Programa Conte Sua História
Entrevistada por Rosana Miziara
Depoimento de Isaltina Uehara
São Paulo, 06/07/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_ HV601_ Isaltina Uehara
Transcrito por Danielle Sales Lopes
Revisão: Paulo Rodrigues Ferreira
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P/1 – Dona Isaltina, a senhora pode falar o seu nome completo?
R – Isaltina Uehara.
P/1 – Seu nome de solteira, qual era?
R – Isaltina Naka.
P/1 – Qual a data do seu nascimento?
R – Dia nove de setembro de 1928.
P/1 – Em que local a senhora nasceu?
R – Em Santos, na rua Sete de Setembro, número 96.
P/1 – Qual o nome dos seus pais? Do seu pai e da sua mãe?
R – Minha mãe era... Ish, agora nome japonês, acho que é... É que o nome da minha mãe e da minha madrasta, os nomes são tão parecidos que faz confusão, até eu confundo. Pode ser em português mesmo ou tem que ser nome japonês, mesmo?
P/1 – Não, pode ser o nome que a senhora lembra.
R – A minha mãe era Carmem Naka. Tem o nome japonês, mas eu confundo com o da minha madrasta, que é um nome tão igual que eu não sei qual é qual. Porque os dois têm quatro letras e são muito parecidos, e eu confundo também. Como a gente não usa, acaba não lembrando.
P/1 – E o nome do seu pai?
R – Meu pai era Bunguru Naka.
P/1 – E onde eles nasceram? Seu pai e sua mãe?
R – Meu pai nasceu lá no Japão, lá em... Okinawa. Agora, a minha mãe eu não sei, como eu não tive contato... A minha mãe morreu quando eu tinha dois anos, então eu não tive quase contato. Tanto que, na época, a gente não tinha ninguém... Parente assim perto para guardar... Mas ela era japonesa.
P/1 – A senhora conheceu a família da sua mãe?
R – Da minha mãe verdadeira?
P/1 – É.
R – Não, não conheci.
P/1 – Ninguém?
R – Não, porque meu pai conheceu e depois aqui ele casou, porque ele veio solteiro.
P/1 – E seus avós, pais do seu pai, a senhora conheceu?
R – Pai do meu pai?
P/1 – Sim, pai do seu pai, seus avós.
R – Não. Pai do meu pai eu não conheci.
P/1 – E por que seu pai veio para o Brasil?
R – Então... quando ele veio para o Brasil - veio com vinte e um anos - veio solteiro, praticamente sozinho. A intenção deles era sempre essa: viver. Porque aqui no Brasil, nesta ocasião, estava bem com o café. Achavam que estava caindo ouro (risos). Por isso, muitos vieram para cá, muitos vieram com família, outros não. Mas muitos vieram trazendo família, mas com a intenção de ganhar e já voltar. A intenção deles era voltar, não era ninguém para ficar. Mas não aconteceu nada disso. Foi uma decepção. Foi todo mundo para o interior, ficaram naqueles chalés de casa de chão batido. Então, não era nada disso do que eles imaginavam e aí tiveram que ficar trabalhando na roça, trabalhando com os filhos... Passando necessidade mesmo. E depois, o que ganhavam no trabalho - e já ganhavam pouco - tinham já que pagar algumas despesas deles, sabe? Foi muito duro, não é?
P/1 – E seu pai chegou a trabalhar na roça?
R – Meu pai nem chegou. Ficou algum tempinho, conseguiu fugir de lá e veio parar em Santos. Agora, como ele chegou aqui em Santos eu não sei também. Se vieram a pé... Naquele tempo nem tinha essas conduções. Só sei que uma turminha conseguiu fugir, porque a maioria estava com fome e ninguém podia fugir carregando criança... Para ir para onde, não é? Então, ficaram mais alguns que conseguiram fugir e fugiram, foram “se estacionando” pelas estradas, por aí, trabalhando e vendendo algum trabalho. Foi muito complicado e muitos pegaram essas doenças... Maleita... E morreram. Muitos morreram mesmo porque não tinha nem condições, os que se salvaram, conseguiram. Meu pai, que veio para lá, ele ficou e nunca mais saiu. Por isso que ele ficou muito “abrasileirado”, que eu digo que só teve amigos brasileiros. Tanto que, olha o meu nome! (risos) Porque ele logo se ambientou aqui, começou a trabalhar nas docas, depois trabalhou de chofer, e aí foi juntando um dinheirinho lá e, mais tarde, ele acabou comprando, junto com um sócio lá, comprou um barco. Porque lá, onde o meu pai estava, numa parte do mercado... Porque tem uma ponta na praia, lá longe... O mercado ali já tinha uma rampa, estacionavam os barcos de pesca e deixavam os peixes lá no mercado mesmo. Aí, meu pai começou a trabalhar alí junto e já conseguiu juntar um “dinheirinho”. Comprou um “barquinho”, depois foi crescendo e, mais tarde, comprou outro também, até que... Contando que o nome do primeiro barco dele era Audaz. Mais tarde, quando ele comprou - por volta de 1930, por aí - ele comprou um barco já com o nome, ele pôs até o nome de Alice, que era o nome da filha dele, a outra, da minha madrasta. Aí foi colocar e, ao invés de colocar Alice, colocou “Arisce”, aí ficou “Arisce” e ele ficou bem, trabalhou, ganhou bem. Até esteve bem, assim, relativamente, comparando com muitos japoneses que começaram a juntar dinheiro e todo mundo querendo ir embora, mas meu pai não, ele ficou por aqui. Ele era meio... Ele tinha a cabeça meio moderna, tudo o que ele foi ganhando ele já foi colocando em casa. Comprava isso, comprava tudo o que eram coisas modernas, quando ele pode, ele já ia comprando. Minha casa - eu me lembro - eu era ainda menina e já tinha aspirador, já tinha todas essas coisas, até uma geladeira, que ele comprou nem sei como. Uma geladeira que eu sempre lembro: a gente apertava o pé e a porta abria, sabe? Era uma geladeira estrangeira também. Mas eu sei que ele foi sempre assim avançado nessas coisas de casa; tudo o que ele via, ele queria. Então, em casa, tinha certa “regalia”, comparando com muitas casas. Nas outras casas, o pessoal ficava muito... Quem podia, podia. Quem não podia, também queria juntar dinheiro para voltar. Mas meu pai sempre teve umas ideias assim bem avançadas. Chegou Natal, ele queria dar um anel de ouro, queria comprar isso, queria ver todo mundo bem, foi diferente de muitos japoneses ali.
P/1 – Deixa eu voltar um pouquinho. A senhora sabe como ele veio? Ele veio de navio? Quanto tempo demorou? Ele contou como foi essa vinda?
R – Eles vieram do Japão. Então... Vieram nesse Kasato Maru, vieram 700 e não sei quantos... Ele veio e quando chegou aqui, se dispersaram.
P/1 – Mas ele conta como foi a viagem de lá para cá?
R – Da viagem para cá ele nunca contou nada. Porque depois, como também a gente era criança, depois que nasceu e quando ele começou a viajar muito, para lá e para cá, com o barco de pesca, ele não parava todo dia em casa, toda semana... Ficava uns dias fora. Então, nunca dava tempo de conversar.
P/1 – Ele casou com a sua mãe em que ano? A senhora sabe?
R – Eu também não sei.
P/1 – Quantos filhos eles tiveram? Seu pai e sua mãe? Tiveram você e mais quem?
R – A minha irmã, que é oito anos mais velha do que eu, depois o meu irmão, que devia ser cinco anos mais velho do que eu, e depois eu nasci. Então eu acho que teve mais, porque ele viajava muito, ficava uns dias fora, um tempo fora... Então ele não ficava sempre em casa. Por isso que, quando eu nasci, a minha irmã já tinha oito anos, meu irmão já tinha cinco anos, então tem um espaço grande entre nós três. E aí depois, quando a minha mãe morreu, o meu pai passando o tempo, ele logo casou.
P/1 – Sua mãe morreu do quê?
R – Olha, o que eu ouvi de uma conhecida é que parece que ela morreu de asma. Tanto porque, eles vieram morar em casa - uma família conhecida do meu pai - depois mudaram. Então eu não fiquei sabendo nada da história dela também, sabe? Ela não tinha parente ali. Tinha uma prima, que eu cheguei a ver em casa, mas ela estava morando lá no Paraná, passou um tempo e ela morreu, então, eu fiquei perdida. Por isso eu não sei nada da minha mãe direito, porque eu não tive contato e ela não tinha parente. Assim... Ou se tinha, morreram, não é? Não sei, como eu era pequena não tive contato assim, só sei dessa que morou no Paraná, eu conheci já era grande, mais tarde eu soube que ela tinha morrido. Então, por isso, eu fiquei sem notícias da minha mãe. Também, com dois anos, a gente não chega a ter nem a curiosidade, quando cresce, de conhecer.
P/1 – E aí seu pai casou de novo?
R – Então... Depois que a minha mãe morreu, nós ficamos em três, não é? Aí o meu pai... Também, como ele viajava sempre, ele acabou casando. E daí que, quando ele casou com a minha madrasta, ela também veio do interior, já era viúva e tinha duas filhas, mas ela não trouxe as filhas. Só que quando ela veio para cá, ela ficou trabalhando em Santos e ficou um tempo, e depois meu pai a conheceu. Depois, mais tarde, quando eles já estavam morando juntos, ela chamou as filhas. Uma das filhas já estava com treze anos e a outra com onze, eu não sei. As filhas estavam morando no interior, lá onde ela estava. Aí vieram essas duas filhas morar junto também com a gente.
P/1 – Então vocês moravam em cinco?
R – Aí já eram cinco. Mas depois nasceram dois: nasceu a minha irmã Alice e o (Frankie?); aí ficaram sete pessoas.
P/1 – E vocês moravam todos na mesma casa?
R – Morávamos todos na mesma casa.
P/1 – Onde era essa casa?
R – Era ali na rua Chile. Ali perto do mercado tinha uma rua Chile. Era um sobrado. Então, a gente morava em cima e meu pai... Antigamente, tinha aquele sobrado e depois tinha o porão embaixo; então, o porão, ele alugava para uma família. Até alugou para uma família japonesa, que morava embaixo, e a gente em cima. E a gente, por coincidência, apesar de ser três, ninguém nunca “bateu” com as idades... A idade foi engraçada, como se fosse irmãos um atrás do outro, não deu para ficar dois com a mesma idade. E todos sempre nos demos muito bem, sempre foi tudo muito bem, até que...
