Depoimento de Alex Periscinoto
Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres de Mattos e Laura Marina G. de A. Oliveira
P - Inicialmente eu gostaria que o senhor dissesse seu nome, o local e a data de nascimento.
R - Meu nome é Alex Periscinoto. Nasci em Mococa, estado de São Paulo no dia 8 de abril de 1925. Mas cá entre nós esse negócio.
P - E o nome dos seus pais e onde eles nasceram?
R - Meu pai é João Periscinoto, carpinteiro imigrante, veio de Veneza. Minha mãe é Tereza, também, já chegou no Brasil casada com meu pai. E um dos dez filhos ficou na Itália. Nasceu lá meu irmão mais velho e veio pra cá 12 anos depois.
P - Em que ano eles vieram para o Brasil?... Em que ano que eles vieram para o Brasil?
R - Eu estou com dificuldade de ouvir.
P - Em que ano eles vieram para o Brasil?
R - Ah, século... meu pai veio logo depois da Segunda Guerra, é chamada... da Primeira Guerra, da Guerra de 19, né? A fome apertou na Itália em geral. Particularmente em Veneza, porque passar fome na Itália é tão ruim como em qualquer outro lugar. Mas passar fome em Veneza é uma fome úmida, tem muita água. É pior ainda, porque o frio, é um frio pior do que qualquer outro lugar. É um frio úmido demais. Meu pai era um daqueles imigrantes que Charles Chaplin representava muito bem. Quer dizer, amarrar pano no sapato no inverno e eles vieram depois da guerra pra cá e quando ele decidiu com os amigos que sairiam de Veneza, tinha dois navios à disposição para os imigrantes. Um para Boston e outro para o Brasil. E meu pai andava a caminho pro navio de Boston. E o amigo dele chamou a atenção dele e falou, "Giovanni, Boston, pio fredo che qui". E o medo do frio fez pra ele vir pro caminho do sol. E ele veio para o Brasil.
P - Senhor Alex, o senhor sabe qual é a origem do nome da família, do sobrenome?
R - Ah, da família......
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Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres de Mattos e Laura Marina G. de A. Oliveira
P - Inicialmente eu gostaria que o senhor dissesse seu nome, o local e a data de nascimento.
R - Meu nome é Alex Periscinoto. Nasci em Mococa, estado de São Paulo no dia 8 de abril de 1925. Mas cá entre nós esse negócio.
P - E o nome dos seus pais e onde eles nasceram?
R - Meu pai é João Periscinoto, carpinteiro imigrante, veio de Veneza. Minha mãe é Tereza, também, já chegou no Brasil casada com meu pai. E um dos dez filhos ficou na Itália. Nasceu lá meu irmão mais velho e veio pra cá 12 anos depois.
P - Em que ano eles vieram para o Brasil?... Em que ano que eles vieram para o Brasil?
R - Eu estou com dificuldade de ouvir.
P - Em que ano eles vieram para o Brasil?
R - Ah, século... meu pai veio logo depois da Segunda Guerra, é chamada... da Primeira Guerra, da Guerra de 19, né? A fome apertou na Itália em geral. Particularmente em Veneza, porque passar fome na Itália é tão ruim como em qualquer outro lugar. Mas passar fome em Veneza é uma fome úmida, tem muita água. É pior ainda, porque o frio, é um frio pior do que qualquer outro lugar. É um frio úmido demais. Meu pai era um daqueles imigrantes que Charles Chaplin representava muito bem. Quer dizer, amarrar pano no sapato no inverno e eles vieram depois da guerra pra cá e quando ele decidiu com os amigos que sairiam de Veneza, tinha dois navios à disposição para os imigrantes. Um para Boston e outro para o Brasil. E meu pai andava a caminho pro navio de Boston. E o amigo dele chamou a atenção dele e falou, "Giovanni, Boston, pio fredo che qui". E o medo do frio fez pra ele vir pro caminho do sol. E ele veio para o Brasil.
P - Senhor Alex, o senhor sabe qual é a origem do nome da família, do sobrenome?
R - Ah, da família...
P - A origem do nome Periscinoto.
R - Eu sei que tem... não tão recentemente eu visitei Veneza e andei perguntando e é um nome composto. Na verdade a origem da família Periscinoto, tem muito Periscinoto em Veneza. Tanto é que eu fui ao cemitério e vi uma rua de Periscinoto lá. Periscinoto é difícil de encontrar em qualquer lugar. Mas em Veneza é João da Silva, e mais, bem lá pra trás, na raiz das árvores, das árvores genealógicas, tem alguma coisa ligada com a Áustria, porque muitos austríacos desceram para Veneza, para Itália ou então Veneza e tem alguma coisa ligada em Triesta. Essa cara de alemão, ou de polaco. Sei lá o que, deve ter alguma origem lá para trás. Acho que um bisavô, qualquer coisa. Alguém que chega da Áustria, mas isso não deu pra pegar esse fio da meada não. O nome Periscinoto eu tenho a impressão que, assim como aqui, aconteceu errado, meu Periscinoto é Periscinoto com "sc". Na verdade o original é com 2 "s". Mas quando meu pai foi registrar, a pessoa, o rapaz do cartório errou. E meu pai disse: "Não, está bom", e meu pai: "Deus me livre corrigir o cartório". Então ficou isso mesmo.
P - E em que bairro de São Paulo, qual foi o primeiro bairro em que o senhor morou em São Paulo?
R - Então, quase nós todos nascemos em Mococa e nós viemos de Mococa e fomos morar em Belém, no bairro do Belenzinho. Que na época era chamado de periferia, porque as ruas não tinha calçamento, né? Era longe da cidade. E o Belenzinho era ali por volta da Rua Tobias Barreto e Siqueira Bueno e era uma lama só. E tinha ali uma vacaria, onde aliás eu fui trabalhar uma certa ocasião; como um dos meus primeiros empregos foi trabalhar naquela vacaria, entregando leite. Cesta de litros de leite, pesados e barulhentos litros de leite.
P - Como o senhor carregava esse leite?
R - Era uma cesta de lona grande, duas cestas, onde tinha dois, dois, dois, então era quatro litros de leite em cada cesta, imagine o peso disso, mas na época, pra mim, não representava. O peso não representava. O cuidado para não quebrar era mais chato. Eu entregava leite bem distante daquele ponto, da Tobias Barreto com Siqueira Bueno. Eu andava de manhã, entre cinco da manhã até um pouco antes das sete, quarteirões e quarteirões. Chegava a ir até o Tatuapé para entregar o leite. Depois chegava em casa era banho rápido para ir pra escola. Entrava na escola sete, sete e meia.
P - E quanto o senhor recebia por esse serviço de entrega de leite?
R - O pagamento era dois litros de leite por dia. O que era muito bom. Minha mãe gostava muito da idéia, dois litros de leite. E eu recebia na hora. Acho que foi o primeiro emprego que eu recebia à vista. Era diário o pagamento, não tinha inflação, era dois litros de leite por dia.
P- Senhor Alex, o que o senhor lembra da primeira escola onde o senhor estudou?
R - Da escola eu lembro. Era em Mococa então, né? A primeira e última porque eu só fiz o primário. Deixa eu confessar logo de cara com alguma vergonha. Mas não tinha outra maneira. Era... a partir de 12, 13 anos tinha que trabalhar. Mas eu fiz o curso primário em Mococa, no Barão de Monte Santo, era o nome do grupo, e era um pouco sofrido porque eu sou tipo dispersivo, vamos chamar assim. O professor está falando e eu volto do sonho e não percebi o que ele está falando ainda, e a aula era a mesma e eu estava em outro lugar. Mas isso deu pra controlar. A pior coisa da escola, não sei se pode contar essas coisas, mas a pior coisa da escola é que eu era canhoto. Na época ser canhoto já era uma coisa, não era ser bem visto ser canhoto, pelo contrário, era meio aleijado. Hoje a minha filha Alexandra é canhota. Minha neta é canhota. É gostoso vê-las escrevendo com a canhota. Mas só que eu era canhoto e escrevia ao contrário. Eu escrevia daqui pra lá. Então essas coisas hoje pode ser engraçada, mas na época a professora chegou, me mandou para o quadro negro. Na época era negro, hoje são verdes.(risos) Me mandou no quadro negro pra fazer coisas pra me expor ao ridículo. Então eu escrevia Grupo Escolar Barão de Monte Santo, daqui pra lá e a gargalhada da classe era um vexame.
P - Como o senhor aprendeu a escrever ao contrário?
R - Eu escrevia tudo ao contrário no papel, a minha lição era feita de tal maneira que eu não podia usar o verso. Porque senão ela não conseguia ler. Então ela tinha que pegar a minha lição e ler contra a luz. Então o verso do meu caderno era sempre branco. Eu escrevia sempre daqui pra lá. Era engraçado a matemática, né? 247 dividido por tal, a queda era do outro lado. Isso provocava ira da professora. Já é canhoto, ainda tem esse outro defeito. Mas rapidamente vou tentar telegraficamente contar como é que eu resolvi o problema. Não resolvi o problema. O problema era o seguinte: eu era mais, claro, evidentemente, mais punido, castigado, observado do que ajudado. Ninguém podia ajudar a não ser chamar atenção pela burrice, pela incapacidade de fazer com a outra mão. Que na tentativa dava cãibra, eu não conseguia fazer. Endurecia tudo aqui e eu... não saia nada. Não tinha controle nenhum. Parecia mesmo um aleijado. Até que um desses dias que eu estava chorando no corredor do grupo escolar, garoto meio perdido com o assunto, o dentista do grupo escolar, doutor Juvenal, achou que eu estava com algum problema no dente e disse: "Vem cá", e aí eu expliquei: "Não é...", aí ele falou: "Ah, senta aqui, vou te ensinar uma coisa", aí eu vi uma palavra pela primeira vez na minha vida e nunca mais esqueci, "Eu vou te ensinar pantografia". Pantografia você faz o seguinte. Você pega dois lápis e põe no mesmo ponto, fecha os olhos e tenta fazer uma borboleta. Evidente que a primeira, uma saiu com asa assim, e a outra asa assim, o controle motor. "Então você vai tentar fazer isso até você acordar o outro lado do cérebro. Não é a mão, não é a mão, é aqui Se você acordar o lado esquerdo do cérebro, o lado direito do cérebro, você vai conseguir, você tem um lado esquerdo acordado. Você tem que acordar o direito. Tem que acordar aqui" E vai fazendo. Aí eu fui tentando fazer círculo, quadradinho, borboleta. Fui tentando até que um determinado momento eu senti que os dois estavam, os dois tinham quase o mesmo tamanho. Foi indo, foi indo, até que eu comecei a fazer "Alex" igual. Aí eu comecei a fazer um, dois, três, quatro, cinco, comecei. Aí deu isso que ele chama de pantografia. Eu repetia. Quando eu comecei a fazer isso, um belo dia eu joguei fora essa mão e comecei a fazer só com essa. Então hoje, pra serrar, pra martelar, ou se eu quiser brincar e escrever assim mais, mais por brincadeira, eu posso fazer. Mas se eu atirar uma pedra com essa mão ela vai longe, se eu atirar uma pedra com essa mão pareço um bicha atirando com essa pedra. Ela vai, nem um terço do caminho. Porque está desenvolvido. Mas pra trabalhar hoje, fazer qualquer coisa, as duas mãos são úteis. Mas graças ao doutor Juvenal, dentista do colégio. Então comecei a .... então passei a ser uma pessoa normal.
P- O que é que mais o senhor gostava de estudar na escola?
R- Não, não gostava muito não. Eu não fui um desses alunos... Dependia da matéria, odiava matemática e gostava, mas eu me acomodava na poltrona, quando o professor dava história. Adoro história, o contador de história, quer dizer, eu acho que esse filme que está no ar hoje do "Forrest Gump", "O Contador de Histórias" é desses que tem de assistir oito vezes. Então, o contar história, dependendo de quem conta, da capacidade da narrativa, da capacidade de editar as histórias, é um negócio que deveria ter programas de horas na televisão. Então, quando o professor usava o quadro negro pra poder exemplificar, ou pra ilustrar uma tese, aí eu tinha uma atenção dobrada no assunto. Mas a ciência exata não me chamava a atenção, não.
P- Senhor Alex, que é que o senhor lembra da sua casa de infância, dos pais?
R- Lembro bem. Aquelas coisas que ficam posicionadas e a gente guarda, até rever ficam... a gente guarda as proporções erradas, não? Tudo é tão grande. Ah, quando você vai ver de novo, depois de adulto, a coisa não é daquele tamanho. Eu lembro da casa em Mococa, que é uma casa que quando meu pai, quando ele foi pra Mococa ele era carpinteiro, mas ele pode, ele desenvolveu a capacidade, além de carpinteiro ele pegava empreitada. Nessa empreiteira trabalhava todo mundo. Então, como nós não tínhamos condições nenhuma, ele fez uma carroça pequena de um varal e duas rodas e nós, todos os filhos, puxávamos água pra obra que ele estava fazendo. Então ele fez o convento. Trabalhou no convento de Mococa que está lá até hoje. Ele construiu a torre da igreja de Mococa, da matriz, e o cartaz dele era um cartaz: "Ô, Giovanni, Giovanni, Giovanni. "Até que um dia o cartaz dele foi pra baixo que ele pegou a concorrência da cadeia. Quando ele construiu a cadeia, do lado oposto, do lado principal da matriz de Mococa. Aí já não era uma obra de status. E a gente levava café, eu levava café e depois a gente puxava, aos sábados, a gente puxava essa carroça com barricas grandes, cheias de água. Barricas essas que a gente usava, os tonéis, a gente usava de vez em quando, meu pai fazia vinho de laranja. Coisas que os imigrantes tinham know how, né? Taí uma coisa que eu admiro, mas na época nós odiávamos. Por quê? Você já imaginou você, num final de semana, você espremer um caminhão de laranja? Então ele fez de madeira, de madeira, de madeira ele fez um espremedor para cada um de nós, de madeira raiada. E a gente subia lá naquele tonel e espremia um caminhão de laranja. "Chuá, chuá." Aí, quando aparecia uma podre: "Oh uma a menos." (risos) Porque diminui as laranjas, a gente enchia quase que um terço ou um pouco mais de um terço do tonel, de suco de laranja feito a mão. Depois ele preparava, fermentava e aí vem a outra fase. A fase de lavar os litros com chumbinho. Lavávamos centenas de litros de vinagre. Aquela coisa toda que a gente colecionava, aí depois o pai fazia vinho de laranja. Ele dava para os amigos, quando estava pronto. Às vezes se enterrava, nesse meio tempo, minha mãe fazia massa de tomate em garrafa. Os imigrantes tinham essa coisa, se fazia pão em casa. Nós tínhamos forno no quintal, tinha jogo de bocha no quintal de casa, tudo enorme Há pouco tempo eu fui visitar essa casa e desiludiu o tamanho. Não era tão grande assim. Aí, né, essa foi a casa confortável. Que então, embora a gente trabalhava muito duro, mais tinha, essa casa tinha, não tinha sala de jantar. A cozinha era que era grande e o fogão a lenha e que, era um fogão de dez bocas, que eu tinha que limpar a chapa, tirar cinza pra fazer sabão de cinza, eu fazia sabão de cinza, com a cinza do fogão. Misturava com soda e tal. Decoava, como chamava, e se fazia, minha mãe não comprava sabão. Então eu fazia sabão de cinza. Então, quando eu lavava louça pra minha mãe, a bacia de água quente com aquelas panelas enormes ficavam de cor cinza mesmo. E o fogão, existia outra função, que era função de acordar cedo com o frio e ir perto, ir perto do fogão a lenha. Cabia três, quatro garotos na época, né? E o fogão servia de lareira, sem a gente saber, o fogão aquecia. Então a cozinha era um lugar... a hot place, em casa, né, e a mesa era enorme. Porque nós éramos entre filhos, pai e mãe, nós éramos 12, 14 pessoas às vezes. E ali tinha papo, era o chamado "get together". Ali que se decidia a coisa, ali que meu pai passava as coisas para as crianças. Mas, vamos dizer assim, sábias pela idade, intuitiva pela sabedoria. Meu pai passava nessa época pra gente, como a gente não tinha escolaridade além do grupo escolar não havia nenhum ... só o caçula Antônio Periscinoto que trabalha na Abril, meu irmão caçula, só este fez faculdade, este conseguiu. Nós juntamos uma notinha cada um e o Antônio fez faculdade, está bem. Mas nós outros não pudemos fazer. Mas, o velho, como nós chamávamos papai, ele contava umas histórias pra passar know how, e eu me lembro de algumas pra nunca mais esquecer. A gente estava em volta da mesa olhando pra aquele nosso herói, e foi de fato um grande herói, e ele dizia assim: "Olha, vou dizer pra vocês uma coisa. Mais valem o que vocês aprendem do que te ensinam, se você desenvolver uma capacidade de aprender, você tem tanta chance quanto alguém que está na escola. Então, você tem que levantar o periscópio, como ele diz assim... aguçar a curiosidade, observar tudo" E realmente, isso na minha profissão hoje isso é um elemento básico. Quer dizer, na área criativa ela tem como semente importante a observação. O comportamento das pessoas, você não pode fazer publicidade, você não pode falar com nenhum telespectador se você não conhece um pouco do vazio emocional dele. Não é você que impõe coisa, você que descobre o que ele quer. Então, nós estamos falando sobre publicidade. É alguns... nós vamos falar isso mais pra frente... o.k.
