Ponto de Cultura - Museu Aberto
Depoimento de Antônio Carlos Grimaldi
Entrevistado por Nádia Lopes e Adilson Lima
São Paulo 10/11/2009
Realização Museu da Pessoa
Depoimento PC_MA_HV204
Transcrito por Arianna Sassaroli
Revisão: Rosali Henriques
P – Beleza... Bom, Sr. Antônio, primeiramente obrigada, por ter comparecido para dar o depoimento para a gente aqui no museu. Para começar, eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Bom, meu nome é Antônio Carlos Grimaldi, eu nasci em 10 de julho de 1936, numa pequena cidade do Estado de São Paulo chamada Santo Antônio de Posse. E Santo Antônio de Posse é uma daquelas cidadezinhas que na época que eu nasci, ela era típica pequena cidade quase italiana.
P – Beleza, a gente vai voltar na cidade, tá?
R – Ah, tá...
P – A gente vai voltar, porque eu preciso agora de alguma coisa a mais também para complementar a identificação: o nome dos seus pais.
R – O meu pai chamava-se Antônio Grimaldi, a minha mãe Aurora Menuzzo Grimaldi.
P – E a origem deles é daqui mesmo?
R – Não, eles são filhos de italianos, o papai nasceu no município de Amparo e a minha mãe nasceu em Santo Antônio de Posse também.
P – E você sabe a história de seus avós?
R – Sei, mais ou menos.
P – Ah, o que o senhor souber.
R – Pode passar?
P – Claro!
R – Meus avós paternos foram Geraldo Grimaldi e Pierina Bizzoli Grimaldi. A Pierina nasceu aqui no Estado de São Paulo mesmo. o Geraldo Grimaldi veio com o seu pai, Francesco Grimaldi, e mais dois irmãos, Cesira e Alfredo, vieram da Itália no final do século XIX e vieram sempre para construir a América, como era dito na Itália. E eles foram direto para Amparo e o primeiro trabalho deles foi trabalhar com a lavoura de café, carpir café, colher café. Mas logo, passado algum tempo, eles que não eram deste setor: meu avô, o pai dele, meu bisavô, meu avô e seus irmãos, meus tios, eles montaram...
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Depoimento de Antônio Carlos Grimaldi
Entrevistado por Nádia Lopes e Adilson Lima
São Paulo 10/11/2009
Realização Museu da Pessoa
Depoimento PC_MA_HV204
Transcrito por Arianna Sassaroli
Revisão: Rosali Henriques
P – Beleza... Bom, Sr. Antônio, primeiramente obrigada, por ter comparecido para dar o depoimento para a gente aqui no museu. Para começar, eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Bom, meu nome é Antônio Carlos Grimaldi, eu nasci em 10 de julho de 1936, numa pequena cidade do Estado de São Paulo chamada Santo Antônio de Posse. E Santo Antônio de Posse é uma daquelas cidadezinhas que na época que eu nasci, ela era típica pequena cidade quase italiana.
P – Beleza, a gente vai voltar na cidade, tá?
R – Ah, tá...
P – A gente vai voltar, porque eu preciso agora de alguma coisa a mais também para complementar a identificação: o nome dos seus pais.
R – O meu pai chamava-se Antônio Grimaldi, a minha mãe Aurora Menuzzo Grimaldi.
P – E a origem deles é daqui mesmo?
R – Não, eles são filhos de italianos, o papai nasceu no município de Amparo e a minha mãe nasceu em Santo Antônio de Posse também.
P – E você sabe a história de seus avós?
R – Sei, mais ou menos.
P – Ah, o que o senhor souber.
R – Pode passar?
P – Claro!
R – Meus avós paternos foram Geraldo Grimaldi e Pierina Bizzoli Grimaldi. A Pierina nasceu aqui no Estado de São Paulo mesmo. o Geraldo Grimaldi veio com o seu pai, Francesco Grimaldi, e mais dois irmãos, Cesira e Alfredo, vieram da Itália no final do século XIX e vieram sempre para construir a América, como era dito na Itália. E eles foram direto para Amparo e o primeiro trabalho deles foi trabalhar com a lavoura de café, carpir café, colher café. Mas logo, passado algum tempo, eles que não eram deste setor: meu avô, o pai dele, meu bisavô, meu avô e seus irmãos, meus tios, eles montaram uma pequena oficina, o que chamava na época uma ferraria. Era uma oficina mecânica, ferrava-se cavalos, daí a ferraria; fazia-se vários utensílios, é, carroça, carrocinha, todo meio de transporte da região... charrete, essas coisas. Os meus avós maternos eram da região de Treviso, eram de Treviso, Vêneto, na Itália, ah, Pedro Menuzzo e Estela Schincariol Menuzzo. Eles também vieram mais ou menos na mesma época dos meus avós paternos, no final do século XIX. E foram direto também era para esta minha cidadezinha, Santo Antônio de Posse, casaram-se por lá, tiveram atividade de comércio; eu não sei bem como eles trabalharam no começo, mas certamente foi como todo imigrante italiano que chegava, devia ter ido para a roça, tal. Mas o fato é que tanto do lado paterno como do lado materno, não ficaram ligados à atividades agrícolas, nem pastoris e sim os meus avós paternos, a indústria ainda que rudimentar para prestação de serviços e os meus avós maternos: o comércio, armazém, posto de gasolina, essa coisa toda.
P – Mas, um, tinha uma parte que estava em Amparo e a outra em Santo Antônio de Posse.
R – Vieram todos os avós paternos, vieram todos, ficaram pouco tempo em Amparo e se instalaram, instalaram a primeira oficina no bairro do Pantaleão, que ainda hoje existe este bairro, no município de Amparo; meu pai nasceu lá, e depois vieram para Santo Antônio de Posse. Em conclusão, os dois lados dos dois avós praticamente se desenvolveram em Santo Antônio de Posse e de lá nunca mais saíram.
P – E você sabe alguma história de como é que seus pais se conheceram?
R – Olha, a cidade era tão pequena, e a minha mãe e meu pai eram tão bonitos que eu acho que foi mais ou menos um encontro saudável. Não tinha assim tanta escolha, provavelmente minha mãe sempre foi uma pessoa muito bonita, muito amorosa, e o papai também e assim eles... eu acho que foi assim que eles se conheceram, eu não tenho bem certeza como foi. Mas, eles viveram 61 anos juntos e morreram... morreu primeiro o papai e minha mãe 71 dias depois, com as mesmas características do problema que meu pai faleceu, com que meu pai faleceu com 72 dias antes, ou seja, morreu de amor.
P – Ai que lindo...
R – É.
P – Quantos irmãos o senhor tem?
R – Eu tenho uma irmã só, Ana Estela Grimaldi Semeghini.
P – Ela é mais nova, mais velha?
R – Ela é mais nova. Ela é nascida em 1940.
P – E ela vive...
R – ... 15 de novembro de 1940.
P – E ela vive lá em Santo Antônio...
R – Ela vive lá, ela é casada com o Silvio Semeghini Filho, tem duas filhas: Ana Helena e Silvia Helena; ambas têm um filho cada, e moram lá em Santo Antônio de Posse.
P – Agora falando um pouco, então, da cidade do senhor. O que o senhor lembra assim da sua infância, desta cidade, como que era esta cidade?
R – Olha, eu me lembro muito bem da minha cidade por umas características interessantíssimas que me marcaram para o resto da vida. Primeiro, era uma cidade pequena, muito pequena; na verdade não era cidade, era um dos distritos do município de Mogi Mirim. Os outros distritos eram: Jaguariúna, Artur Nogueira, Conchal. Em mil novecentos, acho que 53, todos eles se emanciparam, esses distritos se tornaram municípios. Naquela altura, o meu era o mais... meu município, que se chamava Posse de Ressaca. E por que Posse de Ressaca? Porque foi construída a estrada de ferro mogiana, que saía de Campinas e ia em direção à Ribeirão Preto, hoje vai até Brasília, e ela passava num ponto que se chamava Ressaca. Ressaca era o nome da fazenda, que até hoje existente, do ex-presidente do Estado Jorge Tibiriçá. Então, parou na Fazenda Ressaca e se chamava Ressaca, formou-se ao redor da fazenda, da estrada de ferro, um pequeno povoado. Três quilômetros adiante, já tinha outro povoado que era Posse, e ali onde tinha a igreja e como eu aprendi com um professor da faculdade de Direito, normalmente as antigas, pelo menos, cidades do Brasil, nasciam em torno de uma igreja, então lá formou-se o povoado principal. Quando este distrito se separou de Mogi Mirim e emancipou-se, tornou-se um município autônomo, ele passou a se chamar Santo Antônio de Posse. Como distrito era Posse de Ressaca, para pegar os dois núcleos, e depois Santo Antônio de Posse, abrangendo os dois núcleos que ainda hoje estão separados por alguns poucos quilômetros e várias casas ao meio. Ela era uma cidade praticamente de uma rua, principal grande, que hoje a extensão ia até o município de Amparo, de um lado e do outro levava a estrada que demanda Campinas. Mais umas poucas ruas transversais, mais uma outra paralela desta rua principal, que chama-se Jorge Tibiriçá, e o jardim, jardim chamado de Praça Central onde estava a igreja. E, curiosamente, ao contrário do que o meu professor falava, mas de certa forma também afirmando aquilo, a cidade nasceu da igreja, mas o centro não ficou na Praça Central de onde tem a igreja. Ele concentrou-se mais num quarteirão, quarteirão central desta Rua Doutor Jorge Tibiriçá, ali estavam armazéns, lojas, açougues, padaria, enfim, toda aquela infra-estrutura de serviços. E as pessoas eram conhecidas. Como eu era muito pequeno, sabia, eu, em um certo tempo, eu sabia o nome de cada família que morava em cada uma das casas, uma a outra, do começo ao fim da rua, e também nas transversais, e também na praça, porque nesta pequena cidade eu estudei, fiz o curso primário e tal. Mas assim...
P – Então tinha uma escola só, como que era?
