Depoimento de Oswaldo Siciliano
Entrevistado por Márcia Ruiz e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 27 de outubro de 1994
Transcrita por Rosali Nunes Henriques
P - Boa tarde, vamos começar então.
R - Boa tarde.
P - Eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome, local e data de nascimento, nome dos pais e avós.
R - Meu nome é Oswaldo Siciliano, eu nasci no dia 6 de novembro de 1931, na cidade de São Paulo, na Rua Gomes Cardim, nº 35. Meu pai chamava-se Pedro Siciliano, minha mãe chama-se Amália Tenuto Siciliano, meus avós paternos eram Vicente Siciliano e Acolita Mandarins Siciliano. E os avós maternos eram Salvatore Tenuto e Maria Teresa Caruso Tenuto.
P - O senhor sabe a origem do nome, do seu sobrenome?
R - Eu me recordo que meu avô dizia, e meu pai também, que possivelmente o avô do meu avô tinha se transferido da Sicília para a Calábria e como, naquela ocasião, isto remonta começo do século XIX, fim do século XVIII, talvez, as pessoas não tinham sobrenome. E então eram apelidos e era um cidadão chamado por Siciliano, um apelido, respondia pelo apelido de Siciliano. E que a origem do nome, do nosso nome seria essa: alguém que se baldeou da Sicília para a Calábria e ficou.
P - Certo. Quantos irmãos o senhor tem, seu Siciliano?
R - Eu tenho quatro irmãos, um homem e três mulheres.
P - Eu queria que o senhor descrevesse um pouquinho o local onde o senhor nasceu, a rua. Quando o senhor nasceu, onde o senhor morava quando criança?
R - Bom, conforme eu disse, eu nasci na Rua Gomes Cardim. Eu me lembro dessa casa vagamente. Eu me lembro que era uma casa térrea com um quintal muito grande e o meu pai gostava de criação. Ele, então, eu me recordo, tinha criação de coelhos e de galinhas e essa rua, embora no Brás, perto do Largo da Concórdia, era uma rua tranqüila, era uma casa grande, tinha sala, eu me recordo, a sala de jantar era bem grande, uma cozinha grande, tinha quatro...
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Entrevistado por Márcia Ruiz e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 27 de outubro de 1994
Transcrita por Rosali Nunes Henriques
P - Boa tarde, vamos começar então.
R - Boa tarde.
P - Eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome, local e data de nascimento, nome dos pais e avós.
R - Meu nome é Oswaldo Siciliano, eu nasci no dia 6 de novembro de 1931, na cidade de São Paulo, na Rua Gomes Cardim, nº 35. Meu pai chamava-se Pedro Siciliano, minha mãe chama-se Amália Tenuto Siciliano, meus avós paternos eram Vicente Siciliano e Acolita Mandarins Siciliano. E os avós maternos eram Salvatore Tenuto e Maria Teresa Caruso Tenuto.
P - O senhor sabe a origem do nome, do seu sobrenome?
R - Eu me recordo que meu avô dizia, e meu pai também, que possivelmente o avô do meu avô tinha se transferido da Sicília para a Calábria e como, naquela ocasião, isto remonta começo do século XIX, fim do século XVIII, talvez, as pessoas não tinham sobrenome. E então eram apelidos e era um cidadão chamado por Siciliano, um apelido, respondia pelo apelido de Siciliano. E que a origem do nome, do nosso nome seria essa: alguém que se baldeou da Sicília para a Calábria e ficou.
P - Certo. Quantos irmãos o senhor tem, seu Siciliano?
R - Eu tenho quatro irmãos, um homem e três mulheres.
P - Eu queria que o senhor descrevesse um pouquinho o local onde o senhor nasceu, a rua. Quando o senhor nasceu, onde o senhor morava quando criança?
R - Bom, conforme eu disse, eu nasci na Rua Gomes Cardim. Eu me lembro dessa casa vagamente. Eu me lembro que era uma casa térrea com um quintal muito grande e o meu pai gostava de criação. Ele, então, eu me recordo, tinha criação de coelhos e de galinhas e essa rua, embora no Brás, perto do Largo da Concórdia, era uma rua tranqüila, era uma casa grande, tinha sala, eu me recordo, a sala de jantar era bem grande, uma cozinha grande, tinha quatro dormitórios e um quintal enorme. Foi uma casa que eu morei até meus cinco anos de idade, depois eu me recordo que nós mudamos para a Rua do Gasômetro, 115. Era uma casa assobradada, muito confortável e umas das coisas que eu me lembro é que eram casas geminadas e nós morávamos num sobrado e embaixo havia, eram duas casas, uma embaixo e outra em cima, e embaixo havia uma família cuja senhora gostava muito de plantas, mas muito mesmo. Então no quintal da casa dela havia sem número de folhagens, as mais diversas possíveis e eu me recordo que eu olhava para baixo e dizia sempre pra minha mãe: "Por que a senhora não pede aquela planta pra nós?" Então isso ficou gravado. E uma coisa que eu me lembro muito também da Rua do Gasômetro é que, nessa altura eu já tinha oito anos, nove anos, em frente a nossa casa havia um largo muito grande e que nós jogávamos futebol e era uma coisa superagradável, não havia trânsito, havia somente uma linha de ônibus que passava ali, que era o Circular nº 5, que ia exatamente para o Largo do Tesouro. E então nessa casa eu passei realmente a minha infância. Eu morei nessa casa dos meus cinco anos até os 11, 12 anos no máximo, e foi a época realmente que eu posso dizer que eu vivia na rua porque nós tínhamos muitos amigos e então vivíamos na rua, jogando futebol, empinando papagaio, nas festas de São João e assim sucessivamente.
P - E, com relação à escola, o senhor começou a freqüentar a escola em que idade?
