Memória da Convenção da Diversidade Biológica e Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Mudança do Clima e Protocolo de Kyoto
Entrevista de Pedro Wilson Leitão Filho
Entrevistado por Thiago Majolo e Stela Tredice
24 de abril de 2006
Depoimento BIO_HV015
Transcrito por Caroline Carrion
Revisado por Thiago Majolo e Teresa de Carvalho Magalhães
P2- Então, para começar, eu queria que o senhor dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R- Meu nome é Pedro Wilson Leitão Filho, eu nasci em Belém do Pará, em 07 de fevereiro de 1947.
P2- Tá. Qual era o nome dos seus pais?
R- Pedro Wilson Leitão e Alíria Vanzeller Figueira.
P2- E o senhor tem lembrança dos avós?
R- Lembro da minha avó, uma senhora alemã que, filha de imigrantes, que migraram para Amazônia em algum momento no século XIX, e que moravam em Oriximiná, no interior do Pará. E eu a conheci no período em que eu vivi no Pará, entre o meu nascimento e oito anos de idade, quando eu saí de lá.
P2- E o que faziam essa avó e os seus pais?
R- A minha avó era, foi a única professora durante 45 anos, na cidade de Oriximiná. Ela foi a educadora de várias gerações de oriximinaenses e de, do seu entorno. Ela morava numa casa onde as pessoas deixavam seus filhos para serem educados. Não era um internato, mas a imagem era como se fosse, as pessoas moravam lá, viviam lá com ela durante anos. Eram agregados à família, à casa, e eram tratados como afilhados. Ela era a madrinha Adélia. Eu, hoje, em Oriximiná, uma das escolas públicas tem o nome dela, Adélia Vanzeller Figueira.
P1- Só um minutinho, Pedro, o microfone, o cabinho do microfone tá pegando na sua calça...
R- Tá pegando na minha calça, ok. Pronto. É, a minha mãe era uma das filhas dela, e meu avô morreu muito cedo, e minha mãe era uma das filhas dela, um dos quatro filhos, que viveu com ela muito tempo, até conhecer meu pai. Meu pai era de Porto Velho, Rondônia, e era um fiscal...
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Entrevista de Pedro Wilson Leitão Filho
Entrevistado por Thiago Majolo e Stela Tredice
24 de abril de 2006
Depoimento BIO_HV015
Transcrito por Caroline Carrion
Revisado por Thiago Majolo e Teresa de Carvalho Magalhães
P2- Então, para começar, eu queria que o senhor dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R- Meu nome é Pedro Wilson Leitão Filho, eu nasci em Belém do Pará, em 07 de fevereiro de 1947.
P2- Tá. Qual era o nome dos seus pais?
R- Pedro Wilson Leitão e Alíria Vanzeller Figueira.
P2- E o senhor tem lembrança dos avós?
R- Lembro da minha avó, uma senhora alemã que, filha de imigrantes, que migraram para Amazônia em algum momento no século XIX, e que moravam em Oriximiná, no interior do Pará. E eu a conheci no período em que eu vivi no Pará, entre o meu nascimento e oito anos de idade, quando eu saí de lá.
P2- E o que faziam essa avó e os seus pais?
R- A minha avó era, foi a única professora durante 45 anos, na cidade de Oriximiná. Ela foi a educadora de várias gerações de oriximinaenses e de, do seu entorno. Ela morava numa casa onde as pessoas deixavam seus filhos para serem educados. Não era um internato, mas a imagem era como se fosse, as pessoas moravam lá, viviam lá com ela durante anos. Eram agregados à família, à casa, e eram tratados como afilhados. Ela era a madrinha Adélia. Eu, hoje, em Oriximiná, uma das escolas públicas tem o nome dela, Adélia Vanzeller Figueira.
P1- Só um minutinho, Pedro, o microfone, o cabinho do microfone tá pegando na sua calça...
R- Tá pegando na minha calça, ok. Pronto. É, a minha mãe era uma das filhas dela, e meu avô morreu muito cedo, e minha mãe era uma das filhas dela, um dos quatro filhos, que viveu com ela muito tempo, até conhecer meu pai. Meu pai era de Porto Velho, Rondônia, e era um fiscal de rendas, e minha mãe ajudava minha avó na educação desses afilhados todos. E eu nasci em Belém, 1947. Depois disso minha mãe, meus pais se separaram, meu pai voltou pro interior da Amazônia, e aí eu fiquei com a minha mãe em Belém do Pará, até oito anos de idade, quando eu vim pro Rio de Janeiro.
P2- E esse nome, Leitão, vem...
R- É uma família portuguesa, através do meu pai, os Leitão chegaram no Brasil lá na, nas primeiras frotas, mil quinhentos e alguma coisa. Se instalaram em Pernambuco, inicialmente, e depois se espalharam. Tem Leitão no Rio Grande do Sul, tem Leitão em Rondônia e tal. Mas eu tive muito mais contato com a família da minha mãe do que com a família do meu pai.
P2- E, e o senhor tem irmãos?
R- Não. Bom, tenho irmãos, depois, por parte de pai, meu pai teve outros filhos, mas, assim, meu pai e minha mãe não.
P2- E o senhor consegue descrever a rua, o bairro onde morava quando era criança?
R- Consigo. Eu morava no centro da cidade de Belém do Pará, no que hoje é o centro da cidade de Belém do Pará, numa rua chamada Manoel Barata, no n.º 642, entre a rua Ó de Almeida e Benjamin Constant, que era muito próxima à fábrica da Phebo, o bairro era todo... recendia ao sabonete da Phebo, aos perfumes da Phebo… Eu tenho uma sensibilidade muito grande para cheiro, etc, muito por conta disso. E do Pará, eu tava te falando das coisas do Pará, do norte, e uma das coisas importantes no Pará é cheiro. Essas águas de cheiro, essas coisas, banho de cheiro, tudo isso era muito importante na minha infância. E eu morava nessa rua, que na minha, na minha cabeça, na minha percepção, era uma rua muito larga, assim, era um exercício, uma aventura muito grande atravessar a rua. E quando eu voltei lá, depois de adulto, a rua, na verdade é da largura desse estúdio aqui, é uma rua de passagem de um carro só e tal. Então me lembro, me lembro da casa. A casa ainda existe, tá bastante deformada pro que era, era uma...uma rua que tinha....a casa tinha um quintal grande, com muitas árvores frutíferas, e no final do quintal passava um riozinho, um igarapé, como se chama lá, né. Hoje você não, não acredita que 50 anos atrás houvesse um igarapé ali, ela tá completamente asfaltada, concretada, árida, não tem nenhum sinal de que aquilo ali, um dia, pudesse ter sido um ambiente bastante amazônida.
P2- E, e cotidiano, sua casa, as brincadeiras, como que era?
R- Naquela época? Meus primos, nas árvores, nas mangueiras, o que, não sei como é que se fala aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro se diz "soltar pipa", naquela época em Belém, se dizia "empinar papagaio". Empinando papagaio, jogando bola de gude, jogando botão, botão de mesa, uns botões grandes de madeira. É, e escola, que era uma coisa estranha, né, naquele ambiente todo, ir à escola era uma disciplina estranha praquele troço. (risos)
P2- E quando, falando em escola, quando que o senhor começou os estudos, a escola, qual que é a escola?