R – Uma escola só, só tinha uma escola primária. Havia algumas escolas isoladas que davam aula, ãhm, que tinham aulas as crianças do primeiro ao terceiro ano, mas o quarto ano tinha que fazer na cidade. A cidade era muito curiosa, tinha uma iluminação muuuuito fraquinha, a gente dizia que para olhar o relógio que horas eram no relógio, embaixo do poste precisava acender o fósforo. E ela tinha seus rituais. A luz da iluminação pública, neste quarteirão que eu digo, quarteirão central, tinha um senhor chamado Sr. Tite Lucon...
P – Como que é o nome?
R – Tite. Na verdade se chama New York Lucon, também filho de vênetos. Ele, à tardezinha, ele pagava um bastão e ia no poste e fazia a ligação para acender as luzes. De manhã ele acordava, quando clareava o dia, e puxava com o mesmo bastão para desligar as luzes da iluminação pública. Evidentemente ele não era funcionário público, mas fazia isso, porque parece que alguém tinha que fazer. Então as pessoas eram amigas, eram muito conhecidas e eram conhecidas também pelo seu nome e sobrenome e profissão. Então, o fulano barbeiro, o sujeito açougueiro, o outro da padaria, e era assim.
P – E o seu pai, o que ele fazia nessa cidade?
R – O papai? Trabalhavam na casa do meu avô paterno, era um sistema patriarcal. Então meu avô morava numa casa que ao meu ver, naquela ocasião parecia muito grande, e tinha um terreno grande, e tinha uma oficina de marcenaria, e uma máquina de beneficiar arroz. O meu avô e os filhos dele, dois dos filhos, Fausto e Geraldo, eles trabalhavam na parte da ferraria, na parte de construir charretes, carrocinha e essa coisa toda. E o meu pai tomava conta da máquina de beneficiar arroz, comprava e vendia arroz, milho, moía o milho, e depois ajudava os seus irmãos e meu avô, na parte de marcenaria, que os carrinhos, os carros de boi e as charretes eram feitas integralmente lá. As rodas, os cubos das rodas, os braços do carro, os assentos, tudo feito e de uma forma primitiva, era tudo esquentado o ferro na fornalha e batido a martelo para ter a forma que eles pretendiam. Por exemplo, fazer o contorno de uma roda de uma dessas carroças.
P – Então era o ferreiro?
R – Era o ferreiro.
P – Então o seu pai era ferreiro?
R – Era mais do comércio e também ferreiro....
P –... E ferreiro?
P –... E...
R – Marceneiro, mais que ferreiros eram os tios. E o tio mais velho foi o único da família que fez faculdade, que estudou, que continuou os estudos. Todos os filhos do meu avô paterno fizeram apenas o curso primário, naquela ocasião. Tô usando a terminologia da época; hoje eu não sei mais como chama isso. Mas, eles. apenas o curso primário. Um dos tios, ele foi estudar, ele estudou em Campinas, estudou no Colégio Salesiano, não, no Liceu Diocesano, em Campinas, depois tornou-se professor, viveu a vida toda dele como professor, era uma pessoa que falava muitas línguas, um poliglota, estudiosíssimo e depois já de casado fez também a Faculdade de Direito de São Francisco, formou-se com a turma do quarto centenário, 1954, mas já casado.
P – E sua mãe, ela fazia o que?
R – A mamãe, ela trabalhava em casa, fazia as coisas do lar e também bordava, fazia tricô, crochê, essa coisa toda assim e fazia inclusive por encomenda para pessoas, costurava, mas estava sempre muito ocupada também com a casa, sempre foi do lar. Quando meu pai resolveu, em uma certa fase da vida, acho que aos 40 anos de idade, montar um armazém, neste quarteirão central, aí os dois ficaram tomando conta do armazém, e trabalharam assim até fechar o armazém alguns anos uns 15 anos antes de morrerem.
P – Tinha um nome o armazém?
R – Armazém Santo Antônio.
P – O que o senhor lembra desse armazém, como que era o espaço do armazém, o que é que tinha?
R – O espaço, é, era curioso, ele tinha aqueles balcões centrais, as prateleiras laterais, as prateleiras no fundo e as pilhas, porque naquela altura, eles forneciam aos comerciantes, aos fazendeiros, aos sitiantes, por safra. Então os fregueses vinham comprar geralmente aos sábados e eles compravam para o mês todo. Marcava-se na caderneta e depois pagavam com a safra, safra do algodão e do café, especialmente naquela região. E era muito curioso, porque quando eles montaram o armazém, havia já outros armazéns na cidade, não muitos, mas poucos, eles chamavam de a lojinha nova, a vendinha nova. Porque era pequena, depois é que ela expandiu um pouco mais; era pequena, mas ela tinha as novidades, que a mamãe sempre foi uma perita cozinheira, doceira, tudo isso, e ela introduzia coisas que eram desconhecidas, por exemplo, a lentilha. A lentilha, não se tinha na região, então, trouxe a lentilha! Bolachas Duchen, então tinha bolachas Duchen! No fim vendiam um caminhão de bolacha Duchen por mês neste armazém. E muitos costumes novos foram introduzidos. Como o armazém era na frente da casa, onde nós morávamos, a mamãe cuidava da cozinha, cuidava da casa e do armazém, e como ela cozinhava muito bem, a comida era muito cheirosa e as pessoas chegavam e o apelido dela era Lola. “Lola, o que você está fazendo hoje que tá tão cheiroso?”. Evidentemente ela contava o que era, e o freguês ia lá dentro de casa e experimentava um pedacinho, pedia a receita e mais uma coisa nova que ela ensinava para a mulherada do lado. Isso foi durante muitos e muitos anos.
P – E onde que vocês buscavam estas mercadorias, como era?
R – Campinas no começo tudo em Campinas. Fazia as compras. O papai tinha uma caminhonete, ia a Campinas uma vez por semana e era o grande centro atacadista Campinas. Então ia lá nos armazéns atacadistas comprava e trazia. Alguns poucos passavam, havia um carro que vendia mortadela e frios de Mogi Mirim e passava uma vez por semana. Havia outro, bem mais tarde, quando começou este sabão Ypê, que hoje é muito conhecido em São Paulo; eles começaram em Amparo e iam vender lá uma vez por semana, no armazém do meu pai. E mais uns poucos que faziam a venda direta. Com o passar dos anos, aí vieram os viajantes tomar pedido, os representantes, tomar pedido e vinha sempre.
P – E o senhor criança, no meio disso tudo, como é...
R – 16h57 Como morávamos numa das pontas da cidade, na parte inicial da cidade, eu brincava com meu primo e mais alguns amigos por ali. A brincadeira preferida era o carinho de rolimã que ficava correndo na rua, aquela coisa com carrinho, brincava... gostava muito de andar a cavalo; meu avô tinha uns empregados que eram quase meninos naquela altura. Eram mais velhos do que eu, mas não muito. Então, a gente gostava de andar a cavalo, brincar, toda essa coisa. Gostava muito de ler, lia muito, e sempre a questão de estudar, não é ler, ler, ler, aprender.
P – Desde pequenininho?
R – Desde pequenininho. No final da Guerra Mundial eu tinha um... na Segunda Guerra Mundial, tínhamos em casa um grande mapa-múndi e eu costumava ler O Estadão quando realmente era O Estadão, era enorme o Estado de São Paulo, né? E eu não podia abrí-lo, porque eu era pequeno, então eu colocava O Estado, abria O Estado no chão, ficava de joelhos e olhando a evolução das tropas dos Aliados e dos alemães e acompanhando no mapa, né? Isso me despertou um grande gosto pela Geografia, sempre foi a matéria que mais me agradou (risos), porque eu tinha uma noção, ia formando noção de localização daqueles países, aquela coisa toda.
P – Então, mas o senhor lembra como é que foi a... o senhor tinha muitos amiguinhos?
R – Tinha, mas nem tantos não... nem tantos.
P – Que é cidade pequena...
R – ... Pequena, pequena, é. E era mais dentro do lar, né? Deste grupo familiar.
P – E a escola, mas como que foi a entrada na escola?
R – A escola foi tranqüila, por várias razões: primeiro, porque a escola estava localizada ao lado da casa dos meus avôs maternos, então, era muito interessante, porque a gente conhecia os professores, as famílias dos professores era conhecida, eles nos conheciam pelo nome e pelo apelido.
P – O senhor tinha apelido?
R – Eu tinha! Tininho, e a família até hoje usa Tininho. E... aaah... Então tínhamos aulas, eram muito ligados os alunos, brincadeira na hora do recreio, e a hora do recreio para mim era um privilégio, porque a divisa da escola, do grupo escolar com a casa dos meus avôs maternos era uma cerca; eu ia até a cerca e minha avó materna fazia o lanche e eu tomava o lanche e o leite ali na hora quentinho, eu era um privilegiado. Sempre foi muito bom o... ter sido um aluno bem razoável...
P – ... Era grande a escola?
R – (Suspiro) Não, ela tinha uma classe por..., para o primeiro, para cada ano escolar, que era o primeiro, segundo, terceiro e quarto... Tinha, eu acho que, um período da manhã mais outro tanto á tarde, então, não era tão grande, acho que comportava ao todo oito classes, sendo que o quarto ano só neste grupo escolar que tinha, como disse de início, porque os alunos que estudavam nas escolas isoladas faziam até o terceiro ano.
P – E o senhor lembra o nome da escola?
R – Grupo Escolar Mário (Bianchi ?).
P – E teve assim, alguma professora que foi marcante para o senhor, ou professor?
R – Ah, muito... A primeira professora foi Dona... Dona Maria Milani.... e... marcou muito, porque eu só não passei com cem, porque eu escrevi banco ao invés de branco. Provavelmente o erre não tava tão bem feito, mas ela tirou meio ponto, então foi 95 ou qualquer coisa deste tipo. Depois, no segundo ano, tive uma que chamava-se Dona Zuleica; no terceiro ano foi uma tia minha, uma pessoa maravilhosa, Conceição Godói (Menuso ?) e depois, ãhm... no quarto ano a professora Isaura Coelho.
P –... E as matérias que o senhor mais gost... o senhor falou de Geografia, mas na escola o senhor também já tinha...
R – Não, na escola eu gostava muito de Geografia também... eu aprendi a ler fácil. Praticamente eu aprendi a ler mais com O Estadão do que na escola. A escola sistematizou; ela dava os _______________, mas eu tinha muita vontade de ler, então na verdade o meu exercício era ler O Estadão. E a notícia da época era a guerra, o final da Segunda Guerra Mundial e... então era isso.