R - Eu comecei a freqüentar a escola com a idade de sete anos. Meu pai me matriculou numa escola que havia na Avenida Paulista esquina da Rua Augusta, chamada Ginásio Paes Leme, mas eu fiquei nessa escola um ano só porque o meu pai não gostou, eu gostava da escola mas meu pai não gostou porque a escola não era boa, a gente mais brincava do que estudava (risos). Aí ele chegou a conclusão que aquilo não servia. Bom, e de lá então ele conseguiu uma vaga no Mackenzie e eu fui pro Mackenzie. Eu fui para a Escola Panameri... para a Escola Americana. Tanto ele tinha razão que ao conseguir a vaga para a Escola Americana eu tive que fazer um pequeno exame e não deu outra, eu tive que repetir um ano porque a Escola Americana não me aceitou para o terceiro ano, para o quarto ano primário. Eu tive que repetir o terceiro ano primário que aliás foi a melhor coisa que aconteceu para mim, ter repetido o terceiro ano primário na Escola Americana do Mackenzie.
P - Por quê?
R - Por quê? Porque realmente eu não tinha base suficiente para seguir, então era melhor que eu tivesse realmente sido reprovado. Foi o melhor presente da minha vida uma reprovação (risos). Por incrível que pareça. Eu interpreto assim.
P - Seu Oswaldo, eu queria que o senhor falasse um pouco da atividade profissional de seu pai nessa época. Se ele sempre mexeu com as mesmas coisas, como é foi essa atividade profissional.
R - O meu pai foi o homem de confiança do falecido Assis Chateaubriand na cidade de São Paulo. O meu pai trabalhava nos Diários Associados como distribuidor autônomo dos jornais e ao mesmo tempo ele mantinha uma firma dele fora dos Diários Associados, aonde ele distribuía outras publicações mesmo dos Diários Associados, mas que não estavam diretamente ligadas ao Diário de São Paulo e ao Diário da Noite. Então ele trabalhava nos Diários Associados de São Paulo e mantinha a empresa dele para distribuir essas publicações dos Diários Associados que eram impressas no Rio de Janeiro, ou melhor dizendo a Revista O Cruzeiro e outras publicações, e ao mesmo tempo ele trabalhava também para o doutor Roberto Marinho distribuindo o jornal O Globo e publicações da editora do doutor Roberto Marinho de revistas, que se chamava Rio Gráfica e Editora Ltda. Meu pai evidentemente viveu sempre entre esses grandes homens que construíram a imprensa no Brasil e para tal ele teve que se acomodar a esses gênios ou não, mas homens, até certo ponto naquela época, muito fortes em todos os pontos de vista. E evidentemente o meu pai para isso tinha que ser um homem muito forte e muito enérgico e um homem que não media esforços para alcançar o objetivo. O grande objetivo que eu me lembro do meu pai, eu posso dizer, seria atingir um ponto bom de vida através do seu próprio trabalho e conseguir educar a seu gosto todos os filhos. Ele sempre fez questão que os filhos estudassem e os filhos tiveram que estudar. Nós não tivemos, no bom sentido da palavra, outra opção a não ser estudar para o nosso próprio benefício e evidentemente ele exigiu que os dois filhos homens começassem a trabalhar desde cedo.
P - Quando é que ele começou com o negócio, senhor Oswaldo?
R - Ele começou com o negócio aqui em São Paulo em 1928.
P - Já no Diários Associados?
R - Já. Porque ele veio do Rio de Janeiro no fim de 1927, a convite do doutor Assis Chateaubriand, porque o doutor Assis Chateaubriand acabava de comprar o Diário de São Paulo e logo em seguida fundou o Diário da Noite. Então ele veio para São Paulo já com essa idéia de trabalhar para o Assis Chateaubriand e paralelamente montar o seu negócio. Que aí ele trouxe publicações do Rio de Janeiro, conforme eu disse, ele trouxe O Globo, ele trouxe as revistas do doutor Roberto Marinho, ele trouxe outras publicações que existiam na época que não existem mais como o Jornal das Moças, Revista da Semana, A Cena Muda, Eu Sei Tudo, e tantas outras publicações. Porque São Paulo, naquela ocasião, ainda minha mãe sempre falava e fala, que São Paulo era iluminado a gás.
P - Como eram distribuídos esse jornal e as revistas, senhor Oswaldo?
R - Esses jornais e essas revistas vinham de trem do Rio de Janeiro, e então ele tinha um pessoal autônomo, vamos dizer assim, que apanhava, retirava essas revistas e esses jornais da Estação do Norte, hoje Estação Roosevelt, e levava para a Galeria Pirapitingui, e lá então os poucos jornaleiros que haviam naquela época em São Paulo em 1928, 1930, 1935, havia entre 50, 70 bancas de jornais. Então esses jornaleiros iam à Galeria Pirapitingui na loja e se abasteciam para servir e venderem nas suas bancas de jornais.
P - Não havia assinatura como hoje, que a pessoa recebe em casa?
R - Não, naquela ocasião não havia assinatura. Assinatura de jornal e revista no Brasil, ela data do início dos anos 50. Era assim.
P - E, senhor Oswaldo, o senhor lembra de alguma revista em especial, uma ou mais que o senhor gostava de ler na infância, que seu pai trazia para casa?
R - Gibi, o gibi O gibi, e havia além da revista, naquela ocasião, uns livrinhos que nós poderíamos hoje chamar de livros de bolso, mas eles eram grossos, eles tinham talvez 300 páginas e que você manuseava e se você fizesse pressão com o polegar para correr as páginas, eles faziam um movimento tal qual uma cena de filme. Então isso era uma coisa extraordinária, não é? Então, naquela ocasião, por incrível que pareça, haviam revistas em quadrinho que a gurizada e eu adorávamos
P - Quais eram essas revistas?
