P/1 – Primeiro, Alaor, eu vou pedir pra você dizer pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é José Alaor Bernardes, nasci em Florianópolis em 6 de abril de 1936.
P/1 – Agora o nome completo dos seus pais, o pai e a mãe, data e local de nascimento.
R – Meu pai é José Manuel Bernardes e minha mãe Edith, com h, Almeida Bernardes, nascidos os dois em Florianópolis.
P/1 – O que seus pais faziam profissionalmente, Alaor?
R – Minha mãe foi professora até falecer. Meu pai era militar, fez quatro revoluções: a de 22, a de 24, a de 28 e a de 32.
P/1 – E a sua mãe era professora, ela dava aula pra que faixa etária? Conta um pouco.
R – Professora primária do Estado de Santa Catarina. Meu pai era militar, reformou-se como militar, foi músico, tocava clarineta. Depois, já no final da vida não tocava mais nada; teve uma neurose de guerra em função da revolução, ele fazia uns cacoetes, era um negócio meio dantesco, e fumava desbragadamente, que é um crime. Acabou morrendo do cigarro depois de deixar de fumar, depois de dois anos.
P/1 – A sua mãe o senhor mostrou lá fora pra gente uma lembrança da formatura.
R – Isso, isso.
P/1 – Ela estudava ainda quando o senhor já era nascido?
R – Não, não. Ela se formou normalista solteira. Casou-se com meu pai e depois teve quatro filhos. A primeira nasceu natimorta; a segunda vive em Florianópolis atualmente, viveu nos Estados Unidos. E a segunda morava em Imbituba, casou-se lá e acabou vindo a Florianópolis por doença, morreu uns cinco, seis anos atrás. Agora morreu o filho dela que é médico, o marido dela já em seguida. E depois eu sou o caçula, com essa idade toda, mas eu que sou o caçula (risos).
P/1 – Qual era o nome das suas irmãs?
R – A mais velha Edi Bernardes Lopes, era casada com um mineiro, Geraldo Vale Lopes, que foi professor também, da Universidade de Santa Catarina na área de Odontologia; a minha irmã Edília era casada com um comerciante de Imbituba, Osvaldo Canemil, que era junto com dois irmãos proprietário da empresa Irmãos Canemil.
P/1 – As suas irmãs trabalhavam?
R – A Edília era dona de casa, trabalhava alguma coisa na loja quando estava lá alguém que atendesse, porque a cidadezinha pequena, então ela até ia lá atender, tinha várias amigas que gostavam que ela atendesse e ela atendia, mas mais por esporte, nunca ganhou disso aí. Ela trabalhou, sim, quando era moça, trabalhou em Florianópolis na Penitenciária do Estado de Santa Catarina onde ela fazia o controle da vida pregressa dos presos. E a outra cuidava dos recursos da penitenciária, as duas trabalharam lá dentro, nós moramos na chamada Vila da Penitenciária, em Florianópolis.
P/1 – Com que idade o senhor morou na Vila?
R – Ah, isso foi em 1949, 50, por aí.
P/1 – Tá. Vou voltar um pouquinho então, a gente chega aí de novo. Queria saber como seu pai e sua mãe eram, como pessoas mesmo, personalidade, temperamento?
R – Meu pai tinha uma personalidade própria dele, eu digo que ele olhava mais para o umbigo dele mesmo. Era um militar, foi algum tempo militar e em uma das últimas revoluções tem uma passagem interessante de se deixar gravado. Ele voltava com a tropa do Paraná, onde ele andou lá no Oeste do Paraná guerreando com uma revolução que houve lá. Chegando em Paranaguá desembarcaram do trem e todos sem roupa, pra poder cicatrizar as feridas do corpo porque eles tinham o que chamavam de muquirana, que era uma ferida formada por uma taquara que penetrava no corpo. Estavam todos feridos. E com todos os curativos botaram roupa limpa, estão esperando um navio – porque naquela época não tinha estradas – então pegavam um navio em Paranaguá pra levar pra Florianópolis, tudo de navio. E o comandante, quando viu aqueles canhões, aquela coisa toda, falou para o comandante deles dizendo: “Olha, eu não me responsabilizo dessa tropa chegar em Florianópolis”. Ele estava ali por perto, ouviu e, meio medroso de viagem de navio, ele fugiu da tropa. Debandou, pegou um caminhão, foi a Curitiba, de Curitiba desceu a Joinville, Itajaí e foi chegar em Florianópolis. Chegou uns dois, três dias depois do batalhão que chegou de navio e aí foi preso (risos), ficou na cadeia lá por alguns dias. Esse era o meu pai. Depois ele reformou, trabalhou ainda em Florianópolis por algum tempo como um agregado do Exército lá, no sentido de registrar os jovens que iam servir. Viveu com a mamãe até 1949, aí separou da mamãe, arrumou uma outra mulher e ela não suportava isso. Eles ficaram separados até eu me casar e já morar em Curitiba quando ele apareceu lá querendo reatar o matrimônio, porque a minha mulher fez a cabeça dizendo que a minha mãe até aquela época vivia sozinha e ele acabou acreditando na possibilidade. Foi lá, me deu um estresse tremendo, tive que ir pra médico (risos), mas voltaram a viver juntos.
P/1 – Quantos anos depois de terem se separado eles voltaram a viver juntos?
R – Ah, isso foi em 69, 67, mais ou menos por aí, de 49 a 67.
P/1 – E a sua mãe, como é que ela era?
R – Minha mãe tinha uma personalidade firme, uma pessoa muito boa. Até me comove falar dela porque era uma pessoa que adorava todo mundo (emocionado). Ajudou um jovem lá do interior que veio morar na casa dela pra estudar, se tornou professor também da Escola Industrial de Florianópolis, professor Lino, agora já é falecido também. Ajudava a quantos pudesse ajudar. Eu fui inspetor do banco, eu chegava com meu fusquinha em casa, da viagem, ela fazia eu pegar o Fusca e ir lá no Bispado que recebia – acho que você é muito novinha pra lembrar disso – ele recebia alimentos para pais, vinham sacos e sacos de trigo dos Estados Unidos pra serem distribuídos entre as pessoas carentes. Ela ia, pedi pro bispo dois, três, quatro sacos e eu levava isso no Fusca até a casa dela, ela dividia aquele troço tudo em pacotinho de um quilo e levava de casa em casa nos morros de Florianópolis. Essa era a minha mãe. Uma pessoa linda.
P/1 – Você sabe qual é a origem da sua família, Alaor?
R – Nós somos descendentes de Portugal, somos todos açorianos em Florianópolis. Já fui lá, não em Açores, mas estive em Portugal. A minha mãe não ia porque ela não gostava de avião (risos), nem o meu pai, mas eu cheguei a ir lá pra conhecer um pouco daquela vida dos portugueses de então. Eles chegaram em Florianópolis pelo Ribeirão da Ilha, onde nasceu a minha avó, a mãe dela; ela eu não sei se nasceu ali ou nasceu no centro da cidade, acho que ela nasceu por ali também. Então todos descendentes de açorianos. Os homens eram todos marinheiros ou pescadores. Meu avô era marinheiro, ele foi taifeiro de um navio que viajava pelo mundo todo, acabou morrendo antes da chegada em Santos. Foi enterrado em Santos por força do comandante gostar muito do trabalho dele, ele permitiu que o corpo chegasse à terra, porque normalmente naquela época morria a bordo e eles jogavam no mar. Ele não, trouxeram ele até o porto de Santos, ele está enterrado em Santos, a gente não sabe onde, mas foi enterrado lá. Família descedente de portugueses, todos portugueses, por isso que nós somos Bernardes, Almeida, Valente, é tudo português. Ainda que eu tenha os olhos azuis e como sou de Santa Catarina, todo mundo pensa que eu sou alemão. Só eu tenho o olho azul e o meu neto, filho da minha filha que está conosco aí, também é o único com o olho azul, nós dois só (risos). E agora estamos torcendo para que o mais novo também venha com o olho azul, mas não sei, ainda não se sabe.
P/1 – O senhor falou que seu pai viveu a Revolução de 32, lutou na revolução.
R – Isso.
P/1 – Ele te contava alguma coisa?
R – Contou bastante. Aqui em São Paulo, na Revolução de 32, que foi o Sul contra São Paulo, São Paulo contra o Sul, eles vieram até aqui nas margens do Ipiranga. Tem uma história que eles chegaram ali pra oferecer resistência aos paulistas ali. Ele diz que chegaram à margem do rio, quando eles botaram a cabeça pra fora eles tomaram bala, umas dez horas de bala por cima deles. Eles ficaram esperando, esperaram, esperaram, até que eles pararam de atirar e eles, como estavam todos armados, acabaram vencendo a batalha contra os paulistas aqui em São Paulo. Uma passagem interessante dele, isso é histórico, ele teve um ferimento. Ele vinha de Santa Catarina, mas entrando aqui por São Paulo, acho que aqui mesmo no Vale do Ribeira, tem muita banana ali, na época já tinha banana. Espertamente ele pegava os cachos de banana e enterrava. Não sei se você sabe, a banana enterrada amadurece perfeitamente e aí você desenterra, descasca a banana, não tem terra e ele estava sempre alimentado (risos), se alimentava com a banana que ele próprio enterrava. Como ele era esperto e lá em Florianópolis eles faziam isso, então ele veio fazendo isso. E aqui na época, pela primeira vez, se usou a aviação na revolução e numa daquelas batalhas ele estava em cima de uma árvore, passou um avião e jogou uma bomba, a bomba quebrou os galhos lá em cima e enterrou a forquilha, ele tinha duas marcas enormes aqui, enterrou aqui, não sei como não pegou no olho dele. Enterrou aqui, ele foi levado ferido. Foi uma das passagens que ele conta aí. Depois lá em Blumenau, onde nós moramos, eu devo te dizer que eu tenho 54 mudanças, daí você vai ver que tem muita coisa pra se falar. Em Blumenau eu era garotinho ainda, eu tinha oito anos de idade, estudava, mamãe dava aula e ele ficava mais ou menos em casa porque ele era reformado, então ele era aposentado, ele praticamente não trabalhava, ele comprava madeira e vendia, comprava, ele estava sempre inventando alguma coisa. Ele teve armazém, teve cinema, bar, mil e uma coisas ele fazia porque ele ganhava bem e não era muito de deixar o dinheiro na mão de mamãe. Aliás eu acho que ele nunca deixou, ela que teve que se sustentar sempre, sozinha; sustentar a ela e a nós, por isso que eu tenho essa paixão por ela. Mas na ocasião ele contava lá a história da Guerra do Paraguai. Ele me contava de Caxias, por que Caxias venceu e que num dia lá que num dos navios ele era muito patriota, eu admirava ele pelo patriotismo dele (risos), ele disse que num dia, em um navio daquele lá embarcou todo mundo e aí o navio tremia lá dentro, aqueles canhões e tudo e um dos soldados ali tremeu de medo, de receio pra onde eles iam pra batalha, ele disse: “Tremerias muito mais se soubesse pra onde vou te levar”. Então, aquele ímpeto de vitória, mas de satisfação, de fazer pelo bem da pátria. Era uma pessoa interessante. Sempre contou piadas, sempre, nunca piada com palavrão. Ele era um piadista (risos), eu tirei um pouco dele.