P/1 – A senhora era a caçula?
R – Não, eu não era a caçula, abaixo de mim havia a minha irmã, que era quatro anos mais nova do que eu e o meu irmão, que é dois anos... Ele é de 1937, fez oitenta anos agora.
P/1 – E a sua madrasta era de Okinawa também?
R – Era de Okinawa, também. Todos eles vieram de Okinawa, porque Okinawa é aquela ilha, não é? Tem o Japão, que é outra parte, mesmo continente. Mas quando fala em Okinawa, é uma ilha que é do lado, o Japão é outra terra... Até o falar é diferente.
P/1 – Quais os costumes que seu pai e sua madrasta tinham de Okinawa, que vocês conviviam com eles?
R – Na verdade, o meu pai se ambientou bastante aqui, então ele começou a fazer muitas coisas, muitas comidas brasileiras. E como ele viajava muito, marinheiro que para ali e come um monte de coisa. Mas comida japonesa, que ele trouxe, ele mesmo fazia e comia algumas coisas... Comida bem japonesa. Mas como ele lidava com peixe, então a gente sempre comia peixes, como sashimi, e também as comidas brasileiras. Porque ele ficou muito ambientado com os brasileiros, então ele acostumou com aquelas comidas brasileiras. Também gostava bastante de comida brasileira, ele comia bem comidas brasileiras e japonesas; algumas coisas a gente fazia. Mas se eu ver, eu estou bem assim, no meio dos brasileiros.
P/1 – E a sua madrasta? Como ela era com vocês?
R – Normal, cuidava, se preocupava bastante. Começou a fazer uns… em casa também para ajudar, porque ela depois chamou as duas filhas também, então não ia depender do meu pai para ficar sustentando todo mundo. Então as meninas já vieram meio grandes, ela começou a fazer comida e chamava... Ali perto do mercado tinha muitas pessoas que trabalhavam, japoneses que vinham de São Paulo, do interior, para trabalhar ali no mercado, então eles não tinham um restaurante... Então ela fazia a comida e servia para meia dúzia de pessoas, que vinham comer lá mesmo. Ela mesma fazia, preparava, e assim ela também ia juntando o “dinheirinho” dela, porque ela tinha que sustentar as duas filhas. E aí elas também vieram e começaram a trabalhar fora para se sustentar. Porque o meu pai não ia ficar sustentando todo mundo lá (risos). Então ela mesma começou a se virar para sustentar as filhas também. E assim, todo mundo se deu bem até casarem.
P/1 – A senhora lembra quais eram as suas brincadeiras de infância?
R – Ah, eu na rua, Nossa Senhora... Depois da janta... A minha rua era uma rua que não tinha saída, era uma rua pequena, então não tinha movimento de carro, naquele tempo nem tinha. Todo mundo, à noite, ia brincar na rua, todo mundo depois da janta ia brincar na rua, porque não tinha perigo nenhum. Era “pegador”, todas essas brincadeiras de criança, de lenço atrás, diversas brincadeiras. Toda noite a gente juntava aquela turma da rua e todo mundo brincando. Era uma coisa boa, hoje em dia nem fazem mais isso, mas naquele tempo era todo mundo brincando à noite, sem perigo. Porque hoje ninguém pode sair à rua, o maior perigo! Mas, naquele tempo, a gente... Toda noite era aquele bando de criançada. Era “pegador”, correndo, “lenço atrás”, tudo que era brincadeira de criançada, era uma coisa muito gostosa de brincar. Até dez anos, mais ou menos. Depois, cada um foi tomando seu rumo, foi entrando nas escolas. Eu fiquei morando ali um tempo, depois fiz o primário ali mesmo, enquanto morava naquela rua. Depois, mudei para uma rua bem atravessada, um sobradinho bom, que meu pai alugou, ficamos morando. Ali, no meu grupo, onde eu fiz o primário, era lá perto do Monte Serrat, tem uma escola, como chama mesmo aquela escola?... Eu fiz o grupo lá, o Barnabé.
P/1 – Como vocês iam para a escola?
R – Eu ia a pé. Ali perto, onde eu morava, na rua Chile, tem um mercado, depois tinha um ponto de ônibus. Eu podia pegar um ônibus. Ônibus não, bonde; era bonde naquele tempo, que descia lá na cidade, descia bem do lado da rua São Francisco - a escola era para esse lado e para o lado direito já tinha a praça, a cidade ficava ali. Então, eu ia a pé muitas vezes, ou, às vezes, quando estava meio atrasada, pegava um bonde que passava bem perto de casa. Aí descia lá na rua São Francisco, que era quase de frente com o colégio. Era bem perto, naquela ocasião, quando eu...
P/1 – Mas a senhora ia sozinha para a escola?
R – Eu ia.
P/1 – Com quantos anos?
R – Eu entrei com oito anos. Eu queria entrar com sete anos, a minha irmã foi me levar lá, mas acontece que eles estavam atendendo mais as crianças que tinham oito anos. Atendiam primeiro as crianças de oito anos, depois que, quando você preenchia, aí eles deixavam entrar de oito anos. Por isso eu entrei com oito anos, porque com sete anos não tinha vaga. Eles deram preferência para quem tivesse oito anos, aí eu deixei para o outro ano, entrei com oito anos, e aí fiquei até... Tirei diploma lá, do quarto ano, e nessa ocasião também me lembro que eles estavam fazendo essa prefeitura lá em Santos, que tem até hoje, mas... E aí eu vinha...
P/1 – Que lembrança a senhora tem da escola?
R – Eu tinha que era muito legal a gente estudar lá. E quando a gente estudava lá, a gente ficava em pé quando entrava um professor. Depois, qualquer festa de aniversário da escola, dia 21 de abril e todas essas datas, a gente ficava lá na escola, no galpão, cantava sempre a música daquela data, que era descobrimento do Brasil. Todas essas coisas a gente sempre fez, quando estávamos nessas datas todas. A gente também cantava. No fim do dia, cada classe se reunia para cantar um pouco.
P/1 – O que vocês cantavam?
R – Ah, eu já nem me lembro, viu? O que eu me lembro são mais as músicas de datas, não é?
P/1 – A senhora lembra alguma?
R – Até há pouco tempo eu conhecia, mas já não estou me lembrando. Eu esqueço tudo, tudo pelas metades...
P/1 – Canta um trechinho para a gente.
R – Hmm, não sei... “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas... De um povo heróico o brado retumbante” (risos), e assim por diante. Só cantando que dá, vai saindo... Mas assim, de falar em palavra, a gente não lembra. Mas a gente cantava bastante. Naqueles tempos, quando se reunia, toda vez quando chegavam, todo mundo formava fila lá no galpão e não sei o porquê, mas às vezes a gente já cantava uma música, porque a gente tinha aula de cada vez por semana. A gente ficava, não sei se meia hora no final da classe, ensaiava uma música. Eu sei que era bem legal naqueles tempos; agora, eu não sei.
P/1 – E tinha alguma música de Okinawa que seu pai cantava, ou sua madrasta?
R – Não, meu pai não cantava, nem minha madrasta. Depois minha irmã entrou na escola japonesa. Na ocasião, ela foi de uma das primeiras turmas dessa escola japonesa, aí ela cantava algumas músicas. Algumas músicas eu ainda lembrava, mas hoje eu já perdi todas, mas era assim... Ela foi da segunda turma da escola japonesa, então acompanhou bem direitinho, tirou o diploma de lá, aí conheceu a minha madrinha mais tarde. Elas foram colegas, acabou que ficaram muito amigas e ela foi ao meu batizado fazer a minha… e tudo mais. Foi muito legal naquele tempo. Hoje as coisas são muito dispersas.
P/1 – Como é que foi o seu batizado? A senhora contou que demorou a ser batizada.
R – Então... quando o meu pai se ambientou lá no trabalho dele, ele conheceu só os brasileiros, então ficou muito acostumado com os brasileiros. Aí deve ter conhecido esse português que me deu esse nome de Isaltina (risos). Engraçado é que o pessoal acha que eu tenho outro nome, registrado, porque a maioria das pessoas, se você conhecer pessoas mais de idade, todos têm o nome japonês. Pode ter o nome “Maria” ou “José”, qualquer coisa, mas tem o nome japonês registrado, no registro, mesmo, é nome japonês, mas conhecer, só conhece pelo nome brasileiro. Já o meu é ao contrário: eu sou a única, na minha idade - e eu já tenho essa idade bem velha - a única em que todo o pessoal me conhece por Isaltina. Agora, eu tenho o nome japonês, mas não é registrado; as outras pessoas são ao contrário: já são registradas japonês e são conhecidos por nomes como “Maria”, “José”, tudo isso aí. Mas, na hora de assinar, elas assinam, geralmente, nome japonês. Eu sou ao contrário, eu sou a Ayako, mas aí só registrado lá no consulado japonês, em São Paulo, mas não sou registrada aqui; então, eu não posso assinar com esse nome.
P/1 – Por que o seu pai escolheu “Isaltina”?
R – Esse “Isaltina” foi justamente esse amigo do meu pai, que era português, que sugeriu esse nome “Isaltina”. Então meu pai conheceu, ficou amigo. Mais tarde, para batizar, não sei como foi... Porque eu acho que ele me chamava de “Yayako”, mas não sei como foi para registrar, já que pôs “Isaltina”, e aí eu fiquei com esse nome registrado de “Isaltina”. Todo mundo acha estranho, eu não tenho esse nome. Esse nome é de português, não é?, “Isaltina”... Então como ele era português, aí... Quer dizer, ele foi para Portugal antes de eu ser batizada, quando ele voltou é que eu fui batizada. Mas meu pai, acho que já nessa ocasião, já registrou como “Isaltina”, quando eu nasci.
P/1 – Foi ele quem batizou a senhora, esse amigo dele?
R – Sim, ele era o padrinho. Mas tinha a madrinha, que era aquela que ficou amiga da minha filha, aquela que fez o meu vestido... Agora, tinha padrinho já naquele tempo? Eu acho que sim, porque ele que sugeriu esse nome... Que ficou oito anos e só quando ele voltou, depois de oito anos, é que foi me batizar. Veja só que coisa (risos) Não sei nem como ele ainda se lembrava que tinha que me batizar (risos). E a minha madrinha ficou amiga da minha filha, e minha irmã pediu para ela me batizar; por isso que ficou assim.
P/1 – O que a senhora mais gostava na escola?
