Projeto Memória dos Bairros
Entrevista de Vani Navi Selaro
Entrevistada por Marina e Stella
São Paulo, 3 de outubro de 2000
Entrevista número 025
Realização Museu da Pessoa
P1 - A primeira coisa que a gente quer que você diga é o seu nome completo, data de nascimento e local onde nasceu.
R - Eu nasci em São Paulo, meu nome é Vani Navi Selaro, nasci em 28 de novembro de 1950.
P1 - O nome dos seus avós?
R - O nome dos meus avós, do meu pai: Pedro Navi e Luiza Zanon Navi; do lado da minha mãe: Avelino Lopes e Ludovina Lopes.
P1 - Eles nasceram aqui no Brasil?
R - Não, os pais do meu pai nasceram na Itália, e o meu avô materno nasceu em Portugal. Vieram pro Brasil crianças.
P1 - Conta pra gente essa história toda.
R - Eu não sei muito porque quando eu nasci eles já estavam bem de idade, na verdade eu conheci só o pai da minha mãe e a mãe do meu pai, e muito pouco também, porque eles morreram quando eu era pequena, então não tem uma história muito longa. Mas eu sei, assim, que eles vieram com aquela demanda... Época de guerra o pessoal debandou da Europa, eles vieram junto. Foi uma vida difícil no começo, até se adaptar num país diferente, mundo diferente, costumes diferentes, mas acabaram ficando aqui, morreram aqui, tiveram seus filhos e isso tudo, e acabaram morrendo aqui mesmo. Eu quase não tive muito contato com nenhum deles.
P1 - E os teus pais nasceram aqui?
R - Nasceram aqui. O meu pai nasceu no interior de São Paulo, em Santa Rita do Passa Quatro, e a minha mãe nasceu em São Paulo, capital.
P1 - O que eles faziam?
R - Minha mãe não fazia nada. Como toda boa dona de casa da época ela só cuidava dos filhos. (risos) Agora, o meu pai trabalhou em várias coisas, aqui no armazém, na época de armazém. Antes de existir os supermercados, era armazém. Depois foi ser eletricista de algumas empresas, fazia manutenção, essas coisas assim, e hoje ele está aposentado, sossegadinho lá no litoral. Meu pai veio pra cá...
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Entrevista de Vani Navi Selaro
Entrevistada por Marina e Stella
São Paulo, 3 de outubro de 2000
Entrevista número 025
Realização Museu da Pessoa
P1 - A primeira coisa que a gente quer que você diga é o seu nome completo, data de nascimento e local onde nasceu.
R - Eu nasci em São Paulo, meu nome é Vani Navi Selaro, nasci em 28 de novembro de 1950.
P1 - O nome dos seus avós?
R - O nome dos meus avós, do meu pai: Pedro Navi e Luiza Zanon Navi; do lado da minha mãe: Avelino Lopes e Ludovina Lopes.
P1 - Eles nasceram aqui no Brasil?
R - Não, os pais do meu pai nasceram na Itália, e o meu avô materno nasceu em Portugal. Vieram pro Brasil crianças.
P1 - Conta pra gente essa história toda.
R - Eu não sei muito porque quando eu nasci eles já estavam bem de idade, na verdade eu conheci só o pai da minha mãe e a mãe do meu pai, e muito pouco também, porque eles morreram quando eu era pequena, então não tem uma história muito longa. Mas eu sei, assim, que eles vieram com aquela demanda... Época de guerra o pessoal debandou da Europa, eles vieram junto. Foi uma vida difícil no começo, até se adaptar num país diferente, mundo diferente, costumes diferentes, mas acabaram ficando aqui, morreram aqui, tiveram seus filhos e isso tudo, e acabaram morrendo aqui mesmo. Eu quase não tive muito contato com nenhum deles.
P1 - E os teus pais nasceram aqui?
R - Nasceram aqui. O meu pai nasceu no interior de São Paulo, em Santa Rita do Passa Quatro, e a minha mãe nasceu em São Paulo, capital.
P1 - O que eles faziam?
R - Minha mãe não fazia nada. Como toda boa dona de casa da época ela só cuidava dos filhos. (risos) Agora, o meu pai trabalhou em várias coisas, aqui no armazém, na época de armazém. Antes de existir os supermercados, era armazém. Depois foi ser eletricista de algumas empresas, fazia manutenção, essas coisas assim, e hoje ele está aposentado, sossegadinho lá no litoral. Meu pai veio pra cá criança, ele veio com a minha avó, que eu acho que já... eu não sei dizer se o meu avô já era falecido ou não, eu sei que a minha avó com os filhos, era um monte de filhos, acho que eram onze ou doze, por aí, veio de Santa Rita pra São Paulo, eles eram crianças ainda. Então, aí ele conheceu a minha mãe aqui em São Paulo, cresceram e tudo, se conheceram ainda adolescentes, a minha mãe casou bem nova, com uns quatorze pra quinze anos.
P1 - Eles moravam onde, em que bairro?
R - Em São Paulo mesmo, nas imediações de onde eu moro atualmente. Na realidade, essa casa que eu moro, que hoje é minha, foi passada pra mim pelo meu pai.
P1 - Essa casa onde você nasceu?
R - Não, foi uma casa próxima. Pra essa casa onde eu moro hoje eu fui quando tinha, acho, que um ano e meio, mais ou menos. Não tinha dois anos ainda.
P1 - Como era a infância?
R - Minha infância? Minha infância foi ótima! Até os oito anos eu fui filha única, então era o maior mimo, eu era praticamente a caçula da família toda, tanto da minha mãe como do meu pai, era bem paparicada por todo mundo, então foi uma infância bem gostosa. Meu pai tinha, não rico, mas tinha um poder aquisitivo razoável, então a minha infância foi bem boa mesmo, não posso me queixar não, falar, né, "quando criança tinha só miséria e tal"... Não, a minha infância foi muito boa.
P1 - Tinha uma vizinhança boa?
R - Tinha, tinha sim. Tinha bastante primo, primas mais ou menos da mesma idade, então eu tinha muito contato com bastante criança.
P1 - Do que é que vocês brincavam?
R - A gente brincava de tudo que tinha na época, que hoje em dia a criançada já não brinca mais... então era pipa, bolinha de gude, um pouco de boneca, depende do dia, depende da companhia, a gente brincava um pouco daqui, um pouco dali. Tinha acho que uns cinco, seis anos, mais ou menos, eu fui para o Clube Esperia, eu era sócia do Clube...
P1 - Do que era?
R - Clube mais assim de recreação mesmo, ele é aqui na Marginal Tietê.
P1 - Mas ele não é aquele que se chama Tietê hoje?
R - Não, ele é do lado, Esperia é do lado. Até o Tietê nasceu depois do Esperia. Então eu ia pra lá e era uma coisa ótima, porque tinha bastante criançada, a gente aproveitava bastante.
P2 - Como é que era o rio na época, o rio Tietê?
R - O rio Tietê era uma maravilha, né? Tinha até regata. Aquele sol, naquela época eu tinha o quê? uns quatro ou cinco anos... faziam regatas, o pessoal treinava barco.
P2 - Remo.
R - Remo, era ali no rio Tietê, era limpíssimo, não tinha essa coisa horrorosa que é hoje, que não dá nem para passar perto. Antigamente, naquela época, o pessoal até nadava no rio, porque pra fazer o remo às vezes caía um dentro d’água e não tinha perigo de morrer com a poluição, era bem tranquilo.
P1 - Você chegou a nadar no rio?
R - Não, porque eu não sei nadar até hoje.
P1 - Mas seus pais nadavam?
R - Meu pai sim, meu pai é campeão sulamericano, campeão brasileiro de natação; então ele sempre nadou muito bem, e ele sempre tentou fazer com que eu aprendesse a nadar, mas eu gosto muito de brincar, de praia, essas coisas, mas nadar mesmo, começar aquela água a entrar pelo nariz, não dá.
P1 - Ele nadava no Tietê?
R - Ele chegou a nadar muito, muito tempo. Ele já era sócio do Esperia, acho que antes de eu nascer até, então ele chegou a nadar lá, era limpíssimo, não tinha problema nenhum.
P1 - E a profissão dele qual é?
R - A profissão do meu pai, ele atualmente não está fazendo nada, ele hoje é aposentado.
P2 - E quando você era menina?
R - Ele tinha um armazém, era um armazém grande, e toda a vizinhança ia comprar no armazéns do meu pai, porque não existia o supermercado. Depois é que ele fechou o armazéns, porque nasceu o primeiro supermercado bem na esquina da minha casa. Tinha que ser bem ali na esquina? Aí acabou com o armazéns dele. Então, como ele era eletricista, tinha uma formação assim, ele foi trabalhar numa firma chamada Vitrais Conrado. Fazia azulejos, pisos e petrificados, ele foi fazer, trabalhar com as fórmicas de piso. Então ele ficou muitos anos lá, só saiu porque a firma fechou, aí dali pra cá ele começou a trabalhar particular, trabalhava um pouco pra um, um pouco pra outro, mas também já não tinha...
P2 - Nessa passagem dos armazéns pra ser empregado, caiu o padrão de vida da família?