R - Fantasma, Flash Gordon, Dick Trace, e a maioria eram revistas traduzidas. Havia o Tico-Tico, brasileiro, mas, por incrível que pareça, essas revistas eram condenadas pelos professores e pela Secretaria de Cultura, porque nessa época o quadrinho foi condenado O quadrinho só proclamou a sua independência junto às escolas há pouco tempo. De 20 anos para cá, porque antes era tido como uma leitura perniciosa que os professores diziam que você, aluno, olhava para gravura e não lia Então não era, não atingia o objetivo. Passaram-se 20 anos, digamos assim, houve uma inversão. Hoje o quadrinho é educacional, tanto você veja que quando iniciou a explosão no Brasil do interesse pelo idioma inglês, logo após ou durante a 2ª Guerra Mundial na década de 40, no começo da década de 40, houve já uma explosão e um interesse muito grande da juventude em aprender o idioma inglês. E o idioma inglês começou a ser ensinado na União Cultural Brasil-Estados Unidos e na Cultura Inglesa em livros em quadrinhos, porque eles diziam que motivava mais a criança, o jovem, a se dedicar. Contra-senso, né? (riso) Mas é a realidade.
P - Qual era a tiragem desses gibis, naquela época, senhor Oswaldo, o senhor tem uma idéia mais ou menos?
R - Era pequena. Eu me recordo que nós recebíamos, recebíamos em torno de cinco mil, sete mil exemplares, isso na década de 40, não é? Mais adiante, na década de 50 quase, início dos anos 60, houve uma explosão, e nós, eu me recordo que havia um desses gibis chamado ... chamado Fantasma, que nós chegávamos a receber 60 mil exemplares por mês.
P - E os almanaques que existiam no começo do século? Eram distribuídos também?
R - Eram distribuídos também da mesma maneira, esses almanaques que saíam normalmente no fim de ano. Eram presentes de Natal, ou melhor dizendo, na década de 40 não se comemorava o Natal, era 6 de janeiro o dia mamãe Epifânia, quando as crianças recebiam os presentes. Mas depois já no fim da década de 40 houve aí um movimento no comércio para firmar o dia de Natal como o grande dia da festividade cristã, onde o mundo lá fora já estava a pleno vapor nessa comemoração e onde, sem dúvida alguma, o resultado econômico-financeiro ultrapassou os limites. Então o Brasil tratou de copiar. E, então, esses almanaques eram o grande presente de Natal, nessa ocasião, né?
P - Senhor Oswaldo, seu pai, quando ele começou com as atividades, o senhor disse que foi mais, ele fundou a empresa em 1928. O senhor começou a freqüentar... o senhor mesmo disse que ele colocou os filhos homens a trabalhar muito cedo. O senhor começou a trabalhar quando com ele?
R - Eu, eu não poderia usar o termo trabalhar na sua total expressão, não é? Eu comecei a freqüentar, eu prefiro dizer freqüentar, e fazia alguma coisinha em 1940. Mas eu freqüentava assim nas férias, nos feriados escolares, e eu então mexia em alguma coisa. Mas, nas férias eu era assim obrigado a trabalhar meio período.
P - E como era esse cotidiano desse trabalho dentro da distribuidora?
R - Esse trabalho era ao faz-tudo (risos). Era ao faz-tudo. Fazia o que o empregado fazia, e foi assim que eu aprendi a trabalhar. Fazendo o que qualquer empregado pudesse fazer, fazia de tudo.
P - Certo. E a empresa nessa época estava na galeria?
R - Pirapitingui.
P - Ela é, é uma galeria que hoje não existe mais?
R - Não existe mais porque hoje faz parte do Banespa, do Banco de São Paulo, do Banco do Estado de São Paulo.
P - E era uma rua muito movimentada?
R - Era. Era o centro, a Praça Antônio Prado naquela ocasião e a Rua XV de Novembro eram o centro nevrálgico de São Paulo, era o que é hoje a Avenida Paulista. Os bancos se concentravam todos lá, bancos que já não existem mais.
P - Qual banco?
R - Por exemplo, o Banco Comercial do Estado de São Paulo que era da, do doutor José Maria Whitaker, que foi um dos grandes ministros da Fazenda que o Brasil teve, era um banco fortíssimo, era ali na XV de Novembro, quase com Praça Antônio Prado. Ali também havia o Banco de São Paulo, havia o próprio Banco do Estado de São Paulo, pequeno, havia o Banco Novo Mundo, que não existe mais. E na Rua XV de Novembro havia já o Banco Boavista, havia algumas casas bancárias que existiam antigamente, ali era o centro nevrálgico da cidade de São Paulo.
P - Essa distribuição era feita, como é que era feito o pagamento, as pessoas retiravam, como o senhor colocou, e pagavam à vista?
R - Pagavam à vista.
P - Em moeda?
R - Em moeda. Não havia cheque naquela ocasião, principalmente entre os jornaleiros. E o Brasil naquela ocasião nem sonhava com o cartão de crédito.
P - Desculpe. Havia meninos que vendiam jornal? Aquela figura que a gente conhece de filme?
R - Havia meninos. Havia meninos e homens e poucas mulheres. Haviam, eu me lembro, havia uma senhora de cor que era uma das grandes jornaleiras do centro de São Paulo e ela trabalhava no Largo do Tesouro.
P - O que tornava alguém grande jornaleiro? Ele tinha que gritar as manchetes?
R - Sabia apregoar. Ele era um grande vendedor. Era isso.
P - Senhor Oswaldo, o senhor lembra de algum dia que o jornal não chegou, que aconteceu alguma coisa, algum evento especial e o jornal acabou rápido, não chegou, alguma...
R - O jornal sempre chegou, o jornal nunca deixou de aparecer e lhe digo que nessa época ... eu vou citar o exemplo do Diário da Noite. O Diário da Noite nessa época editava cinco edições por dia.
P - Diferentes?