R – Bem, quando eu estudei lá no... Quando saí do primário, eu fui para a escola Escolástica Rosa, escola lá da ponta da praia, que era período integral. Então a gente estudava de manhã Português, Matemática, Desenho. Todo dia, na parte da manhã, era aula teórica e depois ia almoçar e voltava a uma hora. Até as cinco era aula prática - aí a gente aprendia a bordar, costurar; todo dia, à tarde. Então, era o dia inteiro Durante quatro anos a gente ficava o dia inteiro na escola. Era bom, porque ali a gente só aprendia coisas boas, não é? Porque, de manhã, a gente estudava e, nas aulas práticas, à tarde, às vezes a gente tinha uma semana inteira, a gente ia aprender a fazer bolo, no outro dia a gente ia para a lavanderia. Depois do terceiro, quarto ano... A gente aprendia essas coisas, independente das aulas que a gente tinha de bordado, costura, e enfim... E na parte da manhã, como a gente tinha aula de Português, Matemática, Desenho, então a gente passava o dia inteiro ocupado. Era muito bom, a gente saía de lá muito bem preparada... Pelo menos por um tempo. A gente tinha um certo preparo não é? Depois é que muita gente começou a se especializar em costurar, bordar, fazer essas coisas. Depois que eu terminei ali, eu, justamente naquela ocasião, quando estava no terceiro para o quarto ano, a guerra estourou... Os países do eixo... O Brasil contra o Japão, Itália e Alemanha. Aí o que fizeram? Chegaram às casas dos japoneses que moravam lá em Santos, que de um dia para o outro todo mundo tinha que ir embora. Olha que coisa, que loucura! Não deram um tempo... “Amanhã vocês tem que sair todos de Santos”. Então, as famílias... coitadas! Cada um com seus filhos, tiveram que sair e largar tudo o que tinham, principalmente lá na ponta da praia tinha muitos japoneses, muitas famílias japonesas, e todo mundo tinha chácara lá. Eu morava aqui, ao lado do mercado, do lado da cidade, ao contrário, para cá, não é? Então, a gente lá... Nós continuamos na mesma coisa... Não, meu pai tinha barco de pesca, ele teve que largar também tudo, mas ele já era naturalizado brasileiro, então, por isso, quando ele foi, logo depois, quando ele foi, poucos meses depois ele já pôde voltar porque ele já era naturalizado brasileiro.
P/1 – Mas vocês foram para onde nesse período?
R – Eles foram... Meu pai, junto da minha madrasta, foi para o interior, para Igarapava, porque lá ela tinha família. Então já foram para lá direto, porque lá havia irmãos, parentes; enfim, ficaram lá. Mas como ele já era naturalizado, ele teve ordem de voltar mais cedo, ela ficou lá, mas ele voltou e continuou fazendo alguns trabalhos na pesca, alguma coisa assim. Então, facilitou para ele.
P/1 – E vocês ficaram onde?
R – Como minha irmã já era maior de idade nessa ocasião e eu tinha doze anos - ela já tinha vinte e um - então ela ficou responsável por mim e pelo meu irmão. Eu não saí da escola, por isso foi bom, mas a maioria largou tudo pelo caminho... Você chega à casa, dá uma ordem, e vocês têm que sair. Os pais saíram com os filhos no colo, largaram todas aquelas chácaras, que, antigamente, ninguém tinha nenhuma riqueza, o que eles tinham de bem era uma máquina de costura. Quase toda casa japonesa tinha uma máquina de costura; tinha, parece que plantação de chuchu, plantava muito chuchu lá na ponta da praia; então eles viviam disso aí e depois vendiam para o mercado essas coisas. Mas como veio aquela ordem, não deram nem tempo para nada, você larga tudo e vai embora só com o seu filho e com a roupa do corpo; então, ficou tudo abandonado aquilo. Agora, nós, como estávamos com a minha irmã e depois com a minha futura cunhada, que era filha do irmão do meu marido... Não, o pai dela era também irmão, enfim, ela também era parente, então ela também tinha a idade mais ou menos da minha irmã - vinte e um anos - ela também ficou responsável pelo meu marido, que não era meu marido na época, e tinham dois primos, também, que os pais foram embora e deixaram com ela; ela ficou responsável também. Então, eles terminaram o ginásio no Colégio Canadá. Meu marido já estava no fim, se fosse, ia largar... Quer dizer, estava no último ano do ginásio, naquele tempo. O Colégio Canadá era um colégio do Estado, um dos melhores do Estado. Então era assim, era muita concorrência para ficar naquele colégio, então, muitas pessoas importantes aí se formaram no Colégio Canadá, tanto que para entrar lá tinha que fazer um exame de seleção, tudo... Não era fácil, não. Mas, enfim, eles conseguiram ficar mais um ano e terminar, senão eles iam largar tudo e sem tirar o diploma. Mas ficaram mais um ano lá, pegaram o diploma, terminaram e continuaram a vida. Mas foi muito bom porque eu tive a chance de ficar, terminar minha escola, senão eu também teria ido embora. Não sei nem aonde eu ia ficar lá no interior, não conheço ninguém. Então eu terminei, continuei até tirar diploma, depois eu fui lá para São Paulo fazer a continuação, mas foi muito bom naquela época, a minha irmã poder tomar conta da gente, senão... A minha professora ficou “danada” com aquilo que fizeram com a gente, era um absurdo o que fizeram! Você largar todas as suas coisas e ir embora, com tudo, não é? Só com os filhos no colo e com a roupa do corpo, foi tudo abandonado...
P/1 – E depois eles puderam voltar e recuperar?
R – Não, aquilo ficou tudo abandonado. Mandaram sair em 24 horas, tiveram que largar tudo. Isso que foi um horror! Largar tudo ali? Tinham plantações, eles viviam daquelas plantações de chuchu, todo mundo vivia, o que arrecadava e vendia para o mercado e mandavam não sei para onde... Mas eles viviam disso aí e largar tudo aqui, fora a máquina que era um bem que todo mundo tinha. O resto foi com a roupa do corpo. E carregaram toda a criançada, porque eles tinham filhos menores, não é? Eu tinha uma irmã mais velha porque o meu pai foi da primeira imigração e logo ele se instalou em Santos, então, era uma das mais velhas. A minha irmã e a minha cunhada também, foi um dos mais velhos aqui de Santos, mas o resto foi tudo embora. Depois, passado algum tempo, quando deram ordem para voltar, alguns voltaram, mas depois... Na família do meu marido, ninguém mais voltou, todo mundo que estava aqui foi embora, só ficou o meu marido mesmo, que já estava aqui. Mas quem não tinha nada aqui, desapareceu. Foram morar no interior de São Paulo. A família do meu marido - os irmãos, primos - estavam todos lá em São Paulo, eles não voltaram mais, não. Nós é que continuamos.
P/1 – E como foi? A senhora sentiu falta dos seus pais? Como é que a senhora viveu isso?
R – Então... Mas o meu pai, um ou dois meses depois, ele já voltou. Mas a minha irmã estava morando comigo e ela já era maior de idade, então ela não foi obrigada a sair de Santos. Ela já estava trabalhando, ficou ali, o meu irmão também...
P/1 – A senhora estava com quantos anos nessa época?
R – Eu estava com... Foi em 1943, eu estava... Acho que no terceiro ano.
P/1 – A senhora tinha uns quinze anos?
R – É, por aí. Porque eu me formei em 1944 e já tinha dezesseis anos quando saí de lá, eram quatro anos... Então eu tinha uns dezesseis anos. Aí, depois, tudo normalizou, porque depois de um ano eles começaram... Não sei o porquê de toda aquela besteira de não poder. Imagina? É loucura mandar o povo largar tudo e sair com a roupa do corpo. Foi uma verdadeira loucura, não sei quem teve a ideia maravilhosa de fazer aquilo. Depois, quem tinha parente... Conhece todo mundo que tinha parente no interior de São Paulo, e aí foram trabalhando, se acomodando. Vê o pessoal da ponta da praia... Também tinha muitos japoneses lá que viviam de pesca e tiveram que sair, então, foi uma calamidade. Tem uma amiga minha - ela tem a minha idade - ela disse que a família dela, ali na ponta da praia, só trabalhava com barcos de peixes. Foram para o interior, tiveram que aprender a cavar terra para sobreviver, porque não foram para casa de parente ou conhecido. Assim, muitos acabaram acostumando e nem voltando. Mas a maioria, com o tempo, foi voltando um ou outro, mas a nossa família ficou e nós ficamos; graças a Deus, eu fiquei aqui.
P/1 – Como era Santos, a cidade, nessa época?
R – Santos, naquele tempo... Eu me lembro de que tudo era bem mais tranquilo, agora está tudo uma coisa de louco. Até quando eu saí da escola, em 1944, lá na praia, não tinha nenhum prédio alto, só tinha casarões na praia inteira. Depois que eu saí dali começaram a levantar prédios, apartamentos, por isso que agora tem apartamento... Mas, naquele tempo, não tinha nenhum apartamento em Santos, só tinha aqueles casarões. Tanto porque morou muita gente rica por ali, então tinha umas casas bonitas por ali, na praia inteira. E a praia, toda ajardinada, foi sempre, cada vez melhorando mais... Bem bonita! Acho que o lugar que tem a maior praia ajardinada é Santos.
P/1 – E vocês iam à praia?
R – Ah, eu sempre fui. De começo a gente não ia, mas eu comecei a ir, frequentar não a praia, praticamente... Ir à praia. Depois que meus filhos cresceram... Porque enquanto eles eram pequenos, eles começaram a frequentar o clube, junto com as outras crianças, um clube que o meu marido começou cedo. Quando eu casei, ele já estava começando a cuidar daquele clube, começou com um pezinho lá. Hoje já é grande, a Atlanta, é conhecido, mas ali foi crescendo. E a minha criançada foi crescendo e, conforme eu fui tendo os filhos, todos os domingos... Meus filhos foram criados lá... Iam jogar bola, juntavam uns amigos do meu marido também, começaram a ir muito lá. Aí começaram a se conhecer muito e começaram a casar entre eles, iiih, sei que formou uma família imensa, todo mundo com filho nascendo, e continuam...
P/1 – Mas vamos voltar para a senhora. A senhora e seus irmãos costumavam ir à praia? Tinham esse costume?
R – Quando eu era criança, não. Eu comecei a ir direito assim à praia, só fui depois de grande. Quando eu era pequena, não me lembro de ter ido à praia assim, não. Porque meu pai também não podia ficar me levando, ele trabalhava, quase não parava.