P - E depois em São Paulo, depois de trabalhar como entregador de leite....
R - Eu estou com dificuldade nisso...
P - Ah, em São Paulo o senhor trabalhou como entregador de leite e depois?
R - Aí, quando essa família chegou em São Paulo, cada um tinha que fazer alguma coisa para ajudar a família, né? Não era uma coisa assim, meu pai, porque um salário de carpinteiro não dava pra sustentar. Então cada um saia para um caminho fazendo coisas, né? Eu fui trabalhar então nessa vacaria pra entregar leite. Depois de um tempo nessa vacaria entregando leite, e isso demorou um boa temporada, quer dizer, era uma coisa, no começo, muito chata, porque tinha que levantar às quatro e meia da manhã, pras cinco horas estar pronto pra pegar isso e fazer um rodízio de uma hora e meia a duas horas, pra voltar a tempo de tomar banho e ir pra escola. No inverno eu fazia um truque de tomar banho a noite e de manhã não tinha que tomar banho.(risos) Mas a minha mãe examinava atrás da orelha, ficava vendo se tinha feito mesmo unha, ela tinha esses cuidados de higiene com a gente. Esse emprego, era um emprego gostoso por causa do habitat, está certo. Da vacaria então..., posso contar?
P - Claro.
R - Essas coisas pitorescas, nem tudo era chato, né? Coisas pitorescas é o seguinte: eu ganharia mais um litro de leite se eu voltasse à tarde pra ajudar a limpar a vacaria. Ah, na hora Então eu chegava do colégio, que colégio, do grupo escolar. Aí então o grupo escolar era no Largo São José do Belém e se chamava Amadeu Amaral. Então eu voltava do grupo, comia alguma coisa. Na vacaria tinha algumas coisas interessantes. Era uma vassoura, na vacaria, as vacas ficam estacionadas como os automóveis em cidades pequenas, americanas. Estaciona como um cavalo, estabulado. Elas comiam lá no cocho e ficavam tudo de traseira pra cá e tinha um corredor e as outras vacas também de traseira. Então tinha um rio de concreto, né, onde todo estrume, toda coisa corria por ali. Tá bom, eu tinha que limpar aquilo, direito e depois jogar serragem, e depois jogar capim mais cedo. Acontece o seguinte, vou te contar uma coisa depois você corta, (risos) as vacas saudáveis a gente via com bons olhos. Porque limpar onde, assim, o residual... como é que chama? Sim, o cocô da vaca não se chama assim, né? Das vacas saudáveis o negócio é muito fácil. Vem já em bolas verdes, tá certo? Um cheiro muito agradável. que é um cheiro porque ela come só... ela é vegetariana, não come carne, então o cheiro, é um cheiro muito agradável. Eu gostava daquele cheiro. Cheiro com a fumaça, porque aquele estrume era quente. Era no inverno, então, assim que saia da vaca, caia no chão e saía uma fumacinha, era quente ainda. Então eu varria aquilo, aquelas pelotas verdes. E ela se conduzia com direito e, às vezes, a vaca tinha pontaria de pôr no riacho. Depende da vaca, só se for uma vaca mais curta, já tinha que varrer de lá. Então, mas de vez em quando, tinha vaca que tinha desinteria, e eu sabia, claro, qualquer um percebe quando é desinteria porque a trilha sonora é diferente. A trilha sonora de uma vaca saudável, posso?
P - Claro.
R - Tentar imitar era assim (ruído de bater com as palmas da mão). Isso é uma vaca saudável, você sabia que tinha as coisas verdes ainda lá. A trilha sonora de uma vaca com desinteria é totalmente diferente (novamente batidas) e era quase líquido, né? Então tinha que varrer várias áreas, depois jogar água e tal. E era uma coisa divertida aquilo, tinha dois ou três cavalos, o cheiro do cavalo era uma coisa muito agradável. A peça Equs que o diga, o animal cavalo, eu tenho uma atração especial por cavalos, hoje depois de adulto eu faço cavalo de carrossel, talvez até por causa disto. Eu gosto do desenho do cavalo. E aí tinha que recolher, pouco mais de coisa, depois de lavar esse estábulo comprido, né? Com 20 vacas de cada lado. Aí tinha uma aula de ordenhar, eu tinha que aprender a ordenhar, mas que eu não cheguei a exercer essa função mais delicada, porque aí nós mudamos para a Rua Doutor Clementino, no Belém, e lá eu fui trabalhar, então, praticamente em dois horários, também de manhã, antes de ir para a escola e depois da volta da escola num açougue. E o açougue, eu é que comecei a ter atração pelo açougue, tinha que trabalhar mesmo. Então eu achei o açougue um lugar bacana, porque a minha vontade de andar de bicicleta, era a vontade de qualquer garoto de andar de bicicleta. E a gente não podia comprar bicicleta, muito menos alugar. Uma ou outra vez, eu aluguei bicicleta. E a bicicleta que a gente aluga era aquela que escapa a corrente e a gente fere aqui, né? Sentia no tornozelo cheio de feridinhas, por que mesmo a do açougue ela escapava corrente, machucava aqui e ficava uma casquinha, uma feridinha aqui, de cada lado aqui. Bom, ocorre que essa feridinha não me incomodava tanto a não ser na hora que se lava a louça. Quando você vai lavar a louça pra mãe da gente, nessa época minha mãe começou a dar pensão, eu lavava a louça de 37 pessoas, pelo amor de Deus, não vai ficar com pena, porque eu adorava.(risos) Nenhum trabalho me incomodava, a única que me incomodava é que na rua me chamavam de marica, bicha. Porque eu era uma mulherzinha. Aliás, a minha mãe, descuidadamente, um dia, quando ela quis exibir meu trabalho pra uma vizinha, ela falou: "Olha, olha o que o Zezé" - era o meu apelido de família, eu me chamo Alexandre José, mas meu apelido era Zezé - "olha o que o Zezé fez, não parece uma moça?" E isso me deixava louco da vida, eu devo, acho que eu não me tornei bicha pela feiura em si, (risos) senão eu teria sido levado. Porque eu tinha, eu estava sendo canalizado pra isso, um trabalho muito feminino e tal. Bom, mas essa feridinha incomodava, não qualquer hora, a não ser quando eu tinha aquela bacia de água quente, cheia de panelas pra lavar com estrachos, você sabe o que é estrachos?, é aqueles panos italianos, chamados estrachos, é um pano velho que você guarda com sapólio e sabão de cinza embaixo da pia. E quando você vai abrir, tem aquele cheiro de sabão, de um pano velho, de um pano usado com sabão de cinza, tem um outro cheiro e o sapólio. Então tirava aquela lata de marmelada redonda, marmelada Columbo, né, punha ali com aquele pano e começava a lavar. Então, quando eu estava fazendo aquilo, no verão lavando com aquele negócio, os mosquitinho resolviam me atacar a essa hora. Então o que eu fazia, pra tirar a mão molhada dali, pôr a mão molhada e fazer assim era um trabalho perdido, fiz uma vez ou duas, não andava. O mosquito era mais esperto do que eu, então ia ensopar o chão. Então eu descobri uma das qualidades do cavalo. Então fazia assim como os cavalos. Os cavalos se defendem assim dos mosquitos e eu fazia a mesma coisa. Ao bater no chão eu espantava os mosquito por algum momento, mas eu confesso que eu cheguei a achar falta de ter um rabo. Eu, se eu tivesse um rabo como o cavalo tem, eu teria feito aquele serviço, eu podia me defender melhor. Ali só que me incomodava aquilo. Essa lavagem de louça, ela era um trabalho natural, lavar a louça de 37 pessoas no almoço e no jantar. E depois, terminado isso, escolher feijão para 37 pessoas, olha era uma montanha de feijão desse tamanho, que você tinha de escolher e se saísse uma pedrinha tá na cara que a culpa era minha. O pensionista reclamava, a mulher que recebia marmita falava com a minha mãe, ia lá em casa e: "Olha a senhora está mandando feijão com pedra " tal. Aí eu tomava, a minha mãe batia na gente com tamanco. Ela era o John Wayne do tamanco. Uma rapidez. Ela sacava o tamanco mais rápido do que John Waine. (risos) O tamanco pra quem tem o quintal de terra, o tamanco, você sabe?, é feito de uma madeira mole. Então quando ela ia para o quintal, o tamanco ficava umas pedrinha na madeira, então não era o tamanco que doía tanto, eram as pedras. E ela sacava com muita rapidez e me pegava na nuca. Já vinha na nuca e eu sentia as pedrinha aqui. E um dia eu estava reclamando, eu reclamei porque, vamos dizer assim... Tô fazendo a coisa muito longa?
P- Não, não, não.
R- Eu tinha que lavar a louça, na hora do almoço, não tem problema. Eu lavava a louça, depois ia para o açougue lavar o estrado do açougue, na calçada, era uma coisa ao ar livre, gostosa, não tem problema, mas na hora do jantar, a coisa mais chata é que eu tinha que lavar a louça e ficava tarde, e tinha os amigos, os garotos, brincando na rua jogando bola. Nós tínhamos bola de pano, bola de meia grande, muitas meias amarradas e tal. E eu tinha que lavar a louça depressa pra pegar ainda parte do jogo, porque eu queria ficar um pouco na rua. Então tinha que atravessar dois desfiladeiros pra chegar na rua. Primeiro: lavar tudo aquilo com decência senão minha mãe ia lá e corrigia. A chapa de dez bocas ela passava a mão assim: se não tivesse, se saísse alguma sujeira tinha que limpar tudo de novo. E minha mãe fazia numa panela de ferro polenta, lavar a panela de polenta é uma coisa dura que forma casca. Então o que é que eu fazia: de vez em quando eu deixava toda aquela água quente que sobrava da lavagem, eu deixava na panela de polenta até a boca e punha embaixo do fogão à lenha que tem um arco grande onde você guarda lenha, punha lá embaixo. E no dia seguinte, de manhã, eu lavava aquilo num instante, estava molinho. E de vez em quando eu podia fazer isso. Nesse dia, num desses dias, em que estava apressando a coisa para brincar lá na rua, porque a molecada: "Vai, pega a bola, não sei o que, aquele negócio", eu estava ouvindo, a trilha sonora estava diminuindo o barulho, quer dizer, alguém já estava sendo recolhido, o jogo já não estava mais interessante. E eu que estava me apressando, eu pus a panela com água quente lá, limpei tudo e tal, tirei o meu avental e minha mãe: "Onde você vai?", "Eu vou agora..." , "Não, não". Outro desfiladeiro que eu tinha que atravessar era o meu irmão mais velho, o João, ele estudava taquigrafia. Eu tinha que ler o artigo de fundo do jornal pra ele treinar. Olha, depois de você estar louco da vida, louco pra brincar e: "Senta aí e lê", você tinha que ler Menotti Del Picchia, não que fosse desagradável ler Menotti Del Picchia, mas Menotti Del Picchia escrevia duas colunas pra ninguém botar...é que eu lia um artigo, vamos dizer assim, artigo chamado Editorial do Estadão, antes de ir brincar. E não podia ler muito depressa porque ele estava treinando. Bom, ali o irmão, às vezes eu contornava, passava e escapava, mas a panela, naquele dia: "Não senhor, você não vai deixar a panela aí embaixo hoje", por pirraça ela fez isso. Eu não, reclamei muito, ao reclamar ela pegou o estracho, esse pano, e me bateu, "plá", enrolou no rosto, eu fiquei uma múmia com o estracho cinza. Um cheiro desagradável. Bom, aí eu tomei uma tamancada, porque eu resolvi não tirar o pano. Sabe aquela gorda pirracenta? Eu não tirava, eu continuava a fazer o serviço meio teimosinho lá. Não demorou muito... pá... tamanco na nuca, tamanco na nuca. Então essas coisas... hoje é coisa engraçada, né, mas não era, não era coisa engraçada. Isso, você tem 12, 13 anos e você é prisioneiro de uma situação dessas. Quando você faz porque você gosta, é uma outra coisa. Quando você prisioneiro é punido por não fazer, não é muito bom, não. Então, agora pra onde nós vamos?
P- Depois de entregar leite o senhor foi trabalhar no açougue?
R- Depois dessa entrega de leite, que demorou uma temporada, né, acho que um ano e pouco, eu fui fazer esse trabalho no açougue e entregava carne. Aí, nessa fase que minha mãe começou a dar pensão, aí eu passei a entregar marmita. A entrega de marmita é uma coisa clássica. Você, quando tem quatro marmitas pra entregar, você põe um pau de vassoura aqui, dois pregos aqui e dois pregos aqui, e você encaixa uma marmita e outra, e outra. E você vai com aquele andor de marmita com muito cuidado, você anda num passo razoável, marmita de alumínio tem essa altura, a última é mais alta porque ou é sopa ou é feijão, não é isso?, os líquidos ficam embaixo e vai indo, vai indo, o arroz e coisa seca fica em cima. E eu tinha que entregar aquilo. Mas eu chegava do Grupo Escolar Amadeu Amaral, já chegava com uma fome desgraçada, e a gente chega da escola com um gosto de lápis na boca, né, porque você morde o lápis na escola, osso de cedro ou de grafite, isso aumenta a fome e a minha mãe cozinhava com louro, aquela coisa italiana, entrava na cozinha e você ficava bêbado de fome, já tinha que sair correndo pras marmitas, porque os fregueses ficavam esperando. Então saia com aquele andor e aquele aroma vinha, parecia desenho animado, deixava meio tonto, assim com fome, eu ia devagar, calça curta, com 12 anos de calça curta. Mas o que chateava é que tinha uma troça a quatro, cinco quarteirões de minha casa, uma troça que soltava aquele canudinho. Lembra de uma brincadeira que tinha aquele canudinho de papelão e que soprava e saia um cone de papel. Essa troça põe uma agulha de alfaiate na ponta, fazia aquele canudinho, e ficava me esperando. Eu era indefeso, não podia largar marmita, correr, e quando eu passava lentamente, cinco ou seis daqueles cretinos me atiravam e pegavam na perna. Um ou outro caia, mas sempre ficavam três ou quatro agulhas espetadas, saia filetinho de sangue, eu batia, batia, batia, tinha uma hora que... Bom eu me sentia um São João Batista. E eu orava pra São João Batista, na igreja, que tem uma flecha nas pernas, opa welcome to the paradise, eu não tinha jeito, tinha que andar mais devagar ainda e tentar jogar aquilo no chão. E eles morriam de rir porque sabiam que eu não podia largar quatro marmitas no chão, seria loucura total. Correr nem se fala. Então essas coisas... o subproduto da entrega da marmita é que era chato, né?(risos)
P- E o período que o senhor trabalhou numa doceria depois?
