P/1 – Boa tarde, Osmar, muito obrigada por estar aqui dando essa entrevista do Projeto Memória Aracruz. E eu quero começar pedindo para você dizer seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Eu me chamo Osmar Luís Rebelo de Oliveira, nasci no Espírito Santo, na cidade de Alegre, que fica ao sul do Espírito Santo. Vivi toda a minha vida aqui no estado. Enfim, minha síntese de vida é isto aí, sempre vinculado à terra.
P/1 – E você nasceu quando, Osmar?
R – Dia 20 de agosto de 1942.
P/1 – E, agora, a gente queria que você dissesse o nome dos seus pais e o nome dos seus avós.
R – Sim. Eu sou filho de José Rodrigues de Oliveira e Adair Rebelo de Oliveira. Nasci num lar muito bom, muito bonito, muito prazeroso para nós todos. Somos seis irmãos. Hoje não temos mais os nossos pais conosco, mas tem toda uma história aí de vida. O meu pai veio muito novo para o Espírito Santo. Filho de um português que veio fazer o Brasil, Seu Antônio Rodrigues de Oliveira, que casou-se com a Senhora Antônia Delfino de Oliveira. E é uma família muito grande, de três irmãos, coisa desse tipo, né, o que era muito possível e bom naquele tempo. E o meu pai era o caçula da família. Veio, situou-se em Alegre. Ele veio com seis anos de idade e lá criou a família inteira. Foi político por muito tempo na terra, prefeito por algumas vezes etc. etc. E o fato dele ter guindado uma posição de parlamentar nos trouxe, a família inteira, para Vitória. Daí eu ter me voltado para Vitória. E para começar a trabalhar, a estudar, tive que trabalhar para me sustentar. Nunca tive uma vida muito boa em termos de facilidade. O que eu hoje agradeço muito a tudo isso, porque isso me ensinou muito a viver. E, para começar a me sustentar, eu fui trabalhar, e um dos trabalhos, o segundo emprego que eu tive, foi exatamente no Porto de Vitória.
P/1 – Mas, Osmar, fala um pouco sobre a atividade profissional do seu pai e...
Continuar leituraP/1 – Boa tarde, Osmar, muito obrigada por estar aqui dando essa entrevista do Projeto Memória Aracruz. E eu quero começar pedindo para você dizer seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Eu me chamo Osmar Luís Rebelo de Oliveira, nasci no Espírito Santo, na cidade de Alegre, que fica ao sul do Espírito Santo. Vivi toda a minha vida aqui no estado. Enfim, minha síntese de vida é isto aí, sempre vinculado à terra.
P/1 – E você nasceu quando, Osmar?
R – Dia 20 de agosto de 1942.
P/1 – E, agora, a gente queria que você dissesse o nome dos seus pais e o nome dos seus avós.
R – Sim. Eu sou filho de José Rodrigues de Oliveira e Adair Rebelo de Oliveira. Nasci num lar muito bom, muito bonito, muito prazeroso para nós todos. Somos seis irmãos. Hoje não temos mais os nossos pais conosco, mas tem toda uma história aí de vida. O meu pai veio muito novo para o Espírito Santo. Filho de um português que veio fazer o Brasil, Seu Antônio Rodrigues de Oliveira, que casou-se com a Senhora Antônia Delfino de Oliveira. E é uma família muito grande, de três irmãos, coisa desse tipo, né, o que era muito possível e bom naquele tempo. E o meu pai era o caçula da família. Veio, situou-se em Alegre. Ele veio com seis anos de idade e lá criou a família inteira. Foi político por muito tempo na terra, prefeito por algumas vezes etc. etc. E o fato dele ter guindado uma posição de parlamentar nos trouxe, a família inteira, para Vitória. Daí eu ter me voltado para Vitória. E para começar a trabalhar, a estudar, tive que trabalhar para me sustentar. Nunca tive uma vida muito boa em termos de facilidade. O que eu hoje agradeço muito a tudo isso, porque isso me ensinou muito a viver. E, para começar a me sustentar, eu fui trabalhar, e um dos trabalhos, o segundo emprego que eu tive, foi exatamente no Porto de Vitória.
P/1 – Mas, Osmar, fala um pouco sobre a atividade profissional do seu pai e do seu avô.
R – Pois não. O meu avô era um homem que cuidou de atividade agrícola, viveu a vida inteira com isso. Ele morreu relativamente novo. Conforme a história do meu pai, morreu nos braços dele, do meu pai. Ele deve ter falecido com uma idade em torno de cinquenta anos, mais ou menos. E o meu pai, que começou a vida na agricultura também, estabeleceu-se como comerciante e chegou a ter a mais importante atividade comercial da cidade onde vivíamos. Ele sempre foi uma pessoa empreendedora. E numa época ainda de muita dificuldade, aí a gente está falando no final da guerra, coisa desse tipo, ele proveu a nossa cidade de coisas tipo: bomba de gasolina, fábrica de macarrão, tinha caminhões para transporte de produtos agrícolas e trazia produtos para revenda em Alegre. A ligação Alegre - Rio de Janeiro era uma coisa muito difícil, e ele viveu nisto por um longo tempo até que foi levado, possivelmente muito por conta até deste fator de empreendedor que ele era, a atividade política. Aí a gente já está falando na década de 1950. E se encantou pela beleza da política e se viu obrigado a se desfazer dessa outra vida, que possivelmente fosse mais prazerosa para todos nós do que a política, né? Mas teve que se desvincular disso tudo. E aí viveu por um longo período numa atividade política muito intensa e coisa desse tipo. Mas um fato que me marca muito, a minha infância, e ligado à atividade dele, foi que no início da década de 1950 – e esse é um fato que eu tenho muito vivo na minha memória – foi a expectativa, num período mais ou menos como este, da chegada de um dos caminhões dele vindo do Rio e trazendo para mim uma bicicleta que seria o meu presente de Natal. (RISO) É alguma coisa que me ficou muito, aquela expectativa fantástica de chegada do caminhão. Porque a gente convivia muito com os motoristas, com o pessoal. “Ah, o Adolfo – que era o motorista do caminhão –, vai estar chegando que dia?”. Eu, naquela ansiedade inteira para ver a bicicleta e coisa desse tipo, né? Porque a vida do interior é uma vida difícil.
P/1 – E como que era essa vida, assim, quando você era pequeno, como que era a sua casa, como que era o cotidiano?
R – O cotidiano? Era uma casa, bem, um lar desses de interior. Eu sou a segunda pessoa da família, né, tenho um irmão mais velho apenas. A vida era uma vida relativamente bem tranquila, porque isso se cingia a uma atividade escolar por um período do dia, e o restante do dia você vivia e gravitava em torno desta casa. E com a característica de que nós tínhamos uma residência muito próxima do estabelecimento comercial. Então, eu vivia muito fazendo este trajeto inteiro. Isto hoje é um local em Alegre que se chama Praça Rui Barbosa. A gente tinha uma interação, um lugar relativamente pequeno, um município pequeno. Esse tempo, Alegre devia ter o quê? Tipo seis mil habitantes ou coisa desse tipo aí. As tropas de burro em frente à loja comercial, porque era o meio de transporte que ligava essa atividade comercial ao interior. E era comum se ver chegarem e sair tropas. Já conhecia tropeiros. Enfim, esse tipo de coisa que hoje existe na nossa memória apenas. Quando a gente vê hoje elementos de literatura como Graciliano Ramos aí citando, a gente rememora todo esse período, que é um negócio muito interessante, muito rico. A atividade de tropeiro, a forma como essas pessoas viviam. E a outra atividade interessante que era os ciganos também, que permeava isso aí, a chegado dos ciganos. E essa praça tinha outros aspectos no meio dela, era mais ou menos como um centro cultural da cidade, na medida em que ficava próximo da estação ferroviária, que era a principal ligação que existia então no tempo. E ali é onde se instalavam os circos, que era outro mundo fantástico, de fantasia para as crianças, aquela coisa toda. Era um negócio realmente fenomenal. Foi uma vida, uma infância muito rica, muito proveitosa. Porque é uma família bem estruturada, o papai e a mamãe sempre viveram muito bem, então a coisa era... Ela, muito religiosa, ele, um pouco menos, mas sem criar discussões quanto a isso. Isso tudo numa cidade do interior pequena como essa, é alguma coisa que realmente marca muito, né, as pessoas.
P/1 – Agora eu queria que o você falasse um pouquinho sobre, assim, a escola onde você aprendeu a ler, lá em Alegre.