P – Nessa época da guerra, o senhor lembra se tinha muita conversa sobre esse assunto, o que o senhor lembra?
R – Tinha. Tinha por uma razão. A minha cidade era praticamente um núcleo de colonização italiana; devia ter umas três famílias de portugueses, umas três de libaneses, umas três de portugueses, brasileiros e o resto todo descendentes de italianos. Então, a Itália fazia parte do Eixo, e eles queriam acompanhar como é que estava a guerra, como andava a guerra, então, eles comentavam isso, tal, mas com muito receio que pudesse achar que “Olha, eles são os quinta coluna e coisa que o valha”. Isso acontecia com quase todas as famílias de descendentes de italianos ou italianos mesmo.
P – E depois que o senhor terminou, porque a gente ta falando de uma época que é o primário...
R –... Primário. Isso, primário.
P – Depois seria o ginásio, não é?
R – É, naquela altura era muito difícil, parava-se no primário já era uma grande coisa, fez a escola. Mas, é, eu quis fazer, claro, ________ meus pais queriam que eu estudasse. Para fazer o primeiro ano do secundário, eu fui fazê-lo em Limeira. Por que? Porque em Limeira eu tinha dois tios que moravam lá: um que era professor e outro que não, mas trabalhavam lá e moravam lá. Então, eu só pude fazer, naquela época, precisava também fazer o exame de admissão, curso de admissão ao ginásio e exame de admissão, que era uma espécie de vestibular, para depois entrar no primeiro ano do ginásio. Eu fiz então, este curso de admissão em Limeira e fiz a primeira série ginasial em Limeira. Quando... porque não havia nada por perto. A partir do segundo ano, as pessoas da minha cidadezinha conseguiram obter da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro uma licença para os alunos irem estudar em Mogi-Mirim, usando o que eles chamavam de trem bagageiro. O trem bagageiro, por que era bagageiro? Porque ele tinha, levava pouca bagagem e era um trem com men..., um menor número de carros, e... podia levar algumas pessoas. Tinha um carro que era _____ daquele carro, daquele vagão, é, tinha bancos para se sentar. E conseguiram uma autorização para que crianças do município de Jaguariúna, Santo Antônio de Posse e um outro lugarejo chamado Martin Francisco, logo mais adiante, pudessem ir com este trem até Mogi-Mirim, estudavam em Mogi-Mirim e à tarde voltavam com o trem de passageiro normal, que saia de Mogi-Mirim às cinco horas das tarde. Assim, eu fiz a terceira a quarta e quinta... não! Terceira... segunda, terceira e quarta séries ginasiais em Mogi-Mirim.
P – E quantos anos o senhor tinha mais ou menos?
R – (Suspiro) Acho que primeiro, na primeira, na segunda série, acho que onze anos, né?
P – Acho que uns onze, então, assim...
R –... Tinha 11 ou 12.
P – Era uma criançada... viajava sozinha?
R – Uma criançada! É, viajava sozinha. Pois a brincadeira mais interessante enquanto esperava o trem era pegar a moedinha, pôr no trilho para que o trem passasse por cima e achatasse a moedinha... Mas, aí eu fiz a segunda, terceira e quarta séries ginasial. Segui e fiz o primeiro científico. Quando passei para o segundo científico, ãhm, eu comecei a namorar. É a minha esposa hoje, ainda hoje. E...
P – O senhor conheceu ela na escola?
R – Conheci. Não, conheci na cidade. Eu era de fora, sempre chama a atenção “ah, ele tem um rosto de fora assim, pá, aquela coisa”. E _____ chamou a atenção, porque ela era a mocinha mais bonita e inteligente da cidade (risos).
P – O senhor lembra como o senhor chegou na sua esposa?
R – Ah, lembro! Eu tinha uma amiga comum que estudava... nós tínhamos uma amiga comum que estudava no ginásio comigo. E... e um dia eu a vi passando com outra moça – a minha mulher – e falei “Poxa, que moça bonitinha, você precisava me apresentar!”. Ela por sua vez falou: “Quem é aquele lá seu amigo?” “Ah, ele é de Santo Antônio de Posse, ele estuda aqui, ______ todo dia...”. Daí um dia, esta amiga comum forçou um encontro, essa moça se chama Darci, e ãhm..., um encontro e começamos a conversar, daí pra frente como era de uso na ocasião, em Mogi-Mirim tinha uma praça muito bonita, a Praça Central, e começamos a dar voltas na praça. Primeiro os homens davam voltas de um lado, da direita para a esquerda, e as mulheres da esquerda para a direita controlando a _______ ou vice-versa. E aí, trocavam-se olhares quando se cruzavam. Depois começamos a andar juntos e assim foi o namoro.
P – Como é o nome da sua esposa mesmo?
R – Maria Aparecida (Gasparotto?) Grimaldi. O apelido dela é Nininha e todos a conhecem por Nininha.
P – Ah, então ficou Tininho...
R – ... Tininho e Nininha. É.
P – Aí o senhor começou a namorar, então?
R – É, nessa altura que eu estava fazendo o primeiro científico.
P – Mas não tinha que chegar no pai, assim, para pedir, naquela época não tinha isso?
R – Não, a minha sogra não concordava muito com o namoro, não. A gente namorava meio escondido até que um certo tempo, ãhm... depois permitiu, e aí foi o roteiro normal: pedido de noivado, pedido de casamento, noivado, aquela coisa toda. Quando... eu fiz o primeiro científico, passei para o segundo, eu... me deu aquela... “preciso fazer alguma coisa que eu possa casar logo”. O que que acontece? Em Mogi-Mirim tinha um único curso que poderia dar algum diploma, porque o científico e o clássico não davam algum diploma de nada, era o curso normal, curso de formação de professores. Mas, era só no colégio das freiras que naquela ocasião só tinha alunas, era só feminino. Mas, em Itapira, cidade vizinha, tinha um Instituto de Educação, Elvira Santos de Oliveira, que tinha curso para formação de professores de ambos os sexos. O curso de formação de professores era do pré-primário, primário... é, pré-normal, normal, e segundo normal. Como eu havia feito o primeiro cientifico e passado para o segundo científico, eu ganhei o pré-normal e já entrei no primeiro normal. Então, o curso que seria de três anos, eu fiz em dois. E, então eu fiz... me formei professor primário, que eu queria começar a trabalhar logo, e em seguida, estabelecer minha vida e queria casar. Tudo bem, então fiquei estudando neste diversos lugares. Formei professor primário, aí comecei a... tinha uma professora que dava aula...
P – ... O senhor se formou jovenzinho, então, né?
R – Dezoito anos. Dezoito anos. Aí tinha uma amiga que ela era professora no interior de São Paulo, no Pontal do Paranapanema, lá perto em... Presidente Epitácio. E ela sugeriu para mim “por que você não vai lá...”, porque era difícil escolher uma escola, tinha que prestar concurso, demorava muito, havia muitos professores e poucas vagas. “Você vai lá, você fica como professor substituto, tem muita falta de professor.”. E eu fui pra lá, eu e mais um grande amigo meu fomos pra lá, e realmente, cada um de nós pegou uma escola rural, uma escola isolada da cidade para darmos aula. Fiquei lá um bom tempo, se chama Sítio São José.
P – Mas aí, onde o senhor era hospedado?
R - Eu ficava na casa de um sitiante... em cuja propriedade tinha a escola. Então, as crianças vinham dos sítios ao redor. Essa casa não tinha luz, não tinha telefone, não tinha nada... então, foi uma experiência totalmente nova para mim, filhinho de papai, de mamãe, né, sempre acostumado a ter todo o conforto em casa, mas eram pessoas extremamente boas; eu ficava na casa com eles e eu sentia falta da comunicação, mas foi pouco tempo isso, uns dois meses, por aí.
P – E a aula em si, o senhor lembra do primeiro dia de aula?
R – Lembro! O primeiro dia de aula eu achei que eu era um sábio e a aula... acho que tinha quatro horas de aula, se não me engano, mas a primeira meia hora tive a impressão que tudo que eu aprendi em vários anos de estudo, eu já havia transmitido para os meninos. Eu falei “E agora, o que que eu faço?”. Parece que toda minha sabedoria foi feita assim. Aí eu comecei a planejar melhor as aulas, e foi dando aulas, estabeleci uma camaradagem muito grande com os alunos, tudo era difícil, para a gente, para o professor, como para os alunos, a família deles. Mas foi extremamente agradável, porque eles vinham muito sujos...
P – Qual a faixa etária das crianças?
R – Das crianças, e... de sete a... àquela altura, de sete a dez,11 anos.
P – Então era alfabetização mesmo?
R – Alfabetização... eram as três séries: primeiro ano, segundo ano, terceiro ano. Desde a alfabetização até um ensino mais... mais elevado. É... então, “olha, eu quero ver todo mundo com o cabelo cortado, limpo, banho tomado, senão não entra aqui!”. Nunca ninguém obedeceu, evidentemente. Aí eu dei um ultimato: “Numa segunda-feira, quem vier com o cabelo comprido, eu vou cortar aqui na porta da escola, antes de entrar para a escola”. Claro que muitos fizeram isso como desafio e eu cortei o cabelo deles. Mas, aí foi se tornando uma amizade tão grande com os pais dos alunos, os alunos acho que gostavam muito e... eu ganhava coisas curiosíssimas: ganhava uma dúzia de ovos, uma galinha, um... sabe? Uma leitoazinha, que ia para a casa lá onde eu estava alojado, né? Mas era um reconhecimento, eles estavam dando aquilo que eles tinham; davam um... um pacote... um quilo de feijão, talvez, um quilo de arroz, sei lá o que é que eles davam. Era uma forma de reconhecimento muito grande, mostrava o desejo que os pais têm de dar uma cultura para seus filhos. Então foi valiosa esta experiência. Uma visão de mundo diferente daquele que eu conheci.
P – Aí, o senhor retornou?
