P/1 – Dona Fátima, primeiro muito obrigada por tirar um pouco do seu tempo para sentar conosco e contar a sua história. E para começar e deixar registrado, eu quero que a senhora fale o seu nome completo, onde e quando a senhora nasceu.
R – O meu nome é Antônia de Fátima Borceto. Nasci em Jaú, interior de São Paulo, em 11 de setembro de 1957. E o que mais?
P/1 – Qual que é o nome dos pais da senhora? R – Meu pai chamava-se Cirilo Borceto e minha mãe Aurora Agostinho Borcerto.
P/1 – A senhora sabe o nome dos seus avós?
R – Sei. Os meus avós maternos e paternos vieram da Itália. Os maternos são Inês Amadei e João Agostinho e os avós paternos são Atílio Borceto e Páscoa Missol.
P/1 – E como é a história da sua família? Você já falou um pouco da Itália. Conta um pouquinho mais.
R – Então, eles vieram para Jaú, o ano eu não sei. Os meus pais nasceram em Jaú e, depois, tiveram eu e a minha irmã lá também. Viemos embora para São Paulo. Eu tinha acho que dois ou três aninhos. Depois, com cinco anos, mudei-me aqui para o Sônia Maria.
P/1 – E você sabe como e por que eles escolheram Jaú? Como as famílias se estabeleceram lá?
R – Não sei muito bem, mas acho que eles vieram porque era no interior do estado tinha as fazendas de café. Eles eram emigrantes, em fuga por conta da guerra. Isso é o que eu sei. Quando o navio com essa turma chegou eles ficaram ali por esses interiores de São Paulo, Jaú e aquela redondeza ali da cidade em que tinha a plantação de café. Então, vieram para aquelas fazendas. A fazenda em que o meu avô morava era Barra Mansa, no município de Jaú. P/1 – E qual era a atividade deles?
R – Agricultores. Trabalhavam com café.
P/1 – A senhora sabe como os seus pais se conheceram? Qual a história do casamento deles?
R – Então, a minha mãe já morava na cidade, mas o meu pai morava no sítio e tinha vindo para a cidade...
Continuar leituraP/1 – Dona Fátima, primeiro muito obrigada por tirar um pouco do seu tempo para sentar conosco e contar a sua história. E para começar e deixar registrado, eu quero que a senhora fale o seu nome completo, onde e quando a senhora nasceu.
R – O meu nome é Antônia de Fátima Borceto. Nasci em Jaú, interior de São Paulo, em 11 de setembro de 1957. E o que mais?
P/1 – Qual que é o nome dos pais da senhora? R – Meu pai chamava-se Cirilo Borceto e minha mãe Aurora Agostinho Borcerto.
P/1 – A senhora sabe o nome dos seus avós?
R – Sei. Os meus avós maternos e paternos vieram da Itália. Os maternos são Inês Amadei e João Agostinho e os avós paternos são Atílio Borceto e Páscoa Missol.
P/1 – E como é a história da sua família? Você já falou um pouco da Itália. Conta um pouquinho mais.
R – Então, eles vieram para Jaú, o ano eu não sei. Os meus pais nasceram em Jaú e, depois, tiveram eu e a minha irmã lá também. Viemos embora para São Paulo. Eu tinha acho que dois ou três aninhos. Depois, com cinco anos, mudei-me aqui para o Sônia Maria.
P/1 – E você sabe como e por que eles escolheram Jaú? Como as famílias se estabeleceram lá?
R – Não sei muito bem, mas acho que eles vieram porque era no interior do estado tinha as fazendas de café. Eles eram emigrantes, em fuga por conta da guerra. Isso é o que eu sei. Quando o navio com essa turma chegou eles ficaram ali por esses interiores de São Paulo, Jaú e aquela redondeza ali da cidade em que tinha a plantação de café. Então, vieram para aquelas fazendas. A fazenda em que o meu avô morava era Barra Mansa, no município de Jaú. P/1 – E qual era a atividade deles?
R – Agricultores. Trabalhavam com café.
P/1 – A senhora sabe como os seus pais se conheceram? Qual a história do casamento deles?
R – Então, a minha mãe já morava na cidade, mas o meu pai morava no sítio e tinha vindo para a cidade vender alguma coisa com seu pai. Aí ele conheceu a minha mãe, mas a família do meu pai não queria que eles namorassem, porque tinha um probleminha de saúde na família da minha mãe. A minha avó teve lepra e, naquela época, a mãe da minha mãe... Nossa, aquilo era um Deus nos acuda. O pessoal tinha, inclusive, um irmão da minha mãe que, na gestação da minha avó, adquiriu essa doença. A minha mãe era a caçula da família dela e o meu pai, o caçula da família dele. Então, eles não queriam, porque tinha medo, e por fim, o irmão do meu pai, o meu tio, casou-se com uma irmã da minha mãe. E o meu pai acabou casando com a minha mãe. Dois irmãos com duas irmãs. Mas a família não queria muito o casamento e foi aquela confusão. Até que depois tudo se acertou, mas teve isso.
P/1 – E como os seus pais decidiram mudar para São Paulo?
R – Então, a vida lá em Jaú não era muito fácil. O meu pai trabalhava no Camargo Correa, que era a única firma maior que tinha lá, até hoje. E tinha dois irmãos mais velhos que já moravam aqui em São Paulo e falaram a ele: “Vamos pra lá, Lilo, que é mais fácil a vida.” Ele veio mas, depois, se arrependeu. Muitas vezes quis voltar para Jaú, mas já tinha filhos, um já casado, e outro... Aí ele não queria deixar os filhos. Por fim, ficou por aqui, faleceu há dois meses no dia 18 de outubro. Coitado do meu pai. Viemos com muita dificuldade. Pagávamos aluguel no Parque das Nações, em Santo André, até que ele ficou sabendo que estavam loteando aqui, que era a fazenda do Doutor Raul, o dono dessas terras. Sílvia Maria, Sônia Maria e Ana Maria, que hoje pertencem a Santo André, era o nome das três filhas do Doutor Raul. Ele loteou e viemos. O meu pai comprou em 1960. Quando ele comprou tinha acho que umas oito casas, era só fazenda mesmo, mato. Aonde é a petroquímica era tudo eucalipto. Ele nos levava lá aos domingos para fazer piquenique porque não tinha nada. Os irmãos dele, que já moravam ali pelos Parques das Nações e que já estavam aqui há mais tempo, falaram: “Lilo, você é louco de comprar num lugar como esse. Aqui não tem nada. Isso nunca vai evoluir”, mas foi o que deu para comprar. Tanto que ele começou a construir em 1962. Ele comprou em 1960, mas começou a construir em 62 e, em abril de 1963, mudamos pra cá. Não tinha nada. Não tinha ônibus para Mauá, não tinha nem estrada para Mauá. Era um trilho. Sabe aquele trilhozinho? Íamos a pé. Eram chácaras. Aqui para cima tinha uma chácara, que era uma plantação de mandioca. Eram chácaras e pouquinhas casas. Não tinha luz, nem asfalto.
P/1 – Dona Fátima, a senhora sabe por que ele veio parar na região do Parque das Nações?
R – Porque esses meus dois tios, irmãos do meu pai, moravam aqui no Parque das Nações. Quando esse meu tio mais velho, que é o tio Santo, colocou na cabeça do meu pai que aqui era melhor, o Parque das Nações. Então, viemos, pagávamos aluguel no Parque das Nações, na Rua Lituânia, mas um amigo que trabalhava na firma com o meu pai falou desse loteamento aqui, e foi o que deu para comprar. Não que ele tenha gostado daqui, porque não tinha nada mesmo. Não tinha padaria, o padeiro passava na rua, o leiteiro ia entregando com carrocinha, aquela charrete, o pão, o leite, mas foi onde deu para ele comprar, pois éramos em quatro filhos e o pai e a mãe desempregados. A vida foi muito difícil. Se eu falar eu choro, mas (choro) passamos por muitas dificuldades. Teve uma época, acho que em 1964, conforme ele contava, que foi quando Getúlio Vargas, o presidente, ficou muito tempo sem... (choro)
P/1 – A senhora quer fazer uma pausa? (pausa)
R – O que eu estava falando? Ah, sim, da dificuldade. O meu pai contava sempre que nesse ano de 1964, quando éramos crianças, ele ficou algumas vezes sem poder votar porque não tinha um calçado para por no pé. E, naquele tempo, o pessoal ia votar de terno, bonitinho. Foi muito difícil mesmo. Alguma época da minha infância o meu pai conta que comíamos macarrão cozido só com água e sal para não passar fome porque ele não tinha emprego. Tinha vindo do interior e não arrumava firma. Era difícil para ele, que não tinha muito estudo e só fez até a quarta série primária. Mas, ainda assim, sabia muita coisa, porque depois, quando estávamos no ginásio, que hoje é o ensino fundamental, era ele quem resolvia os probleminhas de matemática para nós. Acho que o estudo era bem melhor.
P/1 – Dona Fátima, a senhora lembra quando seu pai comprou o lote? Como foi construir a casa? A senhora se lembra da casa sendo construída?
R – Lembro.
P/1 – Conta um pouquinho disso.
