelo trouxe os professores de Educação Física, não eram… Gente que sabia jogar futebol, era professor.
P/2 – Ah, legal! Acho que de Gol… Tem alguma coisa que você gostaria de colocar que a gente não estimulou você? Que não pode deixar passar batido nessa história?
R – Não, acho que não, foi tudo.
P/2 – Tem coisas que você não quer falar? (risos) Não, brincadeira...
R – Não. Nossa, não! Tem coisa que, nossa, eu não lembrava mesmo. Falando aqui, foi ajudando, foi...
P/2 – É que essa história, realmente… O início dela é muito complicado. A gente sente isso até na pesquisa, tem documentos que foram… Projetos que foram desenhados, não foram utilizados e você vai checar se foram feitos, executados. Realmente, a gente sente isso no início. Muito legal.
R – Acho que, na época, a gente não teve a preocupação de registrar muito. Hoje eu fico pensando: aquelas reuniões de diretoria que tinha lá... Até essa confusão mesmo de diretoria. Eu não era da diretoria, mas participava das reuniões de diretoria, então muitas vezes eu me via decidindo coisas que não era pra eu decidir. Ficava meio que caseiro, porque era tudo ali: ou era o Sóstenes, era o Raí, a Cristina, a Rose, que também era meio da família, então gente não teve essa preocupação, não cuidou disso de registrar, do que que é reunião de diretoria, o que que é de executivo. Muita coisa… Acho que ficou ali [um] vazio, mesmo, dessa história, porque não tem essa documentação cuidada.
P/2 – De um conselho, né?
R – É. Tão profissional, entendeu?
P/2 – Você chegou a trabalhar no escritório, aqui na...
R – É, na [Rua] Monte Alegre.
P/2 – ...Na Monte Alegre, né? Teve um momento que saiu do escritório e foi direto pra lá. Você chegou a estar nesse momento?
R – Foi já no fim, mesmo. Eu me lembro que a gente estava lá aqui no escritório. Ficava a Rose, eu, Raí passava, a Tina; depois que eles se separaram, a Tina se afastou e aí ficava mais eu, Rose e o Raí. O Nelson entrou e aí que eu passei a ir menos, mesmo, no programa, então eu lembro que um dia eles falaram: “Acho que é melhor a gente ir todo mundo pra lá, pelo menos aproxima.” Eu falei: “olha, não é só o espaço físico que aproxima, não.” (risos) Enfim, fomos todos pra lá. Eles queriam estar mais integrados e tinha uma despesa, então criaram lá – onde era pra ser a creche – criaram algumas salas. Tinha o Luciano, Rose, eu, e a gente ficou ali naquelas salas, ali no fundo. Foi um pouco isso, também; algum desejo de aproximar mais essas duas unidades. E ainda tinha Niterói, né? Nossa, a gente falou de… A gente nem falou de Niterói.
P/2 – Não. Como foi isso, a abertura de Niterói? Lá, também, era um outro tipo, diferente do desenho aqui da Vila Albertina.
R – É. Niterói eu participei também. Eu e o Marcelo que desenhamos, também, junto com o Wilson que estava… Que depois foi chamado pra participar, mas o Wilson foi chamado desde o começo.
A gente fez várias discussões de como é que ia ser o projeto, com o Wilson já como coordenador; diferente de quando a Célia entrou, que já estava mais desenhado. Tinha um monte de coisa que era muito diferente; Era num bairro de classe média, numa casa doada pelo Leonardo, e tudo isso a gente foi ajustando, trazendo um pouco da experiência da Vila Albertina, mas o projeto de lá ficou com muito mais cara de esportes, né? Tinha uma piscina, um campo de futebol, que era da casa do Leonardo. Era um campo de futebol lindo, grama linda, tudo lindo. Só [se] adaptou a casa pra fazer as salas das outras áreas. Mas tinha...
P/2 – Nossa, levar a molecada pra um lugar que tem campo de futebol, se não tiver esporte...
R – Pois é. Mas foi bem bacana, agora tinha essa coisa...
P/2 – O projeto pedagógico era adaptado, era o mesmo?
R – É, era adaptado, com mais ênfase no esporte, mas era muito parecido também com os princípios e… Também tinha isso: não era dentro da comunidade, então tinha todo um… A gente teve que pensar toda uma forma de como trazer, então trazia mais os jovens, mesmo, e não as famílias. Até as famílias irem lá, era muito mais difícil, diferente de estar lá na Vila Albertina e aquela família pressionando: “Quero entrar. Abre essa porta também.” E lá em Niterói, não, né? Era… Pegava a criança e devolvia a criança à tarde, então as famílias não tinham muita ideia.