R - Diferentes. Diferentes. É, a cada duas horas e meia saía uma nova edição do Diário da Noite. Os jornais vespertinos, porque havia os matutinos, como, por exemplo, o Diário de São Paulo, o Estado de S. Paulo, eram jornais matutinos, e os vespertinos, havia também a Folha da Manhã, que era matutina, e os vespertinos eram o Diário da Noite, A Gazeta, a Folha da Tarde. Então, o Diário da Noite ele tirava cinco edições por dia e durante a Segunda Grande Guerra era comum o Diário da Noite tirar sete edições num dia, era só eles receberem uma notícia que um navio tinha sido bombardeado ou um negócio qualquer, era motivo para uma edição extra.
P - Mas era uma edição de duas, quatro páginas?
R - Quatro páginas.
P - Ah quatro páginas.
R - É uma edição extra. Agora as edições, as cinco que eu me referi eram jornais de dois cadernos, não é?
P - E qual é a diferença? Como é que o senhor pode comparar o jornal daquela época com o de hoje. O que o senhor difere, o que o senhor acha que chama mais a atenção da diferença da forma como é impressa o jornal hoje, a forma como é distribuída a notícia?
R - Com o advento. Com o advento da televisão, mas primeiro vamos falar com desenvolvimento, com o desenvolvimento do rádio não é? Eu me lembro, por exemplo, do famoso Repórter Esso O jornal naquela época, principalmente os vespertinos, eles viviam de grandes manchetes, havia um crime fabuloso, eu me lembro, por exemplo, de um crime horrível na cidade de São Paulo, o crime da mala. Um cidadão matou uma mulher, esquartejou a mulher e meteu na mala, essas coisas horríveis. Então isso saía em letras garrafais nos jornais, não é? Principalmente nos vespertinos, porque os matutinos sempre foram jornais de mais conteúdo editorial, não é? De maior conceito e equilíbrio editorial, de artigos mais pesados, de artigos mais profundos como são hoje, digamos, o Estado, a Folha, o Jornal do Brasil, O Globo do Rio, o Estado de Minas, o Correio Braziliense, são jornais, não é, que têm um editorial digamos mais profundos, seções especializadas, mais esmiuçadas. Os vespertinos sempre foram jornais mais gritantes, substituídos hoje por aqueles jornais que hoje impressionam nas bancas de jornais, como A Última Hora, O Dia, jornais assim hoje escandalosos que a gente nem quer ler as manchetes porque até se assusta. Mas os jornais antigamente eles tinham que ser mais atuantes, mais precisos, mais eu diria que muito mais impressionantes e chocantes do que hoje. Porque hoje o que choca é um programa de televisão que eu não quero mencionar nomes. Então, o jornal daquela época foi substituído por alguns noticiários da televisão de hoje em dia e até alguns programas em estações de rádio. Então, o jornal hoje na concepção, sem desmerecer qualquer jornal, mas há um número de jornais hoje que são jornais de peso, jornais que o editorial, força de expressão, é lido por muitas pessoas, o que é um contra-senso, e a pessoa não tem a capacidade de assimilar, de entender o que está lendo. Porque os editoriais de hoje são profundos, abordam situações econômicas, sociais, editoriais muito sérios. Então, os jornais hoje têm esse conteúdo mais profundo, não é, mais profundo.
P - Seu Oswaldo, como é que foi essa transformação, vamos dizer assim, a passagem da distribuidora para a livraria? Como é que foi isso? Como, quando ocorreu, como é que isso ocorreu?
R - Bom. Isto, meu pai abriu a nossa primeira livraria em 1942. A livraria era uma livraria muito bem montada, eu me lembro, bem montada, muito agradável, trabalhavam já moças, porque a Rua Dom José de Barros ela tinha uma posição privilegiada porque o público que freqüentava o Teatro Santana, que era ali na Rua 24 de Maio, era um público também, como hoje, o público que freqüenta teatro hoje em dia é um público diferenciado, e naquela ocasião também. Então a clientela dessa livraria era, por exemplo, entre outros, o Procópio Ferreira, a Bibi Ferreira, Dercy Gonçalves, Walter Pinto e Nélson Rodrigues e tanta gente de nome do meio cultural do Brasil. Então, essa livraria funcionava bem, funcionava bem, mas bem, ( final da fita 015/01 A) mas nós, a partir de 1954, quando assumimos a direção da empresa, nós quisemos massificar o livro, porque eu vinha com esse visual de uma viagem feita aos Estados Unidos. Eu não... eu não entendia como é que o povo que morava em Santo André, por exemplo, não havia uma livraria em Santo André para atender o público jovem, para atender os professores e uma pequena camada que se interessasse por livro. Então, a partir deste raciocínio, nós começamos a mudar o funcionamento de uma livraria no Brasil, porque até então, e mesmo até hoje, existem poucos, hoje existem poucos livreiros na concepção da palavra, muito poucos. Porque o livreiro é o intermediário do autor com o público, do editor com o público, então este livreiro, este tipo, ele é o homem que está a par de todo o movimento cultural de uma cidade, de um estado e do país. Acontece que para você ter, fazer do livro uma empresa na concepção da palavra, você tem que sair desse parâmetro, você tem que ser um empresário do livro, você tem que tratar o livro como uma mercadoria, um produto qualquer. A única coisa que você precisa ter, que é a felicidade que eu tenho e que meu irmão tem, é que nós, além de termos uma formação educacional e cultural boa, nós temos a prática, nós também somos obreiros do livro. Então nós conseguimos juntar as duas coisas, e daí foi relativamente fácil para nós criar uma rede de livrarias, ou seja, como dizia o professor Fernando Soares, a democratização do livro. Então dentro deste princípio, nós, em 1956, levamos o livro para Osasco, em 58 levamos o livro para Santo André, e assim fomos levando para a periferia, vamos chamar este cinturão, ou Grande São Paulo de hoje, antigamente nós falávamos periferia, hoje é a Grande São Paulo. Nós iniciamos a nossa expansão pela Grande São Paulo por quê? Aí vem um feeling diferenciado, nós, através de observações, de pesquisa e outras informações, vimos que nesses lugares havia um público jovem carente do livro de publicações em geral. E nesses lugares é que se percebia o grande desenvolvimento da cidade de São Paulo que estava para explodir na década de 60 e 70, como de fato isto aconteceu. Então, nós acertamos violentamente quando levamos o livro para a Grande São Paulo, tivemos um sucesso extraordinário, e depois fomos para Santana e fomos vindo sempre da Grande São Paulo para o centro. E somente fomos chegar à Rua Augusta, que era famosa, na década de 60, a Rua Augusta gozava de um prestígio internacional, só fomos chegar à Rua Augusta em 1970, quando nós já tínhamos o que eu posso chamar de uma pequena cadeia de livrarias espalhadas pela cidade de São Paulo.