R – Lembro porque o meu pai trabalhava, em uma firma e ele construía a nossa casa quando chegava do serviço. Ele fez aos poucos, comprando material e fazendo. Os filhos mais velhos - depois veio o meu irmão e a minha outra irmã, que nasceu em 1965. Já morávamos aqui e eles nasceram aqui. Tínhamos que ajudar a carregar o balde com concreto, fazer a massa, mexer lá com a enxada. Lembro-me que era feito todo dia depois que ele chegava do trabalho, à noite. Ele ia construindo. Primeiro foram os dois cômodos, depois foi aumentando a casa, mas nunca teve um pedreiro. Sempre foi o meu pai quem fez toda a casa. A construção, o encanamento, a parte elétrica, tudo foi o meu pai quem fez e com a nossa ajuda, de um tio, de um cunhado, irmão da minha mãe, o meu tio Plínio, que também morava no Parque das Nações e que sempre nos dava uma força. E foi construindo assim, de pouquinho.
P/1 – E como foi quando ficou pronta?
R – Nossa (risos)! Quando a casa ficou pronta, esses dois cômodos... Viemos para cá em 1963. O Parque das Nações já era bonitinho, tinha asfalto e tudo, mas aqui não tinha nada. Só tinha mato e essa petroquímica era toda de eucaliptos. Não podíamos brincar muito longe da casa, mas para nós aquilo era festa. Quando chovia, nas ruas de terra, fazíamos bolinho de terra para jogar nas casas (risos). Fomos bem arteiros e apanhávamos muito. Nossa! Apanhava bastante porque fazíamos muita arte. Brincávamos, eu me lembro, pois os brinquedos eram uma boneca de papelão, sem cabelo, não são iguais as bonecas de hoje. Aquelas bonecas de papelão que o pai comprava, era só o que ele podia comprar e, quando podia, era uma festa para nós. Fazíamos roupinhas, aquelas coisas, era muito legal. O carrinho era feito com carretel de linha para o meu irmão. Tenho apenas um irmão. Somos três meninas e um menino. Era feliz e não sabia (risos), porque hoje em dia o pessoal tem tudo e não dá valor. Mas era bom.
P/1 – Dona Fátima, a senhora contou que quando o seu pai comprou o terreno tinham, mais ou menos, oito casas. A senhora lembra quem eram esses moradores que já estavam aqui quando vocês chegaram?
R – Lembro-me de alguns. Bem na esquina já tinha a casa de um pessoal alemão, a Dona Flora, não lembro o nome do seu marido; a Érica, que faleceu no começo desse mês e o Nicolau. Então, tinham eles, a Dona Maria, que era vizinha da minha casa e que nos ajudava, dava água, alguma coisa assim. Era uma senhora muito pobre também, que só tinha dois cômodos pequenininhos. Mais à frente tinha a casa da dona Teresa. Na verdade, na minha rua tinha só quatro casas prontas, a Escola Manuel Cação, que hoje é uma escola bem bonita. Na época só tinha duas salas de madeira e, lá para cima, onde tem a White Martins e outras firmas, eram chácaras de japoneses. Tinha uma colônia japonesa, festas, final de ano, era bem legal. E, aqui, esparramado, algumas outras casas, mas era bem pouquinho. Eu não conheci, porque não andávamos muito, e o meu pai era muito... Ele nos segurava muito. Lembro bem do pessoal, só que a maioria estão somente os filhos. Muitos já se foram.
P/1 – Quem que a senhora brincava? Com os irmãos e com quem mais? Tinham outras crianças? Como eram as brincadeiras?
R – Brincávamos entre os irmãos porque, na época, não tinham muitas criança. Tinha essa menina, a Mariazinha, que era filha dessa dona Maria, que era muito brava, mas muito brava mesmo, de queimar a filha, deixá-la trancada. A menina tinha problema epilético e ela judiava muito, mas como naquela época não tinha Conselho Tutelar e ninguém para que pudéssemos reclamar dos maus tratos... Tanto que essa criança acabou falecendo. Ela, com uns 14 anos de idade, mais ou menos, estava em cima de um pé de goiaba e teve um ataque. Deu a epilepsia e ela caiu. Como embaixo, no quintal tinha uma criação de patos, formava lama e ela caiu e ficou se debatendo. Acho que engoliu o barro e, de repente, quando a vizinha foi socorrê-la, ela já tinha falecido. A mãe estava trabalhando no APAE (Associação de Pais e Filhos dos Excepcionais) de Mauá. A condução era difícil, somente a cada uma hora passava um ônibus, nessa época em que a Mariazinha faleceu. Então, não se tinha muitas crianças para brincar, porque era poucos moradores. E os pais tinham horário para deixarem-nos brincar. Não conhecíamos quase ninguém. Éramos nós mesmos que ficávamos sentados no portão. Não se tinha muitas brincadeiras durante o dia. Era correr no barro, porque como era muito mato, era perigoso. Eu quero falar uma coisa mas não sei se posso falar aqui (pausa). Então, porque uma época, eu tinha uns dez anos... O meu irmão nasceu em 1965 e a minha irmã em 1966 e eles tinham uns três, quatro aninhos. Eu já devia ter uns dez anos. Estávamos indo para o Ana Maria, pois tinha uma tia que morava lá, e era tudo mato. Lá em cima, onde era a chácara dos japoneses, tinha um trilhozinho que passava e saía numa descida, que ia para o Ana Maria, e eu me lembro disso. Mas isso acho que não é bom falar aqui.
P/1 – Pode falar, fica a vontade.
R – Íamos juntos e parou um Fusca. Naquela época o Fusca era um carro do ano. Era 1969, por aí. E então, nesses matos, sempre tinha moranguinhos, pés de morango silvestre e estávamos catando os morangos. Aí, parou um homem, eu tinha dez anos e já tinha essa pouca vergonha. Ele desceu do carro e falou: “O que vocês estão fazendo?” “Estamos catando moranguinho.” “Ali para cima tem bastante moranguinho.” E nós, tontos, crianças, ainda mais naquela época, hoje em dia a criançada de dez anos já são espertas, mas não sabíamos nem... Achava que o neném vinha da cegonha, nunca tinha visto. Subimos no mato lá e, aí, quando olhamos, estava lá, tinha mesmo moranguinho e ele sabia disso. Estávamos catando os moranguinhos e, de repente, ele estava lá, daquele jeito, sabe? Quando eu vi, peguei a mão da minha irmã, que era menor do que eu e saí correndo, gritando. Tinha um casal de japoneses lá em cima que tinham a casinha deles. O japonês desceu, o homem entrou no carro e foi embora. O japonês levou-nos para a casa deles, queria saber onde morávamos. Falei que era aqui no Sônia Maria. O rapazinho maior, filho do japonês, nos levou. Falei que estávamos indo para o... (pausa). O filho dele, o rapaz, um japonês já maior, devia ter uns 17, 18 anos, nos acompanhou até o Ana Maria, porque era tudo mato mesmo, só os trilhozinhos. Então, meu pai não deixava. Depois disso, então... Não nos deixava mais sair para lugar algum. Só brincava no portão de casa.
P/1 – A senhora falou que apanhava bastante. Conte-nos a algumas dessas molecagens.
R – Aprontava muito (risos). O meu pai sempre foi muito rígido, italiano, criado daquele jeito. Ele dizia que o pai dele dava aquelas surras em que a mãe tinha que dar banho de salmoura. Não sei se é verdade, mas ele contava. Acredito porque o meu avô era muito bravo mesmo. Ele morava em Jaú e o quintal dele era bem cheio de mangas e goiabas e não podia apanhar nada porque ele brigava mesmo. Ele falava: “Porco Dio!” O meu pai também era, foi muito rígido, muito bravo e não gostava que ficássemos na casa de algum vizinho, muito menos em hora de almoço. Mas criança nunca sabia quando era a hora do almoço. Ele tinha uma salinha lá em casa que tinha quatro mesas e quatro cadeiras. Cada filho tinha a sua e tinha que fazer as lições tudo direitinho. Mas sempre fui meio levada. A minha irmã mais velha sempre foi mais quietinha, ajudando a minha mãe. Mas eu sempre fui mais sapeca, fazia arte e o meu pai batia. Batia muito e colocava de castigo. Então eu apanhei bastante. E como ele batia em todo mundo, os dois pequenos, os mais novos, apanhavam também. Então, muitas vezes, eu falava: “Fui eu. Eles não tem culpa.” Aí, eu apanhava pelos dois: “Então você é quem está ensinando errado a eles?” Eu apanhava muito. Apanhei e fiquei de castigo. O meu pai tinha uns castigos meio doidos. Nesses dois cômodos que ele fez, como o quintal era em baixo, ele teve que fazer um porão. Ele nos trancava no porão, eu e minha irmã mais velha, e nos deixava lá, o dia inteiro e ainda assustava. Como tinha muito mato e tudo era escuro, não tinha luz, ele nos deixava com uma vela, porque era o tempo todo, até à noite. Ele falava que no cantinho do porão ia aparecer uma caveirinha, com os olhos vermelhos. Nós morríamos de medo. Uma se agarrava na outra. E tinha criação de galinha no fundo do quintal, porque se plantava verdura para comer, como chuchu. Quando ele estava construindo, era difícil. Frango e carne eram só no natal, porque não tinha mesmo condições de nada. Tinha que construir, então tinha que economizar. Refrigerante não existia. Tinha kisuco, aqueles pacotinhos de kisuco para fazer uma jarra. E ele trancava lá no fundo, nos prendia no fundo do quintal e falava que ia vir um lobisomem, porque acreditávamos em tudo isso: lobisomem, saci-pererê... O banheiro era lá no fundo do quintal e tínhamos medo de ir lá. Era aquele banheiro de antigamente, que só tinha o buraco. Mas é isso, meu pai foi bem rígido e eu fui bem arteira (risos).
