TecBan - Histórias Diversas
Entrevista de Paulo Rogério Ferrari
Entrevistado por Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 27 de julho de 2022
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1264
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(0:18) - P/1 - Boa tarde, Paulo! Tudo bem?
R - Boa tarde, Genivaldo. Tudo bem! E você?
P/1 - Tudo ótimo! Eu queria que você dissesse o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R - Bom, eu sou o Paulo Rogério Ferrari, nascido em 21/11/1957, em São Paulo, capital.
(0:47) P/1 - Te falaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, ou se falaram eu não me recordo. Na verdade, tem uma passagem do dia do meu nascimento que me contam, obviamente. Meu pai era goleiro de um time de várzea e foi o dia que ele mais jogou e catou naquele dia, catou no gol. Então, reza a lenda que foi essa história do meu nascimento.
(1:23) P/1 - E você sabe porque resolveram colocar seu nome como Paulo?
R - Não! Também é uma história interessante. Eu não faço ideia! Mais do que Paulo, também por que um nome composto; acho que nessa época usava muito nome composto. Depois começou a voltar, hoje tem muita gente com nome composto, mas Paulo Rogério parece que são duas pessoas, né? Ou é Paulo, ou é Rogério. Também não sei a origem, não.
(1:56) P/1 - Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua mãe e sobre o lado materno da sua família.
R - A minha mãe, ela é nordestina. Ela nasceu em Alagoas, no interior do estado de Alagoas e o meu pai, a família dele é de origem Italiana. Ela veio para cá muito jovem, como imigrante, veio para São Paulo e os meus pais se conheceram aqui.
Ela me teve muito jovem, [quando] eu nasci ela tinha dezessete anos. Era uma outra época, outra geração, coisa que não se repete hoje. Hoje as pessoas demoram um pouco mais, ou até pensam em não ter filhos. Eu vejo pela geração dos meus filhos. Não passa pela cabeça deles ter filhos, se vão ter é...
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Entrevista de Paulo Rogério Ferrari
Entrevistado por Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 27 de julho de 2022
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1264
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(0:18) - P/1 - Boa tarde, Paulo! Tudo bem?
R - Boa tarde, Genivaldo. Tudo bem! E você?
P/1 - Tudo ótimo! Eu queria que você dissesse o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R - Bom, eu sou o Paulo Rogério Ferrari, nascido em 21/11/1957, em São Paulo, capital.
(0:47) P/1 - Te falaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, ou se falaram eu não me recordo. Na verdade, tem uma passagem do dia do meu nascimento que me contam, obviamente. Meu pai era goleiro de um time de várzea e foi o dia que ele mais jogou e catou naquele dia, catou no gol. Então, reza a lenda que foi essa história do meu nascimento.
(1:23) P/1 - E você sabe porque resolveram colocar seu nome como Paulo?
R - Não! Também é uma história interessante. Eu não faço ideia! Mais do que Paulo, também por que um nome composto; acho que nessa época usava muito nome composto. Depois começou a voltar, hoje tem muita gente com nome composto, mas Paulo Rogério parece que são duas pessoas, né? Ou é Paulo, ou é Rogério. Também não sei a origem, não.
(1:56) P/1 - Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua mãe e sobre o lado materno da sua família.
R - A minha mãe, ela é nordestina. Ela nasceu em Alagoas, no interior do estado de Alagoas e o meu pai, a família dele é de origem Italiana. Ela veio para cá muito jovem, como imigrante, veio para São Paulo e os meus pais se conheceram aqui.
Ela me teve muito jovem, [quando] eu nasci ela tinha dezessete anos. Era uma outra época, outra geração, coisa que não se repete hoje. Hoje as pessoas demoram um pouco mais, ou até pensam em não ter filhos. Eu vejo pela geração dos meus filhos. Não passa pela cabeça deles ter filhos, se vão ter é bem mais tarde.
Essa é a lembrança da minha mãe, daquela época de quando ela veio para cá.
(3:04) - P/1 - E você tinha contato com a família da sua mãe, com os avós, tios, primos?
R - Tivemos contato sim, mas já perto da minha adolescência, porque a grande maioria ficou lá no Nordeste. Alguns vieram para cá e esses a gente tinha esse contato, porque as pessoas se visitavam. Uma coisa engraçada também, hoje você manda uma mensagem, você pergunta se eu posso ir. Naquela época as pessoas apareciam na sua casa, não tinha isso, não tinha telefone, não tinha outra forma, a não ser bater na sua porta. Então eu lembro muito bem disso, principalmente nos finais de semana, tios, primos, que estavam morando aqui, eles iam pra casa, eles iam uns para casa dos outros sem avisar, completamente normal isso. Então o contato que a gente tinha era esse.
(4:01) P/1 - E da parte do seu pai? Eles eram de São Paulo mesmo?
R - De São Paulo, todos nós da Zona Leste, especificamente da Penha.
Da parte dos irmãos do meu pai, meu pai era o caçula de oito irmãos. Parte deles nasceu no Brás. Tô falando aqui da década de 30, meu pai nasceu em 30, então se ele era o caçula, imagina? Tem gente lá de 1920, todos eles naquele momento da Revolução Industrial do Brás. Parte foi avançando um pouquinho mais para o interior, vamos dizer assim, mas periférico ainda, que foi o caso do meu pai, porque a gente acabou indo morar na Penha.
A gente também tinha esses contatos… Principalmente na família do meu pai, tinha uma coisa que era essa necessidade de ir todo mundo para casa do meu avô, do pai, então eu lembro dessas reuniões, dos irmãos e esposas, e filhos, e netos, todos reunidos, principalmente aos finais de semana; isso era quase que uma regra. Na família da minha mãe era mais liberal, ia-se uma vez ou outra, não era uma coisa quase obrigatória. E dava briga isso, se você não fosse, [perguntavam:] “Por que você não veio?” Aquela coisa de…. Imagina você, família italiana, lá do século passado.
(5:45) P/1 - E você tem irmãos, Paulo?
R - Eu tenho uma irmã mais nova que eu; ela nasceu em 60, eu sou de 57, e só. Somos só dois.
(5:58) P/1 - Tem alguma história da sua infância que te marcou, que você lembra até hoje?
R - Nossa, com sessenta e tantos anos, história é o que não falta. Tem várias histórias [de] infância, várias.
Marcar? Tem várias formas de marcar. Tem histórias que marcam por ter uma coisa mais contundente, da família, alguma coisa assim, ou coisas mais pitorescas. Eu lembro muito bem de uma história que eu capotei com um jipinho; era um jipinho de lata, daqueles de pedalar, que antigamente existiam - acho que nem existe mais isso hoje. E eu capotei com isso, caí mesmo, num barranco. A casa em que a gente morava tinha um barranco no final.
Essa cena é muito marcante mesmo. Eu lembro da minha avó colocando uma faca na minha testa para não crescer um galo, coisas que…. Onde é que está a lógica disso? Mas é uma coisa engraçada. Eu lembro muito bem dessa cena.
(7:11) P/1 - Isso acontecia comigo também, viu? Da faca na testa. (risos)
R - Faca na testa.
P/1 - Você se lembra como era a casa onde você passou a sua infância na Penha?
R - Lembro, lembro muito bem! É muito engraçado, porque a gente vai buscar memórias afetivas depois. Quando eu falo depois é depois mesmo. Coisa de um ano, um ano e pouco atrás, eu fui novamente: “Deixa eu passar lá!” E é uma tristeza, porque você não se reconhece, até porque a casa mudou completamente, não é mais a mesma casa, não é mais aquilo que eu guardava como lembrança. Mas eu lembro bem.
[Era] o que hoje poderia se chamar de um cortiço, porque a gente morava na parte de cima; embaixo morava a minha avó e nos fundos, onde eu despenquei no barranco, tinha uma edícula, um quarto e cozinha, em que morava a irmã da minha avó, minha tia-avó. Todos moravam meio que juntos ali, no nosso caso eram três famílias.