R - Não, não caiu, porque já tinha casa própria, já tinha uma estrutura montada e ele ganhava muito bem porque eram poucas, na época, as pessoas que trabalhavam dessa forma, tinham conhecimento do trabalho que ele fazia, então ele foi ganhando muito bem; mesmo porque ele era chamado às vezes, o forno trabalhava vinte e quatro horas, e às vezes ele era chamado no meio da noite, então por causa desse tipo de coisa eles pagavam muito bem, então o padrão foi sempre o mesmo.
R - Você lembra onde ele estudou, se ele fez algum curso?
R - Olha, o meu pai trabalhou, estudou no Rio de Janeiro durante a mocidade dele, antes de conhecer a minha mãe e tal, essa parte eu esqueci de falar, ele veio pra São Paulo do interior e depois foi para o Rio, então ele estudou, ele trabalhou na Marinha, dentro da Marinha ele foi ser telegrafista, foi trabalhar com mapas, os estudos todos que ele tem praticamente foram feitos dentro da Marinha. Depois disso, ou antes disso eu não sei, ou se na mesma época, ele foi fazer um curso de elevadores...
P1 - Para ser ascensorista?
R - Não, para ser técnico. Então eu acho que ali ele já foi se encaminhando para essa parte, porque naquela época os elevadores eram mecânicos, não eram todos eletrônicos como é hoje. A Otis estava se instalando aqui no Brasil, então ele foi fazer um curso dentro da Otis mesmo, para trabalhar lá com eles, isso antes do casamento. Ele voltou pra São Paulo e foi aí que ele casou com a minha mãe. Então eu acredito, não tenho bem certeza, mas eu acredito que foi nessa época que ele fez esse tipo de estudo e que deu a oportunidade pra ele depois arrumar este outro trabalho.
P2 - Como é que foram os seus tempos de escola?
R - Eu sempre gostei muito de estudar, exceção de toda a garotada, mas eu sempre gostei de estudar, então eu achava legal, eu achava bom. Os meus primeiros anos de escola foram no S.H.A.
P2 - Onde?
R - S.H.A., Santana, rua Amaral Ramos.
P1 - É escola pública?
R - Não, particular. Depois eu passei pra escola pública porque a minha mãe engravidou e o S.H.A. apesar de ser no mesmo bairro era um pouco distante...
(PAUSA)
P1 - Você estava falando que saiu da escola do S.H.A....
R - Porque a minha mãe ficou grávida e teve alguns problemas durante a gravidez e tal, então eu tive que ir para um colégio mais perto de casa. Eu fui para um colégio de freiras e acabou dando problemas porque como o meu pai não é católico...
P1 - Ele é o que?
R - Meu pai é espírita. Então ele nunca obrigou a gente a ser espírita, nem católico, nem nada, e o S.H.A. também não é um colégio que obrigue ninguém, eles ensinam o Evangelho, mas a parte religiosa fica por conta dos pais, então eu nunca tive uma formação religiosa muito rígida, aí eu saí. Saí e fui para um colégio de freiras, e começou a dar problemas, porque tinha missa, tinha aquele negócio de beijar a mão do padre, e não sei o quê, então eu achava que não tinha que fazer porque eu nunca tinha feito.
P1 - uma disciplina muito diferente do S.H.A.?
R – Muito diferente.
P1 – Como era no S.H.A.?
R – S.H.A. eles vão mais pro lado, ou iam na época, agora eu não sei como é, na época uma coisa mesmo de formação moral, de caráter, civismo, eles procuravam valorizar essa parte, além do estudo que era muito avançado. Então eles ensinavam a cultivar plantinhas, a gostar de animaizinhos, era muito bom para o desenvolvimento geral da criança, eu achava ótimo; a criançada gosta desse tipo de atenção diferente, não é só aquela aula chata que fica só ali falando e tal.
P2 – Só uma coisinha, o que é S.H.A.?
R – Solidariedade Harmonia e Amor, S.H.A. mesmo, a sigla deles é essa. Eles procuravam transmitir para o aluno exatamente isso: o companheirismo, a amizade entre as crianças e tal. Quando eu fui para o colégio de freiras era uma disciplina completamente diferente: todos os dias formava uma fila, tinha que ficar rezando, então todo aquele civismo, aquele patriotismo que eles punham pra gente no S.H.A. acabou. Eles iam mais pro lado da religião, tinha missa quase todos os dias, acho que era três vezes por semana, eu não lembro mais, tinha as missas, beija a mão do padre, aquela confusão toda e eu não queria, eram mil advertências, até que eu fui obrigada a sair da escola. Apesar de eu ser uma ótima aluna acabava tendo notas mais baixas, porque eu não seguia a disciplina deles. Aí sim eu fui para uma escola pública. Fui para uma escola pública eu já estava acho que no último ano, e naquela época também não era primeiro grau, era primário, eu fui pra um colégio em Santana, ali na Cruzeiro do Sul, que hoje eu acho que já nem existe mais, ou mudou de endereço, não sei.
P2 – Como era o nome?
R – Era Buenos Aires, que eu fui fazer o ginásio. Foi Buenos Aires, depois eu fui pro CEDOM que era mais perto de casa.
P2 – O que era CEDOM?
R – CEDOM, agora não sei, é Colégio Estadual...
P2 – Tudo bem.
R – Não sei o que lá de Campos. Fui pro CEDOM que era ali bem pertinho da minha casa e terminei o ginásio ali. O bom disso tudo é que apesar dessas mudanças todas de colégio eu nunca perdi um ano de escola nem nada. Eu fui morar na cidade, saí ali de Santana e fui pra cidade, porque como o meu pai era muito requisitado nessa firma, ele já trabalhava nessa firma, e ficava difícil porque nós não tínhamos telefone na época, então eles tinham que sair lá dessa firma e ir buscá-lo... chegava lá ele estava dormindo, problemas. Nós fomos morar numa casa que era da própria firma ali na Consolação.
P1 – Descreve pra gente como era o bairro na tua lembrança? Santana.
R – Cresceu muito, lógico, nesses últimos tempos, mas a estrutura mais ou menos, principalmente daquele pedaço que eu moro, não mudou muito. A rua onde eu moro quando eu era criança era de terra, hoje é asfalto, não tinha luz, hoje tem luz de mercúrio, mas basicamente as mesmas que existiam naquela época existem hoje, então é uma ruazinha tranquila. O bairro mudou bastante, tem muitos prédios, é um centro comercial enorme agora, é uma área muito valorizada por causa do Horto Florestal, Serra da Cantareira, tem um ar mais puro, é uma área bem valorizada. É muito gostoso lá o bairro, tudo o que você possa imaginar de um centro, tem ali. Obviamente faltam algumas coisas porque um bairro que cresce de repente acaba desestruturando tudo, mas basicamente é um bairro muito gostoso pra se morar, pra se viver, porque não tem essa loucura do centro, essa poluição toda, é uma coisa mais tranquila. Isso do lado que eu moro, que já não é aquele centro, ali, comercial de Santana mesmo, é um pouco mais afastado, fica a meio caminho, vamos dizer assim, do Horto Florestal. O pedaço já é mais gostoso.
P1 – Vocês vieram para a cidade quando?
R – Nós viemos morar aqui na Consolação.
P1 – Isso foi em que ano?
R – Isso foi... ah, eu tinha na época acho que onze anos...
P1 – Em 1961?
R – Mais ou menos por aí. Nós moramos durante alguns anos ali, o meu pai ficou trabalhando na firma até que a ela fechou. Eu estudava num colégio ali na Rua Augusta, a minha irmã também.
P2 – Lembra o nome do colégio?
R – Frederico Ozanam, bem na Rua Augusta. Foi ali que eu conheci o meu marido, porque ele é músico, então ele tocava numa boate numa travessa da Rua Augusta, foi ali que eu conheci ele e a gente começou a namorar, casou, ficamos... ainda nessa casa, que era dessa firma, nós ficamos acho que uns seis meses depois de casados.
P1 – Com a mãe e o pai?
R – Com a minha mãe e o meu pai junto. Nós saímos dali e fomos morar num apartamento porque a minha casa, essa de Santana, estava alugada. Como a firma fechou e nós tivemos que desocupar e tudo mais, deu um problema, não sei que tipo de problema, foi tudo a leilão, e nós tínhamos que sair, e como a minha casa estava alugada nós fomos morar num apartamento na rua Augusta, ficamos um ano morando ali, aí é que nós conseguimos voltar. O meu primeiro filhinho, o primeiro filho, já tinha um aninho quando nós voltamos pra essa casa que eu estou até hoje.
P2 – Até hoje? E hoje o seu filho tem quantos anos?
R – Até hoje. O meu filho tem trinta e um.
P1 – Nasceu em que ano?
R – Em 1967.
P1 – E você conheceu seu marido onde, na escola ou...?
R – Não, foi uma casualidade. Eu tinha vindo pra Santana na casa de uma tia, estava voltando pra casa e conheci assim, na rua, foi uma coisa assim. Eu achei... era garota na época, tinha uns quatorze anos, ele já era um rapazinho, tocava em boate e tal, então a gente acaba ficando envaidecida até, uma atenção, músico e tal...
P1 – Ele toca que instrumento?
R – Ele toca violão, hoje toca um pouco de teclado também. Mas o conjunto dele basicamente é assim um trio, eles tocam bossa nova, MPB, essas músicas.
P1 – Você achava muito diferente Santana de Consolação, depois Augusta? É muito diferente?
R – Muito diferente.