R – Lá em Alegre. Eu tive dois períodos neste tempo de alfabetização, começo de vida escolar. A gente iniciava aí na idade de sete anos, era praxe nesse tempo. Não havia as pré-escolas, a exemplo de hoje. E fui, num primeiro momento, para o grupo escolar, que era o colégio estadual público, né. Mas estive por pouco tempo lá, porque havia uma primeira instituição de ensino particular no município, recém-criada e vinculada à igreja, e em função desta atividade da ligação de minha mãe com a religião, eu fui levado a esta escola que se chamava Instituto São José de Educação, que eram as irmãs que tocavam. Mas isso foi configurado e definido pelo pároco, que, no fim, era inclusive compadre dos meus pais. E foi ali que eu tive o aprendizado mais realmente explorado e coisa desse tipo. E era um colégio de irmãs, com alguma disciplina razoavelmente rígida, não muito, até por conta desses outros aspectos vinculados ao ambiente pequeno, né? Mas funcionava também como instituto de caridade. Esse era um outro aspecto interessante. E a função, e a gente sabia o que parcialmente se pagava – e não era coisa absurda, né –, servia para subsidiar o custeio de pessoas mais necessitadas que viviam dentro desse colégio em regime de internato, e eram criadas pelas irmãs. Então, esse é um outro aspecto bem interessante, da forma como isso tudo se processava.
P/1 – E havia na sua vida algum incentivo para você seguir alguma determinada profissão?
R – Nenhuma, nenhuma, graças a Deus, nenhuma. Nunca sofremos, os que estavam dentro de casa, nenhum tipo de pressão para isto. É uma coisa interessante, isso é muito importante, e eu tenho isso como muito importante. Eu sou um indivíduo que tenho quase que paixão por política, e tenho certeza de que não segui a carreira política exatamente pelos exemplos que tinha dentro de casa. O fato de o meu pai viver dentro de política, as dificuldades que isso traz à família, trazia à família do político e tal, eu realmente... Só como curiosidade, para ver em que ponto isso está: eu, hoje, sou colunista político do jornal que existe na cidade. Eu escrevo para ele, para o jornal, uma coluna política tratando de política do Espírito Santo. Sempre gostei. E fui quem mais de perto viveu com o meu pai todo o processamento político, toda essa coisa. E isso é muito importante que a gente tenha registrado. Hoje eu tenho, vez por outra me lembro disso, cito para os filhos etc., como a mudança que se teve no processamento político dentro do país. Eu acompanhei bem de perto. O meu pai nas eleições, o dinheiro que ele gastava em eleição era para fazer quinhentos impressos com o nome dele dizendo que cargo ele estava disputando, e com a gasolina para visitar as pessoas. Era isso o gasto que se tinha para fazer política nesse tempo. Hoje o que se vê é que ninguém consegue fazer política sem dinheiro ou coisa desse tipo aí. Então, essa coisa era tocada exatamente dessa maneira e isso levava um convívio muito estreito dele com todas essas ligações políticas. Então, ele vivia muito de viajar. E eu sempre fui atirado nisso, gostava de fazer com ele, desde criança viajava muito para todo interior. Interior sem estradas, sem coisa nenhuma, uma loucura. Mas fiz, e fiz por um longo tempo. E esse aprendizado – gostei e gosto muito de política – eu acho que foi o que cerceou em não estar envolvido nisso hoje.
P/1 – Agora, vamos falar um pouquinho dos seus estudos no Ginásio. Foi lá mesmo em Alegre?
R – Foi lá também. E o Ginásio não havia opção da escola particular porque já existia então uma escola pública. Nós aí falamos do Colégio Estadual Aristeu Aguiar, que existe ainda hoje, e foi lá que me iniciei fazendo a primeira série ginasial. Mas, no ano seguinte, eu vim para Vitória porque meu pai foi eleito deputado e eu vim para Vitória. Mas em função dessas ligações estreitas que eu dizia que tinha com ele, eu por dois períodos interrompi estudos em Vitória para retornar a Alegre. Eram exatamente os anos de eleição em que eu tinha que ir para ajudá-lo, para andar com ele. Aí já um pouco maior, crescido e coisa desse tipo. Era locutor, enfim, era tudo, né, dirigia carro, era locutor do serviço de alto-falante, anunciando e coisas desse tipo aí.
P/1 – Como que foi essa mudança de Alegre para Vitória? Causou grande impacto, como é que foi?
R – É, mais ou menos, mais ou menos. Até porque – esse é um outro fato, em termos culturais, importante para o Espírito Santo – o Sul do Espírito Santo não tinha uma ligação forte com (Itabapoana?). Era comum as pessoas da minha cidade, da região sul do Espírito Santo inteira conhecer o Rio de Janeiro, vincular-se ao Rio de Janeiro. E isto, inclusive, explica um fato que é motivo de gozação com os cachoeirenses. Porque os cachoeirenses são tidos como se diz aí usualmente, é a capital secreta do mundo e tal. Mas o cachoeirense realmente tinha uma ligação com o Rio de Janeiro muito maior do que o resto do estado, pela ligação ferroviária, que era o ponto de ligação mais próximo. Então, a moda chegava primeiro em Cachoeiro, enfim, o movimento artístico era muito, a ligação tornava isso mais fácil e coisas desse tipo. E era assim que o sul do estado vivia. Você conseguia chegar ao Rio de Janeiro mais facilmente do que a Vitória, então Vitória era alguma coisa que não era considerado entre os meus amigos, por exemplo, que saíram para estudar ou coisa desse tipo, que não consideravam Vitória como opção. Eu vim por quê? Porque o meu pai teve que vir cumprir o mandato de deputado em Vitória. Mas os meus amigos de infância se deslocaram para o Rio de Janeiro, como era praxe e comum naquele tempo. Hoje isso está quebrado. E é interessante, isso se dava de que maneira? Você só tinha a ligação ferroviária também, que era confiável, entre Rio e Cachoeiro e Cachoeiro e Vitória. Só que a estrada de ferro Cachoeiro - Vitória era uma estrada de ferro horrorosa em termos de traçado, que por razões comerciais se entende, ela perseguia a riqueza que era o café, então por isso tinha que transitar na serra. Então, tinha um traçado horroroso. Você levava em tempo quase que igual para chegar a Vitória do que o que levaria para chegar ao Rio de Janeiro. Daí se ter a ligação mais fácil Rio de Janeiro com Cachoeiro do Itapemirim. Então, Vitória foi alguma coisa assim. Eu já conhecia o Rio quando vim para Vitória. E Vitória era uma interrogação para quase todos nós porque, apesar de ser a capital do estado, o sul do estado não tinha nenhuma vinculação com Vitória. E o fato que chamava muito a atenção nesse tempo era exatamente esse fato – a mim pelo menos me chamou muito fortemente – do Porto de Vitória. Porque era um espanto para mim chegar no centro da cidade e encontrar aquela massa de ferro imensa que era um navio, né, ali dentro da cidade, no coração da cidade. Então, e uma coisa fantástica que me impressionou muito também, a quantidade carros chapa branca que se via em Vitória. Porque o centro do governo estava aqui e era carro chapa branca transitando. Numa época em que você ainda não tinha muito carro, o que tinha era carro oficial andando. Era uma coisa interessante também.
P/1 – Mas, de qualquer forma, então você acabou fazendo o Ginásio em Vitória. A faculdade também?
R – Eu concluí o Ginásio em Alegre. O quarto ano ginasial foi um ano de campanha, eu voltei para Alegre. Depois retornei, e o Segundo Grau eu concluí também em Alegre, porque era um outro período de campanha. E concluí, em seguida vim a Vitória, fiz vestibular, passei. Aí sim, comecei a trabalhar, e trabalhar para outrem, porque até então eu trabalhava com o meu pai. Aí ele tinha jornal, tipografia. Eu cuidei disso tudo nesse tempo entre vai e volta, vai um ano, volta outro, coisas desse tipo aí, cuidando da base política.
P/1 – Mas então, agora eu quero que você fale que vestibular que você fez.
R – Eu fiz o curso de Direito, assim, o curso de Direito.
P/1 – Conta um pouco como que era isso.
R – Ok. Você não tinha muitas opções de cursos em Vitória. Estes aspectos ligados à política e coisas desse tipo seguramente foi que me levaram a esse curso. O fato de eu estar envolvido com jornal, eu tinha lá o jornal do meu pai, que era O Debate. Eu toquei por muito tempo, fui redator dele, fui tudo no jornal. Eu fazia num tempo em que – vocês possivelmente não conheçam isso – composição com tipos, a caixa imensa e que você, letrinha a letrinha para compor, fazer a composição e justificação. Eu fiz isso tudo. Trabalhei de impressor, eu escrevia, trabalhava de impressor, enfim, e entregava o jornal. (RISO) Fazia toda a sequência do processo de jornal. Isso tudo foi o que me levou a isso, ao curso de Direito. Aí, eu já então vinculado, gostava muito de literatura, envolvido com isso, esses aspectos do jornal, seguramente foram esses os fatos que me levaram. E era um dos cursos que você tinha com mais facilidade em Vitória nesse tempo. Aí a gente está falando de 1963. Eram poucas as opções em termos de Curso Superior. E para tocar esse curso, o meu primeiro emprego foi no Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo, que hoje é o Banco do Estado do Espírito Santo. Rural Bank era o endereço telegráfico dele, funcionava onde funciona hoje a sede do banco na Praça Oito. E, este meu primeiro emprego, eu o tive na condição de contínuo, fazendo faculdade e trabalhando no banco. Trabalhei muito pouco tempo como tal, como contínuo porque, na verdade, eu comecei já dentro de uma atividade que era um atendimento de balcão e imediatamente passei a fazer outras coisas dentro do banco e tal. Mas a minha carteira de trabalho, está nela consignada ainda este meu primeiro emprego como contínuo. Lá eu fiz concurso interno. Mas foi por pouco tempo, fiquei um ano só, até que surgiu esse outro emprego na área federal, que era no antigo Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, DNPVN. Então, eu fui para ele para prosseguir os estudos. E, neste tempo ainda, sonhando com política, imaginando concluir o curso, voltar para Alegre, ter um escritório de advocacia, fazer política, me candidatar, coisas desse tipo, né? O que não aconteceu, graças a Deus não aconteceu. Então, foi assim que essa coisa se processou.