Na família do meu pai cada um tinha sua casa. Eles eram mais nobres, vamos dizer assim, cada um tinha o seu canto. Na família da minha mãe não, tinha essa coisa de sempre ter um agregado, então as casas eram muito grandes, grandes mesmo e com espaços para você colocar duas, três, quatro famílias. Todo mundo com a sua independência, cada um na sua casa, mas a gente convivia ali, nesse grupo.
(8:53) P/1 - Do que você mais gostava de brincar quando você era criança?
R - Eu sempre gostei de brincar de carrinho, sabe? Eu nunca fui do futebol, nem nada, aliás eu comecei a me interessar por futebol na Copa de 70. Na Copa de 70 eu já tinha doze anos. Eu demorei demais para me interessar por futebol, e foi só a partir daí; depois eu engatei nisso e joguei bola com os meus amigos, até a minha idade quase atual. Mas no comecinho mesmo era brincar de carrinho, e eu tinha e tenho uma destreza pelo desenho, então eu desenhava muito, era minha diversão desenhar. E tinha um tio que também era… Na época a gente não chamava de artista, era desenhista, então eu me inspirava nele, e ele ficava me dando esses feedbacks, corrigindo os desenhos e tal. Aí eu tomei gosto por aquilo, acabei me destacando nisso.
(9:55) P/1 - Tinha alguma outra pessoa da sua família que você era próximo? Tio, um primo, alguém que você tivesse muita proximidade nessa época?
R - Nessa época, quem era muito marcante e bastante presente, apesar de ausente - eu vou te dizer o porquê de ausente - era o meu avô, pai da minha mãe, do lado materno. Por que o meu avô era ausente? Porque ele era caminhoneiro, então ele ficava pouquíssimo tempo aqui e viajava muito. Ele fazia a rota São Paulo, Nordeste, então ele vivia muito na estrada. Mas era muito próximo por afinidade. Eu gostava muito dele, das histórias que ele contava; ele sempre tinha histórias para contar, pitorescas. Era uma pessoa muito inteligente, apesar de não ter estudo, mas de uma perspicaz inteligência e de um bom humor, botava apelido em todo mundo. Isso me seduzia, era meu ídolo, então ficava junto dele.
Eu era o primeiro neto também, no caso dele, então tinha mesmo esse xodó um com o outro. [Era] mais que o meu tio - meu tio eu lembro porque tinha essa peculiaridade do desenho, da gente ter essa mesma habilidade, mas a minha proximidade era muito mais com esse meu avô.
(11:26) P/1 - E que tipos de histórias ele contava para você, Paulo?
R - Todas! Imagine você uma pessoa da roça, como ele mesmo dizia. Desde histórias de ficção, coisas do tipo.
Quando ele era jovem - imagine, ele é de 1920, nasceu em 1920 - em 1930, 40, ele tinha um carro; ele era motorista de praça no interior do Estado de Alagoas, imagine você como deveria ser essa situação. Ele conta uma história muito engraçada, que o carro quebrou no meio do nada, à noite, e ele ficava ouvindo, como se tivesse vindo um carro de boi passando pelos lados do carro. Estavam ele e minha avó. Ele acendeu o farol e não via nada, mas ele ouvia o barulho.
No dia seguinte, ele via que o mato tava todo pisoteado, como se tivesse passado mesmo uma boiada por ali. E ele contava essas histórias - imagina, criança, você ficava abismado com aquilo. Eu queria mais! “Tem outra? E o que mais aconteceu?”
Ele inventava um monte de história também, depois você vai percebendo que muita coisa era inventada. Ele fazia muitas paródias com os outros; ele tocava violão e fazia paródia com o todo mundo da família, então todo mundo tinha apelido, todo mundo, literalmente - menos eu, acho, pelo menos para mim eles não falavam. Mas todo mundo tinha apelido, todo mundo era alvo de chacota dele.
Essas eram as coisas que me atraíam. E de verdade, eu carrego como uma lembrança legal.
(13:14) P/1 - Você tinha alguma comida preferida?
R - Não! [É] gozado, não! Eu gostava muito, até hoje, aliás, de sorvete, mas não que eu precisava comer. Aliás, comia-se de tudo, não tinha essa história. Tem que comer, a comida tá lá, ainda bem que tem, vamos comer! Mas não tinha nada que eu preferisse.
Voltando às histórias das memórias, eu me lembro muito bem do domingo, porque domingo ou era na casa de algum tio… Isso era um evento. E domingo era dia de macarrão, então era um dia nobre, o dia de macarrão e Coca-cola. Era o único dia em que eu podia tomar Coca-cola; fora isso era água, Ki-suco. Quando sobrava um dinheiro era o Ki-suco, caso contrário, o dia chique era o dia que a gente podia tomar Coca-cola, no domingo, na macarronada.
(14:22) P/1 - Você tinha algum sonho de infância?
R - Que pergunta difícil! Acho que não. Ah, sempre tem, a gente sempre tem sonhos, mas nada que fosse marcante, aquela coisa de dizer “eu quero isso, eu quero aquilo!” Não, não! Talvez coisas momentâneas, talvez coisas do momento só, mas nada que fosse marcante. Eu vejo muitas pessoas falando: “Desde criança eu queria ser isso, ou eu sonhava com aquilo”. Eu nunca tive isso assim, de caso pensado, não.
(14:59) P/1 - Eu gostaria que você falasse sobre as primeiras lembranças que você tem da sua vida escolar. Era uma escola próxima? Como era? Você lembra de algo desse período?
R - Sim, lembro, claro! Eu estudei a minha vida inteira em colégio público, em escola pública. Aliás, [tenho] uma saudade imensa disso, [de] poder viver aquele momento que a gente vivia, de ter um bom ensino numa escola pública, uma pena! Mas enfim, eu lembro sim da minha escola, e [uma] coisa que eu lembro: eu sempre fui muito tímido, principalmente nessa fase de começo de escola. Depois a gente acaba perdendo. Como se diz, no começo da escola eu era muito recluso, difícil de fazer amizade; eu tinha problemas reais de me relacionar com pessoas.
O que eu lembro de mais desses momentos de escola, mais do que a escola em si - eu lembro e sinto o cheiro até às vezes - [é] do material escolar. Desde o estojo até o caderno, os cadernos que eram encapados; a gente encapava, meu pai encapava o caderno com papel pardo, depois botava a etiqueta com o nome “caderno de Matemática”, aí botava meu nome ali. Tinha todo um ritual quando a gente comprava o material de escola, que era o dia que a gente passava encadernando, encapando esse material; isso eu lembro bastante, bastante.
E era próximo sim; não sei hoje, porque faz tanto tempo. Uns três quilômetros de casa, e a gente ia a pé, sempre ia a pé. Não tinha perua escolar, não tinha nada disso, nem ônibus, nem nada. [Era] a molecada andando pela rua para ir para escola, para ir e para voltar.
(16:54) P/1 - E nesses primeiros anos, no primeiro grau, como se chamava antigamente, tinha alguma matéria que você gostava mais, algum professor que marcou por algum motivo?
R - No primeiro, não. Eu não lembro muito do primeiro ano. Foi um ano acho que de adaptação, não foi nada tão marcante. Eu gostava muito de História, nunca me dei muito bem com exatas, então tudo que era Matemática - na época era só Matemática - me assustava um pouco. Mas de História eu gostava bastante.
A gente tinha Desenho e [em] Desenho adorava de braçada, era uma praia que eu curtia. A professora chamava para fazer desenhos na lousa, enfim, aquelas coisas, então era uma forma também de se destacar, de ser um pouco menos esquisito, então era isso. Mas não tem um marcante [de] falar assim: “Esse cara me marcou no meu primeiro ano.” Não.
(18:01) P/1 - E fora da sala de aula, você se lembra de algum evento, festas na escola, ou algo desse tipo?