P1 – O que você lembra, o que mais te impactou quando você chegou na Consolação?
R – O movimento é muito diferente, a rua que eu moro, e que morava já na época, é uma rua calma, tranquila, na época que eu morava lá não tinha nem asfalto, tinha asfalto nas avenidas, nas travessas não. Vem pro centro, pra Consolação, Rua Augusta, é aquela confusão, porque naquela época a Rua Augusta era o auge dos barzinhos e tudo, era muita diferença, as butiques eram moda ali, tudo da rua Augusta era moda, era muito movimento. E a rua de casa também, que era a rua Bela Cintra, era também muito movimento, então foi uma coisa assim, bem chocante mesmo, porque lá a gente andava no meio da rua, ali não, era carro pra cima e pra baixo toda hora, às vezes de madrugada aquela barulheira, mas em termos de conforto... de lojas, vamos dizer assim, a diferença não era muita, só que ali era o point. Hoje em dia já é a Henrique Schaumann, Jardins, é o que era a Rua Augusta na época.
P2 – E vocês iam muito ao teatro, cinema, nessa época?
R – Olha, eu ia bastante ao cinema sim. Tinha o Cinerama, que era novidade, aqueles terceira dimensão e tal, então a gente frequentava muito, bastante. Tinha o Canal 9, o auditório do Canal 9, na rua Nestor Pestana, então tinha uns shows da Jovem Guarda.
P1 – O que mais vocês faziam pra se divertir?
R – Eu frequentava bastante o Esperia, lá tinha bastante evento esportivo e tal, e fora isso tinha os bailinhos, que na época eram moda e agora não tem mais, mas tinham os bailes onde a gente encontrava os namoradinhos, a gente sempre fazia muita amizade. E o meu pai sempre foi uma pessoa assim, que achava que os filhos deviam ter uma liberdade, ele me levava até lá porque na época uma garota sozinha não podia estar às dez horas na rua, então ele me levava, e ia lá bater papo com os amigos que também tinham filhas da mesma idade que eu, não era de ficar junto pra ver se eu estava namorando, mas ele levava e depois ele ia pra casa. A gente ia bastante em diversão, hoje em dia a molecada tem mais computador, televisão, vídeo game, aquela coisa mais bitolada. Naquela época eu acho que a gente vivia mais, o adolescente vivia mais, tinha mais contato com a terra, com o esporte… às vezes até por isso que essa Olimpíada nossa foi um fracasso total. De repente a gente estava perto do Horto também...
(PAUSA)
P2 – Perto do Horto...
R – A gente fazia muito piquenique, Serra da Cantareira também, a gente fazia piquenique, passava o dia.
P2 – E a condução de lá pro centro da cidade como é que era?
R – Na época nós tínhamos alguns ônibus que vinham lá do Tucuruvi, Jaçanã, esses lugares assim, até a Praça do Correio.
P2 – O “centrão” era a Praça do Correio?
R – Era. Os pontos finais todos eram na Praça do Correio, dali cada um que se virasse, outro ônibus ou a pé pra ir pra qualquer outro lugar, mas os pontos finais dos ônibus, pelo menos lá da Zona Norte, eram todos na Praça do Correio.
P2 – Nós estamos em que época, mais ou menos?
R – Nós estamos em 1960, mais ou menos.
P1 – Você tinha uns dez anos?
R – Mais ou menos.
P1 - Nessa época vocês ainda não tinham saído de Santana?
R – Não, ainda não, essa época ainda não tinha saído.
P1- Depois que vocês mudaram pra Consolação, vocês voltavam pra Santana pra fazer...?
R – Sim, algumas vezes sim. Porque a minha família toda mora lá, a família do meu pai, então a gente ia muito visitar os meus primos, minhas tias, tinha aquela época de fazer visita, passar o dia, almoçar na casa do irmão ou da irmã, juntava a família toda, a gente fazia muito isso. A gente estava sempre muito em contato, mesmo porque meu pai ainda tinha a casa lá, a casa permaneceu dele, estava alugada mas era dele.
P1 – Você iam como, com qual transporte?
R – De ônibus. Quando eu mudei para a Consolação ainda tinha o bonde. (risos) É engraçado, mas tinha o bonde ali na avenida Consolação, passava o bondinho.
P2 – E como é que era o bonde?
R – Eu não lembro muito porque foi logo em seguida que eles tiraram, porque alargaram a avenida e puseram outros ônibus e tal, mas eu lembro que tinha os bondes e "pralalalam", faziam os barulhinhos deles lá. Às vezes os meus filhos dizem: “Mãe, você é velha.” (risos)
Fazer o que, né?
P1 – Fora essas visitas aos parentes, vocês passeavam por alguns lugares na cidade?
R – Você diz assim pra ir para outro lugar? A gente fazia mais esse tipo de visita pra parente, às vezes alguns amigos do meu pai, da minha mãe e tal, a gente ia.
P2 – Todo domingo vocês faziam visitas, todo sábado?
R – Nem todos, mas a maioria, às vezes vinham os outros, quando a gente não ia, os outros vinham. Principalmente a família do meu pai, eles eram muito unidos os irmãos e tudo, os irmãos, as cunhadas, até porque cada uma, quando foram casando, elas todas foram morando perto, então formou aquela amizade grande entre as cunhadas principalmente, os meus primos e as minhas primas quase todos da mesma idade, um pouco mais novos, um pouco mais velhos, mas regula um pouco. A proximidade era grande, tanto que Natal, Ano Novo, essas festas assim, a minha casa era abarrotada, sempre tinha aquele monte de gente, a minha mãe começava a fazer doce, salgado e decoração de Natal, de Ano Novo, um mês antes. Em novembro a minha mãe já sabia a comida que ela iria fazer, a roupa que ela iria vestir, como que a casa iria ficar, ela já estava preparando tudo, era ela quem fazia tudo, então ela já começava a preparar as decorações tudo, um mês antes.
P2 - Nesse tempo ia para a faculdade?
R – Eu nem pensava em faculdade, mesmo porque como eu casei cedo eu achei que eu não iria estudar mais.
P2 – Vamos fazer esse comentário depois.
P1 – Na sua casa da Consolação, era muito diferente da casa de Santana?
R – Era, porque a parte de baixo da casa era uma meia mansão vamos dizer assim, só que a parte de baixo era o departamento de vendas da fábrica que era em Santo Amaro, então toda a parte debaixo dessa casa era uma sala de gerência, diretoria etc. e tal, e nós morávamos na parte de cima, então tinha aquela restrição, não podia fazer barulho, principalmente durante o dia, porque a gente morava na parte de cima da casa. A casa era a mesma, não podia ficar subindo e descendo porque a escada saía no meio do corredor dos escritórios, então tinha uma série de restrições, e na minha casa não, eu entrava e saía a hora que eu queria, subia, descia e batia a porta e não tinha problema nenhum, isso foi uma mudança que eu estranhei um pouco. Logo depois o dono da firma acabou me pegando pra trabalhar, eu gostei também porque eu gostava de xeretar: “Já que você gosta, não quer começar a trabalhar?” Eu comecei a trabalhar.
P2 – Você tinha quantos anos?
R – Tinha uns doze, treze anos. O que eu fazia era atender o telefone, trabalhava na seção de vendas, atendia o telefone, não tinha grandes compromissos... datilografia na época, eu comecei a trabalhar assim. Quer dizer, tudo que eu vim a saber de escritório, toda a parte que eu adquiri pra trabalhar dentro de um escritório, foi lá. O pessoal era muito legal, tanto que eu era pequena e garotinha e tal, porque naquela época tudo o que eu ia fazer, eu era a mais nova, então todo mundo achava meio que era o meu pai ou a minha mãe, todo mundo tomava conta. Depois que comecei a trabalhar é que eu me acostumei mais, porque aí eu ficava o dia todo no escritório e não tinha mais aquela restrição, não pode subir, não pode descer e tal, mas no começo eu fui resolvendo um pouco.
P2 – Como é que você foi resolvendo a ampliar os seus estudos?
R – Depois que eu casei, porque aí eu embalei nesse de trabalhar, quando eu casei eu estava trabalhando, vinha aquele: "Mulher não precisa trabalhar, tem que cuidar do filho e não sei o que e ‘bababá’." Eu falei: "Já que eu não vou trabalhar, eu vou estudar. Porque ficar dentro de casa sem fazer nada também..." Nessa época eu ainda morava com a minha mãe. Nós saímos ali da Rua Augusta, voltamos para a outra casa.
P2 – Mesmo casada?
R – Mesmo casada, eu fiquei um ano, um ano não, até nascer o meu segundo filho, aí a minha mãe que mudou.
P1 – Vocês saíram da Rua Augusta para Santana?
R – Isso. Aí eu fiquei ainda morando com ela até quando nasceu o meu segundo filho, que foi em 1972. Como eu não tinha nada pra fazer, a minha mãe é quem paparicava o neto o dia todo, o meu marido dormia metade do dia porque trabalhava a noite. Meio dia, uma hora, ele estava dormindo.
P1 – Ele trabalhava onde?
