Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Oscar de Oliveira
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Manuel Manrique
Rio de janeiro, 30/08/ 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV057
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – A primeira pergunta que eu vou fazer é pedir pro senhor se apresentar. Nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R – Oscar de Oliveira, nascido no Distrito Federal, no Rio de Janeiro, no Distrito Federal. Em 25 de janeiro de 1915. Portanto, tenho agora 85 anos.
P/1 – O nome dos pais do senhor?
R – É, o pai é Arthur Moreira de Oliveira, e a mãe é Lévia da Silva Miranda de Oliveira.
P/1 – O senhor conhece um pouco a origem da família do senhor? Um pouco da história dela? Seus avós, bisavós, de onde eles vieram?
P/1 – Não. Eu conheço os avós paternos, eram portugueses. “De Oliveira”, está indicando isso, né? E até eles devem ter vindo como imigrantes, mas eu não sei quando. Eles se fixaram em Salvador, Bahia. Mas eu não tive contato com eles porque até os oito anos eu fiquei com meu pai. Mas meu pai era engenheiro, inclusive, da Light. Ele trabalhou naquela construção da usina de Porto Novo, em Minas Gerais, e ele me levava à tiracolo, né? Mas solteiro _________ mais. Quando meus padrinhos fizeram uma proposta a ele de que eles iam tomar conta de mim. Então, com oito anos, eu fui praticamente, não oficialmente... Eu só fui adotado muitos anos depois. Eu fui adotado pela família dos meus padrinhos, que eram Vitor Perdigão de Oliveira e Maria Elisa Perdigão de Oliveira. De maneira que a origem é essa. É de Portugal. Aliás, esse grupo “de Oliveira”, eu algum tempo atrás recebi uma proposta dos Estados Unidos, que eles escreveram um livro, ou estavam escrevendo vários livros, a respeito de famílias que imigraram pros Estados Unidos e também pro Brasil. Mas eu não me interessei pelo livro não. De maneira que eu não...
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Depoimento de Oscar de Oliveira
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Manuel Manrique
Rio de janeiro, 30/08/ 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV057
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – A primeira pergunta que eu vou fazer é pedir pro senhor se apresentar. Nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R – Oscar de Oliveira, nascido no Distrito Federal, no Rio de Janeiro, no Distrito Federal. Em 25 de janeiro de 1915. Portanto, tenho agora 85 anos.
P/1 – O nome dos pais do senhor?
R – É, o pai é Arthur Moreira de Oliveira, e a mãe é Lévia da Silva Miranda de Oliveira.
P/1 – O senhor conhece um pouco a origem da família do senhor? Um pouco da história dela? Seus avós, bisavós, de onde eles vieram?
P/1 – Não. Eu conheço os avós paternos, eram portugueses. “De Oliveira”, está indicando isso, né? E até eles devem ter vindo como imigrantes, mas eu não sei quando. Eles se fixaram em Salvador, Bahia. Mas eu não tive contato com eles porque até os oito anos eu fiquei com meu pai. Mas meu pai era engenheiro, inclusive, da Light. Ele trabalhou naquela construção da usina de Porto Novo, em Minas Gerais, e ele me levava à tiracolo, né? Mas solteiro _________ mais. Quando meus padrinhos fizeram uma proposta a ele de que eles iam tomar conta de mim. Então, com oito anos, eu fui praticamente, não oficialmente... Eu só fui adotado muitos anos depois. Eu fui adotado pela família dos meus padrinhos, que eram Vitor Perdigão de Oliveira e Maria Elisa Perdigão de Oliveira. De maneira que a origem é essa. É de Portugal. Aliás, esse grupo “de Oliveira”, eu algum tempo atrás recebi uma proposta dos Estados Unidos, que eles escreveram um livro, ou estavam escrevendo vários livros, a respeito de famílias que imigraram pros Estados Unidos e também pro Brasil. Mas eu não me interessei pelo livro não. De maneira que eu não assinei. Não sei o que é que o livro continha. Mas, de qualquer maneira, existia o livro, porque eles faziam propaganda. Então, os “de Oliveira”...
P/1 – O senhor estava comentando que até os oito anos o senhor ficou com o pai...
R – É, eu fiquei com o pai. O pai eu me lembro, como garoto, de morar numa casa daquelas casas de engenheiro lá da Light. Porque essa usina do Rio Paraíba era da Light, né? Então eu me lembro das obras e das locomotivas porque criança se entusiasma por essas coisas, né? Mas era uma vida muito, muito instável. Ia pra um lado, ia pro outro. Às vezes eu tinha que ficar na casa de pessoas que me abrigavam... Mas, no fim, tudo deu certo. Eu com oito anos, mais ou menos em 1924, fui pra casa que era... Os meus padrinhos eram casados e sem filhos, de maneira que eu fui criado como filho a partir de então, né?
P/1 – A mãe do senhor?
R - A minha mãe eu praticamente nunca conheci, sabe? (pausa) De maneira que eu não posso falar nada sobre ela. Não tenho mesmo informação, até hoje.
P/1 – Os padrinhos do senhor moravam aqui no Rio de Janeiro?
R - Moravam no Rio de Janeiro. Moravam exatamente na entrada do túnel Rebouças. Tanto que a casa foi demolida quando construíram o túnel Rebouças. E desde que eu comecei aqui, com oito anos, eu moro sempre muito perto da Lagoa. Em torno da Lagoa, né? Morei lá, moro há muitos anos em Ipanema. Passei dezenove anos na Rua Visconde de Pirajá e outros tantos anos, cinquenta anos já, onde eu estou morando até agora. Angélica, perto da Praça Nossa Senhora da Paz.
P/1 – Os padrinhos do senhor, qual era a atividade principal? O que é que eles...
R – O meu padrinho era engenheiro. Engenheiro da Light também. Muito amigo do meu pai. Embora de formação diferente. O meu pai foi educado na Alemanha, de maneira que ele falava alemão muito bem, falava inglês muito bem. Mas ele... Depois que me entregou, eu passei muitos anos sem vê-lo.
P/1 – E essa infância do senhor, qual a é lembrança do senhor na casa? Nessa casa __________ família Perdigão, como é que foi isso? Como foi a infância do senhor ali?
R – Ali era uma área... Quer dizer, ao descer, de quem vai pro Jardim Botânico, ao descer aquela ladeira do Humaitá... À direita tinha uma casa ali que morou Francisco Sá, ex-Ministro da Aviação do Governo, há muitos anos atrás, né? E era justamente naquela área em que foram construídos três blocos de edifício. Alguns deles ainda existem, uma espécie de apartamento, né? E eu morei ali muito tempo. Tinha uma área muito boa, muitas árvores e tudo mais. Muita brincadeira, que eu tinha primas. Quer dizer, o que eu chamo de primas eram os filhos da irmã da minha mãe. Da minha mãe, não, da minha madrinha. De maneira que passei bons momentos ali em toda aquela área. E eu me lembro que meu pai, meu pai saía dali e pegava a atual Avenida Epitácio Pessoa, que era uma trilhazinha praticamente no mato, com aquele capim. E ele ia até a praça, até o retorno dos bondes, porque havia um retorno ali em Ipanema, onde tem agora aquele obelisco, né? Havia um retorno ali dos bondes que iam pelo Jardim Botânico e que chegava até lá via Leblon. Leblon naquela época era um areal. Tanto que, se estivesse chovendo, a gente tinha que levar guarda-chuva pra ficar com o guarda-chuva horizontal assim, porque o vento molhava as pessoas, né? Então ele ia até lá. E já naquela época, em 1924 mais ou menos, a atual Rua Visconde de Pirajá, que chamava-se Vinte de Novembro na época, tinha tido a sua elevação aumentada pela prefeitura e só tinha areal, os trilhos em cima de dormentes. E meu pai com aquele Buick antiquíssimo, né? Quer dizer, antiqüíssimo não, era de 1924. É... O Buick, ele entrava, botava em cima do trilho e dizia às crianças: “Crianças, agora rezem pro carro não cair do trilho.” Então descia-se a rua, essa rua que agora é Rua Visconde de Pirajá, até a Praça General Osório. Na General Osório, os trilhos dobravam pra direita e iam pra praia. Da praia, iam em direção do Arpoador e, na direção do Arpoador, eu tomava o Francisco Otaviano e ia pegar a avenida, a Avenida Copacabana lá onde ela é hoje, atrás do futuro, que naquela época era futuro, Cassino Atlântico, né? De maneira que foi uma época muito feliz, muito proveitosa e ficamos morando ali muitos anos, né? Depois meu pai comprou, meu padrinho, que eu costumava chamar meu pai porque já era praticamente adotivo, né? Meu pai adotivo. Ele comprou um terreno em Ipanema, ali às portas de perto de onde eu moro agora. Depois trocou e comprou um num pequeno trecho que atualmente é o início da Rua Visconde de Pirajá. Era Visconde de Pirajá, 25. E que era um areal também. Tudo muito primitivo, né? Mas quando a casa foi construída e eu já estava formado em engenharia em 1966 – que eu me formei – ainda ajudei na construção da casa, a prefeitura resolveu passar com os bondes em frente da casa. Eu me lembro que minha madrinha, ou minha mãe adotiva, ela ficou triste e queria se mudar __________. Meu pai adotivo disse que não, que não era pra... Já tinha esperado muitos anos, muita dívida, então ia terminar a casa ali. Dali eu morei dezenove anos, quando mudei pra atual casa que é perto da Praça Nossa Senhora da Paz. Quer dizer, eu tenho sessenta e tantos, setenta e tantos anos em Ipanema. E Ipanema era um deserto, né? Tinha um grupo aqui, outro lá, outro acolá. Eu tenho as fotografias da época. Uma coisa pitoresca era o Arpoador, né? Porque o Arpoador era tão deserto que tinha gente que tomava banho ali. Porque...
P/1 – No Arpoador?
R - Ninguém incomodava. É, no Arpoador. Ninguém incomodava. (risos) E outra curiosidade é que era o lugar em que tinha muito Tatuí, né? Pegava-se o Tatuí pra levar pra casa pra botar no feijão. Não, no arroz. O Tatuí é branquinho mas depois de cozido ele fica com cor de camarão, né? Fica com aquela cor vermelha. Muito bem.
P/1 – A família tinha passeios? Lazer?
R – Muito, muito. Meu pai passeava muito. Ele foi um grande mestre de viajantes. Rio de Janeiro eu, já desde moço, conhecia de ponta à ponta, né? Aqueles lugares na época inacessíveis, que hoje são acessíveis, como onde tem a torre de televisão lá em cima. Como é que se chama aquilo? É uma estrada que foi abandonada. Uma estrada de bonde, que era uma estrada de ferro, que a gente chamava na época. Mas era pra bonde. E que ia ligar Santa Tereza até a mesa do Imperador. A trilho foi todo aberto mas a coisa nunca funcionou.
P/1 – Nunca funcionou?
R – Nunca funcionou. É. Então até sobrou um terreno, que era a Primeira Estação Solene, que é na entrada da casa do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro. Que tinha, uns ladrilhos muito interessantes, muito bonitos, muito raros, né? Eu até quis comprar aquele terreno e tal, mas não deu certo, não. Mas de maneira que ele viajava muito, ele ia de automóvel e eu herdei esse hábito dele e passei a minha vida inteira viajando por todo o Brasil e quiçá todo o mundo, né? Austrália, China, Japão e todos os países da Europa, né? Estados Unidos...
P/1 – E o ambiente doméstico, como é que era? Dentro de casa, o relacionamento com a família toda...
R - Ah, muito bom. Muito bom. Ambiente muito bom. Eu tinha como companheiras, duas. Aliás, três, três primas que eram filhas da irmã da minha madrinha. Ou da minha mãe adotiva, né? De maneira que até hoje nos damos muito bem. Uma delas é casada com um corretor de valores que é conhecido na praça, aqui. É como é o nome dele, meu Deus? No momento eu não me lembro. Mas era um ambiente muito bom. Minha família era muito unida e tinha tradição, né?
P/1 – O senhor entrou na escola com quantos anos?
R – Eu entrei na escola com dezesseis anos. Mas foi uma luta porque só permitiam com dezessete, mas eu fui aprovado no vestibular e como, de hábito, na época havia um número de candidatos muito grande, oitocentos, seiscentos candidatos, por aí, né? E eram aprovadas turmas de cento e tantos, duzentos e tantos e tudo mais. A minha turma foi vítima de um dos sonhos de um professor, que era diretor da época, em que ele botava assim na entrada da escada: “O futuro do Brasil depende da qualidade de seus engenheiros.” E o resultado é que, de todos os candidatos, nós só fomos aprovados 28.
P/1 – Só 28?
R – Só 28, é. Alguém me avisou, eu me lembro bem que eu estava passando em frente à escola de Belas Artes, e meu professor disse assim: “______ meus parabéns. Você foi aprovado e tudo mais.” “Mas e daí?” Eu contava que seria aprovado de qualquer maneira, né? Mas quando eu cheguei lá na Escola de Engenharia, que era no Largo São Francisco, e fui ver a lista... Eu era o vigésimo tanto. Porque eu não dei muita atenção ao exame vestibular, como ele teria merecido, né? Mas, de qualquer maneira passei, fiz o curso e me formei em 1936. Engenheiro mecânico, engenheiro civil e engenheiro mecânico industrial. Industrial mecânico. Coisas da época.
P/1 – Mas o senhor tinha feito grupo escolar onde?
R – Eu estudei no colégio que era considerado um dos melhores colégios do Rio de Janeiro. Chamava-se Colégio Rezende. Na Rua Bambina. Eu me lembro até que um amigo nosso, que fez noventa anos há pouco tempo, escreveu um livro dizendo que esse colégio que foi escolhido pelo meu padrinho, ali na Rua Bambina, ele era muito bom. Ele era tão bom que naquela época os exames do colégio eram feitos somente com professores do Pedro II. Que eram os professores de maior alto escalão. Então havia banda, havia conjuntos de examinadores que passaram por diversos colégios. E nós estávamos sempre na frente do colégio, do colégio jesuíta... Como é o nome do colégio jesuíta ali na rua...
P/2 – Santo Inácio?
R Santo Inácio, é. Sempre os resultados eram melhores, mas tínhamos vários professores também do Pedro II. Professor de francês, professor de biologia, de botânica e tudo mais. Eu me interessei muito tanto que, depois de formado, eu fui logo convidado a ser assistente do professor de botânica, tecnologia e zoologia tecnológica. Mas isso queria dizer que a indústria... Naquele tempo eram indústria de tecidos, indústria de calçados, de couro que usavam matérias-primas oriundas das plantas e dos animais, né? De maneira que eu então tinha, passei a ensinar as matérias-primas que eu chamava matérias-primas vegetais e animais: óleos, fibras, couros e muitas outras. Daí eu fui assistente durante alguns anos, o meu catedrático morreu, eu fui promovido a catedrático interino e depois eu fiz concurso. Fiz concurso para professor catedrático, né? Mas isso foi já em 1950, e aí eu fui professor efetivo. Professor catedrático. E naquela época era interessante, eu tenho aí nos meus arquivos as portarias de admissão e de posse assinadas todas pelo Presidente da República, né? Getúlio Vargas. Eu tenho várias coisas assinadas de próprio punho por Getúlio Vargas e outros presidentes que sucederam, uma vez ou outra. Dizem que a filha dele é que imitava a assinatura porque ele tinha que assinar pro Brasil inteiro, né? Então tinha que ter alguma ajuda.