P/1 – Como eram as refeições na sua casa na época de infância, Alaor? Quem que cozinhava, o que vocês comiam e o momento mesmo da refeição. Queria que você contasse um pouco se vocês comiam juntos.
R – Pra você sentir os dramas. Mamãe estava sempre dando aula, ela dava aula de manhã, de tarde, de noite pra poder sustentar os três filhos, ela própria e às vezes a minha avó, não essa que está aí, a materna, que também morou várias vezes com a gente. Essa não morou, a materna morou várias vezes. A avó Eulália, que todo mundo gostava dela, uma pessoa de uma educação, de uma finesse enorme, teve cinco filhos. Eulália, ela cuidava de todo mundo da casa e às vezes levava pra ela nos cuidar também. Ela cuidava um pouco. Quem cozinhava ou era a minha irmã, a minha mãe dificilmente ia pra cozinha porque ela estava sempre ocupada com os livros, sempre. Ou a gente tinha uma empregada, que eu te falei, a Eva era nossa empregada por alguns anos. Foi a Eva, foi outra, mais outra, umas 15 empregadas que eu me lembre que estiveram conosco. Mas a gente viveu uma vida de muita pobreza, muita pobreza. Ela ganhava pouco, ela era muito perseguida. Eu trouxe até um papel que eu ia te mostrar depois, que ela diz que ela foi convidada por uma sobrinha dela pra ser madrinha de formatura, ela disse que não ia lá, ainda que sai uma, que era ela, e entra outra no magistério, mas que você seja feliz e se dedique como eu me dediquei. Pois bem, a gente morava em Blumenau eu morei até em um cortiço, tinha dois quartos só pra nós. Uma vez eu fiz uma baita de uma festa particular e causei um embaraço tremendo pra ela porque uma senhora cozinhou uma feijoada, deixou em cima do fogão, eu fui lá e comi toda linguiça, toda a carne (risos) que tinha dentro do feijão. Que loucura! Ela ficou indignada, “Imagina o meu filho fazer isso”. Ela nunca bateu em mim. Mesmo fazendo essas trapalhadas. A minha irmã sim, a minha irmã mais moça, ahhh essa em Blumenau, eu mergulhava lá num rio, ela soube que eu mergulhava, eu mergulhava nu para não chegar molhado em casa. Ela foi lá, me trouxe a roupa, tive que vir enrolado na folha de bananeira (risos) pra chegar em casa, com oito anos de idade. Mas me deu uma sova tremenda, nunca mais fui lá mergulhar (risos). Mas quem cozinhava normalmente uma empregada ou as minhas irmãs, menos as minhas irmãs, mais uma empregada que mamãe conseguia colocar em casa pra cuidar de todos nós.
P/1 – E o que vocês comiam e o momento da refeição vocês conseguiam fazer juntos? Como é que era?
R – Normalmente era junto. Ela fazia questão que a gente comesse junto. Feijão, arroz, uma carne, ovos, salada, couve mineira que eles chamam, picadinha, era a comida trivial, bem trivial. Bastante charque no feijão, a linguiça no feijão. O que era outra coisa que era gostosa também, peixe. Todos nós nascemos numa ilha, então todo mundo peixeiro ali, adoramos peixe, eu adoro até hoje peixe, gosto muito. Então bastante peixe, frito naturalmente, fazia mal, mas era o que a gente comia, peixe frito. Quase toda semana, isso era invariável, mas quase todo dia era o peixe. A carne era bem menos, bem menos; galinha, alguma coisa desse tipo se comia.
P/1 – O senhor mencionou rapidamente agora que a sua mãe era perseguida. Queria entender um pouco melhor o que era isso.
R – Ela era funcionária pública estadual e no magistério havia pessoas que tinham inveja porque ela tinha uma formação de normalista. Naquela época normalista era uma faculdade. Ela estudou grego, alemão, imagina! Era mais do que uma faculdade de hoje. E com isso eles tinham inveja dela porque, de repente, pela condição da capacidade dela, ela era guindada à diretora de um grupo. Aí já vinha político, ela era política, ela sempre foi política, eu saí a ela nisso aí. Ela era política, então vinha um político que era contrário ao pensamento dela, ou o que ela falava, e já transferiu ela para outro lugar. Por isso que eu tenho tantas mudanças. Então você veja, ela trabalhou em Florianópolis, que eu me lembre, em três lugares; de Florianópolis fomos para Ituporanga, uma cidadezinha pequenininha pequenininha, ela foi como diretora, mas uma cidade pequenininha. De lá nós fomos para Brusque, de Brusque nós fomos pra Blumenau, de Blumenau nós fomos pra Palhoça, de Palhoça nós fomos pra Nova Veneza, de Nova Veneza pra Criciúma. Em Criciúma nós demos uma chegada em Porto Alegre para tentar ir para Porto Alegre, mas não deu certo, o meu pai foi passado pra trás lá num negócio, voltamos pra Criciúma. De Criciúma pra Imbituba, de Imbituba pra Florianópolis. De Florianópolis ela foi pra Camboriú, não Balneário Camboriú, a cidadezinha só existia Camboriú naquele tempo não tinha o Balneário. O Balneário era a praia, hoje é o Balneário Camboriú, uma cidade grande à beça, você não conhece. Você precisa conhecer Santa Catarina, a Santa e Bela Catarina merece ser conhecida. De Camboriú tem uma outra família Bernardes lá, então são meio aparentados do meu pai, mas de muitas gerações anteriores porque eram quatro irmãos, ficou um em Minas, um em São Paulo, dois em Santa Catarina, o pai do meu avô e outra pessoa lá. E lá ela foi também diretora do grupo, está lá uma placa de diretora do grupo. De lá já transferiram ela também, mandaram ela pra Rodeio, aí ela cansou. Ela já tinha feito o tempo dela de magistério, se aposentou, voltou pra Florianópolis, lecionou no Senac lá, depois veio pra Curitiba. Durante o magistério dela foi uma perseguição em cima da outra, era impressionante, a área política não suportava ela porque ela dizia o que pensava. Eu já vou te dizer o que eu penso hoje, hoje eu vou votar na Marina porque eu sou contra o governo que está aí, que está acabando com o Brasil. Então ela era assim. Daqui a pouco persegue, nós vamos perseguir, mas eu vou dizer o que eu penso. E ela dizia o que pensava e era perseguida por esse fator.
P/1 – O senhor se mudou muito mesmo, na infância inclusive.
R – Ah, muito!
P/1 – Eu ia te perguntar pra descrever um pouquinho a casa da infância, mas o senhor teve muitas.
R – Muitas.
P/1 – Então teve alguma dessas casas pelas quais o senhor passou que te marcou mais? Conta um pouco pra gente como é que era ou como eram essas casas, qual te marcou.
R – Quando eu tinha três pra quatro anos foi a casa que eu morei melhor enquanto morando com a minha mãe. Depois de Curitiba em um local lá. Que era a casa da diretora, era a diretora do grupo escolar que hoje pertence à universidade federal, é pertinho da minha casa hoje, nós moramos ali perto, meu neto nasceu ali perto também, tudo, é no bairro da Trindade em Florianópolis. Ela era diretora ali e eu morava ali. Ali nós tínhamos galinhas lá nos fundos, hoje é um banco. Tinha galinhas lá nos fundos, tinha coelho, eu me lembro que um dia o coelho me mordeu o dedo (risos). Eu era pequenininho, tinha três, quatro anos de idade. Então isso me marcou um pouco nessa casa. Outra casa que tenha me marcado enquanto morando com ela, deixa eu ver se tem uma coisa mais significativa. Eram todas casas humildes, bem humildes, até que eu vim mais tarde, depois que eu voltei a Florianópolis, que eu estou voltando a Florianópolis pela terceira vez, sempre viajando. Eu voltei pra Florianópolis agora na segunda vez eu construí a minha casa. Ela, minha mãe, me deu o terreno pra fazer a casa do lado da casa da minha irmã mais velha, eu fiz uma casa que está até hoje, lá mora um professor também (risos), eu morei ali, agora mora um professor lá. Mas de morada mais suntuosa nada, nada. Até hoje eu moro num apartamento pequeno, o meu apartamento tem 70 metros quadrados. Ainda que eu possa ter um apartamento grande, eu não quero me dispor a gastar para ter uma coisa maior, mais metido a ser o melhor porque eu acho que a gente tem que ser humilde sempre.
P/1 – E nessa fase de infância ainda, Alaor, eu queria saber quais eram as brincadeiras, do que você brincava, com quem você brincava?
R – Tem uma passagem muito boa nessa aí. Em Florianópolis existia os nomes de coisas que não tem. Como é que se chama aquilo que se solta? Papagaio ou pipa?
P/1 – Pipa.
R – Pipa. Lá é pandorga. E o meu pai era especialista em fazer pandorga, ele gostava de fazer. Ele fez uma enorme, do tamanho da mesa, a mesa grande da sala, ele fez uma pandorga daquele tamanho. Ela é colocada com varetas de bambu, afinado o bambu ali, outra pra lá, arqueou toda, colocou um fio grosso lá e me colocou pra ficar segurando a pandorga. Lá quando venta, venta pra arrebentar. Ventou, levantou e me tirou do chão. Aí: “Segura aí!”, eu saí do chão (risos), segurando a pandorga (risos). Isso é uma passagem. E o papai sempre, quando nós moramos em Ituporanga, que antigamente era Salto Grande, ele também fez uma brincadeira no colégio que às vezes ele era o professor de Educação Física. Até ele ajudava a mamãe que dava a aula, ele dava aula de Educação Física, então era uma boca que ele fazia ali porque ele não tinha o que fazer mesmo. E um dia lá ele resolveu fazer a cabra cega, aquela de quebrar o pote lá. Fez uma roda das crianças, etc e tal, botou um pote e pôs o gato da vizinha dentro do pote e fechou a boca do pote. Quando o garoto deu a paulada no pote (risos), esse gato deu um berro, abriu um caminho no meio do pessoal, o gato nunca mais apareceu. A minha mãe tinha que explicar pra vizinha lá: “Pois é, ele não sabia”, ele aprontava (risos). Essas eram as coisas que a gente fazia. Em Blumenau eu mergulhava, como eu te falei, lá no poço. Hoje eu tenho um apartamento que eu comprei por acaso em Blumenau, não moro mais em Blumenau, mas quem mora lá hoje é um neto meu, que nasceu em Blumenau, mas morava em Joinville. E acabou fazendo um concurso público e foi trabalhar em Blumenau. E aí ele me ligou, eles correm muito atrás do vô: “Vovô, eu quero comprar um apartamento aqui, eles chamam aqui de estúdio. É bonitinho, eu queria fazer uma reforma e não sei o que lá, mas está me faltando tanto, o senhor me adiantaria? Depois eu lhe pago isso” “Deixa eu ir aí ver, também não vamos jogar dinheiro fora”. Chegou lá, achei gostoso, comprei o de baixo e ele comprou o de cima. Então hoje eu tenho um apartamento na frente do Poço da Moça, no Ribeirão da Velha, em Blumenau. E ali na frente hoje eu tenho um apartamento. São coisas assim que a gente faz na vida da gente e vão marcando. Mas foi uma vida bem humilde, bem simples. O casamento das minhas duas irmãs foi bonito, foi na catedral em Florianópolis. Nessa época mamãe estava sozinha, acabou casando as duas filhas. A mais velha teve três filhas, a mais nova teve dois filhos, só eu que tenho casais, eu tenho dois casais, quatro filhos.