R- As escolas, tinha na esquina da minha, dessa Benjamin Constant com Manoel Barata, tinha uma escola municipal, acho que existe até hoje, chamada Benjamin Constant, mas eu não comecei nessa escola, inicialmente. Eu me atrasei a entrar na escola justamente porque eu fiz uma viagem com a minha mãe pro interior da Amazônia, eu passei um ano, quando eu tinha seis, cinco, seis anos de idade. Eu passei um ano em, viajando pro interior, Óbidos, Oriximiná, aquela região ali do rio Amazonas e Trombetas, no entroncamento com Trombetas. Eu, minha primeira visão de Amazônia e de natureza foi por ali. Você me perguntou ainda há pouco, foi essa viagem dos animais, do medo, nessa época, a natureza, essa natureza, dava muito medo. E do rio, o perigo do rio, o perigo das águas, né, você não, não anda na rua, você não tem piso firme, você não tem estrada, né, você tem rios. Então as estradas são os rios. É a canoa, é o barco, tá, então aquilo tudo requer muito cuidado. Eu caí uma vez, me lembro disso. E eu entrei para escola, então, depois que eu voltei dessa, e como eu tava atrasado, eu tinha uma professora particular que me ensinava a escrever, para eu poder entrar na escola. Eu já entrei meio tarde, um ano, um ano e meio depois do que normalmente os meninos entravam. E naquela época também não tinha essa fase preparatória, o pré-escolar, né, não havia isso. E era um ensino muito antigo, muito rígido, muito antiquado, em que você apanhava se não soubesse, palmatória, essas coisas assim, tudo, tudo havia.
P2- É, então do período escolar, o senhor acha que influenciou de alguma maneira para questão do meio ambiente, ou foi mais essa viagem pro interior?
R- Não, não. Não sei se, se houve qualquer influência… Eu acho que influência para meio ambiente havia do conjunto do ambiente, né, o fato de eu tá lá na Amazônia, de eu, dessas coisas me serem muito próximas, fazerem parte do meu imaginário, do meu cotidiano de uma maneira sub-reptícia, né? Estavam ali porque estavam e não porque eu tivesse consciência de que aquilo ali fosse a natureza, ou uma natureza em perigo, não tinha essa consciência, né? Aquilo para mim era o meu cotidiano.
P2- Já na juventude, como que era o grupo de amigos, o senhor...
R- Eu vim pro Rio de Janeiro com oito, nove anos, oito anos de idade ali pro Flamengo, onde eu moro hoje, sempre morei por ali. Comecei a frequentar uma escola pública e depois eu fui para um desses colégios mais tradicionais de religiosos, fui para um colégio chamado Zacarias, que no Rio de Janeiro é um dos colégios, assim, que você tem vários colégios, assim, que na época eram só colégios de garotos, né, de meninos, o Zacarias, São José, Santo Inácio, São Bento, não sei o quê, aqueles colégios de ordens religiosas. E, mas eu acho que o, do ponto de vista de relacionamento com o meio ambiente, a experiência mais forte mesmo foi o escotismo. Eu fui, eu pertenci a um grupo escoteiro no Fluminense, no Clube Fluminense, que era, naquela época, no Rio de Janeiro, algo muito mais do que um clube de futebol, era muito menos um clube de futebol e muito mais um clube social e tal. E naquela época a família Gimli, que doou o terreno pro Fluminense, condicionou o uso do terreno a que o fluminense mantivesse uma tropa escoteira, e aos 11 anos de idade eu passei a frequentar essa tropa escoteira, que era uma tropa bem diferente, era um, era um grupo muito mais, pegava leve nessa coisa do militarismo, da disciplina escoteira, e era muito mais voltado para natureza, pras excursões, pros acampamentos, pras escaladas, era um grupo muito voltado para escalada. E foi por aí que eu… Foi por aí que surgiram duas coisas importantes, eu acho: a noção de convivência com a natureza sem sujar, naquela época a gente tinha vários, vários motes, né, ou seja, "não suje se você não quer limpar", "não leve nada", não, "não deixe marcas", não não sei o quê, então essas coisas foram... Eu acho que por aí foi mais, por onde algo que hoje se chamaria de ambientalismo, eu comecei a ter contato isso.
P2- Quando o senhor começou então a trabalhar com a questão ambiental?
R- Ah, eu já comecei muito recentemente. Trabalhar com questão ambiental, nos últimos 12 anos, 11 anos, 12 anos. Não fez parte da minha experiência profissional nem, até bem recentemente.
P2 - Quando a Samyra Crespo deu o depoimento dela aqui, ela comentou sobre o levantamento: O que o brasileiro pensa da ecologia, que fez junto com o senhor. Como surgiu a idéia dessa pesquisa?
R- Ah! seguinte. É, eu não sei o que que a Samyra disse, a gente precisava ter combinado isso antes, né? Mas eu vou te contar a minha versão da história. Eu tinha começado um, eu trabalhei durante 20 anos no CNPq, eu era funcionário público, trabalhava no CNPq, e no meu, digamos, último período de CNPq, eu fui dirigente de alguns, de um, de duas organizações do CNPq, dentre as quais um museu no Rio de Janeiro, um museu de ciência lá, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, MAST. Mas eu vinha de um doutorado em filosofia, em ciências sociais, e tal, na Inglaterra, que eu não concluí lá, e o meu orientador de doutorado foi também orientador de doutorado do Betinho, o Betinho do Rio de Janeiro, do Ibase, e nós éramos, não éramos exatamente amigos, mas nós nos conhecíamos e nos frequentávamos e tal. E uma vez eu tava, como eu não tinha terminado o meu doutorado na Inglaterra, eu precisava terminar meu doutorado no Brasil, e eu tava, eu me matriculei na COPPE, na, que é UFRJ, é um, é um curso de pós-graduação em engenharias na, que reúne todas as engenharias da UFRJ, Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia. E eu tava pensando numa tese de doutorado, e a Rio 92 foi anunciada, ia acontecer a Rio 92, e eu tava conversando com o Betinho e a gente, falando disso, e falando de quê, "que história é essa, como é que, que agenda é essa, como é que vai ser essa reunião e como é que a população se aproxima disso? Será que a população tem alguma noção do que vai ser discutido nisso? Será que, qual é o grau de aderência entre a consciência popular e as discussões que vão se travar nesse evento, né?". E eu tava atrás de um tema, né? E isso para mim foi o tema, foi como eu enxerguei isso: "Olha, fazer uma, um estudo da percepção popular sobre esses temas ambientais, né?". A Samyra era na época eu acho que ela era chefe da unidade de pesquisa, ou ela era pesquisadora da, dessa unidade, e ao mesmo tempo a Samyra formulou isso, ela trouxe essa proposta pro museu, pro departamento de pesquisa. Então eu disse: "Olha, eu tô a fim de me envolver nisso como pesquisador, porque eu preciso desenvolver uma tese de doutorado e quero fazer isso", e ela tinha interesse em fazer isso por conta da experiência dela como pesquisadora. Nós nos juntamos e montamos uma equipe de trabalho que fez isso. E ela vem perseguindo esse tema, né, há muito tempo, ela vem repetindo isso. Eu fiz aquele, ajudei num segundo, que, já liderado por ela, e depois disso eu saí, fui fazer outras coisas, e ela continuou com essa história.
P2- Naquela época, quais foram os resultados mais significativos da pesquisa?