R- Ah...
P- Depois o senhor trabalhou numa doceria?
R- Daí então arrumei um emprego na fábrica de biscoito Raucci, na Rua Cerqueira Bueno. Na fábrica de biscoito Raucci eles fabricavam biscoito champanhe que até hoje existe, né, o mais nobre produto da fábrica era o biscoito champanhe. Muito açúcar cristal em cima e tal, mas a minha função era enlatar "mentira". Era a lata inclinada com o vidro na frente, era como se fosse uma televisão, não existia televisão, era uma lata cortada com vidro. E eu pegava, o biscoito "mentira", pra quem não sabe, é uma bolinha de biscoito redondinha e chata. Do tamanho de moeda mais ou menos bem chatinha, ovalada, punha no forno e saia. E eu tinha que empilhar aquilo direitinho, por isso que a lata vem inclinada, porque empilhava assim... depois que aqui tinha duas ou três camadas, eu punha biscoito a granel pra segurar, então, quando fechava a lata, você via aquilo arrumadinho assim. Então eu enlatava "mentira". E passava toda uma tarde, saia do grupo e ia pra lá. Passava uma tarde fazendo isso, até seis, sete horas. Então eu ficava impregnado daquele cheiro de biscoito que, no começo, você come tudo que você quer Depois nunca mais você quer saber daquilo. Você fica estafado de biscoito. Mas foi uma fase gostosa, uma fase, sabe o que era gostoso?, eram horas que eu saía debaixo do comando da minha mãe, eu saía do apanhado, debaixo das punições, que todas, lógicas, sei lá, na lógica dela estava certo. Tinha um pouco mais de liberdade, era empregado, mas era um orgulho danado. Embora meu sonho fosse trabalhar o dia inteiro fora, coisa que aconteceu mais tarde, quando eu fui trabalhar no Matarazzo. Fui trabalhar no Matarazzo, na Indústria Francisco Matarazzo, nas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Aí ,aí eu era ajudante de contramestre, trabalhava o dia todo, beleza, entrava às sete na fábrica e saia às cinco e pouco. Tinha colega, jogávamos futebol na calçada. Como minha casa era um pouco longe eu levava sanduíche pra comer, né?, e comia banana de sobremesa. Mas eu comprava banana despencada da bananeira, em porta de fábrica, vem muita banana. Porque banana no cacho você paga mais caro pede uma dúzia, vem uma dúzia; despencada, você olhava, tinha um monte, ele punha tudo assim no jornal e se tirava uma ou outra podre, e comia muita banana. Então eu acho que eu cresci a custo da proteína e vitamina da banana, porque realmente tem vitamina e proteína pra valer, naquele negócio. Os dois da família, os dois que mais comeram banana foi eu e meu irmão Ferro, são os dois mais altos. E lá trabalhando na tecelagem do Matarazzo é um trabalho... gostoso pela liberdade, porque tinha colega, não sei o que, embora tem toda aquela coisa da zorra e da turma e da gangue. Eu podia fazer, nas horas vagas, eu fazia minhas ferramentas, fazia chave de fenda, eu fazia chave de boca, com mola de caminhão, você pega mola de caminhão em ferro-velho, você corta e faz chave de boca, né? Chave pra apertar parafuso e... era uma coisa gostosa, né, a gente se sentia meio artesão até. Então eu trocava os rolos que eles chamam, pra quando terminar os rolos do urdume, eu fazia e limpava a maquineta e azeitava. A parte chata era azeitar 200 teares, um por ordem, em cada um., se ficava com todo isso branco, muita graxa. Aí , meu sonho era ter... um dia trabalhar num lugar que eu tivesse uma camisa limpa e um bolso para por um lápis. Até hoje eu tenho.(risos) Mas como eu comecei a desenhar, pelo fato de desenhar com a mão esquerda e tal, comecei a desenhar, alguém viu lá e falou: "Por que você não vai trabalhar na seção de gravura?", que é a seção de desenho do Matarazzo, ali na Avenida Celso Garcia, em frente à Rua Passos. Na mesma fábrica, só que mais no fundo, perto do Rio Tietê. E com muita fala e tal fiz um teste e me aprovaram e eu fui trabalhar na seção de desenho, de tecido. Desenhava floral, fazia raportagem como diz, é um nome italiano, raportagem é a repetição. Pra fazer um rolo de cilindro de bronze, porque ele rola e tem uma repetição, né? Aí eu fiquei um bom tempo trabalhando lá, aí eu ... Mas quando eu encerava a casa pra minha mãe, aí eu preciso voltar um pouquinho. Quando eu encerava a casa, minha mãe dava pensão e não tinha tapete, não tinha nada. Pra não dizer que não tinha tapete, tinha um linóleo estreito desgraçado, linóleo era um... quem inventou o linóleo acho que tinha outra coisa em mente. Eu conheço linóleo de duas coisas: a dificuldade de se levantar o linóleo pra não rasgar, e linóleo é aquela peça desgraçada que fica em sala de espera de dentista, gasto, perto da porta. Dentista na época era assim: tinha linóleo gasto perto da porta e tinha um monte de revista sem capa. E fotografia de dente doente, (risos) isso eu me lembro muito bem como é que era a sala de espera do dentista. Em casa tinha uma faixa de linóleo, eu tinha que encerar embaixo com cuidado, que aquilo parte com o tempo. As bordas tinham facilidade de quebrar e o resto da casa eu punha jornal pra não ficar com o joelho cheio de cera, muito avermelhado, eu ficava de joelhos... E me chamava atenção os desenhos do jornal. O jornal na época tinha muito desenho, eu gostava do desenho, aí eu ficava olhando. Desenhos bonitos, porque era uma época em que eu fiquei sabendo porque tinha tanto desenho em jornal. A publicidade da época, eu não sabia o que era publicidade, não tinha menor noção disso. Eu gostava dos desenhos. Eu fiquei sabendo mais tarde que o jornal não imprimia fotografia, o jornal não tinha equipamento, borrava as retículas, enchia de tinta. Então quase todo mundo, toda a publicidade era feita ilustrada, por isso que me chamava a atenção. Outra coisa, os jornais tinham uma força publicitária, como hoje, ou muito mais que hoje, porque não tinha competição na televisão, não existia televisão. Então publicidade era: jornal, essencialmente, depois rádio, depois out-doors, essas coisa. E como jornal por defeito técnico tinha que ser desenho à traço, ou com retículas largas, que eu não sabia o que era aquilo. Mas eu admirava ver os ilustradores, eles desenhavam pneus e mulheres e coisas. Então daí, eu algumas vezes cortava, claro que era um dispersivo encerador de casa, eu demorava: "O que é que você esta fazendo aí menino? Você ainda não acabou essa parte?" Pegava o jornal, guardava no canto e à noite eu tentava reproduzir aquele desenho, tentava repetir. Fui desenvolvendo, até que um dia eu fiz um portfólio e tentei entrar em uma agência. Foi a maior via sacra do mundo. Eu visitei inúmeras agências, as agências de publicidade, como dizem os jovens de hoje: "Não dão chance pra qualquer um". Eu achava que tinha panela, não é que eles, é que tinha pouco emprego, e porque que vai pegar um jovem chamado Alex Periscinoto. "Quer trabalhar aqui, quer fazer o que?" eles... mas aí: "O que é que você faz?" e demonstrava meu portfólio de alguns desenhos copiados de propaganda e alguma coisa feita de desenho de tecidos. Já tinha treinamento. Aí todos diziam: "Olha, continua desenhando tecidos. Você não nasceu pra publicidade, faz tecido". E fui assim, até que um dia um estúdio de desenho na cidade, mas não agência, um estúdio chamado Nosso Lápis, na Rua da Quitanda: "Você tá aí, olha vamos ver se você faz alguma coisa. Esse estúdio só fazia papel de carta, desenho de cartão, um ou outro folhetim", trabalhava para os bancos da Rua da Quitanda, faziam trabalho assim, aquela coisa miúda. Eu comecei ali, mas aí o que aconteceu. Eu ganhava equivalente a quatro, cinco salários mínimos na seção de desenho do Matarazzo e ao ir pra esse estúdio eu passei a ganhar menos de um salário mínimo. E foi uma loucura, a bronca em casa dava pra sentir. Natural, eu estava ajudando a família e, passei a não ajudar. Embora eu tivesse uma visão nebulosa da perspectiva da profissão. Mais pelo desejo de fazer do que como futuro profissional. Em casa ninguém entendeu isso. Até que um dia, depois disso, chega a Sears no Brasil. Em 1949 chegou a Sears. E a Sears fez um concurso pra contratar desenhista. E eu me candidatei, fui lá. E aí botaram um ferro elétrico numa mesa redonda, né, e os oito ou dez candidatos em volta da mesa tinham que desenhar o ferro elétrico. E dois foram aprovados, uma outra pessoa e eu. Então eu entrei na Sears pra desenhar ferro elétrico, máquina de lavar, desenhar liqüidificador, todas aquelas coisas que a Sears anunciava. E lá foi um desenvolvimento gostoso, uma turma boa e tal, né? E lá na Sears é que, depois de dois anos de Sears, eu fiquei chefe de departamento. Até porque não tinha ninguém na ponta, diziam: "Você Fica chefe aí", (risos) e foi bom aí, fui desenvolvendo um pouco mais. E por trabalhar lá e mesmo não podendo mudar muita coisa na Sears, por causa do sistema ortodoxo internacional, alguma coisa na área de desenho de moda pude fazer variações. Aí a Clipper Exposição, a loja Clipper no Largo Santa Cecília, que era então cliente da Standard Propaganda, se interessou e houve uma fala qualquer no sentido de convidar aquela pessoa da Sears a trabalhar, pra fazer, ajudar a fazer os anúncios da Clipper. Aí a Standard Propaganda me chamou pra fazer um teste. E o Fritz Lessing, que era o chefe lá, e o João Caligo aprovaram o teste e disse: "Quer trabalhar aqui?" Eu procurei agência como louco, num dia aparece uma pelo outro lado sem estar procurando. Eu falei: "Eu estou bem na Sears, eu tô com medo porque a agência...", ele disse: "Não, você vai fazer varejo só, você não precisa... varejo é que o você está fazendo, você só faz varejo aqui e tal". E eu ganhava bem, eu já estava com uns 600 cruzeiros, não era cruzeiro na época, era 600 não sei o que. (risos) Era equivalente, eu acho, que a seis salários mínimos, ou mais, acho que um pouco mais até. Mas estava bem, estava achando que dava pra ficar mais tempo lá, aí entrei e fui trabalhar na Standard. Três dias depois fiquei sabendo que o meu salário era seis mil, seis mil, era dez vezes mais do que eu estava ganhando. Levei um susto Foi a primeira vez que eu consegui comprar um carro usado. Aí começou a deslumbrar, começou a... Trabalhei fazendo Clipper Exposição durante um tempo, junto com um colega maravilhoso que era Darci Penteado, um ilustrador muito competente.
P - Alex o que era a propaganda na época, comparando na época. Qual era o padrão, comparando a Sears com a...
R - O padrão era assim: a Standard Propaganda era uma agência que tinha um ótimo nome. Hoje também, mas na época era assim muito desenvolvida, perto das outras americanas. Na época, as duas americanas comandavam o mercado. A Thompson e a McCann. Por que a Thompson e a McCann? Porque essas duas agências vieram do exterior e começaram a publicidade no Brasil já com os clientes internacionais. Então a Lever era da Thompson, a Goodyear era da McCann, então as agências internacionais, claro ela vem, ela vem como coadjuvante dos grandes clientes internacionais. E a Standard não era internacional, era uma agência brasileira, de propriedade de uma pessoa chamada Cícero, um smart brasileiro, muito esperto, muito inteligente, e ele desenvolveu, e ele contratou uma turma boa na época que era... Olha como o mundo da volta, estava acabando, acabando não, diminuindo o charme da publicidade de bonde, então tinha uma coisa que se chamava Companhia de Anúncios de Bonde, que tinha um departamento que fazia os cartazes do bonde, lembra? "Ilustre passageiro, não sei o que". Essa turma, Fritz Lessing, Rubem Vaz, João Cadarço, essa turma toda, Ígor Araújo, essa turma foi pra Standard e eles eram ilustradores de mão cheia, mas uns profissionais de tirar o chapéu, e eu, por uma dessas sortes divina, fui cair justo nesse maravilhoso lugar Pra fazer varejo, que era uma coisa marginal. Eu não fazia as outras coisas, só fazia varejo.
P - Mas qual era o enfoque, por exemplo, como apresentar o produto? Qual que era o...