R – Ele trabalhou em vários lugares, restaurantes, naquela época eram salões, trabalhou muito em Moema, naqueles salões que tinham em Moema, as casas de samba, Barracão de Zinco. Eu recomecei a estudar e foi aí que eu comecei a fazer feira, porque eu precisava, apesar de não pagar a faculdade, eu precisava de livros, de cadernos, de condução da Cidade Universitária até Santana e tudo mais. Eu precisava ganhar, apesar do meu marido ganhar bem, a gente não pagava aluguel, tínhamos uma vida tranquila, mas também o estudo, aí acabou ficando meio apertado.
P1 – Isso foi em que ano?
R – Isso foi... o meu filho tinha dois anos, foi em 1970 mais ou menos.
P1 – Quando você retomou os estudos já foi direto aos estudos universitários?
R – Não, eu terminei o segundo grau.
P1 – Você retomou a partir de que série?
R – Do segundo ano do segundo grau. Eu fiz... Estava começando nessa época aquele curso, Segundo Grau. Foi aí que eu fui me animando um pouco, porque pra sair todos os dias eu tinha aquele problema, de criança pequena... eu recomecei daí, com telecurso, só ia lá fazer as provas do colégio, daí eu fui me encaixando: fazer o cursinho, faculdade. Aí é que eu comecei a fazer feira porque eu tinha a semana livre pra poder estudar e só trabalhava no Domingo. A primeira feira que eu comecei a fazer foi a da República, trabalhava com pedra na época, a gente começou a fazer bijuteria com pedra brasileira, pedra bruta, fazia bijuteria, fazia porta jóias revestido em pedra.
P2 – De onde surgiu a ideia de você fazer feira? Você estava estudando e tal, o seu marido era músico...
R – Quem começou na verdade foi um tio, irmão do meu pai, ele trabalhava com selos e moedas. Eles punham, mas trocavam na época, porque era o começo da República, ele ia pra lá todos os domingos, e viu que tinha sempre muita gente, já estava começando aquele movimento hippie, os hippies estavam começando a se infiltrar na Praça da República. Ele chamou, não bem chamou, eles começaram a levar a gente mais pra conhecer, então nós vimos que tinha realmente um campo bom de trabalho, foi aí que a gente teve a ideia: "Vamos fazer alguma coisa diferente, vamos." O que funcionava muito bem eram as pedras, porque tinha muito turista que ia lá atrás de coisas mais típicas brasileiras, as pedra chamavam muito a atenção, a gente teve a ideia de começar. No comecinho o meu primo, que era filho desse meu tio, trabalhava já com pedra, só que ele trabalhava com pedra bruta, sem fazer nada, só as pedra mesmo, em quilo, a gente começou a pegar, desenvolvendo modelos, essas coisas assim... nós ficamos alguns anos ali na República. Naquela época não tinha aquela de licença, de ter que pagar para a prefeitura, era só chegar lá e ir ficando.
P1 – Tinha muita gente?
R – Já, já tinha bastante, mas era mais filatelia mesmo. Começaram um pouco os pedristas, é chamado de pedristas, um pouco de artes plásticas e foi ampliando. Antes de ter a regulamentação eles achavam que não era uma coisa boa, eles começaram... a polícia a pegar e era uma correria, foi aí que quando começou essa confusão de ter que correr, e perdia material, que eles punham os cavalos pra subir em cima das coisas, foi uma época...
P1 – Em que época?
R – Isso foi em 1973. Aí eu parei porque eu falei: "Não vou ficar correndo de cavalo."
P1 – Qual era o argumento deles?
R – É porque era na época da Ditadura, eles não queriam, não adiantava você falar assim: “Não estou fazendo nada.” "Não pode ter aglomeração. Não pode ter e acabou." Eles achavam que não podia porque estava falando contra o governo, o medo deles era esse, eles tinham... Como eles colocavam todo mundo pra correr eu falei: "Eu não vou ficar me sujeitando a esse tipo de coisa." Nós paramos, na época quando começou essa correria, a gente parou. Depois, quando eles começaram a dar as licenças, eles regulamentaram as feiras e tudo mais, nós voltamos.
P2 – Na própria República?
R – Eu fiz Anhembi, tinha uma feira na marquise ali do Anhembi, fiz algumas feiras assim. Na Praça tinha uma... não lembro, tinha uma entidade que fazia ali na Praça da Sé, dos eventos, a gente participava dos eventos. Pela Prefeitura eu fui fazer umas feiras de sábado.
P1 – No Anhembi e na República vocês iam todos os dias?
R – Não, era só aos domingos, tanto uma como a outra. Quando o Anhembi mudou a feira de lugar, começou a perder o movimento, tudo mais, e a gente parou. Nessa época estava começando a Feira da Liberdade.
P1 – Isso era em que época?
R – Eu vim pra Liberdade em 1978. Quando estava praticamente começando a feira, tinha muito lugar e tudo mais, eu vim pra cá. Fazia feira aos sábados, que eles chamavam de Feira de Bairros, que eram quatro bairros, cada sábado a gente ia para um bairro diferente.
P1 – Por exemplo...
(PAUSA)
P1 – Você estava falando das feiras, que você começou a expor, que era a Feira dos Bairros, que era em quatro bairros.
R – Exatamente. A gente fazia Vila Maria, fazia Tatuapé, Santo Amaro e Vila Formosa, foi restringindo porque as feiras nem sempre eram muito boas, acabou ficando só Santo Amaro. A gente fazia na República aos domingos, depois aqui, terminava a República às duas horas e depois a gente vinha pra cá.
P2 – Aqui na Liberdade?
R – Aqui na Liberdade, isso. A gente fala pra cá porque eu sei onde eu estou, né? (risos) A gente vinha pra Liberdade, depois da Liberdade.... só que a Feira da Liberdade ia até às oito horas da noite, ela começava à uma hora da tarde e ia até às oito da noite. Como começou a ter muita procura, o pessoal da Liberdade e tudo, eles começaram a fazer a partir das dez da manhã e acabou ficando até às oito da noite. Hoje é até às sete e só, mas durante muitos anos ficou das dez da manhã às oito da noite.
P2 – Desde que ano está funcionando esta feira?
R – Olha, faz vinte e seis anos.
P2 – E nesse tempo todo você reparou uma diferença de frequência?
R – Bastante.
P2 – Explica isso... vai mais gente? Que tipo de gente?
R – O tipo de público mudou bastante.
P2 – Como assim?
R – Porque na época em que a gente começou a fazer feira de artesanato, o artesanato era moda, então era chique você ter uma peça de artesanato na sua casa, não importava o quanto você cobrasse, porque era uma peça exclusiva, era um tipo de trabalho diferente, feito tudo manualmente, então era valorizado esse tipo de trabalho naquela época. Hoje em dia as feiras são procuradas por pessoas que querem pagar menos. O artesanato foi desvalorizando até pela infiltração de pessoas que achavam que fazer o artesanato não dava, então eles começaram a comprar e revender, e foi caindo o preço, foi caindo o nível de qualidade das feiras. O nível de público também foi caindo, isso é óbvio. Hoje em dia quem vem na feira de artesanato vem procurar na realidade um produto mais barato, que na loja vai pagar cinquenta, na feira sabe que vai pagar vinte e cinco.
P2 – Mas que coisas tem nas feiras que sabe que vai ter nas lojas?
R – O pior de tudo, vamos dizer assim, é a bijuteria. Que a pessoa vem, faz um teste... porque em todas as feiras de artesanato, pra você entrar, tem que fazer um teste prático, pra dizer que você realmente faz, você tem que demonstrar.
P1 – Como é este teste? Quem é que faz?
R – Hoje em dia tudo está na mão do SEMAB, que é a Secretaria Municipal de Abastecimento, desde a época do Jânio pra cá.
P2 – Abastecimento, SEMAP?
R – SEMAB, B.
P1 – Como é o teste?
R – Você faz a inscrição, é claro, e depois você faz o teste prático pra demonstrar que realmente você faz, traz uma amostra pronta e depois você executa, tem três, quatro horas pra você executar uma peça semelhante àquela, isso vai demonstrar que você realmente faz. Mas as bijuterias o pessoal vai lá faz esse tipo de coisa, e depois vai lá, compra e revende. Agora, se ele já está credenciado porque ele passou no teste, fica difícil você tirar essa pessoa novamente da feira.
P2 – Mas não tem fiscalização?
R – A fiscalização da SEMAB… apesar de a SEMAB ser essa parte de artesanato, a coordenação do artesanato tem muito boa vontade e tudo mais, a coordenadora, Dra. Eliana, trabalha, sempre procura trabalhar da melhor forma possível... mas é precário, a fiscalização é precária, as pessoas que são empregadas, elas não tem o conhecimento necessário que deveriam ter, pra distinguir o que é artesanato e o que não é, fica difícil. Mesmo a gente tenta, como tem aqui na Liberdade a Associação dos Expositores, mas serve só pra nós termos uma união, os expositores, mas não serve pra dizer: "Ah, você está revendendo uma mercadoria, você tem que sair da feira." Nós não temos essa autoridade, a pessoa continua exercendo esse tipo de...
P2 – Você falou na parte de frequência, agora na do artesanato o que é que tinha no começo e agora o que é que tem na feira? No começo, por exemplo, o que é que o pessoal vendia?
R – Tinha muito mais naquela época, como eu falei, por causa do nível de frequência, muito mais naquela época, se vendia arte: esculturas...
P2 – A mesma coisa...
R – A mesma coisa.
P2 – Pensei que essa tivesse características diferentes.