R- Olha, a pesquisa, ela, eu acho que, quanto mais o tempo passa, mais interessante eu acho que foi o exercício. Ela tinha três eixos de indagação, né, o que que a gente queria? A gente queria saber, em primeiro lugar, qual era o nível de conhecimento conceitual, conhecimento factual, que que as pessoas de fato sabiam sobre o que acontecia, o que que eram os problemas globais, o que que era a perda de biodiversidade, o que que era a mudança climática, o que que era o aquecimento, o efeito estufa, né? Então era saber que tipo de conceito as pessoas detinham, que tipo de informações factuais elas detinham. Um segundo eixo de preocupação era saber como elas valorizavam isso, se isso era importante, se isso não era importante para elas. E, em terceiro lugar, se elas estavam, se aquilo fosse importante, qual era a disponibilidade delas para introjetar aqueles fatos, aqueles fenômenos no seu comportamento, na sua vida, o quanto elas estavam dispostas a alterar seus padrões de consumo e comportamento em função daquilo que elas sabiam, né? E, de modo geral, os resultados foram impactantes, muito impactantes em função das contradições que eles apresentaram. Em primeiro lugar, eles sabiam muito pouco, praticamente ninguém tinha conteúdo, tinha posse de conceitos, de conteúdos e de informações que lhes dessem substância, que eles pudessem se posicionar. Pouca gente sabia, muito pouca gente sabia de fato o que eram essas coisas, né, o nível de conhecimento era muito baixo. Em segundo lugar, o nível de declaração de interesse e de adesão a valores era muito alto, então as pessoas se declaravam adeptas, fortemente vinculadas ao que elas desconheciam exatamente o que fosse. E, coerentemente com o primeiro, mas incoerentemente com o segundo, elas não estavam dispostas a abrir mão dos seus comportamentos usuais para se adaptarem ou trazerem pros seus valores qualquer prática que fosse associada a uma preservação do meio ambiente mais a longo prazo, né, principalmente se expressando, isso sendo expresso no que diz respeito ao comportamento de consumidor. "Você estaria disposto a pagar mais por um produto que tivesse menos impacto sobre o meio ambiente?", etc. Em geral elas não estavam. Era um desconhecimento muito grande. Teve, assim, algumas perguntas que nós fizemos que foram muito importantes, como a percepção de que o homem não faz parte do meio ambiente, isso era uma das coisas assim que mais impactou. Meio ambiente eram coisas externas, a árvore, peixe, a floresta, tal, mas o homem, a sociedade, não era visto como meio ambiente.
P1- Agora a gente faz uma inversãozinha, aqui de papéis. Então, Pedro, a gente tava, você tava falando um pouquinho da Rio 92, né, e eu queria saber, você participou efetivamente, você participou?
R- Nós participamos, eu participei marginalmente, né, assim no sentido de que essa nossa, esse nosso trabalho, essa nossa pesquisa, acabou sendo premiado, foi, teve muita repercussão, esse trabalho teve muito apoio, né? E nós fomos convidados pelo Ministério das Relações Exteriores para expor o trabalho durante a Rio 92. Então eu fiquei muito envolvido com a exposição, com a montagem da exposição, pela apresentação desses dados, preparação de painéis, eu estava no local, eu estava no Centro de Convenções do Rio de Janeiro, lá na Barra da Tijuca, eu tava lá, mas eu não participava da plenária, eu tava muito envolvido com esse... E tampouco participei do Fórum Global, que era na Glória, né? Eu fiquei lá dentro no meu trabalho.
P1- Mas mesmo nessa sua participação, qual foi a sua impressão, o que que você sentiu que tava acontecendo naquele momento no Brasil, ou até no mundo, em relação a esse tema?
R- Interessante, nunca tinha pensado nisso. Eu tinha a sensação de que eu tava, de alguma maneira, envolvido em algo grandioso, né, importante. Eu acho que, naquela época, eu acreditava que aquilo ali pudesse levar a um futuro diferente. É, era muito impactante, foi muito impactante você perceber, você estar presenciando uma reunião, observando, estar próximo a uma reunião em que tem, tinha mais de 120, 140 líderes mundiais, né, chefes de governo, então a sensação é de que, se eles estão aqui, isso é importante, né? E também a consciência de que aquilo ali era, pela primeira vez, a humanidade se dava conta de que havia um nivelamento, que era, que se dava por razões além daquelas circunstâncias e paradigmas que geralmente os homens interpretavam a sua realidade. O que que eu quero dizer com isso, né, até então você tinha assim, quem era, quais eram as grandes idéias? Você tinha Relatório Brandt, que falava de norte-sul, relações norte-sul, hemisfério norte - hemisfério sul. A economia te falava de países ricos, países pobres, países industrializados, países agro-exportadores, países em vias de desenvolvimento, né, mas fundamentalmente uma dicotomia muito grande entre o norte-sul, rico, pobre. E as questões globais vêm de alguma maneira mostrar que essas, essas divisões, em função da natureza, se haviam eliminado, né? Não importa quão rico você fosse, você podia se esconder nos Alpes suíços, dentro de um castelo, que a chuva ácida ia te pegar, que a mudança climática ia te afetar, que não importa, né? Nós estamos vivendo um outro nível de problemas, né? E, acho eu que isso me causava a sensação de que as soluções, o padrão de solução que fosse, que fosse vigorar na busca de soluções para esse novo tipo de problema fosse novo também. Mas rapidamente eu percebi que não, que não seria, os problemas eram novos, mas o padrão de soluções era velho, porque no fundo no fundo, o que eu percebi da Rio 92, era a velha preocupação de quem é a cúpula, de quem é responsabilidade, de quem paga a conta. Não houve, na verdade, uma atitude de grandeza, de "estamos juntos nesse barco e precisamos salvar a natureza a nos salvar ao mesmo tempo, já que somos parte dela, e tal, né, e, portanto, vamos alterar nossos padrões usuais de negociação geopolítica e tal". Não houve isso, né? O que no fundo, no fundo se buscava, era quem se isentava de responsabilidades históricas, como socializar o novo prejuízo, quem vai pagar essa conta. "Eu não posso, porque eu sou rico, industrializado, e eu tenho, se eu mudar meu padrão de, se eu alterar meus padrões de produção e consumo há um impacto muito grande na economia global. Vocês, lá de baixo, que não têm tal impacto assumem, então, o maior grau de responsabilidade". E o pessoal aqui de baixo dizia: "Não, mas eu não, historicamente eu não sou responsável, vocês paguem a conta". Então esse, o velho jogo geopolítico, se impõe sobre questões novas que apontam para um futuro e uma perspectiva nova, que eu acho que o resultado tá aí, né, ou seja, quantos anos depois? 14 anos depois, 12 anos depois, 13 anos depois, que é que mudou?
P1- Portanto quais são os resultados que você percebe, a partir desse encontro?
R- Da Rio 92?
P1- Isso.
R- Eu acho que o importante foram as convenções, né, que surgiram daí, a Convenção da Biodiversidade, a Convenção do Clima, a Agenda 21, a possibilidade, né, a abertura para possibilidade da Convenção das Águas Internacionais e dos Mares. É, os protocolos, né, eu entendo isso tudo como sendo protocolos internacionais, como sendo programas de trabalho globais, para os quais deveria haver recursos, né, ou seja, a mesma coisa que vocês, vocês estão com um programa aqui, vocês querem implementar, o que que vocês vão fazer? Vocês vão correr atrás de recurso, né? Então o que que é uma Convenção da Diversidade Biológica? É um programa de como conservar a diversidade biológica no planeta. Como é que a gente vai fazer isso? Ah, tem uma série de ações aqui, que se transformam num programa de trabalho global. E a pergunta seguinte é: quem vai pagar por isso? De onde é que nós vamos buscar recursos para implementar esses programas globais, que são, serão implementados nessa escala? Aí surge, no âmbito da Rio 92, o GEF, o Fundo Ambiental Global, e o GEF deveria ter recursos suficientes para garantir a implementação desses programas em escala global. E o que nós estamos vendo, vimos nesses últimos, quanto tempo, foi em 1992, nós estamos em 2006, 14 anos, né, é o enfraquecimento gradativo do GEF, a diminuição gradativa dos recursos do GEF, culminando, agora, com a proposta orçamentária do governo Bush para 2007, em cortar a contribuição dos Estados Unidos pela metade pro GEF. O que é que isso quer dizer, do ponto de vista da importância, e aí, carregando já em função das regras do GEF, que são de proporcionalidade em contribuição, etc, carregando com isso todos os demais contribuintes para o GEF. A meu juízo, isso é um sinal da importância que a humanidade, os governos principais dão à implementação desses programas emanados da Rio 92, eu vejo uma diminuição de importância grande ao longo do tempo. Isso não significa que não tenha boas notícias, mas, assim, do ponto de vista dos resultados específicos da Rio 92, eu vejo um esvaziamento dos contratos, dos acordos, das convenções que foram geradas naquela ocasião.