R - Lembro, aliás estava lembrando disso coincidentemente hoje, com a minha esposa. Eu lembro das campanhas de vacinação, que a gente tomava aquela vacina com… Era uma pistola, não era nem seringa; [era] revólver mesmo, então a gente tomava aquela vacina. Eu lembro muito desse momento de campanha de vacinação na escola.
(18:38) P/1 - Você fez bastantes amizades nesse período? Depois que passou esse estranhamento de você frequentar diariamente a escola, como era a sua relação com os outros alunos?
R - Não. Eu sempre fui muito resistente com relação aos alunos. eu acabava me aproximando de pessoas mais parecidas comigo, ou seja, pessoas mais reclusas. Eu me aproximava mais dessas pessoas do que daquelas que se destacavam. Muito embora eu quisesse ser aquele cara, me adequar àquele grupo, não tinha esse estilo, não tinha essa habilidade. Eu tinha medo, alguma coisa do tipo.
Eu lembro de ter feito amizade com outro menino que também desenhava, então a gente teve uma troca de afinidades ali; era eu e esse outro garoto, a gente tinha o hábito de desenhar. Mas não era assim: “Esse aqui foi o meu grande amigo.” Isso começou a acontecer no ginásio, já. Nos primeiros quatro anos foi assim, meio que me escondendo, vamos dizer assim.
(19:59) P/1 - Quando você foi fazer o segundo grau, você mudou de escola, ou você permaneceu na mesma?
R - Mudei de escola, porque lá era até o 4º ano. Depois tinha a admissão ao ginásio, era chamado o quinto ano, então eu fiz um cursinho de admissão. E coincidentemente, nesse período, meus pais compraram uma casa mais afastada ainda, em São Miguel Paulista, e aí eu mudei para um colégio lá. Esse já não era um colégio público, não consegui vaga no colégio público.
Eu fiz o ginásio inteiro lá inteiro - inteiro não, fiz o primeiro… O ginásio era quatro anos; eu fiz o primeiro, segundo e o terceiro ano lá. Meus pais mudaram novamente, e aí sim eu completei o 8º ano, o 4º ano do ginásio, no outro colégio.
(21:06) P/1 - E como foi para você essa experiência de mudar duas vezes ainda dentro do ginásio, mudar de casa? Como foram essas experiências para você?
R - Não foram dramáticas, não, até porque eu sou meio andarilho, eu gosto de mudar. Eu não sabia disso, depois eu percebi na minha própria vida, já morei num monte de cantos. Mas na época, isso para mim era uma aventura, era legal. “Eu vou sair daqui e vou conhecer uma coisa nova.” E não era porque eu ia conhecer pessoas novas; era um ambiente novo, era uma coisa diferente.
A gente tava indo mais para a periferia ainda. [Era] uma casa que tinha um terrenão gigante; eu conseguia andar de bicicleta dentro do terreno de casa, de tão grande que era, então era uma grande aventura. Tive contato de novo com terra, então a gente brincava na terra, jogava bolinha de gude na terra, coisa que na Penha, onde morava, já era mais urbanizado, então não tinha rua sem calçamento, não tinha terreno baldio, não tinha mais nada disso. E lá eu passei a ter contato com isso.
Lá eu comecei sim a colocar um pouco mais a cara para fora. Criei um grupo, uma turma. Comecei a entrar, como eu te falei, tentar jogar futebol com a molecada no campinho. Enfim, tudo começou por ali, começou uma outra vida por ali.
(22:36) P/1 - E você disse que depois disso vocês acabaram mudando de novo de São Miguel. Foi dentro do mesmo bairro, ou vocês mudaram para outro bairro?
R - Não, aí foi uma mudança [de] 360 [graus], porque imagina, a gente morava… Quando eu nasci na Penha, a gente morava numa casinha de aluguel, muito simples. Meu pai era auxiliar de contabilidade, ele trabalhou 35 anos na mesma empresa, fazendo a mesma coisa, ali no Mercadão; [era] um escritório de contabilidade na Rua da Cantareira, ali no mercadão central. Era [um] fascínio quando eu ia para o escritório: você tinha o mercado, tinha aquele frisson, eu adorava isso.
Ele conseguiu comprar essa casa. Na época, era aquela coisa, conseguia-se fazer isso; ele comprou a casa em quatro anos, pagando duplicatas, e a gente foi lá para São Miguel Paulista. Nesse escritório que ele trabalhava, um amigo dele, [que] virou quase que um irmão e morava no Campo Belo, aqui na zona sul, falou: “Cara, tem uma casa lá, não quer vir para cá?” “Imagina, vou sair dessa casona.” - era uma casa gigante que a gente morava - “Para morar num sobradinho!” Ele mal imaginava que era uma mudança da água para o vinho. E aí ele foi.
Eu fui um que achou maravilhoso, por que não? Tinha um fascínio, porque a gente morava na rota dos aviões, e aquilo para mim era fascinante. “Cara, eu vou ficar o dia inteiro aqui vendo o Electra pousar.” Para você ver como faz tempo. “Eu vou ver o Electra pousar aqui todo dia”. Então eu achei maravilhoso.
A gente acabou vindo para cá, para o Campo Belo, e aí começou, vamos chamar assim, a minha terceira fase da vida. Foi onde eu entrei na adolescência, eu vim para cá com quinze anos. Para cá não, para lá, com quinze anos, e aí você começa a ter contato com os jovens da região, comecei a fazer amizades com pessoas da própria rua. Eu tenho amigos de infância que hoje são velhinhos como eu, a gente se fala até hoje; são amigos que conheci ali, nessa rua, então foi muito legal! Foi aí que eu mudei para o 4º ano do ginásio num outro colégio, eu fechei o ano ali. E aí fui para o colegial - o primeiro, segundo e terceiro colegial, aí sim - também numa escola pública, mas ali na região, no Campo Belo.
(25:18) P/1 - Você falou que seu pai trabalhava na Rua da Cantareira, em frente ao Mercadão Municipal. E pra você como era ir para o centro da cidade? O que você achava daquela confusão toda do centro, muito diferente dos bairros?
R - Bom, tem um porquê de ir para a ‘cidade’. Vamos voltar lá no meu colégio. Por algum motivo as pessoas estavam achando, principalmente os pais, que eu tinha algum problema, que eu não conseguia me relacionar com pessoas e isso e aquilo. A gente acabou indo parar no psicólogo - na época era um professor, eu esqueci o nome agora, não vou me lembrar mesmo. Mas ele era professor titular da PUC, em Psicologia. Ele conseguiu que eu ficasse fazendo um tratamento de terapia com os estudantes mesmo da PUC, ali na Rua Caio Prado.
Pra mim foi muito legal. Foi ali que eu comecei a ter contato com outras crianças. Eu era muito tímido, comecei a despertar um pouco mais de agressividade, coisa que eu não fazia, então foi ali talvez a virada de chave, essa incursão pela terapia. Eu fiquei quatro anos lá.
[Na] primeira vez, segunda vez e tal, minha mãe ia junto. Até que descobri - descobri não, a gente sabia que tinha que pegar o Penha/Lapa para chegar em casa, só tinha um ônibus. E aí eu fazia isso com oito anos de idade. Com oito anos de idade eu ia para as moças, que eram as estudantes de Psicologia, fazia toda essa sessão de terapia e depois voltava para casa. Com duas coisas: o dinheiro do ônibus e uma ficha telefônica, um número que eu lembro até hoje, que era o número do escritório que meu pai trabalhava. Tinha duas coisas que eu tinha que levar: era o dinheiro e a ficha telefônica, e obviamente saber o número; se acontecesse alguma coisa eu tinha que ligar para ele. E sempre fiz isso numa super boa.
Hoje não me passa pela cabeça deixar meu filho… Meus filhos são todos grandes, mas quando eles eram pequenos, jamais você vai pegar o ônibus sozinho com oito anos de idade. A gente fazia isso com a maior tranquilidade e para mim era uma delícia. Era sair de novo, era descobrir o novo, era tudo muito fascinante.