R – Aí, retornei! Aí comecei a dar aulas avulsas assim como substitu... professor substituto na minha região. Isso foi nos anos de 55, 56, 57... Em 1958 em Itapira foi criado um curso de aperfeiçoamento do professor primário. Então lá voltei para Itapira, prestei uma espécie, um vestibular, e..., nesta altura, fiz o curso. Era o curso de um ano, que era para os já formados, e... tinha como companheiro o meu atual cunhado, foi aí que ele conheceu a minha irmã, que ele fazia o curso normal e eu fazia já o curso de aperfeiçoamento. Então, nós viajávamos todos os dias, com o Fordinho 29 dele; o tio dele morava com a avó e os tios, que perdeu a mãe quando nasceu, e... aí nós íamos todo o dia de manhãzinha para Itapira, com o carro que tinha no momento, pegava mais quatro colegas em Mogi-Mirim, para fazer os seus estudos também em Itapira; eles todos fazendo curso normal, e eu fazendo esse curso de aperfeiçoamento de professor primário. É uma alegria marcante para mim, porque ao final do ano, Itapira é uma cidade bastante bairrista; todas as cidades do interior eram, não sei se ainda são bairristas; eles tiveram a bondade de escolher como orador da turma, a mim, da minha turma do curso de aperfeiçoamento e meu cunhado da turma dele, do curso normal. Então, foi uma coisa muito linda, teve baile, aquela história toda, foi muito bonita.
P – Aí o senhor se formou?
R – Formei. Fui ficando por lá. Não dado momento, prestei um concurso público.
P - Só uma coisinha... a namorada nisso...
R – Continuando.
P – Ah ta, firme?
R – A mesma... é, firme. Nós vamos fazer, agora, no ano que vem em setembro, 50 anos de casados. E... então, sempre namorando, sempre com aquela preocupação de querer casar, mas eu sempre tive muita vontade de fazer a faculdade. E das coisas que mais me interessavam nas leituras que lhe contei, que eu fazia quando criança, era a tal Universidade de São Paulo. Ela era nova; eu sou de 36, ela era, acho que de 39. Então, era muito assunto, aqueles nomes maravilhosos; um deles (Le Bistrot ?) que acaba de morrer há poucos dias, um antropólogo, e eram ícones para mim...
P –... Só tinha contato pelos jornais...
R –... Pelos jornais! Pelos jornais, pelo O Estadão. O Estadão era uma leitura diária, obrigatória. Então, eu tinha muita vontade “Eu preciso ir para São Paulo, eu preciso fazer uma faculdade, eu preciso fazer a faculdade do Largo de São Francisco (faculdade não de Direito ainda), a USP, preciso fazer um curso na USP”. Eu havia prestado um concurso público e... de escriturário, de assistente de administração. Fui chamado, e... em 1960, vim para cá...
P – Para qual órgão que o senhor tinha prestado?
R – Era geral do Estado. Mas eu, (quem sabe muito metido?), eu quis saber onde é que eu ia trabalhar. Eu conhecia muito São Paulo, porque eu vinha muito com meus pais, com meus avós, tínhamos parentes aqui Então, vim a São Paulo e escolhi três: a Junta Comercial de São Paulo, o Departamento Estadual de Administração, chama-se DEA, e a ATL, a Assessoria Técnica Legislativa. “Eu quero ver esses três órgãos.”. E fui lá, imagina só, um menino do interior; eu fui conversar com o diretor de cada uma delas e saber como é que era aquilo, como é que era o serviço, ambiente e tal. E, acabei gostando desta ATL. Gostei mais dela. Por que? Assesoria Técnica Legislativa. O nome era bonito, pessoas bonitas; eu sabia que aquilo ali era uma nata de funcionários, embora, a minha função fosse pequenininha. Ficava na Avenida São Luiz, com a _____________ mais bonita de São Paulo, e a São Luiz naquela ocasião tinha aquele arvoredo todo, um canteiro central, as laterais, aquelas palmeiras, e foi ali, na Avenida São Luiz, número 99, quarto andar, que eu comecei, em 1960, eu comecei a trabalhar. E minha mulher havia prestado um concurso também e entrou para trabalhar na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, ali no prédio da Secretaria da Fazenda, no começo Rua Rangel Pestana.
P – Mas, ela era namorada ainda, né?
R – Viemos... namorada..
P – Ah ta.
R – Começamos assim no ano de 1960, no dia 25 de setembro de 1960. Casamos, fomos morar na Bela Vista, no Bixiga, na Rua São Domingos, 288, segundo andar e... e íamos a pé; não tínhamos carro, não tínhamos nada, mas dali até a Avenida São Luiz onde eu estudava, era cinco, dez minutos a pé. E ela ia até a Secretaria da Fazenda, pela Rua Maria Paula, _______ era pertinho.
P – Mas deixa eu voltar no seu trabalho um pouquinho, o que era seu serviço? O que o senhor fazia?
R – Oooow... era acompanhar... qual era a função da Assessoria Técnica Legislativa? Cada projeto apresentado na Assembléia Legislativa por quem quer que fosse, era aberto um processo na Assessoria Técnica Legislativa, que na verdade era Assessoria Técnica Legislativa do gabinete do Governador. Então, era aberto um processo, em que se trazia... a primeira página era uma cópia do projeto de lei, em seguida esta assessoria expedia ofícios pedindo parecer dos secretários, dos diretores, dos órgãos correlatos com o objeto daquele projeto de lei, e iam acompanhando o andamento do projeto de lei. Isso eram os advogados da assessoria. E nós funcionários botávamos papéis... eu cuidava de tudo isso. Eu fui chefe também da sessão de protocolo, sub-chefe da seção de protocolo, e depois chefe, e era...
P – Mas o senhor lembra do primeiro dia de trabalho, porque o senhor foi chegando assim... como é que foi isso?
R – Lembro...
R – Lembro! Então, eu era um rapaz do interior e naquela época eu trabalhava do meio-dia às seis ou às sete, não sei, era meio período. E eu vim, peguei no centro, fiquei na casa de uns tios meus até eu casar em setembro, isso foi em fevereiro. E, então, naquele dia, eu cheguei às onze e pouco na cidade e ia começar ao meio-dia e fiquei sentado num banco na Praça da República olhando pro relógio na expectativa de ser meio-dia, pouco antes do meio-dia para entrar lá. E fui bem recebido, me ensinaram algum trabalho, e eu fui fazendo... datilografava, fazia esses arquivos, os acompanhava e ia despachar com o assessor-chefe no gabinete do Governador. Que que eu ia fazer? Ia com as pastas e sempre eu tava por dentro dos assuntos, e ele falava “Tem tal projeto” “Tem isso”. E quando chegava... quando a Assembléia Legislativa aprovava, um determinado projeto de lei, fosse de iniciativa de algum deputado ou do próprio Governador, ãhm... eles mandavam o que se chamava outorga. A assembléia aprovava e mandava uma outorga para esta assessoria. Esta assessoria, com todos estes estudos, aprovava, conforme o caso, duas versões: uma era o veto, aquele projeto de lei, outra era um veto parcial, tinha alguma coisa, vetava outra, ou uma aprovação total. Todas as versões eram com justificativa. Então, diariamente, quase que tanto, o assessor-chefe ia ao palácio dos Campos Elíseos, despachava um Governador “Tem um projeto assim, houve manifestação favorável deste ou daquele outro interessante, então o senhor poderia transformar em lei, assinar em lei, ta aqui o texto de uma lei para assinar. Ou então, quem sabe, sugerimos vetar...”. Tinham textos prontos para o Governador, ouvindo seu secret... oooo... assessor-chefe e mais alguns seus assessores de gabinete, ele sancionava a lei, ou vetava...
P – Seu Antônio, me parece então... ah ta... peraí, ele vai trocar de fita, ta? Pronto?
(Troca de fita)
P – Senhor Antônio, é... uma coisinha, me parece que foi um rompimento com a cidade de interior, esta vinda do senhor para São Paulo já foi para ficar aqui na capital, foi isso que aconteceu? Porque o senhor saiu para trab... veio para trabalhar...
R –... Foi isso que aconteceu, como é isso que acontece até hoje se entendíamos ficar na capital de segunda, naquela ocasião, à sábado, hoje de segunda á sexta. Mas o fim de semana era sempre no interior, nunca perdi os meus vínculos com o interior. Na verdade, naquela época, casamos e eu vim para cá definitivo em fevereiro de 1960, casamos em fevereiro de 1960, e éramos apertadinhos, não tinha muita condição de ir para lá e voltar toda hora. Não tínhamos carro, mas íamos de trem. E... mas, então, essa ligação com interior foi sempre muito profunda.
P – O senhor falou que foi morar no Bixiga, né?
R – No bairro do Bixiga.
P – E como era o Bixiga?
R – O Bixiga era ótimo, era tudo aquilo que se pensa do Bixiga, que talvez já não seja mais. Era uns teatros estavam ali, os românticos, os barzinhos, tava tudo a um passo da minha casa. O Teatro Brasileiro de Comédia, o Maria Della Costa, todos eles. Ali por perto os artistas... às vezes eu ficava na janela e via passar todos aqueles artistas, diretores; eram pessoas conhecidíssimas, porque nessa altura, mais ou menos, eu acho que Franco Zampari fez... formou a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, e criou o Teatro Brasileiro de Comédia, TBC, então, era, ali estava a nata dos artistas brasileiros e de todos os profissionais de teatro e cinema. Então, era interessante, a gente ficava mais ou menos deslumbrado, né? Sempre muito bonito ver os artistas, né...
P – O senhor lembra, assim, de algum que tenha marcado, que o senhor viu... ficou registrado isso?
R – Ai, eu... bom, o velho Paulo Autran, a Tônia Carreiro, que tinha, que naquela época tinha a Companhia Tônia-Celi-Autran, que era o Adolfo Celi, o Paulo Autran e a Tônia Carreiro, né? Tônia-Celi-Autran, todos eles, ãhm... aquele que fez O Pagador de Promessas, morreu agora há poucos dias, o... o diretor do filme, Anselmo Duarte, né? Não me lembro o nome agora, é um que carregava a cruz...
P –... Leonardo Villar...
R –... Leonardo Villar. Eu acho até que ele morava ali por perto de casa, porque toda a hora eu via. E eu admirava demais o Leonardo Villar.
P – Mas assim, para o senhor foi uma diferença, né?
R –... Ah sim, aberto tudo mais...
P –... Não tinha...
R –... Um mundo novo, um mundo que acompanhava pela leitura dos jornais do interior, porque daqui a pouco eu estava dentro dele.
