Depoimento de Nelson Ferreira Dias Rodrigues
Entrevistado por Valéria Barbosa e Ana Paula Soares
Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 05 de novembro de 1994
Transcrita por Lúcia Marina G. A. Oliveira
P - Bom senhor Nélson, eu queria que o senhor nos dissesse o nome completo do senhor, o local e a data do seu nascimento.
R - Nélson Ferreira Dias Rodrigues, São Paulo, 4 de novembro de 1921.
P - Eu queria que o senhor falasse o nome dos pais do senhor e aonde eles nasceram?
R - Gaspar Ferreira Dias, ele nasceu em Lordelo, Portugal, Laura Augusta Dias, nasceu em Lisboa, Portugal.
P - Qual que era a atividade do pai do senhor?
R - Comerciante de padaria.
P - Em Portugal?
R - Não, aqui no Brasil.
P - Quando eles vieram pro Brasil?
R - Mil novecentos e... meu pai veio antes, minha mãe... o meu pai voltou a Portugal pra casar e vieram em 1921, acredito, que eu nasci aqui (riso) então, devo ser um produto português, né?
P - Certo, e quando ele veio pro Brasil ele, a atividade dele continuou sendo padaria ou não?
R - Sim, ele veio para trabalhar em padaria não como proprietário, mas como distribuidor de pão como era na época, com carrocinha na rua. Posteriormente ele passou a ser, a ter um armazém de secos e molhados e voltou à padaria posteriormente. Meu pai fez várias viagens a Portugal, durante o período que ele foi vivo.
P - E eu queria que o senhor falasse um pouco da infância do senhor, onde é que o senhor morava?
R - Eu... nasci em Vila Mariana, depois de 1923 fomos para a Liberdade, em 1924 fomos para Portugal, onde que eu vivi até 1927. Voltando de Portugal em 1927 fui morar em Vila Mariana, posteriormente morei no Ipiranga e desde 1936 voltei a morar na Liberdade.
P - Eu queria que o senhor contasse um pouco mais, quer dizer, foi uma infância onde o senhor mudou muito, né?
R - Eu comecei a estudar no Colégio Coração de Jesus das freiras em Vila Mariana. Quando eu fui para o Cambuci, meu pai se estabeleceu no...
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Entrevistado por Valéria Barbosa e Ana Paula Soares
Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 05 de novembro de 1994
Transcrita por Lúcia Marina G. A. Oliveira
P - Bom senhor Nélson, eu queria que o senhor nos dissesse o nome completo do senhor, o local e a data do seu nascimento.
R - Nélson Ferreira Dias Rodrigues, São Paulo, 4 de novembro de 1921.
P - Eu queria que o senhor falasse o nome dos pais do senhor e aonde eles nasceram?
R - Gaspar Ferreira Dias, ele nasceu em Lordelo, Portugal, Laura Augusta Dias, nasceu em Lisboa, Portugal.
P - Qual que era a atividade do pai do senhor?
R - Comerciante de padaria.
P - Em Portugal?
R - Não, aqui no Brasil.
P - Quando eles vieram pro Brasil?
R - Mil novecentos e... meu pai veio antes, minha mãe... o meu pai voltou a Portugal pra casar e vieram em 1921, acredito, que eu nasci aqui (riso) então, devo ser um produto português, né?
P - Certo, e quando ele veio pro Brasil ele, a atividade dele continuou sendo padaria ou não?
R - Sim, ele veio para trabalhar em padaria não como proprietário, mas como distribuidor de pão como era na época, com carrocinha na rua. Posteriormente ele passou a ser, a ter um armazém de secos e molhados e voltou à padaria posteriormente. Meu pai fez várias viagens a Portugal, durante o período que ele foi vivo.
P - E eu queria que o senhor falasse um pouco da infância do senhor, onde é que o senhor morava?
R - Eu... nasci em Vila Mariana, depois de 1923 fomos para a Liberdade, em 1924 fomos para Portugal, onde que eu vivi até 1927. Voltando de Portugal em 1927 fui morar em Vila Mariana, posteriormente morei no Ipiranga e desde 1936 voltei a morar na Liberdade.
P - Eu queria que o senhor contasse um pouco mais, quer dizer, foi uma infância onde o senhor mudou muito, né?
