Arte Cidade
Depoimento de Antônio Tomaz da Silva
Entrevistado por Karen Worcman e Ricardo Guanabara
São Paulo, 18/05/1999
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº ARTCID_HV018
Transcrito por Valéria Peixoto de Alencar
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Vamos começar a entrevista?
R – Vamos.
P/1 – Então deixe-me perguntar o seu nome e onde e quando você nasceu.
R – O meu nome é Antônio Tomaz da Silva. Eu nasci na Paraíba, numa cidade por nome de Pocinha, no ano de 1952, no dia sete de dezembro.
P/1 – Essa cidade fica perto de onde? Ela é no litoral ou é no interior?
R – Ela é no interior. Não é bem no interior, ela fica próximo à cidade de Campina Grande. Fica a alguns quilômetros, mas fica próximo.
P/1 – É uma cidade grande ou pequena?
R – Ela é uma cidade pequena, mas bem industrializada, entende? Na época, ela tinha muitos movimentos de um produto chamado sisal, que eles produzem. Ela é pequena, mas é muito movimentada.
P/1 – Como é o nome do seu pai e da sua mãe?
R - O nome do pai é Aprígio Tomaz da Silva.
P/1 – Aprígido?
R – Aprígio Tomaz da Silva.
P/1 – E de sua mãe?
R – Maria Alves da Conceição.
P/1 – Quantos irmãos você tinha?
R – Onze irmãos.
P/1 - ‘Alagoas’, conta um pouco pra mim o que seu pai fazia.
R – O meu pai era agricultor, trabalhava na roça junto com meus irmãos. Só que eu não fui criado junto com ele porque [até] a idade de doze anos eu não fui uma pessoa ligada a agricultura. Eu saí da casa de meu pai e fui pra casa de um tio meu no Recife. De lá, eu ganhei o mundo e comecei a andar no mundo desde [os] doze anos de idade.
Fui pra Recife, com dezesseis voltei pro Ceará. A minha vida era uma rotina, só andando no mundo, parece que eu nasci só pra andar no mundo. Eu parei, vim parar um pouco aqui em São Paulo porque eu casei. Aqui eu construí família, trabalhava, quando eu parei. Mas não parava em cidade nenhuma; ficava um ano,...
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Depoimento de Antônio Tomaz da Silva
Entrevistado por Karen Worcman e Ricardo Guanabara
São Paulo, 18/05/1999
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº ARTCID_HV018
Transcrito por Valéria Peixoto de Alencar
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Vamos começar a entrevista?
R – Vamos.
P/1 – Então deixe-me perguntar o seu nome e onde e quando você nasceu.
R – O meu nome é Antônio Tomaz da Silva. Eu nasci na Paraíba, numa cidade por nome de Pocinha, no ano de 1952, no dia sete de dezembro.
P/1 – Essa cidade fica perto de onde? Ela é no litoral ou é no interior?
R – Ela é no interior. Não é bem no interior, ela fica próximo à cidade de Campina Grande. Fica a alguns quilômetros, mas fica próximo.
P/1 – É uma cidade grande ou pequena?
R – Ela é uma cidade pequena, mas bem industrializada, entende? Na época, ela tinha muitos movimentos de um produto chamado sisal, que eles produzem. Ela é pequena, mas é muito movimentada.
P/1 – Como é o nome do seu pai e da sua mãe?
R - O nome do pai é Aprígio Tomaz da Silva.
P/1 – Aprígido?
R – Aprígio Tomaz da Silva.
P/1 – E de sua mãe?
R – Maria Alves da Conceição.
P/1 – Quantos irmãos você tinha?
R – Onze irmãos.
P/1 - ‘Alagoas’, conta um pouco pra mim o que seu pai fazia.
R – O meu pai era agricultor, trabalhava na roça junto com meus irmãos. Só que eu não fui criado junto com ele porque [até] a idade de doze anos eu não fui uma pessoa ligada a agricultura. Eu saí da casa de meu pai e fui pra casa de um tio meu no Recife. De lá, eu ganhei o mundo e comecei a andar no mundo desde [os] doze anos de idade.
Fui pra Recife, com dezesseis voltei pro Ceará. A minha vida era uma rotina, só andando no mundo, parece que eu nasci só pra andar no mundo. Eu parei, vim parar um pouco aqui em São Paulo porque eu casei. Aqui eu construí família, trabalhava, quando eu parei. Mas não parava em cidade nenhuma; ficava um ano, seis meses, andava por aí. Estive no Amazonas, no Pará, em Brasília, Rio de Janeiro; [em] todas as cidades, as capitais desse Brasil eu estive, tive um pouco de convivência com as pessoas, mas o lugar que mais eu parei foi aqui em São Paulo.
P/1 – Ah é? Bom, já que você andou tanto, eu vou te pedir pra você contar um pouco dessa história. Mas até os doze anos você viveu na casa de seus pais?
R – Dos meus pais.
P/1 – Como era a casa deles?
R – Era um pessoal pobre, vivia na roça, na agricultura. Sabe como é a vida do nordeste. Tem muita dificuldade, não tem recurso, não tem situação de dar estudo, tem aquelas crises de sobrevivência que existem até hoje. Imagine isso anos atrás, né?
P/1 – Mas vocês, por exemplo… O seu pai plantava o quê?
R – Trabalhava com feijão, arroz, milho...
P/1 – Mas eles plantavam pra vocês comerem ou pra vender?
R – Ele plantava pra vender e pra consumo próprio. Porque lá eles fazem o seguinte: eles trabalham, plantam e colhem. Quando chega no final do ano, [de] uma parte daquela colheita eles tiram a quantidade que tem que consumir e o resto eles vendem pra comprar algo pra família. Roupa, calçado, algumas coisas que sejam necessárias.
P/1 - Nessa casa morava, então, você, seus onze irmãos, seu pai, sua mãe e mais alguém?
R – Exatamente. Não, só a família mesmo.
P/1 – Seus avós, por exemplo...
R – Já moravam em outras casas.
P/1 – Mas você lembra deles?
R – Lembro.
P/1 – Como eles eram, o que você lembra?
R – Dos meus avós? Eu tive pouco tempo com eles. No tempo da minha adolescência eu tive pouco tempo. Eu já comecei a partir para o mundo cedo, mas eu lembro um pouco deles. Eles trabalhavam também em roça, tinham sítio. Eu lembro que quando eu ia à casa da minha avó, eu a perturbava muito. Eu era muito querido por eles porque eu, sendo um dos filhos mais velhos... Eu era muito querido pelos meus avós. Então eu chegava lá, eu ia pros partidos de cana ou para o sítio - eles tinham uns sitiozinhos, né? Aquelas frutas melhores, que nem canavial. Criança gosta de chupar cana; eu chegava lá, cortava aquelas canas melhores que tinham e meu avô ficava louco da vida. Coisa de criança, né? E aí por diante.
P/2 – Esses são os pais do seu pai?
R – Do meu pai.
P/2 – E os avós da parte de sua mãe?
R – [Com] os avós da parte de minha mãe eu tive pouca convivência porque o meu avô… Eu o conheci muito pouco porque ele foi militar, os meus tios também, então eles viviam muito no Rio de Janeiro. Ele serviu o exército e vivia mais no Rio de Janeiro, então eu tive pouca convivência com eles. Inclusive, o meu avô, pela parte da minha mãe, ele esteve naquela revolução que teve em São Paulo. Tive pouco conhecimento com eles, pela parte da família da minha mãe, quase todos pertenciam ao lado militar.
P/1 – E você ia à escola nessa época?
R – Olha, pra te falar a verdade, o pouco de sabedoria que eu tenho não veio muito da escola. A minha infância… A minha escola… Se eu falar pra você, você vai achar que não é verdade: eu tive quinze dias de escola. Durante toda a minha vida em uma escola, eu tive quinze dias.
P/1 – Mas por quê?
R – Sei lá, acho que porque eu era adolescente e eu pensava diferente, achava que ganhar o mundo... Não pensava na escola. Como eu não tinha paradeiro, também não pensava em estudar. Estive na escola [por] quinze dias e dali por diante tudo o que eu aprendi foi nesse mundão, foi por conta própria, por determinação minha mesmo.
P/1 – Mas com doze anos, então… Vamos lembrar dessa história, você que decidiu ou foram os seus pais?
R – Eu que decidi.
P/1 – O que te deu?