P/2 – Mas como é que foi pra divulgar? Na Vila Albertina,quando se implantou, era fácil divulgar: você está lá, sai à porta, a comunidade vem e se inscreve. Mas e Niterói? Como se fez pra trazer esse povo, pra eles saberem do negócio?
R – Em Niterói se fez um estudo e acho que…. Também a gente usou muito estatística, onde estava o pessoal mais carente. E dali, da redondeza, dentro de um raio de, sei lá, dez, quinze quilômetros. Então era o Morro do Rato Molhado, morro… Aí tinha uns nomes… Enfim, eram os lugares mais difíceis. Aí, sim, então: “Vamos pegar gente do Morro do Rato, Morro ‘nãnãnã’” e então começamos um trabalho de divulgação lá, de contato com as escolas, de contato com as ONGs que tinha lá, pra então divulgar. Mas é isso, foi uma coisa de ir nos lugares, divulgar e ver quem queria ir, quem… Meio que puxando mesmo. E aí tinha que oferecer transporte, mil atrativos, né? Não era… É isso, não tinha aquela população querendo participar. Na época da reforma, não tinha ninguém olhando lá, ninguém querendo que começasse logo. Então é um outro trabalho.
Tinha uma desconfiança da população ali, dos vizinhos que moravam ali, que eram os vizinhos do Leonardo. Tinha também… A gente sentiu também uma resistência de... “Quem é que vem pra cá? Que meninos são esses?” “Do morro x, morro tal”, então também foi feita uma reunião com os vizinhos, apresentando o projeto, quem vinha, o que acontecia, o que ia ser proposto, como é que isso ia ser acompanhado. Enfim, foi bem. Mas o Wilson era muito cuidadoso, muito observador e também tinha uma proposta bastante interessante. Ele não tinha uma experiência grande com comunidades, ele era professor de Educação Física de uma escola do Rio de Janeiro, mas um cara muito interessante, muito firme, muito… Ideias bem bacanas. Eu acho que foi ótima a implantação lá, acho que foi até mais tranquila que aqui na Vila Albertina. Foi mais cuidada...
P/2 – Esse pessoal do Rio, que nem o Wilson, por exemplo, eles foram selecionados nesse processo mesmo? Como vocês acharam?
R – O Wilson era conhecido. O Wilson era amigo do Marcelo, do Marcelo Jabu e fizeram vários cursos juntos. Eles todos, enfim, participaram de muitas… O Marcelo dava aula na Escola da Vila e o Wilson veio de vários cursos aqui. Eles se conheceram nessas formações, ficaram muito amigos e fizeram várias coisas juntos. O Marcelo que indicou o Wilson. Depois, a gente fez a seleção para as outras áreas: professores de Educação Física, professor de Dança, tinha também de Leitura e Escrita… Tinha, enfim, quase todas as áreas que tinha aqui na Vila Albertina, mas mais articulado com a coisa de esporte.
P/2 – E você lembra da inauguração lá? Teve uma inauguração, tipo essa da Vila Albertina?
R – Teve! Teve uma inauguração superbonita, aberta. Lembro que foi o Lars Grael - acho que ele é de lá, Lars Grael -, aquela triatleta, como é que ela chama? De lá de Niterói, também? Esqueci...
P/2 – E o pessoal em volta, do entorno, foi também?
R – Foi.
P/2 – Então quebrou um pouco aquela resistência?
R – É. Na inauguração já tinha… As famílias já sabiam que os filhos iam pra lá, já tinha uma aproximação. Já tinham feito reuniões de pais, já foi… Enfim, os vizinhos também participaram, então acho que foi tranquilo.
P/2 – O fechamento você não pegou, você pegou a abertura, né? Você já tinha saído?
R – É.
P/2 – Os nomes dos projetos. Porque lá é Dois Toques? Esses nomes, como é que eles pintavam? Você lembra dessas circunstâncias, de discutir nomes dos projetos, programas, você lembra disso? Queira ou não, acaba sendo associado um pouco a esporte, os nomes dos programas...
R – Virando o Jogo foi interessante, porque a gente não sabia como dava o nome. “Como é que vai ser?” A Sílvia, do Avisa Lá, tem um filho que era jornalista esportivo, ele escreve muito, é criativo. Ela comentou com ele o que era o programa e ele falou: “Por que não fica Virando o Jogo? Virando o Jogo é isso.” Aí ela trouxe isso pra gente: “Por que não Virando o Jogo?” E aí, enfim, ficou Virando o Jogo. A Cara da Vila, eu acho que fui eu que dei, quando eu escrevi o projeto, a gente lá, junto; o Dois Toques foi o Marcelo e o Wilson, porque eu não… É uma jogada, não é? Uma jogada do futebol?
P/2 – Você que entende de futebol. É Dois Toques pra fazer o gol, é isso?
P/1 – ...
P/2 – Eu imagino que sim.