R – Aqui a única característica diferente é que tem bastante coisas orientais, hoje em dia também já descaracterizou um pouco, ela nasceu como uma feira oriental.
P2 – O que é que tinha então?
R – Eram todos artigos típicos de papel, de madeira, de bambu, muita coisa de bambu que era usada pelos orientais, que eles vieram trazer essa arte pra cá, seda, bonequinhas de porcelanas vestidas de chinesas, japonesas e tal, esse tipo de coisa, a arte era mais oriental. Hoje a rapaziada não quer mais saber, pessoas que já são mais de idade não tem mais condição de continuar com essa arte, então a feira foi ficando mais mista, e hoje em dia ela é mais brasileira do que oriental mesmo.
P2 – O que tem nessa feira hoje de oriental é artigo, coisa de bambu, colheres e comida, e só?
R – Isso, e só. Tem ainda algumas coisas, tipo origami, dobraduras de papel, aqueles cortes de papel e ainda tem algumas barracas. Entrou, nesse último teste que foi agora, há uns três meses atrás mais ou menos, entrou umas coisas tipo chinesas, uma técnica de nós chinesa, tem algumas coisas que a gente tentou puxar de volta da cultura oriental, que é pra que tenha realmente uma diversificação, não seja uma feira como outra qualquer.
P1 – Tem comida desde o começo?
R – Tem comida desde o começo, desde que começou a feira o grande atrativo que eles procuraram fazer foi exatamente a comida oriental sendo vendida, que é o "bentô", que eles chamam de "bentô", aquela comida mista que vendida num pratinho fechado.
P2 – "Bentô", é comida japonesa?
R – É.
P1 – Qual é o produto que mais vende na feira?
R – A comida, o que mais vende é a comida. O que atrai mesmo o grande público, principalmente por ser comida oriental, tem tanto comida japonesa como chinesa, atrai muito o público, é a parte que mais atrai, a comida mesmo.
P2 – Quem são esses que fazem a comida, eles têm restaurante ou eles só fazem ali?
R – Alguns tem restaurante, tem algumas pessoas que tem restaurante. Aquele do bolinho, eu não sei o nome, de massa de feijão, eles têm. Isso, eles até importam aqueles docinhos, tem uma fabricazinha mesmo porque é muito procurado e a qualidade dos produtos da feira são bons.
P2 – São? A comida é boa?
R – É fresquinha, é feita na hora, bastante higiene, eles procuram fazer com que as pessoas saiam bem servidas.
P2 – Essa parte de higiene tem fiscalização?
R – Tem. A SEMAB tem uma divisão que é chamado de SEMAB Visa, que é a vigilância sanitária, eles vêm às vezes fazer testes de qualidade, pra ver se a comida é fresca, então eles pegam um pouquinho de cada um e analisam, tem essa vigilância sim.
P2 – Como é o relacionamento de todos esses feirantes?
R – Relacionamento… é estranho, porque cada um pensa de um jeito diferente.
P2 – Vocês não estão montando uma Associação?
R – Estamos, mas juntar a cabeça de todo mundo é muito difícil, cada um pensa de uma forma diferente. A gente tem pessoas ali que tem um grau mais elevado, outros menos, cabeça mais aberta, outros menos, um é petista e o outro é peemedebista, sabe? Então fica meio diferente, difícil. Mas a gente procura fazer com que haja uma harmonia entre todo mundo. Vive-se passando circulares, como viver em sociedade, você tem que ceder um pouco, o seu vizinho cede um pouco. A gente procura fazer esse tipo de coisa, porque a pessoa quando chega, que não conhece feira, ela está acostumada dentro de um mundo mais fechado, e ali não, ela tem que pedir licença pro vizinho dela pra ela poder pôr a barraca, pra ela poder passar, ela não é única, ela não está ali sozinha, ela tem que aprender a viver em comunidade, ela tem que ceder um pouco, que ela pense em favor do outro.
P1 – É tranquila a relação com os orientais?
R – É, é tranquila. A Associação dos lojistas, hoje chamada de Associação Cultural e Assistencial da Liberdade, é bem pacífica.
P2 – Mas eles não são muito fechados?
R – Na cultura oriental eles são fechados mesmo, eles tem uma conduta, assim, em que eles são desconfiados, se eles não te conhecem eles se fecham um pouco, eles não comentam nada, é meio difícil; mas porque a feira foi fundada por um lojista.
P – um oriental?
R – É, um oriental.
P2 – Mizumoto. É Paulo?
R – É. É pai do Paulo Turioshi. Eles que fundaram, eles tiveram a ideia de fundar uma feira onde fossem mostrados os produtos orientais. Como não eram muitos produtos, a feira era muito pequena, não atraía público suficiente, ele foi até a República convidar os expositores daquela época, da República, depois que terminassem, por isso até que a Feira da Liberdade começava depois que terminava a da República, porque foi um convite que ele fez. Terminando a feira da República o pessoal vinha pra cá. Muitos naquela época desistiram porque não tinha público, era pouquíssimo público. Aos poucos é que foram acostumando, que essa feira era... à tarde tinha essa feira. O próprio público da República sabia que eles estariam aqui à tarde, então eles vinham pra cá. A Colônia Japonesa, turistas japoneses, orientais, que vinham pra São Paulo visitar...
P2 – O horário hoje qual é?
R – Das dez às dezenove horas.
P2 – Isso quer dizer que não dá pra eles virem pra cá, porque eles estão na feira?
R – Depois que a Liberdade cresceu, vamos dizer assim, que todo mundo começou a procurar, a querer vir pra Liberdade e tudo mais, então houve uma restrição: ou você fica na Liberdade ou você fica na República. A mesma pessoa expor em duas feiras ao mesmo tempo não tinha condição. Depois alguns resolveram ficar na República, aí o Prefeito resolveu acabar com ela, outros resolveram ficar na Liberdade, houve uma separação.
P2 – Quando acabaram com a da República encheu mais aqui ou não?
R – O pessoal da República, eles são muito... eles acham que estar na República é ter status, não sei porque, né? Por mim qualquer feira que você faça e consiga vender o seu produto é ótima. Status é aquele dinheiro que você leva no fim do dia pra casa, mas eles acham que a Feira da República, porque foi a primeira, ela é mais tradicional, ela é mais conhecida no exterior e tudo mais, tem status que eles põem lá. Quando fecharam a República a gente estava, na época, até por coincidência, fazendo um teste aqui na Liberdade, todo mundo veio e se cadastrou pra fazer o teste. Quando foi aventada a possibilidade de voltar para a República, todo mundo debandou daqui e foi correndo pra lá, eles ficam nesse jogo, quando não dá certo alguma coisa eles correm pra cá.
P2 – Mas tem alguns que são fixos, que não fazem essa troca pra lá e pra cá?
R – A maioria. Essa minoria é que eles são aquelas... sabe? "Não, a República não sei o que, não sei o que lá."
P2 – Essa Associação, eles fazem parte também? esses da República, que vão e vem?
R – Quando a pessoa recebe a licença pra expor na Liberdade, ela tem uma série de direitos e uma série de deveres pra com o espaço, pra com a feira. Essa Associação, ela é obrigatória, não adianta falar, eu não vou me associar porque ela é automática, a associação.
P2 – Se não quer se associar também não expõe, é isso?
R – Porque a pessoa que não quer se associar, automaticamente ela está dizendo o quê? "Eu não vou cumprir as regras." Então se você não vai cumprir as regras, você não vai estar no meio da feira, a gente não diz você está fora, mas a própria pessoa não se sente à vontade, porque se ela não está de acordo com o regimento interno da feira, com o estatuto da feira, que haja uma Associação, porque tem uma diretoria que funciona, que coordena e tudo mais, ela não pode estar aqui, ela vai ter que procurar um outro lugar onde ela não tenha compromisso nenhum com ninguém.
P1 – Você está desde o iniciozinho aqui na feira da Liberdade, desde o começo?
R – Não. A feira começou eu acho que em 1976, se não me engano. São vinte e seis anos, eu estou aí desde 1978, finzinho de 1978 começo de 1979.
P1 – Você sabe como que se deu a escolha do lugar da feira? Por que aqui?
R – Aqui era o lugar mais central do bairro. Eu não me lembro, mas acho que no começo da feira não tinha nem metrô. Quando vim, eu lembro, parece que eles estavam inaugurando, que tinha até aquelas viagens de inauguração que eram gratuitas, era um aglomerado de gente. Era o passeio de domingo, de todo mundo, acho que ficou um ou dois meses, não lembro, ficou um tempão, eles abriram o metrô e todo fim de semana todo mundo viajava pra tudo quanto é lugar, pra cima e pra baixo, de graça. A gente vinha pra Liberdade no metrô gratuito, então deveria estar inaugurando o metrô ali. Eu acho que quando começou a feira, eu imagino, acho que devia estar em construção a estação, porque ela não nasceu do dia pra noite, é claro, então devia estar em construção ou alguma coisa assim, porque quando eu vim já estavam inaugurando o metrô.
P2 – Além dessa Associação, quer dizer, as pessoas que são associadas, quais são os pontos que você acha que são comuns, que são convergentes e quais os divergentes com as pessoas que compõem essa sociedade?
R – Por parte dos expositores, é isso?
P2 –Onde é que dá mais problemas?