(28:13) P/1 - Você começou a fazer o colegial então já morando no Campo Belo. Como é que foi essa experiência de adolescente para você - as mudanças de gostos, outros lugares, o que você gostava de fazer nesse período?
R - Foi muito legal! Primeiro, a adolescência é uma parte fascinante da vida, onde você está descobrindo tudo. Você está descobrindo histórias, sons, moda, um monte de coisas. E eu peguei a fase da contracultura, estou falando aqui da década de 70, finalzinho da década de 70. Mas foi muito legal, porque como eu te falei, na rua que a gente morava… E quando eu falo rua, era um quarteirão, essa minha relação era de um quarteirão. Eu tenho amigos que continuam até hoje, como eu te falei, na mesma faixa etária. A gente [estava] descobrindo as mesmas coisas, descobrindo bandas, descobrindo jeito de se vestir... Enfim, foi uma descoberta de mundo.
Eu não conseguia me imaginar naquele mundo que eu vivi; é como se eu estivesse nascendo de novo, numa outra realidade. Foi uma mudança radical! Mas eu me adaptei fácil a isso, como se isso fizesse parte mesmo da minha história. Isso daqui se parece comigo mais do que aquilo que eu tinha vivido até então, sem preconceito nenhum; não é porque era periferia, ou isso, ou aquilo. Pelo contrário, hoje eu moro na periferia, não tem nada nesse sentido. Era no sentido de descoberta, coisas que essa fase me trouxe que eu duvido que teria trazido lá onde eu estava, se eu continuasse a minha vida por lá. Mas enfim, são coberturas minhas que dão uma história para contar.
(30:22) P/1 - Então me conta: do que você gostava, que bandas você gostava de ouvir? Você gostava de ir ao cinema? Conta do que você gostava mais nessa época.
R - Cinema eu sempre gostei, isso também eu lembro. Na época da Penha, tinham dois cinema lá, que eram o Júpiter e o Penharama. Eu ganhava uma mesada e essa mesada eu gostava no cinema, então a mesada era um…. Vou falar qualquer coisa, eu não sei se era um cruzeiro ou mil cruzeiros, não sei, era um qualquer coisa e esse um qualquer coisa, que era uma notinha amarela, dava para comprar ingresso para o cinema e uma pipoca. E eu fazia isso toda semana. Era época dos Beatles, então vi várias vezes Help no cinema, e veria de novo se estivesse passando.
E fui fazendo descobertas, mesmo. Eu nunca fui do rock, mas eu tinha que fazer parte do grupo, então comecei a me interessar. Foi a época também dos bailinhos de garagem, então … Bee Gees, os Beatles estourando, Elton John, enfim, era essa fase. Foi um momento de descobrir tudo, você vai descobrindo tudo; momento de começar a namorar, momento de começar a sair em turma. .
(31:55) P/1 - E durante esse período do colegial, você já tinha ideia do que você queria fazer na faculdade, ou você nem pensava nisso ainda?
R - Não, não pensava nisso. Tinha duas coisas que me… Primeiro, eu sou péssimo em exatas e eu insistia. Fiz duas vezes vestibular para aquele Colégio Lauro Gomes, em São Bernardo, que era Técnico de Engenharia. Um dos meus vizinhos passou e eu fiz cursinho para passar porque ser engenheiro na época, engenharia eletrônica, principalmente, era o grande lance, mas não consegui. Não era a minha praia, não teve jeito. Aí eu falei: “Poxa, deixa eu tentar alguma coisa que mexa com arte.” Fuçando numa coisa e outra, eu entrei num curso de Arte Publicitária, também numa escola técnica. “Isso aqui vai ter alguma coisa a ver comigo.”
Foi aí que eu entrei, porque na época também, no comecinho da década de 80, a publicidade era formada por duplas; hoje mudou tudo. Na época [era] formada por duplas: o diretor de arte, que era um cara que sabia desenhar, e o redator, que era o cara que sabia escrever, então era bem dividido. Hoje não, hoje todo mundo pensa tudo e é assim que tem que ser. Falei: “Poxa, talvez aqui seja um caminho.” E foi aí que eu entrei na era da publicidade.
Mas também não entrei na faculdade já pensando nisso. Não foi porque eu sonhava com isso, foi meio que… “Se eu não me dou bem naquilo, quem sabe desse lado aqui a coisa caminha.” Você vai descobrindo qual o seu verdadeiro talento, sua vocação e as coisas vão caminhando.
(33:55) P/1 - Então você fez o primeiro curso técnico. Me conta essa experiência, quanto tempo durou, como era estar fazendo esse curso? As pessoas com as quais você conviveu. Conta um pouco para a gente desse período.
R - Foi legal também, até porque era lúdico, então tudo que é lúdico é divertido. Foi legal nesse sentido. Durou dois anos, era um curso muito rápido, mas não todo dia; eu tinha aula duas vezes por semana, durante dois anos. E foi ali onde eu comecei a ter contato com tinta, na época a gente fazia com guache, contato com o desenho em si. Tudo isso foi me deixando mais à vontade, “isso aqui parece um pouco mais a minha praia”. E as pessoas que estava lá, elas também, ou estavam na mesma situação que eu, buscando alguma alternativa profissional, ou meramente se distraindo, fazendo terapia, como quem faz um curso de datilografia - na época a gente fazia isso, só para dizer que tem um diploma. Era esse o grupo, mas muito pequeno, se tivesse uma meia dúzia de pessoas era muito, mas eu fiz e gostei do que eu fiz, porque era um ambiente que eu me sentia à vontade, [era] um ambiente acadêmico onde eu me sentia à vontade.
(35:29) P/1 - E depois você já pensava em entrar na faculdade em seguida, ou você foi trabalhar? Qual foi o seu próximo passo?
R - Eu já comecei a olhar mesmo o mercado de trabalho, o que eu poderia fazer em formação acadêmica, aí já pensei mesmo em Publicidade, também já tentando entrar nesse universo. Eu dei muita sorte na época e consegui entrar mesmo numa das maiores agências. Por uma coincidência enorme, o meu vizinho, vizinho mesmo, já aqui no Campo Belo, ele era chefe de estúdio da Almap, que era uma grande agência. E aí ele falou: “Cara, tem uma vaga lá, se quiser fazer um estágio”. Eu falei: “Vamo embora”. E foi ali que eu entrei nesse universo. Mas antes eu tinha trabalhado, já. Trabalhei no Playcenter, como auxiliar de escritório, depois trabalhei numa empresa chamada Eletrizol, que vendia fios e cabos, ali no Socorro. Tive umas aventuras, mas coisas muito rápidas - fiquei seis meses num canto, mais seis meses no outro. Depois que eu entrei no mundo da comunicação, da publicidade, aí eu caminhei sozinho por ali; de um canto para o outro, mas sempre dentro dessa área.
(36:53) P/1 - E você se lembra, quando você começou a trabalhar, no seu primeiro emprego, do que você fez com o seu primeiro salário? Alguma coisa que você pensou: “Agora que eu tenho o meu próprio dinheiro eu vou comprar isso?” Você se lembra de algo assim?
R - Eu comprei um violão, coisa que eu nunca aprendi a tocar, mas eu adorava. Via o meu avô tocando e eu achava que um dia eu poderia tocar igual - jamais, né? E na época a gente fazia parte de um grupo de jovens, foi onde eu conheci a minha esposa. Você vê como eu sou um ET, estou com a mesma mulher há mais de quarenta anos. A gente se conheceu no colégio e frequentou o mesmo grupo de jovens.
Lá tinha um grupo que tocava as musiquinhas lá da igreja, do sermão e tal. Falei: “Vou comprar um violão e vou entrar de cabeça nisso”, mas não saiu dos três acordes que todo mundo sabe fazer, ficou só nisso. Não sei tocar e nem sei onde foi parar esse violão, o que é pior.