P/1 – E teve alguma dessas artes que tenham marcado mais, que tenha uma história peculiar, engraçada?
R – Deixa eu ver... O meu pai fez tanta coisa conosco. Tem uma história que ninguém esquece. Nessa Escola Manuel Cação, eu já estava na Quarta Série, no ano de 1968 ou 1969. Meu pai era presidente da PM, e tinha uma professora lá. Ia ter um evento e ela queria tomar um banho para se arrumar. Ela viria tomar banho em casa, e a cortininha do box estava com defeito numa argolinha. O meu pai estava arrumando. Ele era muito nervoso mas tinha um coração bom. Eu era criança, tinha dez ou 11 anos, e eu falei a ele: “Pai, mas o senhor está arrumando, e se a professora não vem?” Que bobeira, ele já era tão esquentado. Tinha o bidê, que é a parte do banheiro. Ele pegou a minha cabeça, pôs dentro do bidê, uma gaveta de ferramentas e o botijão de gás em cima. Eu fiquei lá, sufocada, só porque fiz essa pergunta a ele. E pior que o bujão, estava apertando a gaveta em cima do meu dedinho. Começou a doer, comecei a falar, a reclamar que o dedinho estava doendo, a minha mãe foi lá e falou: “Cirilo, olha o que você está fazendo com a menina.” Hoje, você dá um tapinha, vai para o Conselho Tutelar. Ele tirou tudo de lá e me deixou de castigo. É uma coisa que, vira e mexe, a família se lembra disso. Perdoamos tudo o que ele fez. Certa vez ele disse, há pouco tempo, quando já estava bastante doente, que tudo o que ele fez foi porque ele achava que estava nos ensinando. Era o jeito. Ele aprendeu assim e achava que essa era a maneira de criar os filhos corretamente, porque ele falava: “Eu fiz, mas hoje não faria.” Mas não teve nenhum bandido e nenhuma perdida. Quando falo do pai eu choro um pouco, mas sei que era um pai amoroso e cuidadoso. Algumas vezes exagerou nos castigos, mas ele achava que estava fazendo o certo, e o perdoamos por isso.
P/1 – A senhora falou que vocês plantavam chuchu e que tinham criação de galinhas. Como era para comprar os mantimentos da casa? Como era o transporte?
R – Lembro-me que, na época, passava o padeiro, o leiteiro e tinha a feira que vendia arroz e tudo. Não tinha mercado. Então era vendido nesta feira. Aqueles sacos de estopa com arroz, feijão, era assim que se comprava. Isso faz muito tempo que eu nem me lembrava, mas era assim. Alguns lugares tinham criação de porcos, cabritos, essas coisas, mas nós comíamos a nossa galinha e ninguém matava porque, quando matava, ficávamos com dó de comer. Mas a Dona Maria, que morava aqui do lado é quem matava. Ela era bem corajosa. E os ovos das galinhas. Tinha as galinhas dos outros e quando íamos andar no mato e catar ovos nos ninhos, tinha muito ninho de galinha. Então, catávamos muitos ovos nessas chácaras que tinha plantação de batata. Lembro-me de uma época que não tínhamos condições de comprar, então, quando o meu pai ia ao mato catar almeirão... Eu não devia estar falando essas coisas... É chato? P/1 – Não. R – Quando ele ia pegar catar almeirão do mato e, quando o japonês arrancava as batatas-doces, sempre aquelas mais ruinzinhas, que não ia vender, pegávamos as batatinhas também. Era quando, às vezes, no arrancar ela cortava, batia a enxada e cortava, era muito difícil. Mas comprava arroz, feijão e mistura. Verdura era tudo plantado: chuchu, cheiro-verde e a galinha, codorna. Tinha um galinheiro enorme no quintal que o pai comprou, de dez por 25, ou seja, 250 metros quadrados. Como só tinha dois cômodos construídos, tinha lugar para plantar bastante coisa e o galinheiro, que o pai fez bem feitinho. Nossas galinhas não eram soltas no chão, se não elas comiam as verduras. Era um galinheiro bem feito, bem grande. Como daqui àquela parede, em cima de uns caibros. Onde ele conseguia isso eu também não sei, pois, do que me lembro, casa de material de construção, na época, eram só ao lado do Parque das Nações, Parque Novo Oratório.
P/1 – E como eram as festas de família, como Natal e aniversários?
R – Nós não tivemos muitas festas de família porque os meus pais eram evangélicos. Muitos anos da Congregação Cristã no Brasil. Então, festa de família, como Natal, só quando íamos para Jaú. Quando dava certo para viajar, que era difícil, meus pais nunca fizeram comemoração, nem de Páscoa, nem de Natal. Então, depois de 1969, 1970, íamos para as casas dos vizinhos que faziam festas. Meu pai não deixava nem ir à missa. Então, tinha que deixar uma roupa, uma peça de roupa na casa de uma vizinha, com a Odete, que era a que eu mais ia. E quando era a hora da missa, tomava banho e ia com ela, porque ele não gostava. Eram evangélicos e não gostavam que fôssemos para a missa. Então, nunca tive festa de Natal, comemoração, mesmo nesses tempos para cá, com o meu filho e o meu marido, fazíamos alguma comemoração mas ele nunca participou. Nem ele nem a minha mãe participavam porque eram evangélicos. P/1 – E vocês iam à igreja? Como era?
R – Quando éramos pequenos eles nos levavam ao culto.
P/1 – Mas tinha alguma Congregação Cristã na região? Onde era?
R – Na Rua da União tinha uma igreja. Primeiro o culto era na casa do irmão Vicente, que morreu há muitos anos. E, depois, fizeram uma igrejinha e hoje tem uma congregação bem bonita. A igrejinha era um salãozinho em que eles se reuniam lá, isso até 1975, 1976. A melhora foi chegando por aqui depois que montou a petroquímica. Mas até 1969, mais ou menos, não tinha muitas casas, comércios e nada. Depois fizeram uma padaria e um mercadinho de uma porta. P/1 – Você se lembra quando veio à padaria?
R – A padaria é a mesma que tem até hoje aqui no centrinho do Sônia Maria, mas o nome da padaria nem me lembro. Acho que era Coração de Jesus, uma coisa assim. Chama-se Milênio, mas me parece que era Coração de Jesus. Faz muito tempo. Acho que muita coisa eu não consigo lembrar mesmo.
P/1 – E o primeiro mercadinho?
R – O primeiro mercadinho era o do Jesuíno, de uns japoneses, o Takashi, algo assim. Era o mercadinho, mas era tudo muito caro também, porque só eram eles ali. Tinha uma caderneta e o pessoal fazia compras, marcava na caderneta para pagar no final do mês. Era meio difícil, o pessoal fala, mas hoje em dia é tudo tão mais fácil. Você compra em três, quatro vezes. Antigamente, você só comprava o necessário, mesmo porque era difícil ganhar dinheiro. Eu acho. Pelo menos era o que meu pai nos passou, porque tudo era com muito sacrifício e dificuldade.
P/1 – E como foram os primeiros dias de aula da senhora aqui na região?
R – Que eu me lembre, não tínhamos cadernos e, muitas vezes, levávamos folhas de papel de pão, até que o meu pai começou a comprar aqueles cadernos de brochura. Não podia arrancar uma página porque, se você arrancasse uma folha, caía a outra. Não podia ter uma orelha. Tudo tinha que estar sempre certinho. A escola era uma maravilha, eu gostava de ir, mas também sempre fui meio arteira. Hoje eu não posso nem falar isso para o meu filho porque eu cobro dele, como se eu fosse assim, um exemplo de filha (risos). Mas eu gostava. A minha irmã mais velha ia ser professora. A Isis tinha aquele caderno de caligrafia - porque até hoje a minha letra é um desastre - mas ela tinha a letra toda bonitinha. Eu não fazia nada direito, às vezes eu não fazia a lição de casa. Certa vez, eu me lembro, não fiz a lição de casa e, quando chegou na escola, disse à professora que foi porque o caderno tinha acabado. A professora falou com o meu pai, que era presidente da PM, que não fiz a lição porque o caderno tinha acabado, mas que não era verdade. Aí fiquei trancada no quarto e escrevi 50 folhas: “eu nunca mais vou mentir e fazer o meu pai passar vergonha”. Depois de levar uma surra, porque o meu pai primeiro batia e depois conversava. Mas eu sempre fui meio danada, diziam que eu era a ovelha negra da casa porque todo mundo tinha mais medo do meu pai. Eu só fazia as coisas que não podia.
P/1 – E como era a escola? A senhora falou que tinha duas salas de madeira...
R – Então, tinha só essas duas salas de madeira com poucas crianças, porque o bairro era pequeno ainda e a diretora, que foi a dona Jeci... Era legal, eu achava boa a merenda, bebíamos muito leite e aquelas coisas que eu gostava da escola.
P/1 – Tinha uniforme?
R – Sim.
P/1 – Como era o uniforme?