P/1 – E a sua madrasta?
R – A minha madrasta também. Era mais coisa de casa mesmo, a gente não ia muito à praia, não. Eu comecei a ir à praia depois de adulta, com irmãos. Nessa ocasião, sim. Depois de casada (risos) é que eu comecei a ir, porque a gente fazia assim - acordava cedo: “Nós vamos acordar às cinco e pouco”, meu marido pegava o carro e a gente ia de carro até a praia... Porque eu moro ali no Boqueirão, perto da praia, dava para ir a pé, mas íamos de carro e deixávamos o carro ali no canal quatro e íamos até o canal dois a pé, ia e voltava andando pela água. A gente ia todo dia, todo dia de manhã eu acordava cinco horas! Ia à praia, andando pela água... Eu digo, andando pela praia não era ficar andando com água batendo aqui em cima, cansa muito... Então, a gente vai chutando água e andando, fazendo exercício. Todo dia, meia hora a gente andava, aí voltava, depois ia para casa, ele ainda ia tomar café, tomar banho, ler jornal e depois é que ele ia para o escritório; mas ficamos uns dez anos fazendo isso. Depois que ele começou a ficar com probleminha - ele tinha um pouquinho de diabete - aí começou a complicar um pouco. Depois ele ficou um pouco doente e complicou a diabete, e depois ele morreu.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, a gente já vai falar dele, do seu casamento, dos seus filhos. Quero voltar um pouquinho para quando a senhora era mocinha, adolescente...
R – Nesse tempo, como eu ficava o dia inteiro na escola, eu não tinha muito tempo de ficar... À noite eu fazia lição, estudava.
P/1 – E no fim de semana? Por quais locais você passeava?
R – Eu me lembro, quando eu era mais nova, eu ia ao cinema. Tinha a rua Dom Pedro... Minha casa ficava ali. Tem a rua Dom Pedro, não... Campos Sales é bem comprida, começa no mercado e vai até a rua onde eu moro... Esqueci o nome da rua onde eu moro (risos) e eu já moro há sessenta anos lá. Então, é uma rua comprida, e lá naquela rua, quando eu era criança, tinha dois cinemas. Todos os domingos, meu pai dava um real - naquele tempo eu não sei que dinheiro era - eu sei que com setecentos pagava o cinema, que começava uma hora e terminava às cinco, passava dois filmes, e mais trezentos reais para comprar sorvete. Todo domingo era um bando de criançada lá no cinema, era o passeio, acho, de toda a criançada, enchia de criançada de uma hora até às cinco horas. Nessa idade, é o que eu me lembro. Tinha também um circo ali perto, que a gente ia, mas era coisa que a gente podia andar sozinha, não é? Como ir ao cinema. Ao ir ao cinema, a gente tinha mais ou menos uns doze anos, por aí, dava para ir sozinha. Mas, fora isso, sair com o meu pai por aí... Meu pai, de vez em quando, quando ele tinha tempo, ele alugava um carro e levava a gente para dar umas voltas, vinha passear em São Paulo, vinha em alguns lugares... Ele alugava um carro e levava a gente... Porque ele gostava de um dia levar a gente no Monte Serrat e no outro dia levar ali na praia, em algum lugar, em São Paulo mesmo, isso ele alugava o carro e fazia mesmo. Ele sempre foi um pai assim de gostar de momento, então a gente sempre teve esse divertimento. Mas depois que eu cresci, comecei a fazer outro programa, quer dizer, depois que eu casei. Mas eu também casei com vinte anos. Eu fiquei em São Paulo por dois anos, também, com dezesseis anos eu já fui para São Paulo...
P/1 – Qual foi o seu primeiro namorado?
R – Vinham muitos rapazes em casa. Conheci, mas nunca namorei ninguém. Meu marido foi o primeiro e único namorado.
P/1 – Como a senhora conheceu o seu marido?
R – Eu já o conhecia, mas nunca liguei para ele. Também tinha esse problema dele, então... Ele vinha em casa, sempre tinha amigos que vinham, mas nunca namorei ninguém. Mas ele vinha e quando começou a ficar interessante, quando ele já estava no último...
P/1 – Mas ele conhecia quem lá? Algum irmão seu? Ele era amigo de quem?
R – A minha sogra vinha muito em casa porque era muito amiga do meu pai e ele, volta e meia, vinha. Mas ele também tinha uma vida de esportista, jogava muito e ia jogar basquete e não sei o quê, então tinha uma vida muito movimentada. Depois, quando ele já estava no último ano, já estava com dezoito anos, terminando, ele começou a vir em casa com a mãe dele, começou a vir, assim, já meio interessado. Ele começou a vir e a mãe dele também, ela achava que eu seria uma mulher para ele (risos), então ele começou a vir em casa, mas até então eu nunca tive namorado assim. Sempre vieram rapazes meio interessados, mas como eu nunca me interessei por ninguém, então era tudo amiguinho. Depois, quando ele começou a vir, aí nós começamos a namorar e foi indo, e dali dois anos a gente casou.
P/1 – Ele falou com o seu pai para namorar? Como é que começou o namoro?
R – Olha, eu não sei quando começou assim já... Eu não sei se ele falou com a minha mãe. Como já eram tão amigos, tão conhecidos, que o meu pai e minha mãe gostavam muito dele, ainda mais que a mãe dele já era muito conhecida desde o tempo que vieram do Japão - o pai dele veio do Japão junto com o meu pai.
P/1 – Ele era de Okinawa, também?
R – Era de Okinawa! Então... eles ficaram morando lá, e então já eram amigos. Só que a gente era criança, nunca se interessou, não é? Agora, como nessa idade eu já estava com vinte anos e ele também, a mãe dele achava que tinha que arranjar alguém porque... Ficar namorando qualquer uma, namorava... Mas, de repente, querer saber de casar com qualquer uma não queria, não é? Então já começou a selecionar com quem seria bom ele ficar, ele começou a namorar e ficou.
P/1 – Deixa eu voltar só um pouquinho. Na sua casa vocês comemoravam que festas? Natal, aniversários...?
R – Natal, Ano Novo... Na minha sempre se comemorou, até hoje eu comemoro em casa e chamo todo mundo, mas desde o meu pai... O meu pai gostava dessas festas. Natal, sempre fazia festa. Ano Novo então, já fazia um monte de comida para jantar lá com a nossa família, foi sempre comemorado. Meu pai sempre foi festeiro, nessas coisas ele não era daqueles isolados não, ele gostava.
P/1 – Você se lembra de algum Natal específico?
R – Não sei, já se passaram tantos Natais.
P/1 – Não tem um que a senhora lembra?
R – Eu não me lembro. Eu “embanano” tudo com o meu... Como eu já estou há tantos anos casada, que já de solteira, assim, não dá para lembrar. Só me lembro que o meu pai sempre comemorou e que depois do dia 29 de outubro, ou julho... Ah, Dia de São Pedro, era um dia que fazia festa lá em casa, porque o meu pai era pescador não é? Aí esse meu irmão nasceu bem no dia 29, dia de São Pedro. Então era uma festa no dia 29, Dia de São Pedro, Dia do Pescador e, além disso, comemorava também por causa da minha madrasta - ele era o primeiro filho homem, porque ela já tinha duas filhas mulheres. Depois teve mais uma, depois que casou com o meu pai, e aí, quando nasceu esse meu irmão, para ela foi uma festa... Para japonês, filho homem é muito importante porque carrega o nome da família. Então ficou todo ano fazendo aquela festa, era Natal, Ano Novo, sempre teve muita festa, sempre juntava a família que podia. Até hoje lá em casa também, todo fim de ano vem todos os meus filhos, todos os que podem... Agora, cada dia um está na Alemanha, o outro está em São Paulo, está todo mundo... A moçada, a cada ano, sai muito agora, viaja, então não passa mais o Ano Novo em casa. Esse ano mesmo, não sei quanto... Uns três aí, uns estavam lá na Argentina, outros estavam não sei aonde; então, vivem só viajando. Então agora está diminuindo a quantidade. Antes, juntava aquele monte, todo mundo vinha, quando eram menores, agora criaram as suas asinhas, está todo mundo viajando. Mas assim mesmo, todo ano eu junto todos eles lá, sempre juntei, e é bom pelo menos uma vez por ano tentar juntar a família.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Aí a senhora conheceu o seu marido e depois de dois anos casaram. Como é que foi a época de namoro de vocês? O que vocês faziam? Como era o namoro?
R – Uma coisa normal... A gente ia sempre ao cinema, quando tinha qualquer festa a gente já ia. Quando eu me formei, ele já foi lá para me acompanhar, aí eu já fiquei meio interessada. Teve meu baile de formatura, ele dançou comigo. E aí começou.
P/1 – Como era o nome dele? Do seu namorado, que depois foi seu marido?
R – Era Tarô, o nome dele é Matsutaro, mas ficou Tarô desde que nasceu, chamaram de Tarô, apelido, porque Matsutaro é um nome comprido. E ficou para toda a vida. Ninguém o chamava de Matsutaro, era só para assinar.
P/1 – E aí você passeava com o Tarô?
R – Bom, acabou casando, e aí a gente estava sempre... E ele também estava muito atarefado...
P/1 – Como foi o seu casamento?
R – Ah, meu casamento foi muito bom.
P/1 – Como foi o dia, a festa? O que teve?
R – Foi uma festa boa. Foi no Hotel Oishi, que a gente chama, que era lá em cima, no clube. Lá em Santos, na rua Brás Cubas, tinha o Hotel Oishi, que era de um japonês amigo do marido da minha irmã. Tinha um hotel na rua Brás Cubas, que tinha quatro andares, e lá em cima tinha um salão enorme, você subia de elevador e lá tinha um salão enorme. E lá é que faziam as festas; meu casamento, então, foi lá. Foi bom mesmo. Tinha muita gente. Depois, meu marido era presidente ali do clube que estava nascendo, mas na época ainda não tinha, era tudo alugado lá, então todo domingo tinha festa, tinha... Enfim, tudo o que acontecia era lá, porque era alugado. Então o meu casamento também foi ali, assim de gente, porque como ele foi um dos primeiros presidentes ali do clube, então, Nossa, foi todo mundo ali. Uns amigos até me deram uma enceradeira elétrica (risos), daquelas estrangeiras, que durou anos, anos, anos... E depois, os amiguinhos ficaram sempre se reunindo, então era um clube que era mais família, todo mundo era conhecido. Tantos bailes, tantas coisas em conta. Carnaval então... Ficava “assim”. E a gente aqui de São Paulo, porque na época não tinha aqueles... Aqui em São Paulo não tinha clubes assim muito japonês para fazer Carnaval. E aí quando começou o Carnaval lá, desciam muitos moços japoneses, descendentes, não é? Iam para lá e ficava “assim” de gente, abarrotada, e aí... Até numa dessas...