R – Basicamente eles não criam muita polêmica porque, na realidade, a grande maioria dos expositores, o que eles querem? Chegar de manhã, ter o lugarzinho deles pra arrumar a barraquinha, ganhar dinheirinho e ir embora pra casa de tarde. Eles não querem ter trabalho com nada, isso é a grande maioria, pra eles é ótimo que tenha meia dúzia, vamos dizer, de bem intencionados, pra não dizer burros, que vão trabalhar pra eles. Vão atrás da Secretaria, vão atrás do prefeito pra não acabar a feira, vão atrás de vereador pra ver se sai algum decreto ou alguma lei, alguma coisa que beneficie todo mundo de alguma forma. Algumas coisas que a gente faz e eles não concordam eles até largam pra lá, porque ninguém quer assumir. Nós fazemos eleição a cada dois anos na Associação, e é sempre chapa única, porque ninguém quer. Eles não conseguem arrumar seis pessoas que se unam pra formar uma segunda chapa, porque, na realidade, a grande maioria quer isso mesmo, sabe? Ou fazer o seu material durante a semana e expor, ou então ir até a 25 de Março comprar o seu material e expor no domingo, mas eles não querem ter trabalho. Reclamar todo mundo reclama, claro, a gente põe o som, se toca samba eles reclamam que não gostam de samba, se toca chorinho eles reclamam porque não gostam de chorinho, se a música está alta eles reclamam que está doendo o ouvido, se abaixa é “mas eu não estou escutando”, então é sempre assim, sabe?
P1 – O ano em que você chegou aqui na Liberdade pra expor, foi em 1978, não era isso? O bairro era muito diferente de hoje?
R – Isso. Naquela época, eu consigo me lembrar, quase a totalidade dos lojistas, principalmente porque a gente trabalha mais aqui no centro, os lojistas e tudo mais eram mais japoneses. Depois isso foi mudando um pouco, foi dando lugar pro coreano, chineses... Os chineses formaram a sua própria Associação, Associação Chinesa, isso tudo acabou, não sei se melhorando, talvez até melhorando porque houve uma mistura maior das raças, porque antes a maioria era de japoneses. Eles são bem tradicionalistas e não tem muita mudança. Aquele que tem uma loja de roupa, ele vai ter a loja dele de roupa, ele pode até mudar o tipo de roupa que ele vende, mas ele vai vender roupa; o que vende pedra vende pedra, eles são mais ou menos assim, tradicionais.
P1 – E você mudou muito os seus artigos?
R – Quando eu comecei a trabalhar, fora essa fase da pedra que depois nós demos uma parada, eu comecei a trabalhar com couro: a gente fazia carteira, fazia cinto, começou a fazer bolsa, foi mudando e hoje a gente trabalha com calçado, quando eles deram uma abertura. Porque antes nas feiras de artesanato eles achavam que calçado não era artesanato, porque envolvia alguns tipos de máquinas, então a gente fazia bolsa, essas coisas, que eram mais manuais, eram costuradas à mão, fechadas à mão. Quando eles deram abertura pra fazer calçados, a gente começou a trabalhar com calçados e é nisso que a gente está hoje, a gente abandonou todo o resto pra ficar só com o calçado. E vende bem porque, inclusive lojistas que não têm acesso a couro, trabalham mais com sintéticos, eles procuram a gente pra expor nas suas lojas, a gente tem em algumas lojinhas, lojas de surf que agora... Principalmente sandálias, eles procuram bastante os materiais de couro pra colocar nas lojas deles.
P2 – Como é que é a numeração: chega um cliente lá e não tem o número e gosta mas não tem o número, como é que faz?
R – A numeração, a gente trabalha com uma numeração desde criança, no tamanho 19, bem pequenininho, pra pezinho bem de bebê mesmo, até o 40, que é a moçada de hoje que está com os pés maiores. Antes a gente vendia até o 38, depois foi até o 39, às vezes a gente faz por encomenda até 42, 43, isso dependendo. Se precisar a gente faz, isso por encomenda mesmo.
P2 – E quem faz, é você mesmo?
R – Hoje em dia já não dá mais pra eu fazer muita coisa dentro da oficina, mas eu venho pra feira todos os domingos e quem está direto na oficina agora é esse meu filho mais velho e a minha filha. Eles começaram com uns nove para dez anos. Ele começou a trabalhar com a gente e está lá até hoje. Foi trabalhar na Bolsa um tempo, foi fazer uma porção de coisas e aí voltou porque ele falou: "Isso daqui é mais sossegado, eu gosto mais."
P2 – E o trabalho dá pra sustentar a família?
R – Dá. Já foi melhor do que é hoje, o nível de frequência era muito mais alto, então os preços nossos, os lucros eram melhores, teve uma... Agora, como você tem que concorrer com os importados, produtos chineses que estão entrando no país por um preço irrisório, a pessoa que também está ganhando muito pouco o que ela faz? Ela não vai pela qualidade do trabalho e sim pelo preço. Se você pode pagar cinco porque é que você vai pagar dez? Não importa se daqui a quinze dias ela vai ter que comprar outro, mas ela vai comprar o mais barato. O lucro caiu bastante e o volume de vendas também caiu, mas assim mesmo ainda dá, pelo menos a minha parte, o meu trabalho ainda dá pra funcionar tranquilamente.
P1 – Nesse corre-corre como é que você conseguiu fazer faculdade, estudar, como é que conseguiu?
R – Naquela época era mais sossegado, porque o meu filho era pequenininho, o meu segundo filho foi nascer dali a quatro anos, eu já estava saindo da faculdade, então deu pra conciliar bem.
P2 – Que faculdade que você fez?
R – Eu fui pra USP fazer Biologia, até porque eu achava que iria trabalhar como bióloga. Mas aí embala na feira, e estava funcionando, financeiramente falando, tanto que o meu marido deixou um tempo de ser músico pra se dedicar só ao artesanato, agora é que ele está voltando pra música, dava pra conciliar bem. Tinha a minha mãe que cuidava de tudo, sempre me ajudou muito, mesmo depois quando ela mudou, eu fui morar sozinha... mas ela mudou e não mudou, porque era bem pertinho uma casa da outra, então a gente estava sempre junto, ela cuidava do menino, da casa... Uma época corrida, é claro, mas também se não for assim a gente não consegue nada.
P1 - Você nunca desenvolveu nenhum trabalho na área de Biologia?
R – Não, eu só me formei mais pela realização pessoal. No início até, eu achava que seria uma boa, que eu iria realmente trabalhar com Biologia e tal, mas depois, quando eu vi que a feira me dava a parte financeira suficiente, eu continuei. Já estava engrenada no meio de tudo, eu continuei. A Biologia ficou só como realização pessoal mesmo.
P2 – Quando você está aos domingos na feirinha, o resto do comércio está fechado?
R – Não. Geralmente eles estão todos abertos, a maioria. No começo da feira não, eles fechavam, até porque eles davam, pra que a gente pudesse comercializar os produtos da gente sem a interferência deles. Mas como tudo muda e as lojas hoje não vendem tanto quanto vendiam aquela época, eles aproveitam o movimento que a feira trás pra venderem um pouco mais. Até por isso que tem, você falou, essa proximidade, esse relacionamento entre os feirantes e os lojistas, porque eles também reconhecem que a feira trás um movimento pra eles.
P2 – Eles não tratam vocês como concorrência?
R – Não. Um ou outro que está chegando, vamos dizer assim, abriram uma porção de "shoppinhos", esses mini shoppings. Alguns deles, desses lojistas, eles acham que a gente faz concorrência, até porque não entendem esse intercâmbio que existe. Porque se chegam na minha banca e tem um produto que eu sei que em um dos shoppings tem, que em uma dessas lojas tem: "Olha em tal loja que tem. Você vai até lá." O site nosso na Internet às vezes vem pedido de material oriental, a gente indica as lojas. Não existe esse tipo de concorrência. Esses novos que estão chegando agora é que não entendem isso, eles vêem a gente como concorrente. Os antigos, aqueles que são do tempo do Mizumoto, esse pessoal não, eles até gostam da feira, visitam, passeiam na feira.
P2 – Quantos são os feirantes, você tem ideia?
R – Atualmente eu acho que são mais de trezentos, entre expositores de artesanato, planta, alimentos...
P2 – Tem trezentas barracas naquela feira?
R – Tem. Pode ver que tem.
P1 – Atualmente você só expõe aqui na Liberdade?
R – Só aqui e em alguns atacados, as lojas que a gente vende, mas expor, só aqui na Liberdade. Às vezes alguma outra feira eventual, como é o caso da Feira da Vila Madalena, que é uma vez por ano, Feira da Pompéia que também é uma vez por ano.
(PAUSA)
P1 – A senhora estava falando pra gente um pouco da integração dos feirantes com as festas tradicionais do bairro. Como é isso?
R – Existe uma integração grande, até porque quem fundou a feira foi um lojista, oriental e tal. Ele quem idealizou o bairro primeiramente, vamos dizer assim, essa decoração oriental, as luminárias orientais na rua, e depois ele teve a ideia também, da feira. O Mizumoto, exatamente. Existe essa integração entre a feira, os expositores e os lojistas. Até por causa disto eu estava dizendo, que o pessoal novo, que está chegando agora pra expor nos mini shoppings, às vezes não entendem que a feira traz um público muito grande pra eles, e nos tratam como concorrentes. Na verdade não somos, sempre teve uma convivência... mas a maioria dos lojistas convivem, passeiam, prestigiam a feira. Normalmente não vêem a gente como concorrentes não.