R - Era... Tinha coisas assim: primeiro, tudo era ilustrado; segundo, um redator chamado ficava num andar qualquer e o desenhista ficava no outro andar e um escrevia alguma coisa e outro lia o que estava escrito e dava um pouco de forma na informação, forma gráfica na informação. E um dos clientes da agência era Pneus Pirelli. Então era um grande desenho da Pirelli, às vezes páginas inteiras, né? Porque o jornal tinha uma força impressionante na publicidade, lembrando outra vez que não tinha televisão, a televisão começou a pintar mais tarde. Então era informação sobre o biscoito do pneu, o nome do pneu, tá certo? A marca Pirelli, todas essas informações básicas com ligeira imaginação, era mais o que eles chamavam na época de um nome americano desenvolvido pela Thompson e pela McCann, Unique Selling Proposition, quer dizer: qual é a informação mais importante e única que você vai fazer pra vender esse produto. Unique Selling Proposition, é a proposta, a informação proposta que faz. Então era assim "Pneu para chuva", Unique Selling Proposition "Biscoitos largos", "Vão com capacidade de entrada de ar", essas coisas técnicas. E essa, se trabalhava mais nisso e se fazia na época o que depois chegou a ter o apelido de hard self, ou seja, venda pesada, venda dura, que informam aí o que é e o preço, às vezes. Não invente mais nada. Não tinha, naquela época, com raríssimas exceções, não tinha mais que essas informações, Unique Selling Proposition, e não tinha eloqüência emocional nas campanhas. Essa é a grande diferença. Com raríssimas exceções. A não ser um dia, o Fritz Lessing fez um anúncio para a Vidraria Santa Marina e que tinha uns vidros muito bonitos e ele escreveu atrás do vidro, com a coisa fora de foco, e ele escreveu "Qualidade Transparente", isso já era uma coisa assim notada: "Pôxa Que imaginação e tal" Essa coisa foi andando até o momento em que criou um caso psicológico na Standard porque o cliente da Clipper queria a presença das pessoas que faziam os anúncios. E eu era uma das pessoas. E a gente começou a ver o cliente e o cliente começou a ter contato com o chamado estúdio, não era criação, criação é uma coisa que a gente conta mais tarde. O estúdio então ia e isso deixou um mal estar, mas esse mal estar coincidiu com um convite do Mappin, onde eu tinha alguns amigos que também trabalhavam comigo na Sears, o Guazelli , eles trabalhavam no Mappin, na direção do Mappin, eu fui lá fazer uma coisa. E eles falaram: "Alex, você não quer trabalhar com a gente outra vez, volta, volta pro varejo. Volta pra nós." E eu estava sentindo que trabalhar no Mappin eu poderia voltar a fazer aquelas coisas que eu fazia na Sears, ou seja, ser patrão de mim mesmo. Não tinha que obedecer tanto um chefe, que estava chateado porqque eu tinha mudado o texto. Aí eu fui, fui trabalhar no Mappin em 55 e foi uma delícia. Aí sim, eu, sem paletó, fazia os anúncios de página dupla, porque tem uma coisa, o varejo como todos os profissionais sabem tem, embora tenha sido muito tempo chamado de publicidade marginal, porque punha lá o produto e informa e tchau. A gente tentava fazer outras coisas, mas o varejo tem, mais que qualquer outro cliente, nobreza de espaço. Nenhum anunciante pode ter páginas duplas, e várias páginas duplas por semana como tem no varejo. A indústria automobilística não tem dinheiro pra isso, nenhuma indústria de, nem nada, ninguém tem dinheiro a não ser o varejo. Primeiro, porque o varejo compra pacotes grandes, anuais, segundo, porque ele tem uma quantidade de informação muito grande, então só compete, ou ganha ou empata, com o varejo o mercado imobiliário. Então, você vê, hoje, o jornal hoje tem várias colunas, uma coluna que sustenta jornal é classificados, claro, as outras duas grandes colunas é a imobiliária e lojas de varejo. Se você tirar essas três coisas do jornal, ele emagrece pra um terço.
P - Quer dizer então que nessa época a publicidade era basicamente jornal?
R - Era basicamente jornal, basicamente jornal. Um pouco de out-doors, muito pouco de out-doors. E rádio sim, o rádio não era tão desenvolvido, mas rádio fazia o seu papel, bonito papel. P - E no Mappin, o senhor já fazia propagandas de rádio?
R - O Mappin então, o Mappin, teve uma época que o Mappin começou a entrar na televisão. Na televisão, o Mappin fez uma coisa marcada na época, era o Mappin Movietone. Era um jornal, como se fosse Jornal Nacional hoje, era o Mappin Movietone. Então, nós contratamos um grande amigo meu, o Renato Corte Real. O Roberto Corte Real, irmão do Renato. O Renato era o grande cômico, não é? São três irmãos, o Dirceu, o Roberto e o Renato. E o Roberto Corte Real, de gravatinha borboleta, apresentava as notícias e ao vivo aparecia a figura adorável, adorável, minha amiga até hoje, era uma intuitiva, atriz, capaz de fazer tudo, Lolita Rodrigues. Ela fazia os comerciais, mas é uma doçura a Lolita Rodrigues, e o Roberto Corte Real fazia a parte noticiário, era patrocinador do horário nobre na estação de maior potência na época que, era a Globo do momento, era a Tupi. Então na Tupi a gente comprava o melhor horário e a gente combinava; o Renato, eu e a Lolita nos tornamos um trio amigo, e a gente discutia o que ia fazer, o que não ia fazer e tal. E começou a dar uma resposta, a televisão começou a dar uma resposta de uma voltagem impressionante Então eu diria que hoje, e forever, jornal vai ser sempre a base do varejo, e a base do mercado imobiliário, e a base do mercado de classificados. Acho que ninguém rasga isso do jornal, mas a televisão para alguns produtos ela acaba ganhando do jornal. Por exemplo, alguns produtos de consumo: margarina, sorvete, ah... ah... deixa ver... tem coisas... iogurtes, tem alguns produtos que se botar em jornal está sujeito a testar, vamos ver como que é. Mas o produto de consumo, principalmente quando você lida com dona de casa e criança, nossa, televisão é covardia Agora eu ajudo vocês pra seqüência.
P - Pode contar.
R - Uma história conhecida já, a história do manequim.
P - Não, não pode contar?
R - Pode contar. Bom, a que horas? Acho que estamos falando do Mappin agora, né?
P - Conta pra gente então essa história ...
R - Vou contar, então, nessa época, nessa fase gostosa, cada um de nós tem uma fase mais gostosa, menos gostosa na vida profissional, o Mappin foi sem dúvida uma coisa deliciosa, não queria sair de lá nunca. Família ótima, companheirismo e tal, porque nós tínhamos uma coisa que, nós éramos em 11 gerentes e a gente almoçava no restaurante do Mappin, juntos, e tinha estória pra contar e tinha casos e cada um tinha experiência de vendas e a gente discutia. O dono do Mappin, não sei se, vou contar telegraficamente, na verdade o Mappin tem uma vida assim, uma vida profissional assim: o Mappin pertencia aos ingleses, Mappin Webb, por isso que se chamava Mappin Stores, stores vem de lojas, né? E durante a guerra, entre 45, entre 39 e 45 que houve a guerra, o Brasil não podia importar nada, mesmo depois da guerra, 49 era difícil importar, a importação estava fechada e o Mappin vivia de produtos importados. No Brasil, na época, não se fazia quase nada, não se fazia, não tinha serralheira aqui. Mas não se fabricava a geladeira, não se fabricava... era uma coisa, vamos dizer assim, um país atrasadão mesmo. E a Sears quando veio em 49, começou a trazer todas as plantas de liqüidificador, de enceradeira, de geladeira, máquinas, geladeiras, começou a convocar alguns industriais pra fazer as marcas da Sears. Portanto, quem comprou lá sabe que a geladeira que a Sears vendia era uma geladeira que chamava Cold Spot, Ponto Frio. O Cold Spot era fabricado por um alguém da Brasmotor que virou, depois, Brastemp. Então ela aprendeu a fazer geladeira com a planta da Sears. A enceradeira Cold Spot era feita pela Arno, que depois, essa enceradeira Arno, que a gente compra hoje, é mesmo desenho que a Sears trouxe. E foi desenvolvendo. Nessa época, os ingleses estavam perdidos, eles tomaram um porre na boate Oásis e o dono da boate que se chamava Alberto Alves, o Betinho, também acho que no porre disse: "Quer vender essa porcaria?", e comprou o Mappin na boate, comprou o Mappin praticamente a zero. Mas eis que ele começa a dirigir o Mappin, dessas coisas intuitivas, né? Tem pessoas que podem até não estar preparados com escolaridade mas tem ... o Jânio Quadros, político intuitivo, mais do que qualquer outra coisa. Ele era intuitivo, tinha uma noção de oportunidade incrível, o Jânio a gente pode dizer assim: ele cursou publicidade, perdão, cursou política na faculdade ou Universidade de Sorbonne, ou estagiou em Washington. Não, não, nada disso Era intuitivo, ele sabia: "Se eu pendurar as chuteiras na porta eu vou ganhar a primeira página dos jornais, e seu falar tal coisa a imprensa corre atrás de mim." Está certo, e ele sabia essas coisas que o papa sabe, o papa sabe, o papa, lá no Vaticano, sabe, intuitivo, pessoalmente, que se ele fechar lá no Vaticano ele não é notícia, se ele viaja ele é notícia, a imprensa vai atrás. Então de vez em quando ele organiza uma viagem sabiamente programada, ele vai a El Salvador ou depois ele vai a Londres, depois ele vai a Nova York e depois ele vai no país mais pobre do mundo E ele faz esse negócio e a imprensa corre, e ele é notícia durante semanas em primeiras páginas. Isso é uma coisa habilmente misturada com intuição e profissionalismo. Então eu estava contando isso por causa do Mappin. Então esse dono do Mappin compra o Mappin e contrata pessoas profissionais e nós 11 nos reunimos lá. Foi uma grande boa. Mas nessa época aconteceu de tudo, e já era casado. E eu tinha um cunhado, tinha muitos cunhados. Se você precisar de cunhados fala comigo, cunhado você sabe, Deus acho que inventou cunhado pra jogar buraco, porque todos os cunhados se reúnem para jogar buraco. E ele era um deles, era muito linguarudo, ele contava coisas assim, ele via publicidade na televisão, ele jogava buraco olhando pra televisão. Então ele via a Sandra Bréa, e cutucava a minha esposa. "Olha o Alex", ele achava que porque eu trabalhava na publicidade eu tinha chance de sair com a Sandra Bréa, vê se a Sandra Bréa ou qualquer atriz ia dar confiança. Não tinha ligação nenhuma, mas ele era diabólico. Bom, eis que num dia eu tô no Mappin trabalhando, e estava chovendo, chuva miúda e inclinada e eu tinha um Coupê Mercuri 48, como todo mundo, na época tinha carro usado, todo mundo, todo mundo que trabalhava num certo estágio, não podia comprar carro novo. Meu carro era velho. O vidro oposto ao motorista virava a manivela mas não subia, estava quebrado, e eu não tinha dinheiro pra consertar, ficava assim mesmo. Estofamento de plástico e tal. E nesse dia que eu saio do Mappin, nesse dia de chuva, a Sônia, uma funcionária aí, irmã de um diretor do Mappin: "Alex você vai lá pra Vila Clementino?" "Vou". "Você me leva?" "Claro, vamos, está chovendo." Bom, a Sônia teve que sentar aqui porque estava molhado lá. Então eu subo a Rua Augusta antes do cine Marajá, tem um sinal aí, eu paro, chovendo, eu ouço: "Fiu, fiu" Quando eu olho, a Sônia falou: "É com você" Era o meu cunhado, que sempre inventou histórias. Podia, mas eu transpirei, eu falei: mas meu Deus do céu, todos menos esse. Aí eu olhava e ele fazia um gesto com a Gazeta Esportiva, feito telhado na cabeça assim, como quem diz: "Abre aí que eu pulo a água e tal, abre a porta", e a Sônia: "Abre, não abre porque senão ele vai fazer todos os gestos possíveis", meio tonta, né, já limpando ali a chuva onde ele ia sentar ou não. Falei não, não, esse não, abriu o sinal amarelo e eu fui embora, deixei ele lá. Você imagina a situação que eu criei, deixei a Sônia e ela falou: "Alex, mas você está preocupadíssimo, vou lá falar com a tua mulher, eu conheço tua mulher, você está me levando pra casa" "Eh Sônia, isso aí é uma outra história", aí eu deixei a Sônia. Peguei o carro e voltei pro Mappin. Cheguei no Mappin e falei para o Zé Paródia - acho que trabalha lá até hoje, ele era o meu subordinado na área de vitrine -, eu falei: "Zé, coloca um desses manequins de gesso aí vestido no assento da frente do meu carro." Sabe esses manequins que ficam na vitrine com dedos tortos, de gesso, peruca de naylon, ele pôs um bicho de gesso aqui, aqui e eu fui segurando pra casa que ele caia, e aquilo andava assim, né? (risos) E eu segurando aquilo até chegar em casa. Mais tarde, eu falei pra minha mulher: "Olha, eu demorei porque eu tenho que comprar um manequim lá pro Mappin, umas duas dúzias de manequim e tem um mostruário aí. Ela, pela janela da cozinha, olhou e falou: "Bonitinho, né? Eu acho bom você tirar isso daí senão vão dizer que você tá andando com mulher no automóvel". Eu falei: "Boa idéia". Ela me ajudou a desatarraxar e botamos tudo atrás do Coupê, do carro. Jantamos, eu falei: "Vamos jogar buraco lá na casa do Sabião?" "Vamos". Mas nem deu outra, ela entrou na minha frente. Ela estava a um passo da minha frente, quando eu vi, eu estava quase no meio: "O Alex", o Alê é assim", louco, contou tudo, com todos os detalhes, entregou mesmo. Ele acabou de falar, a minha mulher nem sequer olhou pra ele, olhou pra irmã que nós somos casados com duas irmãs, ele falou assim: "Cê fala pro seu marido tomar cuidado porque ele é muito linguarudo. É manequim, eu ajudei a tirar, ele fica inventando essas estórias do Alex aí e agora eu tive provas que ele inventa". Ele olhava pra mim e dizia assim: "Como é o negócio?" E aí nós jogamos buraco naquela noite, ele dava carta pra mim assim: "O manequim". Bom, passado dois anos eu estava pescando no barco dele, no clube Samambaia no Guarujá, eram dez horas da noite, estava sentado no barco, pescando sossegado, porque ele tinha um barco ali, ele meteu o pé nas minhas costas e me jogou na água, e eu só ouvi: "Manequim é a puta que te pariu". Ficou atravessado acho que dois anos aquele negócio, então essa coisa foi engraçado quando eu fui levar a história pra meus colegas do Mappin, que conheciam a Sônia e tal e ficou famoso. Hoje você vai no Mappin perguntar: "Olha, é verdade uma história do Alex que trabalhou aqui?", todo mundo sabe dessa história, desta história lá, porque correu, né, evidentemente. E essa é uma história. Tem outra, da história da venda que a gente fez no mês de outubro, que deu pra fazer uma venda especial, a gente inventava coisa lá. O Mappin era gostoso porque podia inventar, não tinha uma lei internacional impedindo. Então quando nós inventamos lá o mês da indústria, a quinzena de tapetes, essas coisas todas, eram coisas pra dar um nome à promoção, mais