P/2 – Eu queria voltar um pouco para o aluno da Escola Rezende.
R – Sim.
P/2 – Como é que era o senhor? Um estudante dedicado? Gostava de esporte? Como era?
R – Era muito simples. O esporte que a gente fabricava era aquele lá no chão, no chão de terra, né? Jogava-se muito futebol porque tinha uma boa área lá na... De maneira que era isso. Eu fui até interno durante um tempo relativamente pequeno. Porque durante a construção da casa em Ipanema, meu pai já tinha um sítio em Jacarepaguá e resolveu morar lá até a casa ficar pronta. Quando a casa ficou pronta em 1936, nós mudamos pra Ipanema. Mas então eu fiquei interno, era colégio interno também. Era uma família Rezende do sul de Minas, muito dedicada mesmo. As irmãs eram professoras, tinha uma que era diretora e, as outras, professoras de matemática, de inglês. Mas um colégio que deu uma boa base. Muito boa base.
P/2 – Linha dura?
R – Como?
P/2 – Linha dura?
R – É, mas não tão dura, porque coisa com mulheres, não? (riso) É, realmente, de vez em quando a professora xingava os alunos que erravam na matemática na prova do quadro negro, né? De maneira que a linha dura era só nesse sentido. Mas no fim, era uma professora que, quando ela tinha 93 anos, eu fui entrevistá-la e ela se lembrava de detalhes da minha vida e da vida do meu padrinho também, e eu considerei isso muito interessante. Mas depois o Liceu? fechou. Hoje em dia é uma delegacia, não gosto desse nome: delegacia. É um distrito policial, né? ________ tem umas, umas árvores... ________ palmeiras, né? Essas palmeiras imperiais que usavam muito no século passado. Já não sei se pode dizer porque o passado é 1900, 1800.
P/2 – Como que o senhor ia pra escola? Ia a pé, ia de bonde?
R – Não. Ia de bonde. Ia de bonde. Eu morava ali na entrada do Rebouças – só pra referência, porque na época nem se falava em Rebouças – e tinha um bonde que entrava na Rua Bambina. Ela seguia, subia pelo Largo dos Leões, do Largo dos Leões ela ia até na Rua Bambina, dobrava, entrava e parava em frente do colégio. De maneira que é esse o transporte que se usava na época, né?
P/2 – Frequentava praia na hora __________ a diversão?
R – É, a praia era... Além dos passeios que se dava em lugares próximos e não tão próximos, né? Ia-se muito à Petrópolis já. Em mil novecentos e... Em, 1928. É eu acho que foi em 1928. Se inaugurou a estrada Rio-Petrópolis, né? Que foi a primeira estrada calçada do Brasil. Essa mesma que a gente usa hoje na subida da serra. Só que era mão dupla, né? Hoje não se pode pensar nem de longe em mão dupla com aquele tráfego. De maneira que era isso. Era de bonde, pelerine no tempo de chuva, né?
P/1 – Pelerine?
R – (risos) É engraçado. Era moda da época, né? Pelerine é aquela capa que os policiais franceses usam até hoje. É uma capa sem mangas. É uma mais ou menos até essa altura. Chama-se pelerine.
P/2 – O senhor estava falando de praia?
R – É, nós íamos muito à praia mesmo antes de, de... E no verão, enquanto se construía a casa em Ipanema, meu pai adotivo alugava uma casa na Avenida Atlântica, né? De maneira que, de certa maneira, pelo menos durante o verão, eu era moleque de praia. Trafegava por aquilo tudo e tal. E uma das últimas casas que tomava hóspedes assim, verão, era em frente ao futuro Atlântico, era uma casa de tolerância, né? Então eu tenho até hoje a fotografia da demolição dessa casa pra construir o Cassino Atlântico, né? Deve ter sido na época de 1920, de 1930, por aí. É muito interessante a parede sendo puxada, estava no meio, meu pai bateu uma fotografia, chamava-se... Ah, já não me lembro, no momento não estou me lembrando qual era o nome, não. Mas tinha o nome de uma francesa qualquer.
P/2 – Como era Copacabana naqueles idos de 1920 tantos?
R – É, já tinha muito movimento. A praia era... A parte de pista de rolamento era relativamente estreita, né? E, apesar de estreita, ela tinha iluminação central. Quer dizer, tinha duas mãos. E durante muitos anos ficou assim. Mas aí começou a ficar insuficiente, e isso já é uma história muito mais moderna, né? Em que a prefeitura encomendou um estudo - que eu visitei em Lisboa -, um estudo para o alargamento da praia de Copacabana. De maneira que, a partir de então, Copacabana mudou muito. Mas Copacabana era o lugar em que os jovens faziam o que eles chamavam footing, né? Essa palavra ainda existe até hoje. (riso) De maneira que é onde que se encontravam os jovens. Então passeavam na praia ao entardecer e tal, e à noite também. Mas, de vez em quando, havia uma ressaca e a água subia pela coisa e entrava nos prédios. Porque alguns prédios já tinham garagem subterrânea. Ficava inundada, né? De maneira que Copacabana era assim. Depois dessa reforma, foi muito interessante porque os portugueses, que têm o Laboratório de Engenharia Civil de Lisboa, né? É de... Conhecida mundialmente, especialmente pela construção de barragens. Aquelas barragens curvas para segurar água, né? Que eles chamam de... Ora, daqui a pouco eu me lembro o nome... É, tem um nome pitoresco.
P/2 – Açude?
R – Ein?
P/2 – Açude?
R – Não, não, não. Não é açude, não. É uma palavra completamente diferente, e não é usada em português. Mas eles resolveram, a solução que eles deram foi muito interessante. Foi dragar a praia de Botafogo, a enseada de Botafogo e bombearam a areia toda através das canalizações cujo diâmetro, se bem me lembro, era da altura dessa sala aqui. Atravessou o túnel novo e começou a despejar areia em toda a praia de Copacabana, né? Aí ele ficou, o mar ficou longe. Embora ainda se ache que algum dia ele vai voltar ao lugar em que ele estava. Especialmente porque, pelo grão de areia, o grão quando fica muito fino é porque ele está sendo transportado de distância. Quer dizer, de distância, não, a água cava e leva a areia fina embora e a praia vai diminuindo. Mas a praia de Copacabana está tão grande em relação ao que era... Porque ela tinha um quebra-mar muito perto dos prédios e a água batia frequentemente. Havia ressaca, batia nisso, subia, inundava a rua, a Avenida Atlântica. Mas era muito interessante, a mudança foi muito grande.
P/1 – Quantas mudanças o senhor lembra desse tipo no Rio de Janeiro? O senhor lembra de muitas mudanças?
R – Ah, é. Houve muitas mudanças durante a minha vida. A Barra da Tijuca não era nada. Era aquele já, aquelas lagoas, e tinha uma estrada, um caminho pela praia, né? Que vem lá pela Avenida dos Bandeirantes ia dar para a última praia da Barra. É, que tem esses nomes, que está se falando muito.
P/2 – Cumari?
P/1 – Camari?
R – Hum? Não, onde tem a…
P/3 – Recreio dos Bandeirantes?
R – Ein?
P/1 – Recreio dos Bandeirantes?
R – É. Recreio dos Bandeirantes, é.
P/1 - _______________________
R – (riso) Tinha uma ligação pra lá e de vez em quando, de Jacarepaguá, eu voltava por aquela estrada, que era uma estrada muito abandonada. Porque a praia da Barra tem dezoito quilômetros de extensão, né? E vindo de lá pra cá, pra cidade, pro início ou pra Barra, né? Porque a Barra é a saída das lagoas pro mar, não é? Que é onde você atravessa num viaduto, né? E a água suja sai na maré baixa e a água limpa ela entra tudo ____. De maneira que ela respira, né? Muito parecido com a respiração animal. Mas toda aquela área era intocável, não sei, eu até hoje não sei exatamente por quê. Ninguém fazia nada e tal. Até que veio o plano, o que foi bom de certa maneira, o plano feito pelo projeto do projetista de Brasília que é o...
P/1 – Niemeyer.
R – Não, não, não.
P/2 – Lúcio Costa?
R – Não, não, não. O que projetou Brasília. Não os edifícios. Os edifícios foi Niemeyer. Mas todo o plano de Brasília...
P/2 – Lúcio costa.
R – Lúcio Costa, que é um grande paisagista, né? Muito, aliás um grande... Tem outro nome a dele. É diretor de urbanismo, né? Ele é um grande urbanista, né? Ele é que fez o Plano Piloto de Brasília também, que eu vi ele fazer. E fez o Plano Piloto da Barra, né? Tanto que até hoje tudo que se faz lá segue mais ou menos o Plano Piloto de Lúcio Costa.
P/1 – A escolha do senhor foi engenharia, como é que foi...
R – Como?
P/1 – A escolha do senhor foi uma escola de engenharia. Como é que surgiu isso?
R – Não tenho a menor... Já não tenho a menor idéia. Mas talvez porque eu tivesse jeito e gosto pela matemática, né? E a matemática era a base. Era e continua sendo a base, né? De forma que deve ter sido isso. Mas não me lembro de nenhum conflito que eu tivesse tido de escolha de profissão, não. Eu quis engenharia e me dirigi para lá. (riso) Foi uma seleção muito difícil, né? Eu me lembro dos candidatos que foram reprovados – que foi a centenas – e eles tiveram que correr pra fazer exame em Belo Horizonte, em São Paulo e coisa e tal, pra ver se não perdiam o ano, né? Mas nós estávamos tranqüilamente e ficamos no lugar onde tínhamos começado.
P/2 – E como foi esse início na cidade, começo dos estudos, a expectativa com a faculdade?
R – É, foi tudo muito bom, é que a seda da escola de engenharia, que chamava-se, no tempo em que eu comecei a cursar até eu me formar, ela se chamava Escola Politécnica. Ela veio de uma uma origem militar. Porque a engenharia no século atrasado, já não se pode dizer mais de século passado, né? (riso) No século atrasado ela, a engenharia, era um privilégio da... Tinha o privilégio da construção de fortes. De fortificações, né? De maneira que eles fizeram um centro chamado de Escola Central. Eu sei que meu avô postiço, que era engenheiro formado na Escola Central em meados do século XIX, 1800 e tanto, eu tenho até a nomeação dele para um cargo assinado pelo Imperador. Como é? (riso) Tenho até hoje o pergaminho. Mas ele, essa Escola Central foi depois transformada em Escola Politécnica e, muito tempo depois, em Escola de Engenharia. Passou a Escola de Engenharia. Escola Nacional de Engenharia. Até hoje tem lá em cima escrito “Escola de Engenharia”, apesar dela, a Escola de Engenharia... Eu, como diretor, mudei do Largo São Francisco para a Ilha do Fundão. Foi segunda unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro a mudar pro Fundão. A primeira foi Arquitetura. A Arquitetura tem um edifício onde é a Reitoria, né? Eu então mudei pra lá e fui pra lá, me instalei lá. Fiz um escritoriozinho lá de diretor. Eu era o diretor e lá fiquei durante alguns meses, até que eu fui... Aí que vem a Vale do Rio Doce, né? Eu fui convidado pra ser presidente da Vale do Rio Doce em 1954, né? Que foi a tal revolução dos militares, né? Foi 1954. É.
P/1 – Em 1967?
R – Ein?
P/1 – Em 1967.
R – Não, acho que foi 1954. O ministro das Minas e Energia que foi me convidar. Eu disse: “Mas justamente agora que eu estou fazendo isso, isso tudo.” Então eu fui levado ao então Presidente da República, que era o Marechal Castelo Branco. Que era um grande homem. Grande homem mesmo. Aliás, mesmo os inimigos dele reconhecem que era um sujeito que fez maravilhas. E eu fui à presença dele e disse: “Mas, Marechal, justamente agora que eu estou modificando a Escola de Engenharia, modernizando e tudo?” estava fazendo uma série de coisas lá, na época. E ele disse: “Olha, nós estamos muito bem informados de tudo o que o senhor faz. Mas invés de produzir homens, no momento, nós estamos precisando de alguém que faça o Brasil produzir minério.” E tanto ele insistiu, que ali naquele Palácio Laranjeiras, que hoje é moradia do Governador do Estado, né? Eu perguntei a ele: “Mas Marechal, isso é um convite ou é uma ordem?” Ele disse calmamente: “É uma ordem.” Eu disse: “Bom, se é ordem não tem o que discutir.” (riso) E lá eu me fui pra Vale do Rio Doce. Ele que começou a ligação minha com a Vale do Rio Doce. Eu trabalhava na época também na Light, na Companhia de gás. Onde eu trabalhei muitos anos.
P/1 – O senhor não tinha tido nenhum envolvimento com a Vale do Rio Doce ainda, até esse __________?
R – Não, até esse, eu creio que não. Não, não tive, não. Agora, a memória está me traindo um pouco, mas não há de ser muito, não. Porque, mais ou menos na mesma época... Ah, não? Eu tive envolvimento com a K), que era o Antunes. E o Antunes me convidou pra ser o coordenador da exportação de minério. É, mas a gente nessa época já tinha experiência da Vale do Rio Doce, que eu não podia ter tido outra experiência de exportação de minério, a não ser na Vale do Rio Doce. Mas, em todo o caso, os currículos estão aí, ele vão tirar a teima. Então ele, ele... Eu realmente tive esse contato com a Vale do Rio Doce, e lá me fui pra Vale do Rio Doce, pra ser superintendente geral... Não, mas o negócio é que eu era empregado da Light, né? Mas a Light foi abordada pelo governo, especialmente por um professor meu que tinha sido fiscal da Light durante muitos anos. Um homem chamado Salessa que foi prefeito do Rio de Janeiro. E ele me conhecia muito bem, e ele é que parece que negociou a minha ida pra Vale do Rio Doce, né? Recomendou que eu fosse experimentado. E aí começou a minha ligação. E o Salessa era, se não me engano, presidente da Vale do Rio Doce na época. Ele disse: “Olha, Oscar, nós precisamos de você pra resolver o problema dos finos da Vale do Rio Doce.”
P/1 – Dos finos?