P/1 – E na rua? Tinha Carnaval de rua?
R – Antigamente tinha Carnaval na rua, sim. Eu ainda me lembro de que, quando eu era menina, não sei quem tinha um caminhão lá, pegava toda a criançada e a gente ia fazer corso lá na rua, na praia, dentro do caminhão. Então a gente ficava jogando... Meu pai sempre deu confete, e, naquele tempo, era lança perfume, porque era permitido. Então, a gente ganhava uma lança, o meu pai comprava aquilo, comprava mais um saco de confete e a gente brincava na rua, ficava na porta, e passava gente, a gente jogava coisa e jogava lança perfume. Naquele tempo, era tudo bom, não era... Agora é perigoso! Mas a gente ia também no caminhão lá do nosso amigo, um conhecido, ia toda a criançada na praia, no caminhão, fazendo corso. Então, ia todo mundo no caminhão jogando as coisas. Era bem divertido. A criançada se divertia assim, viu? Era bem legal naquele tempo, mas agora acabou tudo, nem nos clubes ninguém vai mais, está tudo perigoso.
P/1 – Tinha banho da Dorotéia, já?
R – Tinha, já... Dorotéia eu acompanhei muito. Acho que o último que teve estava já lá com o meu marido, ele já era...
P/1 – O que era o banho da Dorotéia?
R – Banho da Dorotéia... Eu não sei quem inventou aquela, mas eu sei que você chegava na ponta da praia tinha um trampolim lá e eu não sei por que cargas d’água que inventaram... Todo ano tinha uma brincadeira, tinha um desfile, e todos os homens, vestidos todos de mulher, e ia todo mundo fazendo aquela fila... Não sei se era... Eu não me lembro bem, eu sei que quando chegava na ponta praia, tinha um palanque, aí a Dorotéia parece que subia e se atirava lá de cima, e se atirava na água, e davam banho na Dorotéia. Mas tudo homem, eram todos homens. Então, os homens iam todos vestidos de mulher (risos) era gozado, não é? Mas depois de um tempo... Todo ano tinha. Tinha uma turma de pessoal que andava de moto e depois tinha essa turma que vinha tudo de mulher, isso já há bastante tempo. Mas o último que teve mesmo foi muito... Vai ficando, como diz, vai ficando avacalhado mesmo. Na ocasião, eu ainda estava ali e também o meu marido ainda estava no negócio da Prefeitura, a gente ficava lá no palanque e podia ver. E quando ele chegava perto do palanque, que tinha autoridades, sempre as autoridades ficavam ali antes para cumprimentar. Nossa, mas estava uma coisa horrorosa! Um chegava e abaixava a perna por cima e tirava alguma coisa como se tivesse nascendo um filho; outro vinha e tirava aquele “coiso” todo sujo... Mas estava uma coisa avacalhada! Estava horrível. Aí acabou! Acabou porque estragou com a brincadeira, começou a fazer essa baixaria toda. Foi o último carnaval desses, como chama? O banho na Dorotéia. Acabou com essa alegria.
P/1 – Vamos voltar para o seu casamento agora. Aí a senhora casou e foi morar aonde?
R – Eu fui morar com a minha sogra. Não com a minha sogra, mas onde o meu marido morava. Meu marido estava cuidando dela; depois que ela ficou com mais idade, o meu marido é quem cuidava. Ela sempre teve saúde, sempre esteve muito bem. Mas, como ele era o único filho, porque a outra irmã dele, a mais velha, morava em São Paulo, e a outra também, até eu casar ela estava solteira ainda. Ela era mais velha que o meu marido, mas estava solteira ainda, depois ela acabou casando com um rapaz muito conhecido do meu marido, também. Por um tempo, ela ficou morando com a gente, depois ela comprou uma casa, aí ela mudou. Então, só ficamos o meu marido, eu e a minha sogra.
P/1 – Em que lugar a senhora foi morar?
R – Eu morava ali na rua Júlio Conceição. Era um lugar bom ali, a Júlio Conceição. Nós ficamos morando uns dois anos ali naquela casa, depois tivemos que mudar para uma casa que era na rua Júlio Conceição também, bem na esquina da Joaquim Távora. Uma casa boa, sabe? Uma casa que, naquele tempo, morou gente rica, mas depois na hora de... Morreram os herdeiros e ficou aquela briga lá, ninguém vendia, então ficou tudo parado e eles alugavam. Então nós fomos morar lá, tinha um terreno grande, casa boa e bonita. Ficamos morando uns dois anos. Depois, acho que a família conseguiu reunir e vender, e daí tivemos que sair. Daí compramos esta casa em que até hoje eu moro. Eu moro há sessenta anos nessa casa.
P/1 – Que fica aonde?
R – É uma casa grande, boa. Tem quintal...
P/1 – Que bairro é?
R – Ali no Boqueirão, bem quando a gente sai da Conselheiro Neves tem uma quadra assim pra frente... Começa a Afonso Benesão. Eu moro no 36. Isso aí vai até a ponta da praia, essa Afonso Benesão. Uma avenida comprida mesmo, grande.
P/1 – O que o seu marido fazia nessa época?
R – Nessa época ele já era... Quando nós mudamos, ele já trabalhava num escritório de... Acho que era de banana, fazia alguma coisa que tinha um pessoal que trabalhava com banana, tinha um negócio de banana lá no litoral e tinham que vir para a cidade resolver, então ele trabalhava nesse escritório aí. Por um tempo ele ficou trabalhando ali. Ele trabalhou... Por um tempo ele trabalhou lá na cidade, na rua... Como que chama? Ai, bem pertinho ali da Prefeitura, trabalhou ali um tempo, ficou um bom tempo trabalhando, depois é que ele... Depois que ele entrou na política também, continuou trabalhando...
P/1 – Como ele entrou para a política?
R – Então... Entrou porque justamente como ele sempre foi... Começou com o clube, ajudando, ele era muito ativo. Trabalhava lá no clube, chamava a moçada, que vinha e todo mundo trabalhava, não tinha nada preparado, eles até para montarem o clube lá, eles compravam a madeira, faziam a mesinha... Ah, ele fazia todo mundo trabalhar! Começou do começo, mesmo. Depois, com o tempo aquilo foi crescendo, o clube foi crescendo. Aí ele trabalhava lá, e aí, como ele conhecia... Tinha uma facilidade de arranjar amigo, e também jogava muito basquete - ele foi craque no basquete, foi cestinha - então, desde novo ele foi sempre muito ligado ao esporte, conhecia muita gente... Ele também era muito dado. Assim... conhecia o pessoal da Prefeitura, conhecia o pessoal do esporte, conhecia um monte de gente. E os japoneses também, ele atendia. Então, quando chegava o pessoal do Japão, teve uma época que vinha muitos japoneses de lá, vinham para morar... Ele encaminhava para a escola a criançada, tinha facilidade de falar com o pessoal lá da Prefeitura, conseguia muita coisa para ajudar esses japoneses que não tinham aquele preparo para conversar com as pessoas. Ele então ajudou muito, todo mundo, quando precisava, ia falar com ele. Então, também acharam que, como ele ajudava tanto, o pessoal resolveu a começar a um ou outro falar para ele se candidatar, e o prefeito, na época, o convidou para ser candidato a vereador. E nessa, a japonesada toda apoiou, não é? Porque ele ajudava já bastante. Ele foi e ficou, ficou, ficou, ficou... Sei que ficou vinte e nove anos (risos).
P/1 – Como vereador?
R – Isso.
P/1 – E a senhora, logo que casou, quanto tempo depois foi ter filho?
R – Ah, eu casei em 20 de maio de 1921; logo no ano seguinte eu já tive filho. Fiquei grávida, aí eu perdi o primeiro. Foi assim... Eu fiquei grávida, já no mês seguinte eu comecei a enjoar, fiquei grávida. Eu enjoava a toda hora, não era de vomitar, ficava aquele enjoo enjoadinho, mas continuava fazendo tudo em casa. Teve um tempo, no começo, que eu trabalhei um pouquinho fora, mas depois eu comecei a ficar muito enjoada...
P/1 – Onde a senhora trabalhou fora?
R – Eu trabalhei na escola profissional, pouco tempo, um mês só, porque logo depois eu comecei a ficar muito enjoada e aí não dava para fazer nada. Era muito longe da minha casa, aí eu parei porque eu enjoava, mas só que não vomitava, ficava enjoada mas continuava fazendo o meu trabalho. Aí, eu sei que passou um ano e eu já ia ganhar em dezembro, janeiro, fevereiro... Por aí, eu continuava enjoando, mas nunca parei de trabalhar, era só aquele enjoo que irrita, mas não aconteceu nada. Aí a minha cunhada veio de São Paulo - isso já perto do Natal - e como eu falei que estava enjoada, ela falou: “Vou levar você lá em São Paulo que tem um médico, doutor”... , Como era o nome dele? Ele trabalhou numa faculdade, era muito bom, foi médico dela, ela falou que ia me levar lá. Então, me levou. E ele disse que eu estava anêmica. Como eu estava enjoada, comia muito pouco, não vomitava mas comia muito pouco, aí ele disse que eu estava anêmica, mandou fazer transfusão - ele falou três - para eu tomar... Por sorte, tinha a minha sogra e o meu irmão que tinham o sangue universal, eles que me deram o sangue três vezes, e ele falou que quando eu terminasse - isso já era fim de dezembro - para ir ao meu médico e ver... Só que o meu médico também estava viajando, estava em Campos do Jordão, estava viajando, todo ano ele viajava. Aí eu fui em outro médico, ele também não estava, um outro médico conhecido, também viajando. Aí quando eu fui em outro, até o médico de nome bem conhecido, ele achou que eu estava bem e que ia ganhar em abril, não sei... Fevereiro... Não sei. Aí eu voltei. Só que uma semana depois que tinha ido ao médico, eu acordei de manhã, fui à padaria comprar pão e comecei a sentir umas cólicas, umas dores. Mas voltei, comecei a fazer o almoço e depois, quando o meu marido chegou do serviço, eu falei que estava assim e ele falou: “Vai descansar”. Eu fui descansar. Quando eu deitei, começou a me dar umas cólicas fortes, umas cólicas... Aí a minha cunhada, que ainda era solteira, chamou uma parteira dela conhecida. Quando ela chegou, disse que eu já ia ganhar. Assim... Não dava nem tempo para sair. Aí, daqui a pouco, sai aquele grito “nháaa”, sai aquele grito lá, mal ela chegou e já fez o parto, não é?