R - Eu comecei a estudar no Colégio Coração de Jesus das freiras em Vila Mariana. Quando eu fui para o Cambuci, meu pai se estabeleceu no Cambuci com um bar, eu passei a estudar no Colégio dos Irmãos Maristas. Lá eu jogava, minha atividade, jogava futebol, era um campeão de linhas, que era o castigo que se dava na época, que a gente tinha de escrever linhas a... A situação de 1932... foi terrível para os negócios aqui em São Paulo. Passamos a... meu pai deixou de, de ser patrão, foi ser empregado pra podermos sobreviver e minha mãe em mil novecentos e... quarenta, quarenta e poucos começou a trabalhar com bordados da Ilha da Madeira. Era a atividade que, auxiliado o meu serviço, o serviço do meu pai, dava o sustento pra nós. É... eu fui escoteiro em 1932, jogava... futebol era o esporte da época.
P - Aonde que o senhor jogava futebol?
R - Eu joguei no colégio, eu fui campeão no colégio, no torneio dos internos, e joguei no Independência do Cambuci, um clube, na categoria juvenil, joguei no Ipiranga Atlético Clube e fazia alguns jogos pra Liga Bancária. Eu... de vez em quando eu era convidado para participar de jogos na... de futebol, em torneios que haviam, torneios bancários, joguei na Acea - Associação Comercial de Esportes, joguei pela Etam era uma indústria de jérsei, de roupa feminina, quando eu trabalhava na fábrica de cachimbos; e joguei pela fábrica de cachimbos que era o Argol Atlético Clube. Então a minha atividade esportiva foi essa, posteriormente, depois de deixar o futebol ingressei no Esporte Clube Pinheiros, onde pratiquei natação, não competitiva, mas ensinei os meus filhos a nadar e posteriormente fui para o Departamento de Dente de Leite de futebol e... onde que eu estive como subdiretor durante quatro ou cinco anos. Depois passei para o Departamento de Vôlei, Voleibol, veterano, onde que eu fui mesário durante vários anos e fui também coadjuvante da diretoria. A minha atividade esportiva é essa. Gostava muito de cinema, estudei em alguns colégios pra depois entrar no... na Escola Técnica do Comércio e fazer o curso de contabilidade, fui presidente do Centro Acadêmico durante três anos, três últimos anos de meus estudos lá, fui como presidente do Centro Acadêmico, também como atividade esportiva eu fiz o Tiro de Guerra, sou reservista de 2ª Categoria, já depois de formado eu fiz o curso da (Adesg?), Escola Superior de Guerra em 1976 e... das atividades assim... fui fundador da Fábrica de Cachimbo, da Fábrica de Imagens em 1956, onde que eu desenvolvi a indústria de gesso com bastante sucesso, felizmente e, hoje, a minha atividade é mais comercial do que esportiva.
P - Bom, eu queria, antes de falar da loja de velas e tal eu queria voltar um pouco antes.
R - Pois não.
P - Bom, o senhor contou que, ainda na infância, o senhor mudou pra Portugal.
R - Sim.
P - Morou alguns anos e depois voltou. O senhor tem lembranças dessa época, da viagem, das diferenças de morar aqui em São Paulo e morar em Portugal?
R - Não, eu era muito menino, eu fui com três anos, voltei com sete, então não tenho essa lembrança, né? Tenho ido várias vezes a Portugal e... mas da infância não tenho, lembro da casa do meu avô, que era um comerciante em Lisboa, então mas como era a vida eu não lembro.
P - Como era a casa do avô?
R - A casa do meu avô era um armazém de móveis, de venda de móveis, e ele tinha a residência junto, né, então pouca coisa a gente pode lembrar daquilo, não tenho... pensando... olha...
P - Da viagem de volta?
R - A viagem de volta lembro que depois que passamos do Rio de Janeiro para Santos houve um grande temporal, então o navio balançava muito, né, então era o pavor. Mas de infância, aos sete anos eu fiquei, depois que eu voltei, eu fiquei doente da vista, durante dois anos eu fiz um tratamento na vista e... então não tenho grandes saudades da infância não, porque foi sempre duro quando a gente melhor precisava, melhor podia, veio a época da crise, da Revolução de 32 posteriormente, então foi uma vida de luta.
P - Da Revolução de 32 o senhor...