R – Dos finos, é. Dos finos, de um modo geral. Eu me empenhei nisso e, afinal de contas, os finos foram um sucesso, né? Mas foi duro chegar até lá. (riso) Porque o fino era, na época... Na época, o minério da Rio Doce não servia propriamente, não era um minério de ferro simples. Era um oxidante do gusa, pelo seu alto valor de oxigênio. O que interessava não era o ferro, era o oxigênio para queimar o grafite e o carbono que estava no gusa, né? O alto-forno fabrica gusa. Volta Redonda já estava começando naquela época e tudo mais. De maneira que ele era uma espécie de tempero, e um tempero muito caro, muito solicitado no mundo inteiro, né? Por que era um minério muito solicitado no mundo inteiro? Porque era um mineiro muito rico com uma porcentagem de ferro grande. Mas se utilizava o que era o F2O3 para essa função. E então ele era... Mas pra essa função ele tinha que ir em tamanhos mínimos, de mais ou menos duas a três polegadas, pra poder jogar no forno de aço de... Era o Siemens-Martin, da época. E ele reduzia a coisa e sobrava, então, o gusa. Não sobrava o aço. Era fabricação do aço. Era o forno de Siemens-Martin. E assim foi. Mas a questão é que os finos sobravam porque não tinha uma aplicação pra ele. Não podia ser usado no forno lá, Siemens-Martin, porque ele não tinha tamanho para penetrar no ferro fundido. ________ líquido, não é? Ele precisava ter um certo peso para poder mergulhar, né? Mas, de qualquer maneira, isso foi uma estrada longa e que deu muita satisfação porque a grande reserva da Vale do Rio Doce não era esse mineiro riquíssimo de alto teor, não. Era um fino que se chamava, tinha analogia com um pássaro, é uma mistura de branco com preto. Peraí, chamava-se... Minha memória de 85 anos está de vez em quando falhando. Mas daqui a pouco eu me lembro. Então esse fino foi indo, foi indo. No primeiro foram os depósitos de fino que sobravam em Itabira, que eram verdadeiras montanhas. Que era o que ficava abaixo de meia polegada. Meia polegada é um centímetro e meio, mais ou menos. Um centímetro... Uma polegada são 25 milímetros e, portanto, 12,5 milímetros. E então ele era estocado e não se sabia o que fazer daquilo. E até houve um acidente uma vez. Ele desmoronou e soterrou um menino lá de Itabira.
P/1 – Lá em Itabira?
R – É. Eu me lembro bem que eu tomei, aluguei um avião para ir imediatamente pra lá pra dar apoio àquela gente que estava assustada. Mas, de qualquer maneira, foi indo. Nós desenvolvemos um projeto, um projeto com uma empresa americana, uma empresa de pesquisa chamada Armer Research Foundation pra estudar o fino com ajuda do Glaycon de Paiva, que já morreu, mas que era um grande engenheiro de minas. E que foi o homem que descobriu aquela mina pro Antunes lá no Amapá. Mina de...
P/1 – Serra do Navio?
R – Ein?
P/1 – Serra do Navio, né?
R – É, da Serra do Navio, é. Exatamente. De maneira que a coisa foi progredindo e eles, primeiro foi o... Eu me lembro que um detalhe interessante, o Glaycon de Paiva, tomando o exemplo da minas de carvão de Santa Catarina, ele tinha a tese que ninguém tinha prestado atenção, que era que a coleta de amostra é a coisa mais importante pra você fazer uma pesquisa sobre as possibilidades do mineral, né? Porque, lá, os coletores de amostra foram brasileiros e se esmeraram em tirar amostras muito boas. O resultado é que foi projetada a usina que por coincidência se chamou usina de Tubarão, lá em Santa Catarina. Ela deve existir até hoje. E que não correspondia a concentração do carvão que existia realmente nas minas lá de carvão. Então veio uma equipe de grande de geólogos e tudo mais, americano, e fez a coleta de amostra imparcialmente. Porque se pusesse brasileiro, o brasileiro queria dar logo um jeito de botar uma amostra muito rica que era o negócio. E daí isso foi desenvolvendo, desenvolvendo e acabamos conseguindo. Fizemos por um laboratório lá. O engenheiro de minas da Vale do Rio Doce, na época, era um engenheiro notável. Chamava-se Francisco Fonseca Filho. É um homem que é uma pena não estar aqui, porque esse tinha história. Uma história muito antiga e muito boa da Vale do Rio Doce. Mas ele já morreu. Morreu com noventa e tantos anos. Mas esse Fonseca, ainda vivo e sob a minha insistência e orientação, fundou o laboratório de pesquisa entre Belo Horizonte e Itabira, tornando o acesso dos dois lados. Um por lado burocrático, administrativo e tudo, e outro pelo lado técnico, não? E então foi aperfeiçoado e começamos então a concentrar _____. Foi muito interessante que a concentração, a separação... Porque esse minério chamava-se, peraí, quase que eu me lembrei do nome. Itabirito. Itabirito, não, não é itabirito. Itabirito é outra coisa. Daqui a pouco eu me lembro. A concentração desse fino, o clássico e _________ os americanos tinham experiência internacional disso. Era por magnetismo. Porque a associação ferro era... Ninguém sabia disso, porque o minério de Itabira que não é magnetita, era...
P/1 – Hematita.
R – Hematita? Ele não era magnético, né? Então eles, as primeiras experiências de separação, eles não conseguiram separar. O pessoal lá em Chicago. Mas depois veio uma notícia aqui sobre uma corrente muito alta de dezenove mil Gauss, eles conseguiram separar o ferro da sílica. Porque esse produto que tinha o nome de uma ave que tinha o aspecto de mistura de preto com branco, né? Ele era uma mistura de areia, ainda. Daí a coisa foi desenvolvendo e foi pra Alemanha e Áustria também. Eu até trouxe, casualmente, uma comenda que eu... Era a mais alta comenda. A Placa de Ouro da Áustria. Porque eu fiz as relações com a usina que foi a primeira, uma das primeiras usinas de pelotização da Vale do Rio Doce. Foi construída sob a orientação dessa firma austríaca, não? Mas daí, então, a coisa deslanchou. Ao mesmo tempo precisava-se de dinheiro, tinha que se aumentar a quantidade de minério de ferro exportável. Que era coisa exportável, né? Aí começou a luta pela melhoria da estrada de ferro. A estrada de ferro se chamava Vitória-Minas. Chama-se até hoje, ligando Itabira a... É uma estrada que foi imaginada em 1915 pelo então Ministro, que foi Ministro da Aviação e Obras Públicas durante muitos anos, que foi o... Ora, é um nome muito comum, muito falado. Daqui a pouco também eu me lembro.
P/1 – Pedro Nolasco?
R – Não, não.
P/1 – Não é ele?
R - Pedro Nolasco foi o primeiro presidente, realmente, da Vitória-Minas quando ela começou a ser construída. E era pra ir à Diamantina. Inicialmente à Diamantina, que era a terra desse Ministro que é... Ora ,eu já falei dele, quando eu disse que ele morava ali perto de onde eu morava, na entrada do Rebouças.
P/1 - ____________________
R – Uma casa que ainda existe até hoje.
P/1 – Francisco Sá?
R – É.
P/1 – Era esse, Francisco...
R – Como é?
P/1 – Francisco Sá?
R – Francisco Sá, é. O Francisco Sá fez estudos do Espírito Santo, não de Vitória, mas de outra, uma daquelas praias lá perto da... Uma daquelas praias famosas de Balneário. Ele fez o primeiro estudo que era pra Diamantina. Porque Diamantina era uma coisa importante naquela época devido a exploração de diamantes que depois diminui muito e perdeu a importância. Mas como ele era nativo de lá, até a gente indo hoje em dia à Diamantina tem lá uma estátua dele, né? Do Francisco Sá. E o Francisco Salessa era descendente dele. Quer dizer, casado com uma filha do Francisco Sá. Esse que era diretor da engenharia e que me indicou pra ir pra Vale do Rio Doce. Mas, de qualquer maneira, esse esforço foi muito grande e tinha um esforço de política que era mais ou menos enganoso. Tanto que a Vale do Rio Doce, eu cheguei rapidamente à conclusão, fui defender isso e o pessoal mineiro ficou uma fúria comigo. “Ah, também, ele não vem a Belo Horizonte. Não vem a Minas.” Eu disse: “Mas como não venho mais se eu vivo em Itabira?” Eu mudei praticamente a minha residência pra Itabira. Passava meses lá pra ajudar a elevar aquilo. Mas é, o mineiro achava que a Vale do Rio Doce, o milagre da Vale do Rio Doce é o minério. Só minério. Eu disse: “Não. É o transporte.” Então nós temos que fazer um de tal maneira que o minério seja levado de Itabira pro porto e do porto para os consumidores. E daí a gente tem que recuar pra você ter uma ideia do que eu estou falando. Quer dizer, eu dizia a eles: “Olha, o minério de ferro é importante. Mas todo mundo em Belo Horizonte tem minério de ferro no fundo do quintal.” Mas um meio de transporte organizado que inclua a estrada de ferro, os navios o porto de embarque... Daí veio o Porto de Tubarão, o porto de embarque e desembarque do outro lado do Atlântico, lá. E até do outro lado do mundo, que era pro japonês. “Isso é que não existe e que nós temos que de qualquer maneira obter isso. Feito por nós ou feito por outras pessoas.” Daí, pra recuar no tempo, entra até a siderúrgica de Tubarão. Essa siderúrgica de Tubarão, ninguém dava importância à ela. Porque não era minério de ferro, né? Especialmente o mineiro. Mas é importantíssimo porque, em vez de exportar minério de ferro, nós temos que exportar aço. Então o transporte, o minério vem até a ponta do Tubarão, onde fez a usina. E a usina transforma em aço _______ em chapas, em perfis, em tudo mais. Essa coisa toda pronta. Cada coisa dessas era uma luta. Era uma série de “xingação” porque vinham os nacionalistas e achavam que estávamos entregando não sei quê. Não sei o quê, a não sei quem, né? (riso) E não entregamos coisa nenhuma. E aí a coisa é complicada porque a burocracia ferroviária era uma coisa imensa, influenciada pelos ferroviários do século passado, do século XVIII e do princípio do século XIX, né? E a coisa era interessante porque eles tinham ideias muito paradas, muito retrógradas. Então eu, eles tinham um sistema complicado. Por exemplo, a estrada de ferro eu encontrei, eu nunca tinha trabalhado em estrada de ferro, mas eu fui um estudante de transportes de um modo geral. Onde eu trabalhava, na Companhia de Gás, nós tínhamos em miniatura aquela usina que tem o gasômetro. Hoje você passa ao lado e tudo mais. E ali era desembarcado o carvão, e o carvão era desembarcado do navio, vinha em chapas até o mangue e, do mangue, então, tinha uma escavadeira, uma espécie de escavadeira muito interessante, que pegava o carvão e botava no pátio para fazer gás. Para produzir gás. Porque o gás era feito com a destilação desse carvão, né? Carvão que vinha da Europa, vinha dos Estados Unidos e depois veio muito da África. E que deu muito problemas aqui também. Mas, de qualquer maneira, a coisa interessante é que tínhamos que aumentar a capacidade do Porto de Tubarão. Eu fui buscar uma draga que estava com o senhor Brizola lá em... Ele era prefeito de Porto Alegre na época. E tinha a única draga no Brasil que podia fazer uma dragagem no Porto de Vitória, era lá. Então foi um trabalho diplomático pra eu conseguir subtrair, tirar do Brizola a coisa pra fazer a dragagem do Porto de Vitória, para preparar o Porto de Vitória para navios de 35 mil toneladas. Então fizemos a coisa e...
P/1 – Isso é anterior ao Porto de tubarão, ainda?
R – Como? Ah, isso é. Anterior ao Tubarão. Eu vou já falar no Porto de Tubarão. E, então, naquele esforço de exportação que nós fazíamos e tal, né? E o porto que nós tínhamos era um porto na entrada do canal de Vitória, à esquerda de quem entra. E era relativamente precário. Tinha uma viragem de vagões que derramavam minério num silo, e do silo ia pro navio. Mas os navios ficavam quinze dias, vinte dias esperando ser carregados, pagando demanded. Chama-se demanded, que há um tempo mínimo para carregar os navios dependendo do equipamento do porto, né? Mas, então, nesse ínterim, pra resumir um pouco porque a gente não pode estar falando de muitos detalhes, a não ser que tenha algum interesse. Um belo dia o Eliezer, que era o presidente da Companhia, eu continuava diretor superintendente geral, né? Era superintendente das minas, tinha dois departamentos, que era das minas e da estrada de ferro. Da estrada de ferro eu convidei o Hélio Bento, que era major, engenheiro e que era diretor da Brasil-Bolívia. E ele veio. Eu fiz o exame dele, um teste e tudo mais. Achei que ele era capaz de fazer aquilo. Apesar da experiência dele, dizia assim: “O trilho da estrada de ferro de que eu vim era mais leve...” Quer dizer, menor. “Do que a tala de junção da Vale do Rio Doce.” E que não estava usando, ainda, o trilho mais novo que eu fiz de 45. Era um trilho muito mais leve e tudo mais. Mas, de qualquer maneira, ele se adaptou bem, foi uma... Trouxe vários colegas dele, também engenheiros formados aí na Praia-Vermelha, né? Em determinado momento, o Eliezer era o presidente mas ele estava na Europa. Eu estava como presidente interino. E apareceu, não sei, sem aviso prévio, pra mim pelo menos, uma comissão de japoneses que tinha feito um contrato de exportação de minérios na Suazilândia, na África do Sul. E então eu me vi naquela mesa enorme, que era mesa de diretoria. Eu na cabeceira e aquela quantidade de japoneses sempre com outro japonês por trás. (riso) Era tudo, aquilo muito disciplinado e tudo mais então eu vi essa coisa fantástica.Perguntei o que é que eles tinham feito, a quê é que nós devíamos a visita e tudo. “Nós viemos visitar os senhores porque nós estamos interessados em comprar minério de ferro da Vale do Rio Doce.” “Mas em quê condições?” Ele disse: “Bom, a primeira condição é os senhores construírem um porto para navios de quatrocentas mil toneladas.” Eu senti um frio na espinha quando ele disse isso. (riso) Tínhamos acabado de ter um esforço enorme pra fazer o porto receber navios de 35 mil toneladas. De quatrocentas mil toneladas... Eu fiquei mudo, né? Olhando para aquela gente toda esperando a minha resposta. De repente, tive a inspiração, eu disse: “Tudo depende da quantidade de minério que os senhores vão comprar. Porque se os senhores fizerem um contrato firme, de uma boa compra, nós temos aí os bancos do mundo, os bancos do Brasil e do mundo e a técnica mundial pra fazer esse porto de quatrocentas mil toneladas.” E o negócio pegou. Eles ficaram entusiasmados e tudo mais. Logo marcaram uma visita e o Eliezer já tinha voltado, fomos todos a Tóquio e discutimos lá a coisa. Inclusive, a coisa resultou na fundação da Docenave. Porque o frete que eles ofereciam era muito baixo e precisava ter uma Companhia organizada para enfrentar aquele custo de frete entre o Japão e o Rio que, afinal de contas, é antípoda, né? Tanto que os japoneses me perguntavam, perguntavam às pessoas, o sujeito afinava lá, ele disse: “Não”.
P/2 – (riso)
R - ________ fica ali em baixo, né? Antípodas. Bom, de qualquer maneira, aí é que começou a surgir Tubarão.
P/1 – Mas e os japoneses, foram procurar o senhor...
R – Foram procurar.
P/1 – Sem aviso prévio, sem nada.
