Memória Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de Armando de Oliveira Santos
Entrevistado por Rosana Miziara, Marina Gomes e Arnaldo Marques
Rio de Janeiro, 25/6/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CVRD_HV138
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Armando, eu vou começar pedindo para você falar o seu nome completo, local e data nascimento.
R – Armando de Oliveira Santos. Eu nasci em Vitória do Espírito Santo, [em] 21/3/1950.
P/1 – Os seus pais são de Vitória também?
R – São de Vitória.
P/1 – Vitória mesmo?
R – Bom, na verdade a minha mãe nasceu em Santos, Estado de São Paulo. E…
P/1 - (risos)
R – Por que o riso?
P/1 – Só tem santista aqui.
R – É?
P/1 – E é tão raro.
R – Hoje inclusive o Santos joga lá com o Boca.
P/1 – No Boca, é.
R – Pois é, mas…
P/1 – Quarenta anos sem…
R – O meu pai é de Vitória, no Espírito Santo.
P/1 – Conte um pouco a sua origem familiar. Seus avós são brasileiros, são imigrantes?
R – Bom, o meu avô nasceu no Brasil, mas os irmãos dele… É o mais novo - era o mais novo, já [é] falecido. Os irmãos mais velhos dele nasceram em Portugal, ele foi o único que nasceu no Brasil. A família, os pais vieram de Portugal. Moram no... Foram direto para o Espírito Santo, moraram lá o tempo todo, então nossa família basicamente é do Espírito Santo.
P/1 – E eles vieram para o Brasil, esses são os pais do seu pai?
R – São os pais do meu pai, exatamente. Meus avós.
P/1 – Seus avós maternos também eram do Espírito…
R – Não, a minha mãe, como eu estava falando, nasceu em Santos. Conheceu o meu pai no Rio. Na época ele estava estudando aqui.
Casaram e depois foram… Depois de algum tempo voltaram para morar em Vitória, onde os pais do meu pai sempre continuaram. Então, basicamente, eu considero… Eu nasci em Vitória, meus irmãos também. Eles só saíram de...
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Depoimento de Armando de Oliveira Santos
Entrevistado por Rosana Miziara, Marina Gomes e Arnaldo Marques
Rio de Janeiro, 25/6/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CVRD_HV138
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Armando, eu vou começar pedindo para você falar o seu nome completo, local e data nascimento.
R – Armando de Oliveira Santos. Eu nasci em Vitória do Espírito Santo, [em] 21/3/1950.
P/1 – Os seus pais são de Vitória também?
R – São de Vitória.
P/1 – Vitória mesmo?
R – Bom, na verdade a minha mãe nasceu em Santos, Estado de São Paulo. E…
P/1 - (risos)
R – Por que o riso?
P/1 – Só tem santista aqui.
R – É?
P/1 – E é tão raro.
R – Hoje inclusive o Santos joga lá com o Boca.
P/1 – No Boca, é.
R – Pois é, mas…
P/1 – Quarenta anos sem…
R – O meu pai é de Vitória, no Espírito Santo.
P/1 – Conte um pouco a sua origem familiar. Seus avós são brasileiros, são imigrantes?
R – Bom, o meu avô nasceu no Brasil, mas os irmãos dele… É o mais novo - era o mais novo, já [é] falecido. Os irmãos mais velhos dele nasceram em Portugal, ele foi o único que nasceu no Brasil. A família, os pais vieram de Portugal. Moram no... Foram direto para o Espírito Santo, moraram lá o tempo todo, então nossa família basicamente é do Espírito Santo.
P/1 – E eles vieram para o Brasil, esses são os pais do seu pai?
R – São os pais do meu pai, exatamente. Meus avós.
P/1 – Seus avós maternos também eram do Espírito…
R – Não, a minha mãe, como eu estava falando, nasceu em Santos. Conheceu o meu pai no Rio. Na época ele estava estudando aqui.
Casaram e depois foram… Depois de algum tempo voltaram para morar em Vitória, onde os pais do meu pai sempre continuaram. Então, basicamente, eu considero… Eu nasci em Vitória, meus irmãos também. Eles só saíram de Vitória depois de formados.
P/1 – Quantos irmãos você tem?
R – Tenho duas irmãs e um irmão.
P/1 – É mais velho, mais novo?
R – Eu sou mais velho e o meu irmão é o mais novo. E as duas irmãs são… Ficam no meio, né? Beatriz e Luciana. O mais novo é Antonio José.
P/1 – E Armando, você lembra como era a sua casa de infância?
R – A minha casa de infância? Lembro, lembro sim. A gente morava, bom, sempre na praia. Praia Comprida, Praia do Canto; a primeira casa que eu lembro já na Praia Comprida. Depois fomos para a Praia do Canto e a minha infância toda eu passei lá. E [no] período de estudo de Engenharia moramos na mesma casa, na Praia do Canto, então foi esse período.
P/1 – Como era essa casa?
R - Ah, uma casa muito boa, uma casa [de] dois andares. Tinha uma piscina onde a gente nadava bastante. Fez com que o meu irmão mais novo fosse um nadador bastante forte lá no Espírito Santo.
P/1 – É mesmo?
R – Eu, por um período, também nadei. Participei de Jogos Universitários nadando pela Universidade do Espírito Santo. E foi um período muito bom.
P/1 – E do que vocês brincavam? Você lembra das suas brincadeiras de infância?
R – Ah, isso tem tanto tempo que a gente não lembra muito, não.
P/1 – (riso)
R – Já falando um pouco de Vale, a coisa que está sempre na cabeça… Você vê, desde essa época de mais garoto que a gente lembra de Vale do Rio Doce, né? O meu pai foi superintendente da Vitória-Minas em 56. E eu lembro de nas férias de julho - em 57, se não me engano - nós fomos passar uns dias lá na fazenda de Conceição. Foi meu primeiro contato com a Vale, porque a Vale no Espírito Santo sempre foi muito forte. Quando eu me formei já estava na Vale, então no período... Desde estudante, mais novo, a gente sempre teve essa identificação com a Vale do Rio Doce.
P/1 – Qual é a formação do seu pai?
R – Engenheiro. Nossa, a família, quer dizer, o pai do meu pai e o irmão dele mais velho eles fundaram a Ferro e Aço lá em Vitória, daí essa ligação com siderurgia. Ele, quando se formou em Engenharia, depois passou um período na Alemanha trabalhando em uma siderúrgica e depois voltou para o Brasil. E [quando] lá ele passou esse período, antes tinha trabalhado na própria CSN [Companhia Siderúrgica Nacional], ainda no final dos anos 40, e depois na Ferro e Aço, lá de Vitória. Essa… Uma certa identificação com Vale, com minério. E depois ele, como eu estava falando, passou dois anos como superintendente da Vitória-Minas em 56, 57 - na época que o presidente da Vale era o Salessa. Foi um período que eu lembro já de falar em Vale do Rio Doce, já de…
P/1 – E que lembrança você tem da estrada de ferro?
R – Bom, foi… Essa viagem é uma coisa que eu nunca esqueci. Nós saímos de Vitória em um vagão especial até Itabira. Eu tinha, portanto... Nesse ano eu estava com sete anos de idade. A minha irmã mais velha foi junto comigo também.
Fomos nós dois com meus pais e outras pessoas da companhia na época. Fomos até Itabira e lá ficamos alguns dias. Depois pegamos o mesmo vagão em uma composição de minério voltando para Vitória.
Foi esse o primeiro contato direto, com sete anos [de idade], com a Vale lá, quando a gente passou esse período na Fazenda de Conceição. A gente tem até hoje uma casa muito boa lá, a casa de hóspede.
P/1 – Ah, eu conheci.
R – Conheceu lá? Pois é, eu estive lá em 57, passando alguns dias lá.
P/1 – E como era Itabira nessa época?
R – Ah, Itabira não tinha nada do que existe hoje, né? Inclusive a operação nossa era a mina do Cauê. E tinha um teleférico, tinha aquela Mecanizada 1 e tudo que hoje já está desativado, até porque a própria mina de Cauê já foi exaurida. Então é realmente mudado.
Eu não lembro em detalhes, mas tenho uma vaga lembrança do que era a operação naquela época. Só para você ter uma ideia, naquele período a Vale do Rio Doce produzia algo na faixa de dois milhões de toneladas, dois milhões e alguma coisa. No ano.
P/1 – (riso)
R – Hoje a gente faz isso [no] Sistema Sul em menos de dez dias. O que a gente fazia em um ano. Então o tamanho da operação é totalmente diferente.
P/1 – E já nessa época você cresceu com essa coisa da Vale?
R – Foi. É.
P/1 – Você tinha alguma expectativa assim: quando eu crescer eu vou trabalhar na Vale?
R – Não, mas já fazendo faculdade eu comecei a… Em 70, eu entrei na Vale como estagiário e um bom número dos meus colegas de faculdade também entraram na Vale. Eu acho que uns… De uma turma de oitenta, talvez uns quinze entraram na Vale aquele ano. E a Vale era talvez a melhor oportunidade de emprego naquela época em Vitória - acho que continua sendo, talvez. Espero que sim.
Então é isso. Eu tive essa oportunidade de entrar e realmente a Vale ficava muito presente. E até hoje continua.
P/1 – Armando, voltando um pouquinho lá para trás, quem é que exercia autoridade na sua casa: seu pai ou sua mãe?
R – Ah, minha mãe. É normal, né? O pai está mais envolvido com o trabalho, é mais difícil estar presente. E a minha mãe [é] que sempre controlava tudo em casa, tomava conta para tudo estar em ordem.
P/1 – E você teve algum tipo de formação política, religiosa?
R – É, religiosa sim. A gente sempre é… [Ia] à missa. Aliás, depois de um certo período para ir à missa só se a minha mãe deixasse eu ir dirigindo. Eu ainda não tinha carteira, mas era uma forma de me incentivar a continuar indo à missa.
P/1 – (riso)
R – E política, não muito. A gente pensava mesmo era em estudar, se divertir. E já nos anos… Meados de 60, depois da revolução de 64 as coisas ficaram um pouco mais politizadas com a revolução. Eu lembro do meu primeiro ano de faculdade, em 68; a situação estava bem complicada, já com greves estudantis, um regime bastante forte. A gente passou por uma fase bem turbulenta, digamos assim, sob esse enfoque.
P/1 – E você fez faculdade onde?
R – Eu fiz lá em Vitória, [na] Faculdade de Engenharia. Eu entrei na faculdade em 68, depois resolvi trancar matrícula por um ano para poder estudar nos Estados Unidos. Passei um ano em Boston, voltei. E quando eu voltei a frequentar a Faculdade de Engenharia, eu entrei na mesma turma da minha irmã, que é um ano mais nova. Ela passou no vestibular no ano seguinte que eu passei e, pelo fato de eu ter ficado um ano fora, voltei na mesma turma. Nós nos formamos juntos em 73, final de 73, eu e a Beatriz.
P/1 – E você participou nessa época de movimento estudantil, alguma coisa assim?
R – Ah, graças a Deus não muito, porque alguns dos colegas da época sofreram muito, inclusive com um momento muito difícil naquela época. Eu participava mais superficialmente, acompanhando, mas não era uma coisa que estava no meu sangue, não. Eu preferia [me] concentrar mais em outras coisas.
P/1 – E o curso em si, Armando? Como é que era lá, quais eram as matérias? Você tinha identificação mais com alguma área?
R – Não. O curso de Engenharia, na época, naquele período você era levado a... Tendo oportunidade de escolher você fazia ou Engenharia ou Medicina, não tinha muita alternativa, né? Como eu não gostava de Medicina, segui Engenharia. O mesmo, como eu falei antes: o meu pai é engenheiro e segui Engenharia.
Fiz Engenharia Civil e nunca trabalhei como engenheiro civil, então na própria Vale, que sempre foi meu único emprego, nunca exerci nada que pudesse lembrar Engenharia Civil, do ponto de vista de profissão. Mas eu acho que foi um curso que deu uma base muito boa para você poder estar preparado para [se] desenvolver em outras áreas. É um curso básico muito bom na Universidade Federal do Espírito Santo.
P/1 – E em que ano você ingressou na Vale?
R – Eu entrei como estagiário em 70.
P/1 – Seu pai que te levou para lá? Como é que foi?
R – Não. Meu pai, eu diria que nesse sentido não exerceu nenhuma influência direta do ponto de vista de fazer com que eu quisesse entrar na Vale. Eu achava [que] a Vale era uma oportunidade boa.
Na época, então, eu fui trabalhar com o Morris Brown, que já era um engenheiro antigo da Vale. O Morris entrou na Vale acho que [em] meados dos anos 50, 56 ou 57, e tinha uma área muito interessante que era os Serviços Técnicos Operacionais; tinha uma parte de pesquisa operacional e uma parte de programação operacional, então eu fui trabalhar lá nessa área. Trabalhei, fiquei um período de um ano e pouco na área de pesquisa operacional e trabalhei também na parte de programação operacional, que deu oportunidade de conhecer muito o sistema produtivo da Vale na época: mina, ferrovia e porto. E foi uma experiência muito boa. Deu essa oportunidade de conhecer bastante a Vale e depois, a partir daí, eu poder me desenvolver mais na área comercial da companhia. Foi o que ocorreu depois, enfim. Aí tive oportunidade de trabalhar em outros lugares da companhia.