P/1 – Foi em casa, com a parteira?
R – Então... foi com a parteira. A minha cunhada chamou essa parteira, que ela já tinha ido trabalhar no escritório, alguma coisa... Então, logo que a parteira chegou, já falou que ia nascer, e foi assim: chegou, já nasceu. Só que não estava bem em tempo. Aí, como nasceu em casa, minha cunhada enrolou lá no coisa e levou para o hospital, naquele hospital ali, Conselheiro Neves, só que mal chegou... Como nasceu em casa e não estava naquele tempo completo ainda, acho que faltou um pouco. Chegou lá e ficou mais um pouco. Se nascesse no hospital, já pega e já fica nos lugares que ia ficar e agasalha, como ainda teve esse contratempo de enrolar, de pegar carro, ambulância, não sei o quê, para levar lá, já aí também tinha feito efeito ou não, não é? Eu sei que, no dia seguinte, ela morreu. Era uma menina, ela morreu. Aí, passado, depois que eu fiz o meu…
P/1 – E a senhora, como ficou?
R – Aí eu fiquei em casa porque eu tinha ganho, então tive o resguardo um pouco. Depois que passou aquilo, eu fui ao meu médico, doutor Ribeiro Gomes, que desde a primeira gravidez sempre fui com ele, aí ele falou assim para mim: “Mas eu nunca mandei nenhuma paciente fazer transfusão”. Ele falou que nunca fez isso enquanto está grávida. Aí eu falei: “Mas não foi o senhor”. Porque ele falou assim: “Mas eu nunca...”, como se eu dissesse que foi ele que fez aquilo, não é? Por isso eu abortei. Então eu contei que eu não estava me sentindo bem... Não é que não estava me sentindo bem, a minha cunhada quis me levar só para ver, eu não falei que estava passando mal. Eu falei que estava em São Paulo, então ela me levou lá no médico. Aí, ele falou que nunca mandou fazer transfusão em mulher grávida! Como quem diz: “Aquilo provocou”. Bom, eu também não falei nada, não falei que não estava me sentindo bem, que não estava em São Paulo, não falei que fui de propósito. Aí não passou, nasceu, morreu e depois... Quase um ano depois eu fiquei grávida outra vez, aí não tive mais problema.
P/1 – Aí ficou grávida de quem?
R – Fiquei grávida desse meu filho que era médico. Ele morreu com cinquenta e dois anos. Ele era pediatra. Aí ele teve um problema de saúde e acabou morrendo logo. Ficou três meses doente, enfraqueceu um pouco, e sei que acabou morrendo. Nossa, foi uma coisa de louco! Todo mundo lá em São Paulo... Ele tinha muitos clientes, as mães gostavam, ele sabia lidar com as mães, sabe? E as mães (risos), quando sabem lidar com os filhos... Ele ficou doente e foi uma loucura. Ele já tinha os filhos, gostava da profissão dele, reunia muitos médicos. Ele fazia reunião para fazer aquilo ali. E assim... Quando ele ficou doente, Nossa, era tanta gente no hospital! Eu fiquei lá direto, três meses no hospital. Era tanta gente para visitar, vinha gente de todo lado para visitar, até amigos de Santos iam lá para visitar, enfim, não deu mais...
P/1 – Qual filho a senhora teve depois?
R – Esse primeiro, mas ele já tinha cinquenta e dois anos, mas nessa altura eu já tinha tido todos os filhos meus.
P/1 – Qual foi o segundo filho, depois dele?
R – O segundo é o Milton, ele é bem grande, alto e meio forte.
P/1 – Que ano que foi?
R – Ele nasceu, acho que um ano e meio depois. Eu fiquei grávida logo depois que ganhei o Mauro. Quando o Mauro fez um ano, eu já estava grávida de três meses. Engraçado (risos) é que eu não ficava menstruada, acho que emendava uma coisa, quando vinha eu já estava grávida. Então eu fiquei grávida dele, ele nasceu bem, nasceu grande, e até nasceu bem forte. Só que ele também não tem filho. Eu tenho dois filhos que não têm filho, se ele tivesse filho, ele já teria um filho de... Porque as minhas filhas, tem a Ayna...
P/1 – Aí depois do Milton, veio quem?
R – O Maurício
P/1 – E depois do Maurício?
R – O Maurício, acho que ele está com sessenta e um anos agora. Depois do Maurício veio a Isa, que a Isa já está com sessenta e um, ela é musicista. Então veio ela, ela está sempre em movimento, toda agitada, Nossa... Depois dela veio a Ayna, que também é arquiteta. Depois da Ayna, veio o Márcio, que agora está com cinquenta e seis anos. O Márcio morou trinta anos na França depois que se formou na USP, em Arquitetura. Ele trabalhou dois anos e depois foi para a França, porque para ele era interessante conhecer lá, voltou agora, faz uns quatro anos que ele voltou.
P/1 – E depois dele?
R – Depois veio a Irene, ela é a caçula. Eram três homens e três mulheres.
P/1 – A senhora pretendia ou foi acontecendo? Você e seu marido queriam ter esse bando de filho?
R – Não, foi acontecendo... Ficava grávida tão rápido, (risos) eu nem chegava a ter menstruação, quando vinha, que demorava, quando vinha eu já estava grávida. Mas eu tive todas as gravidezes bem, nunca tive problema nenhum.
P/1 – Como foi criar todos esses filhos juntos?
R – Foi aos trancos e barrancos. Ele trabalhando muito e eu trabalhando em casa, também. Aí eu tinha que fazer as minhas coisas, tinha que cuidar deles, cuidar... Enfim, cuidar desses filhos com empregada e tudo, mas ele também trabalhando duro, porque não era fácil criar todos esses filhos assim. Mas é que ele, também, sempre foi muito trabalhador, então ele se virava muito para criar. Mas, graças a Deus, foram todos bem. Agora, depois no final, foi que o Mauro, que já tinha quatro filhos, que ele ficou doente, um problema... Acho que do pulmão, alguma coisa, que emendou com alguma coisa, e ficou. Mas fora isso, foram todos bem, todos com saúde...
P/1 – Como era na sua casa com todos eles? Como é que eles brincavam? Como a senhora administrava?
R – Era assim: tinha que fazer comida, com a empregada, para todos... Todo mundo ia para a escola, era um tal de vai e vem, vai e vem, vai e vem... Fora isso, eles tinham muito movimento ali a criançada, os amigos que traziam. O Márcio então, foi escoteiro, estavam sempre trazendo os amigos deles. Ah, eu sei que aquela casa era tão movimentada! Depois ele ainda se meteu também na política, ainda mais movimento... A minha casa foi eternamente movimentada, agora é que está parada porque eu moro sozinha, então está tudo meio assim... Fim de semana sempre tem algum dos meus filhos...
P/1 – Como é que é a casa?
R – Minha casa é grande, é bem ali na Afonso Benesão, até bonita, eu diria. Ela tem sobrado. Eu tenho três quartos em cima, um quintal enorme, no fundo tem uma garagem, depois tem uma cozinha. Têm dois andares, na frente eu tenho uma entrada, que é bem grande. Antigamente, eu tinha o muro baixo e o portão também, que abria a face assim, depois tinha uma área e depois que se tinha a minha sala grande, cozinha grande... Tudo grande, assim. Só que era meio perigoso, naquele tempo. Se alguém chegasse, abria com facilidade, era só destrancar a porta. Só que tem uma areazinha e depois tinha uma porta grande assim que separava... Tinha um portão grande, depois um portão pequeno que dava para ir para o outro lado do corredor; continuando lá mais um pouquinho adiante, tinha uma outra porta grande que ligava com o quintal grande e o portão grande. Mas, com o tempo, foi desgastando, ficando velho tudo, aí foi estragando, eu não pus mais, ficou sem. Agora não tem mais. Mas agora tem um cachorro ali (risos). O Márcio fez uma casinha de cachorro, casinha não... Casinha bem grande, colocou bem ali na área. O cachorro, ao invés de ficar lá no fundo, fica bem ali, qualquer barulho ele está ali, chega gente ele está fazendo festa. Fez aquela casinha dele toda, ele é arquiteto, inventou uma moda de cachorro, mas ele... Mas na minha casa é muito bom, grande, bom de morar, e casa antiga, casa boa...
P/1 – E como é que dormiam os filhos no quarto? Como é que eles se dividiam?
R – Então... no começo, como eu tinha três quartos grandes - o do meio é um pouco menos, mas o da frente e o do fundo é tudo quarto grande - então os meninos, com o tempo, foram quatro meninos de um lado, três meninas do outro, e tinha o quarto do meio, que era um pouco menos, era um quarto um pouco menor, mas era bom. Então, as meninas dormiam com a minha sogra, eu dormia no meio com o meu marido e no outro quarto maior moravam os quatro meninos. Então, deu para comportar, não é? Depois, com uns vinte anos, começaram a ir para São Paulo. Todo mundo começou a estudar, eles foram morar em São Paulo. A minha filha foi para a USP, foi para São Paulo. A Irene foi, o Márcio foi... O Márcio então, fez... O que ele fez mesmo? Fez o American Field, conhece? Morou um ano lá em Pitsburgo. Morou na casa de um maestro, morou um ano lá, depois ele voltou, quando completou um ano, ele voltou. Aí o maestro, no mesmo dia em que ele saiu de lá, o maestro foi chamado para morar lá no Havaí, para tocar lá. Ele era maestro, então ficou morando lá. No dia em que o Márcio saiu da casa deles, eles também foram morar lá no Havaí. Aí, nesse tempinho, então, enquanto eles estavam lá, eles mandaram o convite para o Márcio, um convite para ele ir para lá passar uns dias. Eram férias e o Márcio foi até lá, foi até dezembro, ele recebeu o convite no começo... Ficou até começo de março, quando começavam as aulas já aqui em São Paulo. Ele ficou lá, ficou muito amigo... Uma família que... Nossa! A família dele... Parecia que ele era de lá, era um tal dele chamar de pai e essa coisa, e eles gostaram muito dele. Até me lembro que mandaram até a empregada de lá... Lá não tem empregada todo dia, não é? Tinha empregada assim que vinha de vez em quando, vinha até de carro... Não, empregada lá era coisa de... Não é que nem aqui. Aí chegou até dezembro, ela até mandou uma coisa para o Márcio, mandou um cheque para o Márcio, de presente. Olha, eu falei: “Onde é que se viu uma empregada...?” Ela era uma senhora. Mas acho que ele se acostumou tanto lá, e ele também, o pai dele americano, nossa, abraçava e a mãe, até o ano passado, até hoje, ela manda coisas de Boas Festas, sabe? Só ano passado que eu perdi, não sei se acabou perdendo o meu endereço, mas até hoje a gente mantém... Eu não conheço ela, mas todo ano, desde que ele saiu de lá, ela manda cartão e eu também mando para ela, então vai....