R – Sem aviso prévio, nem nada. Eu não sabia de nada. Talvez o Eliezer... Até hoje eu não sei se o Eliezer sabia. Possivelmente ele sabia. Mas se ele visse a importância da coisa, ele tinha despencado lá da Europa pra cá, não tinha me deixado sozinho e tudo mais. (riso) Mas, de qualquer forma, tudo funcionou muito bem. Mas aí foi a história do Porto de Tubarão. E no Porto de Tubarão nós tínhamos bons engenheiros. Com prática já internacional. E eu mandei um engenheiro de muita prática pra vender minério na Europa e tudo mais. Fui até criticado pelo Dias Leite por isso, que foi um presidente que me sucedeu depois. Ele disse: “Mandar um técnico pra vender minério da Europa?” Mas foi um sucesso fabuloso. Ele aumentou o mercado europeu. É um rapaz chamado Ditzel. Ele eu acho que está aposentado, mas foi um verdadeiro sucesso. De qualquer maneira...
P/1 – Por que não tinha...
R – Como?
P/1 - Esse tipo de profissional vendendo minério na Europa?
R – Não, não. Tinha, nós tínhamos contrato Isen Nerts, com sede em Dusseldorf. Isen Nerts, quer dizer, ferro e aço de Itabira. Itabira Isen Nerts, Qque representava, mas era o pessoal de lá, não era pessoal nosso ainda. E eu mandei pela primeira vez o pessoal nosso, né? Agente nosso para chefiar a delegação de vendas lá. Esse rapaz que é muito... Era rapaz, hoje já é um senhor. Deve ser um senhor que há algum tempo eu não o vejo, embora ele tenha moradia lá perto de mim, em Ipanema. Mas está aposentado. Mas é... Embora esse rapaz fosse um homem resultado de uma educação muito espartana, porque ele era descendente de alemão e de uma família de doze filhos. Eu tenho nove filhos, mas ele tinha, ele era irmão de doze filhos. E digamos, ele não sabia falar alemão. Ele foi mandado para a Alemanha, mas em pouco disse: “Mas como é que você aprendeu alemão tão depressa?” “Ah, eu ficava na televisão doido pra ver e ouvir, se acostumar.” (riso) E daqui a pouco ele começou a falar alemão. Mas, naturalmente, a tradição dele vigorou. Mas, seja como for, o Porto de Tubarão foi, levou anos e tudo mais. Mas aí eu me afastei da Vale do Rio Doce, eu não sei bem por quê. Eu acho que eu fui convidado pra ser vice-reitor ou sub-reitor da Federal do Rio de Janeiro. (pausa) Eu sei que esse rapaz, posteriormente, foi pra Europa, ele foi chefe da construção do Porto de Tubarão. Um projeto refinadíssimo, moderníssimo na época e tudo mais, e ele foi impecável.
P/2 – Como é que foi a negociação com os japoneses em Tóquio, com o Eliezer Batista, o senhor. Como foi o...Vocês achavam os japoneses desconfiados ou eles estavam querendo mesmo fechar o negócio?
R – Ah, não. Estavam querendo fechar o negócio. Os japoneses foram uma surpresa pra muita gente, porque eles tinham aquela cara de bobo, né? Sentavam na coisa. Se ele queria uma entrevista com um diretor, por exemplo, da Vale do Rio Doce... Não, comigo eu nunca fiz isso. O sujeito deixava o dia inteiro esperando na ante-sala. Mas eles aguentavam até o fim. Enquanto ele não recebia __________. Muito teimosos, mas muito delicados. De maneira que foi muito bem. Correu tudo muito bem. Correu otimamente, fizemos várias reuniões. Inclusive domingos e feriados. Bom, feriados são por minha conta. Mas eu imagino que, se eles trabalhavam no domingo, trabalhavam no feriado também. (pausa) Então, essa sua pergunta é muito interessante. Foi um ambiente muito, muito bom mesmo. Muito receptivo, muito amável. E as pessoas que desconfiavam dos japoneses levavam mais tempo do que eu levei pra descomplicar a relação com eles. Mas o Eliezer não. O Eliezer é uma pessoa muito inteligente, ele se acostumou logo. Se deu boa amizade com os japoneses. Então tinha um japonês que acabou ficando no Brasil. O japonês que primeiro teve contato conosco se chamava Inada.
P/1 – Hum.
R – Você já ouviu falar nele, né? É. Ele está por aí. Então era engraçado que ele _______ no telefone: “Quem é que está falando?” “É Inada.” A gente tinha impressão que era “nada”. (riso) Então ficava aquela dúvida até entender que era o Inada que estava falando. Mas não teve dúvida, a construção mesmo do Porto de Tubarão, quer dizer, a concepção, eu participei dela. Mas não porque eu estava afastado, conforme disse, eu acho que eu estava na universidade. E é porque eu tive que interromper várias vezes, porque eu fui, eu fui...
P/1 – O senhor foi pro Grupo Antunes.
R – É, pro Grupo Antunes primeiro, depois fui pra Vale do Rio Doce e depois da Vale do Rio Doce eu fui ser sub-reitor de pessoal e serviços gerais. Que eu achava que a minha universidade precisava de uma certa ordem na administração. Estava muito, meio bagunçado. Mas foi muito bem, até que por um acordo, tinha um Conselho de Reitores da Universidade, já ouviu falar?
P/1 – Não.
R – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras? E que era comandado por um americano. E esse americano era muito combatido porque era um sujeito esquisito e tudo...
P/1 – Conselho de Reitores __________ de um americano?
R – (riso) Das Universidades Brasileiras, que era um americano, né? E precisava de um substituto. Então o reitor da Universidade do Rio de Janeiro, que na época era Universidade do Brasil, me designou pra ir pra lá. E lá fui eu. Passei vários anos lá. Reorganizando aquilo e todas as conferências de reitores pelo Brasil inteiro. Viajava o Brasil inteiro, às vezes dirigindo um fusca em Porto Alegre, Belém do Pará, Nordeste. Visitando as universidades, combinando com os reitores tudo. Até que eles se associaram e o negócio vem funcionando bem até hoje, né? Chamava CRUB.
P/1 – CRUB?
R – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. E há um episódio interessante nessa CRUB, que no momento nós estávamos instalados ali na Lagoa. Na esquina de, acho que J. J. Seabra. Onde o tráfego vem do Leblon e sai do Jardim Botânico e pega aquela rua que sobe. Lopes Quintas, né? Então, tem um desvio ali que você vê pelo Aterro. Pelo Aterro, passa pelo estádio de tênis E segue em direção ao túnel Rebouças, do lado do Leblon. E era ali na esquina. Até ao lado da casa morava aquele ex-prefeito do Rio de Janeiro, aquele mineiro que tinha, até usava helicóptero. Tinha um heliporto que até hoje existe ali na frente da casa dele. Bom, mas voltando ao Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. fizemos uma boa administração e a coisa tomou... Fazíamos reuniões cada vez numa universidade diferente, ou então lá na sede do Conselho de Reitores. mas o ponto pitoresco é que nós tínhamos um auxiliar que era um sujeito já de mais idade, mas de muito bom humor, e que tratava-se de arranjar um endereço. Endereço telegráfico para o Conselho de Reitores, né? Então uma das sugestões, talvez tenha até sido sugestão dele, que fosse crub mesmo. E o sujeito, então, como nós protestamos: “Você está protestando por quê?” “Ah, se mandarem telegrama pra CRUB vão todos pro Flamengo.” (riso) CRUB, né? Porque o Clube na Lagoa só tinha o Flamengo naquela época. Não tinham outros clubes naquela sessão marítima que existe até hoje do Vasco, né? E tinha o Botafogo também, que tem aquele negócio de remo. Bom, de qualquer maneira, nós estávamos no Porto de Tubarão, né?
P/2 – Eu tinha uma curiosidade.
R –Pois não.
P/2 – Pra quem não sabe, eu queria que o senhor falasse o que é que ficou decidido com os japoneses?
R – Com os japoneses ficou decidido o frete, o preço do frete que era, por incrível que pareça, para navios grandes e tudo mais, que isso já é vantagem, era três dólares e pouco a tonelada. Olha que três dólares e pouco a tonelada, quando de... Quando eu cheguei uma vez em Manaus, o frete de qualquer mercadoria entre Manaus e Belém era dez dólares, né? Então nós tínhamos frete. Combinamos o frete, mas depois de vários estudos vimos que valia a pena. Porque eram navios grandes e tudo mais. Despesas portuárias, um porto de primeira ordem que os japoneses já tinham e que nós estávamos, íamos construir o Porto de Tubarão _____, e aí chegou a ideia. Bom, mas aí os japoneses não entraram propriamente, não. Isso foi decorrência de um acordo com os japoneses. Eu sei que os japoneses fizeram uma compra firme de seiscentos milhões de dólares. Que naquela época era muito dinheiro. Era muito dinheiro. Seiscentos milhões de dólares, isso mesmo. Ou foi trezentos milhões, eu já não me lembro bem. Mas foi uma quantia que hoje não é expressiva mas que naquela época era muito expressiva. E o japonês fez a encomenda para justamente dar garantia de levantar o capital para produzir porto. Isso é que foi a parte mais essencial do nosso acordo lá. Em que fui eu, foi a parte jurídica. Esse que é presidente da Sul América, né?
P/1 – Roni Lírio?
R – O Roni Lírio, que era um advogado espertíssimo, né? Muito bom. E foi o superintendente comercial, que na época era o General Rangel. Orlando Rangel. Hoje ele já morreu. De maneira que ficamos lá algum tempo. Discutindo, reuniões e tudo mais. E daí surgiu a ideia de fazer a Vale do Rio Doce. Porque também a Vale do Rio Doce precisava de uma empresa de navegação, que veio a ser a Docenave, com navios maiores. Maiores do que nós estávamos na cabotagem do Brasil. E ela foi vitoriosa, e tal. Eu sei que eu era acionista dela, recebia os dividendos. Muito bons dividendos. Recebi durante muitos anos. Mas, afinal, a Vale do Rio Doce agora encampou. Eu não sei o que é que ela está fazendo com a Docenave, mas ela deve estar fazendo coisa boa, né? Satisfiz a sua pergunta?
P/2 – Satisfez. O... faz ____
P/1 – Quer dizer, como é todo esse recurso, esses seiscentos milhões de dólares? Quer dizer, o dinheiro que foi gasto para erguer Tubarão, um empreendimento daquele tamanho, naquele momento no Brasil, foi esse adiantamento dos japoneses? O dinheiro pra construir Tubarão, os recursos pra se construir?
R – Podia-se dizer que sim. Mas não tinha nada, uma ligação física não existia não. Era uma garantia de compra de seiscentos milhões de dólares através do tempo. Quer dizer, a Companhia ia ter uma receita programada. Com essa receita programada ela podia levantar empréstimo dos bancos pra ir pagar com o produto dessa receita. Era uma operação comercial realmente comum, mas funcionou.
P/2 – E mobilização pra começar construir o porto. Tudo, até a inauguração, demorou quanto tempo?
R – Olha, o porto foi inaugurado acho que em 1966. Nós começamos essa operação em 1957. É, demorou alguns anos. Eu não participei deste período que deve ter sido um período muito difícil. Mas o Eliezer estava lá. O Eliezer é um homem competente. E eu tinha muita confiança no Eliezer, né? Tanto que eu achei o Eliezer perdido lá na estrada como engenheiro da via permanente e tudo mais, e dei a ele, como superintendente geral, sucessivamente, promoções pra ele cada vez participar mais até ser superintendente da estrada. E aí eu abri pra ele uma carta branca de que ele podia convidar quem quisesse pra trabalhar com ele, desde que ele fosse escolhido e fizesse a seleção. Aí ele escolheu, então, na época, vários engenheiros lá da escola em que se formou. Porque o Eliezer se formou em engenharia mas era muito inquieto, como deve ser até hoje. Eu não estou, a última vez que eu falei com o Eliezer foi quando a esposa dele morreu. É, morreu. A Hilda, né? Que é uma grande senhora por quem eu tinha muita admiração. Mas voltando ao Eliezer, ele fez um staff lá na estrada de ferro Vitória-Minas, em que foi melhorando aquilo. Inclusive, a mudança do trilho, do tamanho do trilho e tudo mais. Ele fez um estudo muito profundo sobre esse trilho pesado pra transportar mais toneladas. O interessante é que, ao contrário de que muita gente pensava, achava que era essencial…
(falha na gravação)
R - ...a mudar a bitola estreita pra bitola larga. E eu pensando cá comigo, disse: “Olha, o minério é muito denso, muito pesado, né? O peso do minério é quatro toneladas por metro cúbico, que é um peso muito alto. Ele não precisa de muita base pra isso não.” Se dizia: “Se a estrada de ferro fosse pra transportar caixa de sapato vazia, não é, aí sim. Precisava para a estabilidade de um vagão muito leve. Mas ele está de tal forma preso no chão, que a bitola estreita...” Depois eles duplicaram quando eu saí, me afastei, eles duplicaram. Chegaram a duplicar a estrada, mas conservaram a bitola estreita. Mas o Eliezer fez maravilhas, e depois ele, um sujeito muito inteligente, ele dizia que ele era um excelente vendedor de geladeiras pro Pólo Norte. Quer dizer, se fosse pro Pólo Norte, ele vendia geladeiras. (riso) Porque ele tem uma argumentação e um jeito todo especial dele. Vocês devem conhecê-lo, né? Sabem como ele é. Mas ele é um grande homem. Muito esperto, já falava várias línguas. Parece que sete línguas ele falava. Inclusive russo. Eu me lembro que ele fez como diretor da Vale do Rio Doce o professor dele de russo. Que era um homem muito interessante. Como?
P/ 3 – Tem problema do senhor tirar o óculos?
R – Não. Posso tirar.
P/3 - _________________
P/1 - _________________
R – Se você tivesse me dito há mais tempo, não custava nada.
P/1 – (riso)
R – Mas, então, onde é que nós estávamos mesmo?
P/2 – Eu tinha outra curiosidade?
R – Faça.
P/2 – O senhor viajou muito, morou aqui no Rio, Itabira, indo e vindo. Em que momento o senhor conheceu a sua esposa?
R – Ah...
P/2 - O senhor falou que tem vários filhos, né?
R – É. É uma coisa interessante. Eu fui, antes da era do __________, eu tive nove filhos com ela. E esse mês de junho eu fiz 61 anos de casado. (riso)
P/2 - _________
R – Hoje em dia, 61 anos de casado com a mesma mulher é...
P/2 – Raríssimo, né?
R - Coisa muito rara, né? Bom, mas voltando a como é que eu conheci. Eu a conheci no seguinte. Eu trabalhava na Companhia do Gás. Era moço, e na minha mocidade eu fui assistente técnico e tudo mais e eu verificava as instalações novas de gás em toda a cidade do Rio de Janeiro. E nesta coisa eu conheci um engenheiro chamado Afrânio Barbosa da Silva, que é lá de Minas, e que depois ele veio ser até prefeito de Brasília. Ele era muito amigo do aquele, do anterior prefeito de Brasília, o Rafael. Não, não é Rafael, não. Daqui a pouco eu me lembro do nome dele. Mas aí fizemos boa amizade, né? E um belo dia ele me convidou pra ir à uma festa em que a irmã dele ia. Aliás, duas irmãs foram, e eu conheci a minha mulher, a Eugênia, e foi uma coisa quase que instantânea. Pouco tempo depois eu queria casar mas a sogra disse: “Não, tenha calma. Não pode ser não. Tem que fazer enxoval, esse negócio tem que demorar algum tempo.” E demorou, não chegou a um ano de noivado. Mas depois nós casamos. Mas foi uma amizade profissional com o irmão dela. Que eles eram muitos irmãos também. Eles eram sete. Sete irmãos não é mais...