P - Nessa época quantas livrarias o senhor tinha?
R - Nessa época nós tínhamos oito livrarias, todas, tínhamos a Dom José de Barros e as outras eram todas espalhadas, podemos dizer, pela Grande São Paulo.
P - Senhor Oswaldo, o senhor encerrou as atividades de distribuição de jornais?
R - Nós encerramos essa atividade de distribuidor de jornais em 1960 e encerramos a atividade de distribuidor de revista, principalmente da revista O Cruzeiro, da qual nós fomos sempre distribuidores, quando a revista parou de circular.
P - Em que ano, mais ou menos?
R - Foi por volta de 1972, 73 foi quando a revista parou e aí nós encerramos totalmente e demos mais impulso às nossas livrarias. E aí na década de 70 nós abrimos umas dez livrarias, mais ou menos uma por ano, na década de 80 nós fomos para a cidade do Rio de Janeiro e continuamos a expandir a rede.
P - Quantas livrarias o senhor tem hoje?
R - Hoje nós temos exatamente 69 livrarias e na próxima semana estaremos inaugurando a livraria de número 70 em Brasília.
P - Uma coisa, seu Oswaldo, a comercialização dos livros sempre foi da mesma forma? O que o senhor acha que mudou: a forma de expor o livro, a forma de oferecer o livro, o horário de funcionamento da loja?
R - Bom. Ah, a nossa livraria quando foi fundada em 1942, ela trabalhava das oito da manhã à meia noite. E...
P - Isso já era permitido pela legislação?
R - Não era permitido. Foi muito boa a sua pergunta porque, por volta de 1944, 46, eu me lembro perfeitamente bem que nós começamos a sofrer umas interferências de alguns fiscais da prefeitura porque nós não tínhamos licença de funcionamento para após as 20 horas. E queriam multar, fechar a livraria e essas coisas todas que vocês podem imaginar. E, então, nós tivemos uma idéia: vamos vender jornais ao público, como o jornal circula diariamente, de domingo a domingo, se você tem um estabelecimento que vende jornal você pode trabalhar de domingo a domingo e trabalhar as 24 horas do dia se você quiser. E aí então conseguimos, eu não diria burlar a lei, mas conseguimos prestar um maior serviço à coletividade.
P - E essa, esses livros, eles eram expostos por balcão?
R - Bom. A livraria ela era mais ou menos como é hoje, mas o que, a exposição era bem semelhante à de hoje, a única coisa que havia de bem mais diferente era o comportamento do público. Naquela ocasião o público era muito respeitoso, o público era muito mais elitista do que hoje e o público que freqüentava a livraria, não só a nossa como todas, eram pessoas na concepção da palavra ricas, e a maioria com grau superior, principalmente bacharéis, predominavam os bacharéis em Direito, eram os grandes clientes das livrarias. Mas era um público bem diferenciado no seu comportamento e no seu poder de aquisição. Havia clientes, eu me lembro, que compravam seis, sete livros de uma vez só. Vinham à livraria digamos duas vezes por mês, uma vez por mês e compravam no mínimo seis, sete, oito livros de cada vez.
P - Para consumo?
R - Para consumo próprio, para consumo próprio. Porque, antigamente, é verdade que o número de pessoas que liam era menor do que hoje, mas eles liam muito mais, liam muito mais por diversas razões, não havia principalmente a televisão.
P - Caiu a leitura e a venda de livros com a televisão, senhor Oswaldo?
R - Eu não diria que caiu, eu diria que o público hoje não está mais com disposição e com tranqüilidade para a leitura, porque a leitura exige um momento de pausa, pausa e de tranqüilidade na sua vida, e hoje em dia a vida é tão tumultuada par todo mundo que é raro você ter duas horas por dia para poder apanhar um livro e se dedicar a essa leitura. Então isso é que realmente causa a grande diferença do público até os anos 70, 70 para trás e de 70 para hoje, esta é a grande diferença. É que você não tem mais aquela tranqüilidade, você é vítima de uma inflação galopante, você precisa satisfazer as suas necessidades primeiras e seu poder de aquisição não lhe permite comprar um livro, não é que o livro seja caro, o livro no Brasil ele tem mais ou menos o mesmo preço no mundo todo, só que nós no Brasil não temos sequer a metade do poder de aquisição de um francês, italiano, inglês, americano e assim sucessivamente.
P - Senhor Oswaldo, que tipo de livros o senhor pessoalmente gosta de ler?
R - Eu gosto muito de história, muito. Uma das obras que mais me impressionaram na minha juventude, aliás foram duas: História da Civilização e História Universal, ambas de H. G. Wells. Mas eu sou um apaixonado por história, sempre fui e continuo.
P - E na Editora Siciliano o senhor tem...
R - Não tenho. Eu pouco, pouco opino na Editora Siciliano na questão de seleção de títulos, eu diria que não opino nada. E nem quero opinar, porque nós temos profissionais e então eu devo cobrar o resultado, é diferente. Então eu não opino.