do que isso, na quinzena do tapete ou no mês da indústria, a gente punha o logotipo dos fabricantes nos anúncios. Então num espaço x de quatro colunas, um pouco menos punha Tapete Ita, você punha o liqüidificador Wallita, aquelas todas, e eles pagavam para o Mappin, para o meu departamento aquele espaço, eles contribuíam com uma espécie de cooperativado, e isso é até hoje. Isso é uma coisa, bom pra eles, a tal ponto que nós chegamos a fazer anúncio de página inteira. Por exemplo, eu me lembro de um fornecedor do Mappin que lançou uma meia que está sendo relançada agora. Uma meia que não desfia, a meia chamada "Não Desfiou", e é uma meia que agora tem um cara que põe até ponta de agulha, ponta de tesoura, você viu na televisão? É uma tecelagem diferente, né, é uma trama diferente, tecido todo sintético, e realmente resistia, não desfiava a meia. Então eu fiz um anúncio de página inteira onde tem uma perna linda de mulher Linda, linda, claro a publicidade taí pra isso Aí tem uma perna esticada de página inteira colocando a meia, e aqui tem um gato, arranhando a perna dela. Bom, isso foi um anúncio de lançamento. Então a gente punha aquele espaço branco bonito, né, não precisava encher de artigo porque senão... Uma das coisas chatas do varejo é quando você vê um monte de artigo cheio, cheio, cheio, número, preço, preço e nome, se você fechar o nome da loja, você não sabe que loja é, fica tudo igual. É uma colcha de retalhos parecida. E as Lojas Americanas, elas tem personalidade, se você quando o anúncio é da é da Pink então na própria confecção do anúncio, se você fechar o nome, um é restaurador famoso, o outro tem a foto de outro jeito, e as lojas, por exemplo, há uma loja lá que sempre fez uma campanha, em vez de fazer tantos anúncios ela vendia só uma filosofia, um anúncio por semana de página inteira, uma mulher linda puxando os cabelos e dizia embaixo: Eu odeio a Joana, uma amiga dela, ela me disse que comprou um casaco em Paris que pagou quatro mil dólares, não sei o que, eu vi esse casaco por 600 dólares na vitrine. Ela mentiu pra mim, eu não gosto que façam isso comigo. Então eles vendiam essa filosofia, e a loja era conhecida, não sei se até hoje, como uma loja, uma loja que copiava as coisas de Paris e vendia por 10% do preço e essa filosofia enchia essa loja, foi uma das primeiras lojas que não tinha vendedor, tinha aquele tubo plástico que você não pode levar, que se passar na porta dá um apito, apita toda a loja. E por não ter vendedor, não tinha comissão de vendedor. Algumas lojas fazem isso por aqui. Então no Mappin podia inventar. Essa invenção chegou até o ponto que um dia que inventamos lá uma promoção especial para outubro e o dono do Mappin ficou tão impressionado com a venda de outubro, que naquele mês de outubro, vendeu mais que dezembro, então ele falou: "Dá um jantar pra todo mundo". Eu falei: "Doutor Alberto, um jantar pra todo mundo é um problema sério, organizar um jantar, eu não tenho um restaurante, que cabem 1.200 funcionários, e sem falar que alguém vai levar a esposa." "Então inventa um negócio, mas eu queria dar um presente." Ele era o intuitivo, ele sabia quando tinha que agradar. Sabe essas pessoas, vamos dizer assim, abençoada, tem o momento certo de fazer as coisas. Então todo mundo adorava ele, eu inclusive. Um cara que tinha ... De vez em quando ele era metido a bravo, mas ele tinha a intuição do que tinha que fazer com as pessoas humildes. Ele sabia lidar com a gente: "Dar um jantar pra todo mundo aí, e eu quero estar junto nesse lugar". "Pô, mas não tem lugar pra 1.200 pessoas", "Então inventa uma coisa." "Ó, eu tenho uma idéia que, podia ser o seguinte: podia alugar o TBC, e a gente faz uma peça teatral só com as piadas domésticas do Mappin. Contrata uma equipe aí." Então veja, aí eu fiz um roteiro e contratei a Praça da Alegria, e trabalhei com Nóbrega, Hebe Camargo, Golias, numa fase, hoje tá outra vez numa fase maravilhosa, e era uma fase boa do Golias, e se fez então, então todos os esquetes eram feito de tal maneira... É covardia você fazer piada interna, você cita o nome das pessoas. Então o secretário do doutor Alberto, ele não tinha secretária, ele tinha um secretário, era o Joãozinho, ele era esse tipo de pessoa, "deixa comigo Não". Pra marcar audiência com o dono do Mappin tinha que atravessar o Joãozinho. O Joãozinho... Tinha então, tinha o presidente da Telesp que queria falar com o doutor Alberto, o dono do Mappin, então tinha que falar com Joãozinho. "Ah não, pois não, marquei doutor, pode deixar comigo e tal." E ele fazia de tal maneira que quando chegava lá o presidente da Telesp, ele falava assim: "Ô doutor, o Betinho já vai atender, que eu encaixei na agenda, eu precisava, eu tô sem telefone lá em casa, será o que o senhor tal" e ele arrumava um telefone, tanto que ele é hoje, o Joãozinho, é hoje, é um despachante aduaneiro, (risos) ele seguiu uma profissão, ele é um quebra galho. E então nessa época eu peguei o Golias, que fez o papel do Joãozinho, e o Nóbrega fazia o papel do dono do Mappin e tem uma cena mista de verdade e ficção, peguei uma parte da verdade: o João tinha mudado de casa, e todo mundo do Mappin conhecia esse jeito do Joãozinho ajeitar as coisas. Então aparece o Golias e está o doutor Alberto numa escrivaninha grande assim: "Doutor Alberto, tem que assinar aqui e tal. Doutor Alberto, quero avisar ao senhor que eu mudei de casa". "Ah, mudou então, João, felicidade de casa nova", "Doutor, se o senhor quiser aparecer lá para um café, casa humilde, e tal, o senhor sabe", "Ah, onde é que você está?" "Eu estou no Brooklin, e tal, rua tal". "O.k. João". E corta essa cena, fecha a cortina. O doutor Alberto e a Hebe, por sinal que a Hebe Camargo, que fazia o papel de Hebe, a mulher do dono do Mappin tinha o mesmo nome, ela chamava Hebe também. O doutor Alberto falava assim: "Hebe, o Joãozinho disse que mora por aqui, já que nós estamos passando aqui, vamos entrar na casa dele. Esse malandro convida, vamos ver se é verdade mesmo, vamos tomar o café dele", (barulho de campainha) abre a cortina e está lá Joãozinho. "Ô, doutor Alberto", a mulher já tirou o avental, ficou atrás da porta aquela coisa. "Ô doutor Alberto, o senhor veio mesmo, que bom, senta aqui doutor Alberto", aquela coisa, aí o doutor: "Ô João, bela casa, hein?" "Esse living aqui deve ter uns oito metros." "Dez metros." "Bom João, esse aqui tem o que, três dormitórios?" "Quatro." "Quatro dormitórios, que legal, que casa boa, parabéns João. Pera aí, quanto que você está pagando de aluguel aqui?" "Eu estou pagando seis, doutor, seis mil." "João, quanto você ganha lá no Mappin?" "Eu estou ganhando seis doutor." "Ô João, você está louco, vamos tomar um café, vamos conversar sobre isso daí." Quem conhecia o Joãozinho rachava de rir. Então eu fui inventando essas coisas do cotidiano. E a peça demorou duas horas, né, e se fez só essas coisas lá. Bom, o pessoal da perfumaria, com o pessoal do gerente de departamento de vendas, então todo mundo entrou na dança. Então isso não era um emprego, isso era um santo lugar pra se trabalhar, como nós vivemos 80% do tempo que a gente está acordado... cê vive para o trabalho, você... se acha um lugar desses, você não quer sair nunca mais. Eis que eu estou lá trabalhado e aquela viagem eu fiz para os Estados Unidos, como presente do Mappin, eu acabei tendo contato com uma loja onde estagiei 11 dias, parte numa loja, parte na outra. Quando eu fui pra lá os anúncios eram inteligentes, dessas moças que a "Odeio Joana" que ela falou do casaco e tal. Bom, eu queria visitar o departamento: "Quem foi o iluminado que fez isso?" "Bom, nós não fazemos aqui, nós fazemos numa agência." "Ah, como é que chama a agência?" "Uau, já ouvi falar". Eu estava começando, 1958, isso. "Eu podia visitar?" "Claro, toma uma carta." Sabe, com carta de cliente, aí o cliente ligou pro presidente da companhia. "Ah, é um brasileiro e tal, o nome dele é Alex Periscinoto e tal e tal." Aí eu cheguei no dia seguinte na recepcionista, falei assim: "Im looking for mister, we have an appointment". "Your name, please? Your name", eu falei Alex Periscinoto", Ela falou: "Perisciwhat?" Aí eu fiquei com vergonha de corrigir. (risos) Aí eu fiquei conhecido durante cinco, seis anos como Perisciwhat. Muito mais tarde que eu passei a ir anualmente lá. Aí que eu fui, queria corrigir o nome e tal, está aqui por escrito. Mas aí eles me chamavam: "Mr. Perisciwhat, I want to show you", aí eu atendia facilmente. Bom nesse dia em 58, quando eu estava vendo um material feito pelo Bob Gadge impressionado com aquele material lindo de varejo Não era uma publicidade marginal. Era tão inteligente, eu falei: "Como é que vocês trabalham aqui?" "Nós temos um diretor de criação, nós somos dupla. O redator está junto com o diretor de arte. Em 58 E é muito mais produtivo, duas pessoas conversando e até três, rende, é mais rápido, é mais inteligente, um policia o outro quando a idéia é bobinha, se a idéia é... we start again. Bem, ah, bom, eu fiquei encantado com aquilo, e, claro, eu não podia aplicar isso no Mappin porque eu era meio só no Mappin, né? Mas aí eu fui numa outra sala, porque as salas de esquina, os corner-offices, os escritórios de esquina são dos big boss, né? Tinha lá uma campanha linda em vegetal, toda desenhada, a campanha do Volkswagen lá nos Estados Unidos. Estava pra sair, pra ser aprovado. E eu andava feito um bobo vendo aqueles anúncios maravilhosos. O Volkswagen desenhado pequeno e escrito embaixo: Think small. Lembra disso, os primeiros? Tinha um anúncio que era aquela nave, acho que a nave Apolo, parecia um gafanhoto, lembra? E o título era Its agree e embaixo: Volkswagen. Porque era um carro feio mas te leva. Igual a nave, né? Era tão inteligente, mas quando tinha visto uns 10, a dupla que fazia isso, que eu fiquei conhecendo, eles perguntaram assim: "Well, do you like it?" Eu falei: "Yes, I love it." "Well, the they doesnt. A campanha não tinha sido aprovada ainda. Eu falei: "Why?" Depois que eu fiquei sabendo que ele voltou lá e insistiu e então imprimiu uma nova filosofia de anúncios de automóvel, em branco e preto, não a cores como tinha a Pontiac, Buick, Chevrolet, mas simulava, como você colocou Roney, o posicionamento era: quem tinha um fusca ou um beetle, como era chamado lá, era um besouro, quem tinha um Volkswagen era um smart guy, um cara que tinha inteligência, ele sabia comprar, a prática econômica e não o smart car. Gastava gasolina e tal. Bom depois volto a trabalhar no Mappin, em 58. 1960 alguém me telefona e me diz assim: "Alex, você quer fazer uma campanha de free-lancer pra vê se a gente pega uma conta?" Campanha de free lancer? "Mas não é nada com varejo." Se for varejo não pode porque compete. "Não, não. É uma agência pequena que tá concorrendo pra ver se quer pegar um cliente. Se pegar um cliente eles te pagam, se não pegar, eles te dão um fio pequeno aí." E qual é o cliente? "Volkswagen." Uau Sabe aquelas coisas... você olha pra cima e diz: "Thanks God". E aí eu peguei e fui fazer o free lancer. Tinha que fazer umas 30 peças eu fui fazer cento e tantas peças num fim-de-semana, sempre daquele jeito, com os títulos. E entreguei.
P - Você lembra de alguns motes, assim?
R - Lembro. Era dessa época, por exemplo, também o branco e preto, a maior parte, né? Então tinha um dos anúncios, a gente queria dizer que só a oficina autorizada estava autorizada, ou melhor, tinha a melhor capacidade para consertar o carro, não é? Então você tinha que procurar oficina autorizada. Não vai numa picareta. Mas você não podia falar picareta. Então eu fiz uma tábua pregada assim, vários, com os pregos aparecendo. E era uma coisa feita, tudo mal desenhado. "Conserta-se Volkswagen" escrito errado e aí eu pus embaixo, "Cuidado com os especialistas", que era uma maneira de separar um ou outro sem xingar a oficina. Outro que era o Volkswagen lá, bem fotografado. "Cheque ao portador", que era a maior qualidade do carro, que era o valor de revenda. Bom, você, quando compra o carro, você não quer saber o que vai acontecer na hora de vender.
P - Essas propagandas inovaram na época, né?
R - Propaganda?
P - Essas propagandas inovaram na época, né?
R - Ah, sim, foi um marco diferente. O grande marco mesmo foi que eu consegui nessa agência. Era uma agência de nove pessoas, das quais quatro ou cinco tiveram que sair porque eram fajutas, ladrões e tal, faziam coisas que não deviam fazer. Aí eu comecei a contratar fazendo duplas. No Brasil não tinha duplas, aí eu contratava pessoas, redatoras de algum lugar. O Hans Donner trabalhava na Publitek, o Armando trabalhava numa outra agência, o Quadrant. E eu punha eles como dupla. Aquela lição aprendida, né? Isso pegou no breu com uma facilidade incrível. Então aí começou a aparecer a Helga, o Joaquim Gustavo, trabalhou com a gente ... deixa eu lembrar. Pessoas que hoje têm até agências próprias. O Júlio Ribeiro, da Talent. Alias, da própria Talent tem a Carmem, trabalhou comigo também, entende? Um monte de gente que hoje está, cada um no seu own business, aplicando a mesma filosofia. Não que eles copiaram de mim Não, não, não, eu é que copiei e trouxe pra cá. Quer... o meu mérito não é outro a não ser de ter sido, por ser mais velho, cheguei lá antes talvez, não é uma capacidade do Alex fazer isso. É uma capacidade de observar e adaptar.
P - Alex, o que esse tipo de propaganda nova acabou produzindo de alteração na própria criação do produto, ou na forma de vender no comércio?
R - Acabou. Bom, primeiro então, o fato de existir as duplas, o fato de existir essa filosofia de fazer a coisa menos hard cell, mais emocional. Foi a grande fronteira, tá certo. Então, quase tudo, ou quase todos os profissionais, começaram a trabalhar, descobriram esse veio, do veio emocional, do veio que não era a simples informação do produto. Era um argumento que fazia você raciocinar. Então, quando você fala "cheque ao portador" você não está falando desse carro... tem o pneu assim, o motor é a ar refrigerado..., você não está falando das qualidades do carro. Você está lembrando uma situação, está certo? Você está mexendo com o comportamento da pessoa. Que aliás é o que mais funciona hoje.
P - Mas, por exemplo, depois disso quando a Volks foi fabricar o carro. Ela já levava em conta esses outros elementos na própria criação do automóvel em si?
R - Quando ela começou?
P - Não, depois disso, quando a Volks foi criar um automóvel. A criação desses automóveis já partia de outros, vamos dizer...
R - Já partia disso.
P - Já incorporou?