R – É... Eu sentia dentro de mim que não nasci pra viver na roça, entendeu? E no norte, no nordeste, os pais já encaminham seus filhos pra roça, trabalhar na roça. Eu achava que eu não tinha nascido pra aquilo ali. Eu lembro como hoje: numa quinta-feira, meu pai tinha até discutido com a minha mãe porque eu tinha ido pra cidade de Patos e o tinha deixado com um monte de serviço e não tinha ido ajudá-lo. Quando cheguei à noite, ele tinha até discutido com a minha mãe.
Na quinta-feira, de manhã cedo, eu acordei e eles estavam dormindo. Juntei minhas coisas e desci pra Patos. Pedi para um senhor de idade comprar uma passagem pra mim, peguei o [ônibus da viação] São Geraldo e fui embora pra o Recife. Quando cheguei em Recife, que desci na estação, a polícia de menor me catou. Como eu tinha o endereço do meu tio, irmão da minha mãe que morava no Recife, eu dei o endereço dele, eles entraram em contato com ele e então foi me buscar. Ele tinha oficina mecânica, essas coisas. Ele foi me buscar, me levou pra casa dele e depois meu pai foi atrás de mim. Como eu tinha tomado aquela atitude, achou que [eu] não deveria, conversou com meu pai pra que me deixasse lá com ele. Ali eu fiquei um certo tempo e depois dei continuidade em andar no mundo.
P/1 – Mas lá em Recife você ficou fazendo o quê?
R – Eu fiquei morando na casa do meu tio e trabalhando um pouco na oficina com ele. Ele tinha uma oficina de carro.
P/1 – Você aprendeu a mexer com carro?
R – Aprendi um pouco. Aprendi a dirigir e fazer algumas coisas com carro.
P/1 – Você ficou lá por quanto tempo?
R – Eu fiquei [por] uns dois ou três anos, mais ou menos. Um período de dois a três anos, só.
P/1 – E aí, o que foi que te deu na cabeça? Dali você foi pra onde?
R – Ah, eu pus na cabeça que tinha que conhecer o mundo. Comecei a andar; trabalhava um ano aqui, que nem eu falei pra você, um ano aqui, dois anos ali, seis meses aqui e vamos pra frente. Conheci pessoas maravilhosas, lugares maravilhosos, pessoas que até hoje ainda tenho recordação, assim como...
Existe aquela história, né? Os antepassados falam: “Você anda pelo mundo, você encontra pai.” Eu encontrei pai e mãe, coisas boas e ruins, só que nunca fui pra o lado ruim, nunca me envolvi pra o lado errado. Andei muito pelo mundo, nunca fui preso por causa de coisas erradas. A minha andada nesse meu Brasil foi muito gostosa pra mim. Eu tenho muitas coisas pra contar para os meus filhos e netos, enfim, tudo o que andei nesse país, que é maravilhoso, onde tem muitos que nem... Conheço pessoas que não conhecem nada do Brasil. Que coisa mais linda que existe na Amazônia, no Pará, aquele ‘meião’ de mundo.
P/1 – O que você foi fazer lá?
R – Eu fui pra lá acompanhado de uns colegas pra trabalhar em garimpo.
P/1 – Em que lugar você foi trabalhar no garimpo?
R – Eu trabalhei na... Quando houve aquela época da Serra Pelada eu fui pra lá. Só [que] quando chegamos lá, fomos surpreendidos porque o exército estava fechando. Fomos pra um garimpo bem pra dentro das cidadezinhas que existe, né? Fomos pra outros garimpos, começamos a andar e eu fiquei um ano e oito meses só andando naquela caminhada. Fomos até o Estado do Amazonas.
P/1 – Mas você foi garimpando?
R – Trabalhava um pouco aqui, um pouco ali e ia andando.
P/1 – Mas trabalhava por conta própria ou fazia...
R – Não, a gente trabalhava pra... Tem aqueles caras que tem aquelas dragas, né? Chamava-se draga, onde pesquisa ouro e tira o ouro.
P/1 – E como era o seu trabalho?
R – O trabalho era cavando terra, carregando e pondo na draga. Lavava pra no final do dia ou da semana descarregar e tirar o ouro dela. A gente põe a terra na draga, a devida água vai lavando e aí o ouro vai ficando.
P/1 - E do ouro que encontra vocês ganhavam...
R – Uma porcentagem.
P/1 – Você chegou a ganhar algum dinheiro com isso?
R – A gente ganha, mas gasta. Porque naquela época, eu mesmo tive um problema de malária muito forte. Eu lembro [que] quando eu desisti de trabalhar em garimpo eu tinha até uma ‘quantidadezinha’, mas eu gastei tudo com doença, lá mesmo. É uma ilusão que a gente tem na vida sobre garimpo de ouro. Você consegue, mas você lá mesmo gasta.
P/1 – Me explica melhor, como é que funciona? Você estava onde antes de ir pra lá?
R – Antes de ir pra lá eu estava em Belo Horizonte.
P/1 - Com que idade, por exemplo?
R – Eu já estava com 21 anos.
P/1 – Você tinha ido para Belo Horizonte para fazer o quê?
R – Alguma aventura. Quando cheguei lá, encontrei uns colegas que disseram: “Nós vamos pra o garimpo, vamos pra o Pará.” Eu falei: “Eu vou nessa!” E fui.
P/1 – Vocês foram de ônibus?
R – Fomos de ônibus até uma certa caminhada. Quando nós chegamos em Belém do Pará você vai um pouco naquelas caminhonetes que caminham até certos meios, depois disso você não consegue chegar. No garimpo mesmo você não consegue chegar de carro, nos garimpos bem aprofundados na mata você vai ou de barco ou de voadeira.
P/1 – Aí você chega no garimpo e você fala: “Eu quero trabalhar”? Como é que funciona?
R – Sempre tem os caras à procura das pessoas pra trabalhar. Principalmente, pessoas que nunca trabalharam interessa a eles porque tem como eles explorar melhor. Porque o cara que já está bem sabido dentro do garimpo, eles não conseguem explorar do jeito que eles querem.
P/1 – Como eles querem explorar?
R – Veja bem: o cara que é experiente no garimpo trabalha meio a meio, ele toma conta daquela draga. Os que eles pegam sem experiência, você trabalha que nem um louco e eles te dão 30%. Quer dizer, é mais vantagem pra eles pegar os que não têm experiência.
P/1 – Você trabalha muito? De manhã até que hora?
R – Trabalha. Você começa muito cedo, porque você tem que cavar a terra e depois tombá-la e levar pra aquela draga, pra lavá-la todinha.
P/1 – E você começa umas seis da manhã e vai até que hora?
R – Ah, o interesse é seu. Se quiser virar até a noite pode virar, porque tem gerador de luz e tudo. O garimpo fica que nem uma cidade.
P/1 – O pessoal come onde? Você comia onde?
R – Tem as cantinas.
P/1 – E quem faz a comida?
R – Eles, os proprietários. Quando montam uma cantina, tem de tudo.
P/1 – E você tem que pagar com seu dinheiro pra comer?
R – É, tem que... No final, quando você retira o ouro, que é acertada sua quantidade, você tem aquela parte que tem que pagar pra eles. É um trabalho bem interessante.
P/1 – Mas foi bom ou você na época...
R – Foi bom porque eu adquiri muita experiência andando naquele ‘meião’ de mundo. Muito mato, muito sofrimento, mas quando a gente é jovem [não tem] nada de sofrimento, não leva em conta. Pra mim, hoje, eu não voltaria mais pra fazer aquilo que eu fiz.
P/2 – Quanto tempo foi?
R – Um ano e oito meses.
P/1 – Mas o maior sofrimento que você tinha lá, qual era?
R – Era na hora da gente ir viajar e ir pra cidade buscar óleo diesel pra aqueles motores. Era muito sofrido aquilo lá.
P/1 – O que era difícil nessa viagem?
R – A caminhada. Só mato. Porque tem espécie de caminhada que você não consegue chegar ali e andar de carro. Tem que andar a pé ou pegar aqueles, lá eles chamam de voadeira, aqueles aviõezinhos que levam o pessoal. Às vezes você não quer gastar muito, aí você vai na caminhada. Aquela quantidade de homem levando porque tem que buscar o diesel pra trabalhar na semana.
P/1 – Toda semana vocês faziam essa viagem?
R – A cada quinze dias tinha que ir à cidade buscar óleo diesel.
P/1 – E qual era o divertimento quando vocês estavam esses quinze dias, só lá dentro do garimpo? O que vocês faziam pra se divertir?