P1- E o senhor acha, desculpa, você acha que isso tem a ver com a ausência dos Estados Unidos em ratificar os protocolos?
R- Os Estados Unidos é um país emblemático, né, ou seja, naquilo que ele ratifica e naquilo que ele entra tem uma força, né? Não exclusivamente a ver com isso, eu acho que outros problemas vieram a surgir nesses 14 anos, né, mudanças de atitude, de valores, memória, né? Eu acho que a população, o povo, né, o povo no sentido mais amplo, da humanidade, já meio que se habituou com essas questões, né, já não é mais grande novidade, já há outras prioridades, e o mundo vive de issues, né, quais são os novos issues, quais são os novos temas, né? Então é muito difícil que um tema, um issue, permaneça no ar por 14 anos, né? E, então, eu acho que as prioridades são outras. Por outro lado, as condições reais do planeta se agravaram em várias outras frentes, né, a pobreza aumenta, a concentração de renda aumenta, problemas de educação, problemas de criminalidade, que disputam espaço e recursos com os problemas ambientais.
P1- E, ao seu ver, a sociedade civil organizada, ela consegue, ela tá conseguindo, de alguma forma, embora exista esse, esse arrefecimento, né, desde a convenção, desde a Rio 92… Mas a sociedade civil organizada está conseguindo, de alguma forma, manter isso?
R- Não, eu acho que a sociedade civil organizada, ela cresce, sim, é um movimento que cresce, que é importante que cresça, ela toma, de uma maneira especializada, mais consciência desses processos, e ela se estrutura, se organiza. Acho que há instituições importantes que surgiram nesse período e que se fortaleceram e que fazem coisas importantes, mas a pergunta fundamental e crucial, por exemplo, pelo menos na área em que eu trabalho, que é biodiversidade, é: todos os esforços que nós estamos fazendo, quer seja no setor produtivo, que também é uma boa notícia, que também começa a se sensibilizar, que também participa da resistência contra a perda de recursos naturais, etc, apesar desses avanços no setor produtivo, apesar da estruturação da sociedade civil, nós deixamos de perder velocidade, ritmo e escala de perda de biodiversidade? Qual a resposta? Não, né? Ou seja, nós, cada vez mais rapidamente e intensamente, perdemos biodiversidade. Então os nossos esforços, apesar de reais e importantes, são pequenos, diante do problema e da velocidade com que ele se manifesta.
P1- E como a população, como o brasileiro, como, né, você disse, parece que essa perda de valores, mesmo diante de um quadro, né, tão, me parece catastrófico, pelo menos que todos aqui, os nossos convidados, têm colocado. É, por que que as pessoas têm uma reação, ao seu ver, de não querer ver essa realidade? Não só as pessoas, a sociedade, mas os próprios governos, né?
R- Ah, eu não sei se eu tenho uma resposta organizada para isso, “por quê?”. Primeiro talvez porque a realidade delas, né, a realidade das suas vidas, as demandas sobre suas vidas, a necessidade de organizar as suas vidas, a mediação entre esse imediatismo, essas necessidades imediatas, e isso que parece ser de longo prazo e distante, é grande, né, ou seja, a mediação entre um fato e outro, entre a minha vida, o meu cotidiano, as minhas ações mais imediatas e a biodiversidade, a perda das espécies, etc, muito provavelmente é difícil fazer a conexão entre uma coisa e outra, né? Então a percepção de que o que eu faço aqui e agora tem impacto ali e depois talvez seja difícil, né, para grande maioria. Segundo, porque eu acho que os processos mais impactantes sobre a perda de qualidade do meio ambiente são produzidos pelo estilo de produção e consumo da sociedade moderna. Os nossos atos são importantes sim, mas eu diria que do ponto de vista quantitativo, do ponto de vista qualitativo, de intensidade e impacto, eu diria que ainda está nos padrões tecnológicos de produção, na emissão de gases, na maneira como a gente explora e usa recursos naturais não-renováveis, eu diria que isso... E isso o homem cotidiano, o homem no seu cotidiano, o homem normal, o homem comum no seu cotidiano não visualiza também com tanta facilidade, né? Ele terá impacto sobre isso na medida em que ele conseguisse fazer esforço, fazer decisões sobre seu consumo, seu padrão de consumo, né, ou na medida que ele fosse acionista de alguma das grandes empresas e pudesse influenciar o padrão de produção dessas empresas, né, que, a meu juízo, são aquelas que mais impactam a biodiversidade ou a natureza.
P1- E falando, né, no segundo setor, né, o setor empresarial ao brasileiro no que concerne à sustentabilidade. Como é que tá se pensando, quer dizer, tem uma perspectiva de aos poucos ir mudando esse sistema produtivo, pensando nisso?
R- Olha, por conta da estrutura da organização em que eu trabalho, que é, que tem uma governança muito interessante, tem um conselho, né, onde há empresários, onde há ambientalistas, onde há acadêmicos e tal, eu me lembro que, como eu falei para vocês, eu não trabalhava com meio ambiente, eu trabalhava no CNPq e foi essa tese que eu fiz que acabou tendo uma visibilidade e que acabou me levando a falar sobre ela e me aproximar dos ambientalistas e de ambientes ambientalistas e eu acabei passando para esse lado, fui levado a esse lado, né? E eu me lembro que na época, conversar sobre ambientalismo com empresariado, com diretores executivos, presidentes, etc, era uma coisa estranha, 11 anos atrás, 12 anos atrás, né? A sensação que eu tinha era que os dirigentes de empresas naquela época não tinham tido contato com esse tema, era uma coisa, para eles estranha. Esse contato era mais fácil com escalões mais baixos da governança empresarial, os caras de 30, 40 anos, 40 e tantos anos, que haviam feito suas formações no exterior, os MBAs em algumas escolas aí, esses caras já chegavam inoculados com a idéia de sustentabilidade, de conservação da natureza, etc, né? Eu me lembro que, 10, 11 anos atrás, eu inclusive propus isso pro conselho, que a gente devia começar uma, a desenvolver uma política de contato com esse meio, esse nível intermediário de gestão, porque daí, em 10, 15, 20 anos, quando esses caras chegassem ao topo da pirâmide de comando dessas empresas, eles sim seriam sensíveis a uma mudança de padrões comportamentais e tecnológicos no processo produtivo das suas empresas, né? Eu não tive condição de acompanhar isso, eu não sei dizer se isso que eu estou sugerindo tenha qualquer adesão à verdade, seja, enfim... Mas eu percebo que algo semelhante a isso tá se dando, né, eu começo a perceber agora, na COPPE, o Cláudio Pádua teve aqui hoje de manhã, e eu, o Ipê e o Funbio organizamos uma mesa redonda com alguns empresários de organizações particularmente preocupadas com a sustentabilidade, como a Natura, como a ABN Amro, como a Algar, o Grupo Martins, Alcoa, né? E isso é uma novidade, né, que empresas desse porte comecem a se mobilizar, comecem a se preocupar e a pensar como que, nos seus afazeres, eles poderiam ser mais sustentáveis e mais preocupados com a natureza, né. Isso é uma boa notícia. E eu acho que é particularmente uma boa notícia por conta de uma idéia que eu soltei lá atrás, que eu acho que são os padrões como de produção os que mais impactam a natureza, então se a gente consegue alterar esses padrões de produção nessa escala, é possível também que o impacto seja proporcional à escala, a diminuição, a mitigação do impacto, né?