P/1 – Ainda nessa fase de infância eu queria saber quais são as primeiras lembranças que você tem da escola. Que idade o senhor tinha quando começou a frequentar e quais são as primeiras lembranças?
R – Eu comecei a estudar quando nós morávamos em Blumenau. Exatamente agora vamos voltar pra Blumenau. A minha mãe foi trabalhar no Grupo Pedro II em Blumenau, era o melhor colégio da cidade. Ela foi mandada pra lá porque ela sabia alemão e lá só tinha alemão. Blumenau, até hoje é descendente de alemães, só que hoje já tem bastante brasileiro lá, naquela época não tinha. Ela foi a minha primeira professora e na fila da escola ela sabia exatamente onde é que eu estava, naquela época eu tinha cabelo e era o único de cabelo preto, porque o restante era tudo loiro, então ela sabia: “Lá está meu filho” (risos). Essa é uma passagem da escola. Primeiro e segundo anos ela foi minha professora. Terceiro ano já foi lá em Palhoça; lá em Palhoça eu fiz também uma história meio comprida (risos). Naquela época se escrevia com caneta de aço, você molhava e estava escrevendo bem devagarinho pra fazer, que era caprichando. O colega de trás empurra, me borrou, eu tive que virar a página, fazer outra, começar tudo de novo, ele fez de novo. Depois eu fiz que estava escrevendo, segurei a caneta assim, na hora que ele esticou a mão pra fazer eu cravei a mão dele na carteira, enterrou aqui, enterrou na carteira. Ele deu um berro que a escola inteira ouviu, imagina, ficou a marca azul da tinta e o sangue corria. Aí vieram de lá, veio a minha mãe, fui mandado pra casa. Depois eu fui pra outra sala de aula, mas continuei estudando e acabei fazendo o terceiro ano lá (risos), então essa foi uma das passagens. Depois lá em Nova Veneza já era interessante, a mamãe também era diretora lá; nos outros lugares não era, mas lá ela também era diretora. Ela montou um grupo escolar novinho, inaugurou o grupo escolar em 1947, eu já estava no quarto ano primário, lá eu terminei o quarto ano primário. E aí tem uma passagem também dentro da área educacional, ela fazia nós, os alunos hoje, proibem, é uma besteira do peru que se faz isso, proíbe que o aluno plante, não pode fazer ele trabalhar. Deixa de ser vagabundo, pode trabalhar sim senhor, eu trabalhava e estou aqui vivo, por que não pode trabalhar? Não trabalhar que é complicado. Então a gente fazia a plantação de cenoura, de beterraba, de batata, nós tínhamos tudo pra fazer a merenda escolar, tudo, não vinha dinheiro pra fazer a merenda, ela fazia a merenda escolar no próprio grupo. E todos ficavam satisfeitos porque eram bem alimentados no grupo. Esses dias estive lá visitando a escola pra lembrar até do tempo dela e do local onde eu estudei e uma professora disse: “Ah, o senhor é filho de uma diretora nossa?” “Da primeira diretora” “Pois é, nós inauguramos em 48” “Não, foi 47” “Como é que o senhor sabe?” “Eu era aluno” “Mas como?” “Está aqui o meu boletim, 47, ó” “Ah, vamos ter que mudar a história da escola” (risos). Conheço muito a história da escola porque eu sou testemunha disso aí. Nessa época eu fui sacristão da igreja de Nova Veneza, fizemos a ordenação de um padre. Minha mãe estava sempre envolvida na área. Hoje eu sou espírita, acho que Espiritismo não é bem religião, é uma ciência. E essa ciência é bom que todo mundo estude, é muito importante.
P/1 – O senhor se lembra, quando era pequeno, o que o senhor queria ser quando crescesse?
R – Primeiro carroceiro. Segundo, o que eu queria ser mesmo? Trabalhar no Correio, entregar carta. Depois o que eu pensei também? Tinha mais um negócio lá. Ah, aviador! Em Blumenau. Eu queria ser aviador. Blumenau foi impressionante. E a minha mãe: “Não, onde é que você viu avião? Isso é um perigo”, eu dizia que ia ser, ia ser. Dá um acidente em Blumenau e morreu o piloto. Ela me levou pro caixão do piloto. “Ó, é assim que termina o piloto”, nunca mais (risos). Hoje eu tenho medo de avião. É a tal coisa. Mas são as profissões que eu tentei ser. Depois fui ser bancário, não sei se vale a pena contar já, mas eu morava em Curitiba e minha mãe, além de professores, vários de nós somos bancários. Eu tinha tios, três, quatro primos, uma irmã, um monte de bancário. E acabei eu fazendo um concurso pro banco. Uma passagem que é interessante te dizer, depois de Nova Veneza eu fui pra Criciúma eu tentei fazer o complementar e não cursei, fui fazer o ginásio em Florianópolis e não cursei; eu fui fazer em Laguna e não fiz, não terminei. E acabei casando com o quarto ano primário. Até meu casamento da minha mulher ela tinha o quarto ano primário, eu tinha o quarto primário. Ela porque o pai achava que mulher não precisava estudar, era aquele pensamento antigo. E eu de vadiagem mesmo, eu não queria saber de estudar.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha quando se casou?
R – Eu tinha 21. Não precisava mais pedir pro pai, aí eu casei. E ela tinha 18, também não precisava mais pedir para o pai, então casamos. Eu fui até os 21 anos. Depois de casado ela começou em Curitiba todo mundo estuda, há muitos anos é isso. Ela começou a me fazer a cabeça, e eu já era bancário: “Por que você não estuda? Por que você como bancário, como é que você vai crescer na sua vida”. Acabei me matriculando no primeiro ao do ginásio, fiz o primeiro ano, entre a garotada, era de manhã, não tinha de noite; o segundo ano, depois nós fomos pra Rio Negro, o terceiro ano, eu já era contador do banco, mas não tinha formação; depois fui pra Campos Novos, o quarto ano, eu já era gerente do banco, vê, e não tinha formação nenhuma, tinha o quarto ano primário. Aí todo mundo, os meus clientes pensavam que eu ia dar aula: “Não, eu vou pra aula”. E lá eu passei e fui fazer o Técnico em Contabilidade, comecei lá também. Fiz o primeiro ano, o segundo ano quando eu vim morar em Paranaguá. Campos Novos lá em Santa Catarina, Paranaguá aqui no Paraná. Lá terminei o Técnico em Contabilidade, resolvi que eu ia fazer Pedagogia. Fui lá fazer a inscrição, aí me disseram: “Mas por que você não faz Direito? Direito tem em Curitiba, aí do lado” “Vamos fazer?”, os colegas: “Vamos”. Fomos fazer o vestibular lá, acabamos passando no primeiro vestibular e hoje é a melhor escola do Paraná. Na época não era tida como a melhor não, mas hoje tem vários juízes, vários senadores, tudo formado lá na nossa escola, a Escola de Direito de Curitiba. Aí fui fazer lá o vestibular, acabei passando, fiz quatro anos de Direito indo todos os dias de carro de Paranaguá, cem quilômetros pela serra antiga, na subida da serra tinha que esperar a vez porque só descia uma hora e uma hora só subia, e essa hora que subia era quase na hora de começar a aula. Eu era o último a sair e chegava lá em cima em primeiro com o fusquinha. Eu tive 12 Fuscas (risos). Aí chegava lá, assistia as aulas e a turma: “Vamos comer uma pizza” “Não, não, eu vou pra casa” “Depois nós vamos pra casa” “Pois é, mas vocês moram aqui, eu moro lá em Paranaguá, tenho que ir embora” e tocava, descia a serra e ia pra Paranaguá. E no outro dia eu era gerente lá, senhor gerente, na época todo mundo tinha um respeito total. Mas o meu estudo foi feito depois. Quando terminei de estudar, já vale a pena colocar, minha mulher começou a fazer o supletivo, fez pela televisão. Fazia as provas, passava, ela era uma CDF que meu Deus do céu, meu Deus do céu. Ela chegou a estudar junto com o filho no Instituto de Educação em Florianópolis, ela passou e ele não passou. Ela terminou o ginásio, fez o supletivo do segundo grau, passou também, fez o ginásio, o técnico e fez vestibular de Direito. Hoje eu sou advogado, ela é advogada e temos uma filha advogada.
P/1 – Igual professor, né? Tem tradição de professor, tradição de advogado.
R – Exatamente, exatamente.
P/1 – Eu vou voltar um pouco, tá Alaor? Depois a gente vai conversar um pouco mais em detalhe sobre essas fases que você contou pra gente agora. Queria saber, ainda na fase de infância, adolescência, enquanto você ainda morava com seus pais você tinha um hábito de ouvir música? Tinha rádio na sua casa?