R – O uniforme era uma blusa branca, de gola, a saia azul toda plissadinha, o sapato preto e a meia três quartos branca. Era assim. Tinha que ir de uniforme. Lembro-me uma vez, já no ginásio, na quinta série, o uniforme era a camisa branca, a saia cinza com uma prega macho, que vem só da frente, o sapato preto, a meia três quartos e a blusa de cima de frio também cinza. As meninas iam todas de saia, porque podia ser até quatro dedos acima do joelho, era norma. Não podia ser muito curta, mas como o pai era evangélico, íamos com a saia quatro dedos abaixo do joelho (risos) e a minha irmã nem ligava, mas o pessoal ria e ficavam: “Olhem as Marias mijonas lá.” E o que eu fazia? Dobrava toda a saia para ficar mais curta. Um dia eu cheguei em casa e esqueci de desdobrar a saia. Aí, quando entrei na porta da sala, meu pai sentado no sofá, olhou e falou assim: “Vai lá e tira essa saia.” Tirei a saia, levei a ele, que rasgou toda a saia. Fiquei uns quatro dias sem poder ir à escola porque não podia, não entrava sem uniforme. E foi aquela briga. Lá vai castigo de novo, mas acho que até hoje, de vez em quando, eu ainda apronto. Mas era lindo o uniforme. E tinha um uniforme de Educação Física, quando tinha aula de Educação Física, tínhamos que levar o uniforme, que era a saia plissadinha branca, o shortinho vermelho e a camiseta branca, com o tênis branco e a meia de três quartos. Era bem bonitinho. Hoje em dia não tem mais nada disso. E nem tem Educação Física. O pessoal vai, joga bola, brinca cada um para o seu lado... Antes não. Tinha o treinamento de vôlei, de basquete, a queimada, o handebol e muitos exercícios. Era bem legal.
P/1 – E como eram as aulas. Tinha aulas de diferentes matérias? Conte-nos um pouquinho.
R – As aulas, as matérias eram bem diferentes. Aprendia-se sobre a Organização Social e Política, tinha esses estudos diferentes, os Estudos Sociais, e tinha aula de artes, que não eram essas aulas de artes. Tínhamos desenho geométrico e, hoje em dia, vejo a aula de artes, a criançada fica picotando papel, umas coisas esquisitas. Não se tinha isso. Aprendíamos a bordar, a costurar, tinha máquina de costura, o crochê, o tricô, o bordado, era bem diferente. Eu fico indignada hoje. Por que tiraram isso? Você vê a criançada... Tínhamos aula de culinária, que fazia parte da aula de artes. Aprendíamos a cozinhar. Com nove anos eu aprendi a cozinhar. Hoje em dia a moçada casa e não sabe fritar um ovo. Não sabem fazer nada. Tudo bem que evoluiu e, hoje em dia, você vai à loja e você compra um bordado pronto, crochê, tricô, mas acho legal ter aprendido. Até hoje eu bordo e, às vezes, quando estou apertada, que gasto muito, pois o dinheiro, quanto mais você ganha, mais se gasta. Não ganho lá essas coisas, mas sempre tem uma encomenda de bordado, uma coisa. Eu amo bordar. A minha sobrinha vai casar agora, no dia primeiro de dezembro e eu já bordei uma porção de coisas. Estou bordando para ela a toalha de mesa. E eu acho que as aulas eram bem melhores. Tem algumas alunas que falam: “Dona Fátima, ensina a bordar”, quando elas me veem bordando, mas elas não têm paciência. Antigamente se gostava de fazer a coisa, tinha menos matérias na escola. Eram cinco ou seis matérias, e tinha essa aula de artes que era uma gostosura. E o que os meninos faziam? Porque tinha a sala dos meninos e a sala das meninas. Não era misturado e a aula de artes deles, eu acho que aprendiam a fazer carrinho com carretel, com lata de leite, porque antigamente se tinha muita lata de leite Ninho, essas coisas.
P/1 – E como era o uniforme dos meninos?
R – Então, eu lembro que a nossa era a saia azul-marinho a calça deles era azul marinho, camiseta branca e a blusa azul-marinho de frio. Era assim também. Agora o sapato dos meninos era de amarrilho, igual ao das meninas, aquele Vulcabrás, nem sei se isso existe ainda. Era assim. E quando o uniforme da escola que eu estudei a nossa saia era cinza, a deles era calça comprida cinza também, a mesma coisa, o mesmo padrão. A camiseta era igual a nossa.
P/1 – Eu escutei você falar que tinha hino do bairro...
R – Isso (risos). Tinha, tem esse hino, o pessoal...
P/1 – Cantava na escola?
R – Cantava na escola porque tinha aula de música e tínhamos o coral da escola. Então, se cantava muito.
P/1 – A senhora sabe o hino? Cante para nós (risos). R – Eu sei. Eu cantei para o Marcelo. Então, eu não tenho uma voz boa para cantar, sou bem desafinada, mas o hino do Sônia e Silvia Maria era assim: “Avante, vamos a frente, Sônia Maria, Silvia Maria, seu povo forte e altaneiro é tão leal e hospitaleiro. Nosso lema é trabalhar, é progredir, realizar, para que as nossas vilas sejam o orgulho de Mauá. Para que as nossas vilas sejam o orgulho de Mauá” (cantando). Ai que lindo! Muito lindo. Ninguém mais se lembra. Pouca gente se lembra. Semana passada, ainda quando o Marcelo esteve aqui, fui conversar com o Carlão para falar que eu dei o nome dele ao Marcelo e ele disse: “Nossa, como que você tem a memória boa, eu não lembrava mais desse hino do nosso bairro”, porque cantávamos muito (choro). Desculpe, sou chorona (risos). Cantávamos, mas muita coisa se perdeu, porque tem várias pessoas aqui são do meu tempo, que chegaram um pouco depois, mas ninguém lembra. Acho que porque eu sempre fui de ficar relembrando as coisas.
TROCA DE FITA
R – Então, na época, a escola tinha o nome de Escola Estadual de Primeiro Grau Jardim Sônia Maria. Teve vários diretores ali e, depois, veio o Seu Manuel Cação ser o nosso diretor. Ele ficou lá por vários anos e, lembro-me que quando me formei na Quarta Série, ele foi o nosso paraninfo. Escolheram-me para entregar as flores a ele. Eu era apaixonada por ele (risos), coisas de criança, acho que todo mundo tem. Hoje em dia, nem sei, mas naquele tempo, ele era o ídolo. E eu tinha vergonha porque achava que ele sabia, apesar de não saber de nada. Fiquei morrendo de vergonha de dar as flores porque tive que dar um beijo nele (risos). A mulher dele sabe disso e o filho também, porque depois, dias atrás, conversando com eles eu falei: “Nossa, eu era apaixonada pelo professor Manuel Cação.” E ele teve uma morte trágica. Morreu na linha do trem, parece que deu algum problema com o carro e ele faleceu assim. Aí deram o nome dele para a escola. Lá, na Escola Manuel Cação, tem uma foto dele lá, do jeitinho que ele era, bem bonito. E tem essas duas escolas, a Branca de Neve, que é da esposa dele, a professora Anita e o ABC, ao lado, que é do filho dele, o professor Luiz.
P/2 – Ele era professor de quê?
R – Não tenho muita certeza, mas me parece que era de Matemática, não tenho muita certeza. Ele veio como diretor. E não sei muito bem, mas me parece que era Matemática. Mas seria interessante passarem por lá para pegarem algumas informações e acrescentar.
P/1 – E além dessa paixãozinha de criança, teve algum outro professor ou professora que tenha marcado essa trajetória escolar da senhora?
R – Deixa eu ver... Acho que não. Tinha o professor João, na Quinta Série. O professor de Geografia. Ele era muito legal com os alunos, sempre nos defendendo, escondendo alguma coisa quando o pai era chamado na escola. Ele dizia: “Mas ela é legal, é boa aluna.” E tinha que ser, mas algumas vezes ele ajudava a esconder a bronca, porque fui muito danada. Nossa, como eu fui danada. Mas uma coisa que eu não quero nem que o meu Artur escute (risos), nem veja isso, porque eu peguei muito no pé dele... Ele estudou da primeira à quarta série lá no Manuel Cação e como ele veio pra cá na Quinta Série, eu já era divorciada do meu primeiro marido, então eu ficava aqui com ele, de voluntária. Entrei aqui como voluntária, trabalhei nessa biblioteca só para ficar perto do meu filho, que é único. E a escola aqui era meio danada, perigosa mesmo. E, depois, a diretora me contratou, até que eu prestei o concurso público e me efetivei no Estado. Estou aqui há 12 anos. Peguei muito no pé do meu filho porque ele não gostava muito de estudar, mas isso vem lá de trás (risos) vem da mãe. Mas eu era bem inteligente. Não gostava muito de escrever, de fazer caderno, nada, mas eu prestava atenção e ia bem. Nunca fiquei retida, nem nunca disseram que eu não prestava atenção. Mas nunca gostei de escrever.
P/1 – E como que era o recreio das aulas? Tinha alguma brincadeira (risos)?
R – Tinha sim. O recreio sempre era muito bom. Podíamos encontrar e conversar com os meninos, porque as salas eram separadas, meninos e meninas e, então, a hora do recreio era a festa. Sempre dava uma escapadinha dos inspetores de alunos. Era bom sim. A merenda era muito boa, sempre tinha leite com chocolate e a criançada gostava. Não é como hoje, que o pessoal dá maçã, frutas e eles fazem guerra de frutas. Hoje em dia é assim. Mas para nós, não. Como você não tinha, era difícil o dia que você tinha uma fruta em casa, que não as frutas do quintal, como a laranja ou algo assim. Tinha aqui para baixo uma plantaçãozinha de morango e essas coisas. Então, entrávamos escondidos (risos) e íamos apanhar milho dos outros e essas coisas assim. Tinha muita plantação por aqui e era bom.
P/2 – E as festas na escola?