P/1 – E esse tempo, então, que você estava fazendo a faculdade, que estava trabalhando, que estava tocando o jornal, você tinha tempo para se divertir, tinha amigos, tinha namorada?
R – Sim, algumas.
P/1 – Então, fala um pouquinho.
R – Algumas, né, tive algumas namoradas, como todo jovem. Esse período de atividade de interior, então, isso que eu vivi lá, fiz meu Tiro de Guerra, é outro fato. Na cidade de Alegre, TG 106, foi meu último ano que antecedeu a minha vinda para fazer a – não, foi o penúltimo ano – a faculdade. E aí tem um episódio muito interessante que vale a pena até ser registrado. Eu tenho um amigo, essa pessoa hoje é aposentado, um advogado aposentado da Petrobras, amigo de infância. Ele chegou a ficar pendurado no Tiro de Guerra porque ele tinha faltas demais, perdia a instrução, coisas desse tipo. Eu o levei para casa, porque o meu pai mantinha uma casa em Alegre e eu era o dono da casa, morava sozinho, lá era uma casa grande. Eu o levei para morar comigo porque, primeiro, eu era, eu tinha alguma liderança dentro do Tiro de Guerra. Tinha lá o Grêmio, me colocaram para dirigir o Grêmio, e eu acabei virando o auxiliar do sargento nas coisas. Então, levei esse amigo meu, que se chama Erasmo, para morar comigo, para ele não perder mais instrução, porque ele estava em vias de ser excluído. E a exclusão é um negócio complicado, porque tinha que mandar a pessoa depois para o Rio e não sei o quê. Pois muito bem, o Erasmo, que é uma pessoa com quem eu tenho ainda uma estreita convivência até hoje, ele é filho de um padrinho meu, enfim, é uma ligação muito estreita, a gente criado desde criança. E isso se deu no ano em que o Jânio Quadros renunciou, foi 1961. E quando houve a renúncia do Jânio com todo aquele aparato, e Brizola no Sul resistindo, e Rede da Legalidade e coisas desse tipo, eu fiquei impressionado que o Erasmo estava afoito e ele passava a noite ouvindo o rádio, e Rede da Legalidade e não sei o quê. Eu intrigado com tudo aquilo. Apesar de o Tiro de Guerra estar de prontidão, a gente não podia sair e coisas desse tipo. Com o nível de preocupação – porque ele nunca foi muito ligado à atividade política, com tudo isso –, passado a refrega, resolvido tudo isso, ele me declinou a razão disso: é que uma cigana tinha dito a ele que ele ia morrer numa guerra. (RISO) Então, ele estava morrendo de medo de tocar a a guerra. (RISO) De ter alguma coisa e ele morrer antes do tempo. (RISO) Isso foi um episódio muito interessante dessa época de Tiro de Guerra.
P/1 – Mas, Osmar, vocês faziam esporte?
R – Sim.
P/1 – O quê?
R – Jogava futebol. E tinha dois times de futebol nessa época lá em Alegre, era o Comercial e o Rio Branco. Algum tempo eu joguei no Rio Branco, joguei no Comercial. Era locutor de serviço de alto-falante – não se tinha rádio nesse tempo – de anunciar brincadeiras dançantes, que eram as coisas que aconteciam. E aí todo esse envolvimento com garotinhas, meninas etc. etc. As sessões de cinema, que era o lugar onde se podia namorar, pegar na mão da namorada escondido, né? E que a namorada sentava primeiro e guardava o lugar, você só ia para lá depois que a luz apagasse, porque não podia todo mundo ver. “Tá namorando!” (RISO) “O pai vai brigar.” Coisa desse tipo. Pacote de pipoca na mão, enfim, a coisa se passava dessa maneira. Foi muito rico todo esse tempo, todo esse período.
P/1 – Agora, então, vamos falar um pouco mais sobre essas suas primeiras atividades profissionais. Você já falou de acho que duas. Então, você fez um concurso de dentro do banco, e aí?
R – E aí, esse tempo de banco foi um ano praticamente, e neste tempo – e era assim que as coisas aconteciam nesta época, né? – um político vinculado ao meu pai, que era um deputado federal, arrancou uma nomeação para mim neste órgão federal, como almoxarife. Foi um pulo fantástico. Eu devia ganhar no banco, sei lá, alguma coisa tipo pouco além do salário mínimo, passei a ganhar aí alguma coisa tipo seis, sete salários. Foi uma festa para mim, né? Como almoxarife. E fui para lá com esse propósito de concluir o estudo e tal. Mas o final da história é que fiz carreira lá dentro, fiz carreira dentro da atividade, dentro do DNPVN. Ele se extinguiu em 1975, ou seja, eu estava aí nesse tempo com alguma coisa tipo doze anos. Eu, neste tempo, já tinha guindado a posição de a segunda pessoa dentro do organismo, era o substituto do titular. O titular era um engenheiro, e tinha que sê-lo por atividade principal do órgão. Mas eu era a segunda pessoa e, praticamente, já estava tocando o órgão quando houve a substituição do DNPVN pela Portobras. Isso se deu em 1975. E com isso houve um enxugamento muito grande da atividade em Vitória. A inspetoria que existia do DNPVN devia ter cerca de oitenta ou noventa empregados, isso ficou reduzido a alguma coisa tipo quinze. E fui eu quem fiz a transição, porque aí o tal engenheiro já não estava mais, fui eu cuidar do processo de estruturar essa nova atividade. Veio depois um outro engenheiro para tocar isso e eu continuei como esta segunda figura, já numa posição um pouco diferente porque aí eu já fui levado para Portobras como técnico de sistema portuário. E na época que me levaram já me foi dito que era um candidato natural – eu já estava formado, já casado, com família constituída e tal – a uma vaga de advogado que me levaria para Brasília. Porque a Portobras, a estrutura dela em termos de jurídico seria Brasília. Antes disso, em 1973, 1974, como eu não enxergava muito a possibilidade dentro do DNPVN, que então existia, eu fiz um concurso público federal de Procurador Autárquico, me valendo do título que tinha. E eu fiz mais ou menos desprovido de compromisso, porque o meu tempo foi pequeno – e eu já com família, filho etc. – para me preparar, e logrei alcançar o terceiro lugar no Estado. Quando fui chamado, a Portobras já existia, e o salário da Portobras era maior do que o de Procurador. Declinei dele, até porque já estavam abertas as portas para o cargo de advogado. Até porque a primeira seleção interna que a Portobrás fez, este meu título me deu a primeira posição em termos do concurso. E aí eu tive a chance de poder optar por Vitória, porque aí a concessão do Porto já havia acabado e a Portobras já estava estabelecida, ela administrando o Porto de Vitória.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouco mais dessas suas funções na Portobras e como que foi o seu primeiro contato, a primeira vez que você ouviu falar em Aracruz.
