Eu nasci num dia 27 de dezembro. Pois é, sou capricorniano; signo de Jesus! Mas meu pai (seu Francisco - negão bonito, que gostava de um gole) me registrou dezesseis dias depois, em 12 de janeiro (ainda capricórnio). Nasci no começo de uma manhãzinha, em Mesquita/RJ; que àquela época ainda er...Continuar leitura
Eu nasci num dia 27 de dezembro. Pois é, sou capricorniano; signo de Jesus! Mas meu pai (seu Francisco - negão bonito, que gostava de um gole) me registrou dezesseis dias depois, em 12 de janeiro (ainda capricórnio). Nasci no começo de uma manhãzinha, em Mesquita/RJ; que àquela época ainda era distrito do município de Nova Iguaçu. Não cheguei a registrar sequer as feições dos meus avós, embora tenha convivido com eles (ainda criança de colo). Mas sei que, pelo lado paterno, minha avó foi filha de escravos (e ainda pegou um pedaço do trabalho escravo), em Muquí/ES. Meu avô paterno, segundo meu pai, era um servente de pedreiro malandreado, cheio de "rolos", sem ter onde botar mulheres e filhos (irmãos que meu pai sequer conheceu); cavaquinista vigoroso, boêmio, que sumia pelas "obras" onde ia trabalhar nas terras capixabas - naquela época do trem "Maria Fumaça". Pelo lado materno, minha avó era neta direta de índios brasileiros; tinha os traços, os vincos no rosto, os cabelos lisos no meio das costas. Mamãe contava que ela dançava (depois de uns goles) sozinha dentro de casa, cantando pontos e toques indígenas. Já meu avô paterno, segundo mamãe, era um negro centrado, não bebia nem fumava (igual à minha mãe, talvez os únicos da família). Meu pai, capixaba, de Muqui/ES, veio meio que fugido pro RJ. Aqui, se infurnou no morro do Estácio, trabalhou também como servente de pedreiro, como arrumador de sacos num trapiche da rua da Conceição, depois na antiga fábrica da Brahma da rua Marquês de Sapucaí (onde hoje é o Sambódromo); aprendeu clarinete mas não teve como construir carreira de músico. Ficou com a boemia. Mamãe, era mineira, da zona da mata. Trazida menina para o RJ, aqui levou vida de interiorana. Num passeio na Quinta da Boa Vista, meus pais se conheceram, namoraram e (numa distração dos meus avós) me fizeram. E aracaram com uma vida de extrema dificuldade. A partir de mim, a dureza de criarem três filhos (às vezes, tínhamos que ficar sozinhos em casa).
Cresci em Rocha Sobrinho (Mesquita/Nova Iguaçu). Morei e fui à primeira explicadora em Nilópolis (um tanto tarde). Mais tarde, voltamos pra Mesquita. Da escola particular, fui para a escola pública. Tinha, mais que o estudo, o sonho de ser jogador de futebol. Na verdade, me casei com a bola. E, de tanto correr pela várzea, pela macega, e viver uma infância repleta de felicidade simples, acabei virando mesmo jogador de futebol. Joguei no infanto do Vasco; saí, voltei; passei por tudo que era peneira (Fluminense, Flamengo, Bangu, Madureira, etc.); me tornei profissional e fui parar no Maranhão - em testes no Moto Clube. Bastaram três meses de penúria, pra eu voltar pra simplicidade da minha casa, em Mesquita, ao lado da minha família. Passar fome, que fosse na minha casa!
Vejam, eu estava começando apenas a passar dos vinte anos. Resolvi seguir os conselhos do meu pai: estudar. Venero futebol, mas sei que futebol é curto e incerto; e que churrasco com amigos, cerveja, samba e mulher não vão acabar nunca. Terminando o segundo grau, uma amiga da minha mãe a alertou para um concurso nos Correios. Fiz, passei e tornei a ECT o chão da minha sobrevivência. Sinto honra, orgulho e toda gratidão da minha vida pelo que esta Empresa me proporcionou. Tudo o que, de concreto, eu consegui construir, tem o suporte e o alicerce dos Carreios - onde eu entrei, estudei e galguei - por força de vontade e MÉRITO - posições na grade hierárquica da Empresa.
Por ser filho e neto de músicos (minha mãe e minha falecida irmã também cantavam lindamente), aprendi violão. Sempre fui encantado com a poesia, a literatura, e sempre tive o comichão de escrever. Adorava o teatro mas, jovem de periferia da baixada fluminense, tive pouca chance e visão. Mesmo assim, o teatro me chamava o tempo todo e eu não percebia. Escrevia(sobre tudo) e compunha em todos os espaços e momentos da minha juventude estudantil e esportiva. Fiz Pedagogia (lecionei por dez anos - inclusive Inglês), fiz Direito (advoguei por dois anos) e fiz Administração de Empresas até o quarto período. Troque Administração de Empresas pela Pós Graduação em Marketing (Gama Filho/RJ). Compunha coma avidez jovem que me aflorava. Participei de festivais estudantis e profissionais, toquei em barzinhos, em boate (onde a gente toca e canta pros outros literalmente "comerem"). Enquanto isso, continuava apaixonado por futebol e disputando o campeonato profissional do campeonato de acesso do interior - terceira divisão - pelo Mesquita Futebol Clube/RJ. No meio disso, casei, nasceram meus filhos (o que de melhor eu fiz na vida), descasei, me apaixonei, me machuquei, deprimi, virei mochileiro e saí viajando Brasil a fora. Faltava algo.
Já não tão jovem, quase que na marra, o teatro entrou na minha vida porta a dentro. Estudei artes cênicas e descobri o tempo que havia perdido. Estava ali a outra parte do amor que me martirizava a ausência no coração, a falta de vida que eu sentia: o teatro. Comecei a escrever, interpretar, a ler mais - e não parei mais. A tal ponto, que a música (que vinha logo após o futebol, passou pra segundo lugar). Viva o teatro, meu Deus! Ele me salvou a vida! Jamais vou deixar de agradecer os mestres que me ajudaram (Mara, Vick Militelo, etc.), os amigos com quem dividi e divido palcos, trilhas musicais, textos, marcas cênicas, o espaço do teatro, os grupos. Sempre será doce lembrar do "Capitães da Areia", "A Cantora Careca", "Boca de Ouro", "Dos Males, o pior / A Fábula das Fábulas... (meus). Muito obrigado, teatro!
Quero deixar aos meus filhos, aos meus netos (e mais, se vierem), sobretudo, a minha fé, a minha teimosia e a minha infindável necessidade de descobrir - meu melhor prazer está sempre por vir. Assim como minha mãe, eu nunca deixei de acreditar que o impossível está na gente e não no que se deseja conquistar. Se mamãe dissesse que iria empurrar a estátua do Cristo Redentor para o lado, creiam, ela o faria. Mesmo que o mundo todo a tachasse de débil mental absoluta. Não sei se herdei isso dela. Afinal, sou outra pessoa. Aliás, sou um cara que não crê em destino. O destino sou eu, o que eu fizer, construir, merecer, conquistar. O contrário (a crença popular no "destino") é o acaso. E alguém do mesmo signo de Jesus (Êta cara teimoso!), como eu, não pode crer em bola perdida. Não tenho nada, além de Deus no coração. Mas é este o legado que deixo aos meus entes. E é por aí que desejo ser lembrado por eles. Como disse o meu filho (Júnior): pela superação, brou!Recolher