R – Alguns trabalham com o pensamento diferente, pra conseguir alguma coisa pra retornar. No meu caso, eu trabalhava mais pensando em conseguir um dinheiro pra andar mais pra frente. O meu desejo era conhecer mais, mais e mais. Pra muitos, eles levam a vida, ganham o dinheiro, vão pra cidade e terminam gastando tudo lá. Lá ganha, lá mesmo eles deixam. Poucos conseguem recursos, pra dizer assim… Eu quase não conheço ninguém, a não ser o dono mesmo, que consiga recursos de garimpo. Quem trabalha lá mesmo fica a vida inteira e termina morrendo por lá. Porque ganha, vai à cidade e gasta pra depois voltar a trabalhar novamente. Eu cheguei num ponto até de pensar e falei: “Esse trabalho é amaldiçoado. Ninguém consegue nada, é melhor eu desistir disso aqui.” Porque você consegue ganhar e lá mesmo deixa.
P/1 – Mas por causa do quê? De mulher?
R – É, eles gastam muito. A gente se envolve muito nesse campo também, né? Doença... E aí haja dinheiro. Porque tudo o que você vai fazer é em troca do ouro, em gramas de ouro, e aí vai embora tudo.
P/2 – A moeda lá é ouro?
R – É ouro.
P/2 – Só vale ouro?
R – Você vai pra aquelas currutelas - chama-se currutela o lugar de farra lá [que] tem mulheres. Paga-se tudo em ouro, a não ser que você vá a uma cidade grande, venda o seu ouro e vá com dinheiro, mas geralmente naqueles acampamentos já são montadas as currutelas para os caras se divertirem. Ali você termina deixando tudo.
Não é bom, não. Eu não aconselharia ninguém mais a ir pra lá sem experiência.
P/1 – Agora ainda tem muito garimpo?
R – Ainda tem muito garimpo. Resta um pouco, ainda resta.
P/1 – Nessa época, o exército estava lá perseguindo vocês?
R – Essa época foi quando fecharam aquele garimpo da Serra Pelada, sabe que foi fechado pelo exército? Até hoje ainda está fechado.
P/2 – E a malária?
R – A malária é uma doença terrível.
P/1 – Você pegou lá?
R – Peguei. Eu cheguei ter duas cruzes de malária. É muito complicado, eu só não morri porque eu tinha uma quantidade de ouro e tinha um colega meu lá e falou: “Vou tirar você daqui. Vou levar você até a cidade, onde eu tenho uma amiga, e a minha amiga vai cuidar de você.” Ela me levou pra um hospital particular.
Como eu consegui me tratar, eu desisti e vim embora. Quando eu vim embora de lá, eu vim pra o Rio de Janeiro.
P/1 – E aí?
R – Do Rio eu não gostei. Eu não gosto do Rio de Janeiro. Vou lá só por causa de parente, do meu pessoal que mora lá. Mas eu nunca gostei do Rio de Janeiro, nunca gostei.
P/1 – Por algum motivo?
R – Não, eu acho uma cidade… O Rio de Janeiro não faz o meu gênero. [De] qualquer outra cidade do Brasil eu gosto, mas eu gosto do Rio de Janeiro pra ir lá rapidinho e voltar.
P/1 – Mas, por que ‘Alagoas’, são as pessoas ou é o tipo da cidade?
R – Eu não sei. Eu não sei o que é que eu não gosto mesmo. As pessoas até que são legais, né? Mas eu não gosto daquela convivência do pessoal do Rio de Janeiro. Eu sou mais... Eu sempre gostei daqui de São Paulo, estou acostumado com São Paulo.
Eu não gostei mesmo, nunca gostei do Rio de Janeiro. Meus irmãos e meus pais moram lá. Meu pai morou lá [por] muitos anos. O meu pai é falecido, já morreu. Morreu no Rio de Janeiro, mas nunca gostei.
P/1 – Então seu pai foi pra lá, como é que aconteceu? Você saiu e foi pra casa do seu tio. Seus pais acabaram vindo pro Rio de Janeiro, com seus irmãos?
R – Foi uma história muito interessante. Você vê: nessa minha caminhada todinha que eu fiz, eu vim ao Rio de Janeiro. Já tinha um irmão meu morando no Rio de Janeiro, estava trabalhando. Falei pra ele: “Eu não vou ficar aqui porque eu não gosto daqui. Não gostei dessa cidade, eu vou pra São Paulo.” Aí vim pra São Paulo, cheguei aqui e comecei a trabalhar. Gostei daqui. Alguns irmãos vieram pra cá também, uns vieram pra o Rio e outros vieram pra cá. Depois, o que estava aqui comigo foi pra o Rio e acabou que o meu pai terminou vindo pra o Rio também.
P/1 – E sua mãe, nessa época?
R – Minha mãe demorou um tempo, mas depois veio.
P/1 – Para o Rio também?
R – Para o Rio. Lá ficaram vários anos, depois eles se separam, os dois. Depois de 41 anos de casados se separaram. Ela veio pra São Paulo morar com a gente e ele ficou lá. Depois ele voltou para o norte e comprou uma fazenda, ficou lá um tempo, depois retornou pra o Rio e foi nessa época que ele faleceu. E hoje minha mãe mora no norte.
P/1 – Ele voltou pra lá?
R – Voltou porque alguns irmãos meus voltaram, pra tomar conta da fazenda que ele tinha comprado. A minha mãe mora lá com eles.
P/2 – Lá em Pocinha?
R – Eles estão morando numa cidade com nome de Teixeira. Não voltaram lá pro natural da gente não, é um pouco mais distante.
P/1 – Você estava no Rio, não gostou e veio pra São Paulo...
R – De São Paulo eu gosto. Eu adoro, eu amo essa cidade.
P/1 – Você chegou aqui… Foi a primeira vez que você veio, quando você veio do Rio?
R – Foi a primeira vez.
P/1 – Você chegou por onde?
R – Eu vim pela Dutra.
P/1 – Saiu ali na Rodoviária do Tietê?
R – Chegando aqui, eu fui... Eu tinha um endereço de uns colegas meus do norte que moravam em Guaianases, onde moro até hoje. Quer dizer, eu não moro aqui no Belém. Eu trabalho, tenho um trabalho nessa região de vinte anos. Já tive trabalho aqui no Tatuapé. No começo trabalhei aqui em uma empresa… Como eu falei pra você, já estive nesse prédio carregando, quando era empresa de tecido. Depois passei a trabalhar por conta própria, quando comecei meu trabalho em áreas sociais.
P/1 – Como é que você começou a trabalhar?
R – Eu trabalhava numa empresa, trabalhava de motorista, aí sofri um acidente. Eu fiquei muito desgostoso porque tive um problema de coluna. Eu me tratava e voltava pra trabalhar, não aguentava mais dirigir caminhão, aí eles queriam me encostar, me deixar dentro da firma de reserva. Eu fiquei desgostoso, tinha oito anos de firma. Pedi minhas contas na firma, queria ir embora. O homem gostava muito de mim, me deu sessenta dias pra eu ficar em casa, pra eu pensar, mas não teve acordo, eu saí.
Quando eu me desliguei da firma, eu falei: “Vou trabalhar por conta própria.” Quando eu comecei, eu falei: “Eu vou trabalhar com reciclagem de papel.” Foi quando eu montei o meu primeiro depósito. Comecei a trabalhar; o primeiro depósito foi dentro de uma favela, foi quando eu comecei a...
P/1 – Mas explica melhor pra gente. Você resolveu trabalhar por conta própria. Por que te deu essa ideia da reciclagem de papel? De onde você tinha visto isso?
R – É que eu via o pessoal trabalhando e achava muito interessante aquilo. Estive em alguns depósitos de conhecidos e eu os via trabalhando. Veja bem: na época que eu trabalhava na firma eu era designado pra fazer entrega no centro da cidade à noite. Era ali na Praça da Sé, naquelas lojas de tecido, só entregava tecido depois de onze horas da noite. Eu ia entregar pela firma e via aquele pessoal trabalhando. Não tem aquele trabalho de reciclagem daquele pessoal que cata papel ali na cidade?
P/1 – Aquele pessoal catando papel?
R – Catando papel, tem aqueles caminhões carregando. Eu ficava vendo aquele pessoal trabalhando ali e eu falei: “Sabe de uma coisa? Um dia, quando eu sair do trabalho, eu vou montar isso aqui pra mim.” Comecei a pesquisar e perguntar como é que era; comecei a me informar como fazia, como eu conseguia. Fui buscando a experiência. Quando eu resolvi sair da empresa que eu trabalhava, parti direto. Fui direto pra reciclagem.
P/1 – Você montou seu depósito onde?
R – Aqui debaixo da ponte do Tatuapé.
P/1 – Como é que se chama essa favela?