R – Meu pai gostava muito de música porque ele era músico. Pra namorar com a minha mãe, os irmãos dela exigiam que o cara não podia ser um pé rapado, um soldadinho lá qualquer, tinha que ser sargento, cabo ou tenente, ou sei lá o quê, mas tinha que ser alguma coisa assim. Então ele soube no batalhão que poderia ser promovido se fosse músico. Passou a estudar a clarineta, acabou sendo clarinetista da banda do batalhão e aí foi ser sargento. Opa, aí ele pôde namorar e casar com a minha mãe (risos). E daí ficou música nele, ele nos botou na cabeça muita música. O meu sogro também era clarinetista de uma bandinha lá no Paraná. Acabou que os dois não tocavam mais música nenhuma, os dois se conheceram sem tocar música, não tocavam mais. Mas essa música ficou na minha cabeça. Até hoje eu gosto do Canal Arte 1, ou então o Curta, eu assisto os dois. Assisto também a TV Câmara que tem muita música clássica. Eu não gosto de música desses caras que ficam aí só fazendo barulho, acham que isso é música, não é a minha praia, eu gosto de música clássica ou semiclássica. No meu carro que está lá no aeroporto, lá em Florianópolis agora, você ligou o carro e já começa a tocar semiclássico, está sempre no gravador. Minhas irmãs eram mais de novela, essa coisa toda; a mamãe também gostava, mas gostava de uma boa música. Ninguém acabou tocando, a não ser uma sobrinha que tocou piano, mas ninguém foi músico. Até hoje a minha mulher tem uma mágoa disso aí, nem nós, nem os nossos filhos são da área da música, mas todos gostam de boa música. O meu filho, pai do menininho aí, gosta de boa música, o meu mais velho gosta de boa música, está trabalhando hoje no Rio de Janeiro por algum tempo, ele está contratado lá. Mora em Joinville, mas trabalha no Rio de Janeiro, também virou pai, que nem o pai. A minha filha que é essa aqui, nós vamos chegar hoje de noite em Florianópolis, amanhã de manhã ela está voando pra Brasília pra voltar de noite, ela atualmente trabalha no Sebrae de Brasília, não de Florianópolis. Mas a gente adora música, mas boa música.
P/1 – O que seus pais escutavam de música?
R – Meu pai gostava de clássico: a Casa das Três Meninas, Schumann, Bach, Beethoven, ele gostava disso. Mas não era muito ligado porque naquela época não se tinha tempo pra isso, a não ser no rádio, então não era muito ligado, ele não tinha essa vocação muito grande, não tinha tempo pra fazer isso, ou pelo menos não se fazia tempo para se fazer isso aí, não tinha essa coisa.
P/1 – Mas vocês tinham rádio em casa?
R – A minha mãe, onde ela morava, o primeiro rádio era dela. O primeiro rádio da cidade era dela, ela sempre teve rádio, sempre, sempre. Nós sempre escutamos música no rádio, na época da Rádio Nacional se escutava muito Linda Batista, Dircinha Batista, Cauby Peixoto, aquela turma toda, eu ouvi todos eles. Ouvia Radamés Gnattali, que era um grande maestro e tinha boas músicas. Como é aquele nosso compositor? O Villa-Lobos. A gente sempre ouvia isso na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
P/1 – E sua mãe e suas irmãs tinham o hábito de cantar dentro de casa?
R – Sim. A Edília gostava muito de carnaval, ela gostava de dançar no clube lá, ela ia dançar, se fantasiava, ela gostava bastante de carnaval. A Edi também gostava. E incentivavam muito as filhas, eram três meninas. Só que a sua pergunta é bem válida, porém eu não tenho vivência muito familiar com eles porque eu sempre vivi fora. Eu casei em Curitiba, fui pra minha casa, de lá fui pra Rio Negro, só eu, fui pra Campos Novos, só eu, pra Paranaguá só eu.
P/1 – Mas eu digo na infância ainda.
R – Na infância sim.
P/1 – Na infância e na juventude, antes de se casar.
R – Na infância era isso aí, era ouvir rádio, ouvir novela, “O Direito de Nascer”. Eu assisti ao lado das minhas irmãs. Tinha mais esse negócio do rádio. E aqueles concursos que havia de música na rádio, não tinha televisão, era rádio e a gente ouvia sempre o rádio. Minha mãe fazia questão, rádio tinha que ter em casa pra pessoa se ambientar e se educar um pouco mais.
P/1 – E na sua adolescência e juventude, Alaor, também antes de se casar. Você falou que ficou um período longo sem estudar.
R – Isso.
P/1 – Você trabalhava nessa fase que você não estava estudando, antes de se casar? Chegou a trabalhar?
R – Com 15 anos de idade eu tive pela primeira vez como vocês chamam hoje, carteira assinada, ou seja, um emprego fixo. Eu era tipógrafo, eu compunha a tipografia pra fazer a placa para imprimir, eu sabia muito bem fazer isso aí. Eu fui um ajudante de tipógrafo da Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina em Florianópolis, foi a minha primeira carteira assinada, era vermelha, eu era menor ainda. Depois eu levei essa carteira, saí de lá e fui pro jornal do Diário da Manhã, de Florianópolis. Eu comecei entregando jornal, era um ciclista bem desenvolvido, eu ia de casa em casa das cinco às onze horas da manhã entregando o jornal do dia de casa em casa. Depois eu passei a ser ajudante do impressor do jornal, tinha 16 anos já; trabalhava, a gente começava a bater a máquina lá nove horas da noite e eu ficava ajudando, era uma máquina Marinoni, eu me lembro até da máquina, ela era uma impressora plana. Ela ia lá e vinha cá, não sei se já viu isso aí. E tinha um rolo que o rolo passava na tinta e ali embaixo estavam os tipos e o rolo levava o papel que imprimia e caía aqui atrás. Eu aparava ali atrás aqueles jornais. Depois virava do outro lado, ia lá pra cima de novo e tinha um cara lá em cima que ia soltando a máquina, pra máquina imprimir. Passaram uns meses, eu era o ajudante da máquina e fui guindado a impressor, eu tinha ainda 16 pra 17 anos de idade, eu era o impressor do jornal “O Diário da Manhã” de Florianópolis, do filho do Hercílio Luz. Hercílio Luz é o nome da ponte de Florianópolis, foi um dos prefeitos e ele era filho desse Hercílio Luz. Fui impressor do jornal, a gente começava às nove da noite e terminava lá pelas três horas da madrugada, com 16, 17 anos de idade. Dormi muitas vezes em cima de resma de papel, aquilo duro, até hoje eu consigo dormir, se eu deitar aqui agora eu durmo, tranquilamente, sem problema nenhum porque eu me acostumei na vida dura. E ganhava uma, como é que o Chico Anysio faz? Era uma porcaria de dinheiro. Pois bem, fui impressor algum tempo até que uma hora, não sei porque cargas d’água, eles nos mandaram embora. Esse jornal, eu cheguei a imprimir a notícia da concessão do canal de voz da Rádio Diário da Manhã de Florianópolis, hoje é a CBN diária de Florianópolis. Isso eu vou dizer um dia lá dentro da CBN, dizer para eles: “Olha, eu trabalhei aqui dentro, (risos) aliás eu noticiei a criação da rádio de vocês”. Dali eu parei algum tempo e fiquei na casa de minha tia e de minha irmã, morando sem fazer nada. Trabalhei no mercadinho que meu pai tinha na cidade, trabalhei um pouco numa mercearia grande da cidade, um empório muito bonito. Mas não me dava muito bem com as pessoas porque aproveitavam muito do trabalho da gente e não pagavam praticamente nada. Aí acabei ficando na casa da minha irmã. Estava lá um dia fazendo a cerca da casa da minha irmã, estava cavando o buraco pra botar o moeirão, chegou a minha tia de ônibus, da Trindade, onde eu moro hoje, e disse: “Olha, toma um banho, te arruma que amanhã às cinco horas da madrugada você vai pra Curitiba”. Eu fui pra Curitiba eu tinha 17 pra 18 anos. Fui pra Curitiba, cheguei lá, minha mãe já estava morando lá. Aí voltei a morar com ela lá e ela arrumou com uma pessoa no Paraná, pouca gente gostava de catarinense, nós tínhamos um linguajar próprio que eles abominavam. Nós falávamos o manezês, que hoje é conhecido lá e é respeitado, mas naquela época não era. Então eles deploravam o catarinense. O catarinense pra eles era o catarina, e o catarina era um palavrão pra eles. Pra nós não era, nós éramos com muita satisfação catarina. Mas aí ela arrumou um emprego em um armazém, um Secos e Molhados, que era de um catarinense e ela conversou com ele, disse que eu também era catarinense, etc e tal, aí ele acabou me empregando lá pra entregar as compras do armazém. Novamente bicicleta. Sabe aquele cargueiro na frente da bicicleta? Aquela era minha bicicleta. Um pneu dessa idade assim e eu rodava pra entregar as compras na cidade de Curitiba. Acabei conhecendo Curitiba como a palma da mão. E entregava: “Vai lá buscar um saco de arroz”, eu trazia um saco de arroz na bicicleta, ali naquela caixa, era um peso enorme. Por isso que até hoje eu tenho as pernas desenvolvidas, por força desse exercício. E acabei ficando ali um ano e tanto até que eles me mandaram atender só o balcão, botaram outro rapaz pra fazer a entrega. Aí eu fiquei só no balcão. Depois ele tinha uma mercearia, ele me transferiu para uma mercearia para um bairro da cidade lá, na Praça Rui Barbosa – agora me lembrei do nome da praça, é Rui Barbosa; ontem eu tentei botar, o nome está errado ali, depois eu vou rever. Fui eu e um colega que era irmão de um outro lá da loja principal, ficamos atendendo ali e entregando, ele tinha um outro rapaz pra entregar compra e eu era o atendente de balcão ali. Ali passou pela minha cabeça a ideia de, a minha mãe, sempre ela: “Vai lá no banco fazer um concurso no banco, eles querem fazer um teste contigo” “Mas datilografia eu só estudei um pouco lá em Laguna, só tenho ideia da máquina, mas não sei bater direito” “Vai lá”. Aí me mandaram fazer uma correspondência, eu fiz uma porcaria, mandaram datilografia, eu errei um monte e levei um tempo danado pra bater, aí ele disse: “Estuda um pouco mais e volta”. Aquilo me bateu na responsabilidade, na moral, eu digo: “Eu vou fazer isso”. Eu fui na Escola Alda do Paraná, era uma escola que tinha em Curitiba de datilografia, naquela época datilografia era um negócio; até hoje eu bato no computador com os dez dedos, pouca gente faz isso lá no Sebrae, só eu faço com os dez dedos. Aí fui fazer o curso de datilografia. Foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida, conheci minha mulher. Ela foi estudar, eu já estava terminando o curso, aí ela entrou, aquilo foi à primeira vista (risos), disse: “Essa vai ser minha” e acabamos namorando enquanto estudando lá, até que um dia nossa professora, ontem ainda perguntei pra ela: “Lembra do nome da professora?” “Não lembro, pai” “Pois é, temos que lembrar o nome dela”. Ela chegou e disse assim: “Alaor, tu pode fazer já o teste, já terminaste o curso” “Mas eu queria bater mais um pouco” “Já sei, já sei”. Porque eu estava ensinando ela a mexer na Facit, aí pegava na mãozinha pra fazer (risos), aquela coisa de antigamente. Naquela época se flertava, nessa época agora só se fica ou já vai pra cama (risos), naquela época não. Então, acabei conhecendo a minha mulher, terminando o curso de datilografia, passei em primeiro lugar e ela em segundo porque ela tinha cortado dois dedos. Ela trabalhava numa padaria, cortava pão, o dedo escapou e pegou naquela máquina e cortou dois dedos e ela tinha que fazer o concurso no dia seguinte, ela foi pra lá com esparadrapo, ainda assim tirou o segundo lugar, ela é uma excelente datilógrafa. Ela acabou indo trabalhar numa casa de câmbio, fazendo contrato de câmbio, eu saí da mercearia e voltei para o banco pra fazer outro teste. O homem lá, o contador, olhou pra mim: “Você? Mas você não é aquele lá?” “Aquele mesmo. Que fez aquela porcaria? Fui eu mesmo. Só que agora fiz um curso de correspondência”, essa escola fazia curso de correspondência, a gente era obrigado a redigir cartas, naturalmente com alguns erros de português porque eu tinha o primário só, mas daí a gente vai criando cancha, vai lendo e eu lia bastante jornal, eu gostava de ler. Aí fiz o concurso: “Mas você bateu em alguns segundos esse papel que eu mandei você bater” “Agora eu sou datilógrafo, me formei na escola Alda do Paraná” “Ah, então pode começar amanhã” “Não, agora tenho que pedir primeiro demissão do outro emprego, que eu sou um cara sério. Eu venho pra cá, mas venho com seriedade” “Então tá, então vem na semana que vem”. Fui lá, pedi demissão, o outro aprendeu. Eu era faturista de uma empresa que vendia carro Dodge lá no Paraná, em Curitiba, Kasinski e Companhia era o nome da empresa, ainda me lembro do nome. Fiz o concurso, passei, entrei no banco, Praticante contratado, onde eu fiquei 30 anos. Praticante contratado pelo contador, Contador, Gerente, Inspetor, Auditor, Gerente Regional, aí me aposentei em 86, em Joinville, já depois de quatro filhos, me aposentei em Joinville.