R – Muito bem. Eu estava nesta posição ainda, e aí nós estamos falando de DNPVN, na posição de chefe da Seção de Administração da Inspetoria Fiscal. Era esse o nome do cargo que eu já estava ocupando quando dizia anteriormente que era a segunda pessoa dentro da estrutura. E era assim, era um inspetor substituto. Quando me apareceu um engenheiro em Vitória, na minha sala, este engenheiro era uma pessoa de quem eu me tornei amigo, um engenheiro que hoje dá o nome ao elevado que faz o acesso à Barra, o Engenheiro Alfredo Figueiredo. Nós o perdemos, sei lá, tipo em 1990 num desastre. Era um engenheiro, foi um engenheiro do mais alto gabarito em termos de estrutura, de projeto, de corpo e tal. Pois bem, o Alfredo me aparece lá na inspetoria, nessa seção com um requerimento pedindo a constituição de um terminal privativo na região de Aracruz, para atender a fábrica de celulose que viria a ser construída aqui. E aí tem um outro fato, que é muito interessante, vincular-se a isso tudo: eu recebi, acolhi o requerimento, mas havia uma peculiaridade de o Estado ser o detentor da concessão dos portos do Espírito Santo. Então, com isso eu decidi que não se devia fazer um encaminhamento direto do pedido ao DNPVN, à direção geral, porque isso traria problemas com este contrato de concessão com o Estado. Daí fizemos a consulta à administração do Porto sobre o pleito da Aracruz de constituição do terminal privativo. A resposta vinda da administração do Porto – não vou registrar o autor da assinatura, mas o fato em si, que é o que importa, porque isso seguramente mostra o que era o entendimento que havia das pessoas sobre isso – foi de que não se concedesse a autorização porque Vitória poderia ter o escoamento da carga da Aracruz. O porto já existia em Vitória, não faria sentido ter-se uma instalação específica para isso. Isso poderia ser feito, o atendimento, por lá. Lógico que as pessoas que fizeram, escreveram isso, não tinham o discernimento do projeto inteiro, da dimensão e do que representaria tudo isso, porque seria quase que inviável levar carga para Vitória. Mas a resposta que veio do governo do Estado, via administração do Porto, foi nesse sentido. Ao fazer o encaminhamento, depois de discussões internas dentro da inspetoria, a inspetoria manifestou-se no sentido de que se acatasse o pedido. Por quê? Porque a legislação que existia até então criando os terminais privativos, e ela era bem recente nesse tempo – isso nós estamos falando em 1974, fim de 1973 –, ela preconizava que as novas atividades portuárias devessem haver incentivo para que os particulares fizessem os investimentos necessários. E foi dentro dessa linha que foi emitida a opinião. Lógico, no decorrer do processo junto aos organismos do DNPVN, nessa instância, a Aracruz se moveu também em termos de demonstrar o que era, o que pretendia. E findou-se em sair em 1974 a autorização. Se não me engano, essa autorização tinha o número 1107.4, uma resolução do DNPVN estabelecendo a constituição de um terminal privativo aqui, para o escoamento da produção da celulose.
P/1 – Havia outros terminais privativos no Brasil?
R – Poucos. Havia o de Tubarão, Vale do Rio Doce, MBR, em Guaíba, e basicamente eram esses daí nesse tempo que a gente está falando, de 1973, que foi quando houve esse pleito de se constituir isso aqui. Mas depois isso sofreu modificações que a gente vai falar um pouquinho na frente, como é que se deu, de que maneira se processou. Mas foi esse o primeiro contato que eu tive com a Aracruz, foi onde eu tive as primeiras notícias. Porque até então sabíamos, no estado, que havia já início de plantações de eucalipto aqui, mas elas todas muito vinculadas a incentivo fiscal e à Vale do Rio Doce para uma eventual produção de dormentes e coisas desse tipo, não mais do que isso. A celulose para mim, inclusive, era uma coisa que eu não tinha nem muita ideia do que fosse, do que era e coisas desse tipo, e para a grande maioria da população do estado. Algumas pessoas chamavam isso até: “Ah, isso é coisa que não vai acontecer”. Algumas pessoas dessa área nossa, quando falávamos sobre o porto aqui: “Ah, isso não vai acontecer, esse povo está plantando eucalipto por conta de incentivo fiscal, é para não pagar imposto, mas isso não vai ter consequência”. Enfim, a coisa era tratada dessa maneira, né?
P/1 – E nessa ocasião quando o senhor estava participando dessa elaboração desse parecer para acatar a solicitação da Aracruz, o senhor então conhecia ou já tinha ouvido falar do Haakon Lorentzen?
R – Não.
P/1 – Quando foi que o conheceu?
R – É, isto foi um pouco à frente, mas mais proximamente quando vim para cá, Depois passei a ter notícias do empreendedor que era, enfim, coisas desse tipo, mas sem nada além disso. Porque nunca vi manifestação específica dele em cima de pedir nada, de ir atrás de nada, enfim, a coisa foi tratada muito profissionalmente neste âmbito em que eu estava. Foi o Alfredo Figueiredo, foi ele quem esteve lá, levou o requerimento, fez pedidos, enfim, cuidou de todo o processamento. Ele era um consultor, era um projetista da área de porto, o Alfredo. Ou seja, era a pessoa que falava a linguagem que nós vivíamos e foi quem tratou, deu trato e processamento a tudo isso que falávamos.
P/2 – Osmar, havia alguma peculiaridade no projeto no Portocel, ele tinha alguma coisa inovadora para a época que você possa lembrar agora?
R – Mais ou menos. Mais ou menos pelo seguinte: na verdade, esta primeira concepção do terminal não chegou a ser construída, mas ela trazia algumas alterações bem significativas já no conceito que vinha até então de portos no Brasil. Por quê? A nossa história e tudo que está aí hoje mostra e demonstra isso. Os nossos portos quase todos são portos interiores, onde se fez o que era previsível. O aproveitamento natural de abrigos etc. etc. Este tinha características que se diferenciavam disso tudo. Um dos projetos que existia era fazê-lo escavado, e o outro era criar um abrigo menor do que o que existe hoje para se fazer criar a condição desse porto. Ele era inovador nesse sentido e no próprio conceito também utilizado de uma instalação sem guindaste, sem coisas desse tipo, que era o comum que queria se impor. Isso se diferenciava de tudo. E diferenciava por quê? Depois a gente teve a explicação: a Aracruz buscou o que existia de melhor aí no mundo afora. Aí os portos de celulose, quase todos no Canadá e nos países escandinavos não são providos disso, por conta de usar determinados tipos de navio, enfim. E, mesmo pela localização geográfica de algumas dessas fábricas, você teria dificuldades para isso, coisas desse tipo. Então, ele é inovador nesse sentido. Mas teve outros aspectos de inovação. Inovação, inclusive, com relação à forma de parceria como se fez, a maneira como o projeto inteiro foi tocado. Porque, na verdade, apesar dessa autorização de 1974, ela não foi cumprida, ela não foi levada a efeito, porque aconteceram fatos diferenciados no meio disso daí e que alteraram o propósito. Se for esse momento, aí a gente já vai falar sobre ele. O que aconteceu? De posse da autorização que se conseguiu, essa 1107 ou 1104, algo assim, a Aracruz foi ao BNDES para buscar financiamento para implantar a obra. Quando o processo estava tramitando no BNDES, o BNDES avocou assim uma solução diferente disto. E a gente aí tem que se situar no momento histórico. O Brasil vivia, eu creio que, não necessariamente o milagre, mas imediatamente o pós-milagre econômico. Aí está falando em 1974, foi a primeira crise do petróleo. Mas o Brasil ainda estava na euforia de alguns acertos muito significativos econômicos. E um outro detalhe interessante: era um momento em que se falava muito em corredor de exportação, e um dos principais corredores de exportação estabelecidos na política federal era o corredor Vitória - Minas, utilizando a estrutura ferroviária da Vale e a instalação portuária aqui do estado. Com a perspectiva, inclusive, do Serrado, de produção agrícola do Serrado. A gente tem até que entender que a posição visionária dessas pessoas, se bem que não tenha se concretizado exatamente igual, mas tem muito de fundamento. Essa nova fronteira agrícola toda que o Brasil vê hoje, isto já estava dentro desse contexto que se está falando. Então o BNDES, ao examinar o pleito da Aracruz, disse: “Não, isso daqui precisa de uma formatação diferente”. “Por que precisa?” “Eu estou financiando – o BNDES dizendo – uma outra indústria de celulose em Minas, que vai precisar de ter escoamento também.” E essa outra indústria, nós estamos falando da Cenibra, que já era um processo que antecedia a Aracruz, ou seja, já estava mais avançado e havia a necessidade de se estabelecer a saída do produto. Até porque, lá, isso envolvia composições, acertos feitos entre a Vale do Rio Doce e os sócios japoneses do empreendimento que tinham o aval do governo brasileiro. E, como existia também esses outros fatores ligados ao corredor, o BNDES tomou a si o encargo de montar uma configuração diferente no terminal, e dizendo: “Eu financio a obra inteira!”