R – Hoje ela é bem pequenininha, na época ela era grande. O Jânio Quadros tirou. O meu primeiro depósito foi aqui debaixo da ponte, aqui no Tatuapé mesmo, onde tem o circo aqui. Ao lado do circo tem uma favelinha, não tem ali? Foi ali debaixo que eu montei o meu primeiro depósito.
P/1 – Mas o que era? Você arrumou uma casa e o que aconteceu?
R – Eu cheguei ali trazendo pouco conhecimento com as pessoas. Fui conhecendo algumas pessoas e cheguei. Eu já vim com a ideia de montar um depósito. Foi quando o cara falou: “Os espaços aqui são muito pequenos.” E eu cheguei. Como eu tinha recebido um dinheirinho da firma, comprei uma perua Kombi. Lembro que eu comprei três barracos, desmanchei os três barracos e fiz um depósito.
P/1 – E quem catava papel?
R – Eu tinha um pessoal, os carrinheiros, que buscavam papel na rua e tinha a Kombi, que eu saía a noite pra ir buscar. Quando era de dia eu começava a fazer a reciclagem.
P/1 – Vocês que faziam a reciclagem?
R – É.
P/1 – Como é que faz?
R – A gente monta uma peneira e depois a gente busca a reciclagem. Ela é feita mais em papel de escritório, aqueles sacos de banco e de escritório. Na rua você vai catando papelão, ferro... Retira aquela sacaria de banco; ali [é] onde tem o material mais precioso - o papel branco, que é a listagem. São os melhores materiais. Depois você põe naquela peneira e separa todos.
P/1 – Fica com aquele papel?
R – Aí o deixa prontinho, limpinho pra ele ser industrializado.
P/1 – E você vende pra quem?
R – A gente vende para as fábricas de papel. Sempre tem um pessoal das fábricas, eles têm os depósitos grandes que compram e vai.
P/1 – Você vende pra depósito de fábrica de papel?
R – É. Os caras que eu trabalho são fabricantes. Eu trabalho pra uma firma lá no bairro do Jaçanã. Eles são donos da Porto Ferreira, uma fábrica muito grande que tem lá em Porto Ferreira. Eles são donos de uma fábrica em Arujá, só que eles têm aquele depósito onde vão acumulando tudo que compram e põem ali dentro. Dali eles transportam pra fábrica deles.
Eles são fabricantes próprios. Eles trabalham com papel branco e com papelão, só esse tipo de coisa.
É muito interessante a área da reciclagem. A gente tem muita prioridade pelo pessoal da cidade, tem os seus valores. A reciclagem tem os seus valores porque... Eu não sei se vocês sabem, mas cada cinquenta quilos de papel que a gente recolhe é uma árvore que evita de ser cortada. Na área da reciclagem, você oferece benefício, porque além de trabalhar você também gera emprego pra os outros. Quando você cata o papel, você leva pro seu depósito. Estou fazendo o meu trabalho, ganhando a minha vida, o meu sustento. Você já está mandando pra outro lugar que está gerando emprego e também já está ajudando o meio ambiente, porque cada material que você acolhe é uma árvore que evita de ser cortada. Você faz um trabalho que oferece outros bons lados também: gera emprego e oferece ao meio ambiente uma coisa interessante, evita de ser destruído.
P/2 – Quantas pessoas trabalham com você?
R – Eu já tive um certo nível bem alto. Eu diminuí muito, porque me envolvi em outros trabalhos sociais e tive problemas também com funcionários e a justiça. Cheguei uma época a ter 35 funcionários. Tinha dois caminhões na rua, era um trabalho maravilhoso, que nem os meninos vizinhos lá têm. Tinha dois caminhões na rua, tinha 35 funcionários, mas depois comecei a ter problema na justiça porque o ramo do papel, do cara que trabalha colhendo na rua, ele não tem firma aberta. Ele trabalha com as pessoas clandestinas também e eu como tinha um grupo muito grande de pessoas...
Não tinha experiência como funcionava uma firma. Achava que ia tudo bem. Quando pensei que não, terminei parando na justiça.
P/1 – Por que um funcionário botou você lá?
R – Dez de uma vez só. Desanimei um pouco. Eu falei: “Sabe que eu vou continuar, mas bem devagarzinho.” [Em vez] de eu crescer mais, eu diminuí; não quis ter mais aqueles problemas, achei uma coisa muito complicada. Eu sempre vivi minha vida, nunca tive dor de cabeça, só faltava explodir pensando naqueles problemas.
Hoje não, hoje é mais fácil. Devido ao desemprego, você abre uma frente de trabalho e trabalha em cima das pessoas com contrato. Contrato de três meses, seis meses, hoje é mais fácil, hoje eu já penso em crescer mais. Antigamente era duro, a pessoa ia à Justiça - trabalhava sem registrar e o juiz não queria nem saber, você tem que pagar.
Eu lembro que uma vez fiquei tão desesperado que o juiz falou: “É, meu irmão. Se for preciso vender até o fogão da sua casa pra pagar os funcionários, vai ter que vender.” Eu achei aquilo um absurdo, eu achava um absurdo, mas era a lei, era a justiça, então ele estava certo, eu que não entendia. Hoje não, hoje é mais fácil: só um contrato, três meses, seis meses. [Quando] terminou você dispensa aquelas pessoas ou renova, contrata novamente. Por isso, eu diminui muito. Parei um pouco, me envolvi em outros trabalhos.
P/1 – Que outros trabalhos você foi fazer? Em que ano você tinha esse depósito grande com 35 pessoas?
R – Foi em 94.
P/1 – Quer dizer, antes disso é que teve essa história que você começou seu trabalho político?
R – Depois eu comecei entrar no... Eu sempre fui um cara ligado em política, mas eu não me aperfeiçoava totalmente. Quando eu diminuí o depósito, foi quando começou a luta mais acirrada por aquela área que o pessoal mora, naquela favela.
P/1 – Qual é a favela?
R – Nelson Cruz.
P/1 – É essa a mesma do Tatuapé?
R – Não.
P/1 – Essa é a favela do Jequitinhonha que a gente está falando?
R – Não. A Nelson Cruz é aquela onde vocês foram me buscar, ali se chama Favela Nelson Cruz.
Nas outras favelas não tinha trabalho social ou político; brigar pelo direito do povo, né? Naquela lá é que eu comecei. Eu fui vendo as coisas: todo mundo desfazia daquele pessoal. Eu comecei a observar um lado… Por que tinha aquela favela e ela era tão discriminada pelas outras pessoas. Comecei a desenvolver um trabalho e consegui achar alguns recursos que me ajudavam a buscar o direto deles. Quando eu fui me aperfeiçoando mais, foi quando começaram as perseguições pelas autoridades dos locais.
P/1 – Explique melhor pra gente. Exatamente o que você achou pra ajudar as pessoas?
R – Eu achava que no Brasil que a gente estava vivendo era um absurdo aquelas pessoas não terem o direito delas também. Eles tinham que ter o direito deles como cidadãos brasileiros. Eles não tinham uma situação de vida de ter o seu dinheiro pra comprar sua casa ou morar onde quisessem. Eles não estavam ali porque queriam, estavam porque a situação os obrigava a morar ali. Porque aquela favela é formada por quase toda a maioria das pessoas que moravam naqueles cortiços da Avenida Celso Garcia. Eles não aguentavam pagar aluguel e [isso] fez com que eles fossem parar naquele local, mas eram pessoas trabalhadoras, a maioria delas.
Eu fiz um levantamento numa época: 80% do pessoal que morava naquela favela eram trabalhadores. Hoje pode não estar nesse nível, por causa do desemprego.
Eu achava… Como houve uma discriminação muito grande - talvez até um direito deles. O pessoal do Belém, por ser uma classe mais elevada e o pessoal da DPM, por ter um clube enorme ali ao lado, eles tinham direito de não querer aquela favela ali. Mas aí, dentro de mim, veio aquela coisa: “Mas por que não querer? Será que esse pessoal não tem o direito deles também? Eles não são cidadãos brasileiros?” Foi onde começou a minha luta pelos direitos deles.
P/1 – E como é que foi essa luta? Você estava lutando por quê? Para eles ficarem lá?
R – Pra que eles ficassem lá, permanecessem lá. Foi onde começaram a sair os primeiros processos de terra daquela área. Eles ganharam aquela área de terra na justiça. Na época foi um problema muito sério, foi uma coisa que eu fiz e no momento eu não pensei que poderia correr risco de vida. Eu levei a coisa a sério, enfrentei aquelas autoridades ali da DPM, encarei o pessoal do Belém que não queria, não aceitava. Até hoje uma parte não aceita aquela favela ali.