P/1 – Qual era o banco?
R – Banco Nacional do Comércio. Tinha aqui na Avenida São João, eu inspecionei depois como inspetor na Avenida São João. Lembro bem dele ali na subida da São João à esquerda.
P/1 – Fala pra gente, Alaor, qual é o nome da sua esposa e como foi a fase de namoro de vocês e quando vocês decidiram se casar.
R – Foi nessa época da escola. Inicialmente eu olhei pra ela, ela olhou pra mim e a gente só se olhava. Começou a fase do flerte, naquela época existia isso. Levou um ano, eu só olhava pra ela e ela olhava pra mim, ia na rua embora pra casa, ela ia com a irmã dela porque o pai dela não deixava ela sair sozinha. Ela ia com a irmã até a Praça Tiradentes, eu ia seguindo e olhando pra ela, depois eu pegava a Barão do Serro Azul em Curitiba, do lado da Catedral, não sei se você conhece. Também não conhece? Tem que sair daqui um pouco, mulher! (risos) Eu morava ali e ela ia pegar o ônibus na Praça Tiradentes pra ir pro Tarumã, onde ela morava. O pai dela era alfaiate e a mãe dela ajudava, isso está tudo escrito ali e depois eu vou deixar contigo. A gente flertou, flertou, flertou, até que um dia ela ia com a irmã dela na frente e a irmã dela muito brincalhona, mais nova do que ela, Landa, depois até nos ajudou a criar os filhos por um tempo, fazia nossa comida, uma pessoa que fazia a nossa comida também, isso na minha família, a família que eu constituí. Aí a Landa disse lá uma palavra, um palavrão em alemão, eles são italianos, não tem nada com alemão, o pai dela e a mãe dela são italianos, nasceram na Itália, se conheceram no Brasil e se casaram no Brasil. O nome dele é Carlo e dela é Carlota e se casaram na cidade de Carlópolis, é tudo Carlo (risos), vale a pena registrar. Como eu sabia um pouquinho de alemão também: “Ela sabe alemão?” “Não sabe nada, está dizendo um palavrão” “Cala essa boca”, aí começamos a conversar, conversar, daí foi que começou o nosso namoro. Eu ia levar ela até o ônibus que ia pro Tarumã, na frente do Teatro Guaíra, o ônibus parava ali. Eu levava ela lá até ela ir embora. Ela tinha 16 anos de idade, eu tinha 18 pra 19 anos. Namoramos um ano, até que um dia o sogro viu-nos, eu levava ela até em casa, mas ela não deixava chegar na frente de casa, ela tinha medo do pai porque o pai não permitia que namorasse. Imagina! Dezesseis aninhos. Um dia nós íamos chegando de tarde já, já estava escurecendo, íamos de mão, aí ela: “Meu pai está lá no portão! Ele me viu! Volta daqui”. Tive que voltar, fui embora, peguei o ônibus pra voltar. No dia seguinte eu tinha combinado com ela que a gente ia a uma matinê. E eu sempre fui um cara pobre, mas metido a besta. Botei um terno de linho, era um bege, palha. Botei o terno de linho, gravata e fui buscá-la pra ir na matinê, imagina, a primeira matinê que a gente ia. Ela chegou e disse: “Não vamos pro matinê” “Não?” “Não. Tu vai ter que ir lá em casa. O pai nos viu e sem você falar com ele, ele não vai me permitir namorar” “Então vamos lá” “Você vai?” “Não é bicho, não é nada, vamos lá”. Embarcamos no ônibus e fomos pra lá. Chegamos lá, entrei na casa deles, era uma casa de madeira, assobradada, na Rua Frei Orlando, 107, lá na descida da caixa d’água de quem vai pro Tarumã. Descemos do ônibus, fomos até lá: “Entra, entra”, entrei. Estava na sala o pai dela, ele era alfaiate, ele cortava e costurava as roupas ali; a mãe dela fazia as calças, estava todo mundo em casa. O irmão dela mais velho, já falecido até, faleceu logo depois que a gente casou, o outro irmão também estava por ali. A Landa estava por ali também, não lembro onde ela estava, mas ela estava. Iolanda o nome dela, a Landa. Entrei, disse: “Boa tarde, seu Carlo” “Boa tarde”. Ele encabuladão, boa tarde. “Boa tarde, dona Carlota” “Boa tarde”. Ela também, a sogra foi logo pra cozinha se esquivar de ter que conversar com um estranho. Entra um cara de um metro e 80 em casa. Ele não era muito alto, eu sou o maior da família toda. Aí conversei com ele: “Seu Carlo, o senhor é alfaiate?” “Sou”. E fui desenvolvendo: “O senhor gosta de música?” “É, eu toquei na banda lá em Joaquim Távora, em Carlópolis” “Pois é, meu pai também tocava clarineta” “Pois eu tocava clarineta também!” Aí pronto, já houve um interesse, a gente acabou quebrando o gelo. Acabei, fiquei namorando um ano e tanto até que uma época ele me deu uma cobrada: “E pra quando é o casamento?”. Eu disse: “Olha, eu pretendo noivar em seguida e aí a gente conversa a respeito, vamos marcar”. Mas ela não estava junto, a Elisa não estava junto. Eu sempre gostei de segredo. Ainda há pouco é que eu disse bom dia pra ela, ela não sabe que eu estava aqui já. Eu sempre fiz isso, não no mal sentido, mas no bom sentido. Aí um dia lá eu cheguei em casa, na casa da sogra e falei pro sogro. Ela estava lá em cima, no quarto dela: “Eu vou fazer hoje o noivado com a Elisa” “Ah é?” “Ô véia!”, ele chamava a mulher dele; eles eram analfabetos, ele conhecia algumas letras, a mãe dela era totalmente analfabeta. “Ô véia!”, aí veio a italiana de lá, gente fina, uma mulher fora de série. Eu me emociono cada vez que falo neles. Mas veio de lá e ele, simploriamente dizendo pra ela: “Olha, o Laor”, não era Alaor, ele me chamava de Laor, “O Laor quer noivar com a Lisa” “Ué, noiva então”, ela era bem simples. “Quer noivar, noiva,vai fazer o quê?” “Então eu vou pra lá, mas não falem nada pra ela que é segredo pra ela, ela não sabe que ela vai noivar hoje”. Eu ia fazer isso na casa da minha mãe, que morava lá no centro, na Presidente Carlos Cavalcanti. Presidente Faria foi o primeiro apartamento que eu morei, depois morei na Carlos Cavalcanti. Aí fomos pra lá, lá eu pedi na presença da minha mãe e dos amigos que estavam ali, ela em casamento. Então deu certo e assim foi o nosso namoro e o nosso noivado, que depois de seis meses nós casamos em Curitiba, ali no Tarumã, uma igrejinha que tinha lá dos frades capuchinhos e veio a minha irmã, veio a outra irmã, os cunhados, veio a minha tia, meu pai e minha mãe que já estavam morando em Florianópolis e depois foram morar de volta em Florianópolis. Vieram os dois, estavam já vivendo juntos de novo. Não teve festa, eu me prometi levar e comprar os salgadinhos, comprei um quibezinho, almôndega, botamos em cima do guarda-roupa pra na hora servir, que apodreceu em cima do guarda roupa (risos). É gozado, mas está aí, era um casamento pra dar certo e deu certo. Esse é o nosso casamento. Depois teve o primeiro filho, um ano e sete meses depois. Ela chorava porque achava que não ficava grávida, aí veio o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto, e depois de seis anos o quinto. Só que o segundo ela perdeu, ela abortou. Nós saímos da casa dela, fomos a uma matinê Cine Avenida em Curitiba. Ao descer do ônibus e entrar no cinema, ela parou, olhou pra mim: “Eu estou abortando, está descendo tudo”. Aí tive que levar ligeiro ela, chamei, naquela época tinha, como chamava?
P/1 – A lanterninha?