P2 – Eu também havia perguntado, como que eram as convergências e as divergências dos feirantes?
R – Sempre tem aquela diferença de opiniões, mas no geral é pacífica. A organização da Liberdade, todo mundo concorda, porque é uma feira que por mais que as autoridades às vezes queiram, e acabem até com outras feiras de artesanato, a Liberdade sempre permanece, porque ela tem uma organização, ela não dá trabalho para as Secretarias, para a Prefeitura. É uma feira limpa, quando a gente sai da praça a praça fica limpíssima.
P2 – Vocês mesmo é quem limpam tudo?
R – Tem um pessoal, que o pessoal da própria feira, com recurso da própria feira, dos expositores, cada um dá uma cota, então a gente...
P2 – Paga alguém?
R – Paga, é tudo pago. Tem o sistema de som que a gente também paga, luz que foi instalada, já há muitos anos, que na época a Light, já a Eletropaulo...
P2 - O que é que teve a Eletropaulo?
R – Eles colocaram luz para a feira. Eles fizeram uma caixa de luz para a feira e hoje os expositores que estão aí têm essa comodidade. A feira vai até às dezenove horas, muita gente sai daí às vezes oito, oito e meia, e tem essa comodidade.
P2 – Antes de sair o último não desmonta?
R – Não, aí dá um tempo até que saiam todos os expositores.
P2 – Não, o público.
R – Também. A gente sempre fica, porque eu acho até que é um desrespeito para com o público ele estar passeando e a gente estar desarmando, indo embora. Logicamente existe um limite, oito horas, mas sempre se é uma noite quente, horário de verão principalmente, a gente sempre costuma ficar um pouco mais.
P2 – Como é que funciona, você falou da limpeza, agora como é que funciona o transporte das barracas, arma, desarma, leva, como é que é, o estacionamento, carro, caminhão, como é que funciona?
R – Tem alguns estacionamentos aqui na Liberdade que eles têm uma espécie de convênio com o pessoal da feira, eles facilitam, cobram mais barato, para que o expositor possa deixar o carro o dia todo. Aqui na Liberdade, na rua Galvão Bueno, tem um depósito, onde as pessoas que não tem carro ou então que tem um carro pequeno deixam as suas barracas, mercadorias. Deixam as suas barracas. Só é levado pra casa o material e isso facilita também para o expositor.
P2 – Você falou da Eletropaulo que fornece a luz para a feira. E o metrô, como é que entra? Você acha que o metrô ajuda a feira?
R – Ele traz um fluxo de clientes bom, porque nem todo mundo quer ficar preso ao trânsito no Domingo, como fica durante a semana. O Metrô facilita bem a vida das pessoas. Mas pra expositor não, porque como a gente carrega pacotes e geralmente é volumoso, às vezes não tanto pesado, mas tem volume, eles de um tempo pra cá... o Metrô está restringindo o uso, que o usuário carregue pacotes, caixas muito grandes, porque atrapalha até os outros. Isso dificultou um pouco pras pessoas que não tem carro, porque às vezes alguns vinham e traziam as suas mercadorias de Metrô. Por essas restrições que estão havendo agora, está ficando difícil, porque a pessoa tem que tomar um táxi.
P2 – Isso é recente?
R – Que eles estão proibido mesmo é recente. Não sei se mudou alguma coisa, a superintendência do Metrô, não sei o que aconteceu, mas de um tempo para cá realmente eles estão proibindo.
P2 – Você, além de feirante, frequenta o bairro durante a semana? Como você disse, o que você tem notado, ele está mudando? Pra onde está mudando, como era, como está ficando o bairro em geral, sem feira?
R – A diferença, que não é só do bairro, é uma diferença da cidade hoje em dia. Eu acho que está piorando: invasão de marreteiro... A praça, você não consegue andar, todos os dias expondo direto. A nossa feira, falando como expositora, acaba sendo prejudicada, porque ninguém sabe, como qualquer um pode ir e comprar um barraca e colocar na rua, ninguém sabe se eles fazem parte da feira, esses marreteiros, e vendem qualquer tipo de produto, sem nenhuma qualidade, então acaba sobrando pra gente a má fama, isso prejudica bastante. Você havia perguntado antes do nível de pessoas e isso também acaba prejudicando a gente, fazendo com que menos pessoas venham para a feira, porque acham que a gente está aí todos os dias vendendo porcaria e não vêm mais.
P2 – Quando é em dia de semana, eu observei que tem os marreteiros. Me informaram e eu queria confirmar com você, que esses marreteiros no dia da feira eles saem, é verdade?
R – É, no domingo sim.
P2 – Eles não estão? Não fica marreteiro?
R – Não. Não fica porque a gente tem a licença e eles não.
P2 – Só que quem não pergunta fica confuso.
R – Exatamente. Como é que vão saber que o calçado que eles estão vendendo veio da China, da Coréia, sabe Deus de onde, ou se é o meu, que já trabalho com isso há mais de vinte anos e já sou conhecida? A gente já tem um trabalho todo estruturado, ninguém sabe disso... e se a barraca é igual, eles acham que é a mesma pessoa, que é o mesmo produto, muitas vezes a gente é prejudicado por isso.
P2 – Existe uma padronização das barracas, por exemplo, de serem todas iguais?
R – Ah, sim. Na feira sim. Agora, os marreteiros não, cada um tem... eles estão até agindo de má fé, claro, mas todos eles estão procurando ter barracas iguais às nossas exatamente pra isso, pra confundir mesmo. Fora este evento do domingo, os expositores tem alguns eventos anuais: dia das mães, dia dos pais, Natal. São quatro, cinco, três durante a semana que antecede o dia das mães ou dos pais, dia das crianças, como vai ter agora o dia das crianças...
P2 – Tem mercadoria específica pra cada data ou é sempre a mesma coisa?
R – Cada um vai expor aquilo que está acostumado a expor.
P2 – Não tem novidades?
R - Não. Algumas pessoas, que dependendo da época, podem até diversificar um pouco os produtos, mas dentro daquele trabalho que faz. E a feira é menor, mesmo porque a gente não fecha a avenida como é fechada no Domingo, a comida não vem, não a alimentação, só artesanato e plantas durante a semana. Aí é que a gente se sente mais prejudicado, porque como está essa invasão de marreteiros, todos os dias quando a gente vem o pessoal acha que é só um pouco mais de marreteiros que estão aí, não vai ver a diferença de artesanato pra marreteiro, isso prejudica muito a gente. Tá certo, todo mundo precisa viver, todo mundo precisa comer, mas se um começar a entrar na área do outro e começar a prejudicar, o que vai acontecer é que vai todo mundo morrer de fome, não vai resolver o problema de ninguém.
P2 – Você disse que em uma das festas...
R – Tem aquela cerimônia do chá que banha o Buda.
P2 – Como é que é?
R – É, do nascimento de Buda, que ele nasceu do elefante e tal, que o elefante foi a montaria dele, o elefante branco e tal. Existe uma cerimônia feita em abril que as pessoas vêm e faz um pedido ou agradecem aquilo que conseguiram na vida, e tem uma cerimônia de lavar o Buda, que eles chamam de Banhar o Buda, que você pega uma conchinha e joga um pouquinho de chá, depois eles te dão um pouquinho do chá pra você experimentar, é um até muito gostoso, ele é naturalmente adocicado.
P2 – Chá do quê?
R – Não sei, é uma erva que não tem pra comercializar, eu acho que é só no Templo Budista, acho que dá pra adquirir.
P2 – Acontece na Praça?
R – Isso, é na Praça, durante a semana.
P2 - E o sumô?
R – O sumô não sei se vai ter esse ano. Nos últimos anos, últimos quatro ou cinco anos, teve. Não sei se esse ano vai entrar.
P2 – Não tem muito espaço para as festas? É só na praça?
R – É, porque é o lugar mais aberto e mais central da Liberdade, é aqui mesmo, facilitado por causa do Metrô. Então qualquer pessoa de qualquer lugar de São Paulo pode vir, é o centro mesmo, e é o lugar que está mais organizado, vamos dizer assim, porque se você for andar mais para a periferia do bairro, realmente não tem muita condição.
P2 – Qual é a festa mais famosa?
R – A mais famosa é a Tanabata, que é o festival das estrelas. Ela já é bem antiga, acho que já tem mais de vinte anos que eles fazem todos os anos, na Praça. No sábado a gente faz uma feira extra, aproveitando o evento, e no Domingo eles dividem o espaço com a gente, que aí já é a nossa feira normal mesmo e eles ficam junto com a gente.
P2 – Você viu uma visita de autoridades japonesas que vieram de lá? Você assistiu?
R – De japoneses mesmo? Teve, quando teve... Bom, o Cônsul está sempre aí, qualquer evento que tenha o Cônsul está aí. Quando veio aquele pessoal lá de...
P2 – O filho?
R – Acho que foi, isso, ele esteve na Liberdade também. Eu estava aí. A gente está sempre indo nos eventos, nas comemorações a gente sempre está.
P2 – Você se lembra como é que foi?