(37:59) P/1 - Me conta como você e sua esposa se conheceram.
R - Foi exatamente isso, como eu te falei, nessa rua que a gente veio no Campo Belo. Um dos meus vizinhos fazia parte desse grupo de jovens no Brooklin, na igreja do Brooklin, Coração de Jesus, bem ali na Santo Amaro com a... Foi assim: “Querem ir lá? Vamos lá! É legal!”
Por que era legal? Porque tinha baile no final, tinha o culto e depois tinha um bailinho no sábado, o que a gente queria era isso. Então fomos lá, e lá eu conheci a minha esposa. Depois, coincidentemente, a gente estudou no mesmo colégio e aí a gente começou a namorar, a partir dali. Foram duas coisas que aconteceram ao mesmo tempo, estudar na mesma escola e fazer parte desse grupo.
(38:57) P/1 - Você falou que já tinha entrado no ramo da publicidade. Você foi fazer a faculdade ao mesmo tempo, ou você trabalhou só depois?
R - Aconteceu tudo ao mesmo tempo. Eu entrei na faculdade em 77, em 77 eu consegui estágio na Almap. A coisa aconteceu no paralelo. Quando eu me formei, eu lembro que tinha amigos meus de faculdade que estavam no último ano, tentando entrar no mercado, e eu dei sorte de conseguir já no primeiro ano, então as coisas aconteceram simultaneamente.
(39:42) P/1 - Me conta como foi essa experiência da faculdade para você. Você sofreu algum baque, algum choque?
R - Não, pelo contrário. Na faculdade eu fiquei deslumbrado com o ambiente, primeiro porque não tem a sua mãe te mandando fazer coisas, “vai fazer sua lição”. Começa por aí. Segundo que é todo mundo igual, tudo livre, tudo é possível, tudo é maravilhoso, todo mundo tem vinte anos.
Eu brinco com isso, porque eu dei aula na FAAP durante dez anos. Tinha um professor que falava o seguinte: “Sabe porque eles são bonitos? Porque todos eles tem vinte anos, todos os anos, porque sai uma turma e entra outra com vinte anos. E com vinte anos todo mundo é bonito, o mundo é bonito.” Eu falei: “Putz, é verdade!” Essa aí é uma teoria.
Foi um momento fascinante a faculdade, de descoberta mesmo. De descobrir coisas, de tentar enxergar a coparticipação política, sabe? Começou a abrir um horizonte, que se fala: “Caralho, o mundo é maior do que a Santa Rita”. Santa Rita era a rua que eu morava. Eu falava: “Que Santa Rita, pera aí! Tem muita mais coisa! Tem coisas muito mais interessantes aqui e que a gente pode participar.”
Esse momento foi mesmo um divisor de águas. Ali você começa a ter referências de valores, referências de estilo, referências de um monte de coisas, coisas que eu não tive na minha família. Na minha família não teve isso, não tinha essas referências; talvez eu tenha levado essas referências para eles depois - eu, minha irmã, enfim, as outras gerações. Então foi importante nesse sentido.
(41:57) P/1 - Você já estava inserido no mercado da publicidade. Como foram seus próximos passos depois desse estágio?
R - Bom, eu comecei na publicidade na Almap, e essa minha carreira aconteceu também de forma gradativa. Eu acabei descobrindo que podia fazer conexões e comecei a conhecer pessoas do mercado. Tanto é que na época, quando eu era estagiário, eu fui contratado para ganhar um salário muito baixo, mas logo na sequência, um ano depois, eu fui contratado para trabalhar na MPM, que também era uma agência de porte, na época. A pular de uma agência e outra, fazendo essas conexões. “Oh, um amigo que conhece outro amigo em outra empresa, de outra agência…” Fui parar na Norton e depois na CBBA, que era da Thompson. E aí fui fazendo minha trajetória pelo mundo da publicidade.
(43:05) P/1 - E você foi mudando de função ao longo tempo, ou você permaneceu no desenho? Me conta como foi.
R - Fui mudando de posição, porque nessa pirâmide do mundo da publicidade tem vários caminhos, óbvio. Mas quem estava trabalhando com o que eu queria fazer, que era a área da criação, como criativo, você começava como assistente e ia subindo. O redator já começa sendo assistente de redação, dentro da criação. Na minha época, o diretor de arte começava dentro do estúdio, então ele ficava lá desenhando layouts, ele tinha essa trajetória um pouco mais longa. Mas a ideia era virar diretor de arte.
Eu fui crescendo dentro disso, virei diretor de arte júnior, aí depois diretor de arte um, até chegar a ser diretor de arte de uma conta importante dentro da empresa. Mas foi acontecendo de forma gradativa. E sempre nesse salto, saio daqui como diretor de arte junior e vou para outra empresa como diretor de arte, e por aí vai. E criando um portfólio, fazendo história.
(44:24) P/1 - E nesse meio tempo você se casou?
R - Sim! Eu casei em 82, já estava na Norton. Nesse período eu já tinha, vamos chamar assim… Eu já era um diretor de arte, não era o bambambam. Eu era o penúltimo da fila, mas eu já tinha uma carreira desenhada pela frente. Foi nesse momento que a gente casou.
(44:56) - P/1 - E você se lembra do dia do seu casamento, como foi?
R - Lembro! Quem não se lembra do dia do casamento? Lembro, lembro sim! Mas lembro das coisas engraçadas, não lembro de nenhum stress, nem nada disso. Lembro da festa que foi uma farra, lembro daquela história de cortar a gravata, aí teve um tio meu que achou que a gravata era pouco e quis cortar a cueca, sabe essas coisas? Aí você fala assim: “Bom, tem louco para tudo.” E você está lá, você está entregue aos leões, não adianta resistir. Eu lembro sim, esse dia foi muito legal, muito divertido.
(45:38) P/1 - Vocês foram morar em algum outro lugar, ou vocês continuaram no Campo Belo?
R - Nós alugamos um apartamento também no Campo Belo, que era próximo, duas quadras de onde a minha mãe tinha casa. A gente ficou ali por um ano e pouco. Minha esposa trabalhava no Banco Real, depois o Banco Real fechou, então ela ficou sem trabalho. E aí também vieram os filhos e a gente optou por… Ela optou por cuidar dos meninos, até eles crescerem um pouco mais. Mas a gente ficou ali por um tempo.
Depois eu mudei para Moema, aí a gente viveu tempão em Moema. A gente viveu a maior parte da nossa vida em Moema. E depois, muito tempo depois, a gente foi morar lá na Granja Viana. Eu tinha um terreno lá, a ideia era construir, não consegui construir. Mas como a ideia era morar por lá, a gente falou: “Vamos construir lá, vamos viver aqui para a gente entender se é a nossa praia mesmo.” A gente ficou dez anos e foi legal também para os filhos cresceram lá; teve um pouco de contato com a natureza, um pouco diferente do que é viver no grande centro, então para eles também foi uma coisa legal.
(46:55) P/1 - Então me fala um pouco dos seus filhos. Quantos são? Qual a idade deles?
R - Eu costumo dizer que do primeiro casamento são cinco, aí depois do terceiro… Não, brincando, eu só tenho um casamento e são três só. São duas meninas e um menino: a Carol, que é a mais velha, tem 38 para 39, a Camila, 36 e o Gabriel, 32. Cada um já tocando a sua vida, cada um vivendo da sua história, o seu mundo, mas são muito legais, são parceiraços. Cada um diferente do outro, você sabe disso, cada um tem uma história, um jeito completamente diferente. E a gente aprende a conviver, lidar com eles, cada um sendo do seu jeito particular. Mas são super parceiros, são muito legais.
(47:55) P/1 - Como é que foi para você ser pai?
R - Um susto, né? Como tudo na vida! Foi mais assustador do que a zaga do Corinthians de 82, mas foi aquela coisa de: “E agora?” No começo, jovem, você fala: “Bom, vamos em frente.”