. E trouxe para isso a Portobras, aliou isso à Aracruz e à Vale do Rio Doce. E aí então criou-se a primeira Portocel Empresa, que foi a Portocel Porto da Barra do Riacho S.A., que teve a composição acionária de sessenta por cento Portobras, trinta por cento Aracruz e dez por cento Vale do Rio Doce. Porque a Vale era o sócio majoritário da Cenibra. Aí o projeto foi expandido, não ficou limitado ao atendimento à celulose, ele teve a previsão de ser fazer atendimento a outras cargas aqui. Então, foi modificado o projeto no sentido de se ampliar a área de abrigo para criar outras instalações. Isso daí nós estamos falando em 1976, o primeiro acordo de acionistas que traz essa configuração e faz a montagem dessa estrutura com o BNDES intermediando todo esse processo. Ele se responsabilizou por financiar todo projeto. E nesse tempo algumas configurações foram determinadas. Uma: o direito da Aracruz em algum momento vir a constituir o terminal privativo, apesar da composição feita. Segundo: o compromisso da Vale do Rio Doce de fazer a ligação ferroviária do porto, deste terminal até a linha tronco dela. Enfim, outros arranjos desse tipo aí. Foi montada a diretoria dessa empresa para tocar a obra com essa visão primeira de fazer o atendimento imediato da Aracruz e da Cenibra. A Cenibra, inclusive, demorou um pouquinho mais a vir porque a ligação ferroviária atrasou. Só em 1982 que ela foi concluída. Nesse tempo, a Cenibra ficou operando ainda em Vitória. Então, feita essa montagem, as obras foram iniciadas imediatamente, até porque houve um ganho muito significativo na simplificação do processo porque a Aracruz nesse tempo inteiro pesquisou muito sobre a região, as condições naturais da região, o que poderia ser a melhor solução. Enfim, os estudos já estavam muito avançados quando foi feita a configuração final disso. E aí as obras foram iniciadas imediatamente, e em 1978 já se tinha o primeiro navio operando aqui dentro do porto. O porto ainda hoje mantém uma área grande que pertence hoje à Codesa, sem exploração, exatamente por conta disso. Mas nesse tempo – volto a reafirmar – assegurou-se à Aracruz o direito. A Aracruz e Vale do Rio Doce ou suas subsidiárias de virem a ter o terminal privativo confirmado, porque eu acredito que os dirigentes da Aracruz, os dirigentes da Vale do Rio Doce já acreditavam que precisariam em algum momento se desvincular da estrutura portuária existente. E tem aí um detalhe interessante e histórico da maior importância. Feito esse processamento, o que aconteceu? Quando começou a operar no terminal, no Porto da Barra do Riacho, a Portobras já havia encampado a concessão que era do Estado. Já estava ela diretamente administrando o Porto de Vitória e, como consequência, daqui também. E a Portobras estava envolta num processo de criar companhias docas, mas aí surgiu um fato e um obstáculo grande. Já estávamos num período de crise econômica, o governo decidiu proibir a constituição de novas companhias estatais. Então, o que aconteceu? A Aracruz e a Vale do Rio Doce concordaram com a Portobras em que se transformasse a Portocel existente na Companhia Docas do Espírito Santo. A Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) nasceu em cima da estrutura da primeira Portocel. E, neste caso, a Aracruz e a Vale do Rio Doce reafirmaram nesse momento a perspectiva de fazer o terminal privativo. Aí já se estabeleceu que isso seria feito por meio de uma cisão do patrimônio da Codesa para que se constituísse esse terminal. Mas o fato é que elas aquiesceram em se fazer a mudança da Portocel que foi constituída com o propósito só de construir o terminal e se transformar em Companhia Docas do Espírito Santo. E aí, a Vale e a Aracruz participaram do conselho da Codesa. E, por um longo tempo, os únicos bens realmente regularizados que a Codesa tinha eram aqueles que foram levados da antiga Portocel. Porque os acertos com relação ao Governo do Estado e tal ficaram muito difíceis, e com isso, isso se passou dessa forma. Aí volta o Osmar novamente a se vincular a isso tudo. Estes acertos feitos para transformar a Companhia Docas foram feitos em 1982. E aí teve uma montagem de toda uma estrutura e tal, que estava sendo conduzida por Brasília, e eu virei o elemento de ligação aqui, ajudando a montar o acordo, a descrever e definir algumas coisas dele. Mas o mais importante: constituída a Companhia Docas em cima disto aí, a Aracruz e a Vale manifestaram o propósito de cuidar de fazer a constituição do terminal ferroviário via esta atividade de cisão do patrimônio da Codesa. E neste instante, eu já na Codesa, trabalhando por lá, fui escalado pela direção. Eu não estava no jurídico, estava na área operacional. Mas como tinha o conhecimento, bagagem nisso e tal, me trouxeram para ajudar na montagem disso tudo. Aí mergulhei nisso. Aí vale – é muito ligado a minha pessoa só, mas eu acho que vale a pena registrar isso. É uma pergunta que normalmente se faz: “Como é que um advogado virou operador de porto?”. Eu fui vivendo na Codesa, a Codesa é uma casa de engenheiros, como eram os portos todos brasileiros, lugar que normalmente você tinha dificuldade, essas outras atividades todas, de conviver. O sistema portuário brasileiro sempre esteve muito preso a isso. Eu, como advogado, e estive no jurídico por um longo tempo, fui o único dos advogados que conseguia ter um diálogo razoável com os engenheiros. Por quê? Porque eu nunca fui de me cingir ao exame só de papel, queria ver, sempre fui muito curioso em ir atrás: o que é isso, por que está se dizendo isso e aquilo? Então, estabeleci um relacionamento com alguns engenheiros da casa, muito bons, muito próximos. E quando houve a constituição da Codesa, nesse processo em que eu participava, o diretor de operações me chama um dia, assim que assumiu e me falou: “Eu quero você trabalhando comigo!”. Eu disse a ele: “Você vai fazer uma bobagem. Você retirar alguém para ter um advogado com você, você vai criar um problema com o jurídico”. Ele falou: “Eu não quero advogado. Eu tenho uma área nova dentro da minha atividade, que é planejamento portuário – que era uma coisa que não existia –, então eu quero você para fazer isso”. Falei: “Mas, eu!”. Falou: “É, está na hora de você mostrar aqui que tudo aquilo que a gente falava lá é para realizar!”. E assim eu fui para a área operacional e estava nela quando o processo de cisão foi iniciado, e me pinçaram para cuidar dele. Eu fiquei mais ou menos cuidando da gestão disso aí. Aí nós já estamos falando de 1984, 1985. Foi em 1985 que se configurou esta situação da cisão e da constituição do terminal privativo pertencentes aí, por conta desses aspectos de dificuldades legais a Aracruz e Cenibra. A Vale do Rio Doce teve de ser tirada do processo porque a legislação então vigente não permitia, só permitia que o detentor do terminal fosse o dono da carga. E como a Vale não era ela que produzia celulose, ela teve que transferir as ações dela para a Cenibra, para que a Cenibra participasse do empreendimento. Isso foi alguma coisa muito trabalhosa. O arranjo inteiro disso aí foi muito extenso, algo cansativo. Poucas coisas haviam sido feitas no Brasil desta forma. Normalmente, os terminais eram feitos desta outra maneira: se obtinha a autorização e dividia lá, aplicava e fazia o que fazia. Aquilo teve todo um processamento muito longo, muito demorado, com interferências diversas e muita coisa, muito envolvimento político, com muita gente querendo atrapalhar alguns dos negócios. Enfim, essas coisas que são muito comuns em termos de serviço público brasileiro, né? Mas a gente conseguiu um trabalho bem significativo nisso. E o detalhe que é interessante ser registrado: no dia em que encerramos, foi feita a assembleia geral extraordinária da Codesa, para fazer a cisão do patrimônio, houve um jantar depois disso. Eu fiz, preparei a papelada toda e tal, e havia duas pessoas que estavam muito próximas do processo inteiro. Uma delas era o Murilo Passos, que hoje é o presidente da Bahia Sul, ele representava a Vale do Rio Doce no processo. No jantar ele me disse: “Osmar, eu agora posso falar com você, eu quero você trabalhando comigo!”. Eu falei: “Mas agora, eu facilitei tanto a sua vida”. Ele falou: “Não, eu não falei antes porque poderia parecer até isso aí, mas não é”. Daí a pouco, eu conversando com outra pessoa da Aracruz, me disse: “Que chance nós temos de ter você trabalhando comigo?”. Eu falei: “Ih, complicou muito esse negócio!”. Mas o fato é que não fui eu o primeiro dirigente da Portocel. Apesar disso, eles já estavam com outra pessoa contratada. E ambos me fizeram esta proposta, ou tentaram conversar comigo, mas não estávamos cogitando de Portocel. A estrutura já estava montada, já estava operando. Só que o indivíduo que veio, que é o Wilson Calmon Alves, para dirigir a Portocel – e ele tinha sido o antigo engenheiro da fase de construção –, ele estava em outras atividades, foi chamado e estava aqui estruturando isso. Com, sei lá, tipo dois meses, em abril ele foi guindado ao posto de diretor de planejamento da Portobras. Então deixou a atividade da Portocel. Foi aí que me passaram, me cogitaram e me trouxeram, enfim, a coisa ganhou essa configuração.
P/1 – Osmar, eu queria voltar um pouco ao início dos anos 1970, para perguntar a você, que é uma pessoa de sensibilidade política, como é que você percebia a percepção da opinião pública capixaba em relação a um complexo como este, floresta - fábrica - porto.