Levei o caso a sério, fui à justiça, recebi ajuda das Igrejas, como a Assembleia de Deus e a Igreja Católica porque eu estava fazendo um trabalho certo, ajudando a comunidade. Eu fui em frente, mas tive problemas; fui parar algumas vezes no Secretário de Segurança, por perseguição. Como eu não morava ali, eu morava em Guaianases, eu chego um pouco tarde. Quando eu chegava, o pessoal: “Nossa, ‘Alagoas’, a polícia esteve aqui, toda armada; falou que vai matar todo mundo, vai tirar todo mundo daqui.” Eu falava: “Calma, gente.” Ia ao advogado deles - eles tinham um advogado. Conversava com o advogado, os advogados chegavam e iam até os pastores ou o padre pra conversar. Foi onde eu, conversando com outras pessoas, encontrei um cara que cuidava do lado de crianças, aí ele disse: “Lá tem muita criança. Vocês têm um trabalho ali muito interessante de reciclagem e me pertence, eu vou te orientar”. Foi quando ele me encaminhou para o lado dos políticos. Eu recebi ajuda de políticos que me encaminharam até o secretário, pra que esclarecessem pra aquele pessoal os direitos que aquelas pessoas que estão ali têm também. Pelo meu pensamento eu achava o seguinte: a DPM e o Belém, se eles achavam - acham até hoje - que não pode ter a favela ali, realmente nem eu queria que tivesse favela ali, pois, já deveriam ter elaborado um projeto junto com o prefeito e com o governo do Estado, enfim, um projeto pra ali. O pessoal não quer que a favela continue ali, eles estão lutando, brigando pra que o governo abra os olhos e veja que eles querem um projeto de moradia, igual que tem em outras áreas. Só que eles querem ficar ali e uma parte do Belém acha que eles não podem ficar. Agora já está mais difícil, porque eles conseguiram a posse daquelas terras, ganharam na justiça.
P/2 – De quem é essa área?
R – Aquela área tem uma complicação muito grande. Aquela área pertence a uma senhora que se chama Dona Vitória, mas no processo da justiça foi descoberto que tinha problemas ali. O secretário falou que aquelas terras têm problemas, a maior parte pertence ao Estado. No outro processo, o juiz lá em Brasília achou uma falha dela. Eu não sei por qual motivo ela tinha um pequeno terreno e elaborou um documento da área toda. Gerou a confusão e ele achou de dar o direito para as pessoas, só que na época nós tentávamos negociar com ela.
P/1 – Vocês a conhecem?
R – Eu a conheço.
P/1 – Ela é do Belém?
R – É não, ela mora lá pra cidade. Aquela terra tinha realmente um problema porque eu acho que o juiz não ia dar um direito a uma população se não houvesse um erro. Bom, ele estudou, analisou todo o processo e deve saber, né?
P/1 – Vocês tentaram negociar com ela?
R – Tentamos duas vezes.
P/1 – E ela?
R – Tentamos duas vezes. Da última vez, no último processo, o Rildo, que é o advogado deles, tentou fazer uma negociação com o advogado dela e ele falou bem assim, que não negociaria com aquele tipo de gente. Ele tinha certeza que o governo Paulo Maluf, que estava na prefeitura, ia resolver aquele problema. Foi onde o juiz achou uma discriminação com as pessoas que estavam tentando uma negociação, aí deu a causa pra eles como perdida.
A gente, hoje, tenta negociar um projeto pra aquilo ali. O meu sonho é buscar recursos; como eu tenho uma influência na política muito forte estou sempre brigando em trazer um projeto pra aquele pessoal - um projeto de moradia, porque não pode continuar favela! Ali é uma área muito elevada pra continuar como favela. A gente espera que alguns dos homens que estão no poder abram os olhos e tirem um pouco de verba pra investir naquele...
P/1 – Você precisam é de um dinheiro que venha...
R – É um projeto. Nós precisamos bem de um projeto que venha a favorecer aquelas pessoas daquele lugar.
Outro dia, eu tive uma reunião com o pessoal da Cavo e da Prefeitura. Uma reunião com essa diretoria nova que está na Prefeitura da Mooca. Foi bem interessante, bem produtiva a reunião. Eles queriam a organização naquela rua - você vê que aquela rua está mais ou menos bem cuidada. Eu falei: “Tudo bem, eu estou à disposição de vocês pra gente fazer o melhor.” Nós tivemos a reunião, foi muito interessante aquela reunião. O que nós conversamos? Pra manter uma organização de limpeza, conseguir levar dados pra alguns governantes e que tentassem mandar algumas pessoas pra elaborar algum projeto pra aquela área. Inclusive teve um pessoal ligado ao governo do Estado, estiveram lá; eu participei de um seminário com eles e coloquei as propostas.
Nessa reunião que nós tivemos houve até um debate um pouco acirrado porque, não sei como eles descobriram, alguém falou pra eles que eu tinha rejeitado o Cingapura uma vez ali. Realmente eu rejeitei, porque não é justo você ter uma luta numa área… O povo está acostumado numa área. Na época, o Cingapura veio e na hora que fizemos e elaboramos todo o projeto, eu falei: “Bom, eu assino que saia um projeto de Cingapura aqui. Se for nesse termo, nós tiramos metade da favela, colocamos no alojamento e começam as obras.” Não dá pra confiar nos homens que estão no poder. Eles não aceitaram, porque geralmente tinham um pensamento diferente: era tirar o pessoal, pôr no alojamento e depois construir lá na Cidade Tirandentes, aí eu não aceitei.
Dando continuidade, o rapaz que era o chefe da regional falou: “‘Alagoas’, você poderia me explicar por que acontecem os vandalismos no Cingapura?” Por que nós não aceitamos o Cingapura? Vamos supor que eu consiga um projeto pra eles. Eu vou ter que preparar todos, pra quando eles forem morar na casa própria saberem o que significa uma casa, porque eles não sabem. Ali tem casas boas de bloco, não tem? Construídas? Mas eles não sabem o que significa uma casa própria, eles não têm experiência.
No caso que ele me falou: eles foram ao Cingapura, quando chegaram lá [estava] tudo quebrado, tudo bagunçado. [Queria saber] se eu poderia explicar pra ele. Eu falei: “Explico. O problema é o seguinte: vocês constroem um projeto e não preparam o pessoal, então quando pessoal passa pra dentro, eles não sabem como é que veio aquilo ali.” Se você faz um projeto pra aquelas 600 famílias ali: “Gente, vem um projeto. Nós vamos ter uma escola pra todos. Não tudo de uma vez, um pouco de cada vez, cada semana um pouco, é assim, assim, assim.” Você vai preparando as pessoas de acordo com o projeto que vai vir, que nem o CDHU.
O CDHU é um projeto maravilhoso. Eu acho uma coisa fantástica, eles preparam as pessoas. Quando a pessoa passa pra morar no apartamento, ele já sabe todas as regras que existem dentro de um condomínio, enfim, o que é que significa a casa pra ele, então não tem problema nenhum. Já no Cingapura não. O Cingapura não prepara a pessoa, então continua pior de que fosse uma favela, termina se tornando uma favela organizada, porque eles não preparam as pessoas. E outra - existe dentro daquela favela 600 famílias. Eu falo todo dia pra eles: “Se houver um projeto aqui, eu tenho certeza que o máximo que vai morar é 400 famílias. Tem pessoas que não vão conseguir morar porque não vão cumprir a regra como ela é determinada pra quando receber aquele moradia.” E aí por diante, né? É uma coisa muito complicada.
P/1 – O pessoal que mora nessa favela vem basicamente desses cortiços?
R – Com certeza.
P/1 – A maior parte é de São Paulo, do Nordeste ou de onde?
R – A maior parte é nordestino. Vamos supor, 95% nordestino.
P/1 – E eles eram trabalhadores de quê?
R – Você veja bem: há cinco anos atrás existia muito trabalho em São Paulo, muita indústria, então eles trabalhavam em indústria. Hoje [é] a minoria que trabalha, né? Ali dentro mesmo moram uns três que eu conheço que trabalhavam ali ao lado, na Matarazzo. A Matarazzo fechou, faliu, hoje vão construir prédio e ficaram desempregados até hoje, com quase vinte anos de firma que tinham. Hoje estão morando numa favela, é a causa de terem ido parar numa favela.
Acho até que se ele tivesse recebido os direitos dele, a justiça tivesse obrigado, mesmo que a fábrica tivesse falido, a pagar os direitos, ele talvez tivesse conseguido. Não estaria morando na favela, [estaria] na casa própria dele, mas não. Ele hoje mora na favela e trabalhava ali ao lado.