R - Já incorporou. Por exemplo, um carro mais anunciado na época além do fusca era a Kombi, aliás foi o primeiro carro a ser fabricado no Brasil, a Kombi. Mas a Kombi a gente vendia também pelo lado emocional, da seguinte maneira: tinha uma Kombi fotografada aqui, desse lado da Kombi tinha caixotes, cano e desse lado tinha lazer, praia, quer dizer, era um negócio assim, quando você vai comprar um carro tem que lembrar dos usos que você vai fazer do carro, você não só trabalha. Então a gente vendia a Kombi, como muitos anos aconteceu, hoje talvez menos, não como um veículo de carga, não interessava pra gente vender como um veículo de carga, interessava para a gente vender como um veículo misto, porque você ampliava um mercado. Então ele tinha assim, nós fazíamos anúncios de carro, passear na praia com criança e tal, e a Kombi estava escrita do lado Ferreira e Companhia, quer dizer, era um carro, eu até fazia piada na época. Uma vez, um tempo eu fazia coleção de "profissionais" que eu tinha muito respeito e que gostaria de não ser um desses "profissionais", como eu já falei, né, a ascensorista é uma profissão ruim, porque nunca ouve uma história inteira na vida. Outra coisa que a ascensorista sofre é que ela nem pode fazer greve. Das poucas ou única profissão que não pode fazer greve, porque, se fizer greve, você vai lá, aperta o botão e aquilo anda do mesmo jeito. Ela é absolutamente dispensável, os edifícios modernos nem têm ascensorista. É uma profissão sem futuro. E outra coisa, ascensorista todo mundo acha que tem uma bundinha 10 x 10, quadrada, então essas coisas me dão pena. Outra coisa, com todo o respeito que a gente tem que ter, como nós todos temos, é bombeiro. Bombeiro é uma profissão nobre, como nós sabemos e põe nobreza nisso. Mas não é uma profissão que você pode organizar, porque não pode chegar um bombeiro aqui e falar: "Pô, estou aqui a semana inteira parado e você me arruma quatro incêndios numa madrugada." Tem essas nuances que as nossas profissões não tem, você domina um pouco mais. E a pior de todas, né, por isso que eu estou lembrando aqui a Kombi, a pior de todas é a seguinte: se você é padeiro, você pode ver a tua namorada, um jovem padeiro pode ver a sua namorada com a Kombi da padaria, por que não? É uma condução. Não é isso? Ele pode ir ao cinema, estacionar no shopping: "Padaria Souza" e aí vai no cinema. Mas, e se o cara é limpador de fossa, aliás no caminhão está escrito o seguinte: "Limpa fossa", ah, isso aí eu vou te contar, onde é que vai namorar, com o caminhão, e se a moça perguntar como é que foi seu dia hoje? (risos) É, tem umas profissões condenadas. E ele muito menos pode, nem de brincadeira, limpar as unhas na frente da noiva. (risos) Então, ficava inventando essas coisas, mas isso tudo pra lembrar que a Kombi era muitos anos e muitos e muitos anos até hoje se faz esse posicionamento, é um posicionamento racional e emocional. Os outros carros nem tem dúvida, os outros carros que vieram, a Brasília foi vendida assim. Alias que foi um sucesso danado. A Variant foi vendida assim, sempre com um misto de carga. É o utilitário que você pode usar pra passear. Depois nós tivemos o grande boom outra vez. Veio com um carro chamado SP2. Lembra desse carro? Um desenho impecável. Um desenho feito por um rapaz brasileiro. Esse desenho, tanto que é que recebi uma visita do Bill Evans, um amigo nosso, do Festival de Nova York, do Clio. Chegou no Brasil dizendo o seguinte: "Eu quero comprar esse carro, eu pago qualquer coisa, manda." Ele queria estar em Nova York com aquele carro que andou, ele viu no Salão de Automóveis rodando. Tinha um design industrial, design perfeito. E o lançamento desse carro a gente ainda não podia falar. A potência do motor, ele tinha o motor fraco, 1.600. Não era um carro forte, né, sabe, tanto que ele acabou sendo apelidado de o Belo Antônio. Ele tinha design, então o anúncio você tinha que contornar. Então nós fotografamos o carro dizendo assim "A grande chegada". Misturando meio com esporte, metade, então a gente fazia mais do lado não racional, quase... vou um parênteses sobre isso, lição aprendida ao longo da história que a gente tem visto aí. Os livros já mostram isso pra gente, quer dizer. Eu já cometi um erro. Todas as séries de erros que a gente comete, alguns você lembra, tem uns que você esquece, que a natureza humana que faz você bloquear, mas tem alguns que eu não esqueço, alguns, um deles: usar a Tônia Carrero pra fazer anúncio de sabão em pó. Olha, a mosca tá aqui e nós atiramos lá. Porque ninguém reconhece que a Tônia Carrero, maravilhosa atriz que a gente sabe, figura sensacional que quando faz um anúncio de creme a gente fica babando, porque é verdadeiro, ela tem pele de quem merece fazer um anúncio desses. Mas ninguém reconhece ela como uma pessoa que lava roupa. Isso esquece, está na margem de erro lá. Alguns outros erros, quero lembrar mais um, pera aí. Olha, está difícil lembrar. Isso é sacanagem mental que a gente faz. Faz esquecer. Tanto é que esse sabão em pó, o mesmo sabão em pó que não rodava, estava encalhado na prateleira. Ai nós falamos: "Que é que nós vamos fazer, não tem dinheiro pra trocar a embalagem, não tem dinheiro pra repor o estoque", não tem dinheiro para fazer publicidade cara, muito menos campanha. Eu preciso fazer com que esse produto saia da prateleira, pra depois eu colocar um outro. Ai, que eu vou fazer." Aquela idéia que você tem que sacar, uma idéia emocional e não racional. Imagina você fazer um anúncio: "Olha, esse sabão tal, ele limpa, lava mais branco", não adiantava nada "Ele tem a caixa assim", a caixa estava amassada, então eu disse, ou eu saio com um caminho emocional, ou esse sabão vai ficar lá. Então nós saímos por cima assim. Baseado no fato de que vocês e eu já tivemos, várias vezes, você tem um sobrinho maravilhoso, a sua irmã dizia assim, pô esse menino, não, merecia estar na propaganda. Então eu fiz um anúncio assim, o sabão tal vai fazer um anúncio com duas crianças. E se você tem alguém, conhece alguém que quer aparecer num anúncio de sabão, nós precisamos de duas crianças, até três, mande fotografia com pedaço do rótulo do sabão tal. Bum Sumiu, enchemos o negócio, mas o que veio de foto do Brasil inteiro não está escrito. Aí nós com o Juninho Xavier e mais uma pessoa da Folha, fizemos uma comissão julgadora e selecionamos. Fizemos, e depois sobrou dinheiro pra fazer três, quatro anúncios de crianças, que era as crianças, que aí apareceu o Ferrugem, não sei se você lembra. (risos) Ele foi achado numa dessas. Helena Silveira da Folha era uma outra pessoa da comissão julgadora. Então essa coisa do segundo anúncio do sabão, não tem nada de ver com sabão. Você mexe emocionalmente com as pessoas.
P - Alex, é muito diferente fazer anúncio de publicidade para indústria e pra comércio?
R - Não, não existe dificuldade, o que existe é o seguinte: a igreja sabe dessas coisas melhor do que a gente, porque a igreja, você conhece a história, a igreja tem o melhor departamento de pesquisa do mundo, que é o confessionário. Então ela recebe subsídios e ela sabe comportamento. Então você vai falar com um comprador em potencial de varejo, você tem que saber algo por pesquisa ou intuição: como é que fala com essa pessoa. A indústria, se é uma indústria pesada, se é uma indústria de máquinas, aí é uma outra coisa. É claro que quanto mais técnica a informação, você não pode escapar da informação técnica. Mas hoje por exemplo o automóvel, a informação técnica fica, vamos dizer, absolutamente em segundo plano. Ninguém jamais, ninguém jamais compra um carro porque a potência do motor, porque não sei o que. Isso tudo são informações coadjuvantes. A carga emocional, ela é tão importante, aí eu vou pegar o fio do que eu estava colocando. Veja, um shopping center, Roney, um shopping center tem por baixo 70%, se você quiser baratear, vamos deixar 60% de compra desnecessária. Graças a Deus Ela é compra emocional. Esse casaco você não precisava dele, você tem outro. Mas e a cor? O design? Tá certo? Tua blusa amarela, você tem mais cinco. Mas a pigmentação, o desenho, que eu acho que eu cheguei a fazer quantos desses desenhos em tecido. Você tem uma carga emocional nas suas compras. Tênis Duvida se esse tênis vivesse de uma pessoa comprar um tênis e ficasse com aquele tênis sempre, então a fábrica ficaria quebrada. E tem aquele tênis, no meio do uso, e ele já está com olho naquele outro. É uma coisa emocional Daí junto com essa carga emocional, vem a marca. A marca do tênis ela é mais emocional ainda, porque não se compra um tênis porque o pai da gente falou: "Compra a marca tal", ou a mãe da gente, você compra o tênis porque você quer saber que reação vai ter o grupo. A aprovação do grupo é mais forte do que a aprovação do pai, da mãe e do que o preço, tá certo? Isso vale para o tênis, por isso é que a etiqueta está do lado de fora, é pro grupo não ter que adivinhar. Já: "Uau, this is Nike", está certo? A calça, camisa Fiorucci, camisa não sei o que. Essa coisa é uma dança emocional que roda 60 a 70% da economia. Vou contar aonde eu cometi um outro grave erro, baseado numa informação do ministro Camilo Pena, lembra? Ele foi à televisão numa hora difícil do Brasil, mais difícil que hoje, e disse: "Não compre o supérfluo", lembra disso? Cada um de nós, eu fiquei assim, o que é supérfluo. Ah, já sei, supérfluo é o quarto batom de minha mulher. (risos) Vou falar pra ela não comprar batom, eu já vi lá três batons na gavetinha dela, pra que quatro? Então nessas coisas: "Não compre o supérfluo", eu comecei e tentei localizar o meu supérfluo. Aí eu estou indo para a Volkswagen, na Via Anchieta, e vejo passar por mim um caminhão gigante, vrum E esse caminhão tinha calota na roda dianteira. Calota deste tamanho e tinha calota na roda traseira. Aí eu disse assim: "Pô, mas que coisa supérflua, se há uma coisa que esse país não precisa é calota de caminhão." Então aquela pizza de alumínio, aço inoxidável, girando fora de centro, pra que? Capaz até de escapar. Meu Deus do céu E os parafusos? O engenheiro do caminhão fez até uns parafusos bonitos. Pra que esse luxo? Supérfluo Taí, passado uns tempos, eu passo no Canindé e vejo uma fábrica de calota, não pude deixar de entrar, queria ver como é que faz. Supérfluo, tá Queria ver como é que faz, é todo repuxado e tal. E o homem tinha duas Kombis, duas filhas na universidade. Aí eu corrigi o meu grande erro. Eu falei: "Pô, mas que besteira eu estou fazendo. Isto não é supérfluo. Essa calota está oxigenando a economia, está dando emprego e outra coisa. Quem disse que, quem disse que o motorista de caminhão não tem o direito de uma compra emocional? A calota era toda, era ninety-nine per cent, vamos dizer 101% emocional. Ele quer chegar na cidade dele e tcheeee ... e oooh Tá certo tanto quanto se pintava o pneu de branco um tempo. Só servia para sujar na guia, mas achava bonito. Essa coisa da compra emocional, ela é, faz parte da resposta. Ó que volta que eu estou dando. Você vai falar com um cliente de varejo ou um cliente de uma indústria: tá certo eu vou pelo racional. Toda a informação que você recebe à priori é racional. Olha o microfone é esse, ele tem um tal, o videocassete tem quatro cabeças. Tudo isso começa por aí. Agora, se você pensa que vai vender só com essa informação, você estará fazendo meeting everytime. Até pior, você pode encontrar alguém que tem cinco cabeças, né? Você pode encontrar alguém que tem um terço melhor. Então você começa a cercar as outras coisas. O emocional está até em que loja você vai comprar, tem um pouco do caráter emocional. Comprar no shopping é uma coisa e comprar em uma loja atrás de Itapecerica da Serra é outra coisa, ainda que seja o mesmo produto. Tem essas coisas, então você joga com isso, joga ou quer dizer estuda, faz tabulação desses fatos, em duas colunas diferentes, então você vai fazer um mix desse negócio. Aí o próprio lay-out, a própria proposta de televisão. Você vê o Gol, esse filme nosso que está no ar agora, o Gol das garagens que abrem. Está certo. Se falar de carga emocional estamos falando de cem por cento outra vez. Por que não tem uma sequer informação técnica do carro. "Meu coração, bate feliz quando te vê..." tá. Feito pela equipe da Almap, dirigido pelo Marcelo Cerpa e o Alexandre Gama e com a participação criativa do Luciano, que é um, já um outro jovem está na equipe. O Luciano foi que bolou o negócio. Então veja, se você faz assim: "Se tem duas portas ou quatro portas. Se o motor é assim e nada ou se o pneu é assado, se é volante, se tem câmbio. Não tem nada, nada. Se tem ar condicionado ou nada." "Meu coração, bate feliz..." e aquilo passa e as garagens..., e uma frase até, a frase em si é banal, se separada. O carro que a sua garagem está esperando, mas naquele contexto ficou muito criativo e dos quatro filmes feitos para o Gol, o que mais agrada é esse que tem a carga emocional, mais do que os robôs que falam, que dá informação sobre o carro, embora seja uma idéia criativa também. Então na hora que você vai examinar, quer dizer, um bom publicitário, jornalista, um bom magazine uma boa estrutura de televisão, está com Deus se ela tem aquela qualidade que a Igreja teve no passado, ter um confessionário. Se quando você fala com as pessoas, você sabe o que e como elas pensam você tem mais chance.
P - Alex, e o passageiro do bonde ele, como é que funcionava, vamos dizer, esse impulso de compra, não existia isso? Quer dizer, claro, publicitário não tinha descoberto isso na época. Mas como é que funcionava a mecânica da compra naquela época, do passageiro do bonde?
R - O.k. Então vamos lá. Vou dar outro exemplo que é o lado prático. Ah Vamos falar do lado agora, sobre essa coluna racional. Coluna racional é o seguinte: onde é que existe a decisão pelo lado racional. Por exemplo: se você tem, se você tem com certeza um carro, se tem um problema de pneu com o seu carro, você a partir do momento que descobre que ele está liso, ou que ele está com problema, ou que ele está com manchão, ou que você já sente que ele derrapa, a partir do momento que você começa a prestar atenção em pneus, onde, que marcas você vai comprar, ainda é cedo, você ainda não decidiu a marca, talvez a marca ainda não tenha tanta influência, talvez Eu sei que você não vai comprar uma marca desconhecida. Então, tem um momento que você racionalmente decide: "Vou comprar quatro pneus." Você não compra seis, nem 12. Você não tem como perder impulso no pneu. É racional. Você precisa de quatro. Às vezes, você até precisa de cinco, mas você compra quatro e põe o melhor no step, está certo? Isto é racional. Você vai falar assim: "Ah Acho que vou comprar isso lá na Sears que estaciona, ele regula, ele falou que ele calibra as rodas, ele falou que dá uma olhada no alinhamento." Então essas coisas vêm junto. Ou então o emocional está junto, é muito mais charmoso você encostar na loja tal ali, você já vê, tem um café perto, eles dão café não sei o que. Você não vai a Itapecerica da Serra comprar, a não ser o cara de Itapecerica da Serra compra lá. Está certo. Aí funciona tudo que é racional. Aí quer dizer o seguinte, para dar o exemplo bem casado. Então você decidiu comprar pneu. Nesse dia, nessa fase de tempo em que você é o comprador em potencial de pneu, se você está lendo um jornal, ou uma revista, um anúncio deste tamanho te chama a atenção. Porque você estava pré disposto, você está precisando. Mas ele que não está precisando de pneus, se tiver um anúncio de página inteira dupla no jornal sobre pneu ela passa reto. Que pneu Pneu para ele não tem o menor sentido Está com quatro pneus novos. O do step nem foi usado. Então ele não. Então nesse, antigamente, não que não tivesse carga emocional, mas no antigamente a informação era evidente que pega, era um gancho, a informação era um gancho para esse, para o lado racional. Você está em um bonde e você lê: "Veja ilustre passageiro", um remédio que fazia bem para o fígado e aí você pode te pegar aquele desgraçado... "no entanto, acredite que eu quase morri de bronquite". Vai que você está com tosse e aqueles anúncios pegam as pessoas evidentemente porque tem "x" por cento da população que está na beira do comportamento em potencial, então dá óleo de fígado de bacalhau para não sei o que, não sei que lá e é no dia em que você está em uma ressaca, o dia em que você tem, no Brasil se fala que tem dor no fígado, os médicos insistem que o fígado não dói, mas tem gente que sente dor no fígado, não sei. Mas tem o momento que você está com aquela boca de guarda-chuva , não sei o que, e você acaba comprando o que a informação te leva. Tinha gente que comprava Mitigal que era um grande adoçante do bonde. Mitigal era uma pessoa com uma bengala enfiada aqui, está certo? E que dizia assim: "Evita coceira, não sei o que lá ". Alguém tinha coceira ia lá na farmácia e pedia o que? Não ia pedir: "Me dá um descoçador Sousa", não ocorria aí a não ser o Mitigal. Então são essas coisas. No potencial, a informação no potencial precisa estar casada, não é? Existia um que era uma pessoa no bonde, tem esse anúncio que valeria a pena, se você quiser essa coleção para pôr nesse maravilhoso trabalho que vocês estão fazendo esse ano, ainda existe esse material. João Cardaz e o Ivo Araújo e o Rubens Vaz eram os que ilustravam isso. Eles estão aí. O Rubens é uma pessoa de 75 anos e está na ativa. Então era uma pessoa levando um peixe aqui do tamanho dele lembra disso? Do tamanho dele. Isso era óleo de fígado de bacalhau. O que tem aqui, bacalhau é uma coisa, peixe que a gente vê no sul, tem coisas que a gente, por exemplo, as crianças pensam que o frango nasce no saco plástico no supermercado, já naquela posição, (risos) e eu acho ainda que bacalhau ainda é coisa que tinha no mercado cortado em pedaços (risos) ou então meio bacalhau. Não, tem bacalhau vivo, bacalhau peixe e não aquele óleo de fígado de bacalhau, que era um negócio especial para tratamento. Então os anunciantes da época usavam esse veículo áspero. Era duas vezes veículo.(risos) Veículo de trazer e veículo de levar. Usava esse veículo com muita, com muita rentabilidade, porque era o comprador em potencial que estava sentado ali. Tanto quanto a campanha educativa era feita ali: "Evitar acidentes é dever de todos." A Light tinha uma campanha educativa no próprio veículo. Ela não punha isso no jornal. Ela não punha isso em revista, não tinha televisão, ela punha no veículo, porque a massa e o acidente era ali. Porque o acidente para eles era muito mais caro do que 200 cartazes que eles podiam imprimir para pôr no bonde. Tem esse lado racional, o lado racional tem sua função. Eu estou falando é do potencial, da soma das duas coisas, aí é que se dá uma voltagem maior . Racional e o irracional. I m talking to much .