P/1 – Como era nessa época o sistema mina-ferrovia-porto? Como é que estava pensada essa… Não se falava, acho, necessariamente em logística ainda, né?
R – É, mas a Vale, desde aquela época, quer dizer, ela agia de uma forma muito integrada no ponto de vista de mina, ferrovia e porto. Justamente, desde essa época que esse setor liderado pelo Morris tinha essa responsabilidade de fazer essa coordenação da produção da Vale Itabira, com transporte ferroviário da Vitória-Minas e o porto. E nesse período a gente ainda embarcava lá no porto de Vitória, lá em Atalaia. No caso de Atalaia e Tubarão, só começou em 66 e, portanto, quando eu entrei em 70, Tubarão tinha uns quatro anos que tinha começado a sua operação.
Voltando à sua pergunta, esse sentido da coordenação, da otimização da produção na época, só em Itabira, com a ferrovia e com o porto já, estava presente desde aquela época. E o diretor da… Responsável pela parte operacional, o João Carlos Linhares, tinha essa visão, no sentido de ter essa otimização de sistema como um todo. Era o papel que tinha o Morris, como uma responsabilidade primeira de fazer essa coordenação.
P/1 – E você, como era seu contato com essas pessoas? Você tinha acesso às decisões nessa época? Você era mais operacional? Como é que você estava inserido?
R – Olha, naquela época a minha visão, obviamente, de Vale estava muito limitada naquilo que eu estava enxergando, e na época o que eu enxergava era exatamente isso: era parte da produção, do transporte e de embarque, tanto no Porto de Vitória, quanto no Porto em Tubarão, já. E eu lembro que a gente inclusive iniciou um projeto de coletar diariamente informações sobre dados operacionais de mina, de transporte, embarque. Tinha que sair todo dia em uma forma de… Do que seria um telex ou um um telegrama ou que fosse aqui para o Rio, onde ficava o doutor João Carlos. Então já…
P/1 – Vocês passavam essas informações diariamente para ele?
R – Passava as informações diariamente.
P/1 – Mesmo? Não sabia disso, não.
R – E durante um período eu ia diariamente, eu ia cedo, de manhã, lá para Porto Velho. Pegava dados da ferrovia, então tinha que fazer vários tipos de cálculo para poder então passar esses dados para cá. Era dessa forma que chegava aqui no gabinete do doutor João Carlos, que ele acompanhava o desempenho não só da mina, mas da ferrovia e do porto também. O interessante é que a gente bolava uns gráficos justamente de acompanhamento de desempenho.
Foi interessante, porque meu pai sempre teve como atividade particular a avicultura. E depois eu introduzi para acompanhar a performance das galinhas…
P/1 – (risos)
R – (riso) ...o mesmo tipo de controle. Só que aí eu fazia semanalmente esse controle.
P/1 – (risos)
R – Eu ia todo fim-de-semana à granja. Pegava os dados de produção de ovo, de consumo de ração e essas coisas todas e botava em um gráfico depois, para ele acompanhar como estava indo. Mas é aquele conceito de você ter um acompanhamento de desempenho, de qualquer que seja a sua operação. Isso tanto você aplicou lá na… Em um nível de operação muito maior, e você também podia fazer isso até em uma pequena empresa. A importância do desempenho em relação àquilo que você estava prevendo.
P/1 – E esses dados você… Como era medido? Por exemplo, quanto de minério era exportado? Era quanto…
R – Não, eram coisas do tipo assim: velocidade média do trem. Era o número de trens que chegavam, que estavam chegando, que foram descarregados naquele dia. A fila média de vagões no Porto de Tubarão, sei lá. [Uma] média de quatrocentos e poucos vagões esperando para serem descarregados naquele dia. Isso mostra a retenção de vagões que você tinha no porto naquele dia, né? O volume de minério que se embarcou, o volume de estoque que você tinha no dia. São dados importantes para você ter uma ideia de como estava indo a operação, desde a produção diária de minério e o que acontecia durante aquele dia.
Do ponto de vista de produção de embarque no… Quer dizer, o número de trens que saíram da mina para o porto. O desempenho desse transporte, o desempenho da descarga no porto. E o desempenho, do ponto de vista do porto embarcando esse minério em navios. A fila média de navios que você tinha no porto. Saber se você tinha navios esperando ou não. Tudo isso era acompanhado através de gráficos que você olhava através de quadros. Você tinha vários gráficos que demonstravam como é que foi o desempenho do dia anterior.
P/1 – Aí você passava esses dados aqui?
R – Isso vinha para cá, vinha para cá por… Um tipo [de] correio ou telex - na época era um outro sistema. E a pessoa que recebia esses números plotava os números em um gráfico que ele tinha aqui no Rio. Então o mesmo gráfico que a gente tinha lá ele tinha aqui.
Você não mandava o fax, não mandava. Você mandava só os números e ia ser…
P/1 – Aí montava aqui.
R - A pessoa encarregada aqui no Rio pegava aqueles números. Cada número botava em um gráfico, então você tinha um acompanhamento diário desses índices, que refletiam o desempenho operacional do sistema.
P/1 – E você tinha algum retorno desse desempenho? Ou seja, o que era feito depois com esses dados? Você tinha algum tipo de participação?
R – Não, nesse sentido não. Obviamente, cabia na época à direção a partir daí; a gente monitorava o que estava ocorrendo através desse tipo de informação, que depois era trabalhada, obviamente. A nossa… Pelo menos na época, a minha visão era muito mais de olhar o que estava ocorrendo nessa época, obviamente sem [me] inteirar ou participar de outras coisas.
P/1 – Quanto tempo você ficou nessa função?
R – Ah, não, isso são períodos. Depois aquilo entrava em uma rotina, depois aquilo passava. São tipos de trabalhos que eram feitos, desenvolvidos na época.
Eu fiquei lá até o final de 73. Isso, 73.
P/1 – E depois?
R – E depois eu fui para Nova Iorque.
P/1 – Como você foi convidado? Quer dizer, como é que você deu esse pulo?
R – Ah, eu não ia ficar em Vitória. Eu queria ir para o exterior. E na época eu tinha muita vontade de fazer um curso de pós-graduação. Através do Morris... Ele contatou o Ditzel, que na época estava em Dusseldorf, na Alemanha, e o Roni, que estava em Nova Iorque, para saber se tinha possibilidade de receber uma pessoa com a minha formação que queria ter uma experiência fora. E daí aconteceu a oportunidade de ir para os Estados Unidos.
Eu lembro que eu tentei até, quando cheguei lá, ver se eu podia fazer um curso de pós-graduação, sei lá, meio expediente ou alguma coisa assim, mas vi que não tinha espaço para isso. Tinha que trabalhar full time mesmo. Comecei lá em Nova Iorque no início de janeiro de 74; passei algum tempo lá, até 78. Um período muito bom.
P/1 – E você foi fazer especificamente o que lá?
R – A oportunidade que eu tive de ir para Nova Iorque foi muito em função da época. Estava lá em Nova Iorque uma pessoa que já saiu da Vale, [se] chamava Gustavo Dore. Ele fazia justamente essa parte de programação junto aos clientes, uma coisa que eu, de uma certa forma, participei lá em Vitória, nessa área do Morris. E esse período foi um período de muita demanda de minério então, por incrível que pareça, a grande dificuldade era fazer com que a demanda que vinha do mercado pudesse ser atendida dentro de uma prioridade; obviamente, cada área tentava alocar mais volume para os seus clientes. E a capacidade da Vale, naquele instante, não era o suficiente para atender toda a demanda que a gente estava tendo.
Isso [foi] em 73, 74. Eu fui para lá em 74. O Gustavo Dore estava lá com essa responsabilidade, mas já estava pensando em voltar para o Brasil. Então de certa forma eu fui para, na saída dele, ficar com essa responsabilidade em Nova Iorque. E foi muito bom, foi um período muito bom.
Isso aconteceu. Eu fui para lá em janeiro de 74. O Gustavo saiu uns dois meses depois.
P/1 – Você tinha quantos anos nessa época?
R – Eu tinha, já… Eu tinha 23.
P/1 – Já tinha 23. (risos)
R – É porque eu fiz 24 em março de 74. Eu sou de março de 50. Já estava para fazer 24 anos.
P/1 – Quer dizer, era jovem, já com uma função…
R – É, estava começando, né? Mas eu tive, digamos assim, um primeiro chefe que foi muito bom, o Valdir Juruena Pereira.
O Valdir me botava no fogo logo; ele era o tipo da pessoa que incentivava muito a pessoa que trabalhava com ele a assumir responsabilidade, não ficar parado. Não era aquela pessoa centralizadora que só ele ia fazer as coisas. Não, muito pelo contrário. Ele queria, me deu muita oportunidade no sentido de fazer as coisas, de correr atrás, então isso foi muito bom.
Era uma equipe muito pequena lá, nessa área do minério. A responsabilidade, a atividade principal dos escritórios de Nova Iorque sempre foi, até um bom período, [de] compras, compras de equipamento. Toda a duplicação da companhia, em termos de Ferrovia Vitória-Minas que se terminou em 73, quer dizer, o volume de compras - porque tudo na época era basicamente importado, esses equipamentos importantes. O escritório de compras de nova Iorque desempenhava uma atividade extremamente importante nessa área. Tinha mais de vinte pessoas com essa responsabilidade de comprar equipamentos para atender às necessidades de expansão da Vale do Rio Doce. E a venda de minério sempre foi uma atividade relativamente pequena lá, [com] poucos clientes. Os Estados Unidos sempre tiveram produção própria de minério bastante forte, portanto sempre importaram muito pouco.
Lá [ficamos] com o Valdir durante um período, depois ele deixou a companhia. Mas foi muito bom. Foi um primeiro contato com o mercado e nessa parte comercial que foi muito interessante. Tenho boas lembranças.
P/1 – Quem eram os clientes nessa época?
R – Ah, nós tínhamos clientes importantes. Em 74, nós chegamos a vender quase três milhões de toneladas para uma empresa que hoje não existe mais, a Bethlem Steel. Em 74… A própria Bethlem Steel estudou. em 75. fazer uma associação com a Vale em pelotização. E tinha a United States Steel, também tinha um volume muito grande de compras da Vale; a Armico Steel, que hoje já tem um outro nome, hoje é EK, e Republic Steel, que também já deixou de existir.
[A Vale] tinha um número bastante grande de clientes. E era uma briga a gente conseguir que a Vale concordasse em alocar uma maior parte, um volume adicional de minério para que fosse vendido nos Estados Unidos. Naquele época, em 74, a previsão era que o mundo ia rapidamente produzir um bilhão de toneladas de aço. Então era um… Tudo tinha uma visão muito otimista, do ponto de vista de produção de aço, demanda de minério. E eu lembro que aí teve uma mudança de governo no Brasil. O Geisel assumiu e isso teve implicações na Vale, porque em 74 o presidente da Vale, o doutor Mascarenhas, deixou de ser presidente; assumiu o Fernando Roquete Reis e várias mudanças ocorreram, obviamente, na diretoria. Em decorrência disso, o Roni, que era o… Roni Lírio, que era o número um do setor de Nova Iorque, deixou a companhia. O Lauro Marinho foi para lá, o doutor Marinho, que até então era o diretor financeiro da Vale.
Enfim, a questão era essa demanda muito forte e que até abril de 75 continuou muito forte. E nessa administração nova justamente a nossa dificuldade era… Durante um período, existia uma percepção que essa demanda ia continuar muito forte, então nós devíamos ter uma posição mais cuidadosa e não nos comprometermos tanto com vendas adicionais. Mesmo novo na companhia, aquilo já me preocupava porque essa situação nunca perdura por muito tempo. Dito e feito.
P/1 – (riso)
R – Já em abril de 75 o mercado mudou de uma forma muito abrupta, muito rápida. E nós começamos a ter cancelamentos muito grandes.
P/1 – No pedido.
R – Com muita velocidade de quantidades. E quando terminou o ano de 75 terminamos em uma situação totalmente diferente quando iniciamos o ano. Eu lembro que em 75 nós tínhamos que fazer um esforço muito grande na Vale, como um todo, para poder exportar mais do que exportou em 74. E isso só… A gente só conseguiu porque no final do ano fez uns dois embarques - aliás, para te falar a verdade, foram mais do que dois. Quase perto de um milhão de toneladas a gente exportou do Brasil, mas sem um cliente já identificado com aquele volume. Colocamos esse minério em Baltimore; no estoque, para efeitos da estatística brasileira, contou como exportação brasileira. Da Vale.
P/1 – Entendi.
R – Só que esse minério ficou estocado. E foi uma forma de… Na época, não foi dada muita importância, acharam que talvez não fazia muito sentido, porque... Enfim, foi uma determinação no sentido de a gente… De ter o resultado físico em termos de exportação de volume. Isso em 75. A meta era superar 74, o que estava se tornando muito difícil…
P/1 – E ficou no estoque.
R – Ficou no estoque algum tempo.
P/1 – Quem tomou essa decisão?