P – O senhor lembra qual foi o primeiro.... assim... espetáculo ou filme que o senhor assistiu quando o senhor veio?
R – Não, não me lembro. De teatro não. Filme... sim, filme eu conhecia todos os cinemas de São Paulo.
P – O que o senhor assistia, assim na época, o senhor lembra?
R – Ah, eram os filmes gostosos da Metro-Goldwyn-Mayer, muita música, muita coisa, bobageira, né? Os filmes épicos, essas coisas assim.
P – Tem algum marcante?
R – Hmmm... eu não sei, sempre me lembro do passado, assim, Depois do Vendaval. Mas, não foi logo dos primeiros. Mas, Depois do Vendaval foi um filme com o John Wayne, e aquela ruiva que eu não me lembro o nome... marcou muito. O Bom Pastor...
P – E... porque uma curiosidade. Quando o senhor tinha falado de Itapira, de Santo Antônio da Posse, lá não tinham muito essas atividades culturais, né?
R – Não, cinema! Cinema nós íamos.
P – Lá tinha cinema?
R – É, quando namorados nós íamos no cinema quase todo o dia...
P –...Lá tinha então cinema?
R –... À noite... Tinha, tinha cinema sim. Na minha cidade tinha também. Teatro não. Teatro eventualmente passava alguém fazendo lá... a Henriqueta Brieba, mais outras assim.
P – E que filmes chegavam na cidade do senhor?
R – Ah, todos os que passavam em São Paulo, mas com muita tardança iam para lá. Esse aspecto cinema é um aspecto maravilhoso da minha vida. Por que? Santo Antônio de Posse fica próxima de Mogi-Mirim, fica a poucos quilômetros. Então, como a cidade era muito pequena, eu acho que não compensava alugar filmes das fornecedoras para passar lá no sábado ou no domingo, acho que era só dois dias da semana que passavam. E... então, passava primeiro em Mogi-Mirim, depois ia passar... Então, aquele filme, o Cinema Paradiso, o filme italiano, o Cine Paradiso, para mim é a história, é quase uma cópia da minha vida. Por que? O projecionista do cinema de Santo Antônio de Posse era meu tio, irmão do papai, abaixo do papai. O projecionista do cinema de Mogi-Mirim era tio da minha mulher. Tatnto quanto aquele menino do cinema Paradiso, se você assistir o filme, uma música lindíssima do Ennio Morricone, ele, eu era um menino. Eu era um menino. Eu subia lá na, tinha uma escada, eu subia lá na sala de projeção, e meu tio era perfeccionista, ficava cuidando para que os filmes projetados não se queimassem, era projetor a carvão, e que não se queimasse, e eu ao contrário, torcia para que queimasse, porque cada vez que queimava, ele tinha que cortar o celulóide e cortava um quadrinho ou outro que eu fazia coleção dos celulóides. Então, para mim era uma beleza; eu via o filme e depois tinha o celulóide como uma comprovação que eu vi aquele filme, porque eu gostei. Fazia muito isso, mais ou menos como foi no Cinema Paradiso. Outro aspecto semelhante ao Cinema Paradiso: o filme e a cidade. Passava o filme primeiro em Mogi-Mirim, depois alguém trazia para cá, pra Santo Antônio de Posse. Acontece, que às vezes, entre uns rolos e outros, demorava um pouco. Então, o povo no cinema de Santo Antônio de Posse ficava batendo os pés no chão para “Mogi-Mirim não manda esse filme logo para nós aqui, é uma vergonha e não sei o que...!”. Ficavam reclamando. Igual ao Cinema Paradiso. O Cine Paradiso é uma história que se filmasse na minha cidade para mim seria absolutamente real.
P – Ah, é... deixa eu voltar aqui. Bom, o senhor estava no Bixiga, então o senhor morava com a sua esposa , era uma...
R –... Um apartamento.
P – Um apartamento?
R – Isso. Um apartamento; tinha um quarto, uma sala, uma quitinete e um banheiro. Ali tivemos a primeira filha, a Ana Cintia...
P –... Cintia?
R –... a primeira filha, e... e então à noite, a... (risos) o quarto era bastante grande. Nós tínhamos uma babá para a filha e ela dormia no sofá da sala, que era improvisado a noite como cama. Mas tinha essa praticidade, por que? Então, estávamos em 1960. Casamos no final no ano. Em 1961, nós viemos aqui para estudar, para melhorar de vida. Eu fiz o curso, é... preparatório para a Faculdade de Direito, do professor Toloza. Em 61 eu fiz esse curso ao final do ano e eu me inscrevi na Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo São Francisco, e na Faculdade Mackenzie. É... eu senti muita influência para me decidir por Direito pelo trabalho naquela Assessoria Técnica Legislativa. Entusiasmava muito ver o trabalho dos advogados, dos assessores estudando, opinando, dando parecer. Então, me inscrevi nas duas. Cheguei em casa um dia muito feliz e falei para minha mulher “Olha, fiz a matrícula hoje, viu? No Largo de São Francisco e no Mackenzie”. “Mas a troco do que você vai fazer no Mackenzie?” “Não que você preste e passe, você não... nós não temos condições de pagar aluguel, paga isso, paga aquilo, e pagar a faculdade, não pode ser, nem, nem perca tempo.”. Eu nem prestei concurso no Mackenzie, prestei só na São Francisco e entrei. Aí, isso foi em 61, eu fiz no final de 61 o vestibular. Aí fiz 62 a 66 a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, me formei lá.
P – E aí o senhor, quando... mas, o senhor continuou trabalhando?
R – Ai, nessa altura, eu trabalhava num escritório de advocacia como estagiário. Quando foi pelo terceiro ano da faculdade, mais ou menos, uma colega da repartição que eu trabalhava, da Assessoria Técnica Legislativa, Mariazinha (Lopes?), ela tinha dois irmãos com escritório ótimo em São Paulo, muito bom o nome, o escritório do Dr. Roberto (Lopes ?). “Olha, Antônio Carlos, eu quero que você vá lá. Vá lá trabalhar com meus irmãos, você vai estagiar lá que é uma beleza e tal...”. E, ela marcou uma entrevista, fui lá e realmente comecei a trabalhar com o Dr. Roberto e que é um grande amigo meu até hoje, uma pessoa extraordinária, uma formação íntegra, uma inteligência inigualável, sabe, com princípios, de ética, que eu respeito; até hoje ele transmite isso para quem está por perto dele. Daí eu fiquei trabalhando com ele, depois disso, de alguns anos. Daí, o ________ dele chamava, uma empresa chamada Esteve Irmãos S/A Comércio e Indústria. É um grupo de espanhóis, catalões, de origem catalã, e que é uma empresa muito grande, que trabalhava com, que trabalha com algodão e café. Eles, num dado momento resolveram ter um, algumas pessoas no jurídico interno, dentro da própria empresa, não só ter só a assistência do escritório do Dr. Roberto. Aí, passado algum tempo, eu vi que colocaram lá alguns advogados, os outros dois advogados já tinham ido e eu fui para lá também. Foi em 1966. Depois, foi dissolvido este escritório interno, a empresa, mas eu continuei. E... em 1967, eu estava... Em 1966 me chamavam de Dr. Grimaldi, mas eu não tava formado. Eu colei grau naquele ano, aliás, eu... a colação de grau foi em abril de 1967. E, em abril, no começo de 67 foi extinto o jurídico interno e eu passei a ficar sozinho, embora com a colaboração do escritório do Dr. Roberto de fora. E 1967 marcou por toda a alteração da legislação tributária brasileira. Então, eu estudava pra caramba, trabalhava demais, levava para casa, passava a noite inteira estudando os problemas... E o prêmio foi que em dezembro de 67 eu tive uma bruta de uma depressão, né? (risos) Mas, felizmente, sobrou. Para encurtar a história: isso foi em 67, eu comecei em 66 lá; hoje eu continuo na mesma empresa, já aposentado, mas tenho um cargo de direção de uma das empresas do grupo, e eu estou por lá.
P – Como que é o nome da empresa mesmo?
R – Atualmente chama Inter... EISA, E-I-S-A, Interagrícola. Mas o grupo é Esteve Irmãos. Não é Esteves não, Esteve Irmãos.
P – É, nesta atuação assim da, do exercício do Direito assim, tem um, assim, algum caso que o senhor pegou que foi muito marcante pro senhor de... sabe, conseguir?