R – Enfim, foram os dois que tiraram esse nome.
P/2 – Acho muito legais esses nomes. São nomes que você sente um entusiasmo...
R – É, Virando o Jogo eu acho que foi muito feliz.
P/2 – A Cara da Vila também é bárbaro.
R – Cara da Vila também, é.
P/2 – Cara da Vila tem uma cara de jovem, mesmo, trabalhando, e mostra a Vila… Isso é uma coisa legal. Aliás, Gol de Letra… Já começa pela Gol de Letra, também...
R – Gol de Letra foram eles que escolheram.
(pausa)
P/2 – Ah, legal. (risos) Eu lembro que...
R – ...que foi uma jogada também...
P/2 – É uma jogada?
R – É uma jogada do futebol, né?
P/1 – O Raí fez um gol de letra uma vez...
R – É… Gol de Letra, porque... Voltando um pouco: maio de 98, o Raí voltou e eu entrei pra ajudar o projeto. Depois que o projeto ficou pronto, lá pra agosto, mais ou menos, eu dei uma afastada porque acabou o meu trabalho, que era só esse de desenhar o projeto, de acompanhar. Aí então veio esse nome, eu acho que Gol de Letra, veio a construção do logo. Eu não estava mais tão envolvida.
Também alugaram esse espaço da Monte Alegre. Depois que acho que a Kellogg procurou e a gente começou então a desenvolver o projeto. Eles me chamaram de novo pra escrever o projeto dos jovens. E aí, enfim, aprovado, eles me chamaram pra ficar. Mas teve um momento em que eu saí e que eles tocaram sozinhos, acompanhando o fim da obra. A obra também quem fez foi um arquiteto daquela FDE, da Fundação de Desenvolvimento da Educação, que é uma… A FDE tem esse grupo de arquitetos que reforma escolas. Ele que fez o projeto também, a Tina foi atrás e acompanhou. Foi bem legal.
P/2 – Você aparece numas fotos, ali, da reforma...
R – Da obra, né?
P/2 – É da obra.
R – É… Depois, aí, teve o lançamento mesmo da fundação em dez de agosto.
P/2 – Esse é o lançamento da Instituição?
R – É...
P/2 – Isso. Ah, tá em 1999?
R – Não. Dez de dezembro de 1998.
P/2 – Dez de dezembro de 1998 é a instituição? No papel?
R – É.
P/2 – A inauguração?
R – Em agosto...
P/2 – Agosto de 1999...
R – ...Agosto de 1999, do Virando o Jogo, né?
P/2 – Isso, perfeito. Sônia, eu sei que eu vou ser repetitiva num ponto, você estava até comentando, já: quando você saiu da Gol, olhando pra trás agora, essa trajetória que você teve. O que você diria que pra você foi importante, marcante? Teve alguma situação que foi importante você ter guardado, que você quer deixar registrada? Foram dois anos intensos, né? Três, quase...
R – Não sei. Acho que eu gosto muito de começar uma coisa. Desde a minha escola – eu trabalhava naquela escola na [Rua] Lourenço Castanho e tinha umas coisas lá que me intrigavam. Era na época ainda que se fazia muita coordenação motora, exercício de coordenação motora pra criança. Achavam que fazendo exercícios de coordenação motora, as crianças iam aprender a ler e a escrever. E acho que não é por aí, né? (risos) É isso que eu falei: “Ah, então tá. Quando eu tiver a minha escola eu vou fazer assim e assado.” Eu gosto de experimentar, de fazer as coisas, implantar; depois que as coisas começam a tomar um rumo mais calmo, mais adaptado, já me… Eu já quero outra coisa.
A experiência da Gol de Letra foi isso, né, de implantar um projeto. Foi muito forte essa coisa de trabalhar com eles assim, bem do fundo. Acho que eu tinha até um… Quando eu comecei, tinha até um certo preconceito: “Imagina, esses caras não vão fazer nada”, né? (risos) Enfim, aquele preconceito mesmo, de jogador de futebol. Eu sabia que tinha um nível bom, mas [era] gente que não entende nada de educação, entende nada de projeto social e “vamos ver o que vai ser, né?” (risos)
Eu me encantei com a sensibilidade, com a vontade, com a clareza mesmo do que… Por mais… Não entendem nada de educação, não entendem nada de projeto social, mas tinha um projeto de sociedade, um projeto de homens mesmo, de: “Pô, quero dar o melhor.” Isso foi muito bom, ter encontrado esse lado tão forte, tão humano, tão grande deles. Isso aproximou muito a gente e eu gostei muito de participar dessa evolução. Enfim, nem sei se é evolução, se era assim e eu que fui conhecendo, então isso foi muito forte enquanto experiência de vida. De relação com o outro pra mim.