R - Na Revolução de 32 eu era, eu estudava no, no Colégio das Irmãs Maristas, no Cambuci, e era escoteiro da Tribo de Escoteiros Tiradentes, também no Cambuci, uma das grandes lembranças que eu tenho dessa época da revolução foi que o governador de São Paulo, Pedro de Toledo, foi visitar o campo de treinamento dos soldados e eu fazia parte do grupo de escoteiros que estavam ao lado do governador, e no discurso do governador eu estava na frente dele, e ele me agarrou pelo queixo, né, (risos) então isso é uma das grandes lembranças que tenho dessa Revolução de 32. O treinamento dos soldados, a ida de alguns amigos e filhos de amigos do meu pai, e... da Revolução de 32 é isso que a gente lembra, e lembro do fato histórico, do fato histórico da Revolução em si, né, a saída das tropas de São Paulo, as mulheres, as famílias todas colaborando para a confecção de gases, de medicamentos, não é?, da confecção de fardas para os soldados. Então a gente como escoteiro ia buscar na casa das costureiras os uniformes pra levar pros pontos de reuniões dos soldados, né, na convocação. Que em mil novecentos e... trinta e cinco, 1934, já comecei a trabalhar no comércio em São Paulo.
P - Foi o primeiro emprego do senhor?
R - Foi o primeiro emprego. Então, como auxiliar de escritório e eu tinha de ir ao correio diariamente buscar correspondência e de quintas-feiras e de sábados eu ficava até o fechamento da mala postal, das companhias Air France e da Lufthansa, que era pra Alemanha ou para a França. Então eu era muito loiro, falava francês corretamente porque aprendi no escritório e, de vez em quando, alguém falava comigo em alemão porque... pensando que eu fosse descendente de alemão devido aos meus cabelos bem loiros, né, e eu respondia em francês, como que provocando aqueles que tinham falado comigo em alemão, né?
P - Como é que se chamava esse escritório?
R - Lucien Ophein, era um escritório de representações na Rua São Bento, onde que tinham várias representações de artigos fabricados, na Itália vinha o relógio veglia, que era o relógio mais famoso da época, tinha despertadores, e... tinha também pêlo de coelho para a fabricação de chapéus. Então eu tinha de ir às fábricas de chapéus pra levar os pedidos pra eles assinarem. A minha patroa me comprou um chapéu pra eu poder ir porque não entrava nas fábricas se não fosse a... se não tivesse chapéu, né, era o uniforme obrigatório. Tinha perfumes, essências que vinham da Bélgica, vidros da Bélgica, queijos que vinham da Alemanha, champanhe da França, então era um escritório de artigos bem diversificados. Casimiras que vinham da Inglaterra, eu tinha de pegar aquelas... os mostruários, levar às lojas importadoras para serem escolhidos os tecidos, fazerem os pedidos, era a minha atividade nessa, de...
P - No caso... ah, desculpa.
R - E de lá eu passei a trabalhar na fábrica de cachimbos em 1938. Fui como auxiliar de escritório e auxiliar de contador, onde que eu gostei da profissão de contador, fui a... me interessei bastante pelos cachimbos, cachimbo que parece tão simples é uma atividade muito interessante porque nós recebíamos a madeira em tora e tornávamos aquilo num objeto de arte que é o cachimbo. Um cachimbo tem 34 operações manuais feitas em máquinas, mas cada pedacinho daquilo é... vai transformando, a indústria de transformação então me apaixonou, né? Mas na fábrica de cachimbos em 1941, houve uma exposição em Nova York onde que... por convite do governo brasileiro nós tivemos um stand de exposição e redundou em algumas exportações. Nós, durante a guerra, nós fornecemos o exército inglês com cachimbos, com madeira nacional, que é bem diferente da madeira usada, tradicionalmente usada nos cachimbos europeus. Os cachimbos europeus são na maior parte fabricados, a cabeça do cachimbo é fabricado na Itália com a... raiz de roseira o que eles chamam de broié, é uma atividade que a gente se interessa e ganha. Foi por isso que, também, que eu fui pra fábrica de cachimbo, montei a fábrica de cachimbos é... montei a fábrica de artigos de gesso, das imagens de gesso que são bastante, é uma atividade também que apaixona, porque você vê sair dum pó um objeto de arte, uma imagem...
P - No caso dos cachimbos, qual que é a madeira nacional utilizada?