P/1 – E essa coisa de trabalhar com a reciclagem de papel, como é que funciona isso na favela? O depósito que tem lá é seu?
R – É meu. Tem meu e tem mais depósito, né?
P/1 – Tem quantos depósitos?
R – Agora tem, entre pequenos e grandes, cinco.
P/1 – E grande parte dos moradores da favela trabalham [lá]? Quantas pessoas da favela trabalham no depósito?
R – O depósito que acopla mais gente é o do Marco, é dos irmãos lá. Naquele lá trabalha um bocado de gente.
P/1 – Que é isso: muita gente?
R – A quantidade, eles trabalham com umas 25 pessoas, mais ou menos. Nos outros, sempre é quatro, cinco, seis pessoas.
P/1 – Então do total dessa favela que tem 600 famílias tem umas cem pessoas trabalhando?
R – Tem, apesar de que já houve muito mais ali. Alguns depósitos ficaram pequenos, ficou apertado o espaço e foram obrigados a mudar dali. Existe depósito que começou ali, inclusive tem deles que eu ensinei como era a reciclagem. Que nem os irmãos mesmo, foram praticamente alunos meus, eu que passei pra eles. Quando eles começaram com uma carroça, iam buscar na rua. Eles mesmos limpavam. Estavam desempregados e dali eles começaram; hoje você vê que estão com uma potência que nem os outros.
Tem mais três depósitos enormes no Aricanduva que funcionam com mais de cem pessoas cada um. Foi fruto dali. Eles começaram ali; mudaram dali porque o espaço ficou pequeno e começou a fechar muito a rua. A perseguição das autoridades… Eles tiveram que mudar pra outros lugares. Existem pessoas dali que trabalham nos outros depósitos.
P/1 – Essa é uma atividade que… O pessoal da favela é integrado nela?
R – Ah, são.
P/1 – A favela ganha alguma coisa com isso?
R – Ganha sim.
P/1 – Como é que funciona?
R – Aqueles depósitos que funcionam ali, quando existe um probleminha que tem que ser resolvido, que dependa de recursos, os depósitos vão lá e cobrem. Qualquer problema que tem [lá], os depósitos estão no caminho de defender aquela causa que seja sobre eles.
P/1 – Uma pessoa que trabalha lá no depósito ganha muito? Quanto ganha?
R – Dependendo do horário o salário dele chega… Porque trabalham mais mulheres, né? Mais aquelas mães. Dependendo do horário que ela pode trabalhar. Aquelas que podem trabalhar integralmente chegam a ganhar duzentos, 220 reais por mês. Seria sessenta reais por semana, [com] trabalho de segunda à sexta.
P/1 – Mas elas ficam trabalhando lá, né? O pessoal que sai pra rua é mulher também?
R – Não, só homem. Na parte de rua são mais os jovens, aqueles garotos que estudam de manhã e vão à tarde. Eles trabalham… Que nem no depósito dos irmãos mesmo, tem uns quatro garotos que são os que vão pra rua pra carregar os caminhões. Eles estudam de manhã e na parte da tarde eles vão pra rua.
P/1 – E como vocês sabem onde que tem papel e onde não tem?
R – Já conhecemos os pontos. Todo cara que trabalha na reciclagem já tem os seus setores; eles já têm os seus pontos, seus setores. É muito bem elaborado. Vamos supor [que] exista uma organização [em] que os outros não invadem o campo do outro. Cada um tem o seu setor, porque São Paulo é muito grande, tem campo pra todos. Então você faz um setor.
Veja bem: eu, na minha época, tirava papel no Terraço Itália e fazia uns setores em Santo Amaro. É que depois eu parei com os caminhões e passei pra alguns amigos meus do Aricanduva, então fiquei com setores da região do Tatuapé, que seria a [Praça] Sílvio Romero, o setor aqui embaixo, perto da biblioteca, aqui na Celso Garcia, que tem muitos bancos e a Vila Maria e o Belém também. Esses setores me pertencem. Às vezes, outros papeleiros… Passam alguns que não conhecem e catam algum papel seu, mas eles já sabem que eu trabalho nessa área e cada um faz o seu setor. Por exemplo, o setor dos irmãos é lá pro lado de Moema, aquele meio de mundo. Cada um arruma seu setor e os outros não...
P/1 – Como é que se decide... E se eu fosse montar um depósito amanhã?
R – No começo é dramático. Você vai entrar em campo dos outros, mas aí existe uma união, você explica. Você passa hoje e seu papel alguém pegou. Amanhã vou chegar mais cedo, vou ver quem é que está pegando, aí você passa e: “Amigo, esse papel, eu trabalho nesse setor, então...” Você já fica sabendo que aquele setor pertence a fulano, então você já procura outro campo.
P/2 – E esse pessoal que anda com as carrocinhas?
R – Com as carrocinhas, esses são sofredores. Eles andam na rua, o que eles encontrarem vão pegando, só que eles levam pro próprio depósito. Eles terminam deixando aquele material que recolhem na rua.
Eu tenho carroceiro lá também, tenho seis carroceiros que trabalham na rua. Inclusive tem dois senhores [com] mais de 70 anos, trabalham na rua. Eles catam na rua. O que forem encontrando eles levam para o depósito. Chega lá, a gente pesa, paga pra eles o valor e mistura com os outros materiais.
É muito interessante a área da reciclagem. É uma coisa que era pra ser mais... Eu acho que os homens… Quando tem um problema de emprego no nosso país, deveriam oferecer mais um espaço pra que se desenvolvesse mais à vontade porque nós tivemos muita situação de trabalho. Ofereciam vantagem na época da... Sabe que na [gestão da] prefeita Luíza Erundina ela ampliou muito essa área e teve futuro porque na área da reciclagem ganha hoje os três lados: quem trabalha reciclando consegue recursos pra sobreviver, o lado que gera emprego, o meio ambiente e a prefeitura também ganha, já que a prefeitura paga pra tirar o lixo e sendo reciclado ela não está pagando nada. Só que nós recebemos algumas vantagens pela prefeitura, não temos perseguição.
Você vê, ela não persegue o catador de papel, não é perseguido porque oferece vantagens. Você vai à cidade com um caminhão catar papel; um caminhão vem com cinco toneladas de sacaria de papel. Quanto vai sobrar, quanto vai entrar de lucro nos cofres públicos? Aquilo ali vai ser pago; a empresa que colhe o lixo cobra por quilo e ele, sendo reciclado, a prefeitura não paga pra ser tirado da rua. E quantos milhões de toneladas de papel são reciclados nessa cidade! Deveria ter um programa pra incentivar mais as pessoas a separar os seus lixos, já colocar separado: “Bom, esse aqui é lixo orgânico, então esse aqui o lixeiro vai levar. Esse serve pra alguma coisa, eu vou deixar aqui de lado.” Mesmo que deixasse ensacado pra quando o carrinheiro ou o catador de papel viessem… Já estava ali, ele pegava só aquele material, pra levar pra própria sobrevivência dele.
P/2 – Você falou que você fez quinze dias de escola. Quem te ensinou a ler, a escrever? Como é que você aprendeu?
R – Eu aprendi na escola, lembro até hoje. Nesses quinze dias de escola tinha uma professora muito boa, não sei se ela ainda é viva hoje. Eu aprendi fazer meu nome, ler um pouquinho e fazer conta. Pra fazer conta... Eu às vezes penso até que dentro da minha cabeça tem um computador. (risos) E daí por diante eu comecei ler por conta própria, entendeu? Eu sempre gostei de ler jornais e livro, né? Eu gosto muito de ler e aí eu fui desenvolvendo.
P/1 – E a conta, você também foi desenvolvendo?
R – Desenvolvendo. Tanto que na conta, se o cara me der um computador… Na minha casa tem computador, meu filho estuda. Aquilo ali, pra mim, não sei pra onde vai; se me der uma calculadora não sei pra onde vai. Se me der uma conta e uma caneta, aí sim, sem dúvida, eu faço a conta e mando lá na calculadora ver se não está certo. Por aí foi que eu fui desenvolvendo, por conta própria.
P/2 – Você falou que era socialista. Quando é que você descobriu isso?
R – Eu descobri há muito tempo, alguns anos atrás, só que ficava dentro da gente porque tinha medo. De uns certos anos pra cá a coisa mudou mais no país, aí a gente vai desenvolvendo mais um pouco. Inclusive, nos mais passados, tinha as perseguições, você não podia...