R – É, em verdade, eu sou capaz de te dizer o seguinte: não havia uma associação muito próxima disto não. O espírito-santense não foi trabalhado ou não se cuidou de passar nenhum tipo de imagem para ele. O que existia era isso que eu falei anteriormente, o conhecimento de que havia plantios de eucalipto em cima de incentivos fiscais e para aproveitar isso. E isso nunca foi. Até porque a gente entende alguns dos processos, né? Nós vivíamos um momento político excepcional porque estávamos sob o regime militar, e estas decisões eram muito tomadas sem que se comunicasse à sociedade muitas das coisas. E, este projeto, eu acho que viveu um pedaço disso, não se deu muita satisfação ao povo do Espírito Santo sobre o que estava sendo feito aqui não. Então, não se trata de condenar ninguém, era o momento e o momento determinava isso, e o momento estipulava que este era o padrão que deveria ser estabelecido. Mas o fato é que isso hoje, olhando para o tempo, a gente vê que isso foi desprezado, não foi considerado devidamente na época. A coisa foi tocada como se fosse natural chegar, instalar, fazer e montar um complexo, e não dar muita satisfação a quem está próximo. A visão era exatamente essa aí. E com um outro detalhe que ficou muito forte, eu acho que ainda hoje ele é forte: isso ficou muito vinculado aos aspectos de Coroa Norueguesa, Coroa Inglesa ter interesses aqui dentro e coisas desse tipo. O que sabemos todos hoje, quem vive aqui dentro, é que não é verdade. Mas ficou possivelmente pela falta de divulgação do que era o empreendimento, ficou essa imagem.
P/1 – Mas você estava presente aqui quando teve a inauguração da fábrica A?
R – Estive.
P/1 – Conta um pouco.
R – Olha, isso foi um evento mais uma vez fechado, muito fechado, por conta desses aspectos todos de militarismo, de regime militar etc. etc. etc. A população, quem do Espírito Santo veio, ficou ilhado, sem muita proximidade das autoridades, foi uma cerimônia relativamente fria por isto. Muito diversa da última da Fiberline C, em que houve uma integração, o ambiente era inteiramente outro, né, com uma configuração muito diferente da que se viu. Mas era mais ou menos assim.
P/1 – Mas então, agora vamos começar a falar mais desse tempo em que você foi alçado à condição de superintendente de Portocel. Eu queria que você falasse um pouco disso. A partir de quando, quais eram e quais são suas atribuições?
R – Em julho de 1985. Em 10 de julho de 1985 eu assumi o posto de superintendente. Ficou aí esse período entre maio e julho, foi o tempo desses acertos que se processaram comigo para que a gente começasse a vida em Portocel. E qual a incumbência principal recebida? A primeira delas, e isso foi uma preocupação muito forte, muito visível desde o primeiro momento, era cuidar do aspecto, tentar recuperar fisicamente o aspecto do corpo. Porque, o período em que isso esteve em mãos da Codesa e Portobrás, o porto ficou muito maltratado em matéria de sujeira, de coisas desse tipo. Infelizmente, era este o quadro, foi este o quadro encontrado. E com um nível de desconfiança muito grande. Essa atividade nossa, a atividade portuária é uma atividade que tem um inter-relacionamento com vários sindicatos – são oito sindicatos – com quem a gente negocia, transaciona e cuida. E tem um aspecto que eu acho que é importantíssimo a gente gravar: eu já tinha um relacionamento com os sindicalistas em função da minha atividade em Vitória. Pois bem, quando vim para Portocel, e com esses encargos aí de cuidar, de limpar, de melhorar e coisas desse tipo, eu tive de fazer negociações sindicais. Apesar de terem ficado algumas fechadas já quando eu cheguei, já estavam sacramentadas, mas, no curso disso, tinha que desenvolver outras e cuidar de algumas coisas dessas. Um dia ouvi de um sindicalista com quem eu tinha até alguma intimidade: “Osmar, você é louco!”. Aí eu disse: “Mas, por quê?”. “Você deixou o que é certo, deixou o que tem futuro, o que tem perspectiva, para uma coisa dessa aqui, isso aqui não é sério”. Eu falei: “Mas, o que te leva a dizer que isso aqui não é sério, qual a dificuldade que existe com o empreendimento?”. “Fácil – aí ele veio comigo lá dentro –, você tem essa fábrica, olha em volta, os escritórios, os restaurantes está tudo em barraco, esse povo daqui a pouco vai embora daqui, deixa tudo o que ficou, isso não tem futuro, isso é mais um logro que o povo do Espírito Santo vai ter!” É a imagem da empresa de alguém vivendo em Vitória, com atividade produtiva, em 1985. E realmente era assim a instalação física. Ainda os escritórios, os restaurantes etc. estavam todos, eram resultados da obra. E num processo racional de economia que se fazia. Mas qual é a leitura? “Isso é trambiqueiro que está aí, vai fazer o dinheiro que tem que fazer, ir embora, acabou, acabou.” Há pouco tempo eu estive com esse sindicalista e cobrei dele. Ele já está fora, o Porto de Vitória, a administração se desintegrou por conta das mudanças todas da vida, e aqui está crescendo. (RISO) Mas para se ver a imagem que ficava da empresa nesse tempo, né? Pegamos essa estrutura aí com alguma série de dificuldades, de acertos, problemas de equipamentos para operar e coisa desse tipo, com desafios enormes a vencer. Algumas dificuldades nos aspectos de engenharia, e esse é um aspecto que é bom que se lembre também. O primeiro armazém foi uma obra que optou-se por uma solução que parecia razoavelmente boa mas que demonstrou ser um desastre, que era um processo desenvolvido por um uruguaio, um sistema de abóbadas. Algumas obras grandes no Brasil foram feitas assim. Inclusive a Ceasa do Rio de Janeiro e aqui. Mas que já apresentava dificuldades brutais de manutenção, de infiltração, água. E um problema que existia numa dimensão terrível era cupim, e isto consumiu tempo e um dinheiro maluco para se chegar a minimizar os efeitos disso. Se você tivesse uma carga depositada no armazém por períodos superiores a dez dias, as chances de tê-las atacadas por cupim eram imensas. E se perdeu muita coisa, muito fardo de celulose. Celulose é um chantilly para o cupim. Então, esse foi um outro desafio forte. Tem alguns dados interessantes em termos de concepção do projeto e realização final. Quando o porto foi concebido, os estudos existentes – foi a Dolph Engenharia, que o Alfredo Figueiredo trabalhava nela, junto com outras dessas pessoas – configuraram isso, né, nos estudos. Eles mostram que o porto, primeiro: capacidade máxima do porto seria de embarcar até dez mil toneladas em um dia, e isso era uma coisa que levou a descrédito em todo lugar. Me lembro que tem alguns registros feitos lá de uma conferência sobre transporte, que até hoje existe, funciona. O dirigente da antiga Portocel, presente a ele, quando falou nesses números, sofreu contestação de representantes do Canadá e de outros lugares, porque era um número praticamente inalcançável. Isso está se falando de 1974. E a concepção então, em função de alguns navios e coisas desse tipo, era para que se chegasse a esse máximo. Com isso, esses estudos demonstravam que, a partir de quinhentas mil toneladas/ano embarcadas, você teria que ter o segundo berço para fazer o escoamento da celulose. Foi recebido, constituído o terminal, existiam só dois. Muito bem, isso foi amplamente superado. Não foi superado só, isso não é virtude só de Portocel, dos trabalhos que tenhamos feitos ou não. Os navios melhoraram, enfim, houve uma melhoria geral de condição, mas também o suprimento de meios etc., que foi a gente, a gente cuidou. Nós já chegamos a produzir mais de vinte mil toneladas/dia. Com isso conseguiu um retardamento da obra do segundo berço e nós só fomos tê-lo quando já tínhamos mais de um milhão e quatrocentas mil toneladas sendo movimentadas. Ou seja, falávamos de quinhentas mil, com a exigência de ter o segundo, isso foi a um milhão e quatrocentas. A partir disso foi feito segundo berço. E esse ano nós devemos atingir dois milhões e oitocentas com os dois berços só. Amplamente superados esses números, né? Ao longo de todo esse processo, de problemas de melhoria de todas essas condições operacionais e criação de uma estrutura mais condizente com as características da Aracruz em termos de melhores condições físicas para os empregados e coisas desse tipo, que era padrão já reconhecido da Aracruz, isso consumiu uma atividade muito grande, um tempo enorme, uma vinculação, uma dedicação muito estreita de alguma dessas coisas. Fato interessantíssimo acontecido em 1987: um belo dia estou no meu gabinete, me chega um vigilante, porque já tínhamos encerrado ou estávamos em vias de encerramento da atividade, com um pessoa ao lado dele, e me disse: “Doutor, esse camarada acaba de desembarcar de um veleiro e eu não sei Inglês, ele está falando aí uma porção de coisas”. E eu comecei a conversar com ele e perguntei, e ele numa posição assim meio que balançando. Ele falou: “Mas eu estou onde?”. Eu falei: “Mas você está indo para onde?”. “Eu estava indo para a África!” (RISO) Eu falei: “Você está no Brasil!”. “No Brasil?” Mas falando Inglês, né? “No Brasil!?” (RISO) Este camarada era um irlandês, um carpinteiro irlandês que sonhou a vida inteira em ter um barco pequeno para ele, para fazer uma viagem até a África. Lançou-se ao mar assim. E veio dar com o (coçado?) aqui em Portocel. Aí ficou por aqui por um tempo e coisa desse tipo e tal. Mas chegou aqui em Portocel este irlandês em 1987, dessa maneira, num barquinho pequeno. E a curiosidade: eu aí conversei e tal, acalmei, e ele se balançando todo. Levou aí três meses no mar. Falei: “Você deve estar aí com dificuldades?” “Sim, estou.” “Vamos cuidar da sua alimentação primeiro, e tal. O que você quer?” Falou: “Eu quero comer ovo!”. Chamei o motorista, mandei ir ao povoado comprar ovo. (RISO) Para alimentá-lo, porque ele ficou lá com os enlatados dele e tal, não sei o quê. Aí ele passou um longo tempo aqui conosco, algumas pessoas fizeram amizade com ele aqui e tal, chegou a ser objeto de reportagem do jornal do local e coisa desse tipo. Mas, enfim, pegamos Portocel com cinquenta empregados, hoje temos cerca de cento e quarenta; tínhamos uma movimentação menor do que quinhentos mil, estamos com dois milhões e oitocentos mil; três armazéns grandes; barcaças, que é uma coisa mais nova, mais recente. Enfim, um desenvolvimento extraordinário até chegar nesse ponto em que hoje Portocel já pode se situar, está situado entre os dez principais portos brasileiros em volume de carga.