R – Quase não tinha festa, que eu me lembre, mas tinha muita festa na igreja. Tinha quermesse na igreja que era um barraquinho ainda, lá embaixo, uma capelinha. Tinha o Seu João que gritava o leilão, a dança de quadrilha. Era muito bom. A diversão do pessoal, da criançada, eram as festas juninas na igreja, as quermesses. Fora isso, no bairro não tinha nada. Era difícil ir ao cinema e, ainda assim, em Mauá, não tinha cinema. Era o Cine Tangará que tinha em Santo André. Depois de muitos anos foi que fizeram aquele Studio Center, dentro daquele shopping pequenininho de Santo André. Acho que chama Galeria Atlântida, se eu não me engano. Então, era difícil ir ao cinema. Só uma vez por ano. P/1 – A senhora lembra a primeira vez em que foi ao cinema?
R – Ai meu Deus! (risos) Lembro que, a primeira vez que fui ao cinema eu já tinha acho que uns 17 anos e, como sempre fui mais fortinha, fomos assistir a um filme proibido, eu e uma amiga de infância, a Vera. Foi uma briga para poder entrar, mas conseguimos (risos).
P/1 – E qual era o nome do filme?
R – Era com a Vera Fischer, que filme mais doido era aquele! Deixe-me ver se eu me lembro... O pior é que não me lembro, mas era qualquer coisa como “A Virgem”, não me lembro o nome agora, fugiu!
P/1 – Dona Fátima, a senhora queria ser alguma coisa quando crescesse, tinha algum sonho?
R – O sonho do meu pai e nosso, pois brincávamos de professora que, naquela época, era uma rainha, era tudo de bom. Lembro-me até que lá no Manuel Cação tinha aquela briga para carregar a bolsa da professora depois da aula. As professoras iam pegar ônibus, a maioria não tinha carro, e nós brigávamos para carregar a bolsa da professora. E o meu pai, o sonho dele era que eu e a minha irmã fôssemos professoras. Também tínhamos essa vontade. Brincávamos de ser a professora, colocava o sapato de salto da mãe, da tia, pegava lá uma tábua, ia fazer a lição, colocava as bonecas, fazia que eram os alunos, mas a primeira vontade era de ser mesmo professor. Era o sonho da criançada da época.
P/1 – Conforme foi crescendo, o bairro também cresceu. Quero que fale um pouquinho do que a senhora acompanhou da chegada do pólo e como que foi isso.
R – Eu, em 1974, quantos anos eu tinha? Nasci em 1957, acho que o pólo veio para cá em 1974, 73. Bom, no começo, todo mundo estranhou e ficou aquele medo, porque primeiro começaram a cortar os eucaliptos e, depois, na construção, tiveram esses problemas que eu falei, como a explosão. Também teve uma época, quando foram construir a UNIPAR, ainda era aberto, não tinha o muro. Tinha uma lagoa e eles jogavam algum produto que levantava espumas pelo bairro, pelo céu. Um vizinho, nosso amigo, o Chiquinho, foi nadar ali e ninguém achou mais o corpo dele, que parece que se desmanchou. A história que ouvíamos no começo era que ali descia um ácido ou alguma coisa de estranho. O menino entrou para nadar. Tinha um riozinho lá para baixo, na rua de baixo da minha casa, mas que com tanto produto químico, pegou fogo no rio. Veio até bombeiro, porque era o produto que eles soltavam dentro da água e, alguém acendeu um fósforo ou jogou um cigarro. Só sei que pegou fogo mesmo. Então, foi difícil para os moradores quando começou essa construção. O povo ficou com medo e tem até hoje. Os políticos dizem que isso foi bom, que trouxe progresso para o bairro. Se for ver por esse ponto, gerou empregos, mas muita coisa que acontece ali e que eles chamam a população para palestras, distribuindo bonés e essas coisinhas, são, na minha opinião... Posso falar isso?
P/1 – Pode sim, não tem problema.
R – Então depois vocês cortam alguma coisa?
P/1 – Não tem problema, pode contar.
R – Porque isso vai para o ar, para algum lugar?
P/1 – Não vamos usar, serão só pequenos trechos (risos).
R – Porque se você sair perguntando para o pessoal, fazendo uma enquete no bairro para ver o que eles acham dessa petroquímica, dessa Braskem, da Poli Brasil e de tudo isso, ninguém vai dizer: “Nossa! Isso foi muito bom”. Tem os prós e os contras. Mas foi mais prejuízo do que benefício para a população. Pelo menos, na minha opinião. São tantas coisas que acontecem, a poluição, tem dias que você pisa no chão e o seu pé fica preto, aquela fuligem, o cheiro de gás, de poluição mesmo, que você não consegue nem respirar, pois arde o nariz e dói a cabeça. É só começar a garoar. Mas eles dizem que não. Fui numa palestra com a escola e eles começaram a mostrar um monte de coisas de lá: que isso não tem perigo... Mas moramos aqui e sabemos do perigo. Você sente o ar que está respirando. Acompanhamos tudo que acontecia lá, sempre com um pé na frente e outro atrás. Quando você via aquele flair disparando feito louco, aquela barulheira... Estávamos sempre assim. Imagina quando éramos crianças. “Se explodir, as casas vão todas, porque está passando por baixo...” Ninguém entendia disso. Foi assim que acompanhamos, sempre com medo, porque na verdade você não sabe o quê é. Mesmo o Marcelo, disse que teve lá há alguns dias e ouviu umas conversas e falou: “Vamos sair daqui que o troço está perigando”. Foi assim.
P/1 – Como foi a chegada da energia elétrica aqui? A senhora lembra?
R – Lembro-me que foi uma festa porque, em setembro de 1975 a minha irmã mais velha se casou. Já tinha energia em casa, mas não tinha na rua. Acho que quando foi depois de uns dois meses depois que veio a luz para a rua. E era tudo de bom. Imagina: estava acostumada no escuro e, de repente, aquilo era uma claridade. Só queria brincar, ficar até tarde na rua, pois 11 horas, meia-noite era dia ainda. Foi bem legal mesmo. Lembro-me bem disso. Todo mundo queria ficar, a mulherada, o pessoal sentava, ficava no portão conversando até mais tarde. Tinha um senhor, nosso vizinho, o seu Wilson, até já faleceu há alguns anos, ele trazia até um colchãozinho (risos), colocava na calçada e enquanto o pessoal contava caso, piadas, ele até dormia. Era uma festa a luz na rua. Acho que as luzes dentro de casa chegaram em 1970, 1972, por aí.
P/1 – E como você...?
R – Não me lembro direito o ano em que chegou a luz, porque quando nos mudamos aqui não tinha ainda energia em casa. Era de lamparina, essas coisas. Mas a luz da rua foi uma festa, e o asfalto também. Embora eu goste do asfalto, mas ficou faltando o barro (risos). Teve uma vez que levei uma surra tão grande porque tinha uma vizinha, que já faleceu, a Malvina, a mulher tinha mania de limpeza. E os filhos dela eram de ouro. Nós brigávamos, mas quando era com um filho dela, ela queria nos bater. Ela era dessas mães que ia em cima para bater, xingava e tudo. Aí, uma noite, porque de noite era mais legal, eu pegava o meu irmão que era menor e os amigos dele e saíamos quebrando lâmpadas. Olha, isso não pode gravar (risos). Tínhamos um estilingue e estávamos matando passarinho para comer. Rolinha, esses passarinhos maiores que tinham no mato, porque aqui era muito mato, tinha muitos passarinhos. Caçava e comia rã, porque lá pra baixo tudo era rio, na Rua da União. Pegava preá, mas só que esse eu não comia. E quando tinha alguma luz acessa, quebrávamos a lâmpada (risos). Se o meu filho fizesse isso hoje. Então, tudo era festa, que coisa feia. Não devia estar falando isso (risos). Mas quando veio a luz da rua não dava mais para fazer essas coisas, porque quando não tinha luz, só tinha aquela luzinha que clareava pouquinho. Quebrávamos e saíamos correndo (risos) para nos esconder. Era tudo mato e ninguém achava. Mas, que coisa feia, não devia estar falando disso. Mas criança é criança. Então, já viu.
P/1 – E você falou que a sua mãe cozinhava. Como era o fogão?
R – Bom, fazia no fogão a lenha. Tinha uns tijolos e não era bem um fogão a lenha, mas usava ali, tinha o fogão. Não lembro se passava o caminhão a gás ou se o pessoal pegava ali em Mauá. Tinha uma fábrica de gás, mas isso já não consigo lembrar direito. A minha mãe cozinhava no fogão de lenha e no fogão a gás quando era alguma coisa que fosse mais rápida e que não iria gastar muito gás. Senão, fazia no fogão com graveto. Pegava a lenha, aqui não faltava. O que não faltava era mato, pé de milho seco.
P/1 – E tinha alguma comida que ela fazia ou que ela ainda faz (risos)?
R – A minha mãe é tudo de bom na cozinha, até hoje. Meu pai sempre falava que a comida da minha mãe não precisava nem de mistura. Ela tinha a mão boa mesmo para cozinhar. Hoje ela está com 78 anos, muito esperta, faz tudo, ama cozinhar e sempre teve a mão boa para comida. Mas uma comida que gostamos muito é o risoto de carne que ela faz com um arroz vermelho, porque é carne com batata, azeitona, ervilha, milho. Cozinha tudo com o molho e mistura ao arroz. Depois, joga o queijo ralado por cima e fica muito bom. Ela tem a mão muito boa. O tempero é bom. O meu pai sempre falava que se tivesse que casar de novo, casava com ela só por conta (disso). E, se não pudesse casar com ela, levava como cozinheira (risos), porque ela cozinha muito bem.