R – Muito, muito, muito. É... primeiro eu tinha que dar assistência não só à matriz como às filiais da empresa no interior de São Paulo e Paraná. Aí, eu fiquei conhecendo o Paraná que eu não conhecia. E fui formando amigos em todos esses lugares. E eu fazia reuniões em cada filial para explicar novidade desta nova legislação tributária, que começou em 1967. Fazia reuniões periódicas; ia de carro, de carro ou de avião, para Londrina, Maringá e... Curitiba. E comecei... Então, praticamente, eu pude colaborar de perto com as pessoas que instituíram o ICM, que implementaram o ICM no Brasil. No Paraná, uma figura extraordinária chama Luis Fernando (Vaneri Vanderbrook ?); aqui em São Paulo, Antônio Pinto da Silva; na Bahia, José Maria; e esses eram as três, parece que principais cabeças,q eu mais conheciam a ICM. E eu trabalhava muito com eles. Então, eu pude, não só aprender como colaborar em algumas coisas e assim, até na elaboração de uma legislação regedora da parte que, que eu atuava, ou seja, a parte de comercialização, exportação de algodão, café, a parte de armazéns gerais, esta... aí eu passei a ser assessor por ser advogado de uma empresa, de uma das maiores empresas do setor, é... passei a ser também, passei a dar uma assessoria à Bolsa de Mercadorias de São Paulo, então bolsa, ao Sindicato dos Maquinistas Exportadores de Algodão, de café, o pessoal do Café de Santos, e ao Sindicato dos Maquinistas de Algodão, chamava Sindusfibra do Estado do Paraná. Então, foi formada uma grande amizade com as Secretarias de Fazenda dos Estados, e um trabalho absolutamente correto, havia uma credibilidade recíproca de expor problemas e propor soluções. Eu acho que isso foi um marco que até hoje eu não esqueço. E um outro marco interessante é que atuando desta forma, eu, pro meu orgulho, passei a integrar o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. TIT, tê, i, tê. O Tribunal de Impostos e Taxas, tinha um capítulo muitos especial na minha vida. É um órgão judicante administrativo que julga os processos de fração tributária, os tributos do Estado de São Paulo. Esse é um tribunal que foi criado, acho que em 1935, um anos antes de eu nascer, e ele é um tribunal paritário, ou seja, ele é composto metade por seus membros chamados juízes, na verdade seriam conselheiros, a denominação é juízes; metade dos juízes representantes, constituído por representantes da Secretaria da Fazenda – funcionários públicos, e a outra metade por indicação dos contribuintes. Como eu dava assistência direta à Bolsa de Mercadorias, ãhm... aos sindicatos patronais de algodão, de exportadores de algodão, e de café, do pessoal de Santos, para a bolsa de Santos, eles me indicavam pra lá, eu era um representante. Mas o curioso é que, um advogado dessas entidades, eu ia em todo o momento ás Secretaria de Fazenda, principalmente do Paraná e de São Paulo. E numa dessas idas, a tratar de assuntos, para resolver problemas daquela legislação nascente, o coordenador de administração tributária daqui era a pessoa a quem o tribunal se subordinava, disse “Olha, Grimaldi um dia vou comprar seu passe e vou trazê-lo para cá”. Parecia uma brincadeira entre amigos... Acontece que um dia lá, alguém me telefona e me fala “Você não leu o Diário Oficial de hoje?” “Eu não”. “Você ta nomeado para o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, como um dos doze juízes contribuintes”. Daí foi uma surpresa. Eu acumulava, então, a função de advogado da empresa e tinha sessões do tribunal duas vezes por semana, duas três vezes por semana de manhã. Logo de início me deram a presidência de uma das câmaras do tribunal. O tribunal é formado por câmaras. Então, eu fui presidente de uma dessas câmaras. E depois, eu fui juiz lá por 23 anos, sendo vice-presidente do tribunal também. Os mandatos eram renovados a cada 3 anos, naquela ocasião. E assim, eu fui renovando, renovando sucessivamente, e fiquei 23 anos no tribunal.
P – Mas nisso...ó. Voltando, o senhor já tinha saído do Bixiga?
R – Já... Ah, é verdade!
P – Isso. E como é que foi isso?
R – Bom, acho que em 1964, eu tava na faculdade, continuava trabalhando, estava na passagem da Assessoria Técnica Legislativa, para este escritório onde eu fui estagiar, e eu... nós mudamos, compramos uma casa na Pompéia, na Rua Ministro Pereira Alves. Então, moramos lá na Pompéia. Tinha soa filha, Ana Cíntia. Ali nesta casa, quer dizer, morando nesta casa, tivemos mais dois filhos: a Ana Beat... o Marcelo, que na ordem é o segundo mais velho, e a Ana Beatriz. Depois de lá mudamos para um outro, compramos um apartamento novo também na Pompéia, na Rua ________, e ali nasceu a Ana Paula, quarta filha. E, então, eu ia da Pompéia para a cidade, aí eu já tinha carro...
P –... Mas sempre no mesmo... na, assim, região?
R – Na região. E algum tempo, nem sei quantos anos, vinte e tantos anos, quase trinta, aí compramos um apartamento na Rua Cayowaa, onde hoje eu moro, que é Sumaré. Sempre a mesma região, Zona Oeste de São Paulo. Por que? Porque facilita, nós tínhamos os pais vivos, facilitava a saída para a região de Campinas. Para ir á Mogi-Mirim, na casa dos meus sogros e meus cunhados ou pra Santo Antônio de Posse, na casa dos meus pais, da minha irmã, dos meus tios.
P – Certo. O senhor pegou a fase, antão, que ia de trem para lá e depois...
R – Não, depois carro.
P – Depois carro?
R – É, a partir de 64, por aí, 65, com o carro, ou até antes. Até antes.
P – Ah ta. E... e Holambra, como entra nessa história?
R – Como é que entra nessa?
P – Isso.
R – Bom, o papai tinha o armazém, e num dado momento, o amigo dele comprou uma fazenda muito próxima à cidade – Fazenda Monte Santo – e começou a lotear. E o papai comprou alguns lotes bem encostados com a cidade de santo Antônio de Posse. E formou ali o que chamamos de A Chacrinha. Todos os lotes formaram A Chacrinha. Ali, os meus filhos, os filhos da minha irmã e primos tiveram sempre um... uma acolhida, um ponto de encontro. Porque neste local foi feita a primeira piscina de santo Antônio de Posse, imagina você. O papai aproveitou um dos lados da chacrinha, tinha uma depressão no terreno, ele aproveitou a depressão e revestiu de tijolos e, claro, concreto e cimento e essa coisa toda, e ficou uma piscina. E durante muitos e muitos anos, todos os meus filhos aprenderam a nadar lá, meus primos e todo mundo... era a única piscina da cidade.
P – Novidade, né?
R – O ponto de encontro era A Chacrinha. Minha mãe fazia os almoços, meu pai trazia os amigos, churrasco, macarrão, aquela coisa toda na Chacrinha. Mas num dado momento mais tarde, ele comprou um sítio na Holambra, e a Holambra era... tinha a Cooperativa Agro Holambra, ela pertencia, o miolo dela, o núcleo central, por incrível que pareça, ele pertencia à quatro-cinco municípios. Uma parte era Artur Nogueira, outra parte era Cosmópolis, outras Jaguariúna, outras Santo Antônio de Posse e outra Mogi-Mirim. Não sei quantos anos atrás, não me lembro agora a data, num dado momento, Holambra emancipou-se. Em 173, meu pai comprou o sítio na Holambra, tinha 13 hectares, que para lá é uma boa medida. E passado alguns anos, Holambra emancipou-se. Ela passou a formar o município de Holambra. Para não ter problema “isso pertence á Jaguariúna, Jaguariúna deve fazer, mas não faz, pois acha que é de Artur Nogueira...”, aquela coisa toda. Então, Holambra emancipou-se e começou a crescer e como nosso sitio estava na cidade, acharam que devia fazer um loteamento urbano. Como ele não tinha idade para isso, disposição para isso, e os dois únicos filhos, eu e minha irmã também não, e meu cunhado, não tínhamos disposição, nem tempo para cuidar disso, meu pai vendeu a parte do sítio reservando a casa-sede, e 6000 mil metros quadrados de terreno. Ainda vivos, os meus pais passaram os bens para mim e para minha irmã. Entre outras coisas, esse sítio tocou para mim... este da Holambra. Aí eu comecei a freqüentar mais, a cuidar dele, e por ter o encanto da memória dos meus pais, então, eu me senti mais ainda preso a tudo isso. É por isso que eu freqüento a Holambra e nos meus livros, nas minhas crônicas, eu faço muitas menções à Holambra. Estou dentro da cidade; o que era o sítio hoje é a zona urbana, com telefone, água encanada, esgoto, iluminação pública... o chamado minha casa hoje tem em frente duas avenidas, o bairro, em homenagem á minha mãe que sempre gostou de flores, chama-se Morada das Flores. A rua de entrada para o sitio é Rua Solidáguas, que alguns chamam de Tango, que é aquela florzinha amarela que papai gostava muito; a outra rua é Rua das Dálias, então estou no meio de flores.
P – E as crônicas, como elas apareceram para o senhor, assim?
R – As crônicas apareceram no momento que eu fiz algumas oper... algumas cirurgias que não me lembro qual. Eu fiz várias cirurgias, eu tenho seis pontes de safena em mamária. Isso foi feito em 1954, não... 1974. Depois fiz outra, foi um aneurisma da aorta, uma série de coisas, mas tudo bem. Numa dessas, eu tive que ficar um pouco em casa, eu nunca fui de parar. E nessa altura, já tinha computador. Então comecei a escrever algumas observaçõeszinhas, para passatempo, por exemplo, escrevi uma que chama-se O Ócio. E era justamente isso: eu fico em casa, fazendo o que? Eu já assistia o programa da Ana Maria Braga, já tinha o programa da Ana Maria Braga. Negócio estranho: uma mulher que fala com um papagaio de pano, tal, eu comecei com essas coisas assim. Depois foi pegando, passaram-se mais ou menos semanais, depois pára, depois volta, mas era daquelas coisinhas para passar mensagens, para passar para pessoas amigas. O incentivador foi meu neto mais velho, Bruno, que hoje tem 20 anos, vai fazer 21 anos agora em dezembro, que ele é muito culto, gosta muito de ler, e ele ___ “Ah vovô, escreve alguma coisa, escreve para mim”. Este foi um dos três estimuladores: o Bruno, meu neto; o meu cunhado Silvio e uma tia, tia Marina, que é uma queridíssima tia, que mora em Taubaté. Então, o negócio eu mandava cartinhas, uma coisa ou outra, era muito interessante. Aí um dia eu passei a fazer umas pequenas crônicas. E aí começou. Se for sistematizando, são muitas.
P – É, tem alguma predileta? Assim, uma... tem alguma que o senhor acha que foi a... essa é sua favorita?
R – Não. Pelo conteúdo, não pela qualidade delas, qualidade literária, pelo conteúdo, tem uma que chama O Quarteirão. Outra que chama Migalhas. Outra que chama Cacos; Cacos, Sobras, Migalhas... que mais? Várias. Algumas que eu fiz em homenagem à amigos que eu perdi, muito queridos. Um exemplo esse Secretário da Fazenda do Paraná, Luis Fernando (Vaneri Vanderbrook ?); um amigo de faculdade, ele era militar, da Polícia Militar de São Paulo, mas fez Direito comigo, Coronel Alaor Godói, mais algumas coisas assim... memórias. Memórias... memórias da minha cidade. Então, têm várias delas aí... que eu gosto.
P – E... olhando assim para as memórias, essa que o senhor tava colocando, tem alguma que sempre vem com mais freqüência, que o senhor guarda com..., que seja muito marcante?
R – Das crônicas?
P – Não. Assim, da cidade...
R – Ah, da cidade? Eu acho que minha cidadezinha de quando eu era pequeno.
P – É, o que o senhor sente mais falta?