P/4 – Eram oito.
R – Ein?
P/4 – Eram oito.
R – Eram oito, né?
P/1 – Naquele tempo, como é que era a aproximação dos noivos? Com a paquera, como é que isso, fazia?
R – Bom, não era regra. Mas uma paquera começada com alguém da família, né? Como a simpatia foi muito grande e muito rápida, é difícil de estabelecer uma norma, uma geral lá pra todo mundo. A coisa funcionou bem porque eu me entrosei muito bem. Apesar de ser adotivo e filho único, que os meus padrinhos que me criaram não tinham filhos, eu me dei muito bem com a família grande. De maneira que fui o primeiro a casar na família, apesar dos oito irmãos. A minha mulher não era a primeira, não. Era a terceira ou quarta.
P/1 – Seu Oscar...
R – Anh?
P/1 - Uma curiosidade, o senhor antes dessa trajetória na Vale, o senhor teve uma trajetória na empresa de gás, na Light...
R – É, na Light.
P/1 – E...
R – Na Light eu... Aí depois você termina a pergunta, porque é pra não esquecer.
P/1 - ____
R – Na Light eu enfrentei uma atividade nova. Eu fui ser superintendente de relações públicas. É. Estudei aquele negócio e tudo mais, mas é uma coisa complicada, né? Porque relações públicas, o princípio é muito simples: o freguês sempre tem razão. Mas a coisa não é tão simples assim. De maneira que eu fiz... Agora recrutei boa gente pra lá, inclusive disputei com a Fundação Getúlio Vargas umas pessoas, que eu fui lá e consegui contratar pra Light. E um deles é o Célio Borja, não sei se conhece. Que foi presidente da Câmara de Deputados e hoje eu não sei se ele é desembargador. Célio Borja. E um outro, que era um sujeito notável, que estava fazendo concurso pro Itamaraty no Instituto Rio Branco e eu era muito amigo do presidente do Instituto Rio Branco na época. Por sinal, eu soube que ele está doente, mas era um diplomata muito... Correia do Lago. O pai dele foi o projetista do Forte Copacabana. Era tenente-coronel do Exército no princípio do século passado. Bom, mas então ele me disse: “Olha Oscar, tem aqui um aluno excepcional. Agora, eu gostaria que você desse licença a ele pra que ele viesse fazer o curso do Rio Branco, aqui na coisa. Em compensação, eu vou dispensá-lo pra exercer a função que você exerce nas relações públicas na Light.” E assim foi feito. O Itamaraty é vizinho da Light, da sede da Light, né? O escritório geral ali na...
P/2 – Marechal...
R - Na Avenida Rio Branco, é, na Marechal Floriano, né?
P/2 – É.
R – Número 168. E aquela parte debaixo toda era uma garagem de bondes quando eu comecei trabalhar lá. Depois virou todo aquele escritório. Escritório, caixa, contabilidade e tudo mais. Mas, de qualquer maneira, foi uma, mas ao mesmo tempo eu fui convidado nessa mesma época, o que me atrapalhou um pouco. Atrapalhou e não atrapalhou. Mas atrapalhou um pouco, fui convidado pra cursar a Escola Superior de Guerra. Aliás, fui indicado pelo Clube de Engenharia. Porque a escola não aceita inscrições, ela convida, né? Ela faz uma pesquisa e tudo mais, e pediu ao Clube de Engenharia que indicasse alguém, esse alguém foi um cunhado meu que faleceu. Casado com uma irmã de minha mulher, mas que não estava interessado. E ele, ao dizer que não estava interessado, deu meu nome e fui aceito, e fiz o Curso Superior de Guerra. Cujo comandante era o General Távora. Como é o primeiro nome dele? Não, Virgílio Távora é sobrinho dele. Era meu colega de turma. Então eu fiz o Curso de Superior de Guerra que é um curso puxado como diabo. Todo dia. Aquelas conferências, trabalho à tarde, aquela coisa toda. E até eu tive que desleixar um pouco da minha função nova na Light, né? Mas o pessoal na Light não se incomodou, não, de maneira que me deu apoio e eu consegui ser diplomado pela Escola Superior de Guerra. Como é o nome do general? Que ele ficou famoso naquela coluna Prestes, né?
P/1 – Juarez.
R – Juarez Távora. É. Grande Juarez. Nos tornamos muito bom amigos. Mas era uma grande personalidade. Muito suave mas ao mesmo tempo muito firme. Quando a minha turma escolheu como padroeiro... Padroeiro, não! (riso) Já é de santo, não?
P/2 – Paraninfo.
R – Paraninfo. O Barão de Mauá teve um advogado lá, que não é um advogado conhecido. Que era advogado, na época, de um jornal aí muito discutido. Como era o nome dele? Bom, não importa. Mas ele pediu a palavra e meteu o pau no Barão de Mauá. Que era um comerciante muito reles, não sei mais o quê e tudo. (riso) Eu sei que o Comandante Juarez Távora pediu que ele se calasse, que não era hora de discutir isso, que não tinha assuntos e tudo mais. Eu sei que ele respondeu de uma maneira meio grosseira ao Juarez, ele foi demitido. Demitido imediatamente lá do grupo de alunos. Bom, mas você tinha feito a pergunta?
P/1 – Esse curso da ESP, como é que era esse curso?
R – Da Escola Superior de Guerra? Da ESP? Bom ele tratava de problemas brasileiros. Ele tinha sempre conferencistas, né? (falha na gravação) Sobre vários assuntos. E depois a gente destrinchava aquilo. Publicava os cadernos, que eram até de dimensão pequena. E com aqueles cadernos aquilo tudo era destrinchado, discutido entre os estagiários. Eu não era um estagiário full time. Eu era um estagiário que ia lá de manhã, mas não tinha obrigação de ir à tarde. Porque eu tinha que continuar trabalhar na Light, né? Mas os de tempo integral ficavam lá, de maneira que eu convivi com vários políticos e militares. Nós éramos sessenta e tantos alunos. A grande maioria tudo civil, né? Mas tinha militares. Por exemplo, meu companheiro de banco à esquerda era o Marechal Lott. E eu me lembro bem que ele teve uma flebite na perna e tudo mais, e que ele então tinha que sentar no princípio da fila e botava a perna dele esticada no braço da frente dele, né? Então aqueles pessoas que passaram depois pela política aí e tudo mais, a gente conhecia. O próprio Marechal Castelo Branco me conhecia muito mais do que eu a ele, quando ele me chamou pra ser Vale do Rio Doce. Eu digo: “Ele gostava muito de mim.” Eu fiz uma visita depois que ele deixou de ser presidente. Mas tinha senador, deputados... Porque eram tantos senadores e tantos deputados... E fazíamos essas discussões aí pelos Estados Unidos. Pelos Estados Unidos! Pelo Brasil afora, geralmente em DC-3. E um amigo meu, que também estava fazendo o curso, que foi muito falado na época, que era... Ora, meu Deus! Que ele ficou famoso porque ele era major e foi diretor de trânsito do Rio de Janeiro. Era o coronel... Não, ele era major na época. Daqui a pouco eu me lembro do nome dele. Mas ele e o General Geisel, aquele que veio a ser presidente, né? Nós viajávamos nesse avião pelo Brasil em missão no Nordeste, no Oeste e tudo mais. Sempre nos DC-3, né? E então ficamos jogando buraco pra passar o tempo. (riso) Então eu me lembro do nosso amigo. Como é que ele chamava? Oliveira. Eles chamavam de Oliveira. “Oliveira, vamos trabalhar.” Então éramos nós três jogando buraco na viagem enquanto não chegávamos aos lugares a que a gente estava destinado. E o Geisel foi colega nosso. Ainda há poucos anos, três anos ou mais, nós celebramos cinquenta anos de ___, ele foi. ____ mas ele morreu já. Já à última, ele não compareceu, já estava morto. Mas era um sujeito muito interessante. Muito interessante. O General Geisel, eram dois irmãos. O irmão dele eu não conhecia bem, não. Mas, então, o negócio era ele. E publicava aquelas aulas, aquelas conferências foram todas publicadas. Eu tenho muitos folhetos daquele em casa. É muito interessante. E depois vem o ADESG. O ADESG, que é a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, né? Que muita gente, quando a minha turma o ano passado fez cinqeunta anos, eu fui de 1953. Então, cinquenta anos foi... É cinquenta anos. Cinquenta, foi 1950, né? Não. Bom, quando fizemos lá, eu fui o único que compareceu. Eles me deram umas lembranças e tudo mais. Fizeram um discurso lá e tudo mais, porque todos os outros tinham falecido. E um deles que prometeu ir a essa reunião, que era um jurista do Ministério da Fazenda, que era procurador do Ministério da Fazenda, ele também prometeu, mas eu acho ele não estava bom de cabeça, não. Prometeu e não foi. Eu fui sozinho. Estou sobrando, né? É, mas coisa tem isso. Esse Marechal Muricy era colega meu de turma. Ele faleceu pouco depois. Faleceu há um ano atrás, né? Ou talvez há meses atrás. O Muricy foi aquele célebre comandante da tropa que veio de Belo Horizonte em 1964. Que mais de Vale do Rio Doce?
P/1 – Quando o senhor assume a presidência da Vale do Rio Doce, é o período da inauguração de Tubarão. Como é que foi a inauguração?
R – A inauguração teve um fato pitoresco. Eu mudei pra lá, quer dizer, fiquei lá na casa de hóspedes de Tubarão uma semana antes, duas semanas antes, porque o negócio estava se apertando. E esse rapaz Ditzel, que era o chefe, eu todo dia tinha conferência com ele sabendo como é que ia ser. Afinal, a inauguração foi marcada. Muito bem. Foi marcada e aí começou a corrida pra... Quando chegou nas vésperas da coisa, o comando do transporte da descarga do vagão para botar na escavadeira e jogar no guindaste, pra jogar no navio o minério, né? Era comandado por uma verdadeira estação telefônica. E ele disse: “Ih, Oscar, o negócio está sério. Está perdido porque tem uma conexão que nós não podemos fazer. Os técnicos estão trabalhando.” Tinha uma mesa com plantas enormes quase do tamanho disso. Uma planta atrás da outra pra identificar o que é que era. E eu fiquei lá dando apoio moral a eles, porque eu não entendia do detalhe do assunto, né? E pra ver se a inauguração pode ser. “Mas e se não ficar pronta?” Eu disse: “Vamos tocando, vocês vê se vocês descobrem isso.” Eu já cansado e tudo mais, mas não fui descansar, não. Eu disse: “Olha, eu vou até a casa de hóspedes, vou botar um calção e vou pra praia. Vou dar uma andada na praia. Se vocês conseguirem solução pro problema, vocês soltem um foguete.” E a hora foi passando, foi passando, foi passando e nada do foguete aparecer. Quando chegou nove e meia. Xiiiii, bum! Eu digo: “Meu Deus!” Então eu perguntava: “O que é que você ia fazer?” Naquela época tinha passado um filme aqui que tinha uma situação parecida, né? Que era “Zorba o Grego”. Você assistiu o filme? Muito interessante. Que ele construiu um cabo aéreo, que era cabo aéreo. O tal do _____, não era cabo aéreo. Era coisa toda em cima do chão e ____. E o negócio na hora da inauguração começou a subir, descer, não sei se vocês lembram. Tremeu, tremeu, tremeu e despencou aquilo tudo. Aí o Zorba olhou pro presidente da República da Grécia, que era o outro personagem do filme e dizia: “O que é que vamos fazer?” Ele estendeu o braço assim e dançaram aquela dança clássica dos ____. Eu disse: “A única coisa que eu posso fazer é dançar também abraçado com o Marechal Castelo Branco.” (riso) Mas como de nove e meia até meio-dia, que era a hora da inauguração, tinha duas horas e meia, o negócio deu tempo de rearrumar tudo e tudo mais, foi aquela coisa. Quando deu a hora, o presidente apertou o botão e o navio começou a ser carregado, foi tudo, correu que foi uma maravilha. Eu me lembro bem até que o Geisel era chefe da Casa Militar da coisa e nós três estávamos no banco traseiro do automóvel, mas tinha uma pessoa na frente que eu não me lembro quem era. De maneira que nós tínhamos que ficar três, e geralmente nos automóveis não cabem três pessoas atrás. Nós estávamos apertados ali, mas andamos pelo cais. (riso) Tinha ainda um navio que estava representando a Marinha, de maneira que... É, foi um tempo de muito movimento aí e as teses foram, era muito interessante as ideias que se tinha antes e depois da... Uma ideia que tinha, que aquele, o primeiro presidente da Vale do Rio Doce foi um político mineiro chamado Israel... Israel...
P/1 – Pinheiro.