P/1 – O que vocês brincavam ou faziam durante a adolescência?
R – Aqui no bairro tinha muito bailinho em casa de alguns amigos. Não tínhamos salão ou discoteca. Mas com o meu pai evangélico não podíamos ir a esses bailinhos. Então, íamos escondidas. Mas a minha mãe sabia, ela sempre foi mais... Falávamos de ir num aniversário, só que tinha a hora. Eu lembro que tinha o sofá, a porta da sala, o sofá e, aqui atrás, o relógio. Então, tinha a hora: dez horas tem que estar em casa. O meu pai não dormia, ficava sentado e, quando dava dez horas, tinha que entrar. Quando entrava ele já olhava para o relógio. Se passasse dez minutos, no dia seguinte, que geralmente era no sábado ou no domingo, antes do café da manhã, já tinha que sentar todos na mesa, conversar e explicar o porquê de ter passado do horário e, se você não tivesse um bom motivo, ficava de castigo. Mas saíamos escondidos nos bailes.
P/1 – Como eram esses bailinhos?
R – A mãe era rigorosa também, ficava nos cuidando, fazia suco para tomarmos durante o baile. Mas tinham outras casas que os pais não cuidavam tanto. Ficávamos dançando com a luz apagadinha (risos), criança, adolescente. O tempo passa. Está certo que não tinha tanta maldade como hoje, não tinha as drogas e essas coisas. Para dar um beijo você tinha que estar namorando, porque se você desse um beijo numa pessoa sem estar namorando, você ficava na boca do povo. E ficava mesmo. Só que tem uma coisa, assim: eu era bem danada, danadinha mas ajuizada. Eu gostava de fazer arte, brincadeiras, mas lembro-me que teve uma época que as mães só deixavam as meninas saírem se fosse comigo, porque eu era bem ajuizada e, nesse ponto, sempre fui mesmo. Casei com 32 anos e tive quatro namorados. Na época não tinha esse negócio de ficar nem nada disso. E os namorados ficavam na sala com todo mundo, pai, mãe e os namorados. Quando o namorado ia embora, se você demorasse mais que três minutos para se despedir no portão, o meu pai ficava acendendo e apagando a luz. Tinha que entrar, porque senão, depois... Lembro-me que uma vez que o meu pai foi à igreja, eu estava de castigo e já tinha 16 anos. Ele foi à igreja e me trancou no quarto. Na janela ele colocou umas madeiras com prego, e o meu namorado, enquanto o meu pai foi pra igreja, mas a minha mãe estava em casa, o meu namorado arrancou todas as madeiras. Pulei a janela para ir namorar e, um pouco antes do meu pai chegar, pulei de volta para dentro. Ele pregou as tábuas de novo para o meu pai não saber (risos). Mas a minha mãe sempre foi mais boazinha. Ela nos ajudava, não podia usar calça comprida, só que tínhamos uma calça comprida que ficava na casa de uma amiga. Eu e minha irmã, na hora do bailinho na casa dos amigos, íamos à casa da Mara e colocávamos a roupa. Depois, tinha que tirar aquela calça e ir para casa, porque falávamos que era aniversário e, ainda assim, era difícil ele deixar. Mas a mãe dava aquela choradinha, um jeitinho de mãe e, assim, escapávamos. Mas era bem legal.
P/1 – A senhora falou da calça comprida. Como era a moda e as roupas na época?
R – Era terrível (risos). Aquelas calças boca de sino, justinha aqui e embaixo, varria o chão, era assim. Cabelo, o pessoal hippie daquela época, usava aqueles medalhões, até o namorado da minha irmã, que hoje é marido dela, foi o primeiro e único namorado dela, ele usava aquele símbolo hippie de couro, cabelo todo crespo, óculos pequenininho de sol, à noite (risos) Era uma roupa muito engraçada. E, vira e mexe, volta. Têm algumas coisas, como essas sandálias plataforma, coisas esquisitas, botas com salto alto ou plataforma mesmo. Era muito engraçado. Mas era a moda e usava-se assim mesmo. Mas era legal. Que tempo bom. Nossa, com toda a dificuldade, tivemos uma infância. Porque se brincava na rua, de pega-pega, esconde-esconde, coisas que hoje em dia não se tem mais isso. Fazíamos aniversário e batizado de boneca. Era toda a criançada da época. Você ganhava uma boneca e já queria dar um nome a ela. Hoje em dia as bonecas são de verdade. Aqui na escola, teve um ano que tivemos oito meninas grávidas, de 13 a 14 anos. Foi um Deus nos acuda. Muita droga. No meu tempo não tinha isso aqui no Sônia Maria. Você não ouvia falar assim: “Ah, o maconheiro.” Ele usava esse moderador de apetite com bebida alcoólica. O meu pai tinha um cuidado muito grande para não andarmos com esse povo. Tinha algumas meninas que gostavam de namorar motorista de ônibus e, às vezes, eram amigas que iam juntas conosco para a escola. Então, tínhamos de ir mais tarde ou mais cedo e não ir junto delas. O nosso pai tinha muito cuidado conosco. Mas era um tempo que você podia dormir com as portas abertas. Em casa mesmo, não tinha cerca, não tinha nada. E as janelas, portas, ficavam abertas o dia inteiro. Não tinha perigo. Com muitos moradores daqui era assim.
P/1 – E como foi depois que a senhora terminou a escola? Foi trabalhar? Conte um pouco sobre isso.
R – A minha irmã se formou primeiro. Ela é um ano mais velha do que eu e, na época, quis fazer admissão, para depois passar para um colégio e entrar na faculdade. Só que começamos a trabalhar muito cedo. A vida era muito difícil. Lembro-me que com nove anos de idade fui tomar conta de duas crianças. Tinha que ter responsabilidade porque precisava ganhar alguma coisa. E, com 16 anos, fui trabalhar. Então, terminei o Ensino Médio e não pude continuar. O meu pai queria muito que fizéssemos uma faculdade, mas não tinha essa facilidade que se tem hoje, como o ENEM, Escola da Família (Família na Escola), quando os universitários trabalham no final de semana. Não tivemos condições de fazer uma faculdade, de estudar, porque tivemos que trabalhar muito cedo. E acho que foi difícil para muita gente. Só mesmo para quem tinha condição de vida melhor é que foi fazer faculdade. Mas começamos a trabalhar muito cedo para ajudar. Teve uma época que o meu pai ficou muito doente e não pôde mais trabalhar. Saiu da firma faltando pouco tempo para se aposentar e foi trabalhar de encanador, por conta. Aí a coisa ficou pior. Eu mesmo trabalhava, na época, de 1976 para frente, só para ajudar. A minha irmã casou, o meu irmão também e fiquei por último. A minha irmã caçula casou e eu fui casar 1987, porque tinha que ajudar. E até hoje é assim. Sempre fica tudo para mim. Não sei, acho que é uma coisa que tenho dentro de mim mesmo: tenho que ajudar. Os meus irmãos se casaram, ajudei no casamento, meu pai teve que construir para eles. Ele construiu no fundo do nosso quintal. Ele trabalhava como encanador e foi assim, trabalhando, e não deu para continuar os estudos. Muitas vezes, quis continuar algumas vezes e até chorava escondido, porque eu queria estudar, mas não deu. Não tivemos condição para isso. Mas Deus nunca nos desamparou, porque mesmo só com o ensino médio eu sempre trabalhei em boas firmas, como a Poli Brasil e, depois, na Rhodia.
P/1 – A senhora trabalhou no pólo?
R – Trabalhei aqui na Poli Brasil, entre os anos de 1976 e 1979. Ainda estavam construindo, mas eu trabalhei lá, foi o meu primeiro emprego. Ganhei muito bem à época. Quando entrei o meu pai não queria, porque tinha medo por se tratar de construção. Ouvimos falar, e foi verdade, que um caminhão atropelou uma moça lá dentro, a cozinheira, e a matou. Mas eu fui e, quando ele viu, quando cheguei em casa e falei a ele que falaram o salário que eu ia ganhar e nem acreditou. Ele falou: “500 cruzeiros”, na época, cruzeiros novos, sei lá como era o dinheiro. Eu também já não me lembro. Entrei com 1.056 cruzeiros, nem esperava aquilo. Então ele já se animou mais porque deu para ajudar bastante lá em casa. E os irmãos foram casando e eu fiquei cuidando, até agora. Eu, como sou viúva, sozinha, com o meu filho, moro no fundo da casa do meu pai, para cuidar deles. Os irmãos todos têm suas famílias. Então, sempre foi mais para mim mesmo. Graças a Deus, pelo menos eu tive oportunidade de viver mais junto com ele. Coitadinho. O meu pai ficou muito doente, teve que por um marca-passo, tinha diabetes, problema no coração e, como era muito teimoso, não fazia as dietas e, aí, piorou. A sua diabetes era sempre alterada. Comia tudo o que não podia. Aí, no dia 24 de julho, o coração dele estava muito grande, já não jogava, não bombeava direito e jogou o líquido no pulmão. Deu pneumonia, ficou 26 dias entubado e, no dia 18 de agosto faleceu. Ainda está muito recente, uma coisa bem difícil. A minha mãe quase não vai à casa dela, que é na frente, porque ela chora muito, fica lá em casa comigo e sentimos muito a falta do meu pai, que era muito bravo. Até hoje, era muito nervoso, mas um bom coração (choro). Ele ajudava as pessoas. Teve uma época, que era difícil para nós, mas para uns vizinhos era ainda pior, aquele com 11, 12 filhos, e ele comprava a cesta básica e dividíamos com o vizinho. Isso ele tinha de bom. Não gostava de ver ninguém passando dificuldade. Porque, no começo, passamos por isso. E ele sempre ajudava.