R – Ai... eu sinto falta daquelas pessoas que eu conheci. Eu às vezes me atrevo a pensar que meu mundo é um mundo tipo de bonde, que só cabe mais gente, mais gente, mais gente, não é para sair ninguém não. Então, eu sinto muita falta daquelas pessoas que eu passo “Aqui morava Fulano, ali morava...”. Não sei... que me acompanhavam, pessoas que passavam na rua e falavam “Oi Tininho, como vai?” “O que você vai fazer?” “Vai fazer compra com a tua mãe?” “Vai para a escola?” “Ta na hora disto ou daquilo”... eu acho muito gostoso isso, fui muito feliz. Eu acho que minha cidadezinha era muito interessante... depois as coisas mudam, como em toda a parte. A propósito disso eu escrevi uma pequena crônica que chama Gente de Fora. Porque vivendo em vários mundos, tendo contato com várias pessoas, eu percebi que uma reclamação constante em locais que tinham alguma tradição, é que quando acontece algum problema desagradável na cidade, “mas quem foi isso?” “Ah, eu não sei” “Mas é gente de fora!”. Parece que tudo que é de mal, é gente de fora. Os de dentro sempre foram bons. Eu sinto isso nos mais variados lugares. Eu freqüento muito Cuiabá; eu vou à Matogrosso há 36 anos. A primeira vez que fui, foi em outubro de 1973, assinar em nome da empresa assinar uma escritura de compra de uma área de terra chamada Conisa, que hoje tem um capítulo especial no livro, um capítulo especial, quem sabe o último dos especiais da minha vida. A gente pode falar mais tarde sobre isso, mas seja Cuiabá que eu freqüento muito, seja santo Antônio de Posse, seja na Holambra, em Mogi-Mirim, ou nessas pequenas cidades que eu freqüento com maior assiduidade, eu sempre ouço essa referência: “O que que aconteceu?” “Ah, aconteceu uma coisa terrível” “Mas como foi acontecer, quem fez uma coisa dessas?” “Só pode ser gente de fora”. Eu fiz uma crônica a este respeito.
P – E aí, como é que foi então... o livro foi lançado...
R –... No final do ano passado.
P – E como foi isso pro senhor?
R – Para mim foi uma alegria tremenda! Eu chorei bastante de emoção, nossa! Estávamos passando a véspera do Natal na casa da minha irmã, em Santo Antônio de Posse, e num dado momento, minha mulher e meus filhos chegaram com umas caixas assim “Olha, papai”. E mostraram aquilo, então, eles, meus filhos, noras, genros, minha mulher, meu neto, eles acabaram escolhendo por aqui, por lá, deviam ter algum arquivo destas crônicas, pegaram algumas à critério deles, tudo corrido, parece que segundo me disseram, tudo corrido, mandaram imprimir, pegaram umas fotos que já tinham, e esse foi o presente. Que neste ______ lançar um livro, tal, fazer um livro com suas crônicas, mas ter que fazer... porque normalmente, como se diz assim, a revisão do escritor, né? Por que? Porque eu sempre sento no computador, faço alguma coisa, pumba!, faço. No outro dia, eu verifico o que saiu; de repente um xis onde deveria ser cê agá, um cê cedilha onde deveria ser dois esses, coisa assim, ao pé do ouvido, na correção da letra, né?
P – Então, Seu Antônio, o seu dia-a-dia é assim então: o senhor continua trabalhando...?
R – Continuo trabalhando... hoje estou de certa forma... de certa forma não, estou realmente aposentado, mas eu continuo da direção de uma empresa que se chama Conisa – Colonização e Comércio e Indústria, empresa do grupo Steve, e é uma empresa que tem uma área no Mato Grosso adquirida para o fim especial de colonizar. Então, desde o começo, eu comecei a atuar com ela, para resolver alguns problemas e acabei me tornando um dos três diretores dela e acabei me tornando um executivo principal dela.
P – E aí junto com isso o senhor escreve as crônicas, assim...
R –...Exato...
P ̶... Paralelamente...
R – Não, as crônicas só de sexta-feira mesmo (risos). Nas sextas-feiras no final do sai, na hora da novela.
P – Aí o senhor falou de netos, quantos netos que o senhor tem?
R – Eu tenho, ãhm... sete netos.
P – Qual o nome deles?
R – Quatro filhos, casados e os netos. Os netos são o Bruno, é o mais velho, tem 22 anos, vai fazer 22 anos, e ele fez, ele entrou ao mesmo tempo na faculdade de Letras, da USP e de Economia da GV. Mas depois, o grande sonho dele é ser professor, ele gosta muito, lê muito. Mas acabou deixando as duas, trancou a matrícula das duas e acabou prestando novamente concurso, vestibular na PUC, de Economia, ta fazendo Economia. E, dá aulas de inglês na FISK, com 21 anos. O segundo neto é a Isabela, uma neta; o Bruno é filho da Ana Cíntia e do Roberto (Azem ?). A Ana Cíntia separou-se mais tarde do Roberto. Ãhm... a Isabela é filha da Ana Beatriz e do Marcelo Café. A Isabela está... estuda no Dante, está no colegial e no momento está fazendo o segundo semestre do segundo ano colegial em Adelaide, na Austrália. Deve voltar agora no final do ano. Pela ordem de idade, o terceiro neto é o Vitor (Tela?) Grimaldi, filho do Marcelo e da Eliana, está fazendo o colegial no Dante (risos e pausa).
P – Nós chegamos em sete? Vamos ver: foi o Bruno, depois...
R – Depois tem o Luigi, filho do Marcelo e da Eliana, depois tem a Ana Carolina, filha da Ana Paula e do Jordi, e por último o Joaquim, filho da Ana Paula e do Jordi.
P – Que beleza, que família...
R – ... Linda!
P – E o senhor olhando essa família, assim, o senhor falou que teve várias cirurgias, inclusive, né?
R – Tive.
P – A família deve ter sido muito importante nessa...
R –... Muito importante, muito importante. Deu todo o apoio, tudo, mas felizmente eu to bem. Mas se preocupam comigo! Eu tenho um controle de radar com eles e eles comigo e com a minha mulher. O meu celular fica ligado 24 horas por dia... hum! (risos) e os filhos ligam, ligam todos os dias para mim e para minha mulher, é uma graça.
P – E como é esse seu Antônio vovô, assim, como que é?
R – Ah, extremamente carinhoso, eu sou carinhoso, adoro meus netos e não gosto que ninguém fale alto com eles e nada, nada, nada... eu adoro, adoro meus netos. São um relacionamento extremamente amigável, que se você ler no livro, umas dedicatória que eles fizeram, até o pequenininho, que agora tem dois anos, o Joaquim, ele falou alguma coisa, e a irmã, a Ana Carolina, que tem seis, deve ter escrito lá... ah, mas tem o Caio, filho da Ana Beatriz também, que é mais velho do que a Ana Carolina, da Ana Beatriz e do Marcelo Café. E... então, eu sou muito chegada com meus netos, sou muito, tenho loucura por eles. E eles, acho que dividem isso comigo também. Eu sou correspondido.
P – Olha, seu Antônio, a gente está até... você quer falar alguma coisa, Adilson? A gente ta finalizando, é... tem alguma coisa que o senhor gostaria de deixar registrado que eu não estimulei o senhor a ta falando?
R ¬– É. Tem. Uma coisa muito importante. Desta Conisa. Quanto tempo eu tenho?
P – Conisa?
R – Conisa é uma empresa, foi constituída para colonizar, uma empresa particular de colonização. Houve uma época no Brasil, nos anos 70, que havia um estímulo federal para a ocupação da Amazônia, para nova fronteira agrícola. Naquela época, não se falava de sustentabilidade do meio-ambiente, como não se falava o quão mal faz um cigarro ou fumar. Ao contrário, havia estímulo, era bonito ver fumar, os artistas fumavam e todo mundo queria fumar também. E... a Amazônia queriam que fosse ocupada para que outros não a ocupassem. O lema na ocasião era “Integrar para não entregar”, a Amazônia. E com isso veio uma série de benefícios, estradas novas que surgiram, e esta empresa Conisa - Colonização, Comércio e Indústria num dado momento da sua história, ela adquiriu ________ da sua história, 1973. Ela adquiriu uma área de 400.000 mil hectares no noroeste do Estado do Mato Grosso, e... começou a implantar um projeto de colonização... colonização rural. Para isso, foi imaginado um projeto bastante moderno: na área central, um núcleo pioneiro com infra-estrutura de apoio e depois estradas para acessos aos lotes, e divididos em lotes rurais, que as pessoas iam adquirindo para instalar seus sítios, fazendas, e cada qual desenvolveria sua atividade. É uma espécie de uma loteadora, faz um loteamento e cada qual compra seu lote e faz o que quer. Mas, a primeira coisa que foi feita, nós tivemos que fazer para, tínhamos acesso a rede diária do estado, era uma área totalmente isolada, a Amazônia virgem. Tivemos que abrir cento e tantos quilômetros de estrada, desde a estrada mais próxima para chegar até na área da empresa, na área chamada Conisa. Como a área era da Conisa, ficou chamando gleba Conisa, Conisa, Conisa... “Para onde você vai?” “Ah, eu vou para a Conisa”. Era o nome da empresa que dava nome ao local. Fizemos um núcleo pioneiro, ãhm... colégio, delegacia de polícia, aeroporto, posto de gasolina, farmácia, igreja, tudo isso, aquele apoio. E, que depois, começaram a chegar as pessoas, que compraram seus lotes rurais e vinham se abastecer no núcleo urbano, na cidade. Num dado momento, ela cresceu e ela estava no município de Aripuanã, no Estado de Mato Grosso. O município de Aripuanã, na ocasião, era o maior município do mundo, era enorme! E... ela, num certo momento, tornou-se distrito do município de Aripuanã, de onde era vista, cuja a sede era vista 80 quilômetros, 90 quilômetros por terra. E foi crescendo, tomando conta. Depois, veio uma crise, muitas crises pelas quais o Brasil passou e deu uma estagnação. Então, as pessoas começaram a ir embora, juros muito caros, não havia preço agrícola, estradas que nós fizemos, elas começaram tornar prejudicial, porque madereiros abatiam madeira, carregavam enormes carretas, pesadíssimas, estragavam as estradas, e... começou a decair muito. Aí fizemos... temos uma idéia: nós tavamos, ao meu ver, dentro de um paradoxo.Nós, com tanta terra, e com tão pouca gente par ir para lá, e o Incra, com tanta gente querendo ser assentada e com pouca terra, na ocasião. Então, eu fiz uma proposta: falei “Se esta cidade morrer, dificilmente ela será ressuscitada”. Porque fica aquela marca - a cidade morta, a cidade parada; não a cidade, o nucleozinho pioneiro. Então, o que eu propus e os sócios da empresa aceitaram: fizemos uma doação de áreas ao Incra, para o Incra assentar seus colonos em área com tudo pronto, estada na porta, infra-estrutura feita, só botar lá “Você fica no lote um, você no dois... vai com tantos hectares cada um”. E fizemos o mesmo mais tarde com o tal de Intermat, que é o Instituto de Terras do Estado do Mato Grosso. O objetivo confessado, declarado no ofício em que nos propusemos à isso. Era justamente conciliar este ter terra e não ter gente, para ocupá-lo e o outro que tinha gente e não tinha terra para ocupar. E não deixar a cidade morrer. Era renovar, dar um sangue novo para o núcleo urbano não morrer. E realmente surtiu efeito e a coisa foi crescendo, depois o Incra no estado não deu a atenção devida aos seus colonos, e ficou... muitos abandonaram ______________ receber dinheiro do Incra, venderam, entre aspas, posses, para terceiros, e.. mas ficou uma confusão. Mas, assim, o lugar prosperou, prosperou assim, a ponto de se tornar município. Como era chamado Conisa, e depois a empresa Conisa, a gleba Conisa, o distrito de Conisa e o Município de Conisa. Eu nunca consegui mudar o nome, eu gostaria de dar um nome de Perseverança Pacutinga, que são nomes de dois rios que passam por lá, bem no centro da cidade. Mas esse projeto tão bonito foi instalado no centro da área, no núcleo urbano, que para depois, por irradiação, atingisse as bordas da área, a partir do centro para as beiradas. E assim, foi traçado, não só do núcleo, como das vias, das estradas vicinais. Acontece que houve uma invasão muito grande, como ela era atraente, e o Incra próximo lá, tinha uma área com muitos assentados, eles..., e sem infra-estruturas, preferiam sair daquele local onde estavam no município chamado Cotriguaçú, invadiram a Conisa para tomar estas terras que ali tinham apoio. Ali tinham escola, igreja, tinha farmácia, tinha tudo isso. Bom... isso foi a grande tristeza da minha vida.