R – Pinheiro. Israel Pinheiro, né? E o Israel Pinheiro, de vez em quando, ia a Itabira e eu estava praticamente morando em Itabira porque a minha função lá era, de certa maneira, muito simples. Porque eu resolvi contar os vagões que chegavam a Itabira vindo de coisa, e que saíam de Itabira. Pra ver a velocidade, porque aqueles burocratas não ligavam a menor importância disso. Eu sei que o trem, o trem, o vagão para fazer o circuito completo levava 150 horas, uma coisa assim. E conseguimos reduzir isso para trinta e poucas horas depois e de uma atuação pessoal e meio esquisita. Porque um presidente, quer dizer, eu não era presidente eu era superintendente geral, está fazendo contando vagões, né? Mas, de qualquer maneira, se ninguém fazia, alguém tinha que fazer, né? E foi um sucesso na Vale do Rio Doce. Agora, tinha pra essas, pra se fazer um projeto de tudo, inclusive do Porto de Tubarão, nós precisávamos exportar mais minério. E era a tarefa que tinham me dado. Exportar. Que o Marechal Castelo Branco tinha me dado: exportar mais minério. Então pra isso precisava, não tinha locomotivas. Eu tinha feito uma viagem ao longo do mundo, que começou pela Suécia, onde tinha uma mineração que era importante na época, pra ver os tipos de locomotivas que eles usavam. E, ah, vamos, vai. Uma luta muito acirrada entre a General Motors, a General Eletric e uma outra fábrica de locomotivas que era famosa antes desse tempo. Era locomotiva a vapor, mas que ainda estava no páreo. E eu visitei esses lugares todos e vi como é que funcionava. E cheguei à conclusão, e a minha tarefa nessa viagem que terminou na África, naquele paisinho de Serra Leoa, né? Onde houve essa revolução e tudo mais, que era também exportador de minério. E essas locomotivas, cheguei à conclusão que a locomotiva melhor era a General Motors. E voltei e disse à diretoria: “Olha, a minha missão está cumprida. Não tem dúvida que é a General Motors.” “Mas por que é que a General Motors é a melhor?” Eu disse: “Aí eu repito a coisa que quem representava a General Motors no Brasil, ou quem era o técnico...” Era um colega meu de turma de engenharia. Francisco de Oliveira, não era meu parente mas tinha o mesmo sobrenome que eu. E uma vez eu perguntei: “Por que é que essa locomotiva é melhor?” Então comecei a fazer cálculos, ele disse: “Não, é melhor porque ela é melhor. Ponto. Ponto final. Não tem conversa.” (riso) Ela é um sucesso em toda parte que ela, e realmente foi um sucesso. Antes disso eu consegui locomotiva emprestada da Rede Ferroviária Federal, que todo mundo dizia que eu não ia conseguir de jeito nenhum. Elas foram emprestadas e eles começaram a transportar minério até Itabira. Trafegando nas nossas linhas, né? Porque ninguém, ninguém, o pessoal burocrata não entendia isso, né? Quer dizer, alguns burocratas não entendiam como é que uma locomotiva de outra estrada de ferro poderia trafegar e deveria trafegar na nossa linha. “Mas nós estamos ganhando dinheiro com isso.” E eles também, porque nós pagávamos aluguel a eles, né? Era um tipo de aluguel de transporte. Mas eu estava falando com o Israel Pinheiro, e o Israel Pinheiro me disse: “Um erro você nunca faça...” Ele disse, ele já morreu há muitos anos. “É colocar mais de três milhões de toneladas de minério na Vitória-Minas. Ela não aguenta.” Eu sei que dez anos depois nós pusemos cem milhões de toneladas de minério em cima da mesma estrada de ferro que ele dizia que não podia passar três milhões. (riso) Então de vez em quando, ele me dizia que eu era ferroviário, aqueles engenheiros mais antigos, eu não sei, isso chega ao ouvido que alguém falou mas não diz quem falou. Que eu era engenheiro do asfalto. Mas o negócio era interessante, eu inaugurei, naquela época, outra coisa relativamente simples, que é o walktalk. Então equipei todos os manobreiros e todos os maquinistas de locomotiva de walktalk. “Mas como? Você tem o seu regime de licença e tudo mais.” Regime de licença é uma roda grande de uma espécie de galho, né? De galho que até aquele negócio de vara de marmelo, que você fazia uma roda e botava a licença para o maquinista receber uma ordem por escrito de que ele podia, tinha linha livre e que podia atravessar as estação. E eu comecei a matutar, pensar e tudo mais, e disse: “Isso é uma loucura.” Porque o homem pra tirar uma licença, ele tem que estar em velocidade baixa. Porque aquilo em alta velocidade, o sujeito meter aquela e vir com aquela trapizonga na coisa. Então eles diminuíam a velocidade pra estação. E já naquela época, eu também inaugurei o trem longo, né? O trem que começou com três locomotivas, depois com quatro locomotivas, e acabou com cento e tantos vagões. Coisa nunca vista na Vale do Rio Doce anteriormente. Eu e o pessoal subordinado, né? Mas então, voltando, ele diminuía a velocidade na estação pra poder apanhar a licença. Então eu estabeleci o seguinte: “Você se comunica, vem, mantém a velocidade porque..” É o que se chama o mv2, a massa pelo quadrado da velocidade, né? Se ele diminui, um trem pesado daqueles leva até uma hora pra recuperar a velocidade anterior. E com isso você atrasa o ciclo, que eles chamam, de velocidade comercial. O ciclo de transporte de minério. Então ele pedia a licença, a licença era dada pela coisa, mas com confirmação com a tal roda que eles, que o pessoal lá antigo, tanto prezava, né? Mas nessa altura ele estava em velocidade alta constante. Se a licença fosse negativa ele parava o trem. Porque dizia que tinha tido um desastre na frente, uma obstrução qualquer e tudo mais. Essa era a segurança, que era muito boa pro século XVIII, pro século XIX já estava um pouco superado. Mas tinha muita coisa interessante aí na... Mais perguntas.
P/1 – O senhor comentou do porto, a ferrovia, mudanças na ferrovia. E na mina? Nesse período se mexeu em alguma coisa na mina? Aumentar a produtividade, alguma coisa?
R – É, aumentou muito, sim. É, e eu justamente dava muita atenção à mina, tanto que eu fui lá e fiquei lá estacionado durante meses, né? Porque tinha... Ah, vamos ver o que é que foi de mais notável na... É, a mina não tinha muito problema porque o superintendente era um engenheiro muito, muito bom. Francisco Fonseca Filho. O pai dele era concessionário de energia elétrica de São João Del Rei, dos velhos tempos. Ele morreu com quase cem anos anos, acho que beirando cem anos. Eu fui à missa de noventa anos dele. À missa não. À comemoração lá em Belo Horizonte de quando ele fez noventa anos. Mas ele morreu há algum tempo depois. Ele era um engenheiro de minas fantástico. Ele tirou, como o Israel Pinheiro tirou também...
(pausa)
R – Pode fazer a pergunta.
P/2 – A questão era sobre os cuidados com o meio ambiente. Eu queria que o senhor falasse.
R – É, isso era uma constante, eu estava muito imbuído. Quando ninguém falava em meio ambiente, ninguém falava em... Como é que se chama? Essa palavra mais comum?
P/2 – Ecologia?
R – Ecologia. Eu já dava ecologia aos meus alunos, né? Eu, praticamente, não digo que inventei, mas eu fui contemporâneo da invenção da palavra. Da palavra ecologia, né? Que é o estudo do meio ambiente, né?
P/2 – E que tipo de preocupação vocês...
R – Isso é polimorfo, né? Porque tem a poluição gasosa que é o óxido de carbono, monóxido de carbono. Que os automóveis e caminhões de gasolina e de diesel fazem, que o álcool não faz. O álcool é o único combustível que tem se usado para veículos e automotores que não tem poluição, né? Porque o produto dele é CO2 e água, quer dizer, ele não dá o monóxido de carbono. De maneira que, agora, muitas outras coisas... Aquela lavagem que se fazia do minério e soltava finos, descia pelos rios lá de Itabira e ia contaminar os peixes até o Rio Doce, né? Porque de Itabira desce aquela água suja, descia aquela água suja das chuvas e tudo mais e ia contaminar o rio. De maneira que tivemos proteção, foram feitas barreiras, barragens para barrar aquilo e fazer os depósitos de finos. E que felizmente esses finos devem estar sendo, eu não tenho notícia ultimamente, mas devem estar sendo recuperados. Porque eles ficaram naqueles depósitos, dentro daqueles grandes... Ah, agora eu estou me lembrando da denominação portuguesa: albufeiras. Albufeiras são depósitos de água feitos com barragem, né? E que a água serve para gerar energia elétrica e tudo mais. É uma expressão nunca usada no Brasil, albufeira. Eles falam depósito, barragem. Barragem e reservatório, né? Nós usamos reservatório, eles usam albufeira. Bom, mas, de qualquer maneira, isso foi muito, muito visado em todos os sentidos que você possa imaginar. E plantação de espécies vegetais pra manter a pureza do ar. Porque as plantas são fabricantes de oxigênio quando estão crescendo, né? Depois que elas param de crescer, não tem nada porque dizer que a floresta amazônica deve ficar intocável e tudo mais. Não. Enquanto ela cresce, ela tem a função de tirar o gás carbônico do ar, produzir oxigênio e botar pra fora o oxigênio. Mas depois que parou de crescer, isso não acontece. De maneira que dizer, de uma forma frouxa, que é o pulmão do Brasil a floresta amazônica, não é verdade. Porque tem muitas árvores, que a árvore cresce é como a gente: cresce, envelhece e morre, né?
P/2 – Hum, hum.
R – Árvore morta não produz coisa nenhuma. Nem oxigênio, nem mesmo o gás carbônico.
P/2 – Toda essa ação era voltada pro local ou também existia uma preocupação com a educação ambiental com os funcionários?
R – Bom, isso na minha época era muita coisa nova, né? Que eu realmente, quer dizer, tendo viajado muito e visto muita coisa pelo mundo afora, sendo professor e tudo mais, eu estava sempre vendo coisa nova. De maneira que as novidades se faziam, mas essa educação, no meu tempo, não chegou a ser feita. Embora, em publicações e tudo mais, a Companhia sempre tenha feito bastante coisa a respeito, contra a poluição.
P/1 – Seu Oscar.
R – Ahn?
P/1 – O senhor foi pra Itabira na década de 1950. Como é que era a relação da comunidade, do povo de Itabira com a Vale e da Vale com o povo de Itabira? O que é que o senhor sentiu dessa relação na época?
R – Era uma relação muito boa, sabe? Muito boa. Os operários naquela época tinham casa, havia vários problemas que foram criando com o aumento rápido da Companhia e da tecnologia que aumenta a produtividade. Quer dizer, fazer a mesma produção com menos gente. Mas a gente sempre tem que aumentar o número. De maneira que nós aumentávamos o número de casas, as casas eram praticamente gratuitas, né? E criavam problemas sérios. Porque os novos empregados queriam casa também. Mas eu escrevi uma célebre carta, tão o célebre que até há pouco tempo me mandaram uma cópia dela, em que eu dizia que o departamento de minas estava se transformando numa grande empresa imobiliária com uma pequena sessão de mineração. Porque era fabricar casas, casas e mais casa pros operários e tudo mais, e que não era acompanhado pela produção. Pela produção de minério para exportação e tal, que era nossa fonte de rendas. De maneira que... Mas era muito facetada essa questão de ambiente, sabe? Estava muito entranhado no subconsciente meu, pelo menos, e também do engenheiro, que era o Doutor Fonseca, que era um sujeito de muita visão. Era um homem de tanta visão que ele vivia no seu canto lá em Itabira, sempre só com as minas. Não teve, nunca demonstrou uma ambição de subir. Foi oferecido a ele várias vezes lugar de diretor, ele sempre recusou. Mas era um homem de grande conhecimento. Ele tirou,, quando ele era moço, o prêmio da Escola de Minas de Ouro Preto. Que é a Fundação de um francês chamado Gorceix. Até que é interessante, porque tem uma rua Gorceix em Ipanema e que minha filha chamava “Gorcéx”. “Não, é Gorcéx.” (riso) Ele era francês. Mas ele tirou o prêmio e passou um ano ou dois anos praticando a siderurgia. Ele era um grande engenheiro mecânico também. Era uma coisa impressionante ele. Inclusive trabalhando com as próprias mãos, né? Ele fazia tudo o que era preciso fazer, ele mesmo. Mas voltando ao que eu ia dizer... (pausa)
P/1 – Do Gorceix?
R – Como? É, tem o Gorceix. Ah, bom, o negócio é interessante. É interessante e tem a ver com o Porto de Tubarão. Ele, então, era um homem muito estudioso, muito reservado. Quer dizer, ele ficava lá em Itabira e lá desenvolvia os seus projetos. Ele melhorava o que podia melhorar na mineração, porque ele entendia muito daquilo e tudo mais. Então, ele, quando o Porto de Tubarão foi inaugurado, nós tivemos um problema que foi levantado, eu não sei se por mim ou por outra pessoa qualquer, que é muito óbvio de como convidar os nossos, os nossos consumidores de minério de ferro. Então, imaginava-se que os convidasse pra inauguração do Porto de Tubarão, que era uma obra importante e um elo importante da cadeia de transporte da coisa. Mas, afinal, com a proposta do comercial que era o tal Rangel, Orlando Rangel, ele sugeriu que nós convidássemos cada consumidor de uma vez. Então as usinas francesas, as usinas alemãs, as usinas italianas e tudo mais, elas vieram separadamente, né? Então tinha um programa em que eles faziam uma espécie de entrevista, como vocês estão fazendo comigo, pra saber do que é que tinha acontecido na Vale do Rio Doce no passado, o que ia acontecer no futuro, né? E interessante é que, então, começava no Rio de Janeiro e terminava em Itabira. Mas não é que a grande vedete era o Doutor Fonseca? Todos os consumidores diziam: “Que homem extraordinário.” Eu tenho até emoção, porque era muito amigo dele. (chora) Fez falta. Fez falta. E no grande final do negócio de aproveitamento de finos, ele, com toda sua experiência, colaborou com os alemães que fabricaram a primeira usina de aproveitamento de finos e de pellets, ele é que deu o toque final da coisa. Porque fez o tal laboratório que eu prezava muito. Eu era homem de pesquisa lá na universidade e tudo mais, de maneira que prezava muito essas coisas. Esse laboratório foi um sucesso e ele desenvolveu, com seu conhecimento e com seus auxiliares, o projeto alemão que foi um sucesso. Até hoje deve estar funcionando, não tenho tido notícias. Que são as fábricas de pellets, de pelotas. Que o fino, o tal fino misturado com areia, foi todo separado, de maneira que contribuiu com esse grande mercado que foi o mercado das pelotas, né? Que em inglês se chama de pellet.
P/1 – Seu Oscar, ________ a presidência, o que significava presidir uma estatal? Quer dizer, pressão política,como é que a posição do senhor era em relação à empresa e ao Governo? Como é que se fazia isso?
R – Bom, eu tinha adoração, porque eu estudei muito sozinho e tudo mais, mas estudei muito administração do tipo privado, né? E procurei, no que pude, implantar na Vale do Rio Doce. Inclusive o próprio computador, fui o primeiro a ter a ideia de botar o centro de computação lá em Vitória, e tudo mais. Mas a ideia é nada. É uma coisa que você pega no ar assim. O negócio é o desenvolvimento. A coisa desenvolveu e tudo mais, e é hoje a potência que é a informática no mundo inteiro, né? Mas, então, nos métodos eu procurava ser o mais privado possível. Eu aprendi muito com os ingleses porque eu trabalhei na Light muito tempo. E a Light, no período em que eu trabalhei, ela embora o head quarters dela, o escritório máximo, fosse em Toronto, no Canadá, ela era muito assessorada por Londres. Pelo pessoal inglês. Da Inglaterra, né? Mas os canadenses são muito bons também. De maneira que a política entrava na Vale do Rio Doce e a gente não contrariava. Quer dizer, o pessoal de dentro não reagia contra a nomeação dos diretores, que eram quase todos de nomeação política, né? Mas era uma gente boa, uma gente bem escolhida, sossegada, que não criava caso e tudo mais. De maneira que a gente apresentava os problemas a eles e eles entendiam. E a coisa era muito tranquila. Era excepcionalmente tranquila. Apesar de ser tudo naquele... O Governador de Minas Gerais, o Comandante não sei de quê e tudo mais, é que pedia por aquele pessoal. E aquele pessoal, final da linha, eles recebiam tudo já elaborado. ______, eles podiam modificar tudo se quisessem. Mas eles não tinham... (riso) Eu me lembro até uma piada, que quando eu cheguei lá tinha um diretor que eu não sei o nome dele. Se eu soubesse o nome dele, se eu conhecesse ele, eu não contava essa história. A Vale do Rio Doce, antes mesmo do meu tempo, mandava os diretores viajarem pro estrangeiro, né? E um deles foi pros Estados Unidos e, naquela época, os Estados Unidos, não sei se vocês já estivera. Era preciso estar naquela época. Época de 1950, 1960 e tudo mais. Em todo restaurante o garçom perguntava: “Coffee now or later?”