P - Nós estamos indo já para o final e senhor Alex. Só para recuperar uma história, nós ficamos sem o fim da história de como é que o senhor foi até a agência da Alcântara Machado. Como o senhor saiu do Mappin e foi para lá?
R - Ah É verdade. Ah, do free-lancer à contratação. Ah O começo, né? Passou muito por cima. Passou a parte do acordo é isso?
P - Não, o senhor passou da campanha da Volks.
P - O senhor desenhou ...
P - O senhor desenhou a campanha e depois...
P - O que aconteceu?
R - Ah Está bom. Foi feita a campanha e eu fui lá entregar e o anunciante achou ruim, né? É esse o pedaço? Pode começar direto?
P - Pode.
R- Bom, a campanha da Volkswagen que eu tinha que fazer, 30 peças seriam o suficiente, eu fiz mais de cem e na semana seguinte, naquele fim de semana, eu mandei entregar lá pra agência e alguns dias depois eu fiquei sabendo que eu fui aprovado. Portanto, a primeira alegria: fui aprovado. O dinheiro não era importante. Que engraçado, né, o dinheiro não era importante. Quando você faz o que gosta o dinheiro vira coadjuvante, vira segundo plano. Outra vez da cozinha quente do meu pai, lá sempre dizia assim: "Nunca peça aumento." Meu pai ensinava a gente a nunca pedir aumento. Aí, um irmão meu perguntou: "Como assim?" "Não peça aumento." "Você nunca, pessoalmente, nunca diga: Eu não ganho para isso. Você faz mais do que ele espera e não tem empresário burro. Não existe empresário burro. Se você fizer mais do que dá, um dia alguém te descobre, aumenta." Ao pedir aumento, é uma coisa assim, sabe, é preferível você descobrir o campo em que você vai ser mais produtivo e se preparar para isso e vai à luta que o dinheiro acaba chegando, ele é uma coisa que acaba vindo de qualquer maneira." Bom, então a sensação primeira é que foi aprovado Uau Pô, era como, assim, como se tivesse aprovado uma peça teatral de um escritor ou uma crônica que ele mandou para um jornal, era uma sensação pessoal, particular. Até um pouco criminosa. Vai ser vaidoso nos quintos do inferno. Essa parte doentia, essa parte não saudável, fica por conta de cada um. Um é mais, o outro é menos. Eu não podia deixar de ser também. "Fuuuu" e tal, aí eu fiquei sabendo que ia receber o combinado. Mas alguns dias depois eles ligaram dizendo: "Olha, mas tem um problema aqui. Foram dizer lá no cliente que a pessoa que fez a campanha, o diretor de arte que trabalhou na campanha, não é da agência. Trabalha no Mappin e tal." Então, queriam conversar. Então fui lá conversar e tal. "Por que você não vem trabalhar aqui?" Então foi aí que eu falei: "Ih rapaz, mas eu estou tão feliz no Mappin, mas é uma placenta aquilo tudo. Onde eu trabalho é como uma placenta, eu não quero nascer (risos). Eu quero ficar lá, é tão mole, é tão gente, tudo era mundo era tão... e tem uma coisa, com nós éramos 11 gerentes, cada um no seu setor, então ninguém competia com ninguém, havia uma soma. O chato é você estar num mundo aonde tem competição, né? Aí é desagradável. Não tinha isso. Um comprava isso, o outro aquilo, eu fazia publicidade de todos, o vitrinista era um outro cargo, o diretor de financeira. Era uma delícia, bom eu não queria sair mesmo, eu estaria lá até hoje se não fosse circunstâncias. Aí eu falei: não, mas olha, você tem aqui um problema sério, porque, como é que nós vamos dizer que, para dar continuidade... aí a palavra continuidade na campanha Volkswagen foi uma coisa que atraiu. Aí me lembrei de 1958, que eu falei: "Olha, só se for assim e se a gente pudesse fazer uma dupla de criação, fazer dupla, ter a direção de criação no Brasil, que não tem, ninguém faz isso. A gente desenvolve a brain-storm, a gente desenvolve o trabalho de duplas e a gente faz, porque tem uma coisa: hoje o redator é um funcionário subalterno de uma agência, o desenhista não é o diretor de arte, o desenhista, o diretor de arte era o nome que se dava ao art-direction dos americanos, mas a gente chamava de departamento de desenho, estúdio melhor dizendo, estúdio era o nome. O pessoal do estúdio era o pessoal subalterno, vou deixar bem claro, o diretor de criação ele tem autoridade, ele vai ao cliente à hora que ele quer, ele decide coisas, se ele quiser fazer assim, assim, assim, ele faz cinco, seis, sete versões, ele não precisa perguntar pra ninguém, por isso que ele se chama diretor criativo. Ele não é subalterno a ninguém. Aí o José de Alcântara Machado, que era então o dono da agência falou: "Alex, faz do jeito que você quiser. Põe dupla, põe tripla, faz direção de criação." E o Zé, figura impressionante, foi uma dessas, dessas coisas que Deus dá de presente a certas pessoas, né? Que você encontra e acha. E o Zé Alcântara Machado topou e o outro sócio da agência que era o Oton Sherer também topou. Então aí, o salário não era, não tinha a menor importância, não tinha, o salário era um pouco mais do que eu ganhava no Mappin, mas aí eles me ofereceram sociedade, mas sociedade numa agência com nove pessoas. "Vamos começar, vamos ver o que vai acontecer no futuro, vamos lá." E foi um boom Graças a Deus, foi, consegui pegar cientes, vários clientes com esse sistema do toque criativo, mexer com o lado emocional, está certo? Nós anunciávamos ar condicionado da Westinghouse, sabe a gente podia fazer os anúncios de tal maneira que não era fotografia do ar condicionado e informação técnica, não. A gente fazia um camelo de óculos escuros, (risos) desenhava uma cara de camelo com óculos escuros, sabe? É esse equipamento que estava precisando não sei o que. Os guindastes da Caterpillar, nós temos ali um Caterpillar, a gente não fazia simplesmente um guindaste, um guindaste, isto em 1960, o guindaste era um anúncio pequeno assim, a gente fazia a ponta do guindaste, né, no guindaste vem dizendo a informação de quantas toneladas levantava. Mas daí dizia assim: levanta "x" toneladas com essa facilidade e tinha três bexigas de ar (risos) colocado contrastando com aquela força do guindaste, aquelas bexigas de festa de aniversário. Então, você começava a fazer coisas de uma linguagem gráfica na época, mais ousada, mais criativa, e aí começou a pegar no breu, aí começamos a pegar a máquina de lavar Westinghouse, por exemplo. Em vez de dar só informação eu peguei aquela modelo da Hoider eu peguei aquela francesa de... mais alta do que eu, ela tinha dois metros, linda a mulher, e ela está ao lado, então eu fiz todo o fundo cor-de-rosa, a máquina era cor-de-rosa e tal, e eu pus do lado a cadeira de duas crianças gêmeas, localizamos os gêmeos e tal, gêmeos, criança que então é assim: Como você tem o trabalho em dobro, porque tem que lavar a fralda, né, quando você tem o trabalho em dobro é que ela mais aparece do que as outras e tal", e ela é então, vamos dizer, a informação racional entrava pela emocional adentro. Quem tem uma criança sabe o que, o quanto uma máquina de lavar roupa ajuda (risos), mas nasceu gêmeos. Tem então outra coisa: a beleza plástica da foto da modelo, então era Otho que fazia, hoje está em Nova Iorque, a gente fazia as coisas mais... é como hoje, se eu tenho que ter a, assim como tem eloqüência escrita, eloqüência gráfica é tão ou mais... porque as pessoas lêem mais depressa a linguagem gráfica até do que a escrita. Se você puder funcionar não como foto-legenda, mas com uma coisa enriquecendo a outra tanto melhor. O.k. Então eu aceitei a proposta, com dor no coração, eu deixei meus amigos adoráveis que eu até hoje eu visito o Mappin. Muito respeito mútuo existe entre o Rocca e a diretoria do Mappin. O Rocca hoje, que quando soube a história do manequim disse: "Alex, acho que vou botar um manequim no porta-mala do meu carro. Mas como brincadeira, ele é muito bem casado e é como no meu caso, não teria necessidade disso, a não ser de brincadeira. Bom, ao deixar o Mappin e começar a trabalhar na Alcântara Machado, o cliente mais imediato foi Volkswagen, Kombi, tem até uma foto eu mocinho, de cabelo preto, com o meu assistente. Só tinha eu e um assistente chamado Ciro Constantini e vocês vão ver ele na foto que tem na parede e tudo o que a gente espetava na parede para ter uma visão de conjunto da campanha e era feita com o pastel ou com o lápis, não tinha computador fazia na munheca o desenho. Desenhava a Kombi, como vocês podem ver na foto, a Kombi desenhada e o Karmann Ghia, depois que começamos a fazer Karmann Ghia, logo em seguida, já dá para ver alguns anúncios espetados na parede e o departamento de criação era eu que era o diretor de criação, e ele não era o diretor de criação, ele era o assistente. E não tinha o redator ainda, eu fazia os títulos, depois que nós tínhamos dinheiro para contratar um redator, que foi o Plínio Telles, que já estava na agência, mas ele estava lá no departamento de rádio e TV, que ele cuidava da, não tinha departamento, era uma pessoa, eu falei: "Plínio, você escreve português bem? Então vamos conversar, porque uma coisa é escrever português a outra coisa é como insinuar criativamente as frases, né?" E o Plínio pegou, Plínio isso, que depois de um tempo, ele nem era redator, ele era, sabia escrever que nem qualquer pessoa que freqüenta a escola e sabia português. Mas o Plínio fez campanhas memoráveis. Então a campanha chamada "Põe na Cônsul", que nós fizemos, olha, ela só não está no ar... essa campanha há 20 anos, há 18 anos, que não está no ar essa campanha e até hoje ela é lembrada. Porque um cliente me ligou uns dias atrás: "Alex, fizemos uma pesquisa e a campanha "Põe na Cônsul" é mais lembrada do que todas que nós fizemos nesse intervalo, então eu queria a permissão da agência, você autoriza a gente a usar esse termo?" Eu falei: "É claro, é uma maravilha. Pode usar." Porque o cliente está em uma outra agência, na Fischer. Aí a Fischer publicou um anúncio que a gente pode até reproduzir agradecendo ao Marco pela gentileza de ceder, é claro, ética é ética, foi feito para ele. Quando é que eu vou usar o termo "Põe na Cônsul", para quem? Jamais, para ninguém. Então, seria desaforo não aproveitar uma oportunidade dessa, até para ser elegante, né? Foi o que aconteceu. Então, aí depois do Plínio nós começamos a ter, foi aí que começou a chegar essas pessoas Helga, Armando Mihairovich, o Hans Donner, Joaquim Gustavo. Nossa, olha que eu tenho uma lista no computador lá de profissionais maravilhosos, que se deram muito bem com esse sistema. Hoje, todas as agências fazem esse sistema de dupla e até de mesão, de quarteto fazendo brainstorm.
P - Alex, nós precisamos concluir, infelizmente... (risos)
R - Ficou bom?
P - Não, ainda temos só alguns minutos para eu fazer uma última pergunta. (risos)
P- É, gostaria de saber, assim, se você tem algum sonho que você gostaria de realizar ainda?