P - Senhor Oswaldo, eu queria que o senhor falasse um pouquinho, é voltando um pouquinho par essa coisa da exposição, da transformação da estrutura, eu queria que o senhor explicasse...
R - Ah, sim. Eu havia me esquecido. Bom, antigamente as livrarias, e a nossa, ela possuía as prateleiras normais e balcões. E esses balcões eram fechados, eles tinham o tampo de vidro e as laterais de vidro e você punha os livros como se fosse numa vitrina. Então o cliente também não tinha a liberdade de abrir a vitrina do balcão para pegar o livro. Isto aconteceu, é, não só na nossa livraria, como em muitas livrarias que inclusive eu freqüentava, como, por exemplo, a Civilização Brasileira, da Rua XV de Novembro, a Livraria Teixeira, que era na Rua Líbero Badaró, a Livraria Melhoramentos, que era na Rua Líbero Badaró. Todas as livrarias tinham mais ou menos o mesmo tipo de exposição. Então ... e as livrarias possuíam vitrinas também, todas elas possuíam vitrinas. Nós mesmos tínhamos quatro vitrinas na Rua Dom José de Barros. Então o que acontecia comercialmente, na minha, na nossa opinião, isto era um erro porque nós sempre achamos que o livro era para ser tocado, era para ser manuseado. O que acontecia? A pessoa passava pela rua, olhava a vitrina, se encantava com o título, com a capa e perdia aquele impulso que surgia de comprar ou não comprar o livro. A hora que você, que nós eliminamos as vitrinas na Rua Dom José de Barros, em 1958, nós eliminamos a vitrina e pusemos um check-out semelhante ao que hoje existe nos supermercados. Porque a loja tinha duas portas, então nós pusemos o balcão caixa como se fosse check-out. E introduzimos a partir de 1958, causou uma revolução, introduzimos o self-service, demos a liberdade para o público apanhar o livro, se servir, se dirigir ao caixa, pagar e ir com Deus.
P - E isso aumentou as vendas ou não?
R - Isso melhorou, aumentou sim. Porque também o freguês passou a não perder tempo porque na cidade de São Paulo tempo sempre foi dinheiro Eu me lembro que quando eu ia ao Rio de Janeiro, eles diziam: "Ah, ele é da cidade da onde tempo é dinheiro". Em São Paulo, São Paulo se agigantou porque o paulista correu desde a madrugada (risos).
P - Senhor Oswaldo, varia muito o perfil de títulos vendidos entre as 69 livrarias?
R - Eu diria que existe uma variável em torno de 25%, não mais do que isso.
P- Só?
R - Só. Só 25. Isso no âmbito de literatura em geral, não é? Existe sim uma variável de 25%.
P - Uma coisa, senhor Oswaldo. É, e o cliente, o senhor acha que ele mudou muito?
R - Mudou totalmente, totalmente, mudou tudo. Nos últimos 20 anos, mudou tudo na cidade de São Paulo. Por exemplo, nas décadas de 40, 50 até 60, nós embrulhávamos os livros. Amarrávamos com fitilhos.
P - Embrulhava no papel?
R - No papel, não é? Era esta a embalagem usada. Aí surgiu o durex, substituímos os fitilhos pelo durex. Logo a seguir na década de 60, de 70, surgiram as embalagens é ... sacos de papel. Então nós optávamos por saco de papel, era mais prático, mais rápido. O freguês chegava e tal, ia pro caixa, pagava, a caixa pegava um saco, metia o papel dentro, não precisava colar durex nem nada e o freguês saía com um saco de papel. Mais adiante veio o saco de plástico, que é usado até hoje. Então mudou isso tudo. Livro para presente sempre houve e sempre mereceu, como merece até hoje, o freguês faz questão de ter uma embalagem diferenciada, não é? Então nós temos papel próprio para presente. E o freguês, ora, o freguês antigamente, na década de 70, era comum ele usar polainas nos sapatos, e gravatinha, ninguém andava sem gravata, todos andavam de paletó. Era uma, era uma apoteose, não é? Era uma apoteose ir fazer compra. Então, realmente, o freguês, eu não diria que ele era mais culto do que o freguês de hoje, mas como era menor o número de pessoas de cultura superior e que falavam outros idiomas, e que liam outros idiomas, então tudo isso caracterizava essa clientela de uma outra maneira. Hoje você na livraria recebe um professor de uma faculdade, você não distingue, e ele também não faz questão de ser distinguido. Ele quer receber o mesmo tratamento. Isto mudou para melhor.
P - Mudou também o tipo de vendedor, senhor Oswaldo?
R - Mudou também o tipo de vendedor, porque o vendedor antigamente ele tinha que estar adequado para receber esse cliente totalmente diferente. Hoje, como eu disse, o vendedor ele disputa com o cliente, as moças, elas disputam com as clientes, você às vezes não sabe, você sabe pela identificação do crachá mas se não, ela está com uma saia da moda, ou um fuseau e você não pode proibir dela trabalhar dessa maneira e do rapaz trabalhar também vestido conforme a seu gosto porque o trabalho é o ambiente de vida cotidiana da pessoa. Nós somos contrários a impor uniformes etc., etc., etc. A liberdade de expressão, ela vai desde o vestuário até...
P - Senhor Oswaldo, quando o senhor quer comprar um livro, se é que o senhor compra um livro, o senhor compra, ou, enfim, retira na própria Livraria Siciliano ou o senhor freqüenta outras livrarias também? Tanto no sentido profissional quanto de lazer.
R - Eu não freqüento, eu não freqüento outras livrarias porque o comércio livreiro pouco difere das demais atividades e eu sou conhecido, não é? Então, se eu for entrar numa outra, (riso) às vezes eu passo pela porta de uma livraria e eu percebo que os caras: "Olha", apontando, "tá passando". Então eu não freqüento e não compro. Eu me sirvo somente de uma das nossas livrarias por questão de disciplina e organização.