P/1 – Osmar, eu queria que você falasse um pouco mais sobre essas barcaças, do ponto de vista da Logística.
R – Ok, muito bem, barcaças. Em 1987, a Aracruz fez os primeiros estudos para o transporte por via marítima de madeira, e esses primeiros estudos não tinham a configuração que nós chegamos nele agora porque a Aracruz não estava na Bahia ainda, ela tinha base florestal em São Mateus e Conceição da Barra. E imaginou trazer essa madeira por via marítima para Portocel. Muito bem. Os estudos demonstraram a inviabilidade econômica em função de alguns fatos. O principal deles é porque nós vivíamos num regime legal da atividade portuária, que impunha um nível de condição que não permitia negociação significativa em relação a custo de mão de obra e isto inviabilizava a atividade. Em 1993, com a edição da nova lei, a chamada Lei de Modernização dos Portos, a Lei 8630, foi aberta uma nova perspectiva porque a legislação acabou com aquele emaranhado de obrigações que existia e deixou um campo relativamente aberto para se explorar. E com isto ela resolveu retomar os estudos, e ao resolver retomar os estudos, quando fui chamado a participar disso. E é interessante porque quase toda a base de um estudo econômico como este, né, a primeira indagação que ocorre é “quanto vai custar cada uma das coisas?”. “Então, quanto vai custar uma coisa de cada?”. Eu falei: “Depende. Você quer pagar hoje, vai custar muito caro. Se você tem um tempo para negociar e tentar conduzir isso bem, você pode chegar num valor razoável”. E assim foi estipulado, foi passado o encargo terrível, que era buscar uma negociação dentro de valores razoáveis. E muito desta forma. “Quando é que você conclui isso?” Eu falei: “Você quer pagar quanto? Você quer pagar muito, eu concluo amanhã, chego lá e digo aos caras: ‘Você vai receber dez!’ É fácil fazer”. E o resultado disso foi o seguinte: nós levamos dois anos negociando com esse tipo. Foram sessenta e duas reuniões formais e algumas dezenas de reuniões informais, tipo por telefone, no botequim, coisas desse tipo. Mas até que chegamos a algo razoável que permitiu dar economicidade ao projeto. Com um outro aspecto, porque em Caravelas, como não existia o porto anteriormente, não havia a necessidade dessa mesma composição com o sindicato. Aqui ficava preso a isso, porque já antecedia a lei e tinha direitos, coisas desse tipo. E sempre com a preocupação de não se poder manchar a relação ligada à celulose, porque você colocaria em risco o principal dos produtos. Então, houve todo esse processo, com essas dificuldades todas e chegou-se a uma negociação razoável. E aí teve toda a composição: “Como que é a melhor configuração da barcaça, o que se pode atingir, de que maneira se pode chegar?”. Hoje, que avaliação se pode ter? Ainda não se chegou ao padrão ideal, ainda há o que avançar nisso, mas o caminho já está bem estruturado. O projeto foi um projeto, o fato dele ser inovador trouxe riscos que a gente conhece bem, como todo projeto desse tipo, mas trouxe vantagens também, e algumas vantagens que tornaram o projeto, por todas essas características, atrativo sobre inúmeros outros aspectos. Primeiro: é o primeiro grande projeto para grandes volumes de cargas do Brasil por via marítima em termos de ligação de cabotagem. Não existe nenhum outro projeto com a dimensão deste, com mais de um milhão de toneladas transportadas por ano. Então, teve-se concepção de barcaça, concepção de rebocador adaptado à atividade, às condições de mar, às condições dos portos daqui e de Caravelas. Então, logo que isso chegou a ser começado eu fiz uma manifestação por escrito, isso está num artigo que publiquei aqui. Eu disse que estava começando ali uma revolução que produziria efeitos muito significativos na atividade de cabotagem no Brasil. Foi uma atividade que desapareceu. O próprio Espírito Santo tem na sua história um registro muito farto de uma atividade intensíssima, inclusive dessa região de Conceição da Barra, a região de Marataízes e aqui, com algumas notícias aqui em Piraquê-Açú, de movimentações de madeira, de café e coisas desse tipo que transitavam pelo litoral brasileiro, e isso desapareceu. Caravelas mesmo é um exemplo, teve até a década de 1950 um porto que era regularmente frequentado por navios do Lloyds e coisas desse tipo, e que desapareceu essa atividade e todas as outras. Desapareceu porque nós portuários, nós que vivemos disso tudo, impusemos amarras terríveis à atividade e matamos a atividade. E o ressuscitar dela está aí. Eu acho que esse é o primeiro grande projeto, e ele vai se desdobrar em inúmeros outros. E ao se fazer isso a gente não está fazendo coisa muito diferente do que alguns outros países fizeram aí. A cabotagem norte-americana, por exemplo, é toda ela feita em barcaça. Então, a gente está aqui hoje, só que nós estamos desenvolvendo a coisa com as características que nós temos, para a melhor configuração que a gente possa ter. Ainda há dificuldades. Por exemplo: você tem um rebocador hoje que opera aqui trazendo essa barcaça, é um rebocador que por conta, por imposição de acerto de marinha etc., trabalha com oito marinheiros, oito tripulantes a bordo. Não seriam necessários mais do que quatro. E essas são amarras que ainda existem, que nós vamos precisar nos liberar delas para tornar mais ativa essa atividade.
P/1 – Que números você pode falar em termos de Portocel, em média, de alguma que você possa falar em termos de movimento de embarcações, ou mensal, ou semanal?
R – Nós estamos com cerca de cento e oitenta e cinco navios/ano para a movimentação de celulose. As barcaças hoje já chegam com a frequência de uma por dia em Portocel. Nós estamos falando aí, em volumes de carga, de dois milhões e oitocentas mil toneladas de celulose, devemos fazer este ano, e um número próximo a um milhão de toneladas de madeira. Os dois números devem crescer. O de madeira mais proximamente porque, como eu disse, você tem ganhos ainda no sistema a alcançar. E o de celulose com as novas plantas que estão por acontecer aí. Porque nós estamos acreditando e temos certeza de que o escoamento da carga de Veracel vai ser em Portocel também. Enquanto dizemos isso, nós estamos falando em um milhão de toneladas anuais. Em alguns cenários que nós temos tentado exercitar, a gente não tem dificuldades em ver a Portocel como um número entre seis e sete milhões de toneladas, num futuro bem próximo. Então, isso tudo é um fato que ainda traz muita instigação para nós, para mim principalmente. Eu tenho estado debruçado muito em cima dessas perspectivas, acho que a barcaça é alguma coisa que vai ter um crescimento muito fantástico ainda. Inclusive, e muito possivelmente, com essa carga da Veracel chegando aqui por barcaça também, para ser expedido depois em navios. Nós hoje já estamos debruçados na perspectiva de construção do terceiro berço, é alguma coisa que deve acontecer num futuro não muito distante, deve se tornar necessário num futuro não muito distante.
P/1 – Eu agora vou começar a fazer as perguntas do bloco final, com muita pena de lhe dizer. (RISO) O que significa para você, Osmar, estar trabalhando na Aracruz?