R – Ah, é… Depois, durante algum tempo, a gente acabou conseguindo revender para terceiros. Obviamente, não é o normal. Porque minério de ferro, quando você – hoje mais do que naquela época então – você, quando produz na mina, já está produzindo dentro de uma qualidade para um determinado cliente. Quer dizer, cada cliente exige uma certa qualidade, então você vai programar isso lá atrás, na produção. O minério não é uma commodity que você produz um milhão de toneladas, coloca em uma área e a partir dali você pode entregar aquele minério para qualquer cliente. Não funciona assim e de uma certa forma já não funcionava assim naquela época também, tanto que nós tivemos muita dificuldade de depois colocar esse minério. Mas foi feito assim. Uma das justificativas é que em função da recessão, com a queda da demanda em 75, os fretes baixaram muito. Então, na medida que você tinha um frete muito barato, uma das justificativas é: “Então vamos usar esse frete barato para transportar e já colocar o minério lá perto do cliente.”
P/1 – Entendi.
R – Então nós fizemos contratos com esses volumes realmente em condições muito favoráveis, mas é o tipo da operação que normalmente você não faz. Quando você tira daqui do Brasil, ou da mina, produz e transporta, leva para o porto, você já tem um cliente compromissado com aquela qualidade. Já tem um navio do cliente ou da Vale programado para embarcar aquele minério para aquele cliente. Não é uma coisa que você de repente decide: “Não, não vou entregar no cliente A, vou passar para o cliente B”, porque cara operação, cada alto-forno tem uma mistura própria e requer da Vale um determinado tipo de minério, uma determinada qualidade.
P/1 – Entendi. E quem… Eu não sabia disso.
R – É, pois é. Isso ocorreu, mas enfim…
Depois de 75, passamos um ano difícil. Tivemos uma performance ainda razoável em 75. Naquela época, a gente vendeu para os Estados Unidos a faixa de seis milhões de toneladas, que foi um número bastante forte. Mas o mercado mudou e desde então a gente já sabe que tudo isso tem uma… É cíclico, nada dura por muito tempo. __________________ a gente acostuma. A gente sabe que tem que aproveitar o período de demanda forte e depois se preparar para enfrentar ajustes na demanda que vão refletir na nossa operação como um todo. Não adianta querer forçar além do que o mercado absorve, porque você só vai ter reflexo ruim.
P/1 – Você ficou esse período em Nova Iorque…
R – Eu fiquei lá até 78, portanto quatro anos.
P/1 – Quatro anos.
R - E meio, né?
P/1 – Aí você já estava com 28 anos.
R – Já estava. Passou rápido.
P/1 – E aí você…Qual foi sua… Você foi convidado depois?
R – É, um dia o Sá Freire chegou lá em Nova Iorque. O Sá Freire era o superintendente comercial, na época, da Vale do Rio Doce. Disse que queria que eu voltasse para o Rio para fazer parte da equipe aqui no Rio, na área Comercial. Eu falei: “Tudo bem. A hora que você quiser. Não tem problema.” E aí…
P/1 – Mas por que veio esse convite?
R – Obviamente, nem eu tinha intenção de ficar muito tempo lá. Acho que também para a companhia é importante ir formando pessoas com experiência em várias áreas e poder fazer com que… Programar os próximos passos. Certamente, se não tivesse tido esse convite ou outro eu ia acabar voltando de alguma forma, não ia ficar lá muito tempo. O período que eu passei lá nesse sentido já estava na hora, mais do que na hora de voltar. E foi isso que aconteceu.
Eu voltei para cá e logo depois também teve outras mudanças. O presidente da Vale saiu, o Fernando Reis. Veio o Joel Renó, em 78, e isso levou a outras mudanças na Companhia. O Ditzel veio já de… Nessa época, de Bruxelas, para assumir a Superintendência Comercial. Foi feita uma grande reestruturação na área comercial e eu fiquei com a responsabilidade da parte do Extremo Oriente, de acompanhar as vendas e a comercialização no extremo Oriente.
Em 79, logo depois [houve] mudança de governo. Entrou o Figueiredo e aí o doutor Eliezer foi convidado para ser presidente da Vale. E para mim foi a coisa mais importante que ocorreu, porque a partir daí ele, dentro daquele visão que ele tem, ele concluiu que estava na hora da Vale mudar de patamar, sair daquele patamar. Foi quando a companhia [decidiu], a partir dessa decisão do doutor Eliezer, na época com o Ditzel e outros, fazer, tocar o Projeto Carajás para a frente, porque estava meio que adormecido, na medida em que o mercado ainda não estava permitindo deslanchar esse projeto.
Como eu estava falando, [em] 75, 76, 77 ainda a situação de mercado estava muito desfavorável, mas em 79 o mercado deu uma recuperada muito forte - à siderurgia que eu estou me referindo, do ponto de vista de produção de aço, demanda de minério. A partir daí, o doutor Eliezer identificou que era hora de sair com um projeto novo, o Projeto Carajás, e a companhia toda se engajou muito nesse projeto. A primeira etapa muito importante foi conseguirmos um número, um volume mínimo de vendas, de compromisso de clientes que pudesse viabilizar o projeto [a] seguir adiante.
P/1 – Você participou disso?
R – Participei muito disso.
P/1 – De vender para clientes já o minério de Carajás para a viabilização do projeto?
R – Muito. Foi.
Eu lembro, nós tínhamos uma meta que tínhamos que encerrar até início de 81 um volume mínimo de 25 milhões de toneladas. O Projeto Carajás foi feito para atingir 35 milhões de produção. E a gente, para a companhia ter sucesso junto aos bancos, organismos que iriam financiar, uma das condições era que a gente tivesse o mínimo de 25 milhões de toneladas compromissadas com clientes. Clientes com o compromisso de levar o mínimo de 25 milhões de um projeto que teria a sua capacidade final de 35, daí essa etapa de engajamento de todo o pessoal da Comercial, na época liderado pelo Ditzel e o doutor Eliezer como presidente.
A gente chegou a 24 milhões e meio de toneladas, o que foi suficiente para no ano de 82 os contratos de financiamento serem todos firmados. Então até 31 de março nós concluímos a assinatura dos contratos - 31 de março de 81 que eu estou me referindo. Nós terminamos todos os contratos que somavam 24 milhões e meio. E a partir daí, com esses documentos firmados, os bancos então aceitaram…
P/1 – Fazer o empréstimo.
R – ...fazer as operações de empréstimo.
Na época, o Samir era o diretor financeiro e concluiu os acordos de financiamento de forma positiva. E quando o projeto então estava, digamos, de vento em popa, tudo indo bem com os contratos assinados, dinheiro disponível para tocar o projeto, tudo direitinho, em 83 veio uma crise forte, uma crise brava. E o projeto com seu início de operação marcado para 85.
P/1 – (risos)
R – Nós, na época, na área comercial, chegamos à conclusão que não ia ter espaço para todo esse volume de minério, que ia ser um troço muito difícil. Eu lembro uma coisa que eu nunca esqueci: o Ditzel pediu para a gente traçar vários cenários, desde o mais otimista até o mais pessimista, para a gente ver o que a gente ia fazer do ponto de vista de alocar volume, como é que iria ocorrer nos anos seguintes etc. Mesmo com o cenário mais otimista, a gente estava concluindo que [em] Carajás a gente devia tomar uma decisão de atrasar o start up, o início de operação. Se entrasse em operação em 85 ia ser muito difícil de alocar esse volume inicial, mesmo começando em um volume mais baixo. E eu lembro que nós tivemos uma reunião então com o doutor Eliezer, o presidente da companhia, e isso já foi nesse prédio aqui, porque esse aqui já tinha… Pegou fogo, né?
P/1 – É. Teve um incêndio.
R – Nós estávamos na Academia Brasileira de Letras. Tivemos uma reunião com o doutor Eliezer, onde essas curvas todas foram apresentadas. E aí ele parou. Ele tinha uma secretária que chamava dona Marles, aí ele chamou: “Marles.” Apertou o botão. Aí quando ela apareceu ele falou assim: “Traga aquela pílula de cianureto.”
P/1 – (risos)
R – (risos) “Quer dizer, com essas alternativas que vocês me dão, o que é que eu vou fazer? Só me suicidar, né? Isso não tem alternativa.”
P/1 – (risos)
R – Aí eu falei assim: “É, realmente tem que tomar a decisão de atrasar um ano. Não temos, não tem alternativa.” E foi aí que então o doutor Eliezer, com o Ditzel e os outros diretores da época, a gente concluiu que o projeto teria que ser atrasado em um ano.
Comunicamos a todos os clientes que tinham assinado contrato com a Vale que em função da situação da siderurgia como um todo, que refletia na Vale do Rio Doce, a gente estava tomando a decisão de atrasar o projeto em um ano. Mas que isso não iria representar, obviamente, no sentido de… Nós tínhamos que fazer isso com cuidado para que não tivesse nenhuma influência na validade dos acordos assinados. Aquilo tudo permanecia válido, só que o início das entregas comerciais do minério que estavam previstas então para 85 a gente só começou a entregar em 86, o que não impediu de inaugurar a ferrovia em fevereiro de 85.
A ferrovia de Carajás foi inaugurada no dia 28 de fevereiro de 85. O presidente Figueiredo esteve lá, foi no final do governo dele. A ferrovia estava com… Foi completada ainda no início de 85, mas o porto de Ponta da Madeira só iria entrar em operação em 86, dentro do cronograma de atraso de um ano. Tanto que em 85 a gente só… Nós fizemos uns dois ou três embarques pequenos pelo porto comercial de Itaqui, só para efeito de testar o minério em alguns clientes no Japão e na Europa. Mas a operação comercial mesmo, com o Porto de Ponta da Madeira, o shiploader nosso só teve início em 86.
Voltando então, acho que essa foi uma decisão muito importante porque, obviamente, se a Vale não tivesse saído com Carajás nós iríamos continuar uma empresa de tamanho médio e certamente não estaríamos na situação que estamos hoje. E realmente Carajás permitiu a gente mudar de patamar para ser a maior empresa de minério de ferro do mundo.
Carajás não parou de crescer desde então. O projeto, a capacidade do projeto, que seria atingir 35 milhões em Carajás… Esse ano nós vamos produzir sessenta e o ano que vem setenta [milhões] No ano que vem nós vamos produzir duas vezes a capacidade inicial do Projeto Carajás.
P/1 – Armando, deixa eu voltar um pouquinho dentro disso. Quando teve a decisão de tocar para a frente o Projeto Carajás e de vender e conseguir essa verba para conseguir os empréstimos…
R – Financiamento.
P/1 - Os financiamentos junto aos bancos, como é que você apresentava o projeto para esses clientes? Como foi feita essa venda?
R – Bom, o...
P/1 – O que você falava? Como era essa apresentação?
R - Aí é o seguinte: o mundo da siderurgia é um mundo relativamente fechado, pequeno. É muito diferente de vender outros tipos de produtos. Então Carajás, a gente sabia que para sair a gente tinha que contar com dois apoios muito importantes, senão não iria sair. E na época, o mundo da siderurgia, que realmente… A gente precisava contar com o apoio da siderurgia europeia e da siderurgia japonesa. Em uma… Estou falando, obviamente, de uma forma resumida e tinha outros também que deram apoio importante, mas basicamente na Europa, a siderurgia alemã e outros de outros países também. Era importante ter o apoio da siderurgia alemã e da japonesa. Foi a partir desse apoio que a gente conseguiu, dentro da linha que a gente tinha colocado, assinar os compromissos de venda de dez milhões de toneladas no Japão. Esse contrato de dez milhões foi assinado com as usinas japonesas, na época sob a coordenação da Nippon Steel. E uma figura chave para isso foi o senhor Imai, que era o gerente geral de compras da Nippon Steel naquela época.
Nós assinamos, se não me engano, o contrato com as usinas japonesas em 31 de março de 1981, no Hotel Palace. Eu estava lá. E o doutor Eliezer, o Ditzel, outros colegas. E esse contrato, dez milhões de toneladas por ano, na época, a partir de 85, na verdade começou só em 86.
O senhor Imai chegou a ser até chairman da Nippon Steel, já deixou de ser chairman da Nippon Steel. Ele passou por todos os cargos importantes: presidente da Nippon Steel, chairman e agora é considerado um chairman honorário. E ele na época era o gerente geral de compras da Nippon Steel. Foi ele que, pela siderurgia japonesa, liderou esse apoio para o contrato de dez milhões.
Na Europa nós tivemos mais de um contrato relevante, certamente com as usinas na Alemanha, liderado na época pelo Klaus Burgot. Foi muito importante. Também com... Na época, a Italsider, pelo Renier, que era o diretor de compras, muito importante. Foi um conjunto de contratos que somou, na época, quatorze milhões e meio de toneladas.
Nós tínhamos esses dois blocos de contratos: um com as usinas japonesas, de dez milhões, e o outro bloco, composto de contratos com usinas europeias que somavam com 14 milhões e meio, dando esse total que eu me referi, de 24 milhões e meio. Foi a base para podermos, a partir daí … Uma outra área da companhia, que era a área financeira, liderada pelo Samir, poder desenvolver os compromissos de financiamento do projeto.
Foi dessa forma que saiu o projeto, em um período difícil. Os grandes projetos do Brasil saíram na época do governo Geisel. Vários projetos importantes e era na época que o Brasil estava crescendo muito. E em função de crise de petróleo - a segunda crise veio mais tarde no governo do presidente Figueiredo -, basicamente um projeto grande que saiu do governo Figueiredo foi o Projeto Carajás, porque justamente a gente vivia naquele período uma época mais de procurar digerir os projetos que tinham feito antes e que estavam passando por dificuldades em função de uma situação mais adversa. Mas no caso do Carajás, a recuperação da siderurgia em 79 permitiu isso. E a siderurgia teve um desempenho muito forte até 82. Aí que eu estava me referindo - 83, com a situação difícil que nos levou a ter que atrasar um ano o projeto.