R - O ipê, a gaviuna, a embuia, são madeiras que... menos porosas, então é... para o acabamento, e mesmo para o fumante, esses a... essas madeiras têm pouco... não têm poro, não é porosa e ela tem uma resistência grande ao calor, porque o calor do cachimbo é muito grande, muito alto, né, então a madeira que tem de conservar e tem de ficar o cachimbo sempre num acabamento bem envernizado, bem acabadinho, né?
P - No caso da função do senhor nessa fábrica, o senhor trabalhava direto na produção?
R - Bom, eu comecei como auxiliar de escritório, como auxiliar de contador e passei posteriormente pela produção e a gerente da fábrica. Então toda a produção passava pela minha mão, os pedidos que vinham do Brasil inteiro e exportação vinham ter comigo. Nós tínhamos lá um diretor, o senhor Cornélio, que era o técnico, era a pessoa que mais entendia, mas que ele tinha de estar sempre olhando as ferramentas com o pessoal. Tínhamos bastante funcionários, não lembro o número, talvez uns, uns 30 funcionários nessa atividade, né, então a minha função era cálculo de preço, produção e vendas.
P - O senhor falou das vendas, sobre as vendas, né, que chegou a exportar pra Inglaterra.
R - Pra Inglaterra nós fornecemos ao exército inglês durante a guerra. Nós recebemos pedido por intermédio de um departamento do governo, não me lembro agora se era, se foi pela Federação das Indústrias também, eu acredito que tenha sido por intermédio deles, então nós tínhamos... nós trabalhávamos até fora de horário pra poder atender esse... acho que foram duas remessas que nós fizemos para a Inglaterra. Então, nós, na época, à noite tinha os treinamentos de blecaute e só parávamos as atividades naquele momento que as sirenes tocavam, tínhamos que fechar as luzes, então parava aquela atividade durante uma meia hora mais ou menos, que era a época do treinamento, e posteriormente começávamos a trabalhar novamente.
P - Além da Inglaterra, quais os outros países...?
R - Nós chegamos a exportar para os Estados Unidos mas o maior consumo era dentro do Brasil mesmo, é, não sei se para, eu não me lembro de exportar pra América do Sul.
P - E depois da fábrica de cachimbos?
R - Bom, da fábrica de cachimbos fui trabalhar no Vicente Amato, que era um laboratório farmacêutico, eu fui contratado para organizar o arquivo da empresa, então fui estudar bem o que era o arquivo, como devia ser feito, é... Na época os papéis eram todos deixados de lado, demorava muito pra ser arquivado, então me deram uma sala, eu organizei todo o arquivo, bolei as pastas para arquivo, porque na época não existiam arquivos de aço como tem hoje, então tive de fazer, mandar fazer prateleiras e... passei a dirigir e organizar aquela atividade de arquivo, que além do arquivo comercial tinha o arquivo científico, né? Então eu fiquei lá durante dois anos e meio ou três anos.
P - Onde era esse laboratório?
R - Na praça da... o escritório era na Praça da Liberdade, onde tinha o escritório e distribuição de amostras, tinha os propagandistas que iam visitar os médicos e lá se controlava tudo. A produção era em Vila Mariana, no laboratório. Minha atividade nunca foi o laboratório, eu ficava sempre restrito ao escritório, seção de arquivos, e de vez em quando fazia alguns serviços para o departamento de compras e para o departamento de amostras do laboratório. Fiz controle de... organizei também controle de estoques, né, é uma atividade bastante interessante também. Tudo aquilo que eu procurei fazer eu procurei me inteirar de todos os métodos mais modernos que haviam pra poder desenvolver a minha atividade. Isso a contento da diretoria, tanto é que para sair do Vicente Amato precisei (risos) esperar um diretor viajar pra pedir minha demissão, porque eu precisava ir pra loja. A loja era leiteria e velas, coisa meio estranha mas as velas na época eram feitas de sebo de gado, né, e o leite também vinha do gado então há um correlato, né? Mas aí eu fui pra loja, fui desenvolver um negócio, acabei com o leite e passamos a desenvolver o ramo de artigos religiosos.
P - Ah, só pra gente entender um pouco... o senhor estava nesse laboratório quando fundou a loja?
R - Quando fundei a loja. Nós compramos a parte da... porque a loja já existia.
P - Já existia?