R – A lanterninha, exato. Chamei, ela veio, levou até o banheiro, dei um lenço para ela usar como tampão, dali já foi pro hospital. Lá no hospital já fizeram a curetagem. Foi um drama tremendo, seria mais um garoto. Depois ela passou algum tempo e veio essa aí. Essa nasceu na minha mão, ela entrou na maternidade já com tudo. Aliás, o primeiro ela levou umas cinco horas pra nascer o filho, ela já estava perdendo os sentidos, já estava vendo tudo preto já, porque a parteira era uma freira, ela induziu o parto sem ela ter a dilatação necessária. Aquilo forçou, quase morreu e quase que perdemos o filho. O segundo ela perdeu. O terceiro que foi a Silvana, essa aí, ela nós estávamos na mesma maternidade, apareceu a mesma freira pra fazer o parto. Aí ela já ia levar pra sala: “Não, não. Pera aí, a senhora não vai fazer a mesma coisa” “O que eu fiz?”, brava já comigo, imagina! Uma freira e eu um gurizão querendo falar o que fazer. “É que na primeira a senhora induziu e ela não teve dilatação, ela quase morreu. Vamos esperar ter a dilatação necessária” “Então tá! Vou dar um calmante pra ela!” Brava. Deu o calmante, nós fomos pro quarto, ela dormiu, às cinco horas da manhã ela me acordou: “Pai”, ela me chama de pai, “Eu estou com contração de cinco em cinco minutos” “Então agora dá, então vamos lá, vamos levar”. Chamei a freira, levaram ela na maca, colocaram ela na mesa em posição para ganhar a criança, a freira disse: “Espera um minutinho que eu vou ali buscar as toalhas”. Quando ela saiu pra buscar as toalhas a minha filha pulou na minha mão. Eu que agarrei no ar, senão ela caía no chão (risos). É a única que eu vi o parto e nasceu na minha mão. Por isso que eles dizem que eu sou muito apaixonado por ela e ela por mim, mas a gente tem uma certa afinidade. Depois a Miriam já foi lá em Rio Negro, foi uma outra freira, mas foi um parto bem normal também, como o da Silvana, tranquilo. E depois de seis anos me veio, já tinha ido morar em Rio Negro, de Rio Negro em Campos Novos, de Campos Novos em Paranaguá. Em Paranaguá ela ficou grávida do Luís Paulo, pai do garotinho ali e que veio nascer em Curitiba também. Três nasceram em Curitiba, a Miriam nasceu em Rio Negro, foi concebida em Curitiba, mas nasceu em Rio Negro. Então essa é a nossa família.
P/1 – Qual é o nome dos seus filhos? Você repete pra mim.
R – Alaor José Bernardes é o primeiro. Silvana Bernardes Rosa, casada com um Rosa. Miriam Bernardes, é casada com um rapaz lá em Joinville, eles têm uma loja lá de brinquedo, de criança, nós só compramos roupinhas, tudo lá com ela porque ela tem tudo lá dentro, só que ela não tem filhos, ela não pode ter, ela teve ovário policístico, então não tem filhos. Ela tem cadelinhas, tem quatro cadelinhas em casa. E o Luís Paulo que levou anos, anos e anos, casou com 44 anos, agora com 46 ele é pai, é o neto mais novo, é o queridinho da nossa casa.
P/1 – Queria saber, Alaor, como foi ser pai? Qual é a sensação, o que mudou na sua vida?
R – Ah, é uma beleza, bonito à beça. Inclusive na ocasião ela estava grávida eu cheguei a fazer uma, é tanta vontade de ser pai que eu apostei com um colega que ele ia nascer no dia dois de setembro e ia ser um homem. Chegou às quatro horas da tarde do dia dois de setembro. Nós trabalhando no banco, o Murilo: “Você falou que ia nascer hoje, não nasceu coisa nenhuma”. Fui pra casa, fomos pra maternidade, ele nasceu dia dois de setembro (risos). É esse que agora está no Rio de Janeiro. Foi uma felicidade. Naquela época eu não tinha carro. Hoje a gente está cheio de carro, mas naquela época a gente não tinha carro, eu não tinha carro e não tinha posse pra ter carro, pra comprar uma bicicleta eu comprei a prestação. Comprei uma bicicleta, botei uma cestinha no cambão do meio, eu botava ele e ia passear com ele de bicicleta. Eu acho que até tenho uma fotografia com ele na bicicleta, devo ter lá em casa. Vou trazer pra você as fotos que eu tiver dela, porque são lindas, é bem gostoso. Ela ficou uma bola, minha mulher tem um metro e meio. Eu tenho um metro e 80, ela tem um metro e meio. Então é o ponto e a virgula (risos). Mas ela ficou uma bola, enorme, enorme, ela engordou oito ou nove quilos, mais ou menos isso, e depois custou a perder aquilo. Depois no segundo eu acho que ela perdeu mais, também de medo pelo que ela tinha passado no primeiro parto. Ela foi sempre parto normal, sempre normal, maternidade, mas sempre normal, nunca fez uma, como é que fala?
P/1 – Cesárea.
R – Cesárea, não. Esse netinho já nasceu de cesárea, a maioria nasce. Os meus não, os quatro nasceram de parto normal. E o segundo, foi uma felicidade. A Miriam já era gerente, já era complicado atender em casa, eu tinha muita responsabilidade e olha, eu valorizo a minha mulher porque ela ter feito tudo o que ela fez, morado nas casas mais humildes do mundo, não tinha possibilidade de ter uma coisa melhor e sem quem ajudasse, ela era a empregada, ela passava, lavava. Às vezes eu arrumava uma pessoa, mas ficava lá pouco tempo, já roubava, tinha que mandar embora e não fazia como ela gostaria que fizesse porque ela faz uma limpeza, ela passa uma camisa, até hoje quem passa minha camisa é ela, quem faz a minha comida é a minha mulher, tem 75 anos de idade, ela que faz tudo isso. Então é uma pessoa a quem eu valorizo demais, demais, por isso a gente tem uma família tão unida e fala pros filhos da mãe deles pra você ver se eles não tiram a sua goela na hora, não mexa uma palha quanto a mãe deles. E o pai também, mas o pai não é tanto assim, a mãe, e eu acho uma pessoa fora de série. E hoje eu tinha até dito pra minha nora e pro meu filho: “Vem morar com a gente”. Aí a minha nora olhou pra ele: “Ó Luís, seu pai pedindo pra morar com eles” “Não, não, não. Nós vamos ter o nosso apartamento, a nossa casa”. Acabaram, onde é que eles moram? Eu saio da porta, entro na porta do lado é o apartamento dele. E vai perguntar pra eles se eles querem morar em outro lugar. Esses dias eu pretendia até: “Vamos trocar de apartamento, pegar um apartamento maior?” “Vamos, mas tem que ser no mesmo andar os dois”. Agora, porque quem é que cuida do neném na hora que a mãe precisa ir ao médico, ir ao dentista? Ela é enfermeira, ela trabalha 12 horas e folga 12 horas, mas às vezes ela trabalha dois dias seguidos. Hoje ela não está trabalhando, por isso que eu pude vir aqui e a minha mulher pôde sair pra fazer o que tinha que fazer. Ela hoje lavou o carro dela, hoje ela tem um Honda Civic 2014, automático. Eu tenho a minha CRV, da Honda também, automática também. Tu vê como mudou a vida, né? Graças a Deus. Não digo isso com orgulho não, eu digo com satisfação porque foi trabalhado.
P/1 – Alaor, você mencionou que vocês mudaram várias vezes enquanto você trabalhava no banco. Por que essas mudanças? Qual o motivo?
R – Eu saí de Curitiba pra Rio Negro pra ser promovido. Em Curitiba eu não ia ser promovido nunca. Pra começar, eu tinha 22 anos, com 22 anos o cara era Praticante no banco, naquela época. Ser contador de banco? O cara que eu substituí era um sujeito de 57 anos. Então com 22 ou você ia crescendo na medida em que era possível uma promoção através de uma transferência ou você não era promovido. Depois eu fui ser gerente de Campos Novos. Mudar de Estado, mudar de cidade, pra ser gerente. Era uma agência nova, foi a minha primeira gerência e era o primeiro gerente dessa agência. Então tive que ir pra Campos Novos. De Campos Novos pra Paranaguá. Campos Novos é uma cidade, eu vou deixar isso registrado, de bandoleiros. Uma cidade onde tinha crimes horrendos. Teve um camarada lá que matou a nora, ele matava pra ver que lado você caía, era impressionante. A gente brincava até que o cemitério lá tinha que ser reforçado por baixo porque tinha muito chumbo. Era impressionante. Ou faca, ou chumbo, tudo. Eu cheguei a ver um rapaz ser castrado na rua, na praça principal, porque tinha andado com a mulher do sujeito. Existe isso na cidade. A minha mulher ficou desencantada, morava em Curitiba, era pobre, mas limpinha, morava numa cidade decente. Aí eu fui a Porto Alegre e ela foi junto. Fomos lá no banco, eu fui levar dinheiro, eu transportava dinheiro. Hoje tem carro transporte, naquela época eu transportava. Dez milhões, 12 milhões, em mala, eu ia levar. E fui levar em Porto Alegre e ela foi junto. Chegamos em Porto Alegre, a diretoria me recebeu lá porque eu era um gerente do interior: “Como vai? Tudo bem?”, aí: “Ah, é a sua senhora? Por favor, a senhora senta aqui”, agradavam, eram uns caras educados. “A senhora quer um cafezinho?” “Aceito” “Como a senhora está em Campos Novos?” “Mal” “Por que mal?” “Aquela cidade só tem bandoleiro” “A senhora quer sair de lá?” “Mas se o senhor puder me tirar hoje de lá eu não volto”. Aquilo acendeu, eram uns caras responsáveis: “Então a senhora aguarde que nós vamos fazer alguma coisa com seu marido”. Eu não sabia, falaram com ela sozinha lá na sala dele lá. Cheguei em Campos Novos, chega um telegrama, naquela época era telegrama. Chega um telegrama dizendo: “Venha a Porto Alegre tratar de transferência” “Estão me chamando em Porto Alegre pra tratar de transferência” “Que bom!”