P/1 – E como era? Eles vinham aqui conhecer Carajás? Para ver a credibilidade, [se] o projeto ia dar certo?
R – É, veja bem…
P/1 – Você entendeu o que eu quis perguntar?
R – Quanto às reservas ninguém tinha dúvida. A gente tinha conhecimento de que o…
P/1 – Existiam.
R - As reservas descobertas lá estavam, eram de volume muito grande e a qualidade do minério muito boa. E [havia] a necessidade da siderurgia por aquele tipo de minério, para ser usado na sinterização.
O que ficava mais difícil às vezes de convencê-los era aquela preocupação: “Puxa, mas esse projeto lá no meio do jungle, da selva. Isso aí vai ser… Os outros projetos tiveram muita dificuldade nessa região do Brasil.” Quer, dizer o desafio de fazer um projeto desse porte na Amazônia é que foi muito grande e algumas pessoas colocavam em dúvida quanto a capacidade da própria Vale de fazer esse projeto uma realidade. Eu acho que esse foi o grande desafio. Acho que está aí para mostrar que foi possível e funcionou tudo bem, né?
P/1 – É uma epopeia.
R – É verdade. A Vale pós-Carajás é outra. Eu acho que realmente se nós não tivéssemos feito…
P/1 – E como era essa relação com o governo? Quer dizer, a Vale era estatal. Como é que o governo via e tocava o apoio dele para a construção e o desenvolvimento de Carajás e da região Norte do país?
R – Certo. Bom, a Vale que eu conheço é uma Vale, como eu estava te falando, de meados dos anos 70 para cá. Um pouco mais de trinta anos. Quase que metade da… A Vale está com 61, né? Metade da vida da companhia. Mas nesse período de meados de 70, na época que o presidente do país era o Geisel, pelo menos [pelo] o que eu lembro, a gente teve um período de uma maior influência política na Companhia.
Quando o presidente Figueiredo assumiu em 79, com o retorno do doutor Eliezer à Vale, como presidente da companhia, eu acho que a gente passou a ter um período... Obviamente, ela continuou sendo estatal até a privatização em 97, mas eu diria que de todas as estatais, a Vale, por um conjunto de fatores importantes - e talvez o mais deles tenha sido a presença do doutor Eliezer aqui durante a maior parte desse período - ela conseguiu se isolar um pouco dessas - o que é até normal em estatal - dessas influências políticas.
O outro fator também [é] que a Vale dependeu muito da exportação, do mercado externo, um mercado [que] sempre foi muito competitivo. Então aquilo que a gente às vezes, até com certa tristeza, via acontecer em outras estatais, na Vale eu acho que a gente estava mais imune por uma postura mais forte de não deixar que ocorressem certas coisas aqui. Obviamente, acho que não só eu, mas muita gente que presenciou e participou desse período credita muito disso, certamente, ao doutor Eliezer, de ter resistido muito. Quantas vezes eu assisti interferência do tipo querer colocar pessoas dentro da companhia por pedidos os mais esdrúxulos, de uma área ou de outra, e ele sempre resistia muito. Ele sempre foi da linha de promover as pessoas pelo mérito e não colocar simplesmente uma pessoa só porque era indicado de A, B ou C. Então eu acho que a gente teve muito sucesso nesse sentido, de minimizar esse tipo de impacto. Em outras empresas talvez não tenha ocorrido dessa forma. Então a Vale mesmo estatal - eu digo nesse sentido -, ela conseguia, do ponto de vista de suas decisões, de projetos, fazer aquilo que se mostrou como a gente vê hoje o melhor para a Vale e seus acionistas. Sempre foi vista até como uma empresa de sucesso, nesse sentido.
P/1 – Armando, você ficou nesse período tentando captar esses recursos…
R – Não, aí…
P/1 – Tentando não, captando esses recursos.
R – Aliás, dessa área de captação de recursos eu nunca participei, a não ser às vezes por alguma coincidência porque era uma responsabilidade da área financeira, como eu estava falando.
P/1 – Da financeira.
R – Então do ponto de vista dos contratos mesmo, quer dizer, a partir de 81, era eu que fazia com o Renato Neves. Nós dois é que fazíamos as discussões. Aí o Ditzel não _____________ que deveriam fazer parte do contrato. Mas dos detalhes das cláusulas, mais em detalhe, aí a gente discutia. Era eu e o Renato que discutíamos. Então a gente teve muita discussão na época lá com __________
P/1 – Quantas vezes você foi para o Japão? Você ia direto?
R – Ah, era demais porque naquela época, como eu estava falando, no início dos anos 80 a gente praticamente vendia só para o Japão. Vendia uma quantidade relativamente pequena para a Coreia.
Vendíamos um milhão e meio de toneladas por ano para a Coreia. Esse contrato nós assinamos em 79, então tem muita história interessante com relação a Coreia. Mas é outra história. Tínhamos começado a vender na China em 78 e 79, depois paramos por um tempo e voltamos mais lá para 84, por aí. Em Taiwan a gente começou em 79, também. A primeira venda nossa para Taiwan foi em 79. A partir de 79, 80, a gente começou, além do Japão, vender mais um pouco para Taiwan, Coreia, Indonésia. Em 79 também, 78, 79 [foi o] primeiro embarque nosso para a Indonésia. [Em] janeiro de… Teve até uma enchente aqui do Rio Doce que atrapalhou o nosso primeiro embarque para a Indonésia. No início de 79.
Isso fazia com que a gente tivesse que, eu e o Renato… A gente viajava junto por um período, a gente quase que de dois em dois meses tinha que sair do Brasil para visitar Japão, Coreia, Taiwan, China, Indonésia, aí depois voltava, ficava aqui um mês, dois meses. Depois tinha que sair de novo. Esse troço estava realmente ficando não muito produtivo.
P/1 – Você fala japonês?
R – Não. Só bobagem.
P/1 – (risos)
R – (risos) Na época… A gente já tinha estudado algum tempo atrás, não tinha ido para a frente a ideia, mas a gente chegou à conclusão que tinha que abrir um escritório na Ásia. Eu lembro que em 83 eu fiz uma viagem com o Ditzel para a gente estudar onde a gente devia abrir o escritório. A gente já sabia que ia dar Tóquio, né? Pelo menos tudo indicava que deveria ser em Tóquio, em função do volume de negócios que a Vale tinha com os japoneses. Não era só minério de ferro. Tinha alumínio, celulose, eram várias outras coisas que levavam e reforçava a decisão a favor de Tóquio. Mas nós estudamos na época também a possibilidade de abrir o escritório em Hong-kong, em Singapura. E tinha um embaixador brasileiro nas Filipinas na época, o Laudo Sotero Alves; ele achava que a Vale tinha que considerar também Manila. Até nós fizemos uma visita lá, mas descartamos logo. Na época não tinha sentido fazer escritório em Manila.
Nós então visitamos esses lugares, alternativas. A parte fiscal também foi muito estudada e a gente concluiu que tinha que ser em Tóquio mesmo. Planejamos para abrir rapidamente o escritório. E na época o Ditzel então convidou o Mário Pierre para ser o, digamos, para ir para Tóquio e abrir o escritório da Vale, ser o primeiro representante nosso lá. O Mário, eu acho que ainda era o superintendente lá em Itabira, então ele foi para o Japão até para escolher apartamento, esse negócio todo. No início de 84 - acho que isso foi no início de 84 ou final de 83 -, o Ditzel chega para mim: “O doutor Eliezer convidou o Mário para ser diretor da Vale, então o lugar do Japão… Você que vai para lá.” Aí eu falei: “Pô, nem estava...” Uma surpresa e eu falei: “Ah, tudo bem. Então eu vou para o Japão. Eu abro, eu vou para lá.” Então eu e o Renato fomos para lá. E abrimos o escritório em maio de 84.
P/1 – Você era casado nessa época?
R – Já, já. Eu conheci a Cecília em Nova Iorque, a minha mulher. A gente desde de 75 está…
P/1 – Mas a Cecília é…
R – Brasileira.
P/1 – Brasileira que morava em Nova Iorque?
R – Morava em Nova Iorque.
P/1 – Não era do escritório da Vale.
R – Não. Eu a conheci em Nova Iorque e ela trabalhou um período lá no Consulado Brasileiro. Ela chegou a trabalhar um período também na Vale. Enfim, desde 75 que a gente está junto e casados.
P/1 – Mas você tinha filhos já?
R – O casado mesmo foi, digamos, a partir de… Depois que nós voltamos para o Brasil e aí fizemos aqui no casamento aqui no Rio. Não tinha filhos, o meu primeiro filho... (chora) Nasceu em 81. Vamos mudar de assunto.
(PAUSA)
P/1 - Tóquio. Você foi convidado e falou assim: “Tudo bem.” (risos)
R – Vamos lá. Aí eu fui convidado para ir para o Japão.
P/1 – Avisou a mulher: estamos mudando para lá.
R – Eu tinha dois filhos nessa… O meu mais velho nasceu em 81 e o mais novo em 82. Portanto, quando nós fomos para Tóquio o Marcelo, que é o mais novo, ainda usava fraldas. Ele nasceu em outubro de 82 e nós fomos para lá em maio de 84. Pequenininho ele. E o Eduardo já tinha três anos. Lá o Eduardo, o mais velho, entrou no Jardim da Infância japonês. E o Marcelo, logo depois, também começou a freqüentar o Jardim da Infância japonês. Eles, no bairro onde a gente morou e…
P/1 – E a Cecília? Vocês estavam assustados quando chegaram?
R – Não, tranquilo. Ela fez amizades no Japão com muita facilidade, eu acho. Talvez não tenha sido assim, mas aparentemente eu… [Foi] a impressão que deu. E foi um período muito bom da nossa vida. Foi realmente muito, muito legal. Os meninos pequenos, a gente controlava tudo. Eles… A gente é que decidia tudo o que queria fazer.
Era um período que a gente ia para os parques. No Japão, as casas são pequenas, mas você tem muito lugar assim ao ar livre, parques, então a gente passeava muito com os meninos.
Passamos lá três anos. Aliás, é a razão de então… Voltando um pouco atrás, a gente abriu o escritório até para evitar aquele negócio que vai toda hora para a Ásia, volta, vai e volta, então Tóquio passou a ser a nossa base. Eu e o Renato estávamos lá já desde… Abrimos o escritório em maio e a gente passou então a cobrir todo o mercado da Ásia a partir de Tóquio. Dali a gente ia para a Coreia, para a China, para Taiwan, para a Indonésia.
Acho que foi muito importante porque foi justamente em uma época em que a gente estava crescendo. Carajás estava entrando em operação em 86. Eu fiquei em Tóquio até 87 e foi um período realmente muito bom. Tenho recordações muito fortes e boas.
P/1 – Como era a convivência? Você convivia direto com os japoneses?
R – É, veja bem…
P/1 – Fora do trabalho.
R – A vida no Japão é tudo em função do trabalho, basicamente. Fora do trabalho a gente aproveitava para ter a nossa vida com os meninos. E foi um período muito, muito bom mesmo, nesse sentido que a família fica muito unida. Você está sempre… Quando não está em função do trabalho, nos fins de semana sempre com oportunidade de ficar mais reunido com a família. Fazer passeios. Foi um período muito bom mesmo.
P/1 – E como era a conversa com os japoneses na negociação? Os hábitos?
R – Aí eu acho que eu sempre tive facilidade de me entender muito com os japoneses. Porque você conversa, conversa, mas depois que você vai acertando as coisas, as coisas vão andando para a frente. Não tem negócio de voltar para trás. E você vai adquirindo confiança e as coisas acabam… Obviamente, tivemos muita discussão dura, no sentido de… Passamos por períodos mais difíceis, como eu estava me referindo depois, até logo depois que o Carajás entrou em operação, a demanda ainda não estava muito boa, então [havia] essas discussões no sentido dos compromissos que foram assumidos. Mas eu acho que sempre a gente acertou, sempre a gente conseguiu chegar em um bom entendimento.
Nesse sentido, as usinas japonesas foram muito importantes, no sentido da Vale poder ter tido esse crescimento. E a gente ter tido um volume de minério sempre bastante firme alocado ao Japão, para nós, foi muito importante, nos deu a escala necessária para poder continuar crescendo e atingindo outros mercados a partir daí. Então veio a Coreia, veio a China; é coisa mais recente, do ponto de vista de grandes volumes. Mas antes disso veio a Coreia.
P/1 – Qual é o caso interessante que você disse que ia contar da Coreia?
R – Ah, a Coreia tem vários casos interessantes. O primeiro contrato que nós assinamos com a Coreia de longo prazo… A gente assinou alguns contratos em 76, 77, mas contratos spots. O primeiro contrato de quinze anos que nós assinamos com a Coreia foi um contrato em 79. Um contrato de um milhão e meio de toneladas por ano - de dez anos, desculpa. Assinamos lá em Itabira. Na época, o ministro de Minas era o César Cals e o Eliezer [era] presidente já da companhia. Veio para assinar o contrato o general Park, que era o presidente da siderúrgica estatal lá da Coreia. Era a primeira visita do general aqui no Brasil.