R - Já existia. Nós compramos a loja, meu pai ficou trabalhando na loja, e eu ia trabalhar no Vicente Amato, que era perto, e voltava à noite para... nas minhas horas de folga eu estava na loja. Na época se trabalhava... não existia sábado nem domingo, né, então a gente ficava ali, eu e o meu pai e meu irmão que era... meu irmão era bem mais novo do que eu. Então nós ficávamos os três na atividade da loja. Um dos motivos de acabar com a leiteria foi que tínhamos de distribuir leite, nós distribuíamos leite aos moradores. A Liberdade era um bairro residencial e com a expansão de São Paulo a Liberdade foi perdendo esse vínculo de residência. Então, nós... eu comecei a desenvolver a parte da... religiosa, né? Eu fui atrás de artigos religiosos pra vender, fui ampliando, eu mesmo fui fazendo prateleiras, fui crescendo a loja até o ponto que chegou hoje, que é grande.
P - Voltando um pouquinho, como que era distribuído esse leite?
R - O leite vinha em garrafas, em vasilhames de vidro, umas garrafas que hoje só existe talvez em museus, bem interessantes, e era vendido o... tinha umas medidas para meio litro e pra um quarto de litro também. Então muita gente, quem ia buscar levava uma vasilha e a gente... e se vendia meio litro, um quarto de litro, né? Quando acontecia de quebrar um litro cheio tinha-se o prejuízo do dia, porque a reposição do vasilhame e mais o líquido que se perdia era grande, então era um, um comércio pouco lucrativo e muito trabalhoso.
P - E quem que fornecia o leite?
R - Bom, havia várias companhias em São Paulo. Nós gostávamos da Companhia Vigor, que ainda existe hoje, né, tinha Laticínios Paulista também, mas nós só trabalhávamos com a Vigor. Ela não nos deixava faltar o leite pra... aquela quantidade diariamente pra distribuir.
P - Como eram feitas as velas, o senhor falou que eram de....?
R - As velas eram feitas de estearina, é um subproduto do sebo, do boi tudo se aproveita, inclusive a gordura, o sebo do... que é uma gordura, era destilada e era feita a estearina, estearina que vai não só para as velas, mas para, também, cosméticos, né, cremes de beleza cremes de barbear, pasta de dentes, levam estearina. Anteriormente as velas eram feitas, começaram a fazer de esparmaceti, que a esparmaceti é a gordura da baleia, então, mas o consumo era muito grande, então não dava pra destilar e aproveitar, ter a esparmaceti, e foi se transformando, porque é uma gordura que ela fica sólida, né, que ela consome... chega no fogo ela vai consumindo, com o ar e o fogo ela vai consumindo. Então as velas, até o início da guerra, até o fim da guerra de 1945 a... a evolução, passaram a ser fabricadas de parafina que também é uma, é uma gordura tirada do petróleo, então ela fica sólida, com o pavio no meio vai consumindo, também desaparece tudo com a combustão, né?
P - No caso dessas primeiras velas aí, quando o senhor adquiriu a loja, existia embalagem... essas caixas, como é que era?
R - As embalagens das velas sempre foi em maços de oito velas, o porquê ninguém sabe me explicar, não sei porque oito velas. E vinham em caixas de madeira, nosso grande fornecedor era do Paraná, vinha onde que tem maiores matadouros e o aproveitamento do sebo era grande. Eles fabricavam no Paraná e nós recebíamos aí caminhões carregados de caixas de velas. Hoje a caixa é de papelão, antes as caixas eram 200 velas, então dava 25 maços uma caixa, devido a embalagem. Hoje são 24 maços de oito velas, então diminuiu oito velas em caixa, mais motivado pela... pelo tipo da embalagem que hoje é de plástico e vem dar o formato exato para a confecção da caixa que hoje é de papelão. Nós recebemos ali na loja, as velas já vêm de fábrica amarradas de acordo com a nossa necessidade, não é, em maços de oito velas, de 13 velas, sete velas. Então nós pedimos de acordo e nos fornecem. A caixa de velas hoje tem 192 velas. Tem várias espessuras, de vários tamanhos, dá uma durabilidade variada de acordo com o tamanho. O nosso consumo na loja é com o fito religioso, tanto católico como espírita, que usam muitas velas né, quase todas as religiões usam a vela para iluminação e para a propagação da fé. Mas no Brasil o grande consumo de velas ainda hoje é para a iluminação, porque não existia a luz elétrica, então as pessoas usam a vela para iluminar. Talvez seja por isso que a lâmpada elétrica fala em tantas velas, né?