P - Qual é?
R - É a livraria do Shopping Center Iguatemi. Eu tenho conta corrente naquela livraria. (risos) Sim, eu tenho conta corrente naquela livraria, eu disse, por questão de organização. Eu devo dar o exemplo.
P - Me diz uma coisa, senhor Oswaldo, o pagamento sempre foi à vista, do livro, ou teve crediário, como é isso?
R- Não, o pagamento no balcão, evidentemente sempre predominou o pagamento à vista, mas, antigamente, até os anos 60, havia, eu não diria caderneta, mas um sistema semelhante ao de caderneta, haviam um conta corrente que um cem números de clientes compravam e davam todo o mês um X, havia isso. A partir de 60, isso acabou porque foi quando nós começamos a entender de inflação, não é? Então isso acabou completamente, completamente. A partir de 60 surgiu o cartão de crédito, o primeiro cartão de crédito que surgiu no Brasil foi o Diners e nós introduzimos esse cartão logo em 1960 na nossa livraria da Rua Dom José de Barros.
P - Muitas pessoas compravam no cartão?
R - Não, muito pouco porque o cartão, ele era, ele estava ao alcance de uma camada muito superior e conseqüentemente muito pequena, muito pequena.
P - Seu Oswaldo, me diz uma coisa: o que o senhor mudaria no comércio livreiro hoje? O que o senhor acha que o senhor, do que acontece hoje, que o senhor acha que seria importante mudar?
P - Não só na Siciliano, acho que em geral também.
R - Eu acho que o importante no comércio livreiro e para o comércio livreiro seria realmente o governo acordar para a necessidade de construir uma nação na concepção da palavra. A única coisa que poderia mudar era o governo fazer com que o povo, evidentemente essa classe média, se é que existe, tivesse condições para adquirir o livro e permitir uma rotação de estoque mais rápida em todas as livrarias. É a única coisa que pediria, que poderia se fazer, do resto eu quero lhe dizer que todas as livrarias elas vêm se atualizando, se modernizando, melhorando. As livrarias estão hoje adentrando na informatização para melhor atender o cliente. Então, o comércio livreiro ele vem se adaptando à modernidade. O comércio livreiro ela peca pelo que eu falei. não é? Que o governo é o responsável porque nós não podemos andar nus, você tem que se vestir, você compra um sapato desta ou daquela qualidade mas você tem que comprar, você compra uma blusa, uma calça, uma camisa, você é obrigado, você não pode andar nu. Do que você ganha todo mês você tem que comprar para poder se apresentar, até para trabalhar. Então o que falta não é para a livraria melhorar procurando melhores condições e tal, não, o que falta mesmo, para uma maior explosão da atividade, é o governo tomar posição de que o Brasil precisa galgar em direção do 1º Mundo e que precisa levantar o poder de aquisição desse povo. É só isso que eu vejo, não há outra coisa, o resto é tudo conversa fiada.
P - Seu Oswaldo, a gente precisa fazer algumas perguntas que estão...
R - Pois não.
P - Eu gostaria que o senhor falasse um pouco sobre quando o senhor casou e o nome de sua esposa?
R - Eu me casei. Eu me casei. Eu.. . Curioso, eu conheci a minha mulher numa inauguração de uma livraria nossa (risos). Ela foi à inauguração convidada acho que propositadamente, ou talvez até propositadamente pelo decorador da livraria (risos).
P - Isso foi em que ano?
R - Em 1958.
P - O senhor lembra qual livraria?
R - Da Rua Dom José de Barros.
P - Ah, da Rua Dom José de Barros.
R - O que nós fizemos realmente, a modernização da livraria da Rua Dom José de Barros. Então, ele convidou esta sobrinha dele para ir à inauguração da livraria, que nós fizemos uma festa muito grande de inauguração. E então eu conheci a minha mulher nessa inauguração.
P - Qual o nome dela?
R - É Miltrid. Então logo no dia da inauguração, como eu era muito arrojado em tudo que eu fazia (risos), eu fui arrojado também nisso, né? Logo ela saiu de lá já com quase que um encontro marcado e nós casamos logo em abril de 60.
P - No mesmo ano?
R - Não, um ano e meio depois, por aí. Um ano e meio depois por aí, exatamente.
P - Quantos filhos vocês tiveram?
R - Nós tivemos dois filhos, a Lígia, que nasceu em fevereiro de 1961, o Júnior, que nasceu em junho de 1962, e aí resolvemos parar porque achamos que dois estava bom demais.
P - E eles trabalham na...
R - Eles hoje, os dois têm função importantíssima na empresa, sendo que a Lígia é diretora editorial da empresa e o Oswaldo Júnior hoje já é o presidente da empresa, porque nós acabamos o ano passado de enfrentar um problema sucessório na nossa empresa. O problema da sucessão na nossa empresa foi encarado da seguinte maneira: eu sou do tipo que quero ver as coisas, pago para ver, então a mim não me daria muita satisfação, e não daria mesmo, eu morto, talvez, não sei, sabendo do bom trabalho do meu filho. Então eu achei por bem iniciar essa sucessão no começo do ano passado e no fim do ano passado a sucessão estava totalmente concretizada, então eu me retirei da presidência e os demais diretores o elegeram e ele hoje é o presidente da empresa. A empresa hoje tem um quadro diretivo composto por quatro diretores, que são todos os donos da empresa, não é? São os meus dois filhos e os dois filhos do meu irmão. E eu e meu irmão praticamente (final da fita 015/02 A) estamos assim como conselheiro.
P - Mas o senhor não trabalha mais no dia-a-dia como executivo?
R - Trabalho. Trabalho no dia-a-dia mas não, não tomo as decisões. Faço questão de não tomar, estou apenas para ser consultado estou disponível, e é assim que tem acontecido, trocamos idéias, mas quando há problemas quem vai à frente não sou mais eu.