Teve um início meio tumultuado porque até a gente entender bem com as coisas do general, como ele gostava que as coisas acontecessem... E a nossa, obviamente, preocupação sempre de atender bem o cliente e fazer aquilo que fosse necessário. Mas no início ele achava que não estava sendo talvez prestigiado. Na medida em que… Quando ele chegou no Brasil, o doutor Eliezer só iria se encontrar com ele lá em Itabira, então ele… Nós tivemos que esperá-lo aqui. Depois levamos para Belo Horizonte para Itabira. E nesse período todo ele [estava] um pouco ansioso: “Não, cadê o presidente da companhia? Já devia estar nos esperando desde o início.” Isso criou uma certa dificuldade no início, mas a partir do momento que ele encontrou o doutor Eliezer eles fizeram rapidamente, tiveram um entendimento muito forte, muito bom, e aí teve essa assinatura lá em Itabira.
Depois disso, o doutor Eliezer programou uma viagem para a Coreia para visitar o general. Eu fui com o doutor Eliezer nessa visita ao general. Tivemos um almoço em um hotel em Seul e durante o almoço, sem mais nem menos… Na hora que o doutor Eliezer falou eu achei muito… Eu fiquei surpreso. Ele disse que tinha estado antes de sair do Brasil com o presidente Figueiredo e que o presidente Figueiredo tinha admiração muito grande pelo general Park, pela Coreia de uma forma geral etc. E fazia questão de condecorar o general em uma primeira visita ao Brasil. Aquilo tudo para mim era novidade, eu não sabia. Mas o doutor Eliezer falou com tanta firmeza, né?
P/1 – (risos)
R – Obviamente, não só o general, mas eu também acreditei. (risos) Bom, quando terminamos o encontro eu falei: “Pô, doutor Eliezer, mas é isso mesmo?” Ele disse: “Pode deixar. Nós vamos dar um jeito, vamos conseguir a condecoração lá porque é muito importante.”
P/1 – (risos)
R – Nisso a gente já sabia que o único comentário que eu tinha feito antes para o doutor Eliezer, aliás, foi que o general, antes da visita ao Brasil, tinha passado pelo Peru. E no Peru ele foi condecorado. Em função disso, nossa percepção era que o Peru estava tendo um tratamento de compra de minério muito favorável, então só isso que eu tinha comentado. Quer dizer, eu acho que o doutor Eliezer, a partir daí…
P/1 – Processou.
R - Ele imaginou… Ele disse: “Não, vamos dar uma condecoração para o general porque ele também vai dar um tratamento favorável.” Isso foi tudo ideia dele, mas funcionou muito bem. Aliás, na primeira condecoração não tão bem porque, encurtando essa história, o general veio ao Brasil depois para receber essa primeira condecoração…
P/1 – (risos)
R - Ainda com o presidente Figueiredo como presidente do país. O ministro das Relações Exteriores era o Saraiva Guerreiro e na época o Brasil tinha algumas dificuldades, problemas com relação à migração coreana. então não olhava com, digamos, bons olhos, essa condecoração. Eu sei que teve um momento que o ministro disse que não ia poder condecorar o general, que ia ser o secretário geral, na época o Baima Soares. Nós tivemos que informar isso, aí ele falou: “Se não for o ministro de Relações Exteriores pode cancelar porque eu não aceito ser condecorado pelo vice-ministro. Eu vim ao Brasil para ser condecorado...”
P/1 – O general?
R – O general. Mandou falar, ele não falava diretamente com a gente.
P/1 – Claro.
R – Ele mandava o assistente dele falar isso. “Então se não for com o ministro Saraiva Guerreiro pode cancelar e a gente pula esse programa.” Teria um almoço com o ministro Delfim Netto nesse mesmo dia, então essa parte da condecoração programada pela manhã seria cancelada. Isso na véspera da condecoração.
O que é que nós íamos fazer? O doutor Eliezer já estava dormindo, ele dorme cedo. Não tinha que fazer nada. No dia seguinte cedinho eu e o Ditzel, o Ditzel foi falar com o doutor Eliezer: “Olha, doutor Eliezer, o negócio vai pegar.” Ele disse: “Não, não tem problema. Tem a reunião das oito do Palácio. Deixa que eu falo com o ministro Delfim.”
Ele falou com o ministro Delfim, o ministro Delfim falou com o Figueiredo. E o Figueiredo pediu então, delicadamente, para o Saraiva mudar o programa dele e condecorar o general. E assim foi feito. O general foi condecorado pelo ministro Saraiva Guerreiro. Obviamente, o ministro não ficou muito satisfeito, mas é uma coisa que eu estou contando e muita gente da companhia sabe dessa história. E tem um certo momento de… [Estava] meio constrangido o ministro, porque ele sabia que estava fazendo isso meio que orientado, mas o general ficou impassível. Deu um presente muito bonito para o ministro nosso, de Relações Exteriores. Foi condecorado, fez um discurso tranquilo. E depois foi recebido pelo ministro Delfim Netto, onde nós assinamos o contrato.
O primeiro contrato de Carajás com a Coreia foi assinado [com] o ministro no gabinete do Delfim Netto, de um milhão de toneladas por ano. Foi o segundo contrato - o primeiro foi aquele de um milhão e meio por ano, assinado em Itabira. Esse já foi assinado portanto em 81, de um milhão por ano de Carajás. E com isso a gente passou a ter um volume de dois milhões e meio por ano com a Coreia.
Teve uma segunda condecoração do general, essa foi uma beleza.
P/1 – (risos)
R – Porque na época o presidente era o Sarney e o Paulo de Tarso estava como ministro das Relações Exteriores. Ele era, acho, o secretário geral do Ministério, mas enfim, ele coordenou tudo e fez uma festa muito bonita. O ministro era o Abreu Sodré, desculpe. E o Paulo de Tarso, secretário geral do ministro Sodré. Foi uma festa muito bonita em Brasília e nessa condecoração o general ficou supersatisfeito. Aí assinamos outro contrato com o general nesse mesmo evento. A gente estava crescendo bastante na Coreia, obviamente, em função da qualidade boa do minério, da Vale ser uma empresa confiável. E também desse tipo de relacionamento, que é importante.
P/1 – Claro.
R – Às vezes as pessoas não dão muita importância a esse tipo de coisa, mas nesse nível ter um relacionamento pessoal bastante forte e positivo como o doutor Eliezer desenvolveu com vários... Isso realmente ajudou muito a companhia nesse crescimento.
Então essa era… A do general que eu lembro é isso. E tem outras histórias também. O João Lara, que veio comigo até aqui, sabe de todas elas. Tinha que mandar imagem para a Coreia de um evento, desse evento. E o João Lara tendo que mandar naquele dia para poder chegar lá na Coreia. Foi difícil, mas acabou conseguindo.
P/1 – A imagem da cerimônia?
R – A imagem da cerimônia, que era filmada. Obviamente, o general queria que chegasse lá na Coreia para poder pegar o noticiário, né?
P/1 – Para mandar no mesmo dia?
R – Ah, sim, tivemos que botá-la. O esforço de ter um evento tão positivo, né? Mas é isso. O general é uma pessoa realmente muito dura, mas que realmente fez um trabalho admirável na Coreia. Quem hoje visita as usinas da Pohang na Coreia fica maravilhado. Ele realmente criou essa siderúrgica e a primeira delas foi a que se chama Pohang, na cidade de Pohang. É uma beleza. Você vê lá, são quatro fornos, todos os quatro do mesmo tamanho. Tudo o que às vezes a gente… Isso mostra consistência. O planejamento de longo prazo aqui… Às vezes você vai em operações aqui [e] cada equipamento é de um fornecedor diferente, tamanho diferente. Isso dificulta, você não otimiza o negócio.
P/1 – Hum, hum.
R – Lá mostra que planejaram tudo com muito cuidado. Desenvolveram a usina de uma forma bem, bem…
P/1 – Planejada.
R - Pensada, planejada. Aí ele fez a segunda usina de Kwan Yang, justamente na mesma época que nós estávamos fazendo o Projeto Carajás. A usina de Kwan Yang começou em 85, 86, justamente quando a gente estava deslanchando o Projeto Carajás. E a gente também teve um crescimento.
Foi a partir daí que eu estava me referindo. Crescemos muito na Coreia, crescemos em Taiwan. Passamos a ter uma participação também na China e [na] Indonésia, Malásia. Aí toda a Ásia ficou bem mais importante para a Vale. Não só o Japão, que era praticamente o único cliente…
P/1 – O carro-chefe.
R - Mas essa importância de outros clientes também. Aí o meu tempo bateu, ele…
P/1 – Quanto tempo você acabou ficando lá?
R – Ah, eu fiquei três anos lá e fui para Bruxelas. Fiquei em Bruxelas em 1976 - desculpe, de 87 a 91.
P/1 – E como foi, o escritório lá já tinha?
R – Já, o escritório em Bruxelas é desde 74. Aliás, começou em 68 em Dusseldorf, na Alemanha. Depois a Vale resolveu fechar o escritório na Alemanha e abrir em Bruxelas com a mesma finalidade, com o mesmo objetivo.
Na época, o Ditzel era o responsável e já devia estar pensando em voltar do Japão para o Brasil - enfim, me chamou para ir para Bruxelas. Aí eu fiquei em Bruxelas de... Cheguei lá em setembro de 1987, fiquei até 91. Aliás, cheguei em Bruxelas... Uma coisa muito triste, porque no dia em que eu cheguei em Bruxelas, oito de setembro, foi a morte do doutor Mascarenhas. É outro dia difícil. (chora)
P/1 – E em Bruxelas você foi convidado para qual missão? Você tinha que fazer...
R – De novo, a parte comercial. Na época era o Ditzel como diretor presidente, era o manager director, responsável por todas as atividades. Fui para lá para ser um dos outros diretores, com responsabilidade de comercialização em alguns mercados, clientes, junto com… Na época era o Luís Edmundo, que estava lá também.
Eu fiquei lá esse período e também continuei com a responsabilidade de fazer as discussões de preço no Japão, na Ásia. Então eu, de Bruxelas, todas as discussões de preço no Japão eu ia de… Com uma certa frequência, continuei visitando o Japão durante um bom período ainda. Participava junto com o Ditzel das discussões de preço na Europa e com relação às discussões no Japão, que até 87 quem fazia era o Ditzel, a partir daí eu passei a fazer também. Passei a fazer as discussões de preço no Japão. Até 91 isso, quando… De novo, em função de algumas mudanças, eu fui chamado para voltar para o Rio.
P/1 – Espera só um pouquinho. Só para eu entender: o que era essa discussão de preço? Vocês acabavam, de certa maneira, também exercendo um monopólio desse valor?
R – Não, não fala em monopólio. Isso não existe.
P/1 – (riso)
R – (riso)
P/1 – Entendi.
R – Não tem nada de monopólio aqui.
P/1 – Mas então o que era essa…
R – É um mercado supercompetitivo…
P/1 – Não, eu não quis dizer… Isso eu entendi. Mas eu quis dizer, como é que se dava essa discussão? Era vocês com quem para definir o preço?
R – Ela se dá… Ela continua até hoje. E se muita coisa evoluiu no mundo, talvez uma das coisas que não tenha evoluído muito é a discussão do preço de minério de ferro. A gente está, continua fazendo mais ou menos da mesma forma que fazia há anos atrás. O mundo mudou muito, mas nesse…
P/1 – É, eu usei a palavra errada. Mas eu quis dizer isso, se tem uma estabilidade que fica…
R – Não, monopólio é uma coisa que não existe. É um mercado muito competitivo. São vários na siderurgia. Tem muitas empresas que produzem aço e têm uma participação ativa no processo de discussão de preço. Da mesma forma no lado da mineração. Então o que ocorre é o seguinte: você, a cada ano, tem discussões - no caso, Vale e outros fornecedores de minério: australianos, suecos e por aí vai. Você tem discussões com os seus principais clientes. até que ocorra um primeiro acordo. Esse primeiro acordo é que serve de referência para os demais acordos, então obviamente se espera sempre que esse primeiro acordo seja feito entre duas empresas: uma pelo lado do fornecedor e outra pelo lado do comprador que tenha uma representatividade maior do mercado.
Se você pegar os últimos trinta anos, a maior parte desses acordos pelo lado do comprador sempre foram feitos ou pelas usinas alemãs, na Europa, na ______. Ou pela Nippon Steel, ou usinas japonesas na Ásia. E pelo lado dos fornecedores, o maior número desses acordos sempre foi feito por um dos dois australianos ou pela Vale. Você também… Teve ano em que uma a SNIM, por exemplo, na Europa, fez o primeiro acordo. Nos anos 80 era muito comum um dos dois canadenses ou a Iron Ore Company of Canada, a UC, ou a QCM fazer o primeiro acordo com algum cliente europeu. Então esse é o processo da discussão de preço, você discute com seus principais clientes europeus e na Ásia é o Japão que tem tido essa liderança, até que ocorra um primeiro acordo. E a partir daí esse primeiro acordo…
P/1 – Serve de parâmetro.
R - Serve de referência para os demais acordos com os demais clientes.
É uma discussão importante. Obviamente, até hoje sempre esse primeiro acordo foi respeitado como referência para as demais usinas, tanto pelo lado comprador como pelo lado fornecedor. Nunca ocorreu, por exemplo, de um primeiro acordo não ser levado em consideração nos acordos subsequentes, então isso é importante. E deve continuar assim, no sentido de que esse primeiro acordo venha. Daí a razão de demorar um pouco, porque ele deve realmente refletir as condições do mercado na época em que ele esteja sendo realizado. Para que ele possa ser realmente respeitado e possa ser seguido, digamos assim, como referência.