P/1 – Hum, hum.
R – Porque era mania de tomar café, né? Hoje já não usam mais essa expressão. Então caçoavam porque esse diretor disse assim: “Leite, não.”
P/2 – (risos)
R – (risos) “Coffee now or later?” “Leite não.” (risos)
P/1 – (riso)
R – E, então, de maneira que as relações foram sempre muito boas. Espantosamente boas. É. Nós, eles davam o seu voto, aprovavam. Aprovou, por exemplo, o negócio da Usiminas, da Vale do Rio Doce ser sócia da Usiminas. Foi aprovado. Naturalmente, a gente apresentava, cada diretor que tinha um projeto e apresentava a sua argumentação, né? Mas eles aceitavam e sempre foi gente muito pacífica. Mas, realmente foi uma coisa extraordinária. A gente não pensava que isso aconteceria porque a fama das estatais era dura, né? Era de nomeação e excesso de gastos e tudo mais. E isso, no meu tempo na Vale do Rio Doce, nós trabalhamos muito pra ter gente muito competente e economizando os recursos da Companhia se entrasse ou não. E a Vale do Rio Doce é o que ela é hoje, né? Quer dizer, a empresa de maior lucro que o Brasil, com grande orgulho pra nós. Pra nós que tivemos uma pequena colaboração. Porque toda colaboração, embora seja grande individualmente, ela é pequena no conjunto, né? Cada um trás a sua pá de massa pra construção. Mas é realmente uma pergunta interessante, porque as pessoas acham que a Vale do Rio Doce desviou-se do caminho comum das empresas, de muitas organizações estatais, né? Sempre tendo lucros. E há muitos episódios interessantes. Eu, por exemplo, pouco tempo depois de estar lá como diretor, porque eu fui diretor desde o princípio. Era superintendente geral, mas era diretor superintendente geral. E eu comecei a ver o negócio dos dividendos e cheguei à conclusão de que Companhia Vale do Rio Doce estava pagando dividendos do seu lucro. Então foi um estudo que foi feito muito interessante sobre o estatuto. Fui obrigado a _____ o estatuto e disse: “Olha, nós estamos esgotando a riqueza da Vale do Rio Doce. O patrimônio dela que é a mina. Que tem tantos milhões de tonelada, mas que um dia acaba.” Especialmente mineração, acaba, né?
P/1 – Hum, hum.
R – Como o Cauê acabou... O Cauê era um pico de tantos metros de altura e virou um buraco de tanto, de grandes metros de profundidade, né? Então eu consegui provar à Diretoria que nós estávamos pagando dividendos, estávamos acabando com o tesouro da Companhia. Quer dizer, o patrimônio dela. E isso foi aceito. Foram duas modificações. Esse foi o fundo de reposição dos minérios, eu não me lembro mais que nome eu dei. Mas o nome que eu propus foi aprovado. E depois tinha outra coisa também, que estava ___ patrimônio. Ah, mas depois que fizemos, o valor das ações da Vale do Rio Doce tomou um impulso tremendo. Ela subiu foi pras alturas, né? E tinha muitos consumidores, muitos acionistas, porque, embora isso acontecesse, que a Companhia estava pagando de dividendos e tudo mais, eram muito poucos acionistas. Porque eles compraram ações quando a empresa foi fundada em 1942, com aquele impulso nacionalista e tudo mais, e depois esqueceram. As ações deles ficaram sem valer nada. E nós nem sabíamos, a Vale do Rio Doce nem sabia quem eram os acionistas. Eu disse: “Não, isso não é possível. Houve gente que quis se associar daqui.” Eu digo: “Mas se o acionista não aparecer, vamos fazer um balé aqui. Que tal nós comprarmos a coisa?” Vieram me oferecer, eu digo: “Não, isso é do acionista. É sagrado. E nós estamos aqui é pra defender esse patrimônio que é dos acionistas. Não é da empresa. É da empresa operacionalmente, mas na sua origem foi o acionista que pôs o seu capital pra gerar e dar lucro ____ pessoa.” Mas aí o negócio e tal, eu assinava ações porque multiplicava as ações. Assinava as ações. ____ dizia: “A sua assinatura já é um carimbo.” Tinha aquele monte de ações que eu tinha que assinar como diretor. Mas de maneira que houve muitas coisas interessantes. E às vezes eu discutia com os contadores. Eu não era contador, mas era engenheiro, usava uma certa lógica, né? E mesmo o contador disse: “Bom, mas a gente não paga imposto de renda.” Eu disse: “Mas devíamos pagar. Porque o que nós queremos é a renda, se não tem renda, não paga imposto de renda. Então vamos ter renda e vamos pagar imposto de renda com todo prazer. Que é obrigação. Obrigação de todo mundo que tem lucro, né?” É, mas as coisas já estão se misturando um pouco no tempo, né? A gente fica...
P/2 – Depois da gestão do senhor como presidente, o senhor saiu, fez outras coisas, voltou pra Vale?
R – (suspira) Não, eu fui presidente e, como presidente, deixe-me ver... Eu fui licenciado pra ir pra universidade, né?
P/2 – Hum, hum.
R – E fiquei, a universidade era pobre e tudo mais, não podia pagar muito e fiquei...
P/1 - ____________
R – Não é meu paletó, não, né? (riso) Mas eu fiquei arrendado, por assim dizer, como presidente licenciado, né? Licenciado que eu fui ao Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. Fui Vice-Reitor de Desenvolvimento da PUC. O que mais? _____ qualquer outra coisa. Quer dizer, eu não voltei propriamente à Vale do Rio Doce. Eu cumpri o tempo da Vale do Rio Doce, que eu fiquei dezoito anos ligado à Vale do Rio Doce. Entre eu entrar como superintendente geral e até eu me aposentar, acho que foi em 1974 ou 1975, eu fiquei dezoito anos.
P/1 - O senhor saiu da presidência, exatamente, por quê?
R – Ah, é uma boa pergunta. É uma boa pergunta. Bom, o presidente é um cargo de confiança da... Era da época de empresa estatal, era da confiança do Presidente da República, né? E eu fui substituído, pelo Dias Leite. Dias Leite, que depois foi Ministro das Minas e Energia, né? Agora não me lembro em que circunstâncias. Eu sei que isso tem sempre uma parte política de Minas, de tudo mais. O negócio é muito complicado. Eu não dava muita atenção a isso. Não que eu não desse valor, mas não me gravou muito na cabeça, não. Então, o Presidente da República tem a liberdade de nomear quem ele quiser. Ele me tira e põe outro. Pôs o Dias Leite. É, ele foi meu sucessor. Exato.
P/1 - O senhor comentou da Usiminas. Foi na gestão do senhor que a participação na Usiminas surgiu?
R – Foi, foi, foi. Foi na minha participação. Na minha, eu já não sei bem se foi como presidente ou como diretor só. Porque eu me lembro é da visita que o Ministro da Fazenda fez a mim lá, comentando isso. Que era preciso que a Vale do Rio Doce desse apoio à Usiminas. Como é o nome dele? O pai do...
P/2 – Lopes.
R – É, do Lopes. É, do Lucas Lopes. O Lucas Lopes gostava muito de mim. Nós nos dávamos muito bem. (riso) Engraçado que eu era amigo também do Bulhões, né? Aí, de vez em quando, o Bulhões era Ministro da Fazenda, e Ministro da Fazenda era realmente o caminho para a Vale do Rio Doce. Porque era o detentor das ações, estava no Ministério da Fazenda. Mas foi muito interessante que ele dizia assim: “Nós temos aqui no ministério muitos procuradores, mas muito poucos achadores.” (riso)
P/2 – Nesse tempo aí de Vale, de vida profissional do senhor, qual era a diversão? O que o senhor gostava de fazer quando não estava no trabalho?
R – Xuuuu... Era difícil porque eu me empenhava no trabalho. Até eu usei uma expressão quando eu fui consultado, porque eu fiz uma viagem à Europa em que acompanhei seis engenheiros recém formados. E fui pra Europa, comecei em Portugal, passei pela França. Tinha um mês na Itália, da Itália voltamos à França e da França fomos à Inglaterra. Da Inglaterra fomos à Bélgica, da Bélgica fomos pra Suécia e da Suécia voltamos pra Alemanha. Estivemos na Alemanha e acabamos lá na Áustria e, depois, na Suíça. Quando eu voltei tinha havido... Sim, é, quando eu estava em Lion houve a tal revolução de 1964, né?
P/2 – Hum, hum.
R – E apareciam aquelas coisas, apareciam coisas muito estranhas. Primeiro eu não recebia carta daqui do Rio, né? Porque eles... Não sei quem são eles. As cartas eram todas recolhidas, né? Não conseguia. Eu pensava que fosse uma má administração do contato que nós tínhamos da Itália na França. Até passei um telegrama desaforado que não era possível que eu não recebesse carta durante tanto tempo. E minha mulher com tantos filhos, naturalmente ela estava lá na comitiva, ela sentia, sentia mal, chorava e tudo mais, não tinha notícias do Brasil e tudo mais. Quando eu voltei e voltei fui aos Estados Unidos ver uma filha que morava lá, essa mais velha de todos dessa fotografia. Que o marido dela estava fazendo estágio lá perto de Chicago, numa cidadezinha lá perto de Chicago. E depois eu vim pro Brasil. Quando eu cheguei no aeroporto, tinha uma quantidade de gente me esperando e me abraçando. Eu disse: “O que é que há?” “É porque toda a diretoria da Vale do Rio Doce foi demitida menos você. Você não foi demitido.” Eu disse: “Bom, mas o que é que eu vou fazer, eu não sei.” Se o Eliezer continuava como presidente... Porque enquanto eu estava na Europa, eu passo telegrama pra ele perguntando a ele se eu devia voltar. Ele dizia que não. Que eu aguentasse mais tempo e tudo mais porque as coisas estavam indefinidas. Mas de qualquer maneira... (riso) E aí o presidente, que foi um empreiteiro lá de Belo Horizonte, que tinha sido nomeado como uma espécie de interventor... Como é o nome dele? É um sujeito conhecido.
P/1 – Paulo Vieira?
R - É, Paulo Vieira. O Paulo Vieira, ele foi nessa parte intermediária. E ele então me fez uma carta perguntando se eu estava disposto a continuar na Vale do Rio Doce e tudo mais e como é que seria o regime de trabalho. Eu disse: “Olha, o regime de trabalho meu na Vale do Rio Doce, não é nem full time.” Eu escrevi isso, né? “É full life.” Ele disse: “Bom mas eu não entendo essa expressão full life.” Não entende porque não quer. Porque é tão clara, né?
P/2 – Hum, hum.
R – É, foi demais. Mas, de qualquer maneira, foi uma revolução dos ex-diretores. Foi o diretor lá do Espírito Santo, que tinha ajudado muito a revolução, né? Se vocês disserem o nome eu _____. É lá de Cachoeira de Itapemirim, lá daquela zona lá. O Mimoso, né? É de Cachoeira de Itapemirim. E ele relatou que ele tinha ajudado muito o Governo e tudo mais. Afinal, tinha sido demitido da coisa e o Doutor Oscar tinha ficado. Aí o presidente, me disseram depois, disse o Ministro das Minas de Energia, depois me disseram: “Bom, se é isso, então, o Oscar sai também.” Então me demitiram. (riso) Foi demitida a diretoria inteira. Mas pouco tempo depois, o Vieira, o Vieira ficou agindo como presidente, quando chegou lá em dezembro, houve qualquer atitude de revolta da diretoria da Vale do Rio Doce contra a política do Governo de exportar minério. Achava que havia aquela ideia, provavelmente uma ideia parecida, senão igual, eu não posso garantir que fosse igual ao tempo do Bernardes, né? Que dizia que exportava minério e só sobrava buracos. E não estavam de acordo com a exportação _____________ de exportação de minério e tudo mais. Até que um dia o Ministro das Minas e Energia, que era o Mauro _________, tinha sido diretor da CEMIG, né? Ele me procurou e disse: “Olha, eu tenho ordens pra convidá-lo pra ser presidente da Vale do Rio Doce. E nós precisamos de você e tudo mais.” Ele não se referiu, mas havia dois ou três diretores que estavam comentando que não era uma coisa apropriada e tudo mais. Eu não sei, eu não entrei na questão. Eu sei que quando eu entrei, eu chamava a minha missão de Operação Rescaldo. Aquela que os bombeiros fazem depois pra esfriar as paredes pro fogo não aparecer novamente, né? E daí então é que eu fui pra presidente. Eu sei que a revolução foi em março, né? Eu cheguei em junho. Em que a diretoria tinha sido toda... Também não sei dos detalhes de como e por quê, a diretoria foi demitida. E eu fui nomeado em final de dezembro de 1964. Tomei posse em janeiro de 1965. E aí que eu fiquei durante algum tempo, já nem sei, o currículo _____ deve ter. Até que mudou toda, o presidente e tudo mais. Nem sei quem era presidente no tempo de quem nomeou o Dias Leite. Mas o Dias Leite tinha sido convidado por mim, que o sócio dele era um cunhado dele. Chamava-se Kafuri, que era professor de Economia Política da Escola de Engenharia. E que tinha se tornado muito amigo, muito companheiro. Eu então dei a ele o escritório dele, que ele tinha escritório com o Dias Leite de reorganização da Vale do Rio Doce. Assim foi feito e os dois trabalharam muito. Inclusive, o Dias Leite que era da firma que chamava-se... Não é Ecotec?
P/1 – É Ecotec.
R –É Ecotec?
P/1 – Hum, hum.
R – É, chamava-se Ecotec. (pausa)
P/1 – O senhor que contratou a firma pra ________?
R – É, e eles fizeram o trabalho. Aliás, eu também fui o instrumento de contratação para fazer a reorganização da Federal do Rio de Janeiro, da administração e da organização da Federal. E gostava muito do Kafuri, o Kafuri era um homem muito sério. Mas aí eu tive uma,... Aí eu não posso pedir que... Eu já sei que vocês não admitem nada off record, né?
P/1 e P/2 – (riso)
R – (risos) Aconteceu uma coisa que eu achei estranha. Logo depois da posse do Dias Leite ele e o Kafuri entraram no meu gabinete, que eu ainda era presidente, né? Naquele momento, eu estava saindo, e pediram a prorrogação do contrato que eles tinham, que eu tinha feito com eles, né? Eu achei que eticamente não foi uma ocasião própria nem... Eu disse: “Bom, eu prezo muito vocês e tudo mais. Vocês fizeram um bom trabalho, se vocês estão querendo isso, eu faço.” E fiz o que talvez eu não devesse ter feito. Mas era comprar uma briga à toa, né? Que isso não daria em nada. E eu prorroguei o contrato deles já tendo saído da presidência, né? Mas eles, Dias Leite e o Kafuri, sabem perfeitamente que eu estou dizendo a verdade. Agora, muita gente pode duvidar, né? Pode dizer que eu estou fazendo uma calúnia sem motivo, né? Mas é isso.