Eu sempre via aquela luta naquele nordeste, naquele sertão, aquelas perseguições em cima daquele pessoal. Eu achava aquilo terrível, o cara não podia ser aquilo que ele queria ser, tinha as perseguições. De uns certos anos pra cá, da morte de Tancredo pra cá, abriu mais um espaço. Você podia lutar mais pela sociedade, brigar e já pode ir mais à frente, mais que aquela coisa de ser…
Veja bem, quase toda pessoa que, acho assim, que é nascida no meu estado, na Paraíba, eles são assim um pouco mais à esquerda, quase todos. Se você chegar lá realmente, você sente que o pessoal é meio de esquerda. Acho que já é uma coisa da terra mesmo. Já nasce meio briguento da terra quando nasce, é uma origem que vem da terra. Alguns anos atrás você não podia desenvolver, mas hoje já existe um campo que você pode abrir a boca, pode falar, pode lutar.
P/1 – E quando não podia, você já era?
R – Já era sim.
P/1 – Você participava de algum?
R – Participava. Eu lembro que uma vez, retornando à minha terra… Eu já estava grandinho já naquela época, não lembro que ano foi. Foi no ano [em] que eles prenderam Miguel Arraes, que houve aquela revolução; eu lembro que eu estava em um conflito de uma vez. Eu fui sem querer mais o meu tio - negócio de sindicato, essas coisas - e quando chegou lá, saiu um rendez-vous tão grande que bateram em pessoas, entende? Então eu já ficava traumatizado com aquilo. Desde aquela vez eu guardei dentro de mim. Um dia, eu vou poder desabafar aquilo que até hoje ainda está guardado, que aconteceu naquele fato, daquela guerra, daquele problema com aqueles moradores.
P/2 – Isso foi onde?
R – Foi lá na Paraíba mesmo. Aconteceu de ir participar porque eu tinha chegado de uma viagem. Eu andava no mundo e de vez em quando eu voltava, retornava a minha terra. Ia visitar meus pais, só que eu chegava e rapidinho caía fora no mundo. Justamente naquela semana que eu cheguei disseram que ia ter um ato sobre um negócio de sindicato. Eu falei: “Eu vou sim, eu quero ir.” Mas eu era muito jovem, fui participar e na hora saiu uma confusão terrível; teve gente que apanhou pra caramba e eu fiquei com aquilo dentro de mim. Poxa, todos trabalhadores, lutando pela sobrevivência e não têm direito, né? E eu ficava: “Um dia vai acontecer que esse campo vai abrir e a gente vai conseguir brigar pelos direitos sociais.” Hoje já é mais fácil, hoje a gente já fala mais alto um pouco, apesar que ainda tem uma elite muito grande pela frente, mas já tem um certo campo aberto.
P/1 – ‘Alagoas’, o seu trabalho na favela é de organizar a favela também?
R – Organizar a favela. Não só na favela como… Você veja bem, a minha vida se tornou assim muito problemática. Eu arranjei tanto trabalho, que tem hora que eu nem sei o que é que eu faço: se eu cuido demais do meu depósito ou cuido das pessoas. Eu tenho um grupo político em Guaianases que trabalha só em área social, inclusive nós temos um jornalzinho em Guaianases, o Jornal do Estudante. Nós somos em dez, é um grupo político. Trabalhamos pra área social, escola, nos bairros, na associações, e tenho esse trabalho aqui também.
Eu estou dividido. Já que eu desenvolvo um trabalho pra eles aqui, eu achei que tinha o dever de onde eu morava também desenvolver algum trabalho. Lá, eu tenho uns projetos de cooperativa; está pra ser aprovado pra levar pra aquela juventude lá, certo? Porque precisa, né? Guaianases, a zona leste é uma área muito esquecida, muito abandonada, então alguém tem que fazer alguma coisa.
P/2 – Essa cooperativa é de quê?
R – Eu estive no Rio Grande do Sul acompanhando uns projetos. Nós temos um projeto pra Guaianases de uma fábrica, nem que comece pouco, que é um trabalho pra levar pra os adolescentes que querem trabalhar. É um fábrica de fraldas descartáveis, porque já se pensou em muitos setores. Costura não dá mais, hoje. Pra montar um depósito de reciclagem lá é complicado. Eu já trabalhei nesse campo de fralda, já tive uma fabriquinha de fralda que eu depois negociei com uma mulher. Eu achei que deveria abrir uma fábrica em Guaianases disso, porque trabalha mulher, trabalha jovem e é uma coisa que as pessoas sempre... Toda criança usa. No Rio Grande do Sul tem uma que é um sucesso, inclusive já tenho visto até mercadoria dela aqui em São Paulo, só que nós dependemos de uma aprovação dos órgãos públicos pra poder abrir esse campo de trabalho que seria lá em Guaianaze. Quando é aprovado pelos órgãos públicos, você consegue um documento; você pode levantar um empréstimo e comprar as máquinas pra trabalhar. Não é um trabalho difícil. Vai levar um grande resultado, principalmente pra população daquela região.
P/2 – Você foi lá para o Rio Grande do Sul só pra conhecer a fábrica?
R – Fui.
P/2 – Quem é que te falou que tinha lá?
R – Nós temos um pessoal ligado. Devido ao campo político, nós temos contato. O pessoal político nosso, eles estão no dia a dia, passando as informações tanto do nosso Brasil como lá de fora. Você veja bem, nós temos uma convivência entre Brasil e Cuba, já foi gente do nosso grupo pra lá. Eu acho que pra o ano [que vem] eu vou ter uma viagem pra lá. Tem outra pra Colômbia, tudo pelo meio político.
Eles passam pra gente. Quando há um interesse, que nem houve um interesse meu de levar esse projeto pra Guaianases, o Aloízio Mercadante, que é um dos deputados que nós temos ligação - inclusive tem alguém do meu grupo que faz parte do gabinete dele -, ele abriu o campo pra que eu fosse lá pra ver como funcionava. Já que tinha interesse do grupo de levar esse projeto pra Guaianases, fosse lá pra observar o trabalho e voltar pra passar pra ele. Pra ele poder levar pra que fosse aprovado, porque existe muito interesse, principalmente dos deputados estaduais, dos deputados federais, os que nós trabalhamos foram eleitos.
P/1 - Eram do PT?
R – Do PT, que levar esse projeto pra Guaianases pra que desenvolva esse trabalho com as pessoas. Estamos esperando uma decisão das autoridades mais altas, que olhem o projeto e assinem pra que a gente desenvolva o trabalho lá. Enquanto aqui a gente briga pelo projeto de moradia, que venha um projeto pra moradia deles aqui.
Veja bem, eu fico aqui, como eu sou mais acostumado com eles, mas o grupo de trabalho sobre o projeto é o mesmo; entre nós dez, fazemos o mesmo trabalho.
P/1 – Quer dizer, esse grupo também atua aqui com a favela?
R – Para a favela.
P/1 - Qual é o deputado com que vocês trabalham?
R - __________________
P/1 - Desde quando você se integrou ao trabalho com o PT?
R - Eu me entreguei de corpo e alma ao trabalho pelo PT desde os anos 90. Eu vim a receber recursos, alguma força dele de 92 pra cá. Nos anos 90 eu já estava credenciado ao PT, ajudando a carregar a bandeira. Em 92, 93 eu já comecei a receber algumas ajudas pra continuar alguns trabalhos.
Em 94, quando começou o primeiro processo dali, eu tive uma ajuda do próprio partido de quatro advogados, pagos por eles pra que cuidassem daquele processo. Comecei a receber algumas ajudas na área social. O PT é muito preocupado com a área social. Existem alguns que pensam diferente, mas outros pensam sério.
P/2 - E a sua esposa, ela o acompanha?
R - Não. Interessante, pelo contrário. Minha esposa é contra.
P/2 - Você tem oposição em casa?
R - É, tenho.
P/1 - Você se casou com ela quando?
R - Eu me casei com ela em…79.
P/1 - Aqui em São Paulo? Quando você a conheceu?
R - Eu a conheci… Foi uma coisa bem interessante. Eu a conheci em um parque de diversão. Eu já era noivo de uma outra moça no norte, estava pra casar. Tanto que eu fui pra casar, acabei não casando; voltei e terminei me casando com ela.
P/1 - Você estava noivo dessa e foi ao parque…
R - De outra, no norte, quando eu a conheci. A gente se conheceu, começou a conversar. Ela morava no bairro da Liberdade, tanto que ela é de uma religião japonesa, porque ela conviveu com um pessoal japonês. Sobre religião, a gente não tem problema. Eu sou católico, ela é budista. A gente sabe dividir os direitos de cada um. No campo político é meio problemático.