R – Significa principalmente poder estar trabalhando com satisfação. E eu digo isso de cadeira hoje. Poderia estar aposentado, e, se não estivesse satisfeito, já estaria aposentado. Todos esses aspectos de instigação, de estímulo profissional são os que me prendem aqui. Mas, fundamentalmente, eu acho que esse é o aspecto que precisa e deve ser ressaltado, por mim pelo menos. Eu tenho tido um extraordinário respeito da Aracruz pela minha atividade, e isso eu acho que é um fato que importa, porque esse outro, inclusive, é consequência dele. Não é que eu queira ser ouvido ou queira saber mais que ninguém, não, mas, o respeito à dignidade da pessoa, eu acho que é o fator preponderante em cada coisa dessa. E algumas apostas que ela fez comigo, ao trazer alguém que não era um engenheiro para vir para a atividade, por exemplo. Trazer, enfim, e permitir todas essas coisas. Em Portocel, ao longo do tempo, foi inovador em termos de atividade portuária, exatamente por essa facilidade que a Aracruz, ou no mínimo por não ter as amarras que usualmente você encontra em outros lugares. Ela permite que a pessoa “voe”, ela permite que as pessoas pesquisem, ela estimula que as pessoas sejam ativas em termos de criar, de desenvolver, de poder produzir. Eu acho que esse é o aspecto essencial que aí está, porque isso dá satisfação a quem está podendo fazer. E eu me sinto satisfeito em estar envolvido em crescimento, em desenvolvimento. Eu não tenho nenhuma dúvida em dizer que eu estaria em casa, na minha casa de praia descansando já, se não tivesse os desafios que tenho pela frente em termos de número, de crescimento, como cresce, de que maneira cresce. Inovação. Em Portocel, neste aspecto, hoje o que nós vemos aqui, essa obra feita para barcaça aqui, se constituiu num escavado, isso foi uma revolução em matéria de engenharia portuária no Brasil. Uma revolução que, modéstia à parte, produzida por um advogado, porque a ideia é dessa pessoa que está falando aqui. Depois de estudos contratados por consultores etc. etc., que indicavam crescimento via pier, avançando pelo mar, eu comecei a indagar: “Mas por que não fazemos escavado?” “O escavado? Mas que vantagem tem?” Primeiro, me permite crescer sem precisar de me socorrer de ninguém, que é uma situação que estamos vivendo hoje, com o terceiro berço quase sendo uma imposição agora, imediata. E nós podemos fazer sem precisar de nada. Ao passo que a outra posição implicaria em você ter que negociar ou comprar ou participar de licitação para comprar. E a Aracruz conseguiu, eu consegui que ela acreditasse nisso, que era uma coisa absolutamente inovadora. E fizemos, e com sucesso. A obra custou menos, a obra foi vantajosa sobre N aspectos, principalmente sobre o aspecto estratégico. Um outro dado, e esse já um pouco mais antigo, mas nós avançamos fundamentalmente na atividade. Isso, em termos de Brasil, foi um avanço significativo de controle de registro operacional por meios eletrônicos. Nós estamos com um sistema produzido por duas empresas pequenas do Espírito Santo, com um custo bem razoável, num sistema rodando aí há oito anos, com resultados fantásticos, e é benchmarking hoje. Porto de Paranaguá, Porto da Bahia, Porto de não sei onde, de vez em quando já esteve aqui, alguns copiando, alguns aplicando o que a gente fez e coisas desse tipo. Isso tudo é que dá essa motivação.
P/2 – Osmar, você falou que a Portocel está entre as dez primeiras, com certeza, do Brasil. E como você avalia Portocel em relação aos principais portos do mundo hoje?
R – Olha, não deve nada a nenhum porto que trabalha com celulose. E este testemunho é testemunho que é feito pelos comandantes dos navios que frequentam Portocel, porque eles cuidam da atividade como um todo. Então, não temos o que aprender com ninguém que aí está. E o grande desafio que Portocel tem hoje, e este é um desafio que eu trago comigo, eu estou querendo ver se tiro Portocel da atividade do dia a dia de porto, de manusear carga, para que ela cuide da inteligência da operação. Porque isso para nós já ficou tão banal que tem muita gente fazendo, tem muita gente fazendo: transitar carga, levar e trazer carga. A gente quer dar um refinamento nisso. Eu fiz uma apresentação no Conference que aconteceu em outubro, se não me engano, sobre o porto, e a tela de apresentação falava exatamente isso. Eu dizia que, o atendimento numa atividade de supermercado, nós já estamos fazendo, eu quero trabalhar Portocel como uma delicatèsse. Ou seja, dar o refinamento de uma delicatèsse à atividade portuária. E isso vai se fazer com inteligência.
P/1 – Além da Portocel, no seu cotidiano, quais são, assim, os seus passatempos, suas formas de lazer?
R – Leitura.
P/1 – O quê?
R – Tudo que esteja escrito eu leio, me bateu a mão eu leio. História é uma coisa que me prende muito. E os netos. Já os tenho, dois. (RISO)
P/1 – Mas, Osmar, você mora aqui ou mora?...
R – Eu moro em Vitória, tenho um apartamento em Vitória. Não vim, morara na região porque quando vim trabalhar aqui já tinha. Primeiro, a minha mulher trabalhava, era odontóloga, exercia a profissão. Tirá-la de Vitória seria algo complicado. E era portuária também, era dentista no Porto de Vitória. Segundo, eu já tinha filho em faculdade. Então, o transtorno eu fiz para mim, para a minha vida só, mantive a deles assim. E hoje eu tenho uma casa de praia em Iriri, que é um balneário ao sul do Espírito Santo. Ou seja, trabalho no norte, no litoral norte e tenho casa no balneário ao sul. Mas essa vida é assim. Quando eu vim para cá eu já tinha isso. Vai e fiquei e cresci. Hoje é o ponto que eu tenho, que eu vou morar quando me aposentar. Mas é o lugar que eu frequento semanalmente, a cada fim de semana eu vou para lá. E lá tem, como eu disse, leitura e tal, manuseio de chão, planta e colher aipim, mandioca, e cuidar de não sei o quê, capinar. Eu faço todas essas coisas. E uma outra, que é uma coisa que foi citada também como fecho dessa minha apresentação no Conference, para mostrar como que as coisas podem ser feitas. Eu tenho uma doença, eu sou diabético, não como doce, mas faço doce. Faço goiabada, que era o doce que eu gostava de fazer, aprendi a fazê-la, tenho o instrumental para isso e de vez em quando agracio algumas pessoas com isso. E faço num fogão de lenha que eu fiz nessa minha casa de praia, tenho tacho de cobre, enfim, todo o paramental para fazer isso aí, para preparar e coisas desse tipo.
P/1 – Osmar, qual é o seu maior sonho hoje?
R – Maior sonho? Olha, são tantos, que é difícil priorizar um só, eu não sei. Fundamentalmente em ver os meus netos bem, os meus filhos e netos. É o que me leva hoje a tocar a vida como tento etc. etc. Acho que é minha continuidade, a nossa, né, é tentar deixar primeiro um exemplo de retidão, de vida decente para eles. Eu sou um indivíduo religioso, frequento igreja, gosto de estar na igreja, sou católico apostólico romano. Enfim, é isso que está aí. Curto os netos muito.
P/1 – E o que você acha desse trabalho que a gente está fazendo de registrar a história da Aracruz?
R – Olha, é da maior importância. Isso é uma coisa que devia ter sido feito já bem mais tempo. E a gente tem que dizer que... Porque não há, não há – isso a humanidade é prenha de entendimento sobre isso –, não há povo nenhum que consiga alguma coisa, se não se mira na história. Isso é elementar em qualquer atividade, isso é fundamental para qualquer coisa. E um empreendimento, principalmente pela riqueza de detalhes. Eu volto a dizer, um empreendimento que a visibilidade que ele tinha – aí em 1985, nós não estamos falando de alguma coisa de muito tempo não –, tinha a visão de algumas dessas coisas que eu te falei: estar num barraco, é gente que vai embora, é coisa desse tipo. E isso só fez crescer, desenvolver, se tornar maior. Enfim, uma demonstração brutal de competência, de garra, de desenvolvimento, com crise, com tudo isso que esse país passou, e o empreendimento só se tornando maior, maior, cada vez mais agigantado, cada vez exigindo mais de cada um de nós. Isso não pode deixar de ser inteiramente registrado, absolutamente pesquisado cada detalhe de cada uma dessas coisas.
P/1 – Finalmente, Osmar, a última pergunta. O que você achou de ter participado dessa entrevista?
R – Olha, pela importância do projeto inteiro, eu acho que cada pessoa tem que estar dando o seu depoimento, porque isso, gente, a gente não está fazendo para mim, isso não é para mim, isso não é para você e nem para você, é o registro de fato, é registro do desenvolvimento da humanidade, e isso é coisa que o ser humano tem que procurar. Só quem tem vergonha da história é que não gosta de registrar. E nós não temos, nós temos alegria, satisfação de ter história.
P/1 – Obrigada, Osmar, muito obrigada pela entrevista.
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