Não foi nada muito programado. A gente teve a Carol, depois, logo em seguida, teve a Camila, e aí a gente ficou: “Puxa, será que vem um menino, será que não vem?” Veio o Gabriel, aí eu falei: “Chega!” Fui lá, fiz vasectomia. Chega, porque eu tô correndo o risco… Os meus cabelos já tinham ido embora, o dinheiro acabando. Falei: “Não, chega, vamos parar por aqui!”
(48:50) P/1 - Queria que você contasse quando surgiu de você ser professor. Como foi para você?
R - Isso também foi um convite de um ex-professor meu, da faculdade. Eu me formei na FIAM, não foi em nenhuma escola maravilhosa, mas tinha profissionais muito legais na época, ali. Um dos professores me chamou para dar uma palestra na própria FIAM, depois que eu me formei para a turma que estava lá. E eu me saí superbem, adorei fazer aquilo. Ele também percebeu que eu tinha algum jeito para isso, essa desenvoltura, e me convidou depois de muito tempo para um espaço que tinha na ESPM, que era para falar sobre arte publicitária. Na época chamavam o curso de pós-graduação, mas era uma turma muito pequena.
Adorei fazer aquilo, adorei. Falei: “Cara, é essa a minha praia, o que eu quero fazer o resto da minha vida. Quero fazer isso para sempre.” E aí as coisas começaram a acontecer. Você começa a se relacionar com professores, um dá aula aqui, o outro dá aula ali.
Acabei indo para o Mackenzie. Fiquei um ano no Mackenzie, também dando uma matéria sobre arte publicitária. E depois na FAAP, lá eu fiquei mais tempo. Fiquei nove anos na FAAP, cuidando do TCC, na parte de criatividade no TCC do curso de Publicidade e Propaganda. E putz, fiz vários amigos ali, hoje ainda tem uma molecada que me chama de mestre. Eles é que são meus mestres, né?
É muito legal, cara, uma praia…. Quem já fez isso sabe e não quer sair mais disso, só que acaba, tudo acaba. Mas é muito legal, foi onde eu me descobri mesmo. “Cara, acho que é isso aqui que eu vim fazer no mundo.” Foi muito divertido, mas acabou, esse ciclo também acabou.
Eu saí da FAAP por iniciativa própria. Tinha montado uma agência, precisava de mais tempo para mim e aí eu abandonei. Como eu não era um carreirista, não fiz pós-graduação, não fiz mestrado, não fiz nada, na hora que eu quis voltar, o mercado já: “Não, opa! Cadê sua pós-graduação? Cadê o teu mestrado?” Não tem, não tem espaço, aí eu fiquei frustrado.
Mas ainda dou curso, faço as minhas aventuras por aí. Agora, na área de artes, faço workshop de artes. Na própria Neon acabei de fazer um; a gente fez um encontro de designers lá, e eu dei um workshop de artes para eles.
Se você me perguntar “o que você gosta de fazer?” eu vou falar “é isso!” Mais do que pão de queijo.
(51:51) P/1 - E durante esse tempo que você deu aula, você manteve as duas atividades paralelas, a de professor e a de diretor de arte? Ou você chegou a ficar só dando aula e depois você parou para ter sua agência? Como isso fluiu?
R - Não, sempre foi em paralelo. Era uma atividade extra que depois virou uma necessidade, porque em alguns momentos… Quando eu montei a minha agência e depois, quando eu saí da sociedade, virei freela, a faculdade era minha renda maior, então ela passou a ser, mas nunca foi só isso. Tanto é que eu não fiz carreira ali, eu sempre tinha as duas atividades. Sempre dei aula e como freelancer, ou como empresário na época, sempre tive as duas atividades.
(52:43) P/1 - Você resolveu ter sua própria agência por uma questão de autonomia, ou justamente por uma questão de faixa etária? Você acha que de repente o mercado chegou numa certa fase e numa certa faixa etária, ele já não quer mais pessoas dessa idade?
R - Não, não foi essa intenção, não. Aliás, eu nem sei como foi, porque quando eu montei a agência eu tinha trinta anos, quer dizer, estava no auge ainda da produtividade para esse mercado. Embora a gente envelheça rápido nesse mercado, trinta anos ainda é bem jovem. O que eu sentia era uma frustração, eu estava numa agência que não estava pagando o que eu queria; pular para uma agência maior, eu já não tinha portfólio para isso, eu não tinha mesmo skill. Comecei a olhar o mundo da comunicação e falei: “Caramba, eu não falo mais essa linguagem.” Eu queria uma coisa que tivesse a minha cara, eu não me visto de publicitário mais; tinha todo um estereótipo, o cara que se veste assim, fala assado, fuma isso, bebe aquilo. Eu não sou isso! Eu sou mais pé no chão, me divirto fazendo isso, acho legal, acho divertido, mas cara, é só publicidade, eu não tô mudando o mundo aqui, então ficou meio que um choque existencial. Aí juntei com dois amigos que estavam na mesma vibe na agência que a gente trabalhava, que era CBBA na época: “Cara, vamos montar uma agência.” “Eu conheço um cliente aqui que precisa ser atendido”. O outro: “Eu tenho um amigo aqui que tem uma empresa que faz bolsinhas de couro.” “Então vamos montar uma agência.” Aí a gente alugou uma casinha, sublocou a casinha de um fotógrafo, amigo nosso, começou a partir dali, e foi!
Depois eu também descobri que não era minha praia, essa sociedade. Sociedade é uma coisa complicada. Falei: “Cara, vou viver só!” E aí fui fazer freela, com a cara e a coragem, sem um tostão no bolso e me virei por quatro anos.
Depois voltei para o mercado, na própria Norton, porque eu tinha um contato muito próximo com o Geraldo Alonso, que era o CEO, era o filho do dono da agência. Ele me convidou para gerir um braço de negócios dele lá. “Vamo embora!” Aí fui, levei os meus meninos da faculdade para lá, um time super legal; foi um período, uma coisa interessante. Sempre foi cheio de movimentações, a minha história é cheia de movimentações.
(55:43) - P/1 - Eu gostaria que você me contasse um pouco do seu período, primeiro na agência que você foi sócio e depois, como freelancer. Quais as diferenças de trabalhar numa empresa, no mundo corporativo, depois ser sócio, depois ser um freelancer, trabalhar sozinho? Como isso aconteceu?
R - Não teve nenhum caso pensado, as coisas foram acontecendo. Eu não enxergaria a agência, principalmente naquela época, como um mundo corporativo, que hoje eu faço parte, né? Eu vejo que o mundo corporativo é completamente diferente daquilo que eu vivia na agência, que era uma grande brincadeira, vamos dizer assim - pelo menos a parte que a gente participava na agência.
Depois, quando foi para montar agência… Talvez tenha sido essa falta de percepção do que é o mundo corporativo, por isso que a minha agência também não decolou. A gente vivia ali num espaço que era uma grande diversão, com clientes pagando as contas, e vamos que vamos! Até a hora que os clientes deixam de existir, até a hora que alguém vem e puxa um cliente seu. Aí você fala: “Opa, a vida é diferente.” E a gente talvez não estivesse preparado para isso.
Foi nesse momento que eu saí e fui fazer freela, que é uma coisa muito mais eu comigo mesmo, e sempre fiz isso. Quer dizer, eu consegui tocar a vida, pelo menos durante uns quatro anos, nessa toada, até que eu fui convidado de novo para voltar para o mundo de agências, e aí fiquei nesse ora freelancer, ora participando de agência. Mas a diferença é bem essa mesmo, você… Tem que fazer de tudo. Você tem que ser o gestor, a pessoa da contabilidade, o financeiro, o criativo, a moça do telefone e do cafezinho, você é tudo ao mesmo tempo. O que é legal, acho… A gente não tinha isso na época, mas é um pouco do que são as startups; todo mundo faz tudo, ninguém é de ninguém e todo mundo é dono de tudo. É um pouco dessa linguagem que hoje essa molecada faz com maestria, toca tudo a todo tempo, e a coisa dá certo, mas porque está todo mundo focado nisso.