. Fui pra Porto Alegre, cheguei lá, sentei, aí disseram: “O senhor vai ser o gerente de Paranaguá”. Paranaguá tinha um gerente que estava lá há 19 anos, há 16 ele não dava lucro. Há 16 ele não dava lucro. Vai fazer isso num banco hoje, você não dá lucro um mês está na rua. Ele estava lá há 16 anos, era um alemão. Gente fina, mas era um incompetente na área, se acomodou. Também já tinha 70 e tantos anos. Eu tenho 78, mas não estou acomodado, mas ele se acomodou. Eu vim pra Paranaguá. Cheguei em casa e falei: “Estamos transferidos para Paranaguá” “Paranaguá, é? Que bom, vamos voltar pro Paraná”, ela é paranaense. “Pois é, vamos voltar”, aí saímos de lá. Campos Novos, além de ser longe, ruim pra morar, as casas que a gente morou lá, com exceção de cima do banco que era, uma casinha de madeira que nós moramos lá, muito boazinha, muito bonitinha a casinha. Era uma casa nova, eu pedi pelo amor de Deus que o cara me alugasse a casa lá. Acabei indo morar lá, uma casinha bonitinha com paredes duplas. Peguei uma neve, nevou 50 horas, chegou a 12 graus abaixo de zero. E a gurizada lá, as mãos dos meus filhos inchadas de frio. E tudo isso a Elisa aguentou junto comigo lá. Bom, aí viemos morar em Paranaguá. Paranaguá é uma cidade quente pra arrebentar, é 40 graus, 39, aí viemos pra Paranaguá morar em cima do banco. Hoje é um hotel, tu vê como era grande, enorme, enorme. Moramos lá um ano, chegou a dois anos lá. Eu vim pra Paranaguá, aí me deram o dobro do salário de Campos Novos. “Não vou ser transferido? Vamos embora”, ia poder viver um pouco melhor. Vivendo melhor, estudando, aí já estava no Técnico em Contabilidade, me formei contador em Paranaguá. Eu já era contador e era gerente, há muito tempo já tinha passado a fase de contador. E de lá pra Curitiba. Fui trabalhar numa agência urbana de Curitiba, a Juvevê, Urbana Juvevê, que eu transferi pra Rua Comendador Araújo como Agência Comendador Araújo. Aí eu decorei toda, fez o aparelho, fiz isso. Ficou linda a agência, ficou muito bonitinha. Foi a agência mais bonitinha que eu trabalhei. Trabalhei uns nove meses, dez meses acho. O banco mandou convidar quem quisesse ser inspetor do banco. O que ganha inspetor? Já ia perguntar porque o negócio era ganhar dinheiro, ganhava pouco, quero ganhar mais. E eu já era um dos gerentes que mais ganhava, porque eu tinha ganhado o dobro lá em Paranaguá. Também dei lucro lá em Paranaguá, em um ano eu dei o maior lucro do Paraná. O cara fazia 16 anos que dava prejuízo, em um ano eu dei o maior lucro do Paraná. Maior do que Curitiba, hein? Fui pra Curitiba lá na Comendador Araújo: “Quem quer ser inspetor?” “O que precisa?” “Qualquer funcionário, de contador pra cima, pode ser inspetor” “Eu sou candidato”. Fizeram lá o levantamento da minha vida pregressa, já fez isso, já fez isso: “Então venha a Porto Alegre pra conversarmos”. Tudo era Porto Alegre porque a sede era lá. Fui pra Porto Alegre, saí inspetor. Ganhando o quê? Ganhava o meu salário e tinha uma diária para pagar o hotel, gasolina pro carro – o carro era meu, mas eles pagavam o quilômetro rodado. E aí eu andava com meu carrinho, conseguia pagar o carro, comprava sempre um melhorzinho, sempre usado, mas sempre um melhorzinho. E ganhava a diária. A diária o que eu fazia? Na viagem, se existisse uma espelunca de um hotel eu estava lá, pra pagar o quê? Pra pagar uma diariazinha pequenininha, sobrava o resto e mandava pra casa, porque em casa se precisava de mais dinheiro do que eu. E eu vivia em viagem. Sete anos desse jeito. Nos piores hotéis que você possa imaginar. Pra quê? Pra economizar o dinheiro da diária e mandar dinheiro pra casa. Aí a Elisa fez uma casa de praia em Florianópolis, comprou um terreninho lá. Nós dois, eu fazia junto com ela, até quem inventava era eu e ela ia tocando as coisas, mas ela fazia tudo sozinha lá, sozinha. Ela e os filhos tocando sozinha a casa. Por isso eu fui morando em várias cidades. Aí eu morava em Florianópolis e era inspetor. Eu trabalhava aqui em São Paulo, inspecionava Santos, inspecionava Foz do Iguaçu, ia de carro daqui a Foz do Iguaçu. Você não conhece Foz do Iguaçu, mas ia até Foz do Iguaçu de carro; daqui até lá dá um mil e cem quilômetros. De Fusca. Quando chegava lá amanhã de noite saindo daqui às cinco horas da madrugada. Ia pra lá pra trabalhar. Isso me fez ser inspetor. Depois eles passaram de inspetor pra auditor, fui auditor. Aí eu estava em Florianópolis, eu me mudei de Curitiba pra Florianópolis quando fui ser inspetor e lá eu morava numa casa que eu construí, foi a melhor casinha que nós tivemos. Não, depois em Londrina eu fiz uma casa boa também. Essa foi melhor até, a de Londrina. Mas lá em Florianópolis uma casinha boa, está lá até hoje, mora um professor lá, eu vendi pra ele. A minha mãe me deu o terreno, eu construí lá a casa. E tinha uma casa de praia também. Mas vivendo sempre mais da diária só, eu não mexia no meu salário de jeito nenhum, o salário entrava na minha conta e a Elisa, a nossa conta sempre foi conjunta. Nunca precisei dizer pra minha mulher: “Não gaste isso”. Não tenho que valorizar uma mulher dessa? Pouca gente, quem é que dá o dinheiro na mão da mulher? É muito difícil, muito difícil. Ela sempre foi econômica, sempre andava limpa, porém humilde, sempre humilde. E eu também, na estrada, tinha que andar de gravata porque era inspetor, então andava sempre de terno preto e gravata. Era famoso, o homem da gravata, o homem do terno preto, me chamavam (risos), da mala preta. Aquela malinha ali me acompanhou muitos anos. Bom, com isso eu fui rodando cidade por cidade. De Florianópolis eles me mandaram inspecionar Blumenau, depois de algum tempo, e eu estava em Florianópolis tirando férias esperando uma missão que iam me dar em Londrina, no Paraná. Eu ia ser gerente regional de Londrina, nem sabia o que era isso, nem como se fazia isso, mas eu ia ser o gerente regional de Londrina. Londrina é uma cidadona. Você também não conhece, mas é uma cidade grande, era a Capital Nacional do Café naquela época. Hoje já não é mais lá a capital, mas ainda se comercializa muito café ali em Londrina. Eu estou lá na subdiretoria de Florianópolis, um amigo meu que é de Itajaí, morava lá em Florianópolis, hoje ele mora no Rio, ele tem uma empresa de tinta no Rio de Janeiro, eu não sei se ainda vive, mas acho que ainda vive. O Cedres: “Alaor, dá uma chegada lá em Blumenau porque sumiu um cheque lá na agência” “Sumiu um cheque na agência?”. Inspetor quando ouve isso, as minhocas lá dentro já, tem encrenca aí. Ele sabia como eu era duro no negócio, o meu negócio tinha que ser tudo dentro do figurino. “Alaor, cuidado lá, o cara é amicíssimo da diretoria lá, vai devagar com o gerente, mas o contador disse que sumiu um cheque lá” “Tá, tudo bem, vou pra lá”. No outro dia sete horas da manhã eu estava na agência de Blumenau. Sete horas da manhã. Dá 140 quilômetros de Florianópolis. Encostei o carro na Beira Rio lá. Entrei na agência, o carro não queria desligar o cd, eu deixei ele ligado, eu vou chegar e sair de lá. Entrei na agência, estava lá o gerente. Dentro da agência sete horas da manhã? Aqui tem. Aí: “Vamos abrir o cofre” “Não, não precisa, é só o cheque que desapareceu” “O senhor é inspetor? Querendo me deixar de lado? O senhor vai ficar e vai ficar junto comigo, vamos lá ver”. Abriu o cofre, meu Deus do céu! Aí não dá pra estar contando muito, mas tinha uns documentos lá que não podiam estar, não tinha dinheiro que devia estar, um monte de anarquia. Resumindo: ele foi posto na rua, o amigo do diretor foi posto na rua, o contador foi posto na rua, o tesoureiro foi posto na rua e eu achei o cheque. Essa foi a minha última inspeção. Eu não estava ali pra inspecionar, eu fui a pedido do subdiretor pra ver o que tinha havido que tinha sumido o cheque. Voltei a Florianópolis, chegou uma equipe de inspetores, porque aí já havia uma equipe, eu já pedi que viesse uma equipe. A equipe tomou conta lá da agência, eu fui pra Florianópolis e de lá me mandaram pra Londrina. Cheguei em Londrina, novamente pra ganhar mais, ia ser o gerente regional. Assumi a gerência regional, trouxe a minha família pra uma casa boa que eu morava lá na Almirante Jaceguay, era o nome da rua. Uma casa de alvenaria boa, era um casarão, era em cima, bem alto. E depois eu construí a minha, muito boa a casa lá na Rua Montevideu, Jardim, qual era o nome? Eu vou lembrar depois. Fiz a minha casa e aí já estou morando lá, agora ganhando bem mais. Comecei a trabalhar, já descobri que o gerente regional anterior, o gerente da agência, tinham tudo feito trampolinagem lá dentro. Mostrei pra diretoria, mandaram todo mundo embora. Você fica bem quisto nisso? Você fica sendo olhado de luz alta. E ainda tinha uma cunhada do gerente que trabalhava comigo, que era da regional, aí eu tive que afastar porque não vou estar aqui com alguém que pode me burlar alguma coisa, pra me prejudicar. E acabei assumindo lá.
P/1 – O senhor estava falando que ficou em Londrina, teve essa questão toda.