P - No caso dos clientes do senhor, por exemplo, quem que compra as velas, quem procura as velas?
R - Bom, as velas são os devotos. Nós estamos ao lado da Igreja dos Enforcados, essa igreja começou uma grande devoção em 1821, no mesmo local que está a igreja, não era essa, a igreja era uma capelinha onde tinha uma forca, a forca em São Paulo, havia a pena de morte, e ali chamava-se Largo da Forca e... num determinado movimento de grevistas de soldados que se revoltaram, onde estava um, que era José Chagas, porque era o Chaguinhas, foi enforcado, a corda arrebentou, quando a corda arrebentava era, a pessoa era perdoada, mas nesse caso, como se pretendia punir o faltoso de qualquer jeito, foi enforcado novamente. O Palácio do Governo, que era no Páteo do Colégio, foi consultado sobre como fazer com esse condenado, mandaram enforcar novamente, então eles pegaram uma corda feita de couro de boi, que era mais resistente, para tentar enforcar. Nessa terceira tentativa de enforcamento a corda tornou a arrebentar e o povo então carregou o Chaguinhas, que não se sabe bem qual foi o destino dado a esse corpo ou se ele realmente sobreviveu, né? Então, dessa época, começou a devoção aos enforcados e, posteriormente, a devoção às almas. Então todas as pessoas que tem uma alma, que... de alma, um parente morto, e quer homenagear, vai acender uma vela, então começaram a acender ali na Liberdade, foi edificada a igreja. Foi posteriormente, tinha uma grande procissão em São Paulo, as festas de Santa Cruz, isso talvez tenha sido até 1935 que durou essas procissões, essas festas de Santa Cruz aqui em São Paulo e o povo ia lá, e fazia homenagem às suas, aos seus mortos, né, e pedindo graças, a devoção vai desenvolvendo, né, então é isso que são os meus clientes, são aquelas pessoas que vão pedir graças por... necessidade de auxílio espiritual, né, e outros vão pra homenagear aos seus mortos.
P - No caso, seu Nélson, além das velas o senhor vende outros produtos. Eu queria que o senhor falasse da loja do senhor e das modificações que ela sofreu. né, no caso da leiteria que acabou, né, e depois?
R - Bom, fomos ampliando a loja, passamos a... como havia grandes pedidos de imagens religiosas, eu freqüentava algumas fábricas onde que eu fazia as encomendas. Eu acompanhava o fabrico dessas imagens pra nós porque o fabrico era pouco e começamos a desenvolver a seção de umbanda. Essa seção de umbanda ela... a pedidos de alguns clientes começamos a desenvolver as imagens, inicialmente íamos buscar no Rio de Janeiro, que era centro mais desenvolvido nos artigos de umbanda, nos artigos espirituais, comecei a trazer artigos que pediam para o ritual de umbanda, fomos desenvolvendo, montei a fábrica de imagens para produzir as imagens. Inicialmente seria só para o consumo nosso, com o desenvolvimento do ramo passamos a... também a fornecer a outras pessoas. Hoje nós fornecemos ao Brasil inteiro e exportamos, principalmente para Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Estados Unidos e na África, para o Líbano, tem uma outra o... um outro país que tem comprado pouco, mas temos alguns fregueses... para a Itália também, artigos de umbanda. Procuramos dar um elo maior nessa parte espiritual, procuramos atender de acordo com as necessidades dos nossos clientes.
P - Como é que se chama a fábrica e onde que ela se localiza?
R - A fábrica chama-se Imagens Bahia, nós começamos a fábrica em 1956 num fundo de quintal no Bairro do Belém, fomos ocupando o fundo de quintal, alugamos a casa inteira, alugamos a casa vizinha, fomos desenvolvendo até que em 1968 nós mudamos para a quarta... ali é quase Penha, Aricanduva, onde que temos hoje o depósito, onde que é a Avenida Aricanduva, perto da Radial Leste. Então ali construímos a fábrica, desenvolvemos mais a atividade, de início nós fabricávamos só imagens de umbanda, algumas imagens religiosas católicas e candomblé. Posteriormente com a... em mil novecentos acho que setenta, não me lembro bem a data, devido à passagem da Avenida Aricanduva fomos desapropriados de uma parte da fábrica, então fomos para... Ferraz de Vasconcelos, município logo, do grande São Paulo, né? Lá construímos uma fábrica relativamente grande, são uma área de 2.700 metros quadrados de área construída num terreno de 7.000 metros quadrados e passamos a fabricar toda a linha de artigos religiosos ou imagens católicas. Então nós temos mais ou menos 5.000 modelos, temos lá na fábrica 80 operários, já tivemos até 120, e de lá é que sai as imagens todas; além de fazermos imagens em cimento sob encomenda, fazemos uma média de 40 imagens fora da linha de produção, 40 imagens por mês, em média.