(58:14) P/1 - Você está trabalhando na Neon. Como surgiu essa vaga para você, o que te interessou? Conta como foi para gente.
R - Se eu te falar de novo que foi mero acaso, você vai achar que a minha história é uma brincadeira, mas foi mero acaso.
Como eu te falei, na minha última incursão no mundo da comunicação, eu estava como gerente de criação da Editora Globo. Eu falei: “Agora sim, eu vim para o mundo corporativo.” Era uma empresa gigante, ganhando um salário legal. Eu não sei se é isso que eu quero para o resto da minha vida, até a hora que acaba. Na hora que o mundo digital tomou conta, “o que a gente faz com esse monte de gente que tá aqui? Não precisa, né?” Foi onde teve um corte, eu fui nesse corte, e fiquei: “O que eu vou fazer agora? Na época eu estava com 57 anos, como é que eu vou voltar para o mercado de trabalho? Não tem como.” E aí eu fiquei, faz freela aqui, faz freela ali, tirei um ano sabático. “Vou fazer o seguinte, eu vou para o parque desenhar, vou dar asas à imaginação.”
Não decolei nessa praia, não tive esse tempo de maturação para virar uma artista visual, um artista plástico e viver disso. Um grande sonho, mas não foi. Chega uma hora que a grana acaba. Falei: “Cara, eu preciso trabalhar, literalmente eu preciso trabalhar, senão não pago as contas, literalmente acabou.” E aí surgiu uma possibilidade para trabalhar com cursos… Eu ia ser assistente desse cara. Entrei lá numa seleção e fui passando, passando, passando, até o dia que me chamaram para entrevista. Eu falei: “Agora é a hora. Quando chegar na entrevista vão olhar que é um tiozinho, eu tô fora!” Mas fui.
Quando eu cheguei lá, o meu gestor era mais novo que o meu filho. E foi muito engraçado. Ele olhou para minha cara, eu olhei para a cara dele… “Bom, é só isso, né, cara. Não dá para disfarçar e nem meter uma máscara, eu sou isso aqui.” Ele comprou a briga e foi o maior achado da minha vida.
A gente teve um encontro geracional que foi dez. Eu aprendi um monte de coisas de tecnologia, e ainda não sei. E ele aprendeu um monte de atalhos que o jovem não sabe. E a gente…. ”Eu sei que aqui é mais fácil”... Foi maravilhoso! Foi uma sinergia maravilhosa, durou um ano essa brincadeira.
Ele saiu para a Neon - olha que louco - ele foi contratado pela Neon. A gente estava na Bandolim, que é da Poli-USP; é uma fundação dos professores da Poli e fazem cursos independentes. Eu fui cuidar disso. Quando ele saiu eu assumi o lugar dele por um período curtíssimo, fazendo a gestão de cursos, fazendo a gestão do pessoal, coisa que eu fazia também tranquilamente. Até que veio a pandemia: “Putz, corta tudo!” Os professores estavam resistindo em fazer online, queriam fazer presencial, ou seja, perderam muito dinheiro, perderam receita. De novo entrou aquela história: “Corta todo mundo!” E eu fui embora.
Até que eu entrei na Maturi e coloquei meu currículo lá. A Maturi é focada em recolocação de pessoas 50+ no mercado. Eu fui chamado numa seleção, não sabia porque, onde era, o que era. Quando começou a seleção, tô em casa, porque tinha um monte de gente igual, todo mundo lá 50+; “Opa, pelo menos as piadas eles vão entender, posso falar uma piada aqui que o cara vai entender. Pelo menos eu estou em casa.” E aí, coincidência absurda, eu descobri que era para a Neon.
Eu falei: “Mas para fazer o quê?” E eu precisando trabalhar, cara, quero fazer e topo fazer qualquer coisa. Era para fazer o atendimento ao cliente, o famoso SAC. Falei: “Vamo embora, só me diz como é, onde é”. E aí ficou a nossa turminha 50+, ficamos dois meses em treinamento, para entender tecnologia, entender a linguagem.
Bom, enfim, entrei, aí entrei na minha praia. Era só molecada, tô de novo no banco da escola. Eu tô aqui e eu me divirto com eles, falo as minhas bobagens, eles se divertem comigo. Eu criei um grupo muito legal e uma sinergia muito legal com o time.
Também descobri na Neon que, apesar de ser gigante, ela não perdeu a cara de startup, e não tem porta, então eu comecei a fazer conexões ali dentro. Foi aí que surgiu a possibilidade de partir para uma praia que é muito mais parecida com a que eu acho que eu posso desenvolver, que é design de produto. Surgiu uma vaga, eu participei dessa seleção. E como eu costumo dizer, eu sou aprendiz de feiticeiro, eu sou um jovem aprendiz da terceira idade, porque estou aprendendo tudo de novo. Eles são super generosos, levam pela mão e estou descobrindo um mundo novo, a verdade é essa.
Isso faz de novo trazer brilho aos olhos, sabe? Esquece o passado, aquilo que eu fui foi bacana, mas não é mais. O mundo é outro, eu não me encaixo mais nisso, mas tem um monte de coisas que eu posso fazer. E de novo com essa ligação de intergeracionalidade, de trazer um pouco da minha experiência, e carregar muito do que essa moçada está fazendo em prol de [onde] hoje eles estão chegando. Então literalmente tô no paraíso.
(1:04:20) P/1 - O que você diria para as pessoas que passaram pela mesma situação que você, que precisam se recolocar no mercado de trabalho após os cinquenta anos? O que você acha que a sua experiência contribui, pode dar de exemplo para essas pessoas?
R - Eu falo muito por mim, cada um tem um jeito de enxergar, mas a primeira coisa que a gente tem que fazer é abandonar o passado, literalmente. A única coisa que eu não troquei foi de time de futebol e de esposa, mas o resto, esquece o que você fez, esquece o que você foi, guarda. A gente está se divertindo contando história aqui, mas não é mais. O que eu posso fazer além disso?
E outra, se colocar na posição de aprendiz. Acho que esse é o grande barato, que as pessoas resistem. “Eu não posso voltar a ser aprendiz”. Não, você tem que voltar a ser aprendiz, para tudo. Eu não sei metade do que essa molecada sabe fazer com a tecnologia, e eu tenho que aprender. Eu não vou ser igual a eles jamais, mas cara, eu também não posso [ficar dizendo:] “Na minha época, puxa, na minha época”. Cara, já foi, que bom que foi, agora muda. Então primeiro é esquecer o passado. Segundo, se colocar à disposição do aprendizado, isso é ponto fundamental. E terceiro… Aí é uma característica minha, eu sei que não são todos os velhinhos que tem isso, mas eu me divirto, de verdade. Eu rio demais com as minhas bobagens, eu me divirto com o que eu não sei, não tenho vergonha de falar que não sei, e vamo que vamo, vamos em frente, vamos embora.
Enfim, acho que essa grande… Se é que é um conselho, cada um enxerga isso de uma determinada forma. Foi a forma que eu descobri de me livrar desse empecilho, dessa barreira, e descobrir um mundo novo. Se é a melhor maneira, não sei, mas pra mim está sendo.
(1:06:22) P/1 - Queria que você contasse como está sendo esse período de pandemia. Como ficou sua saúde mental nesse período, como você conseguiu driblar isso para seguir em frente? Conta um pouco para a gente.
R - Driblei também. Não é regra, mas eu me dei bem com o isolamento. Não foi nenhum trauma, pelo contrário, foi tranquilo. Teve um momento de adaptação, mas não foi nenhum sofrimento, pelo contrário. Fiquei isolado mesmo, eu e minha esposa; ficamos os dois aqui durante dois anos, literalmente.