P - O senhor sente alguma mudança talvez na visão, na concepção que o seu filho tem do mercado livreiro em relação ao senhor?
R - Ah, sem dúvida.
P - Qual seria, por exemplo?
R - Realmente. É, eu diria que é uma visão de etapa. Por exemplo, meu filho há questão de oito, nove anos, ele foi morar, e morou nove meses em Londres, ele já era bacharel em Direito, e ele foi mais para fazer estágio em empresas livreiras que nós temos transações comerciais. Então evidentemente ele voltou com outras idéias e eu diria que idéias arrojadas e idéias que foram interceptadas, principalmente pelo advento do governo Collor. O que aconteceu no início do governo Collor foi uma coisa muito séria para o Brasil, muito séria e então...
P - Mas quais eram essas idéias?
R - Não. Essas idéias estão sendo colocadas em prática exatamente hoje. Hoje, por exemplo, ele está criando gerenciamento de estoque de livraria. Então, ele tem hoje na empresa alguns gerentes de estoques para colaborar com o departamento de compras, com o departamento comercial e com a gerência da livraria no sentido de dar uma maior velocidade ao estoque de cada livraria. E evidentemente isso necessita um estudo, necessita um programa de informática e que eu confesso que eu nunca me atinei muito para essas coisas, porque a minha concepção era uma concepção de expansão e criação e conquista de mercado. A concepção dele e dos demais jovens é de obter o máximo com o mínimo de estoque. Sem dúvida é uma política acertadíssima só que demanda uma organização racional e que eu e meu irmão não tivemos tempo de pensar nisso. Então hoje a empresa continua a sua expansão mas continua com uma expansão totalmente racionalizada e dentro de uma tecnologia a mais atual possível e isto dará um resultado positivo para a empresa no próximo ano, 95, 96 muito maior do o que a gente sempre conseguiu. Então, este é um enfoque que realmente merece destaque. Agora somente uma empresa, também tem isso, somente uma empresa na concepção da palavra é que pode fazer isso. Então isso é uma sucessão de coisas que há necessidade de sangue novo. É por isso que há necessidade da renovação, porque a renovação vem com novas tendências e tendências sempre mais adiantadas, então a melhor coisa é você reconhecer e mesmo porque depois de 45, 50 anos de trabalho chega uma hora que você precisa obedecer à lei natural da vida.
P - Hoje o senhor mora com quem, senhor Oswaldo?
R - Eu moro com a minha mulher.
P - E nas suas horas de lazer quais são as suas preferências?
R - Bom, a minha preferência primeira para lazer é andar e principalmente quando eu ando com a minha mulher. E depois em segundo lugar eu, o meu lazer se prende, eu sou sócio de um clube perto de casa, eu tenho uma casa em Campos do Jordão, tenho uma casa na praia. Então o meu lazer, é um lazer bem doméstico e muito pouco eu freqüento a vida noturna. Convites mil, mas eu sou aquele cidadão que seguro o copo na mão e cumprimento, e cumprimenta todo mundo.
P - Senhor Oswaldo, o senhor gosta da idéia de ouvir um livro pelo...
R - Não.
P - Porque o senhor falou que o senhor anda.
R - Não, não gosto Não, não gosto. Eu não, não gosto. Eu gosto de ouvir os passarinhos quando eu ando (risos).
P - Senhor Oswaldo, eu gostaria de fazer uma pergunta. O que é que o senhor achou de estar dando esse depoimento para o Museu da Pessoa, desde a concepção que o senhor conseguiu ver o que é o Museu da Pessoa?
R - Eu, sinceramente falando, eu estou aqui com o maior prazer possível. E eu até me sinto honrado pelo convite. Respondi?
P - Acho que sim (risos). Eu queria que o senhor colocasse como o senhor vê?
R - A idéia?
P - É, a idéia.
R - Magnífica, magnífica
P - E como é que o senhor vê também o retorno disso pro... não só... porque na verdade, assim, existe uma preocupação nossa de um retorno para a sociedade. Como é que o senhor vê isso também?
R - Eu vejo de uma maneira positiva e acredito que quem for me ouvir vai prestar atenção e vai aproveitar alguma coisa, pelo menos a dose (risos) de confiança, que eu posso transmitir no desempenhar de uma função árdua que é a de ser livreiro num país igual ao Brasil.
P - E, senhor Oswaldo, só para concluir, qual o seu maior projeto ou sonho pro futuro?
R - O meu sonho é a empresa chegar a ter 100 livrarias, que era o nosso propósito antes do advento do Plano Collor. Se não tivesse acontecido o Plano Collor eu não tenho a menor dúvida, nós vínhamos inaugurando uma média de sete livrarias por ano, nós chegaríamos tranqüilamente ao ano 2000 com 100 livrarias. Este era o meu grande sonho, mas infelizmente nós vamos no ano 2000, sem dúvida alguma, chegar a 80, 80 e poucas livrarias, está bom, está bom. Agora, o meu desejo também, o meu sonho com relação ao livro, porque eu só tenho desejos com o livro, não tenho nenhum outro desejo, é as nossas duas editoras crescerem consideravelmente, porque nós sempre trabalhamos somente com este produto e todo o resultado da empresa foi sempre reinvestido no livro. Então, nós continuamos reinvestindo nas duas editoras e nas livrarias. As livrarias, sem dúvida alguma, já possuem uma posição de destaque, não só na cidade de São Paulo como no Brasil, e eu digo a vocês que até no mundo, porque nós somos a maior empresa livreira da América Latina. Do México para baixo, nós somos a primeira empresa livreira. Agora, é, eu quero mesmo ver as nossas duas editoras numa posição bem maior embora ambas já estejam bem colocadas, eu pretendo vê-las bem melhor do que hoje. É isso.
P - Tá bom, muito obrigado, senhor Oswaldo.
R - De nada, às ordens.
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