P/1 – E qual foi a experiência profissional mais marcante?
R – Bom, trabalhei para poucas firmas, porque fiquei sete anos, depois casei, fiquei dez anos casada e o meu marido não me deixava trabalhar. Mas, o que eu mais gostei e gosto é de trabalhar aqui no Josefina.
P/1 – E como é a sua história com a Escola Josefina? Você falou que começou como voluntária. Conte-nos.
R – Então, comecei como voluntária porque tinha aquele Amigos da Escola. Mas eles não queriam que ficássemos aqui dentro. O coordenador criou caso no começo, de que a mãe não poderia ficar o tempo todo aqui na escola. Então, tive umas brigas feias por aqui. Nesse tempo todo estou sempre brigando por aqui. Teve uma diretora que me chamava de cavalinho de batalha, porque se eu acho que a coisa não está certa, discuto mesmo e vou atrás. Nessa época de 2000, quando entrei, não tinha esse muro alto, o portão estava sempre aberto, tinham muitos drogados querendo beber água e esse coordenador não falava nada. Ele achou que eu não podia ficar aqui dentro. Aí eu disse: “Não. Se o pessoal entra aqui e vocês deixam, então nós vamos para a Diretoria de Ensino e vamos ver como isso vai ficar, porque eu vou ficar aqui”. Aí, viram que eu bati o pé e falei: “Também posso ajudar, não quero ficar aqui o tempo todo parada”. Aí a diretora me pôs para tomar conta, por ordem, porque isso aqui era uma bagunça só. Ela gostou do meu trabalho, fiquei quatro meses dentro da secretaria como voluntária e, aí, ela me contratou pela PM. Fiquei mais alguns anos pela PM e, então, tiraram a PM para por cooperativas. Aí passei para a cooperativa. Depois, quando abriu o concurso, fiz o processo seletivo de um ano, passei e fiquei. Depois, teve o concurso para efetivar. Muita gente fez até reza para eu não passar, mas eu passei, porque eu falo: porta que Deus abre ninguém fecha. E estou aqui. Mas com a direção eu nunca tive problema algum, mas com os professores, pois tem alguns que gostavam de ficar fora de sala de aula e, sempre que estou aqui para olhar, principalmente quando estava aqui como mãe de aluno. Mas a minha relação com alguns funcionários é boa, com outros nem tanto, mas digo a eles: “Nem Jesus agradou todo mundo, não sou eu que vou agradar.” E isso não fui eu quem disse, já disseram: “quando a cobra quis comer o vagalume, se ele não era da cadeia alimentar dela, por que ela quis? Aí ela respondeu que é porque a luz dele incomodava.” Então, tem muitas pessoas aqui que me engolem porque tem que engolir. Hoje sou efetiva no Estado e pego a remoção para outra escola se eu quiser. Tivemos uma vice-diretora o ano passado, que queria que eu pegasse a remoção para outra escola, porque ela gostava de fazer algumas coisas que não podia. Ela já tinha uns cinco, seis processos nas costas e achou que ia continuar fazendo o que ela queria. Eu bato de frente mesmo, porque isso eu aprendi com meu pai. Sou pobre mas sou honesto e, por favor, não deixa eu ver nada errado, porque não sou condizente com coisa errada e com erros de ninguém. Por fim, ela estava nervosa e me chamou na sala. Perguntou: “Quem a senhora pensa que é para falar comigo desse jeito?” Eu falei: “Olha, sou uma simples agente de organização efetiva. E você?” Ela quis morrer, porque ela era vice, é um cargo de confiança. Era professora PBU de primeira a quarta série. E falei: “E você? Hoje eu estou aqui e daqui só saio se Deus quiser ou se eu quiser. E você? Amanhã mesmo você pode não ser mais vice e ter que voltar para a sua sala de aula.” E falei a ela: “E tem mais, Mirian. Deus vai entrar com providência, porque eu creio nele. Se tem alguém que está acima, só Deus.” Disse a ela. Não demorou e ela saiu de férias por 15 dias. Quando voltou a diretora cessou a designação dela. Ela teve que voltar para a sala de aula. Porque eu ponho Deus na frente e continuo aqui. Tem uma meia dúzia querendo me engolir. A minha diretora gosta muito e já disse: “Dona Fátima, eu gosto muito da senhora, que sabe o que pensa. Tem uns que agem pelas costas.” Nossa escola tem recebido muita denúncia na Diretoria de Ensino de coisas que, às vezes, nem acontecem. Não grava isso. Não sabemos direito, mas são funcionários, alguém daqui de dentro, que na sua frente fica paparicando e, por trás, está prejudicando. Eu sou assim mesmo, aprendi assim. Aprendi a ser honesta e verdadeira. E ela fala: “Pelo menos sabemos o que a senhora está pensando e o que a senhora tem”, porque eu já falei também: se um dia eu tiver que fazer uma denúncia sobre alguma coisa, não tenho motivo para isso. Mas se houver, não faço denúncia anônima, vou lá com RG na mão: “Eu tenho isso que vi. E posso provar”. Mas todo lugar tem. Nem Jesus agradou a todo mundo. Não sou eu que vou agradar. Agora, no bairro, moro aqui há 50 anos, vim pra cá em abril de 1963, posso falar, com certeza, Jesus não agradou a todo mundo e algumas pessoas não gostam de mim. Mas 80% do bairro, se você perguntar sobre a Dona Fátima, vão falar bem, eu tenho certeza. Os pais e mães de alunos, e o pessoal do meu tempo, Graças a Deus, fui arteira, mas encrenqueira não. E estou sempre ajudando. Já trabalhei em muitas instituições, asilos, como voluntária, e gosto de ser voluntária. Agora mesmo, quero fazer o curso de enfermagem, já tive que trancar duas vezes a minha matrícula porque aconteceram outras coisas, mas quero fazer um curso de enfermagem para ajudar como voluntária em asilos, casas de apoio. Já trabalhei em casa de apoio de HIV, que na época também foi um Deus nos acuda, porque ninguém aceitava. O meu pai mesmo dizia: “O que você vai fazer lá? Vai se machucar, correr o risco de pegar uma doença”, mas graças a Deus não aconteceu nada.
P/1 – Eu queria que agora a senhora contasse um pouquinho do seu dia a dia aqui na escola. Como é a relação com os alunos?
R – Se quiserem passar de sala em sala perguntando aos alunos... O meu orgulho é esse, os alunos. Agora eu voltei para a secretaria, fiquei nove anos por lá e quando veio essa vice, que estou falando, eles me colocaram aqui para olhar os alunos. Não sei por qual motivo não me queriam por lá. Os alunos fazem fila para me abraçar. É tudo de importante na escola. Isso aí eu faço até questão, pode gravar se quiser, ela reclamando dos alunos, “essas pestinhas”. Aí ela falou para a funcionária Ana Cláudia, que está lá dentro: “Ana Cláudia, admiro você”, aí a Ana Cláudia respondeu a ela: “Por quê?” “Porque você não se envolve com os alunos”, já pra mexer comigo. Aí eu falei: “Ana Cláudia, tenho dó de você, que é uma infeliz.” “Dona Fátima, por quê?”, eu falei: “O que tem de melhor na escola são os alunos. Sem eles não temos emprego. Se os alunos começarem a abandonar a escola, o módulo de funcionários cai e, assim, perdemos o emprego”. Hoje, como sou efetiva, podem me transferir para outra escola, mas antigamente, quando era contratado, você perdia o emprego. Eu sempre falo a eles, se for preciso chamar a atenção, eu vou chamar a atenção. Então, na hora certa, se dá carinho e, na hora que é preciso, dá a correção. Tem muitos alunos que não tem carinho, são carentes e você vê isso conversando. Tem a Beatriz que me chama de mãe desde os 11 anos, ela está no Oitavo Ano, o primeiro do Ensino Médio, e certo dia veio: “Dona Fátima, eu posso chamar a senhora de mãe?” Eu falei: “Pode, Bia, se você quiser, mas por que você quer me chamar de mãe?” “Porque a senhora sempre nos abraça, é tão boazinha. A minha mãe nunca dá um abraço”. Então, tem muita criança carente e, a eles, dou carinho mesmo. Mas quando tem que dar advertência, dou advertência, e eles sabem disso. Eles chegam, brincam, conversam, mas eu amo essas crianças. Eu já podia ter pedido remoção daqui para o Manuel Cação, pois a minha casa é do lado dele, mas não saio daqui. Só quando Deus quiser, porque graças a Deus eu trabalho direito, cumpro o meu horário, faço todo o meu serviço. E quem não gosta vai ter de engolir, porque o que importa aqui é o meu trabalho. Cumprir o meu dever, e as crianças, mais do que qualquer coisa. Graças a Deus! Eles são lindos! Já tivemos alunos problema, sempre tem, mas comigo eu nunca tive problema com aluno. E quando falam qualquer coisa quando eles estão com raiva, nervosos, eu digo: “Por favor, tenha calma, vai ser pior para você.” Parece que dá até uma acalmada.
P/1 – O que a senhora gosta de fazer nas horas de lazer?