P1- Portanto, dentro dessa ótica, a sua perspectiva para mais ou menos daqui a 15, 20 anos, você já conseguiu formular uma...
R- Não, eu não tenho um raciocínio desse tipo, porque eu não conheço as velocidades, né? Eu percebo que a velocidade dessa modificação de percepção e comportamento do setor produtivo existe, é real, avança, mas eu não sei se ele é proporcional, maior ou menor, à velocidade da perda. E como a velocidade da perda implica alguns processos irreversíveis, né, há um determinado momento em que você já não consegue mais consertar, você já ultrapassou o limite da possibilidade de reversão daquele processo, o qual não sei, eu não tenho conhecimento se nós já alcançamos ou não, alguns dizem que sim. O Lovelock, que é um pensador importante nessa coisa, há questão de meses atrás, fez uma declaração na Inglaterra que nós já havíamos perdido a corrida, ou seja, que muitos dos processos vitais já tinham alcançado seu limite de irreversibilidade, né? Outros dizem que não. Eu não sei dizer. Mas eu imagino que, pelo nível da conversa, pelo nível das declarações que se têm feito, é possível que nós já tenhamos perdido alguns, como nas espécies, ou seja, nós estamos perdendo espécies em quantidade e em velocidade como jamais perdemos. O aquecimento, qual a possibilidade de reversão das consequências do aquecimento, da mudança climática sobre as calotas polares. É possível reverter isso? Eu não sei. Então, qual a importância? É importante que as empresas estejam modificando e entrando em sintonia e ajustando, mainstreaming, né, os seus processos produtivos. Agora, qual é a adequação disso no tempo da natureza eu não sei.
P1- E você acha que uma ferramenta, não digo uma ferramenta, mas uma coisa que possa ajudar, seja as convenções, quer dizer, tanto...
R- Eu acho que as convenções, elas são… Eu conheço mais a Convenção da Diversidade Biológica, eu acho que, que o conteúdo conceitual das convenções é correto, elas apontam para os problemas reais, elas apontam para discussão que deve estar havendo. O que eu percebo no avanço das convenções, não é tanto dificuldade no seu conteúdo conceitual, o que eu vejo é dificuldade no avanço negocial, geopolítico, financeiro, né? "Como é que nós vamos implementar isso? Quem é que vai bancar isso? Onde é que tá o recurso para isso, né?". E a consequente transmissão desse conteúdo das convenções, para as agências governamentais, para os agentes sócio-econômicos nacionais, porque essas convenções são programas de trabalho nacionais, né? É, como é que o Brasil implementa o conteúdo conceitual, as propostas da Convenção da Diversidade Biológica? Quem é que sabe isso?
P1- É o que eu gostaria de te perguntar. (risos) Eu ia te fazer exatamente essa pergunta!
R- Eu acho que você, você tem, no Ministério do Meio Ambiente, grupos, pessoas, que acompanham a Convenção e que organizaram agora, a Conferência das Partes no Brasil, que são pessoas que têm consciência disso, mas que são pessoas que vivem com um orçamento absolutamente inexpressivo, né, um orçamento operacional inexpressivo, para poder implementar essa convenção no Brasil, né? E essa, a questão do meio ambiente, a questão da biodiversidade, não é unissetorial, ela, como a ministra gosta de dizer, ela é transversal, não é? Então o Ministério do Transporte tem impacto sobre biodiversidade, deveria ter sua política de biodiversidade no transporte, o Ministério da Saúde também, o Ministério de Minas e Energia também, enfim, todos os órgãos governamentais, ministérios governamentais que tivessem impacto sobre a biodiversidade deveriam ter uma política transversal de biodiversidade, né, visando organizá-la no seu contexto geral, nas suas programações de trabalho, etc e tal. Isso não existe, não é? E aí nós caímos na realidade, nas características dos nossos processos governamentais, né, de orçamento, contingenciamento orçamentário, prioridades de recursos, quanto nós dispomos para investimentos diante das nossas políticas de contenção orçamentária, pagamento de dívida, superávit primário, etc e tal, e diante desse contexto todo, a biodiversidade, na verdade, não tem prioridade. Eu não me lembro mais desses números, mas se você se der ao trabalho de estimar quanto do orçamento geral da nação vai pro Ministério do Meio Ambiente, é muito pequeno, é alguma coisa parecida com 4%, alguma coisa assim, não me lembro exatamente do número, mas, outra vez, essa é a medida da importância que nós, como brasileiros, como governo, etc, atribuímos ao meio ambiente.
P1- Portanto, aquela pergunta muito usada, aquele bordão muito usado pela imprensa, “se o Brasil tá fazendo a lição de casa”, ao seu ver está muito atrelado à questão orçamentária mesmo?
R- Ah é, porque de onde mais viria? Vamos lá, vamos pensar juntos, de onde é que viria, se não vier daí? As empresas não vão fazer, elas fazem marginalmente, elas fazem na medida em que aquilo ali é eventualmente um ganho intangível de imagem, não é, ou eventualmente até um bom negócio, porque, do ponto de vista do seu produto, aquilo ali tem um potencial de mercado maior, na medida em que incorpora um produto natural e ganha uma faixa de mercado importante. Mas eu acho que no geral é marginal. É, mas a pergunta é essa, de onde mais viria?
P1- E em relação à Agenda 21, né, você acha que...
R- Em relação a o quê? À Agenda 21?
P1- Agenda 21, tanto nacional quanto local, você acha que o Brasil tem conseguido implementar essas diretrizes firmadas?
R- Eu conheço pouco essa questão, eu até, não sei, eu tenho, assim uma experiência pessoal… Eu, até pouco tempo atrás, até seis meses atrás, eu era morador de um bairro no Rio de Janeiro chamado Santa Teresa, que é um bairro próximo a, ao Corcovado, ali na... encravado na Floresta da Tijuca, e durante oito anos eu fui parte de um grupo chamado Viva Santa, e nós fizemos uma Agenda 21 de Santa Teresa muito parecida metodologicamente ao exercício sobre O que o brasileiro pensa da ecologia? Nós fizemos pesquisas quantitativas e qualitativas com vários bairros, moradores de vários bairros, e fizemos uma agenda sobre o que é que seria a agenda de desenvolvimento local e sustentável para o bairro de Santa Teresa. Foi, como exercício, muito interessante, assim como eu acho que vários exercícios de elaboração de Agendas 21 no Brasil são. Eu tenho informação de que há centenas deles acontecendo, como fóruns políticos para discussão da qualidade ambiental e social de determinadas comunidades, eu vejo isso como muito importante. É, mas eu não sei te responder como o Brasil, né, outra vez, a gente vê avanços na organização social da nossa comunidade brasileira, né? Eu acho que sim, eu acho que, politicamente, né, estruturalmente, institucionalmente, o Brasil avança. Se você olhar a trajetória desde lá do Império até aqui, eu acho que nós temos feito ganhos estruturais significativos na nossa forma de organização, eu acho que a partir de 1979 a sociedade civil brasileira ganhou um impulso muito grande de organização, mas são processos lentos, né, são processos bastante lentos e a velocidade de perda, de desestruturação é muito grande. Há muito tempo que eu não vinha ao centro de São Paulo, né, nos anos 70 eu vinha muito a São Paulo, nos anos 80 eu vinha muito a São Paulo, e o centro da vida econômica de São Paulo era aqui. Há mais de 10 anos, 15 anos, que eu não venho aqui a esse centro de São Paulo, eu fico lá, pelos Jardins, Avenida Paulista, não sei o que e tal. E vim para cá. O nível de empobrecimento do centro de São Paulo, que é a cidade mais rica do Brasil, é impressionante. Assim como é do Rio de Janeiro, assim como é das grandes cidades, né?