R – Teve todo um aparato, teve todo um ritual de boas vindas, uns festejos, que às vezes a gente não entende muito porque é uma tradição deles, são umas coisas diferentes que às vezes a gente não entende muito, mas as festas são sempre bonitas, sempre tem todo um envolto, todo um cerimonial, e acaba sendo bonito. Teve agora, acho que há um mês atrás, mais ou menos, a apresentação dos Samurais, que depois foi até para o Ibirapuera. E teve aqui na Praça também o desfile deles, que foi muito bonito, foi saudado por bandeirinhas do Japão e do Brasil. São coisas assim que eles usam muito na Praça, com esse tipo de evento. Às vezes a Associação Chinesa também promove algum evento e usa também a Praça. Existe até entre as comunidades orientais, até uma convivência também, bem pacífica entre eles, eu acho que é uma integração boa pro bairro, pra diversificação da cultura.
P2 – Você convive entre japoneses e coreanos, você tem alguma coisa pra contar?
R – Os chineses e os coreanos eles estão chegando na Liberdade agora, há pouco tempo, porque até há algum tempo atrás a maioria era japonês, da Colônia Japonesa, então eles estão aos poucos chegando. Hoje têm lojistas coreanos, trouxe os chineses, eles estão se integrando aos poucos à sociedade... Eles têm uma cultura fechada, não é muito fácil a gente ter uma amizade com eles, você tem que ir cativando, é um relacionamento muito lento, dá pra ... Agora é que a gente está começando a conhecer um pouquinho mais deles.
P1 – Você tem outras atividades além da feira?
R – Eu trabalho como terapeuta. Eu desenvolvi também depois da feira, eu aproveito, sempre um ganho que a gente já tem, pra gente conseguir desenvolver outra coisa. Eu acabei estudando bastante sobre terapia natural e eu estou trabalhando com isso já há algum tempo.
P1 – Essa terapia é à base de florais? É isso que você está fazendo?
R – Isso, eu trabalho com um diagnósticos através da íris, a gente faz o diagnóstico e, a partir daí, de acordo com o que a pessoa precisa, ou florais ou óleos essenciais, massagens, dependendo do que a pessoa vai precisar, a gente vai indicando, ou algum outro profissional, se é alguma coisa que a gente não faça, que eu não faço, eu indico um outro profissional, ou então a gente vai trabalhando com a pessoa de acordo com o que ela vai precisando.
P1 – Esse teu envolvimento com essa coisa mais holística e trabalho com florais tem alguma influência daqui da Liberdade, oriental?
R – Não, não tem. Eu nunca gostei muito de remédios, essa é a verdade, eu sempre fui avessa a remédio, eu acho terrível ter que ficar tomando aquele monte de química, que acaba prejudicando mais do que ajuda, eu sempre evitei ao máximo. Quando começou a vir para o Brasil esses estudos, de terapia naturalista e alimentação mais natural, apesar de que eu como carne e tudo mais, sempre dentro de uma lógica, uma alimentação mais natural, uma medicação mais natural também, e eu acabei optando, eu fui começar a estudar isso pra ver se tinha algum fundo de verdade. Porque você fala: "É energia da flor." E existe muita mistificação em cima disso. Você fala de floral, você pergunta pra uma pessoa o que é um floral: "É a essência vibracional da flor." Não é nada disso, é porque a química da flor vai atuar em alguma coisa do seu organismo e evitar que você tenha pânico de alguma coisa, vai abrir o seu lado psicológico, não tem nada de místico na terapia alternativa, na terapia holística. O que tem é má informação, porque muitas pessoas... Eu vi a semana passada, não sei se foi na revista da Folha, uma dessas revistas, uma pessoa desinformada falando que ele prefere ficar só com o conhaque, porque o conhaque misturado com o floral... porque isso é uma bobagem. Se ele tivesse estudado um pouquinho sobre a base, de como foi desenvolvido o floral, ele não teria escrito aquele artigo idiota que escreveu. Mas é a desinformação, no Brasil faz com que as pessoas acabem ridicularizando uma coisa que poderia até ajudá-lo muito, e eles acabam achando que não, porque é realmente a falta de informação. Porque os laboratórios, obviamente se você vai comprar um remédio que custa cinquenta reais, e você vai comprar um óleo essencial que custa cinco e vai fazer o mesmo efeito e não vai ter nenhum tipo de efeito colateral, você acha que o laboratório quer? Claro que não. Então eles pressionam o Governo, que pressionam os médicos, que pressionam não sei quem, e todo mundo pressiona todo mundo, e acaba saindo esse tipo de coisas idiotas que a gente houve falar a respeito de floral, de óleo essencial, de relaxamento.
P2 – E como é o seu dia a dia hoje? Você mora com quem?
R – Eu moro com o meu marido. A minha filha, que é a mais próxima, que tem o marido e o bebê, mora pertinho de mim; e os meus dois filhos, o mais velho está casado e mora mais ou menos próximo, e o outro que trabalha com Internet e que mora mais distante.
P2 – Tudo perto?
R – A gente procura não distanciar muito.
P2 – E o seu dia a dia como que é?
R – Eu divido um pouco entre um neto, que a gente está curtindo, que é novinho ainda, a gente divide entre o neto, casa, marido, a terapia, a coordenação da feira, que sempre sobra trabalho pra levar pra casa... então a gente vai dividindo, de cada coisa dá pra dormir ainda umas quatro, cinco horas por dia. (risos)
P1 – Além de Santana, que é o bairro onde você mora, você acha que o da Liberdade é o segundo bairro que você mais tem relação em São Paulo?
R – Ah, é, já há muito tempo. Porque desde quando eu comecei a fazer a feira, só aqui a gente... Quando fazia Santo Amaro, era Santana, Liberdade e Santo Amaro, e depois como foi extinta a feira de Santo Amaro, até por causa dos marreteiros também, porque eles adoram os marreteiros. (risos) Porque eles vão empurrando sem direito nenhum, vão empurrando aquele que tem direito, aquele que paga, então eu adoro eles, né? (risos)
P1 – Você gosta daqui?
R – Do bairro? Gosto! Apesar de que, eu já falei, que a cultura deles é meio fechada, eles são meio desconfiadinhos, mas quando eles tem amizade com você, eles tem uma amizade boa, eles não são traiçoeiros, quando eles são amigos eles são amigos, a gente tem um relacionamento muito bom. A cultura deles também é muito boa, tem muita coisa, se a gente pegasse um pouco mais, a gente teria acho que um mundo melhor.
P2 – O quê?
R – Eu acho até que pela honestidade, eles são honestos, eles são leais, se eles se propõem a fazer determinada coisa, realmente eles fazem, não são de ficar: "Ah não, eu prometo que se eu for eleito..." Se ele for eleito ele faz ou então dentro possível ele vai tentar pelo menos fazer. Eles são, exemplo dos vereadores que são da Colônia, que são japoneses, o William Woo, tinha também o Jorge Taba, que agora não foi reeleito.
P2 – O Jorge foi?
R – Foi, o Jorge. O Hélio infelizmente não foi, o Jorge Taba também infelizmente não foi, porque eles eram bem amigos. Se a feira precisava de alguma coisa, precisava de alguma reivindicação, era correr ali dentro da Câmara, que eles ajudavam sempre que podiam e faziam o que davam. Nós perdemos aliados muito bons dentro da Câmara.
P1 – O que você não gosta no bairro?
R – O que eu não gosto? Várias coisas que a gente não gosta, não só no bairro, mas na cidade hoje em dia. A cidade eu acho que, de um tempo pra cá, ela anda abandonada, suja, maltratada, não tem calçada boa pra você andar, você vai aos trambolhões, você não consegue nem andar olhando pra frente, você tem que andar olhando pro chão, porque senão você cai nos buracos que tem por aí, acho que a cidade em geral.
P2 – Você acha que piorou o bairro?
R – Deteriorou um pouco, eu acho que deteriorou. Há um tempo atrás, ele era mais cuidado, até por causa dessa característica oriental, ele era mais cuidado pela Prefeitura, pela Secretaria do Meio Ambiente e tal, hoje em dia ele está meio… No meio da praça mesmo, que eu acho terrível, e não é só nessa praça, tem uma reciclagem de lixo, sabe? De separação de lixo? Fica um cheiro de lixo horrível. No domingo à noite a gente está saindo e o pessoal já está colocando, isso eu acho terrível. Eu acho que isso deveria ser feito dentro do próprio lixão, joga o lixo lá e o pessoal que está lá é que separa. Agora vem trazer isso pro meio da cidade, ali na Praça São Francisco? No Largo São Francisco também tem umas reciclagens de lixo, bem em frente à uma porção de restaurantes. A maior faculdade, a mais tradicional de São Paulo está ali, bem na frente, ali, tem uma reciclagem de lixo. É um cheiro que você não consegue passar. Eu acho que isso é um desrespeito ao cidadão, não só aqui da Liberdade como de São Paulo todo.
P2 – Você tem um sonho que você gostaria de realizar?
R – Sonho que eu gostaria de realizar... Eu acho que se a gente pudesse passar um pouco mais de humanismo para as pessoas, para que a gente pudesse ter mais solidariedade, mais harmonia entre as pessoas, para que as pessoas se dessem melhor, com menos violência, menos ganância, acho que iria ser um sonho maravilhoso a ser realizado.
P2 – Muito obrigado.
R – Obrigada a vocês.
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