P/1 – E dos filhos, algum que era mais levado?
R – Lá, cada um tem um temperamento.
P/1 – Como que é? Fala um pouquinho de cada um.
R – O Milton, quando era pequeno, era bem grandão. Ele gostava de brincar, ficar subindo pelos muros, subir em árvores no quintal - tinha um quintal grande, tem fotografia dele. Ele era desse tipo assim. O Mauro já não era tanto, o Mauro gostava muito de ficar lendo, sempre gostou de ficar lendo revista... Já não foi desse jeito. O Maurício também foi um que também sempre gostou de jogar bola, desde pequeno, começou a jogar com os amigos e formou um time, até hoje tem time em que ele joga; agora acho que já parou um pouco, já está velho, não é? Mas sempre gostou de ficar jogando, aí os meninos, lá nesse clube em que meu marido foi presidente desde o começo, então, meus filhos, quando nasceram, ficaram adolescentes, todo domingo ia todo mundo para lá, e os amigos deles, que também foram frequentando, foi todo mundo casando entre um e outro, sabe? Então, os próprios amigos do meu marido, todo mundo que era solteiro, começou a frequentar e aí acabaram se enamorando... Aí tem diversos casamentos ali, sabe? E os filhos também ficaram amigos, então a adolescência deles, até treze anos, todo domingo eles lá no clube. O Milton começou a jogar muito tênis de mesa, o Mauro começou a jogar voleibol, então ensinava até as meninas, e o Milton ficava... Então eles passaram essa fase aqui boa, depois começaram a estudar e o Mauro também foi para a faculdade, foi para São Paulo, depois eles começaram a ir para São Paulo para estudar, e começou a diminuir o povo.
P/1 – E as meninas, como eram?
R – A Isa, a Isa também foi estudar em São Paulo.
P/1 – Como ela era enquanto criança?
R – A Isa também era muito estudiosa. Fala pelos cotovelos, mas, também, ela sempre gostou muito de estudar, ela sempre foi daquela estudiosa mesmo. Então, ela está lá. Se formou e depois foi para São Paulo e ficou estudando lá. Ela fez a escola de Comunicação, mas depois ela fez curso de Música lá em São Paulo porque, na verdade, ela lida mais só com música, então ela está trabalhando até hoje com isso, dá aula... Ela trabalha só com isso, com criançada, porque ela trabalhou em creche quando criança, ensinando, então, até hoje ela só ensina a tocar, a viajar... Viajar, já viajou muito pela Europa, já levou aquela turma viajando, então ela tem uma vida muito agitada, parece que não pode parar um minuto.
P/1 – E depois da Isa?
R – Tem o Mauricio. Ele se formou engenheiro, mas trabalhou em São Bernardo; porém, depois que se formou, começou a trabalhar em Santos.
P/1 – E a outra menina depois da Isa, quem é?
R – É a Ayna, ela também é arquiteta. Ela trabalha... Não me lembro onde ela trabalha, eu sei que ela já está há anos, já está para aposentar, quase. Ela já está há muitos anos trabalhando. Então, quer dizer, eles ficaram trabalhando...
P/1 – E a Irene?
R – A Irene, também, depois que ela se formou...
P/1 – Como ela era quando era pequena?
R – Ela era tranquila. Mas depois que se formou, foi trabalhar em São Paulo. Quer dizer, foi estudar em São Paulo. Acabou que todo mundo fez o cursinho, foi estudar, entrou na faculdade e já ficou por lá mesmo. E aí começou a trabalhar, namorar... Então, desde cedo, meus filhos já saíram de casa. Até quando o meu marido morreu - eu tinha 65 anos, ele morreu com 69 - quando ele morreu, os meus sete filhos já estavam casados. Então, todos, depois que foram estudar, cada um foi arrumando a sua vida, arranjando trabalho, namorando... Quer dizer, enfim, trabalho eles nunca me deram, cada um com a sua vida, mas nunca me deram trabalho. Cada um foi arrumando o seu trabalho, casaram...
P/1 – Qual foi um trabalho de destaque, alguma coisa que a senhora lembra que o seu marido tenha feito como vereador?
R – Ai, Nossa... Eu nem lembro, viu? É tudo escrito lá. Ele fez diversas coisas ajudando o pessoal, o povo, Então, ô coisa mesmo... Ai, de cabeça mesmo eu não guardo mais.
P/1 – Não tem problema...
R – Eu não me lembro, já faz tanto tempo. Era tanta coisa, era tanta coisa mexida, não é? Acho que ele ficou vinte e nove anos trabalhando. Então, foi uma coisa atrás da outra embolando, e eu embolando com os meus filhos e tudo, Ave Maria! Eu tinha uma vida muito agitada em casa, não sei como aquela casa está em pé ainda, porque era muito coisa. Fora, também, porque a criançada vem vindo, aí começa a trazer amigos, criança pequena...
P/1 – Como é que o marido da senhora era com os seus filhos?
R – Ah, ele sempre foi meio assim, nunca foi assim, muito rigoroso, mas ele sempre tratou bem e tudo. Foi sempre normal, nunca foi rigoroso. Mas meus filhos não foram de dar muito trabalho, então ele sempre deu exemplo de trabalho, de honestidade, pelo menos tudo isso aí a gente não tem o que reclamar. Não foi aquela vida maravilhosa, cheia de coisa, porque ele foi sempre de trabalhar muito para criar todos aqueles filhos, não foi brincadeira, era muito filho, sete filhos para sustentar não é brincadeira, não é? Ele trabalhou bastante. Ele gostava muito de mexer com carpintaria, então, quando chegava o fim de semana, quando tinha tempo, ele ficava lá na garagem fazendo serviços de carpintaria. Então, as coisas que ele gostava de fazer, ele fazia. Mas também, ele era muito ocupado, sempre tinha uma reunião disso, tinha que apresentar “o coiso” da escola japonesa, ele ajudava... Era reunião aqui, no Clube de Campo, foi não sei o quê no outro clube... Ah, eu sei que ele era muito atarefado, não tinha tempo para nada. Era bom, chegava domingo, quando ele parou com essas coisas, ele começou a ir à praia de manhã, ficava jogando lá na praia com os velhos lá, então ele se divertia sempre. Sempre tinha atividade (risos).
P/1 – Vocês se davam bem?
R – Graças a Deus, eu não tinha nada do que reclamar e ele o que reclamar. Ele fazia as obrigações dele e eu as minhas. Então a gente vivia em paz, sempre bem. Mas, quando os meninos eram pequenos ainda, chegava na quarta-feira, a gente sempre ia ao cinema, quando não tinha reunião, não é? Sempre às quartas-feiras, já me avisava que a gente ia ao cinema. Então, a gente... Eu sempre falo (risos): a criançada estava brincando, eu não deixava eles dormirem depois do almoço, deixava eles brincando para ficarem bem cansados, porque aí jantava e ia todo mundo dormir. Porque se começasse a dormir de tarde, à noite não queriam dormir, não é? (risos) Aí eu deixava eles brincarem bastante, dava janta, punha todo mundo para dormir e a minha sogra naquele tempo ainda era viva, então eu podia sair à noite que ela estava lá. Ela dormia, não é? Mas pelo menos os filhos não estavam sozinhos, não ficavam sozinhos. Aí eu ia para o cinema lá, pegava a sessão das dez, depois que ele voltava, às vezes, de alguma reunião, eu pegava às dez, chegava meia-noite e a gente ainda ia comer uma pizza, comer alguma coisa, meia-noite, e aí a gente ia levando. Quando tinha festa aqui, festa ali, a gente, quando podia, a gente sempre ia, não é? E o clube estava sempre agitado, sempre tinha alguma coisa no clube. Eu levei tudo aquilo, mas foi levando, empurrando, mas não fiquei parada em casa.
P/1 – Comemorava aniversário das crianças? Fazia festa para os filhos?
R – Eu sempre comemorava alguma coisa. Quando tinha algum aniversário, a gente convidava... Ah, o pessoal de casa é que fazia essas festinhas, mas era tudo coisas pequenas, festa grande era só no fim do ano, para chamar a família toda. Aí, quando tinha alguma coisa, a gente já avisava para vir, sempre fazia o bolo, doce... Mas não convidava muita gente de fora, muito assim, não dava não. A gente também não tinha situação de ficar chamando todo mundo, era só o pessoal de casa, quando dava. E já era bastante, porque o movimento já era demais, eu é que não parava. Mas eu sempre trabalhei, nunca fiquei descansando, também nunca tive problema de saúde, não tomo remédio... Graças a Deus, nunca fiquei engordando ou emagrecendo... Foi a nossa vida normal, cuidando, acho que foi toda a correria, preocupação, a gente... Mas está todo mundo com saúde está bom, não é?
P/1 – A senhora participou das comemorações dos cem anos da Imigração Japonesa no Brasil?
R – Ah eu participei, eu também ajudava. É que eu também parei, uns dois ou três anos para cá, que agora eu estou de bengala aqui, eu fiquei meio brecada, perdendo um pouco o equilíbrio. Mas eu pareço que estou bem, não é? De cabeça. Então eu sempre frequentei a sociedade japonesa - ali a gente ajudava - e sempre fui voluntária lá. Lá tem uma casa de idosos, eu também sempre ia lá, toda semana, quando tinha alguma coisa, um bazar, eu ia ajudar... Quando tinha um almoço ou quando tinha alguma coisa, eu ia ajudar. Também na Associação Japonesa, quando também ia ter alguma coisa e precisava, eu ia lá ajudar, fazer comida, fazer doce, fazer qualquer coisa que tivesse que fazer... Eu sempre fui voluntária. É que eu parei. Agora eu não consigo mais, aliás, eu não posso mais andar sozinha. Mas fora isso, eu sempre ajudei, eu sempre ia ajudar. Agora eu parei, não saio mais de casa.