P - Sob encomenda?
R - Sob encomenda, então a pessoa quer homenagear uma pessoa e, por exemplo, uma senhora nos encomendou uma estátua do tamanho e... pela fotografia do marido que tinha falecido, então nós fazemos isso. Fazemos monumentos grandes, né, nós temos feito até cinco metros de altura, uma das imagens que nós fizemos lá era a Santa Edwiges, está na estrada das lágrimas, aquela foi confeccionada em acrílico, fizemos a fôrma e confeccionamos em acrílico, essa tem três metros de altura, e temos feito muita encomenda. Ainda agora, pra a festa do aniversário da cidade fabricamos, fizemos uma estátua dum boiadeiro, porque havia um concurso lá, o boiadeiro, o prefeito fez uma grande festa e nós fornecemos a estátua do boiadeiro para chamariz e para ficar ali na exposição da cidade. Procuramos desenvolver bem a atividade dentro da cidade de Ferraz de Vasconcelos, onde temos uma certa consideração.
P - Eu queria perguntar, tem alguma diferença entre os artigos de umbanda e de candomblé que o senhor vende?
R - Tem, cada nação a... na umbanda, no candomblé, no queto, no alequeto tem algumas coisas, alguns produtos diferentes que é... são usadas no ritual. As imagens também tem, é... se procura fazer de acordo com o ritual do candomblé e o ritual da umbanda, então é essa maior diferença que tem entre os produtos, não na confecção. Pra nós fabricarmos uma peça de candomblé, ou uma peça de umbanda o sistema é o mesmo, né, vai nas características da peça, da imagem para esse uso. Então são várias nações que existem dentro da umbanda, dentro da espiritualidade, né, a gente acaba aprendendo todas essas seitas, né?
P - Senhor Nélson, o senhor me disse que a filha do senhor é escultora. Ela trabalha com o senhor?
R - Não, minha filha faz, está fazendo esculturas e ela vende essas esculturas, mas faz na casa dela, faz várias atividades artísticas porque ela... que ela faz, mas dentro da escultura de... seria humanas, figuras humanas, ou vasos, castiçais em cerâmica. São umas imagens que tem aquela característica original, né, de artista, tanto é que é assinado. Uma imagem... nós fazemos na fábrica, nós criamos, vem uma pessoa e diz: "Eu preciso de umas imagens..." Dão o estilo, dão fotografia e nós criamos, então tem de ser feito a escultura da peça, depois é feita uma fôrma e é... dessa fôrma sai quantas peças a gente quer. Então deixa de ser uma peça simplesmente artística para ser uma peça comercial.
P - É industrial, né?
R - Industrial.
P - O senhor me falou da loja, dos cursos de pintura. Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre isso.
R - Nós começamos já há bastante tempo, como nós fabricávamos gesso e uma das linhas do gesso são as peças em branco, tanto religiosas como profanas, temos uma série infinita de peças em branco e nós começamos a ensinar as pessoas a pintar. Essas pessoas que aprendem a pintar, aprendem e muitas vão comerciar suas peças em bazares, em feiras de artesanato, não é?, então nós começamos a ter toda essa linha. Nós temos gente que vai lá na loja há mais de dez anos, que se sentem bem, então é uma coisa que vem servir como terapêutica para a mente, né? Vão lá, fazem e pintam, nós ensinamos várias técnicas de pintura, vendemos todas as tintas necessárias, pincéis, material necessário pra pessoa, e a pessoa, às vezes tem que dar um presente e dá um presente daquilo que ela mesma fez, não é. É uma atividade bastante interessante também e nós temos uma grande linha nisso. Fornecemos... tem gente que vem de fora para... fora da cidade, de outros estados, para aprender a pintar e lá na cidade deles, então passa a fazer as peças e a revender por lá.
P - No caso, o senhor vende só no varejo, no atacado, como é que na loja?