P1- E, só que, foi uma pergunta aqui que eu, na verdade, eu pulei, mas eu queria que você contasse um pouquinho, você até falou, foi muito em função da pesquisa que você fez, o livro, mas queria que você falasse um pouquinho da sua trajetória pessoal, como que você chegou à Funbio?
R- Bom, eu fiz Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e entrei para faculdade, entrei para Fundação em 1966. Nós vivíamos o auge do regime militar, da instalação do regime militar, começou em 1964, né? Então em 1965, 1966, várias escolas importantes, escolas superiores importantes no Rio de Janeiro, haviam sido ou fechadas, ou o principal do seu corpo de professores havia sido demitido, afastado, coisas desse tipo. E a Fundação Getúlio Vargas, por razões extremamente particulares, né, o Luís Simões Lopes, que era o presidente da Fundação, era uma pessoa mais ou menos isenta a esse tipo de coisa, acima do bem e do mal, e ele acolheu vários desses professores jubilados, desses intelectuais, foi o ano que terminou o ISEB, que era uma experiência importante de intelectuais no Rio de Janeiro, o Rio de Janeiro ainda muito próximo à capital da República, né, sede de muitos movimentos intelectuais importantes e tal, tinha o Centro de Estudos Brasileiros, Estudos Brasileiros, e tal, muita gente foi, Roland Corbisier, Guerreiro Ramos, Hélio Jaguaribe, Cândido Mendes, ou seja, uma intelectualidade de pensadores sociais, pensadores de Brasil, então ficou meio solta no Rio de Janeiro e encontrou acolhida na Fundação Getúlio Vargas. Então essa época é justamente a época que eu entro na Fundação Getúlio Vargas, eu sou testemunha e passo por um processo de exposição a muitos, a muitas dessas pessoas. Então a Fundação Getúlio Vargas passa a ser, na época que eu a cursei, um centro de reflexão sobre Brasil, muito interessante, né, você pensava o Brasil, você saía, você passava quatro anos lá discutindo Brasil com pessoas que tinham vivido experiências muito fortes de Brasil. Eu fui aluno do Pinheiro Neto, por exemplo, que foi Ministro do Trabalho do Jango, né? E então você, quando tinha aula com essas pessoas, você tinha aula da experiência deles sobre Brasil, uma experiência muito forte de transição de regimes e coisa assim. Então nós… Não tinha como você sair da Fundação Getúlio Vargas sem estar muito sensibilizado, muito mobilizado por Brasil, né? Anos 1960, a questão principal não era exatamente a natureza, o meio ambiente, era o fenômeno urbano, eram as metrópoles, né, o problema, o problema ambiental era poluição, ninguém falava de perda de biodiversidade, era o transporte, eram os problema metropolitanos. Então eu faço aí um concurso para Fulbright, ganho uma bolsa de estudos e vou estudar nos Estados Unidos e faço um mestrado em planejamento urbano e regional em, justamente nisso, nas questões urbanas, questões metropolitanas, questões de desenvolvimento regional. Aí eu tive a oportunidade de seguir meus estudos nos Estados Unidos. E nessa época eu já estagiava, no último ano de Fundação Getúlio Vargas, eu estagiava no IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal, justamente onde essas questões urbanas eram discutidas e trabalhadas e tal. Aí eu recebi um convite do IBAM de fazer um projeto internacional na Paraguai, montar um pequeno banco, um instrumento financeiro com dinheiros estrangeiros, dinheiro alemão, dinheiro da USAID, várias contas, vários doadores, montando um, o que chamava na época, IDM, Instituto de Desarrollo Municipal, do Paraguai, tal. Eu vou para lá, passo dois anos montando isso, essa instituição, que visava justamente apoiar projetos de urbanização nos municípios paraguaios, para Itaipu. Nos dois, três anos anteriores à Itaipu. Então eu presencio a transformação do Paraguai se preparando para Itaipu, o impacto que Itaipu teve naquela economia, naquela sociedade, que foi imenso, impressionante, né? Aí eu volto pro Brasil em 1975 e essa passagem, a partir daí eu começo a desenvolver outros projetos na América Latina, na Bolívia, na Costa Rica. E aí eu sou mordido pela América Latina, e a América Latina é muito mais… Te permite uma visão muito mais estruturada, porque no Brasil, o tamanho do Brasil e a estratificação social no Brasil disfarça muito os fenômenos. Na América Latina, as classes falam idiomas diferentes, se vestem diferente, têm tonalidade de pele diferente, têm cor de cabelo diferente, tá? E isso para mim, naquela época, foi muito importante, ter me descoberto latino americano, que era uma coisa que eu não sabia que eu era, eu era brasileiro, o resto era latino americano, né? E para mim foi uma surpresa enorme descobrir que eu também era latino americano e que eu fazia parte de uma coisa muito maior do que aqueles problemas brasileiros, que, aqueles problemas que eu estudei na Fundação e que me encantaram, etc e tal, tinham outras cores e outras... Eu vou para América Latina, começo a viajar profissionalmente na América Latina, eu não peguei, eu não fiz parte do, eu não fui hippie, eu não fui mochileiro da minha época, eu não tive possibilidade nem oportunidade de fazer isso. Eu fui fazer essas viagens e tal profissionalmente, conhecer a América Latina já profissionalmente, eu comecei a trabalhar muito cedo. E isso me impactou muito. E eu começo um namoro com as ciências sociais, digamos, estruturalistas, chegadas à marxistas e tal, já quando algumas pessoas estavam saindo disso, eu to chegando, né? E ler Régis Debray, ler, enfim, ler os marxistas latino americanos, ler Che, naquela época, quando o Che já tinha morrido, e coisas assim, foi para mim muito importante e definiu o tipo de trabalho, de estudo que eu queria fazer posteriormente. Aí eu já comecei a ler mais seriamente, independente, de uma forma independente, eu já comecei a cumprir programas de leitura meus mesmo, e eu descobri um pensador que também já saía de moda, um húngaro chamado Georg Lukács, e, e fui fundo na leitura do Lukács, como a gente dizia no Brasil, vinha muito a São Paulo, porque aqui em São Paulo tinha um grupo de lukacsianos e a gente lia em conjunto. É, e uma vez, aí eu saí do IBAM, 1975, eu saí do IBAM, fui trabalhar no CNPq, e uma vez trabalhando, passando pela Inglaterra, eu visitei um discípulo de Lukács que ensinava filosofia numa universidade inglesa, István Mészáros, e eu fui conversar com o Mészáros sobre Lukács, não sei o que, e o Meszaros, que era um encantado pela América Latina, me pergunta por que que eu não vou fazer um doutorado com ele. Eu disse: "Mas eu não, eu não sou filósofo, eu sou um diletante, eu sou um, eu leio essas coisas, mas eu não sou profissional disso, eu trabalho com desenvolvimento, com não sei o que, tal". Ah, aí ele assinou um formulário de aceitação na universidade e disse: "Toma, se você um dia achar que quer, tá aí". E no ano seguinte