Aqui também, eu vim pra cá [para o Museu da Pessoa] e também era pra implantar o instituto. Foi muito difícil sair dessa área de educação e usar essa linguagem de história. O que é isso, a história das pessoas? Eu aprendi história na escola, o que é história. “A história a partir da história das pessoas?” Achava assim uma coisa… Quando eu vi: “Isso melhora a autoestima das pessoas”, eu ficava pensando: “Nossa, mas tudo isso só pra melhorar a autoestima? Qual é o projeto, mesmo, social, de intervenção social?” Foi difícil eu entender aqui e foi muito sofrido ter saído dessa experiência de lá e entrado aqui. Pra mim, eu perdi.
Nesse primeiro momento de vida aqui no museu, foi assim: “Nossa, eu perdi, em termos de projeto de social, de intervenção, de pensar um projeto social. Pensar só na autoestima das pessoas?” Depois, entendendo melhor o efeito que dava, da experiência que dava, com o que eu tive com a formação dos professores, ver o efeito na escola, isso de novo foi abrindo: “Nossa, é possível você transformar mesmo essa coisa de ser… De trazer a pessoa comum pra um outro lugar.”
Acho que o que a gente faz é possível, mesmo, acontece isso. Aí dá um outro lado, enfim, a sociedade se relaciona com o outro de uma outra forma, mais interessante, mais autêntica. Eu acho que participar disso também me deixa uma pessoa melhor. Então, isso é muito… Tô muito feliz assim.
Eu já passei dessa fase de implantação aqui. Antes eu passava pelos lugares, ficava três anos, quatro anos… Aqui eu já estou [há] quase seis e ainda acho que tem muita coisa pra fazer. Muita coisa pra fazer, muita coisa pra aprender… Mas com certeza, passando pela fundação, por aqui, me sinto mesmo uma pessoa melhor. E isso é forte.
P/2 – E você é muito querida lá na fundação. Você deve saber disso, né? Todo mundo que passa aqui, com todo mundo que a gente conversa… Você é muito querida lá, você deixou uma semente, mesmo.
O que você está achando dessa ideia do projeto de estar resgatando a história da Gol de Letra?
R – Nossa, pra mim foi muito bom! Há dois anos, quase, que eu estava no Raí: “Raí, vamos fazer! Raí, vamos fazer!”, e a coisa não andava. Ele trouxe o Sóstenes, meio desconfiado. Lembro que no ano passado, mais ou menos nessa época, finalmente conseguimos sentar. Raí trouxe o Sóstenes, trouxe o Cezinha... “Sônia acha que seria legal a gente fazer o projeto de comemoração dos dez anos.” O Sóstenes superdesconfiado: “Pensei em dar pra alguém… Pra um escritor, pra um jornalista famoso escrever.” [Pensei:] “Meu Deus do céu, a coisa vai ser difícil aqui.”
O Cezinha… O Cezinha é o que bancou porque… Acho que ele fez História também, e [disse]: “Legal ouvir as pessoas.” “Então tá, a gente ouve as pessoas, mas vai ter um escritor que vai escrever e...” Enfim, foi difícil.
Demorou pra retornar, falei: “Ai, caramba. Não vai...”. Quando eu vi aquela, participei, enfim, a Linha do Tempo… Nossa! Tá acontecendo! Foi muito bom, as duas organizações do meu coração, juntas. E eu pude contribuir pra essa aproximação. Foi legal, acho que é uma história mesmo que tem que ser registrada e registrada pelo Museu da Pessoa, que...
P/2 – E o que você acha de ter sentado aí? Porque você sempre está do lado de cá e agora você aí desse lado...
R – Ai, não é fácil, não. (risos) Foi engraçado, ainda mais com vocês, o Adilson lá. (risos) Mas deu pra sentir um pouco. A Simone, que foi já entrevistada, ela sempre lembra disso: o que é estar aqui e você ter alguém te ouvindo, com cara de interessado, te acompanhando, o que é muito bom. E foi mesmo, foi bom, foi gostoso.
P/2 – E foi temática.
R – Ainda foi temática, né? Mas é engraçado, às vezes estava falando e lembrava de coisas da minha vida. Não fora desse tema, mas pra manter o pensamento. Mas vem, é interessante como move, como toca a memória, mesmo.
P/2 – E como a gente ajuda a registrar mesmo a história, né?
R – Ajuda mesmo a construir a narrativa, porque se estivesse solta, ia misturar um monte de coisa. Um outro dia a gente tem que fazer [história] de vida. (risos)
P/2 – Ah, e agora você já pode? (risos) Então, tá bom!
R – É, mas não sei. Pra esse projeto não, mas quem sabe...
P/2 – Quem sabe um Ponto de Cultura. Tá bom. Obrigada pelo depoimento.
R – Obrigado a vocês por me ajudar.
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