R - Na loja nós só vendemos no varejo, agora, nós vendemos no atacado diretamente da fábrica. Ali na loja mesmo nós atendemos, mas é atendido pela fábrica, então a fábrica tem uma estrutura maior porque quem compra no atacado não compra pequenas coisas, apesar da gente ter muitos fregueses que levam as peças da loja.
P - Certo. Bom, senhor Nélson, eu queria que o senhor falasse um pouco do casamento do senhor, o nome da esposa do senhor, como que o senhor a conheceu?
R - Bom, a família de padeiros (riso) e os pais da minha esposa também era padeiro, né, então amigo do meu pai. A gente começou a se relacionar por conhecimento da família, mas ela na época lecionava piano e eu tinha a minha atividade, meu comércio, a minha atividade de estudar e trabalhar. Então passamos a namorar e o noivado e casamento foram quatro anos, cinco anos de... ali e... já somos casados há 47 anos, sempre vivemos bem, uma grande companheira. Eu sou rotaryano também e a minha atividade no Rotary é grande, e a mulher também acompanha a gente nas atividades, então temos feito uma vida muito agradável. Viajei bastante, quando os meus filhos eram pequenos, menores, a gente jogava no porta-malas do carro e ia embora, né? Minhas férias foi conhecer o Brasil, conheço metade do Brasil, né, tenho viajado pra Europa também e temos tido uma vida boa, uma vida "tipão" namorados.
P - Quantos filhos o senhor tem?
R - Três filhos, sendo a mais velha, a Míriam. A Míriam é formada pelo Santa Marcelina, em Belas Artes, ela já defendeu tese, é professora da... acho que é Unip, não é USP, a outra universidade do estado.
P - Unesp.
R - Unesp, ela é professora da Unesp, tem dois, três livros publicados, tem ido fazer muitas conferências no Brasil inteiro, vira e mexe está viajando a convite de faculdades de Belas Artes para dar aulas, então, menina muito esforçada e bem quista pela... não é? A Elisabete foi minha secretária durante alguns anos, depois casou com o cunhado - são duas irmãs casadas com dois irmãos - e a Míriam tem dois filhos e a Bete tem dois também que já, um está na Faap e outro está na Unip, que é do Objetivo, é Unip, né? Fazendo engenharia. O da Míriam, Fernando, também está fazendo engenharia de produção; e o Nélson, que é o mais novo, numa das minhas viagens ele trancou a matrícula da engenharia e foi fazer administração de empresas e ficou tomando conta da fábrica. Então ele que dirige a fábrica que é em Ferraz de Vasconcelos, né? É... tem um filho, a mulher do meu filho é farmacêutica, defendeu tese agora, passou a doutora, trabalha na... Instituto de Pesquisa Nuclear, como é que é, Inpe? Ela, ela faz na Cidade Universitária, ela é contratada do estado.
P - Aqui na USP?
R - Na USP, e faz pesquisas, já foi à Itália e foi ao Canadá, desenvolveu os estudos sobre a glândula da hipófise, então ela é pesquisadora também, essa é a minha família.
P - Bom, seu Nélson, a gente está com o tempo aí chegando no final, pra concluir... e depois se a Ana Paula também quiser fazer alguma questão, bom, eu queria saber o que é que o senhor pensa, o que é que o senhor acha de deixar aqui gravado conosco, com o Museu da Pessoa, a história de vida do senhor, e a história do comércio, quer dizer, da loja do senhor, que é que senhor pensa disso?
R - Ah, pra mim vai alimentar muito minha vaidade, né, porque eu sempre procurei na minha vida ser um exemplo pra muita gente que está começando, então eu sempre fui amigo dos meus auxiliares, eu tenho empregados com mais de 30 anos trabalhando comigo, onde eu procurei desenvolver. Se isto foi proveitoso pra alguém eu acho que é válido. Não quero ser vaidoso ao extremo e dizer: "Ô, que coisa formidável." Não, eu vim aqui mais ou menos surpreso porque não sabia, sabia que vocês iam fazer algumas perguntas, não sabia disto que nós estamos passando agora, né? Então está a disposição de vocês.
P - Está certo.
R - Se puder fazer proveito a alguém eu fico feliz.
P - Você quer fazer alguma questão? Está bom, então muito obrigado senhor Nélson.
R - Sempre às ordens.
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