P/1 - Efetivado.
R – Então é isso, por isso que é uma parte importante das nossas discussões esse acordo anual com um dos principais clientes, que serve de referência para os demais acordos.
P/1 – Você estava falando que de Bruxelas você foi convidado para…
R – Pois é, fiquei em Bruxelas até 91, aí voltei para o Rio e assumi aqui a Superintendência Comercial. Na época, o presidente da Vale era o Wilson Bruno e o diretor responsável pela área de minério de ferro e ferrosos, que é a posição que eu tenho hoje, na época era o Mozart. O Mozart esteve em Bruxelas e falou: “Está na hora de você voltar para o Brasil. Vamos, vai para lá que você vai assumir a Superintendência Comercial.” Eu falei: “Tudo bem.” Então aconteceu isso. Eu vim para cá e assumi a Superintendência Comercial, achando que ia me aposentar quase ali, né? Menos de um ano depois, o Mozart… Um dia ele falou assim: “Vou sair da companhia.” “Por que é que você vai sair da companhia?” “Ah, eu vou sair sim. Vou tentar outras coisas.”
P/1 – Isso em 92?
R – Já em 92, [no] primeiro semestre de 92. Eu voltei para o Rio em meados de 91, portanto ainda não tinha feito um ano do meu retorno. E mais ou menos para… Acho que foi março, fevereiro. [No] final de fevereiro, início de março ele falou isso.
P/1 – Aí ele falou: “Vou sair.”
R – Falou. Eu falei: “Mas Mozart, você me chama para voltar para o Brasil, fala da equipe, fala de tudo isso, o que é que nós vamos fazer? Em menos de um ano você já abandona, está saindo? Pula fora do barco?” Ele disse: “Não, eu tenho que cuidar de outras coisas.” E aí que ele pela primeira vez falou assim: “Eu acho que você vai ser meu substituto.” Eu falei: “Pô, nem fale essa bobagem.”
Logo depois, o Wilson me chama. Um dia, o Wilson Bruno, que é o presidente da Vale, falou assim: “O ministro quer te conhecer, porque tem que ser referendado.” Aí ele me explicou que estava me indicando para substituir o Mozart, mas precisava do ministro…
P/1 – Dar o referendo.
R - Dar o de acordo. Na época, era o Pratini de Moraes. Ele falou assim: “Olha, ele está lá na Petrobrás. Vai lá que ele quer te conhecer.”
Eu fui lá falar com ele. A primeira vez que eu estive com ele conversei, sei lá, meia-hora, quarenta minutos com ele. E ele disse que então ia me indicar para a Diretoria da Vale.
P/1 – E perguntou o que você tinha feito na Vale? Como é que foi?
R – Foi uma conversa geral sobre muita coisa. Eu lembro que ele falou: “Mas eu vou esperar um pouco, porque deixa acabar esse negócio de Eco...” Tinha uma… Um negócio de Eco 92, né?
P/1 – Eco 92.
R – Na época, o Collor era o presidente. “Logo que acabar esse negócio a gente efetiva isso.” Eu falei: “Está bom.” E foi assim a minha surpresa. Não tinha, nunca podia imaginar. Foi o desafio. Fiquei na Diretoria…
P/1 – Mas o Mozart não saiu da empresa?
R – Saiu.
P/1 – Em 92 ele saiu?
R – É. Por isso que eu estou te dizendo.
P/1 – E depois ele voltou?
R – Voltou depois da Vale privatizada.
P/1 – Ah, você sabe que no depoimento dele a gente chegou só até Carajás. Eu fiquei com essa lacuna na história dele.
R – Exatamente o que eu estou dizendo. Quando chegou…
P/1 – Ele saiu mesmo e voltou depois da privatização.
R – Saiu. Ele deixou a Vale do Rio Doce, saiu totalmente da Vale quando o Wilson era presidente em 92 - ainda no primeiro semestre, como eu estou falando. Saiu em maio, eu acho, ou junho.
P/1 – Aí você se tornou um diretor?
R – Eu fiquei na Diretoria Executiva com essa responsabilidade que eu tenho hoje. A mesma responsabilidade. Eu fiquei…
P/1 – Qual era o grande desafio naquela época?
R – Ah, tocar esse crescimento da companhia na área de ferrosos. A gente volta para isso. Mas então, só para concluir…
P/1 – Tá.
R - Eu fiquei justamente até logo depois da privatização em 97, quando o Mozart voltou. Aí sim ele veio já… Ele retornou para basicamente essa mesma posição que tinha e que eu fiquei. Quando ele voltou para ser o diretor executivo nessa área…
P/1 – Para voltar para o lugar que estava sendo seu…
R – É, que estava, exatamente. Aí eu falei assim…
P/1 – Que loucura.
R – “Bom, e o que é que eu vou fazer?” “Não, eu quero que você continue na Vale.” Eu falei: “Ótimo, eu também quero continuar na Vale.” Nunca pensei em sair, né? (risos)
P/1 – (risos)
R – “Não, você fica como diretor. Eu vou criar um cargo: diretor comercial.” E assim foi feito. Logo depois que ele, que…
P/1 – Que ele voltou.
R - Que teve uma nova diretoria. Foi na época do Benjamim, onde assumiu no Mozart, o Manuel Horácio, o Gabriel e o Luís Paulo. E na área do Mozart então eu fiquei com a Diretoria Comercial.
Fiquei aqui até 2000 nessa posição. Depois, em julho de 2000, o Mozart tinha planejado algumas modificações aqui no Rio na área dele e pediu que eu fosse ocupar uma posição no exterior. Voltei para Nova Iorque.
Eu achava que estava fechando o meu círculo que comecei em Nova Iorque e dali eu ia para casa, já estava contando com isso. Tive uma surpresa: um dia o Roger me chamando para voltar de Nova Iorque, para o lugar do Mozart. (risos)
P/1 – Foi quando o Mozart saiu, né?
R – Depois o Mozart saiu, em outubro de 2001. Já estava preparando o pijama, agora tem mais um tempinho pela frente.
P/1 – Armando, e qual era o grande desafio em 92, quando o Mozart… Você foi ficar no lugar do Mozart. O Mozart, nesse período, quis sair para fazer outras coisas ou foi alguma incompatibilidade?
R – Nenhuma. Não, ele quis sair mesmo.
P/1 – Em 92.
R – Ele quis sair. Obviamente, na época ninguém entendia muito a razão dele querer sair. O que ele mais comentava é que se não fizesse isso naquela oportunidade da vida dele, dificilmente mais tarde poderia sair. E ele tinha vontade de fazer outras coisas. E a Vale… A verdade é a seguinte: como estatal, e não podia ser diferente, a Vale sempre foi enquadrada e tinha muita limitação nessa parte de remuneração também, então você…
P/1 – Vocês não tinham participação?
R – Não, na época… Eu não sei se você lembra [que] se criou a figura do figue. O que era o figue? Era o salário do presidente da República, então ninguém podia ganhar mais do que um figue.
P/1 – Figue, é.
R – Obviamente, eu acho que isso deve ter também tido uma participação importante na decisão de pessoas que seguiam em uma determinada fase da sua vida sem muita perspectiva de atingir uma independência maior financeira, se não partisse para alguma outra atividade. Essa de ficar em uma estatal a vida inteira nessas condições realmente é uma coisa…
P/1 – Limitadora.
R - Você precisa estar condicionado a aceitar determinadas coisas. Ou ter menos ambição, talvez, de crescer em outras, em um outro sentido mais… Financeiramente falando. Na época, o… Não é o caso de entrar aqui em detalhes, mas o Mozart já tinha uma segunda família e ele tinha talvez mais essa preocupação de ter um… De mais vontade de fazer outras coisas. Pelo menos foi isso que eu sempre entendi. Ele nunca teve nenhuma incompatibilidade com nada, era muito bem quisto aqui.
Lembro que o dia que ele saiu foi na diretoria. Foi uma perda e uma pena, mas uma decisão dele de sair. E de repente eu me vi em uma situação que não estava preparado para isso, mas naquela de continuar a tocar o barco.
P/1 – E quais foram as principais decisões que você teve nesse…
R – Olha, é tanta coisa que vai ocorrendo, né? Mas a gente, sempre… A preocupação sempre presente era de aproveitar as oportunidades de mercado e, a partir daí, continuar crescendo da melhor forma possível, no ponto de vista da Companhia.
Acho que coisas importantes foram feitas também. A gente conseguiu nesse período viabilizar uma nova usina, a Cobrasco, em associação com os coreanos porque a Coreia, desde esse período que eu estava me referindo mais cedo, se mostrou um parceiro muito importante. Cresceu muito. A Pohang atingiu a posição de ser a maior siderúrgica do mundo e nós não tínhamos nenhuma associação com eles. Já tínhamos com os japoneses, com italianos, espanhóis. E quando teve essa oportunidade de fazer uma usina em associação com a POSCO [Companhia de Aço e Ferro Pohang], com a Pohang, essa usina nasceu lá em Tubarão.
No início, foi muito difícil. Nós tínhamos no Espírito Santo o governo do PT - aliás, que hoje está no Governo Federal. Mas na época as exigências na área de meio ambiente, [as] restrições estavam muito fortes. Na época, a gente chegou até a considerar fazer a usina, que foi batizada com o nome Cobrasco, lá no Norte, mas finalmente o bom senso prevaleceu. O governo estadual entendeu que se não tivesse uma postura mais positiva, no sentido de reter esse investimento no Espírito Santo, o que iria ocorrer é que o investimento seria feito no Maranhão.
No final, o bom senso prevaleceu, a usina foi feita lá em Tubarão. A nossa sétima usina lá, né? Realmente, isso fez com que a nossa área lá fosse preenchida com essas usinas todas e a decisão da próxima usina ficou de lá para Carajás. Na época, o Maranhão sentiu porque achava que já podia contar com esse investimento mais cedo, mas a decisão de fazer a usina que já está hoje construída e operando lá em São Luís só veio mais tarde. Aí, enfim, o Sistema Sul já estava bastante otimizado do ponto de vista de distribuição, do ponto de vista de produção, de otimização na área da mineração com utilização do pellet ________ concentrado lá em Tubarão. Temos hoje praticamente 26, 25 milhões de toneladas instaladas de capacidade no Sul, em Tubarão de produção de pellet. Então essa nova usina de seis milhões, [é] importante que tenha, que ocorreu lá em Carajás de tal forma que o Sistema Norte agora também fica com praticamente o mesmo menu de produtos que o Sul. Hoje a gente também pode oferecer pellet no Norte, além do sinter feed e do granulado que é o mesmo, que é o caso do Sistema Sul.
P/1 – Entendi.
R – Isso foi muito importante também.
A Vale cresceu bastante e, entrando já no período pós-privatização, a oportunidade que a Vale teve de uma consolidação muito importante na área da mineração. A partir de uma decisão da empresa privada em concentrar em mineração, [a Vale] vendeu então a parte de celulose, a Cenibra; também a parte de florestas, enfim. Isso coincidiu também com oportunidades de compra de ativos importantes de mineração de ferro aqui no Brasil. A partir das decisões, tanto dos alemães de venderem a Ferteco, como a dos irmãos Fleren de sair da Caemi [Mineração], e também da decisão da própria [Companhia Siderúrgica] Belgomineira em vender a sua participação na Samitri [Mineração Trindade]... E aí [a] Belgo, por trás a Arbed, o que permitiu a Vale comprar a Samitri e ter uma participação de 50% na Samarco.
Toda essa consolidação para nós foi muito importante. Hoje, a empresa está na etapa final desse processo e isso nos permite olhar com muito otimismo o futuro, porque a siderurgia vai continuar crescendo. A demanda de minério, portanto, vai continuar crescendo. E a Vale está em uma posição muito favorável do ponto de vista de reservas, de qualidade. Tem uma logística muito favorável, tanto no Sul como no Norte, então eu não tenho a menor dúvida de que os próximos anos vão ser muito bons para… Se a gente continuar justamente trabalhando firme e forte nessa linha.
P/1 – Armando, você acompanhou o processo de privatização?
R – Acompanhei.
P/1 – Você participava das discussões?
R – É, porque na época, como eu te falei, eu estava na Diretoria Executiva. Eu, o Wilson… Quando eu assumi a diretoria… Eu estava explicando [que] foi justamente a partir de um convite dele, mas ele deixou a presidência da Vale ainda em 92. Em função da saída do Collor e o Itamar Franco tendo assumido a presidência, o Wilson deixou a presidência e o Schettini assumiu a presidência da Vale em final de 92. A Vale foi privatizada em início de maio de 97. Então todo esse período...
(pausa)
P/1 – Eu estava perguntando para você, Armando, como foi esse processo de privatização interno. Quais eram as correntes?
R – Olha, eu não sei muito de corrente, não.
P/1 – (risos)
R – Para mim... (risos) Para mim, o que era importante era a Vale ser privatizada. O resto… Obviamente tinha aquela discussão, mas há muitos anos eu achava que a Vale… A única chance era ser privatizada um dia mesmo. E gozado, porque eu lembro de discussões assim lá atrás e a gente dizia: “Poxa, estatal tudo bem. Tem pessoas como o doutor Eliezer, mas isso não aguenta muito tempo. O governo como gestor nunca vai poder realmente otimizar o potencial da empresa.” Porque o governo acaba, em função da responsabilidade… Ele mistura muito as coisas, então a única… O acionista não: ele tem que ter lucro, dividendo.