Uma coisa que eu fiz, acho que isso ajudou na minha saúde mental… De novo, conexões. Tenho um amigo que também era publicitário, que mudou para Londres e está vivendo lá há anos e anos. [Ele é] escritor, e eu via que ele escrevia poesias. Falei: “Poxa, vamos fazer, ele escreve e eu ilustro.” Então a gente criou o Risque Rabisque, durante um ano a gente fez isso; toda semana a gente lançava uma poesia na internet, no Instagram. Ele de próprio punho e eu ilustrava com [caneta] Bic, então a gente fazia uma página dupla, eu interpretando o poema dele. A gente fez isso por 52 semanas, isso tirava um pouco…sabe? Te leva para uma outra atmosfera e te tira daquela coisa que tá tudo ruim, é só ruim. Tá ruim, tá difícil, eu não posso sair de casa, mas cara, posso viajar com a minha cabeça. Isso foi também o que me salvou um pouquinho dessa… E comecei a escrever, coisa que eu nunca fiz. Comecei a escrever no Linkedin, um monte de gente curtindo. “Poxa, pera aí, vamos soltar um pouco isso. Sem compromisso nenhum, escrevo de tudo, qualquer bobagem eu vou lá e escrevo.” Isso trouxe pra mim um pouquinho de sanidade, eu acho, foi uma válvula de descompressão.
Hoje, mesmo com tudo voltando ao normal, a gente ainda carrega bastante desse aprendizado dos anos mais fortes da pandemia, então a gente sai pouco, [usa] máscara, [toma] vacina, [mantém] distância, tudo que é possível fazer, quando é possível fazer. A gente aprendeu a lidar com isso de maneira fácil, e acho que fez atravessar isso. Foi um pouco de buscar outras ferramentas, manter a cabeça lúcida, acho que esse foi o truque.
(1:09:30) P/1 - Como você entende a importância da diversidade no mercado de trabalho? O que você acha que faz com que um ambiente diverso seja legal para trabalhar?
R - Tem dois aspectos. Eu posso falar da Neon, e como eu te falei eu tô no paraíso, porque a Neon é completamente diversa, em todos os sentidos que você puder imaginar. Preconceito é uma palavra que não pode existir no mundo e na Neon não existe. Isso também já foi um negócio: “Cara, é aqui que eu quero trabalhar.” Se eu não fosse escolhido eu ia bater lá todo dia querendo trabalhar.
No meu caso específico, da intergeracionalidade, eu acho que uma coisa muito clara e simples é [que] o cliente também é intergeracional, então eu não posso montar um time só de jovens. O meu cliente não é só assim, meu cliente também é como eu, que tem dificuldade com tecnologia. A gente faz rodas lá de discussão de designer de produto e eu ponho minha visão de um analfabeto tecnológico. Não adianta botar vários feats num aplicativo - o nosso contato é só pelo aplicativo - se eu não sei apertar um botão, que dizer, tem que olhar para mim também, não tem que olhar só para essa moçada que come com farinha, faz três coisas ao mesmo tempo e tá tudo bem. Essa troca é muito legal. E é legal que eles enxergam isso e dão o devido valor a isso.
Do outro lado a gente aprende demais. Quando eu te falo assim, “eu me sinto estagiando”.... O meu primeiro estágio, lá de 77, eu me sinto estagiando hoje. Não tem coisa mais estimulante do que você se sentir aprendendo. De novo, volto naquela história, rompe com o ego, deixa ele lá no divã do analista e se põe para aprender, se põe para fazer coisas novas.
Acho que as empresas cada vez mais têm que buscar isso, e elas vão fazer isso, não tenho dúvida. Eu literalmente não tenho dúvida, a experiência que a gente está passando aqui, o que eu estou passando aqui, eu e essa galerinha que veio junto comigo, os 50+, é um exemplo que eu acho que a gente tem que replicar para o resto. Eu quero que outras empresas olhem isso, não como “vamos dar chance para os tiozinhos”, não! É competência mesmo, até onde eu posso ser e quais são os meus limites. Tem uma hora que eu não vou conseguir avançar mais do que isso, mas quanta coisa eu posso também colaborar, dentro dos meus limites? Acho que é uma troca necessária, como é necessário ter o gay, como é necessário ter o negro, como é necessário ter todo tipo de gente convivendo ao mesmo tempo, isso é fundamental. Essa pluralidade tem que existir, não tem outra regra. A gente hoje ainda vai batendo, vai brigando para que ela exista; ela tem que ser natural e não tenho dúvidas que isso vai acontecer em pouquíssimo tempo.
(1:12:52) P/1 - O que é mais importante hoje em dia para você?
R - Assim, numa tacada só? Vou ter que falar uma palavra, uma coisa, como é que é?
P/1 - Várias, podem ser várias coisas mais importantes.
R - Importante pra mim é me divertir. Acho que isso é extremamente importante. Não vou falar saúde, porque vai parecer “putz, lá vai o tiozinho falando que saúde é importante''. Claro, você tem que ter saúde, mas não é saúde física não, é mental, é financeira, eu acho que isso é o importante.
(1:13:41) P/1 - Quais são os seus sonhos para o futuro, Paulo?
R - Bom, o meu sonho para o futuro… O primeiríssimo deles é sair de São Paulo. Isso vai acontecer até o final do ano, então esse sonho vai virar realidade, se Deus quiser, rapidinho. O resto é continuar fazendo o que eu estou fazendo e poder trocar, poder fazer essa troca de conhecimento, agregar com pessoas, aprender com pessoas, isso é o meu sonho.
(1:14:12) P/1 - Tem algo que a gente não falou aqui durante a nossa conversa que você gostaria de falar?
R - Não, acho que a gente falou de tudo. Tem muita história para contar, não dá tempo de contar todas as histórias. Acho que a gente deu uma geral em tudo, fiquei bem feliz com o papo.
(1:14:36) P/1 - Qual o seu legado? O que você gostaria de deixar para que as pessoas se lembrem de você?
R - Se eu me olhasse de fora, eu queria que as pessoas se lembrassem assim: “Putz, esse cara agregou pessoas, sabe?” Acho que essa minha…. Não é missão, porque eu acho que missão é uma palavra forte e fechada demais, mas se eu pudesse falar de legado - legado é uma palavra legal - é isso, agreguei pessoas. Isso me deixa muito, muito feliz. Desde arrumar um namorado desse para aquele, ou emprego desse com aquele outro, ou juntar pessoas. Isso de verdade me motiva.
(1:15:36) P/1 - O que você achou de contar a sua história para a gente hoje?
R - Ah, cara, foi muito divertido! Agora o duro é parar de ficar pensando, porque quando eu desligar a câmera, “eu esqueci de falar aquilo, eu podia ter falado aquilo outro”... Isso vai acontecer, eu sei, mas fazer o que, não tem cura para isso.
Mas adorei, acho que é muito legal a gente se olhar. Eu demorei muito para me olhar, demorei demais. Sempre tive receio de me olhar, nos dois sentidos, naquilo que eu tenho potencial e naquilo que eu tenho limites. Acho que a idade também traz um pouco disso, até a hora que você se olha francamente. “Cara, eu sou bom nisso, eu tenho dificuldade naquilo. Se aceita e vamos que vamos!”
Posso melhorar um pouco aqui, mas nunca vou ser um Neymar, nunca vou bater um pênalti igual fulano de tal. Enfim, pelo menos vai lá e sabe o que fazer. Mas eu acho que é isso.
(1:16:46) P/1 - No nome do Museu da Pessoa, Paulo, agradeço muito a conversa que a gente teve hoje.
R - Obrigado, viu? Obrigado você, obrigado mesmo, Alisson, pela ajuda aí, cara. Espero que ajude mesmo. Depois eu posso postar, né? Falar que eu falei com vocês no Linkedin e tudo mais. Adorei! Contem comigo, eu estou muito à disposição!
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