eu fui, né, fui para Inglaterra e passei três anos lá e tive uma experiência formidável de educação, talvez das coisas mais fascinantes, importantes que eu já vi na vida, foi esse, foi esse período de trabalho com o Mészáros, talvez até não pelo formalismo da academia, porque ele não era nada formal, mas pelos desafios que ele colocou, né? Eu me lembro, assim, de ter chegado lá, depois de ter passado, feito meu mestrado nos Estados Unidos, todo estruturado, com teses, temas, não sei o quê, e eu ávido de levar meu problema para ele, e ele balançava a cabeça e dizia: "Não, não, não, não". E eu: "Mas por que que o senhor tá dizendo não?". "O senhor já tem o cartão da biblioteca?". Aí eu falei: "Não". Ele disse: "A primeira coisa, tem que tirar o cartão da biblioteca. Aí depois você vai para lá e fica uns dois anos, tá, e quando você estruturar uma visão de mundo, quando você conseguir se entender no mundo, você vem que a gente conversa. E aí o problema é bobagem, porque o problema é sua interpretação, a partir daquela visão de mundo que você construiu, daquele fato. Então preocupe-se primeiro em forjar uma visão de mundo e deixe o problema para depois", que é justamente o oposto de todo mundo que entra na universidade, correndo atrás de um problema para resolver, porque tem que sair da universidade, que não sei o que lá. E aí o Mészáros me criou um problema, porque, no grave, (risos), eu não tava preparado para isso, e eu fui de fato lá pra, fiquei lá dentro da biblioteca alguns anos, até eu achar que eu tinha uma visão de mundo organizada, o que foi fabuloso, uma experiência fabulosa você se sentir como pessoa estruturada, né, para entender o que tá acontecendo no seu entorno e tal. E na época de definir o problema, ele não me deu muita força, ele disse: "Ah, você já fez o que tinha para fazer, vai embora". E, nesse negócio, eu acabei não terminando a minha tese. E, quando eu cheguei no Brasil, eu senti muita falta dessa coisa. Aí eu fui, entrei num outro doutorado, para fazer uma tese que deu O que o brasileiro pensa da ecologia? Então as coisas estão todas interconectadas. Como é que eu saio lá do Paraguai, vou para América Latina, vou parar no Mészáros, não sei o que, e vou parar na ecologia?
P1- E hoje, na Funbio, é, qual é, o que que você faz, qual é a sua atuação?
R- Varro o chão, faço captação de recurso, limpo a... brincadeira. (risos) Não, mas é, eu fui o primeiro funcionário, fui o, enfim, o Funbio tem uma história interessante de um conselho. Era um dinheiro que surge com a Rio 92, com a Convenção da Diversidade Biológica, o Brasil imediatamente após a Rio 92 pleiteia um, um recurso para implementar essa convenção no Brasil, ganha em 1992 e fica entre 1992 e 1995, acho que vocês lembram que nós tivemos, sei lá, meia dúzia de ministros do meio ambiente, do Lutzemberg ao Goldemberg, passando por um paraense senador, pelo Ricupero, pelo, não me lembro mais, e finalmente o pernambucano Krause, né, então só aí foram cinco que eu mencionei, entre 1992 a 1995, quando o Fernando Henrique entra no governo, entre o Collor e o Fernando Henrique, né? Então aquela decisão que havia sido tomada de que o Brasil receberia 30 milhões de dólares para começar a implementar a Convenção da Diversidade Biológica, aquele, esse assunto é retomado em 1994, 1995, o Krauser era amigo do Roberto Bornhausen, que era presidente do Conselho de Administração do Unibanco, e o Krauser pede ao Bornhausen para organizar como é que seria essa instituição, esse projeto, essa coisa do, de um fundo brasileiro para a biodiversidade que ficasse fora do governo, colaborando com o governo, estruturando, organizando a sociedade civil, particularmente o setor produtivo na implementação dessa convenção, que organizasse isso. O Bornhausen faz, junta um grupo de ambientalistas, de funcionários do governo, de empresários e tal, discute como é que seriam esses modelos, a possibilidade desse modelo, várias alternativas são forjadas, finalmente se decide por um, pela criação de um projeto independente, que seria localizado na Fundação Getúlio Vargas - Rio de Janeiro, por quê? Porque a vice-ministra da época era Aspásia Camargo, que era da Fundação Getúlio Vargas - Rio de Janeiro, então ela influencia para que o projeto seja desenvolvido lá, que, por sua vez, tinha tudo a ver, porque era uma instituição independente, que não atuava em meio ambiente, era uma área nova. E, isso em 1995, e aí fazem um concurso para um diretor executivo dessa instituição. E eu tava justamente numa transição, eu tava saindo de 20 anos de CNPq, tendo terminado meu segundo doutorado, né, que eu tinha feito finalmente a tese, que foi essa coisa O brasileiro pensa da ecologia?, tava nessa transição para esses estudos já, desde os anos 1980 que eu já vinha trabalhando, publicando, pensando, escrevendo sobre sustentabilidade, coisas assim. Eu tava numa transição, eu tava finalmente tomando a decisão de que eu ia para universidade de vez, que eu ia fazer uma carreira acadêmica e tal, e aí sai um anúncio no Globo, procurando um executivo, que eu não vi, um amigo meu viu e mandou meu currículo.
P1- Sem você saber?
R- É. Mas me telefonou na segunda-feira, dizendo: "Olha, saiu um negócio que eu achei que era a tua cara e tal, eu mandei teu currículo". Eu falei: "Mas como você fez isso?!" "É para ver como é que o mercado te vê e te valoriza e te sente". Eu falei: "Mas e se o mercado não me valorizar, como é que vai ficar minha auto-estima, como é que eu vou ficar nisso?". (risos) E, e aí começa um processo, era uma empresa aqui de São Paulo, eu não sabia nada disso, era o Simon Franco, aqui, uma empresa de busca de executivos que conduz esse processo. Terminou que eu fui a pessoa selecionada e, primeiro de abril de 1996, portanto 10 anos atrás, eu mudei minha vida inteiramente. Eu larguei tudo, eu tinha já, estava transitando para a universidade, eu já fazia, eu já tinha uma pequena atividade de consultoria, eu já vinha fazendo vários projetos, vinha orientando várias teses de mestrado, doutorado e não sei o que, eu nunca tinha sido um executivo na vida. E aí fui pro Funbio. E era eu e uma cadeira, né, primeira vez, era uma sala vazia, mais ou menos desse tamanho, uma cadeira, e disseram: "Esse aqui é o Funbio, o senhor, agora, a partir daí, comece". E foi isso. Começamos. Estamos aí hoje com 55 funcionários, 60 e tantos projetos realizados, 30 milhões de dólares negociados, captados, mas não sou eu, né, o que o Funbio é, na verdade, é um conselho muito interessante de pessoas, de lideranças, de ambientalistas, de militantes, de empresários, todos eles muito comprometidos, todos eles com quem eu tava almoçando hoje, o Roberto Bornhausen, o Guilherme Leal, o Roberto Klabin, o Sereno Martins, o Cláudio Pádua, são todos membros do conselho do Funbio.