P/1 – A senhora recebeu uma homenagem em nome do seu pai? Como é que foi? Da imigração japonesa...
R – Eu tive algumas coisas que comemoraram e chamaram a gente para ir lá comemorar, teve diversas coisinhas.
P/1 – Onde é que foi? Conta...
R – Ah, essas coisas também eu nem me lembro, viu? Porque eu também tive que ir para São Paulo quando teve alguma comemoração do meu marido, aqui em Santos também, mas eu não estou lembrada desses detalhes assim. Mas eles sempre visualizaram, quando tinha alguma coisa sempre me chamaram para prestar homenagem, para tirar uma foto junto, alguma coisa... Eu já nem me lembro mais, são muitas coisas, não dá nem para lembrar. Mas foi tudo muito bom, como sempre eu frequentei ali, sempre procurei ajudar, então eu já recebi homenagem também por ter ajudado lá. Mas eu também nem presto atenção, eu vou lá ajudar porque o tempo para mim já estava dando... O restaurante, porque o meu marido faleceu cedo, eu tinha sessenta e cinco anos quando ele faleceu, então meus filhos já estavam todos casados e eu tinha um tempo mais livre, eu tinha minha casa, mas eu podia ajudar ali, ajudar aqui... Eu não ficava dependendo dos outros verem o que eu tinha que fazer. Hoje eles já estão todos casados, então para mim foi bom porque nesse tempo eu, de manhã, também ia à praia. Bom, enquanto meu marido estava vivo a gente já ia à praia todo dia, dez anos a gente ia todo dia de manhã à praia, andar na praia... Também, eram cinco e trinta da manhã e a gente estava andando na praia, parecia que ia trabalhar, acordava cinco horas todo dia. Ia e voltava, uma hora, a gente andava para lá e para cá. Depois, quando parou isso aí, quando ele começou a não... Acho que ele faleceu, começou a ficar não muito bom... Aí, depois que ele faleceu, eu comecei a fazer ginástica na praia, tinha um professor japonês que começou a dar aula na praia, assim, acho que quando ele estava lá no Japão ele era professor, aí começou na praia cedo... Seis e trinta da manhã a gente vai na praia... Qualquer um, todo mundo que quiser passar, não tem idade, você vai lá e fica fazendo um exercício de coisa, de abaixa e levanta... É um exercício... Ele é bom, Nossa, todo mundo que passa lá na praia entra lá no grupo e fica, acostuma, fica um vício, você vai todo dia lá. Já estou até uns anos... Eu parei, porque eu ia seis horas lá, começava às seis e trinta a ginástica e eu ia para lá. Mas depois que eu comecei a ficar meio... Eu não sei o porquê, eu comecei a andar na rua, estava sentindo assim um dia... Estava andando, achava que ao invés de andar assim, eu estava andando assim... Aí eu comecei a ficar com medo de andar na rua. É, parece que a gente está perdendo um pouco o equilíbrio; então eu não andei mais na rua. Quando eu saio para algum lugar, sempre tem alguma festa no Atlanta, lá no... Sempre tem tido... Eu vou, mas sempre tem algum filho para me levar, porque sozinha eu não ando mais. Porque tem que ir ao banheiro, não é? O Márcio estava esse domingo passado, teve bingo lá, estava bem animado, ele foi. Na outra vez, ele também me levou, tinha um almoço, não sei. Então, como sempre, no fim de semana tem gente. Aí, quando tem essas coisas eles já me levam; senão, eu não saio. Tem meu cunhado, ele pode me levar também, mas eu não quero depender. Eu tenho filhos, ficar dependendo do meu cunhado é chato, não é? Ele sempre me telefona que vai me pegar, mas eu sempre aviso antes, falo para o Maurício me levar lá, quando o Maurício não pode me levar ele avisa e eu já aviso o Márcio para ele levar... A Isa também aparece. Então, mesmo que eu não queira ir, tem que ir, porque eles aparecem... Aí tem que ir, tem que ir e ponto. Porque, às vezes, eu prefiro ficar em casa, esticada para descansar. Mas é bom porque se você começa a acomodar, você não quer mais sair de casa. Mas, agora, quando você sai sempre, ainda mais na minha idade, não é? As minhas amigas, assim, todo mundo já está aposentado, com a minha idade... Aposentado que eu digo é com dor aqui, dor ali (risos), dor não sei aonde. Então eu ainda estou aí para sair. É que, agora, eu já estou perdendo o ânimo. Mas se tem, quando manda o convite, eu vou. Eu vou e já mandam, tem isso, aí eles já me levam.
P/1 – Dona Isaltina, qual hoje é o seu maior sonho? Qual é o seu sonho hoje?
R – Olha, eu sempre disse: “Eu quero morrer em paz”, mas não quero ficar durando. Eu já estou durando muito. Morrer em paz. Que meus filhos estejam tudo em paz, essa é a minha preocupação, é o que eu peço a Deus todos os dias, agradeço a Deus todo dia antes de dormir. Eu sou católica desde criança, mas não sou aquela de ficar na igreja não, todo dia eu agradeço a Deus de dia e peço que, à noite, me dê uma paz, que eu durma em paz, e eu peço a Deus... Eu agradeço todos os meus que já estão lá em cima, que já tem bastante, e também peço que dê saúde para os meus filhos, para a minha família e que andem todos pelo caminho do bem... Isso que eu peço, fora isso...
P/1 – E suas netas? Qual foi o seu primeiro neto? Quantos netos a senhora tem?
R – Eu tenho 14 netos. Só que, casados, só tem a Carolina, a mais velha, que está com 34 anos.
P/1 – A senhora sabe o nome de todos eles?
R – Clara, que é a caçula, a Júlia, a Paula. O Milton não tem filho. O Maurício tem duas meninas, uma já está casada, a outra também está lá... O Milton não tem filho, dois deles não têm, se tivessem já teriam filhas moças já. A Ayna tem dois meninos, ela é arquiteta, mas os dois filhos... Já estão formados. A Isa tem um casal também, a filha dela já tem uns trinta e dois, está lá namorando meio... Agora, todo namorado a gente... Cada um faz o que bem entende, não é? Tem o filho dela, que chegou agora lá da Iugoslávia, não sei... Ele é meio artista, cada tempo está num lugar. E aí o convidaram para fazer foto, para fazer “coiso”, ele é meio artista, ele sabe até montar uma poesia, cantar um pouco e fazer modelos, faz exibições de sapatos, que convidam. Ele vive viajando, se chamar ele viaja. Até engraçado (risos), outro dia ele apareceu lá e mostrou a fotografia. Ele está chegando, a mulherada toda assim: “Aaaah”. A moçada nova, não é? Eu sei que ele chegou, acho que, ontem. Ontem que eu encontrei com ele, estava lá... Agora não sei se mês que vem ele vai continuar. Conforme... Vai onde é chamado, combinado, ele vai. Ele também não para, mas ele é muito bonzinho. Graças... Ele vai levando a vida dele, mas está bem. A Aimê também não tem filho, ela ainda é solteira, mas também... Quer dizer, casado mesmo, então, filho... Tenho só os netos que eu tenho... bisneto, eu falei: “Acho que eu não vou ver”. Falei: “Nossa, com a minha idade, acho que vou morrer sem ver um bisneto, porque ninguém resolve, não é? (risos). Ninguém resolve”. Então eu vou ficar sem ver. Então, por enquanto está aí, enquanto ninguém resolve. Agora, ninguém quer saber de ter filho logo, todo mundo quer trabalhar, trabalhar, trabalhar... Não tem tempo de ter filhos... É que também não está fácil isso aí...
P/1 – Dona Isaltina, para a gente encerrar, eu queria perguntar: o que a senhora achou de contar a sua história de vida, hoje aqui?
R – É bom, não é? É bom a gente falar o que a gente, pelo menos, lembra. O que eu lembro. Tem muita coisa que eu não lembro mesmo. Mas é uma satisfação saber que as pessoas se interessam por fazer uma historiazinha. Mas, fora isso, eu estou bem, graças a Deus. Para mim o que interessa é que vivam todos bem, que vivam em paz. Eu quero é paz para esse mundo, porque eu já estou com esse mundo até aqui! Não aguentando mais, porque a gente liga a televisão, liga o jornal, só tem barbaridade, só tem crime, só matança, só, hummmm, meu Deus... Maior perigo hoje, tenho até medo de andar na estrada, porque é tanta barbaridade. Eu falei: “Por quê o pessoal não vive mais em paz, não é?”. Era muito mais fácil. São ambiciosos, pensam em ganhar muito, não sei para quê. Para quê ganhar tanto, fazer tanta coisa, se vai morrer e os bichos não vão comer do mesmo jeito? (Risos). Eu acho, era muito mais fácil viver em paz; com pouco, porém em paz. Não é muito melhor? A gente vê, a gente que conhece muitas pessoas, a gente sabe que a gente vive em paz, mas esses ambiciosos aí, fazendo crimes. Fora isso, o que acontece nas estradas. Está o maior perigo. Tenho até medo quando o pessoal começa a viajar, toda hora estão matando gente na estrada. Fora os loucos que andam pela estrada aí, acontecem mil coisas que as pessoas não têm nada que ver com isso e acontecem tantas coisas, não? Perigo, não é? Ai, meu Deus do céu. Eu só peço a Deus que dê paz para esse mundo, todo dia eu peço a Deus que dê um pouco de paz para esse mundo. Porque desse jeito, não dá não. Para o mundo todo, não é?
P/1 – Dona Isaltina, mas foi bom para a senhora contar a história?
R – Não sei se isso é história ou não, mas já que você está querendo anotar... Eu falei para a Irene, quando ela me falou: “Mas para quê? Contar o quê? Todo mundo já sabe da história da gente, a gente tem história...” E não sei o quê... “Então, tudo bem, eu falo o que dá para falar...”.
P/1 – Dona Isaltina, eu queria agradecer muito a entrevista da senhora, foi muito bonita.
R – Não sei nem se isso é entrevista, não é nada importante, não é? Mas já que pediu para fazer, eu vou falar!
P/1 – É muito importante, sim!
R – Mas não sou nenhuma pessoa para contar histórias importantes assim... Mas o que vai fazer? Eu estou em paz comigo, não adianta ficar querendo ambicionar muita coisa, não. Porque a gente tem que viver em paz. É muita gente para a gente conseguir viver em paz (risos).
P/1 – Obrigada!
R – Obrigada você.
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