O dono que recebe dividendo, seja o governo, seja qualquer outro, faz com aquele recurso o que ele quiser. Se ele quiser constrói hospital, constrói isso, gasta naquilo. Tudo bem. Mas o problema é que quando o governo é acionista, ele acaba - e isso acontece - fazendo com que aquela empresa, ao invés de maximizar o resultado no ponto de vista de retorno… E aí sim o governo, recebendo aquele valor, investe no social, onde ele quiser. Ele acaba… Aquela empresa [acaba] tendo que se dedicar a outras atividades que não são as suas atividades principais de produção, de venda etc, então isso não é bom.
[Eu] já tinha aquilo na cabeça há muito tempo. Quando veio essa oportunidade da privatização… O que eu estou falando aqui, quem me conhece sabe que essa é a minha opinião lá de trás mesmo, não estou… Eu sempre achei que tinha que privatizar mesmo. Obviamente, na medida que a gente via que ia privatizar, a gente queria que fosse da melhor forma possível. Por outro lado, também sempre achei que mesmo que você não conseguisse a melhor forma, a segunda melhor ou a terceira melhor forma, ainda assim era bem melhor do que a empresa continuar estatal. Eu nunca tive dúvida disso.
Acho que foi muito importante a privatização da Vale e que uma fotografia da companhia hoje mostra claramente isso que eu estou me referindo. A Vale, de 97 para cá, teve a oportunidade de se focar mais na mineração. Tomou decisões importantes. Tivemos também adaptações, mudanças no controle acionário da companhia. Hoje, a companhia está muito focada na área de mineração, [em] ser uma empresa global de mineração, [com] foco em logística também. Ela conseguiu vender ativos relevantes, importantes de uma forma bastante positiva; colocou esses recursos e outros adicionais na área da mineração.
Eu estava me referindo… Compramos a própria Samitri; através da Samitri passamos a ter 50% da Samarco, que é uma empresa também muito boa. E a própria Ferteco. Mais recentemente, [houve] a segunda etapa de consolidação da Caemi. Hoje, é uma empresa de duzentos milhões de toneladas. Duzentos milhões, eu estava me referindo no início dessa conversa. Em 56 a Companhia transportou, embarcou 2,3 milhões de toneladas; hoje são duzentos milhões de toneladas.
Obviamente, eu ainda lembro no início… Se você pegar 83, 84, a companhia exportava quarenta milhões, no período um pouco antes da entrada de Carajás em operação. Depois a gente passou para o dobro, na fase dos setenta, oitenta. Hoje nós estamos na fase de só Vale, 120 [milhões]. Se você botar mas Ferteco e a consolidação toda, quer dizer, as nossas participações: metade da Usina de Pellet do Bahrein, metade da Samarco, a própria Caemi, Ferteco… Hoje a empresa - e eu estou só me referindo a minério de ferro - é uma empresa que a participação no mercado é de duzentos milhões de toneladas. E a maior parte, a grande consolidação de tudo isso, do ponto de vista dessas nossas empresas que nós adquirimos, veio nos dois, três últimos anos. Quer dizer, no período já de empresa privada, mas na segunda fase da empresa privada, depois do chamado descruzamento que houve, que foi a saída da CSN do controle acionário. E aí sim, já definindo que a CSN cuida de siderurgia e a Vale com foco maior na mineração.
Acho que isso, para todos nós que trabalhamos na Vale, é motivo de muito orgulho. Pelo menos é assim que eu sinto. De ter começado na companhia. Mesmo quando eu comecei a empresa ainda estava na faixa de dezessete, dezoito milhões de toneladas. Ver a empresa hoje nesse nível, com essa participação tão importante no mercado mundial e agora também deslanchando em outras áreas de mineração... É o cobre, o alumínio já vem há bastante tempo também. Aliás, uma grande parte dessa diversificação veio já na época do Mascarenhas presidente, no governo ainda do Médici. E grande parte desses projetos foram consolidados no governo Geisel, mas a concepção de todos esses projetos veio ainda com o doutor Mascarenhas [como] presidente da companhia. Enfim, eu acho que são várias etapas que a gente tem passado na história da companhia e esses degraus [são] todos importantes. Hoje a gente está realmente em um… Vendo tudo isso dá muito orgulho.
P/1 – Qual é o grande desafio hoje da Vale?
R – No curto prazo é muito importante a gente consolidar todas essas aquisições e poder extrairmos de tudo isso as sinergias que existem, a otimização desse sistema produtivo enorme que está se consolidando. Acho que isso vai fazer a empresa ficar muito mais forte na área do minério de ferro, sem dúvida alguma. E isso em benefício da siderurgia mundial como um todo e da própria Vale, e dos seus empregados, acionistas etc, contribuindo de forma muito importante para as exportações do país.
Isso é na área de ferrosos. Agora, nós temos outros desafios importantes, ou até diria muito relevantes, que são esses novos mercados [em] que nós estamos entrando. Na área da mineração, os projetos de cobre que estão programados já - o [Mina do] Sossego, o primeiro deles já para o ano que vem. O aumento da nossa participação em termos de produção de bauxita, alumínio. O próprio desenvolvimento muito forte que a gente quer dar na área de logística. Então tudo isso faz com que seja… É muito importante, são desafios grandes para a gente. Não podemos menosprezar isso para a gente poder ter, continuar tendo sucesso.
P/1 – E depois da privatização, essa relação com salários, participação? Como é que ficou isso para os empregados?
R – Ah, mudou tudo. Mudou no sentido… Quero dizer o seguinte: até então, como empresa estatal, a gente até olhava a Vale, digamos, diferente. A gente achava que até poderia merecer um tratamento mais favorável em relação às demais estatais, mas no fundo a Vale tinha um tratamento que tinha que ser o mesmo para todas as estatais, sob o enfoque do governo acionista. Enfim, na medida em que ela deixou de ser estatal, após privatizada, ela passou a ser gerida com toda liberdade, como qualquer empresa privada. Mas é importante que isso tudo seja feito dentro das condições da realidade brasileira, da realidade de mercado onde nós operamos. Isso não permite você fazer bobagem nem loucura. Não, até para preservar o próprio futuro da empresa você tem que ser muito responsável em todas essas áreas, e certamente a mais importante delas refere-se a Recursos Humanos. Você, que é a nossa garantia de futuro. O que adianta a gente ter toda essa riqueza se não tiver gente preparada, competente para gerir. Então isso continua sendo, obviamente sempre foi, e deve melhorar cada vez mais na medida em que a competição é cada vez mais acirrada. É você poder ter uma posição mais favorável em relação aos concorrentes, tendo uma equipe mais motivada, mais preparada. É muito importante que a gente mantenha e continue cada vez mais tendo nessa área de Recursos Humanos gente mais preparada. E diferente, né? Na minha época, quando eu falo na minha época anos atrás.
P/1 – Quando você entrou.
R – É, eu estava começando a falar ou fazia Engenharia ou fazia Medicina. Então você não tinha muitas especializações.
P/1 – Muita opção.
R – Hoje em dia, o nível de competição é muito maior. Hoje, você vê, o jovem para conseguir um bom emprego ele tem que ser realmente… Ter tido oportunidade de esse especializar, fazer cursos. E você não pode, como empresa, agir diferente. Se você não contrata para cada oportunidade que você tem realmente os melhores que estão disponíveis no mercado: os melhores alunos, os melhores estudantes, as pessoas que realmente têm uma aptidão maior você vai estar trabalhando contra a sua empresa no futuro. Então não existe… Era mais comum isso, sem nenhum demérito, mas às vezes a pessoa entrava até sem nenhum preparo escolar. Às vezes era uma pessoa que estudava de noite, conseguia através de muito esforço e ia galgando posições. Não era tão incomum. Você via: “Ah, aquela pessoa, ele começou como… Sem nenhuma função específica. Depois foi galgando, estudou de noite, se formou e conseguiu atingir aquela posição.” Eu acho que infelizmente… Mas essa é a verdade, cada vez menos você tem espaço para esse tipo de coisa, de improvisação nesse sentido.
P/1 – É.
R – Você não tem mais espaço para isso. Você precisa…
P/1 – Saber, né?
R – Você tem que: “Olha, eu quero, eu só vou contratar dos dez melhores de uma turma. Aquele que tem experiência.” Porque se você não fizer isso você vai ficar em desvantagem com o competidor. E o importante é realmente ter as melhores pessoas e conseguir continuar dando treinamento para que elas continuem melhorando e motivadas. Eu acho que isso é o nosso grande desafio.
P/1 – E para essa “nova Vale”, com todas as mudanças que vieram depois da privatização, qual o papel de pessoas como você, que tinham um know-how desde o começo nessa continuidade da Vale?
R – Veja bem, eu acho que tem um lado que você pode dizer que é interessante ou positivo, que é a questão da história, mas cada vez você tem que olhar para a frente. Ninguém dirige olhando o espelho retrovisor. Você tem que olhar para a frente. Esse negócio de história é importante do ponto de vista de ter a história da companhia, mas não no sentido de… Hoje você tem que tomar as decisões com relação ao que vai fazer para o futuro com relação à realidade hoje, como você está vendo o negócio. Para você, o sucesso do passado não é garantia do futuro.
O mercado muda. Existe a evolução natural das coisas no mundo cada vez mais globalizado, então você tem que estar realmente muito preparado para não cometer erros que eventualmente no passado, em um ambiente menos difícil ou menos competitivo… Você podia até ter mais espaço para erros e mais espaço para fazer certas coisas. Hoje não existe mais nada disso. Hoje você tem que ser, tem que ter muita convicção que está no caminho certo e não tem espaço para esse tipo de coisa mais. Isso...
P/1 - Nessa sua jornada toda da Vale qual foi o momento mais importante para você, mais significativo?
R - Ah, eu acho que foram vários. Obviamente, toda vez que do ponto de vista pessoal você tem que fazer uma mudança importante é um momento de maior preocupação. É difícil mas eu, graças a Deus, nunca hesitei em nenhum momento desses, desde a minha primeira ida para Nova Iorque. Aliás, foi até motivada mais pela minha vontade do que qualquer outra coisa, mas seja retorno para o Rio, depois para o Japão, para Bruxelas, voltando para cá. E mais recentemente, para Nova Iorque também, eu acho que eu sempre encarei e, graças a Deus, com o apoio da família. Eu nunca… A gente sempre teve uma forma muito positiva de encarar essas coisas. então isso tudo foi muito bom.
P/1 – Você tem alguma expectativa, qual que é o seu desejo em relação ao seu futuro aqui na Vale?
R – Ah, meu desejo? (risos) Meu desejo é ver essa companhia cada vez mais forte e motivada. E crescendo. E sucesso nas outras áreas - cobre, área de logística. Eu acho que isso ocorrendo é só motivo de satisfação, não é?
P/1 – E em termos pessoais?
R – Eu não sei. Pessoal eu não penso muito, não. Pessoal? Eu acho que já tive demais.
P/1 – Armando, se você tivesse que mudar alguma coisa na sua trajetória de vida você mudaria?
R – Eu não, nada. Não teria feito nada diferente.
P/1 – E como é a sua vida fora da Vale? Você tem algum hobby?
R – Fora da Vale?
P/1 – É.
R – É família e jogar tênis. Só o que eu faço, praticamente.
P/1 – A família está aqui no Rio?
R – No Rio. Bom, e outras coisas também de vez em quando. (risos)
P/1 – (risos)
R – Mas é certamente uma vida que gira muito em torno da Vale. Sempre foi assim. Não é hoje, não. Sempre foi assim. E é muito… Quer dizer, se a gente não se policiar de certa forma a gente acaba… Porque é muito gostoso, na medida que eu realmente me sinto muito feliz do ponto de vista de ter tido essa oportunidade. Não faria nada diferente. Se tivesse que voltar atrás teria começado na Vale, tudo, né? Eu acho que isso para mim faz com que hoje eu seja uma pessoa muito realizada nesse sentido, muito satisfeito comigo mesmo. E me dá muita alegria até de ficar conversando, lembrando de coisas, porque você tem tanta passagem boa.
E as pessoas com quem eu trabalhei, desde lá de trás... Por exemplo, eu estava falando no Valdir, no doutor Marinho. O Ditzel, que foi uma pessoa muito marcante também na minha carreira. Enfim, lembrar [de] todas essas histórias é muito positivo. Agora a gente, obviamente… Como eu estava falando, a companhia... Ainda creio que estou em uma posição que vou continuar contribuindo, à medida que eu possa continuar bastante o crescimento da empresa e me dedicar nesse sentido. Vai continuar me absorvendo muito, como tem absorvido até agora, mas nunca parei para pensar no sentido de que: “E daqui a um ano, o que é que vai ser?” Não sei.