P1- E tem alguma experiência, algum fato, um evento mais marcante ao longo desses 10 anos de Funbio para você?
R- Cada ano. Cada ano é um, é um conjunto de novas experiências, um conjunto de novos desafios. O que eu fui discutir com eles hoje no almoço é justamente os novos desafios que estão batendo à nossa porta, como que eu tô sentindo a necessidade urgente da gente se repensar, da gente se reestruturar, porque as coisas tão rugindo na nossa porta, as oportunidades, as possibilidades de trabalhar de uma maneira diferente, de crescer, de... Cada ano, cada ano é um desafio novo. Muito interessante, tá certo? Nunca imaginei que fosse viver isso, nunca imaginei que fosse ser dirigente de ONG, ambientalista. (risos)
P1- E isso, qual a sua impressão a respeito?
R- Ah, uma satisfação muito grande, apesar de saber que isso é uma experiência única, né? Eu acho que é muito, é uma experiência muito especial, muito rara, você trabalhar numa ONG que nasce com 20 milhões de dólares, enquanto que a trajetória em geral, usual, de uma ONG é de, de um conjunto de pessoas que tem um ideal, uma idéia, e que corre atrás de cada centavo, né? Eu acho que nós estamos fazendo a trajetória oposta, né, e sem dúvida isso é uma enorme diferença, tem que reconhecer essa diferença, mas, assim, para quem tá vivendo a experiência, é fascinante.
P1- E, Pedro, para você, qual é a relação política e meio ambiente?
R- Toda! É, repara de onde eu to vindo, né, repara, digamos assim, dessa visão de mundo que o Mészáros me propiciou. Eu venho de uma tradição de pensamento que o homem se faz, faz a si mesmo, o que nos… Tem um processo de hominização aí, do homem se transformar num homem, do homem se transformar num ser social. E ele se transforma num ser social através da sua própria produção, ele se produz, ele trabalha para isso, não é, ele se, ele se transforma, ele dá um salto qualitativo do seu estado natural inicial para um estado social, onde as relações são todas elas políticas, né? Então, se nós queremos implementar a Convenção da Diversidade Biológica, é um ato político, nós temos que estabelecer formas para isso, nós temos que negociar isso entre nós, nós temos que definir quais são os padrões de governança, os padrões desses, o de decisão coletiva, de como nós vamos alocar esse recurso, nós temos que trazer para a mesa de negociações nacional a questão da biodiversidade, né?
P1- E o Brasil, como tem se comportado em relação à negociador, como ele tem conseguido implementar essas diretrizes, ou melhor dizendo, no momento de negociar, como você vê o papel do Brasil?
R- Negociar com quem?
P1- Negociar essas convenções, negociar as...
R- Internamente, externamente?
P1- Externamente.
R- Eu fui parte da delegação da COP 7, em Kuala Lumpur, na Malásia. E eu acho que o Brasil tem algumas pessoas, alguns funcionários públicos exemplares no Ministério do Meio Ambiente, no Ministério da Ciência e Tecnologia, no Itamaraty, no Ministério das Relações Exteriores, que são excelentes profissionais que negociam as posições do Brasil. Nem sempre eu acho que as posições que o Brasil leva, pessoalmente, a meu juízo, são posições que eu entendo. Por exemplo, não entendo exatamente qual é a posição do Brasil com respeito à mudança climática, por que que ele é tão resistente a determinar a adoção do mecanismo de desenvolvimento limpo, tem algumas defesas de tese que são prevalentes nas posições do Brasil que a mim me escapam, né? Mas eu diria que, no geral, a qualidade da atuação profissional das delegações brasileiras que eu conheço, principalmente dessa experiência que eu tive na COP 7, foi excelente. Agora, eu acho que o jogo é, como eu disse lá no início, é maior, é um jogo geopolítico maior, né? E no fundo, no fundo, no fundo, o que vai ser feito ou não vai ser feito da Convenção daquilo que é, que resulta das decisões da, de uma Conferência das Partes, lá no último dia, lá no último limite, depende do orçamento, depende de contribuições, depende do GEF, depende do vil metal. E é aí que se dá a geopolítica, aí que se dá, no frigir dos ovos, quem paga a conta é que vai decidir. Então é o que eu disse lá, inicialmente, ou seja, do ponto de vista conceitual, eu acho que as Conferências das Partes, as Convenções, etc, elas avançam, né, mas existe o mundo real, a real politique que fica por trás, que é a questão financeira, a questão orçamentária, a questão da, da conta, quem paga a conta?
P1- Tá ótimo. Pedro, falando um pouquinho da sua situação familiar, você é casado, tem filhos?
R- Sou casado, tenho filhos.
P1- E o que que os seus filhos fazem?
R- Eu tenho um filho de 29 anos que é diplomata, está indo agora para sua primeira missão na África, em Angola, é casado. Tenho um filho de 22 anos, 23 anos, fez agora, que é estudante de psicologia no Rio de Janeiro, e tenho dois filhos menores, um garoto de 14 anos, que tá na escola, e um outro de 11, também na escola. São quatro garotos.
P1- Bacana. E, assim, quais foram, qual é a principal lição que você tirou da sua carreira?
R- Que pergunta difícil, da minha carreira? Caramba! Olha, eu, consciente ou inconscientemente, eu acho que no início, né, mais jovem, movido por valores muito idealistas, né, toda essa coisa da, esse ambiente da Fundação Getúlio Vargas, de nacionalismo, de desenvolvimentismo nacional, de desenvolvimentismo, uma consciência política típica dos anos 1960, início dos anos 1970, né? E depois, de uma maneira mais madura, a partir desse, dessa provocação da minha formação, da minha experiência da América Latina, da minha formação com o Mészáros, né, eu acho que toda minha vida foi regida por valores, sempre. Todas as minhas decisões individuais, as minhas decisões profissionais, minhas, para onde eu ia, o que que eu ia querer fazer, etc, era um misto de idealismo e ideal, um idealismo meio infantil, numa determinada, num determinado momento, e um ideal consciente, um conjunto de valores dos quais eu acho que nunca me afastei. Então, eu tenho uma satisfação muito grande de ter tomado sempre decisões que, das quais eu nunca me arrependi, das minhas decisões profissionais, dos meus caminhos profissionais, nem sempre foram os mais proveitosos financeiramente, nem sempre foram os mais proveitosos materialmente. É, por exemplo, a última decisão dificílima que eu tive que tomar, eu tinha uma oportunidade fora do Brasil, quando eu era mais jovem, eu tinha 30 e tantos anos, 40 anos, minha vida profissional tava começando a tomar rumos, né, eu, eu já tava na metade da minha vida profissional, agora eu vou definir para cá ou para ali, tal, e eu tomei uma decisão de ficar no Rio de Janeiro, que não é exatamente uma cidade fácil para você conseguir emprego, para você conseguir bons salários, para você conseguir boas oportunidades, né? E eu fiz isso, paguei um preço, mas consegui um projeto, me envolver com um projeto como um Funbio, que é extremamente compensador do ponto de vista valorativo, do ponto de vista profissional, né? Então eu acho que essa satisfação de ter tomado as minhas decisões todas com muita independência e muita consciência dos valores que estavam por trás delas.
P1- E para terminar, o que que você achou de ter participado desse projeto de memória, de estar participando, né?
R- É muito interessante para mim, assim, vocês me provocaram com reflexões que há muito tempo eu não faço, algumas delas eu nunca tive oportunidade de fazer, e gostei muito.
P1- Que bom! A gente também!
R- Muito obrigado.
P1- Obrigada pela sua participação.
R- De nada.
[Fim da entrevista]
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