P/1 – Bom, Seu Oscar, o senhor comentou de um grupo que era contra a exportação? _________ do Bernardes __________. De onde... Que grupo era esse? Onde que vinha essa...
R – Era um grupo de bons auxiliares, que tinham sido aqueles auxiliares contratados. Bom alguns contratados por mim, por exemplo. Parece que uma das pessoas, mas eu não posso garantir devido ao tempo. Parece que o Roni era um deles e o outro era o Linhares, não sei se tinha mais alguém, que não estavam de acordo com a política de minérios que o Governo estava propondo. De maneira que foi isso.
P/1 – O Governo estava propondo diminuir a exportação?
R – Não. Aumentar a exportação.
P/1 – Aumentar?
R – Aumentar a exportação. Aumentar, tanto que ele disse: “Em vez de você produzir homens engenheiros, eu quero que você produza minério.” Por isso é que ele me chamou pra Vale do Rio Doce de volta. “Quero que você aumente muito a produção da Vale do Rio Doce. Aí é que teve o tal documento, teve um documento qualquer em que se manifestaram contra, que era a política de minério da Vale do Rio Doce instalada pelo Presidente. Que se não me engano era ainda o Marechal Castelo Branco. Não, era o Marechal Castelo Branco sem dívida. ______________ foram contra. Daí eu dizia Operação Rescaldo, porque eles durante muito tempo trabalharam comigo tranquilamente, até que um dia, um dia, não o Linhares, o Linhares continua bem. Mas o nosso amigo...
P/1 – Roni.
R – O Roni e o outro, que depois foi presidente do BNDES.
P/1 – Marcos Viana.
R – Marcos Viana, né? É eles realmente tomaram uma atitude mais franca, foi logo depois disso. Eu disse, bom: “Se vocês não estão de acordo com o Governo, eu estou de acordo com o Governo. Então vocês escolhem: ou vocês são demitidos ou vocês pedem demissão.” A vantagem deles serem demitidos é que eles podiam ser reintegrados depois, né? Eles escolheram que queriam ser demitidos. Então eu demiti eles. (riso) Mas demiti porque eles pediram. Pediram. Eu dei essa opção pra eles. De maneira que foi isso, e os dois saíram. É uma pena porque o Marcos Viana também era um homem hábil, bom projetista, bom organizador e tudo mais. Mas o Roni foi meu assistente muitos anos, né? Era excepcional. Ele mandava, tinha cada parecer dele que era parecer de juiz. (riso) De juiz antigo e tarimbado. Era muito, muito bom. Mas muito ambicioso, né? Ele era muito ambicioso. Ambição é sempre boa porque é o limiar do progresso, né? A pessoa ter uma ambição não tem nada de mal.
P/1 – Seu Oscar.
R – Ahn?
P/1 – Em 1965 teve uma CPI também, não teve?
R – Quem?
P/1 – Uma CPI em 1965?
R – Ah, teve.
P/1 - ____________ não foi?
R – Enh?
P/1 - _______________
R – É, foi naquela época. É naquela época. Foi. Eu fui à Brasília prestei declarações lá, mas a coisa era muito infantil. Teve um ex-diretor, naquele tempo eu acho que ele tinha voltado a ser diretor, não sei. Bom, o negócio é que o tempo é que me atrapalha um pouco. Mas, de qualquer maneira, a Comissão de Inquérito, Parlamentar de Inquérito me fez perguntas sobre todos que eu respondi. E quando chegou na vez do nosso amigo Linhares, eles perguntaram primeiro a mim. Eu disse que era totalmente a favor da exportação de minério pelo porto do Rio de Janeiro. Que vinha somar, que o Brasil precisava de exportar, como precisa hoje, né? A exportação é a salvação. Mas que nem muita gente entende isso e eu era a favor. E o Linhares foi contra. “Ah, mas isso é um absurdo, porque...” Ele fez uma regra de três qualquer lá. Já não me lembro mais com detalhe, mas ele, o argumento dele era contra a exportação para o Rio de Janeiro. Ele disse: “Nós vamos fazer o máximo possível para deixar o Rio de Janeiro com os _______ do Rio de Janeiro.” É verdade que eu tinha trabalhado no Antunes já nessa época, mas não tinha ligação mais com o Antunes nenhuma. Ele podia dizer que eu estava protegendo o Antunes e os seus sócios, que ele tinha vários sócios lá no Vale do Parauapebas. Mas não era isso, não. Eu era favorável é que o Rio de Janeiro se tornasse em grande exportador de minério como era a Vale do Rio Doce. Como já era e como veio a ser depois disso. Mas é isso.
P/1 – Mais alguma...
P/2 – Antes de terminarm eu teria uma pergunta: qual ou quais são os momentos mais marcantes nesses 85 anos de vida do senhor?
R – Ah, da minha vida?
P/2 – É.
R – É uma coisa simples. Mas eu tive várias satisfações, mesmo na Light, o superintendente da Light e, portanto, do gás, que o gás era um departamento da Light naquela época, ele não era uma empresa independente, era um engenheiro chamado...
P/2 – Moraes?
P/1 – Moraes?
R – Não, não, o Moraes era químico na ___________. (riso) Ele trabalhou comigo muitos anos. Greig, Um homem mais alto que eu, uma testa pequena, mas um homem muito capaz, muito tarimbado e tudo mais. E nós nos demos muito bem todo o tempo. De maneira que foi uma satisfação. Até que ele precisando de, que a Light precisando de novos executivos, isso é uma imaginação minha, mas a coisa faz lógica, só pra explicar a vocês. Eles encarregaram ele de selecionar uma pessoa que fosse, fosse a uma visita, fazer uma visita ao Canadá, Toronto. Pra ser conhecido e tudo mais, para promoção, né? Promoção essa que acabou vindo, eu estou antecipando, acabou vindo como superintendente de departamento que era o segundo escalão da Light. A Light tinha superintendente geral, que era esse inglês, e logo abaixo tinha os vários superintendentes de departamento. Muito bem. E eu fui escolhido. É uma, foi satisfação, é um orgulho disso, né? Então eles prepararam tudo, disseram que eu fosse aos Estados Unidos, visitasse nossos fornecedores. Fornecedores com que eles estavam habituados a lidar, do gás. Fabricantes de medidores e de aparelhos de controle e tudo mais, e que fosse a Toronto. Então eu fui. Fui eu e minha mulher que estava esperando a Maria Eugênia, essa ______. Estava esperando a Maria Eugênia, foi até uma dúvida se ela podia viajar de avião ou não. Tomamos um avião aqui da falecida Brame, Branif, né?
P/2 – Hum, hum.
R – Que demorou, do Rio até Nova Iorque, trinta horas. (riso) E minha mulher grávida, coitada. Com as pernas inchadas de sentar aquele número de horas lá. Porque parou em São Paulo, parou em Lima, de Lima parou no Panamá. Do Panamá parou em Cuba, em Havana. E aí desceu em Miami, de Miami então é que fomos num avião muito lento, mas uma viagem muito interessante, porque ele voou em cima de um vulcão em erupção, né? Então aquela quantidade de enxofre entrando dentro do avião marcou. E quando chegou a coisa, eles tinham nomeado uma secretária que, naquela época, quando me perguntaram o que é que eu tinha achado dos Estados Unidos, que era a primeira vez que eu ia lá, eu disse: “Duas coisas me impressionaram nos Estados Unidos: o serviço telefônico e as secretárias.” As secretárias eram fac totum, faziam, resolviam qualquer problema. Tinham uma autoridade enorme. Muito boas. E ela, então, logo no dia seguinte eu cheguei na coisa, fui ao banco retirar um dinheiro que eu tinha mandado através do Banco do Brasil, e então ficou marcado. Eu disse: “Bom, mas eu quero tirar carteira de motorista aqui.” “Ah, não tem problema, não. O senhor faz uma coisa, o senhor pode ir até sozinho. O senhor desce aqui, passa pela Wall Street, dobra à esquerda e tudo mais, tem ali o serviço de trânsito da prefeitura, qualquer coisa o senhor pede lá.” Cheguei lá ____: “Ah, o senhor lê esse livrinho aqui que custa dez dólares.” Eu dei dez dólares, _______. “Quando é que o senhor quer fazer exame?” Eu disse: “O mais depressa possível.” “Pode ser depois de amanhã?” Naquela época, pra tirar uma carteira de motorista demorava meses, talvez anos. Era uma burocracia, uma coisa tremenda. Eu disse: “Depois de amanhã pode ser.” “Então o senhor esteja a tantas horas e tanto na rua tal, esquina da rua tal.” “Tá certo. Isso como é que é?” “Ah, não. O senhor conversa no hotel que o hotel vai dizer onde é que o senhor pode alugar um carro. Um carro pra fazer exame.” Aliás era um carro que tinha duplicidade de pedais, né? (riso) Pedais, em caso de emergência o acompanhante ali freava ou fazia a mudança. E assim foi. Cheguei lá, tinha um guarda todo engalanado e tudo mais. Botou um negócio no pára-brisas de um carro ou talvez mesmo do meu próprio carro. E começou a ler pra eu ler em inglês todas as... Só a letra z que eu errei e disse: “Zede.” E em outras línguas devia ser: “Zi.” ________ “Não, está ótimo e tudo mais.” E falou: “Não, o senhor pode depois de amanhã ficar sossegado, que amanhã ou depois de amanhã a sua carteira está no hotel.” Estava. É coisa impressionante. Eu fiquei impressionado com... E também outra, as secretárias... Então preparou a minha viagem ao headquarters da Light. Que era Toronto, né?
P/2 – Hum, hum.
R – Em Toronto estava uma mixórdia muito grande, porque eles estavam construindo na avenida principal na Young Street estava construindo o metrô pela primeira vez. Estava tudo aberto e tudo mais. E o primeiro choque que eu tive no hotel foi muito interessante. Era que a luz na mesa de cabeceira piscava. Eu disse: “O que é?” Ele disse: “Ah, isso é devido ao fato de que são 25 ciclos por segundo.” Já naquela se época usava cinquenta ciclos, né? Aqui no Brasil usava cinquenta ciclos, nos Estados Unidos sessenta ciclos. “Mas o senhor não se incomode, não. Dentro de uns dias o senhor acostuma. É engraçado porque 25 vigésimos, não, tsc...
P/1 – Ciclos?
R – Como?
P/1 – Ciclos?
R – Não. Eu quero dizer que é 1/25 avos de um segundo o tempo que a retina retém a imagem, né? Então ______ no cinema. O cinema, cada imagem daquela é 1/25 avos, né? São 25 ciclos por segundo, que dá a ideia de continuidade. Se aumentar de qualquer maneira, eu não sei, estava ligeiramente aumentada, então a luz piscava. Mas, realmente, dentro de uns dias você já não notava. Então foi ao aeroporto o sujeito representante da Companhia, a primeira coisa que ele disse: “Cadê sua mulher?” “A minha mulher ficou em Nova Iorque.” “Ah, não, nós todos precisamos conhecê-la. Eu vou dar ordens e tudo mais.” Deu ordens pra secretaria, despachou minha mulher no dia seguinte. De manhã cedo estava ela chegando lá na coisa, grávida. Coitada, não tinha outro jeito. Eu não podia recusar a honra de ter sido escolhido, né? Tão novo executivo da empresa. De maneira que você me perguntou sobre satisfação, era uma satisfação. Porque era um reconhecimento do trabalho. Porque eu fiz um trabalho muito interessante e altamente perigoso da Companhia do Gás, que é aquele gasômetro do mangue. Você conhece o gasômetro do Mangue?
P/2 – Não.
R – Um gasômetro fixo que tem numa rua transversal do Mangue. De quem vem pra cidade, à direita e à esquerda. Era um tipo de gasômetro que em vez de ser campânulas e camisas isoladas por água, que vão descendo e tudo mais, ele tinha um pistão. Era como se fosse um cilindro e um pistão lubrificado de óleo em toda a superfície, né? E ele tinha acabado de fazer a idade de manutenção. E tinha havido um acidente na Europa em Ruhr, na Alemanha, muito sério, porque ao fazer uma revisão de um gasoduto desse, houve uma explosão, uma chapa do gasômetro voou, bateu num bonde cheio de passageiro e matou uma porção de gente. De maneira que é uma coisa extremamente perigosa. E os ingleses que estavam lá, eram mais uns ingleses que vieram, sei lá. Eles não eram lá muito... A não ser o diretor da fábrica, que era um sujeito muito inteligente, o resto era... Eram boa gente e tudo mais, e queriam fazer de uma determinada maneira. Eu digo: “Não, eu sou engenheiro e sou responsável aqui. Se acontecer alguma coisa a responsabilidade é minha. Mas não vai acontecer.” Então eu armei o negócio todo pra arranjar gás inerte, gás que não tenha combustível que é da saída das caldeiras, né? E bombear através da canalização de rua do São Cristóvão até o Mangue. E não podia fazer isso com outra coisa, que eles queriam fazer isso com vapor. Eu disse: “Deus me livre, o vapor vai misturar e vai ser pior do que... Aí vai explodir mesmo.” (riso) De maneira que foi feito a lavagem com CO2 com dióxido de carbono, né? E depois você, só depois de completamente não ter nenhum combustível que a gente tem um aparelhinho chamado Ponte de Woodstone. Você já ouviu falar nisso, em física? É Ponte de Woodstone, que se tiver qualquer coisa de combustível, tem uma resistência que aumenta a temperatura e o negócio mostra que tem combustível. Então foi feito. E eu disse: “Bom, agora vocês podem desmontar o gasômetro e podem fazer o que quiserem.” E depois de tudo consertado e tudo, montou-se tudo de volta e fizemos todo o inverso, né? Até botar o gás. Mas não podia nem o gás ter contato com o ar. Tinha que ter sempre gás inerte dentro. De maneira que é uma satisfação. Uma satisfação que você me perguntou, não é?
P/2 – Hum, hum.
R – Se na minha vida profissional eu tinha tido uma satisfação de qualquer coisa... Muito bem.
P/1 – Seu Oscar, eu também gostaria de fazer uma última pergunta pro senhor. O que o senhor achou de participar do Projeto de Memória da Vale do Rio Doce?
R – Ah, eu acho muito interessante, né? Porque é a tal coisa, eu não sou um, fui um observador, mas tinha dezenas de ________ que vocês estão... Eu não digo dezenas, mas vocês devem estar entrevistando muita gente, né? E tudo isso é um caleidoscópio, eu acho que vai ficar uma figura bonita e interessante. E muito ilustrativa e educativa, né? É interessante. Tomara que outras empresas façam a coisa parecida para, especialmente as estatais, se livrar do ranço que algumas pessoas ainda têm de descaso pelas empresas estatais, né?
P/1 – Eu gostaria de agradecer imensamente. _______
R – Eu é que agradeço.
P/2 – Obrigado pelo tempo, né?
R – Foi uma satisfação. Ein?
P/2 – Obrigado pelo tempo. Foram quase três horas.
R – Ah, quase três horas, é?
P/1 – Foi bastante.
(fim da entrevista)
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