A única vez que eu parei mais para pensar mesmo foi depois que eu fui para Nova Iorque, mas aí talvez por um conjunto, principalmente pelo fato de eu ter tido… Quer dizer, o início que eu considerei mais em minha vida profissional foi realmente em Nova Iorque, em 74. E uma coincidência de em 2000 eu estar em Nova Iorque também. Eu achei que aquilo foi uma coincidência, que eu estava fechando um ciclo e que depois de algum período em Nova Iorque eu iria deixar a companhia. Eu estava até me preparando, já estava mais pensando nisso mesmo. Mas acontece que o meu período em Nova Iorque foi tão curto e tão rico de um monte de coisas que aconteceram naquele período - eu acabei me envolvendo em um monte de coisas. E muita coisa deu certo. Participei muito dessas discussões com os japoneses, da nossa participação na Caemi, na Ferteco. Então eu entrei em um... Acabei não tendo muito tempo para pensar na saída e outras coisas e um dia eu fui surpreendido, como eu lhe falei. Realmente, essas duas vezes que eu acabei substituindo o Mozart foram as duas de uma forma muito repentina, com muita surpresa. Uma ele me comunicando e a outra eu em um chamado do Roger, eu estava… Aliás, nesse dia eu estava assistindo o jogo do Guga lá no US Open em Nova Iorque. Quando o celular tocou, era a secretária do Roger, passou ele no telefone e ele pediu para eu dar um pulo no Brasil porque queria conversar isso comigo. Aí eu falei: “Viajo no fim de semana, segunda-feira eu estou aí.” E assim foi feito. Na segunda-feira, quando eu estive com ele, ele falou que queria que eu voltasse para assumir essa posição. E isso foi no dia dez de setembro. Eu falei: “Tudo bem. Eu volto amanhã para Nova Iorque e o dia que você marcar eu estou aqui de volta.” No dia seguinte, onze de setembro, teve o acidente das torres, né?
P/1 – E você estava lá.
R – Tive que ficar aqui mais uma semana. Eu só voltei para Nova Iorque no sábado.
P/1 – Você estava aqui?
R – Estava aqui, justamente.
P/1 – E sua esposa estava lá?
R – Estava lá com meus filhos lá.
P/1 – É mesmo?
R – Quando eu vi o negócio aqui eu liguei para ela em casa e ela ainda não sabia. Eu falei: “Liga a televisão. Liga rápido a televisão.” Os telefones ainda estavam funcionando, porque logo depois os telefones…
P/1 – Depois parou.
R - Pararam os telefones.
P/1 – Nossa, que agonia. Aí você ficou super…
R – Mas eles estavam afastados. A gente morava em uma casa mais afastada em Nova Iorque, no subúrbio. E lá não… Eu sabia que não ia ter nenhum problema, enfim, mas fica sempre aquele negócio. A gente não sabia exatamente o que estava ocorrendo e não sabia onde é que ia parar também. Uma hora cai avião, depois vem um outro, depois caiu um outro, caiu o quarto, então... (suspira)
Enfim, o Roger inclusive brinca, porque ele diz que…
P/1 – Eu me lembro que na época o Lara comentou isso.
R – Ele brinca que depois do acidente teria conversado comigo: “Bom, agora que Nova Iorque [está] nessa situação você, para voltar para o Brasil, tem que pagar um prêmio... (risos) Porque ficar em Nova Iorque depois de onze de setembro...” Aí eu falei assim: “Não, Roger, isso nós já combinamos ontem, dia dez de setembro. Fizemos o nosso acordo antes do evento, né?” (risos) É uma brincadeira que ele faz sempre, mas para mim foi muito bom também. Eu fiquei primeiro honrado e satisfeito de ter essa oportunidade de retornar aqui para o Rio e continuar trabalhando na Vale. Desde então, eu estou muito satisfeito.
P/1 – Você tem quantos anos de Vale?
R – Eu? 33. Tenho oficialmente mais dois pela frente. Eu posso me aposentar pela Valia ou… Quer dizer, em 2005 já tenho minha carta da Valia, tudo certo. [Em] 2005 eu posso me aposentar, [com] 35 anos. Vamos ver o que acontece.
P/1 – Armando, tem alguma coisa que você gostaria de deixar registrado? Evidentemente tem vários assuntos que a gente não perguntou e [que] você acha importante deixar registrado?
R – Olha, tem tanta coisa para falar. É como eu estava te falando, se....
P/1 – Então vamos continuar.
R - Puxa um assunto, puxa outro. Não, eu acho que se tivesse que registrar alguma coisa a mais eu só diria o seguinte: de ter tido a felicidade de ter trabalhado com tanta gente boa. Acho que na Vale eu conheci muita gente, não só boa como pessoa, mas preparada. Eu acho que a Vale foi muito feliz nesse sentido, de atrair profissionais competentes. E eu particularmente tive muita sorte, porque começar trabalhando lá em Vitória com o Morris... E lá conheci o Eliézer também. Não o doutor Eliezer, o Eliézer Arantes da Costa, que foi uma pessoa também muito boa. E me ajudou, aprendi muita coisa lá.
O Eduardo Faria, na época, trabalhava lá ainda, eu trabalhei com ele. E depois com o Valdir, que me botou para a frente. O Valdir me empurrava. Às vezes a gente no início fica meio tímido, ele: “Não, vai fazer isso, faz aquilo.” Isso foi muito bom no sentido de ter uma… Desenvolver uma cultura de agressividade comercial que não é típica de estatal.
Às vezes você… Dependendo da empresa, você fica mais acomodado e realmente o nosso ritmo nunca foi esse. O Valdir teve um papel… Eu acho, vejo isso de forma muito positiva essa forma com que ele realmente incentivava a gente.
Logo depois, o doutor Marinho. O doutor Marinho tinha sido o diretor financeiro da Vale. Já tinha passado, portanto, pelo pico da carreira dele quando foi para Nova Iorque. Uma pessoa extremamente reta. Uma pessoa de um… Ele olhava as coisas assim: “Isso não está certo” ou ”isso está certo”.
No início da minha carreira, poder ter trabalhado com pessoas desse nível aquilo para mim foi muito rico. Foi muito bom, isso me ajudou muito. Por isso é que eu digo: se eu tivesse que fazer, agradecer essas pessoas... De uma certa forma a minha formação em casa, de família, depois da escola. E na área da empresa, na profissão, isso tudo me ajudou muito e contribuiu de forma muito positiva para formar o profissional que eu acabei podendo ser dentro da companhia. O Ditzel, o doutor Eliezer. Essa forma com que ele sempre encara as coisas com muito otimismo, com muita criatividade. E realmente desenvolvendo amizades e um relacionamento tão importante no mundo inteiro. Então tudo isso foi muito bom.
Agora, essa fase de empresa privada que realmente… Com a liderança do Roger a Vale realmente deu um salto muito forte. Isso é tudo motivo de muita satisfação, de ter, de uma certa forma, participado disso tudo - muitas vezes sentado no canto ali da mesa e outras, conduzindo determinadas decisões. Em diferentes fases, diferentes etapas.
O que importa é que hoje a companhia é muito forte na área da mineração no mundo, é reconhecida. Acho que a gente ainda tem espaço para subir, outras consolidações vão ocorrer. E a Vale acho que está muito bem posicionada para participar de uma nova etapa ainda que vem pela frente. Não necessariamente no minério de ferro, que eu acho que a gente já atingiu um nível que começa a preocupar outros. Pior que não tem motivo, porque nessa área a Vale sempre estava sendo forte. E isso tem que vir, vai vir em benefício da siderurgia, porque a siderurgia precisa de fornecedor forte para ter garantia, qualidade, confiabilidade. Então eu acho que… Mas eu tenho muita certeza de que o fim do filme ainda está longe. Eu acho que a gente ainda vai ter muita coisa positiva para ver acontecendo e contribuindo. E certamente outros que vão pegar, vão assumir essa responsabilidade vão continuar fazendo essa empresa cada vez mais forte.
P/1 – Marina tem alguma pergunta que ficou para você?
P/2 - Não.
P/1 – Quando você se formou com a sua irmã ela não entrou para a Vale?
R – Não, a minha irmã realmente tinha uma vocação grande para Engenharia Civil. Ela fez, portanto, Engenharia Civil e resolveu fazer pós-graduação. Quer dizer, eu também tinha intenção de fazer pós-graduação.
P/1 – É, você falou no começo.
R – Mas ela resolveu… Eu, realmente, tendo a oportunidade de continuar na Vale e no exterior, que foi minha… Era a primeira opção minha, disparado. Mas a Beatriz veio para o Rio para fazer pós-graduação aqui na PUC, em Cálculo de Estruturas. Fez pós-graduação aqui, trabalhou em um escritório de cálculos conhecido, do Mazon. E por coincidência, essa empresa do Mazon de cálculo estrutural é que fez... Não só essa, ela fez outras estruturas que a Vale tem, mas fez aquela ponte em Marabá.
P/1 – Sei.
R – Que é uma ponte rodoferroviária, onde passa a nossa ferrovia no meio e os automóveis e caminhões passam.
P/1 – Eu conheço.
R – E a minha irmã, nessa época, ela estava… Trabalhava aqui no Rio, nessa rua aqui, do lado da Vale, nesse escritório de cálculo. E ela…
P/1 – Na Santa Luzia.
R – Na Santa Luzia, exatamente isso. O escritório do Mazon era ali. Ela trabalhou no cálculo daquela ponte nessa época do Projeto Carajás. Ela seguiu o caminho de Engenharia Civil realmente em cálculo, depois ela acabou abandonando. Teve três filhos e largou.
De Vale só eu que segui. Meu outro irmão trabalha no BNDES até hoje.
P/1 – Quem é?
R – Antônio José Oliveira Santos. Ele trabalha no BNDES já [há] bastante tempo. Não foi o primeiro emprego dele. Ele, no início, trabalhou no Citibank…
P/1 – Eu acho que ele estava para dar entrevista. Por isso que a gente fez o projeto Memória do BNDES.
R – É?
P/1 – No ano passado.
R – Bom, ele está no BNDES. Não sei se eu… Eu te falei que meu pai foi superintendente da Vale?
P/1 – Falou.
R – Eu te falei.
P/1 – Então, e ele? Como…
R – Que foi, digamos, o que chamou mais a atenção da Vale. Não só isso, mas também morando em Vitória. Enfim, foi essa parte também.
P/1 – Até para pegar esse ciclo, quando ele te viu na Vale, esse crescimento… Ele chegou a presenciar isso? Como é que ele…
R – Não, meu pai é outro... (chora)
P/1 – Esses recuerdos...
R – É.
(pausa)
R – Meu pai faz 77 anos semana que vem, segunda-feira.
P/1 – Que beleza.
R – Infelizmente eu não vou estar aqui. Vou estar a caminho do Japão...
P/1 – (risos)
R - Mais uma vez. Dia 30/6 eu vou estar, na verdade, na Noruega. Tem a inauguração de uma planta nossa que a gente comprou recentemente, para fazer sílico-manganês e ferro-manganês. Fica lá no Norte da Noruega. E nós vamos fazer isso lá pela manhã do dia 30/6. De lá eu vou para o Japão.
Enfim, é só para dizer que o meu pai está muito bem de saúde, graças a Deus. Ele é o presidente da Confederação Nacional do Comércio. Tem um escritório aqui perto então toda semana eu procuro, a gente almoça. (chora)
P/1 – Nossa, ele deve ter achado o máximo a sua trajetória aqui na Vale.
R – É isso aí.
P/1 – Eu acho que é isso aí. Foi ótima a entrevista. Superbonita, né?
R – Bom, eu... É, eu essas coisas emocionam.
P/1 – Espero que você tenha gostado também de ter participado.
R – Tá bom.
P/1 – Ah, não, tem uma pergunta de praxe. Armando, o que é que você acha da Vale estar fazendo esse projeto? [De] ter um projeto dentro da companhia, Vale Memória…
R – Sei.
P/1 - Onde os seus empregados, funcionários, desde gerentes, diretores até níveis operacionais estarem contando a história eles próprios da companhia?
R – Olha, eu vou dizer para você: quando a gente está na ativa, naquele dia a dia, a gente tem uma tendência de tudo que não estiver na nossa área de decisão, aquilo a gente tem a tendência de não colocar muita importância. Você vê, vir para cá foi meio difícil. (risos)
P/1 – (risos) Foi. Marina que o diga, que ficou falando.
R – É porque, infelizmente, na hora que você para pra pensar - às vezes você só para pra pensar depois que você já deixou a companhia, ou vem a se aposentar. E você vê que tudo isso é muito importante, porque faz parte não só da sua vida, mas da vida de milhares e milhares de pessoas da companhia. De uma certa forma, isso poder ficar em algum tipo de registro é muito importante. Mas enquanto a gente está no dia a dia a gente acha que só é importante aquilo que é a produção, é não sei o quê, é ver aquilo. E você, infelizmente, só tem 24 horas. Todo mundo a mesma coisa. Tem que [ter] o tempo disponível para isso, para aquilo e acaba não dando, dividindo o tempo melhor com outras coisas. Mas eu acho muito importante, estou muito satisfeito de ter participado e não sei se alguém vai ter paciência para um dia escutar alguma coisa, mas enfim... Eu acho que faz parte dessa história da companhia, o fato de eu ter tido a felicidade de participar talvez de metade da segunda metade da vida da companhia - de sessenta anos, de 61. Acho que metade desses anos eu, de alguma forma, seja na ponta-esquerda ou na ponta-direita, em algum lugar eu assisti algumas coisas acontecerem. Então eu acho que fico muito satisfeito.
P/1 – Ah, obrigada. Foi linda a entrevista.
R – Tá? Está bom.
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