R – Eu gosto muito de bordar. Há cinco anos eu fiquei viúva do meu segundo marido. Fiquei muito doente, muito triste, só chorava, não queria nada. Fiquei doente mesmo e, aí, o meu filho abriu um Orkut e uma Colheita Feliz, aquele joguinho da colheita. Eu amava ficar colhendo. Hoje já não mais, não gosto muito de sair, isso é difícil, só quando chamo a minha mãe para ir ao shopping, tomar um suco, dar uma voltinha para ela sair um pouco. Mas, do contrário, gosto mesmo é de bordar. Ler e bordar. Gosto muito de ler também. E gosto de romance espírita, sou kardecista e gosto de ler a Zíbia (Gasparetto) e essas coisas também.
P/1 – Dona Fátima, vamos entrar na parte final da entrevista, mas antes eu queria que a senhora falasse um pouquinho do seu filho (risos).
R – O meu filho chama-se Artur e está com 22 anos. Graças a Deus eu só tenho que falar bem do meu filho, porque é um menino que, aos seis anos de idade, o pai foi embora com outra mulher. Ele trabalhava na Volks, conheceu essa mulher lá e foi embora com ela. E, como filho único, ele teve um probleminha, teve que passar por psicóloga. Ele é uma criança, hoje já é um adolescente, um adulto, 22 anos, mas teve vários probleminhas, alguns traumas por esse pai ter ido embora. Eu tive problema quando casei, já com 32 anos, tive que fazer tratamento pois não conseguia ter o Artur. Tive que fazer um tratamento médico e quando o Artur nasceu eu já ia fazer 36 anos. Esse pai queria tanto e, por fim, sei lá, conheceu outra. Isso acontece, sempre tentei passar para o Artur que o pai não tem culpa por ter gostado de outra, mas que o pai é uma pessoa boa e sempre cuidou bem de nós. Mas ficou uma mágoa para trás. Então, o Artur é um bom menino, muito amoroso e todo mundo que o conhece vem me falar: “Nossa, Dona Fátima, que filho maravilhoso a senhora tem. Parabéns! Soube educar bem o Artur. Ele é muito educado.” Ele é muito amoroso com todas as pessoas, principalmente com os idosos. Ele tem um carinho muito grande com as pessoas e as pessoas gostam muito dele, não é porque é meu filho. Mas ele tem uma mágoa sim, eu percebo. Esses dias mesmo, o pai entrou com um processo contra nós, porque quando fez a separação o juiz determinou que ele pagaria pensão para o Artur e para mim, porque ele não me deixou trabalhar. Eu trabalhava, tinha uma profissão boa, sempre trabalhei com contabilidade na petroquímica, na Poli Brasil, no Rhodia, e quando nos casamos ele não me deixou mais trabalhar. E, apaixonada, fiz as coisas (escolhas) erradas. Quando ele foi embora, deixou-nos pagando aluguel e o juiz deu a causa. Ele me paga pensão e, agora, estou esperando uma audiência do juiz. Ele entrou com um pedido para exoneração da minha pensão. Isso revoltou muito o meu filho. Eu falei: “Filho, a mãe está trabalhando, deixa pra lá.” Mas ele comentou com a vizinha que tem muita mágoa do pai; que ele nunca teve pai e que, com a primeira namorada, ele precisava de um conselho do pai, mas ele não estava aí. Ele tem uma mágoa, mas guarda para si. No geral, é um menino alegre, não é muito de sair. Acho que o criei segurando muito, por medo, tive que ser pai e mãe... Mas ele gosta de rock, de ouvir, mas não é de ir a shows nem para baladas. É um menino bem caseiro, tem alguns poucos amigos, estão sempre em quatro. Vão lá, ficam jogando videogame. Ele trabalhou, agora está procurando emprego. Ficou por um ano e oito meses na Cooper Rhodia, ajudava o meu pai, que tinha uma banca na feira, uma barraca de caldo de cana. É um bom menino. O Artur é muito bonito também e muito bonzinho. A maioria das pessoas aqui gosta dele. Todo mundo vem falar bem dele comigo. Nunca tive problema com ele na escola. O problema do Artur é que ele não gostava muito de fazer lição, de escrever, mas tinha as notas boas. Teve um probleminha com uma professora mas foi resolvido na Diretoria de Ensino. O supervisor veio e achou que ela estava errada e, ainda bem, que ela achou íamos recorrer à toa. Foi assim: ele ficou em dependência numa matéria de física e, e na escola, até três matérias o conselho aprova. O aluno é aprovado pelo conselho. Mas tinha uma coisa que já tinha se tornado pessoal, porque o conselho não aprovar uma matéria, sendo que aprova até três, ficou meio estranho. Quando acontece isso, o aluno pode recorrer junto à direção. O meu filho recorreu e a direção indeferiu. A professora veio falar comigo com ignorância, e falei a ela: “Tudo bem, vamos para a Diretoria de Ensino, porque até onde eu sei, o aluno com três matérias é aprovado pelo Conselho e vai fazer trabalho de dependência. Eu não estou entendendo porque uma única matéria o conselho não aprovou.” Aí ela disse: “É que ele não vai fazer trabalho. Comigo ele vai fazer prova”, e eu falei: “Tudo bem, professora, se a senhora me mostrar, dentro dos prontuários, uma prova de dependência, a senhora pode dar prova para o meu filho. Se não, vamos para a Diretoria de Ensino”. Fui, o supervisor veio, deu a maior das broncas e falou: “Como fazer isso se o conselho aprovou outras crianças com três vermelhas?” Aí, tiveram que aprovar, e ela ficou com bronca de mim. E, de uns tempos pra cá, está conversando comigo. Eu só quis justiça. Então, é legal, mas não grava isso não (risos).
P/1 – Dona Fátima...
R – Se não a Cleonice me mata (risos).
P/1 – Fale-nos o que significa para a senhora morar e ter crescido aqui na região?
R – Amo esse bairro, mesmo com todos esses problemas, os medos que passamos e que se passa com essa petroquímica. Gosto muito. Os vizinhos são bons, a comunidade cresceu muito. Tem muita gente hoje que eu não conheço, mas gosto muito daqui. Tanto que já tive a oportunidade de ir embora para outro lugar, mas não tenho coragem. Hoje mesmo, não tenho meu pai, minha mãe está comigo, meus três irmãos são casados, estão todos bem, graças a Deus. Eu falo: “Mãe, vamos embora para Jaú”, porque ela gosta de lá, mas não temos coragem. Criamos raízes aqui, é uma coisa que não tem coragem como sair daquela casa. Poderia vender, comprar uma casa menor, porque ali é grande. Ela, que começou com dois cômodos, hoje tem dois quartos, sala, copa, cozinha, banheiro e uma área grande e, no fundo, tem mais três cômodos, que é a casa onde eu moro. Mas não tenho coragem de sair daqui. Quando vou para outro lugar, após um dia, dois, já quero voltar. Criei raízes aqui. A minha infância, com toda a dificuldade, foi boa. Tenho saudade. E o meu convívio aqui é bom, tenho muitas amizades, onde eu passo, entro aqui às nove e meia, saio de casa às nove horas e chego aqui dez para as dez horas, porque todo lugar que eu passo alguém tem alguma história, alguma coisa para falar comigo. Então, gosto muito daqui, sou bem feliz com tudo que já passei. A perda do meu marido, do meu pai, mas eu gosto muito daqui. Sou feliz, graças a Deus.
P/1 – E quais são os maiores aprendizados que o bairro lhe trouxe?
R – Aprendizado? O que posso dizer?
P/2 – As principais conquistas?
R – Cresci aqui, tem os amigos, as pessoas que queremos bem. Aprendi que com luta se tem uma boa vida, uma qualidade de vida melhor.
P/1 – E o que a senhora espera para o futuro do Sônia e Silvia Maria?
R – Sinceramente, o Sônia e o Silvia Maria precisam de alguém que melhore a situação da saúde, que faça alguma coisa nesse Posto que fecharam. Precisaria ter uma praça para essa criançada brincar, como um parquinho ou algo assim. Aqui não tem nada para a criançada nem para os jovens. Acho que precisaria de uma pessoa, um político que desse uma olhada para esse bairro, porque estamos abandonados. Agora não tem Posto (de Saúde) 24 horas. Quando alguém fica doente à noite fica difícil de correr para essas UPAs (Unidade de Pronto Atendimento), que são longe daqui. Então, precisamos de alguém que olhasse um pouco pelo bairro e pela comunidade.
P/1 – E o que a senhora acha dessa ideia de montar uma exposição contando a história do bairro através da vida das pessoas que fizeram o bairro? R – Eu achei isso muito legal e acho que tem muita coisa foge da minha memória, mas tem pessoas que tem outras histórias para contarem. Acredito que muita gente que mora aqui há muito tempo gostaria de contar um pouco da história do bairro, porque tem coisas muitas coisas boas do começo e acho que seria bom perguntarem para mais pessoas.
P/1 – Dona Fátima, como que foi para a senhora voltar lá atrás e nos contar a sua história?
R – É emocionante (choro), volta tudo na memória. Outras coisas que eu não posso nem falar mas que, conversando isso com vocês, me vem como um filme na memória. É emocionante e prazeroso essa parte de lembrar as coisas boas da infância (choro). Eu sou chorona, mas é muito bom, foi muito bom. Agradeço o Marcelo por ter me convidado para eu poder falar um pouco da história do bairro, da minha história. Mas não põe algumas coisas aí não (risos). P/1 – Em nome do nosso projeto, agradeço muito a senhora. Parabéns pela sua história.
R – Obrigada, eu que agradeço vocês. Obrigada mesmo.
FINAL DA ENTREVISTA
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