P/1 - Por quê? Ela é o quê?
R - Ela n]ao acha certo. Ela acha que eu não estou certo. Ela acha que eu deveria me preocupar só com a minha vida, com o meu trabalho, minha luta, minha casa, meus deveres de casa e tudo bem. Deixar que alguém que quisesse cuidar dos outros cuidasse… Ela é contra, totalmente.
Domingo à noite eu saí com ela pra casa do meu irmão. Visitamos o Parque do Carmos, depois fomos ao SESC, depois voltamos… Eu vou ao SESC do Parque do Carmo. Eu tenho um irmão que mora ali pertinho.
Voltei. Quando cheguei em casa, o telefone tocou. Tinha um probleminha na favela, uma discussão de um casal; ali, qualquer dorzinha de cabeça o pessoal tem que ligar pra mim. Falei pra ela: “Eu vou descer lá na favela.”
Quando cheguei em casa, o clima não estava legal. Ela não gosta, ela acha que eu tenho que cuidar só de casa, viver a minha vida. Largar esse trabalho todo de lado. Tem uma coisa dentro de mim que diz que eu tenho que trabalhar pra… Tenho que fazer alguma coisa… Existe um sonho dentro de mim: amanhã, se eu morrer, eu tenho que deixar alguma coisa, fazer alguma coisa por esse país, por algumas pessoas nesse país. “Poxa, eu consegui fazer aquilo pelo meu povo, pelo meu país.”
Eu tenho certeza, eu falo pra eles: eu não vou morar ali naquela favela se sair o projeto. Eu tenho minha casa própria. Eu falo pra eles: “Não queiram saber o orgulho que eu vou ter de voltar e saber que eu consegui fazer alguma coisa no meu país, pro meu povo.” A gente se sente bem.
A coisa mais gostosa do mundo é quando você começa uma luta e consegue uma vitória. Você pode não ganhar nada, porque você sabe: [pra] trabalhar para o partido que eu trabalho ninguém ganha dinheiro. É trabalho voluntário. [A gente] recebe ajuda pra gastos que você tem com algumas coisas - desgaste de carro… Trabalhar pro PT é trabalho voluntário. A gente se sente bem quando trabalha pras pessoas e consegue realizar o sonho daquelas pessoas. No meu caso , eu me sinto bem.
Pela minha mulher, no dia de domingo, no sábado ou de madrugada, quando alguém me chama na minha casa, eu teria que estar na praia, viajando ou passeando. Eu não me sinto bem em ver tanto problema e não poder fazer nada.
Tem tantos problemas na minha área quanto tenho aqui. [No] sábado eu estava em casa, às duas horas da manhã, dormindo. Às cinco bateram na minha porta. A minha mulher disse: “Não acredito que você vai atender.” Eu falei: “Vou sim”. Contra a vontade dela eu tirei o carro da garagem e fui com aquelas mães até a delegacia. Os filhos delas - adolescente é problema, né? - foram inventar de pixar a estação de Guaianases e os guardas pegaram.
Quando eu voltei, Nossa Senhora! Minha mulher queria morrer porque eu tinha ido fazer aquilo. Mas eu acho que era… Ia fazer o quê? Duas horas da manhã, não tinha ônibus, você não encontra uma viatura naquela região pra aquelas mães irem… Cabia a mim - elas sabem que tenho um trabalho - levá-las lá pra resolver o problema delas. E você, quando volta e resolve, se sente bem. É muito interessante.
Outros acham que não. Tem cara que diz: “Poxa, seu eu fosse você eu pegava meu carro no fim de semana, não queria nem saber de nada!”
[No] domingo eu falei pra ela cedo: “Tenho uma reunião em Guaianases. Você quer ir comigo? Tem almoço lá, mas é uma reunião sobre trabalho social. Vai estar um pessoal do PT, uns deputados, uns vereadores, mas você deixa de lado. Vai lá almoçar e a gente vai discutir na reunião.” Ela foi, depois saiu xingando pra caramba porque ela não concorda. “Você perdendo tempo com esse pessoal. A gente podia estar vendo outras coisas.” Mas a gente se sente bem, a gente que faz o trabalho com amor se sente bem. A gente não pode parar. É muito interessante o trabalho social pra quem tem força de vontade de fazer.
P/2 - Quantos filhos você tem?
R - Eu tenho dois.
P/2 - Qual a idade deles?
R - Um tem 24 e outro quinze.
P/2 - E eles te acompanham?
R - Nenhum deles. São todos contra. Faz parte da vida.
P/1 - Mas esse filho seu, de 24 anos, ele trabalha?
R - Trabalha.
P/1 - Mora com vocês?
R - Não, ele é casado. Já tenho um netinho.
P/1 - Ele trabalha em que?
R - Ele trabalha na Sabesp.
P/1 - E o outro está estudando.
R - O outro está estudando.
P/1 - A gente está começando a finalizar. Eu queria que você… Acho que você já falou várias vezes do seu sonho, que era a pergunta que eu iria fazer pra você. Mas você ainda tem algum plano pro futuro, alguma coisa que queira dizer pra gente?
R - Eu tenho um plano grande. Acho que é um sonho que toda essa minha luta seja resolvida. Não sei se vou conseguir esse objetivo.
Devido ao meu trabalho político, meu grupo, meu trabalho com a comunidade, eu tenha uma candidatura para o ano 2000. Não [sou] eu que quero, o pessoal do partido acha que eu tenho que sair candidato. Eu vou ver, já falei pra eles… Ainda essa semana eu tive uma reunião com o Paulo Teixeira [e disse] que eu estava estudando, não estava a fim de… Eu estou muito desgastado com o trabalho social, entrar numa briga dessa aí é muito pesado, né? Se tudo der certo, o que eu estou pensando, que seja bem-vindo esse sonho e que seja realizado para o bem da sociedade. Se for pra… Eu acho muito difícil que eu consiga [atingir] o objetivo e depois mude os caminhos. Torcer [pra] que seja… Que vá tudo bem e eu continue pensando na sociedade.
P/1 - Você quer se candidatar para que?
R - Vereador. Tem mais ou menos um campo já…
P/1 - Eu estava pensando que você iria fazer isso...
R - Tem um campo já… No domingo houve duas reuniões sobre isso, mas a gente tem que pensar muito, é muito desgastante uma campanha. Eu tenho vários colegas que eu já trabalhei pra eles e vi o desgaste, um desgaste muito grande. Quando você se elege, é bom, mas quando você perde uma eleição e fica tão desgastado que… Nossa Senhora, demora a se recuperar.
Eu tenho um colega meu que saiu [pra] deputado estadual. Ele foi até bem votado, mas ficou tão desgastado… Ele teve 18.000 votos, ficou pertinho de chegar a suplente, mas não quer mais nem saber de sair candidato porque desgasta muito. É uma coisa que… É um sonho que você tem e tem que parar, pensar, analisar pra que não cometa um erro.
Eu acho que… Passa pela minha cabeça: se o cara foi eleito, ele tem uma certa força de buscar as coisas pra sociedade que você quer. Naquele seu bairro… Apesar de que tem uns que conseguem e esquecem. Se você for eleito tem um certo poder de levar algumas coisas praquele pessoal da região, principalmente na área em que eu moro, que é um desastre.
Eu moro num setor que tem várias escolas. Devido à nossa briga política a nossa região onde eu moro é rica em escolas, mas posto de saúde, creche… Até a ambulância que a gente tinha lá, a ambulância da comunidade, eles sumiram com ela. Eu acho aquilo um caos, os políticos fazerem uma coisa daquela. Os carros da prefeitura, eles somem com tudo. Em vez de levar, eles tiram da sociedade lá. eu acho aquilo muito ruim, por isso eu sempre falo para os meninos, outros companheiros: “Alguém tem que sair com um objetivo daqui. Se for eleito, trazer bons recursos pra essa região.” Por que é uma área totalmente abandonada. Os caras só lembram daquela região na época da eleição. Chegam lá, prometem tudo e somem. Isso é muito ruim.
Guaianases tem uma população enorme e nunca teve alguém do lado social que... Teve o Gianetti, tem o ______ Salim, o pessoal que atuou por lá, mas nunca pensaram na sociedade, pensam neles. Quando se elegem, a primeira coisa que fazem é mudar do lugar. Tem que ser alguém que more lá e pense positivo pra ficar lá, junto com o povo. Que nem o Paulo Teixeira, fica lá em São Miguel junto com o povo dele. É muito interessante isso.
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