R - Opa É verdade, né? Segundo Einstein, vale mais a imaginação do que o conhecimento. A gente sempre imagina, nada começa se você não sonha antes, isso se você não imagina. Bom, o sonho é, nas horas vagas eu me sinto assim, atraído para fazer isso. O sonho é usar essa ferramenta chamada comunicação, mas para melhorar a qualidade de vida de uma comunidade. Pode citar alguns exemplos? Tem alguns segredos já no bauzinho lá. Que essa ferramenta vende máquina de lavar, automóvel, isso ninguém mais tem dúvida, mas ela não chegou, a não ser em um outro caso, ela não chegou a ser uma ferramenta de utilidade na mesma proporção para uma comunidade melhorar. Está certo. Tem uma cidade pequena nos Estados Unidos, chamada Mini Small Town, que festejou o centenário. Festejou o centenário, uma fábrica de tintas fez uma promoção: "Quem quiser pintar a sua casa para festa do centenário compra cinco latas eu dou mais cinco latas de tinta." Aí vendeu tinta e todo mundo começou a pintar. A igreja, sabe aquelas igrejas de Mórmon, estreita, pontuda, assim, linda a igreja é, não precisava pintar, porque estava boa. Mas tantas pessoas, tantas pintaram, que por contraste aquela igreja acabou ficando um pouquinho mais alaranjada assim, não é? Então o padre chega, esse é um fato contado no curso de Búffalo, no curso de criatividade de Búffalo. Aí o padre chega e diz: "Olha, no fim de semana nós vamos pintar a igreja, tem tinta aí tudo porque ficou um pouquinho manchadinha perto da beleza que vocês fizeram na cidade." E não apareceu ninguém para ajudar. Daí ele foi consultar lá um tinner da GE, General Eletric, porque: "Whats wrong?" Aí: "Olha, é porque você fez um pedido muito indigesto. Você falou: vem pintar a igreja, fica assim o sacristão, o padre e eu, né?" A que horas vamos terminar isso. Aí ele mudou o pedido na semana seguinte: "Quem quiser ajudar a pintar a igreja, pinta um metro quadrado, e vai embora." Aí apareceram mais pessoas do que um metro quadrado. Então essa coisa de usar comunicação pra que uma comunidade tenha uma reação positiva. Aqui entra até na fase educacional, sem que ela seja pesada para educar um povo, aí ela fica pesada. Quer dizer, você aproveitar a alavancagem do comportamento de um povo, fazer com que aquilo reaja. Por exemplo, outra cidade americana, esses exemplos que eu me apaixono, precisava de um caminhão de bombeiro novo. O caminhão de bombeiro estava lá mas era muito velho então é simples, escreve para a prefeitura e exige da prefeitura pra trocar. A cidade disse: "Não, nós temos orgulho. Por que chatear a prefeitura que talvez tenha outras prioridades? Cada um de nós vai fazer uma cota, nos cotizarmos e nós vamos falar com a fábrica e arrumar um caminhão a preço de custo novo; e aí nós vamos pegar todo mundo que está aposentado aqui, vamos trabalhar uma hora por dia, o metro quadrado outra vez, para polir o caminhão, para consertar o outro e tal e nós vamos ficar com dois caminhões." Então é essa coisa, é essa força que faz andar uma comunidade, ter um comportamento e se orgulhar disso e não ficar pendurada no governo. Então uma das idéias que está praticamente no meio do caminho é, ela vai estar pronta daqui a dias, se Deus quiser já vai estar pronta, já tem os rótulos prontos, já tem as garrafas, aí eu estou pegando, a idéia é pegar 20 meninos de rua e eu estou fazendo um laboratório. Vinte meninos de rua e estou montando uma fábrica de água sanitária. É um sonho meu, eu gostaria de ver isso pronto. Está indo. Então esses meninos de rua vão fazer a água sanitária, nós fazemos. Pega a fórmula da USP, que eu já tenho, o farmacêutico da USP vai policiar a mistura e esses meninos serão proprietários dessa fábrica de água sanitária, que eles vão engarrafando, numa garrafa ideal, o nome está registrado, o rótulo está pronto feito por grande direção de arte, bonitinho, e aí eu falei com Ana Diniz do Supermercado Pão de Açúcar que se ela não topar, ela disse: "Topo." E ela fez a produção dessa fábrica, com exclusividade. Nós não vamos nem dar conta, porque 20 meninos é pouco para abastecer todas as lojas, vamos começar com uma das lojas, ou duas não sei. E ela manda buscar, não tem problema de distribuição, então o complexo de marketing está montado da seguinte maneira: a Hebe me prometeu anunciar essa água sanitária de graça, não só isso como ela quer entrevistar os garotos que eu disse:" Esses garotos eu só levo no dia em que eles estiverem recebendo dinheiro deles nas ações." O Banco BMC vai administrar de graça a fábrica. Então a primeira fornalha de dinheiro que eles ganharem eles vão comprar uma roupa, com gravatinha borboleta, aí eu levo eles no programa da Hebe e dizemos assim: "Essa roupa nós já compramos com o dinheiro da fábrica e nós somos acionistas dentro de um código de ética, o primeiro que der uma canivetada no outro está expulso da fábrica, você volta para a Febem." Eu não tenho nada com isso. O código de ética é o comportamento de vocês, faz vocês terem uma fábrica, cuja a produção está vendida, não tem problema de distribuição que eu já disse, não tem problema de publicidade, não tem problema de embalagem, porque eu ganho as primeiras embalagens e a segunda remessa eu já pago com o dinheiro que vem do Pão de Açúcar. Então é essa coisa que nasce da, vamos assim dizer, da facilidade de utilizar as ferramentas do marketing, não é isso? E que pode fazer ambas. Se isso der certo, tudo indica que vai dar certo, a segunda unidade são as meninas de rua que vão fazer uma fábrica de prendedor de roupa. Com produção vendida, entrega e tal, tal, tal, tal. E lá para frente, conversando com Julinho Neves, um arquiteto meu amigo, nós tínhamos um, eu tenho um projeto que ele está quase abraçando, que é com todas as madeiras que chegam em carro importado na Volkswagen, na Ford, então é uma madeira pinho canadense. Você já viu aquela madeira? Bonita, né? Nós queríamos fazer num terreno, nós vamos fazer um alojamento bonito, como se faz as casas de São Francisco, São Francisco é feita toda de madeira quase, com desenho bonito, né, faz em "éle" a moradia no canto aqui tem a área de lazer, para eles terem lazer. Eles vão morar em beliches, né, e no meio disso tem uma fábrica de propriedade deles, está certo, com Kombi doada pela fábrica e eles vão ter uma comunidade lá, toda deles, tá certo?, gerenciada por um líder e a assistência social da prefeitura tem sido elegante comigo, o Curiati, que é o secretário social, tem facilitado minha vida, tal, falou: "Alex, eu estou, vamos junto, vamos junto eu vou te dar, vai melhorar o convênio." Então nas horas vagas que eu fazia muito, fiz durante vinte e tantos anos a equipe da Feira da Bondade, era uma coisa deliciosa para fazer, porque o que eu aprendi a fazer na Feira da Bondade não tem em livros. Posso dar um exemplo rápido?
P - Pode, só que eu vou mudar de fita.
R - Não, então não. (risos)
P - Não, Não vamos ...
R - Dá para ir?
P - Claro, só um instantinho. (risos).
R - Está indo muito longo demais.
P - Não, não, não, estamos bem. (risos).
R - Eu não sei aonde é que estava
P - O senhor ia contar um exemplo da Feira da Bondade.
R - O exemplo da Feira da Bondade era o seguinte: a gente, a gente fazendo esse tipo de coisa aprende muito. Por exemplo, os primeiros anos da Feira da Bondade, idealizado por uma equipe que tem a Jô como figura, a Jô Clemente como figura madrinha de tudo isso e por que a Jô, porque a Jô e o Clemente é um casal que começou essa célula, eles têm um filho excepcional, o Zeca, então essa campanha, por isso que a Apae chama Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Eu, eles fazem com a dedicação que vocês imaginam o qual, full time, e a gente que não tem, tem que agradecer a Deus e ajudar no que pode. Então eu entrei, fui convidado para a primeira feira, ver como é que fazia as coisas e na parte de publicidade tinha que cuidar da coisa, e ver o marketing como é que era e tal. Na parte, e com a mercadoria do lado, né? Eu mesmo pedia a mercadoria para... todos nós pedíamos mercadoria. Pedia para a Gillette, pedia para Volkswagen, que me deu um carro, a Gillette me deu muito produto, a Danone dava e tal. E a primeira, o primeiro ano de publicidade era o seguinte: "Ajuda a Apae, as crianças da Apae, que Deus está vendo", né? Então tinha a cena no céu, e tinha criança símbolo e tal. Aí eu comecei a ver, no segundo foi feito assim, aí no terceiro ano é que veio a grande, a grande lição ou o seu grande problema. Todo problema, todo ato criativo encontra, é adubado por um problema, né? Eu não conheço uma pessoa que fala assim: "Alex, eu tenho a solução, me arruma um problema." Não tem, é sempre vice-versa. Então ter um problema é um grande adubo pra você sacar uma boa árvore criativa. Então todo problema ele é apaixonante desde que você use aquilo com... O grande problema, todo problema é apaixonante desde que você use aquilo como fertilizante da criatividade. Um problema sério era: eu não tenho mais cara pra ir na Gillette ou na Volkswagen pedir coisa pra Feira. Cê dá um ano, dá dois, mas no terceiro, no quarto e daqui à dez anos, vou começar a dar o que? Esse era um problema, outro problema é o seguinte: você fica pedindo esmola pela televisão. E diz assim: vai lá, ajuda as crianças, crianças simples, começa a mostrar problema, não é por aí. Mas como a gente já conversou, tudo está no comportamento das pessoas, e não nas suas idéias. Vamos examinar o comportamento, assim como não existe nenhum ser humano, eu não conheço nenhum ser humano que levanta mais cedo: "Hoje eu vou ajudar as crianças da Apae", não tem esse ser humano, mas eu conheço, pra cada um que não existe desse, eu conheço cem que faz: "Se eu pudesse comprar uma calça Fiorucci pela metade do preço eu vou lá correndo." Aí eu inverti a publicidade, não se fala mais em criança, e fala: Feira da Bondade, calça Fiorucci pela metade do preço. Aí a Hebe Camargo, o Chico, todos meus amigos começaram a ajudar, a anunciar, a Marília Gabriela anunciou a vitrola de Manaus. Como é que chama? A equipe de uma novela da Globo, cada uma que se faz, se vê quem que está in na novela, você pega a equipe toda, eles ajudam. Bruna Lombardi tem feito, uma amiga maravilhosa, Bruna Lombardi, faz a qualquer momento que telefona, tudo de graça. Mas eles não vão falar lá nada sobre as crianças, nem nada mais do que assim: "Olha, é lingerie importada, ou é óculos da França, ou é guarda-chuva italiano e na praça custa dez e na feira nós vamos vender por quatro". Pum, e sai de baixo. Então aí foi solucionado esse problema, é: não se pede esmola mais. Pra não pedir esmola mais, como que faz lá na retaguarda, no marketing e no merchandising, é o seguinte: nós não pedimos mais nada, a gente compra. Então a gente faz pesquisa antes, por que quando você ganha, se ganha brinquedo da Estrela que já não está up to date, está certo? Está fora de moda. Ou você ganha lâmina Gillette com toda a bondade da fábrica, ela te dá uma lâmina que é aquelas lâminas de dois cortes e tal. Não vai me dar Atra ou não vai me dar outra coisa mais atual. Ou se dá, dá um pouco, é natural isso. Mas até então nós fabricamos um dinheiro e esse dinheiro a gente faz pesquisa, pesquisa de graça, mas pesquisa: "O que você gostaria de comprar mais barato na feira? Tênis importado." Mas não tem dúvida, chama a Varig: "Me ajuda a trazer 27 mil pares de tênis de Manaus" Então a gente paga pra Varig um custo mínimo, né? Que ajuda no lucro, compra uns tênis bem baratos lá. Chega aqui põe um lucro. Então, em vez de ganhar, vamos dizer assim, mil pares de sapatos, mil pares de tênis, eu compro 27. Baixa o lucro mas tem uma rotação violenta, eles quebram a barraca pra comprar o tênis Porque é mais barato mesmo. E assim sucessivamente, tudo é pesquisado, tudo é comprado, tudo é feito com um lucro mais baixo e você anuncia a mercadoria, não o problema. Alias como faz o papa, o papa quando vai à televisão ele não fala: "Me roubaram o Vaticano" (risos) ele não fala: "Estou com problema, jovem não quer ser padre. Aonde eu vou arrumar jovem para fazer teologia ou cursar teologia, tantos anos depois virar uma missão sagrada." Não tem, ele não conta isso, ele conta sobre nós. Fé, futuro, perspectiva, não é isso? Pobreza, os pobres terão chance, os humildes vencerão, aquelas coisa. Então essa virada, aí quando se percebe que a lição foi aprendida, você começa a ver o resultado disso, faturar três, quatro milhões de dólares em cinco dias, sem pedir nada pra ninguém, você começa a ver que é por aí, e essa satisfação profissional, a lição aprendida é um pagamento que nossa Vale quantas noites forem necessárias ficar lá. Esse é o lado gostoso do hobby, tá certo, profissional.
P - Só uma última pergunta que nós fazemos sempre, senhor Alex, o que o senhor achou de ter dado o seu depoimento e ter contado sua experiência de vida para o Museu da Pessoa?
R - O que eu achei? Eu achei do meu lado um pouco, não tenso não, vocês me deixaram à vontade. Eu pensei que ia sentar numa cadeira de dentista, e logo no primeiro momento eu senti que não ia haver extração, nem injeção, nada, eu achei gostoso a maneira de como vocês conduzem e tal. É muito suave, muito profissional, muito humano, muito jeito. Do meu lado eu fico com a sensação de ter falado demais. É uma coisa, eu, quando eu estou com a minha mulher ao lado, é mais fácil que ela belisca.(risos) Ela pisa no meu pé. Hoje ela não está aqui. Então eu fico com essa sensação de ter falado demais, mas eu tenho esperança de que vocês vão editar, cortar e outra coisa, não sei se acontece com vocês, eu não vou ter capacidade de assistir. Fico muito nervoso. Agora vamos falar do lado prático e útil da coisa. Eu quero cumprimentar vocês porque é um achado, não porque eu estou aqui. Eu, quando vejo coisas desse tipo no exterior, eu acho de uma sensibilidade incrível e de captar esses momentos, de não deixar o passado morrer. Não porque o passado é, nem sempre é bom, às vezes nem sempre o passado são good all days, às vezes o passado é uma porcaria mesmo, não serve pra nada. Mas repetindo a frase, quando o passado é usado como adubo de aprendizagem, como fertilizante pra se fazer coisa melhor, eu acho válido. E essa é uma atitude de vocês que eu esperava até que alguém de muita idade fosse fazer essa coisa como reclamação: "Oh nós aqui, vamos sumir" Não, vocês estão jovens, percebem esse vazio, preenchem esse vácuo com uma qualidade profissional. E sobre isso esquece a minha pessoa que está aqui, eu acho que tem outros que deveriam estar. Eu ouvi alguns que vocês estão entrevistando, esses sim eu vou querer assistir babando. (risos) Mas essa coisa de gravar o momento e depois esse ferramental que aparece. É tão bom, outro dia assisti, mal comparando, quando a gente assiste filme dos grandes homens do passado, o Graham Bell, com as dificuldades que eles tinham, tá certo?, a própria indústria cinematográfica, quando a gente sente como é que era na manivela. A gente vê que o valor dessas pessoas tem como alicerce para uma grande idéia, algo muito significativo. Não é o meu caso, eu quero dizer que não é meu caso, que as minhas histórias são pra lá de manjada, eu sou meio clichê profissional da fase, dessa fase de tempo, eu, por exemplo, meu líder não, meu líder, William, meu guru, esse não, esse inovava mesmo, esse era um cara. Eu tenho fotografia dele na parede por razões lógicas. Você sempre tem uma cenoura na frente. O nosso líder, o meu líder, sempre o nosso herói, é sempre aquele que faz, aquilo que a gente queria fazer e não é capaz, tá certo? Eu me sinto nessa fase em relação a ninguém, mas eu tenho meus ídolos. Eu tenho na parede Tom Jobim, não só pela capacidade de escrever música, o ser humano que ele é. Você conversa com Tom Jobim, você fala quando Deus criou o homem, acho que eu tinha essa coisa em mente. Eu não tinha essa sina na cabeça entendeu. Deus, acho que queria criar um bando de Tom Jobim, né, um bando de Regina Duarte, uma porção dessas pessoas aí. E, claro, temperado com as madres Teresa de Calcutá, acho que ele tinha isso em mente. Nem tudo deu certo, mas ele também tinha sujeito a erros. Mas obrigado, se terminou agradeço vocês, parabéns, pela iniciativa. Louvável iniciativa, estou louco pra ver os segmentos todos que vocês vão pegar.
P - Nós vamos convidar depois...
P - Nós que agradecemos.
R - Eu quero dizer a vocês, vocês não vão precisar se benzer, porque a inveja que eu sinto de vocês é muito positiva. (risos)
P - Pegou ... muito obrigado.
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