P – Perai, só um minutinho. O senhor falou então, que essa foi a maior tristeza da vida do senhor?
R – A tristeza foi essa invasão, a depredação, porque fugiu do nosso controle. Como nesse país as coisas não funcionam bem, entramos imediatamente com uma ação de reintegração de posse que até hoje não foi cumprida. Até hoje... isso vem desde 1994 ou 98, que teve uma segunda invasão, por aí. Então, houve esta invasão, houve uma devastação da área, uma devastação muito grande. Os invasores derrubaram as melhores árvores: mognos, cerejeiras e outros assim, de primeira qualidade, e foi uma devastação incrível, eu tenho tudo documentado com mapas, fotografias de satélite, de como era quando nós tínhamos o domínio direto e efetivo da área e como é hoje e como foi sendo até hoje. Mas a verdade é que a Conisa tornou-se uma raridade. Ela atendeu a idéia, que tivemos a idéia inicial era fazer __________ este núcleo pioneiro, tornar-se um grande entroncamento rodoviário do noroeste do Estado do Mato Grosso. E ela se tornou. O entroncamento sul, norte, depois sai de Cuiabá, vai uma rodovia até Conisa e lá pra dentro penetrar no sul do Amazonas, ou vem do leste do Mato Grosso, na região de Alta Floresta, quase leste do Mato Grosso, até o Estado de Rondônia, passando por _____ grande entroncamento. Geograficamente, estrategicamente, politicamente, tornou-se uma cidade importante, e é um orgulho ter feito isso. Outro dia, quando eu vim aqui, perguntou se arrepende de ter feito isso – não, não me arrependo. Ela foi a última cidade a ser feita, o último município, última cidade do século 20, a última criada. De lá para cá, não se criaram mais no Brasil. E... hoje ela tem 35.00 habitantes, como ela tornou-se município, ela tornou-se município não só com a área que pertencia, originalmente, à empresa Conisa, mas também à uma vasta área que foi destacada do Município de Aripuanã. Então, hoje, ela tem como divisas o sul do Estado de Mato Grosso, a divisa norte é o sul do Estado... tsc, do Amazonas, a divisa norte é o sul do Estado do Amazonas. A divisa oeste é o sudeste de Rondônia. E à leste é o município de Quatriguaçú e ao sul, o antigo município-mãe que era Aripuanã. Ela é um dos maiores municípios que se tem notícia, tem 27.000 mil quilômetros quadrados, talvez maior que os pequenos principados da Europa, e... tem 35.000 mil habitantes, tem estação de televisão, tem hospital, tem estação de rádio, tem um aeroporto muito bem feito, que nós fizemos... tem... linha de ônibus diária que liga a cidade de Conisa à Capital Cuiabá, enfim, é uma coisa bonita; a parte feia é a invasão e a degeneração irregular da floresta por terceiros.
P – Então a Conisa faz parte da vida do senhor?
R – Faz parte, eu acho que eu trabalho, eu tenho dedicado esses 36 anos da minha vida a isso... esses últimos. Eu acho que é um trabalho que me deu a alegria de fazer tudo isso, e que foi reconhecido por estado; que a assembléia Legislativa do Estado do Mato Grosso me outorgou a cidadania honorária do Estado, há alguns anos atrás. Mas o bonito foi a construção; foi levar as primeiras coisas numa avioneta, um César 506 monomotor, esse foi nosso único meio de comunicação. Do início.
P – O senhor olhando assim, é, assim, é difícil contar a vida inteira, em tão pouco tempo, mas olhando para trás a vida do senhor, o que o senhor diria assim que foram os maiores aprendizados?
R – Bom, o primeiro aprendizado de vida foi dos meus pais. Isso marca até hoje, eu procuro transmitir aos meus filhos e netos... é... princípios de vida.
P – Algum em particular?
R – Amor, amor. Amor, afeição, dedicação, crença, crença, fé, fé católica também, entendeu? Segundo, foi a alegria de ter feito a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Isso pela ordem cronológica. Terceiro foi ter alcançado para mim o que é uma beleza como advogado de empresa de ser lembrado para o Tribunal de Posses do Estado, onde permaneci por 23 anos. E... eu simplesmente adorava, que tinha amigos extraordinários, foi um período muito importante da minha vida. E... por último, por ser continuado, começou há 36 anos e continua, é ter construído a Conisa, é ter feito uma cidade com objetivo, que infelizmente não foi alcançado por causa da falta de apoio político, apoio estatal. Nós denunciamos as invasões ao IBAMA, Secretaria de Meio Ambiente, ãhm... Secretaria de Justiça, Secretaria de Segurança Pública, temos ações pendentes de reintegração de posse, mas infelizmente o Poder Público, ele é nulo, nulo, totalmente nulo. E assim, vai se devastando a Amazônia, e não se sabe por quê. Por ausência absoluta da mera presença do Poder Público. Um fiscal do IBAMA decente que ficasse na região seria o suficiente para acabar com o desmatamento que está, para impedir o desmatamento. Um decente.
P – Se o senhor fosse assim, é... selecionar uma imagem, de alguma coisa que aconteceu na sua vida, qual imagem o senhor selecionaria? (Pausa)
P – Como se fosse uma foto. Esse momento foi um momento marcante. Vale... a sua infância, a sua juventude, vale a escola... é difícil, né?
R – Difícil...
P – Vários, então!
R – Então vários!
P – Isso!
R – Eu ia dizer que eu acho que foi o ingresso na Faculdade de Direito.
P – Foi marcante?
R – Foi porque eu tinha enxaqueca naquela ocasião; teve uma noite que eu estava com uma especial enxaqueca e um colega desta repartição, da Assessoria Técnica Legislativa ligou e eu não tinha telefone no apartamento ali no Bixiga. E ele ligou para o zelador, o zelador foi me chamar, fui atender o telefone para o apartamento do zelador, eu fui atender o apartamento do zelador e fui “Olha, Grimaldi, eu to aqui na faculdade; saiu a lista dos aprovados, você entrou”. Passou a dor-de-cabeça, eu não acreditava, queria rir, chorar, e fui a pé ali de casa, ali do Bixiga, da Rua São Domingos, Maria Antônia, _________, viaduto era Paulina e aí eu cheguei lá na faculdade e fui lá. E tava cheio de gente, né? E... eu queria ver aquilo. Comecei a ver debaixo para cima, né? Do último para o primeiro, né? E lia, lia, lia, lia... os nomes _________ e nada aparecia. Finalmente estava lá eu, em 18º...
P –... Nossa...
R –... É. Aí foi muito feliz, chorei e ri, não conseguia dormir de alegria. Agora, sem dúvida, os que mais tocam são os familiares, sempre... Nascimento de filhos, casamento, tal. Perda dos pais, amizade com os pais, _________.
P – Senhor Antônio, agora realmente a gente ta finalizando, o senhor quer deixar alguma mensagem?
R – Não, eu quero apenas dizer que... eu agradeço muito esta oportunidade, fico honrado com esta oportunidade, que me foi lembrada pela senhora Beatriz Esteve e a esposa do fundador, do presidente da companhia onde eu trabalho, após ler o meu livrinho lá. Mas, é... eu fico contente por poder deixar um pouco da imagem da minha cidadezinha.... Como eu gostaria de transmitir fotografias se tivesse de lá. Mas, fotografias são mentais. Da minha cidadezinha na época que eu nasci.
P – Mas deu para a gente imaginar, a gente viajar com o senhor!
R – É! Então tá bom. Agradeço bastante sua atenção, seu estímulo, dele também, muito obrigado.
P – Em nome do Museu da Pessoa, a gente que agradece pelo depoimento.
R – Ah! E a última coisa: o livro não tem pretensão literária, é passatempo, só. E a necessidade de manter contato com pessoas queridas.
P – Muito obrigada.
R – Obrigado.
FINAL DE ENTREVISTA
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