R – Isso. Aí assumi a gerência regional e comecei a trabalhar com café, que eu nem conhecia, não sabia o que era café. Hoje eu falo duas horas sobre café, fui o maior financiador de café do Brasil, não sei se alguém de Santos me ganhou em termos de volume do que eu financiava. Eu conheci Santos, eu inspecionei Santos na área de café depois. Mas aí trabalhava café e em café você financiava o café e depois redescontava no Banco Central, pegava o dinheiro de volta, financiava outro, redescontava. Era uma roda viva aquele negócio lá e eu tinha milhões e milhões de cruzeiros na época em volume lá. E os outros bancos não faziam o financiamento, eu ia lá, pegava o limite no Banco Central: “Mas pra que você quer mais?” “Os caras não fazem, deixa eu fazer, tem gente pedindo” “Então leva mais 300, leva mais dois milhões, leva mais cinco milhões”. No fim eu tinha tanto volume que veio um inspetor me inspecionar de Porto Alegre. E ele não sabia o que era café, ele não conhecia. Chegou lá o cara e disse assim: “Escuta Alaor, primeiro me ensina o que é café e como se financia café para depois eu te inspecionar” “Tudo bem, então senta aí. Vai sentar algumas horas”. Bla bla bla bla, depois de algum tempo eu disse: “Agora pode inspecionar. Entra na agência e faz o que você quiser”. Fez lá, voltou dizendo que era excelente. Eu dei o maior lucro que o banco já viu, o maior lucro porque financiava horrores, cobrava juros disso tudo, ganhava pra arrebentar. Meu Deus do céu, era uma loucura! Até que uma vez eu fui a Porto Alegre e o banco estava pra ser vendido, é mais vendido porque o Banco Central exigia umas coisas lá. Aí eu cheguei numa reunião lá e eu disse: “O banco está acontecendo isso porque aqui na matriz estão fazendo errado isso, isso e isso”. Ah, pra que eu fui dizer isso, a turma lá queria me pegar no pau. Queria já bater em mim. Aí o diretor sentiu que o clima cresceu: “Alaor, me aguarda lá na minha sala”. Saí da sala e fui lá pra sala dele. Um dos que estavam ali que era meu amigo: “Alaor, sabe o que o diretor disse? “Vocês calem a boca porque esse cara que saiu daqui deu mais lucro do que nós no banco inteiro. Esse cara tem como dizer as coisas’”. Calou-se o negócio, acabou-se o negócio. Voltei pra Londrina, continuei a financiar, até que um dia eu estou lá em Maringá, onde eu instalei uma das agências, eu instalei 12 agências do banco, ainda como inspetor. E a agência de Maringá eu tinha instalado, eu estou lá e estava o presidente do banco. Eu estava no Galaxie dele, estava mostrando a cidade de Maringá. Maringá você não conhece, mas é uma cidade toda traçada, espetacular, uma avenida, uma rua, uma avenida, uma rua, é impressionante. Tem um redondo, chegam quatro ruas e quatro avenidas, em cada redondo. É um negócio que só se você fosse conhecer mesmo que você ia ver a cidade melhor traçada, eu te diria, do mundo. Não existe coisa igual Maringá. Maringá no Paraná, uma cidade bonita, tem uma música, né? (cantando) Maringá, Maringá. É de lá de Maringá, Gilberto de Carvalho que compôs. Era a rua que eu instalei a agência, na rua Gilberto de Carvalho. Eu estava lá em Maringá com ele, ele disse: “Alaor, vai se aposentar o nosso gerente de Joinville. Você não gostaria de ir pra lá como gerente regional?” “O senhor sabe que eu sou catarinense. Joinville foi onde eu fiz a minha lua de mel. Por que não? Se o senhor quiser eu vou pra lá sem problema nenhum” “Então eu vou tratar disso aí”. Chegou lá, tratou, voltei a Joinville depois de anos, onde eu fiquei 20 anos. Foi a cidade que eu mais morei a minha vida, onde eu fiz a minha lua de mel, anos antes, sem conhecer Joinville eu fui fazer lua de mel lá. Bom, aí fiquei em Joinville como gerente regional. Em 86 o banco criou em Florianópolis uma subdiretoria e a pessoa da vez era esse seu modesto amigo, que deveria ser o subdiretor porque eu era o mais antigo da região, era o que mais tinha viajado, o que mais tinha feito volume de resultados etc e tal e mandaram lá um gaúcho que não tinha nada a ver, que não conhecia Florianópolis, nem coisa nenhuma. Aquilo foi uma decepção. Olha, me bateu fundo, aquele negócio me estragou o mês, o ano, só não estragou a vida porque a gente tem que passar por cima desses pepinos. Eu fui a Porto Alegre e disse: “Eu quero a minha aposentadoria”, já tinha tempo, não tinha o tempo todo, tinha 30 anos e oito meses, uma coisa assim. “Eu quero minha aposentadoria e quero me aposentar no dia 13 de maio, absolvição da escravatura”. Eles ficaram danados da vida comigo. “Então vamos tratar disso agora” “Eu quero esses direitos aqui pa pa pa, todos esses aqui” “Tudo bem”. Dali a pouco alguém me disse assim: “Alaor, dia 13 de maio você vai perder o FGTS porque é a primeira quinzena” “Então faz dia 26 de maio”. Fizeram dia 26 de maio, me aposentei e saí do banco. Saí do banco em uma sexta-feira, aposentado, entrou outro cara lá pra ser o regional e ia abrir em Joinville o Banco Europeu para a América Latina, tinha ali na Bela Cintra. Banco Europeu para a América Latina, esse você devia conhecer, é aqui do lado da Paulista; hoje não sei se existe mais, acho que não existe mais.
P/1 – Não sei também.
R – E abriu o Banco Europeu para a América Latina e um funcionário do Banco do Brasil ia ser o gerente e ele estava procurando alguém para tocar como Administrativo, eram só duas pessoas e uma secretária. Era um banco de escritório e não de frente, não tinha conta corrente, era só financiamento, investimento. Eu fui lá falar com ele, isso antes de eu me aposentar eu já estava falando com ele. Aí antes de eu me aposentar ele disse: “Olha, tu vai trabalhar comigo”, ele gostou do meu currículo, o que eu fiz na vida. Seu Abílio, não sei como é o nome dele. Eu me aposentei no dia 26, na segunda-feira eu era gerente adjunto do Banco Europeu para a América Latina, onde eu fiquei mais seis anos. Agora ganhando aposentadoria e mais o salário no Banco Europeu. O Europeu era uma distribuidora, eles não deram muito valor à coisa e não sei até porque, mas teve um diretor aqui de São Paulo que chegou lá um dia e acabou me dispensando. Botou o meu assessor, que era mais novo, ele achou que o cara, por ser mais novo, ia fazer mais coisa, ele fechou a agência. Foi mal, foi mal, foi mal, até fechar a agência. E aí então fechou o Banco Europeu em Joinville. Quando eu saí, eu resolvi, como eu já tinha... Em Londrina tinha uma passagem lá também interessantíssima, vou ter que fazer um parênteses aí pra poder te contar de Londrina. Em Londrina chegou num determinado momento, eu achei que eu deveria ser candidato a alguma coisa, eu sou político, gosto de política. Vou me candidatar a deputado federal. De cara. Deputado federal. Existia o partido PP, não é esse PP de hoje, sem vergonha que está aí não, era o PP do Tancredo Neves. Eu me filiei ao PP do Tancredo Neves. Em seguida andaram fazendo em Brasília uma jogada lá, jogaram o PP dentro do PMDB. Acabei caindo no PMDB, me candidatei a deputado federal. O banco me deu 40 dias de licença remunerada, nunca tinha visto um banco fazer isso, para eu correr o Estado do Paraná e ser o candidato. Eu peguei e não tive dúvida. Quarenta dias, o que eu vou fazer? Vou pedir voto de casa em casa, passei a fazer em indústria, de cidade em cidade, nas cidades que eu morei. Fui a Maringá, a Londrina, Cascável, onde abri uma agência, fui a Toledo, Marechal Cândido Rondon, Alto Piqueri, Paulotina, Campo Mourão, rodei tudo aquilo lá pra pedir voto. Mas na hora do, novamente entra, política é suja mesmo, me mandaram os santinhos no dia da boca de urna, os santinhos que tinha o seu nome e número, naquela época tinham lançado o número do candidato. O meu número era 585, me lembro bem, deputado federal 585. Eu peguei os cabos eleitorais na hora lá, vi os santinhos, só olhei a minha cara lá, o 585 nem olhei. Passei pra todos eles, saquinho pra cada um: “Vocês vão pra boca de urna e vamos fazer”, naquela época podia fazer. Até a minha mulher. E fizemos boca de urna. Chegou meio-dia minha mulher me pegou pelo braço, ela veio de outro lugar que ela estava: “Ó, perdemos a eleição” “Por quê?” “Veja o que está entregando” “Ué, meu santinho” “Veja o número, 588”. O 588 era lá de Curitiba e foi eleito, eu perdi a eleição (risos). Mas me deu uma raiva! Na hora eu fiquei possesso, eu tinha 12 carros com alto falando, as placas, tudo. Tirei tudo aquilo lá, lavei os carros, no mesmo dia de tarde lavei tudo e me larguei. “Vamos para uma praia”. Viemos pra Florianópolis pra descansar um pouco, depois fiquei sabendo que eu fiz seis mil 850 votos, o candidato precisa de 12 mil votos pra ser eleito. E o cara lá de Curitiba foi eleito com 13 mil, 14 mil votos lá em Londrina, votação que devia ter sido feita no meu nome. Bom, essa é uma passagem que eu tinha deixado pra trás. Aí em Joinville eu saí do Banco Europeu, como eu já tinha sido candidato e tinha sido votado no PMDB, eu procurei o pessoal do PMDB pra ver se eu conseguia ter uma condição de entrar em alguma coisa ali na área política, na área administrativa. Aí eu fui convidado, porque eu era advogado já, pra criar o Procon de Joinville, não existia, estava no começo do Procon. Fui a Florianópolis e fiz o curso para saber como fazia o Procon, as notas, como se tirava os controles. Trouxe tudo, fiz, mandei imprimir tudo aquilo lá. Arrumei um sala, botei o Procon lá e instalei o Procon. No começo ninguém acreditava, eu comecei a dar duro e tirei cara do mercado, aí meio perigoso até pra ser assassinado ou qualquer coisa. Eu sei dizer que fomos respeitadíssimos, hoje o Procon é respeitado. Estive aqui em São Paulo, estive naquele que pegou fogo, como é? O que tem a mão na frente.
P/1 – O Memorial da América Latina.
R – Memorial da América Latina, ali eu fiz uma palestra sobre o Procon. Ali fizemos todas as tratativas do Procon, voltei a Joinville, funcionou. Fiquei no Procon até um ano e meio, dois anos, era o coordenador geral para Joinville. De repente o nosso secretário de administração, que era a quem estava ligado o Procon, brigou com o prefeito. O prefeito era um alemão daqueles bem duro, bem seco, mas seríssimo, sujeito fora de série. Ele criou a Consul, a geladeira Consul, foi ele que criou, ele que criou o nome de Consul. Ele que criou a Embraco, que faz os compressores de geladeira, é uma das maiores do mundo. Esse cara é uma sumidade, mas ele já estava fora disso, ele vendeu pra Whirlpool, uma empresa internacional, e acabou sendo eleito prefeito. Ele era o meu chefão, meu prefeito, ele sabia que eu estava lá, mas não tinha ligação comigo, nós nem conversávamos porque ele era um cara meio reservado. No dia que saiu o cara entrou um colega nosso da secretaria de administração na minha frente, já é falecido esse cara, foi um grande amigo que a gente perdeu. Ele chegou: “Alaor, fala com o senhor Freitag, era o prefeito, e diz pra ele que você pode ser o secretário da administração” “Não vou dizer isso, o homem vai me mandar praquele lugar. Qual é a tua?” “Não, conversa com ele”. O senhor Freitag desceu a escada, era uma escada íngreme que vinha lá da sala dele até onde tinha a minha sala, ia passar pra pegar o carro pra ir pra casa. Quando ele passou eu disse: “Senhor Freitag, tudo bem? Quem é que o senhor vai colocar na Secretaria de Administração?” “Ah, eu estou pensando no japonês lá”, era o secretário da área de recursos humanos, RH. “Eu estou pensando no japonês da Secretaria de Administração” “Ah é, então tá”, estava resolvido, não vou dizer nada, deixei como estava. “Até logo, seu Freitag” “Até logo”, aí voltei pra secretaria. Voltei pra sentar ali só, porque eu não tinha nada a ver com a secretaria. De tarde o senhor Freitag me mandou chamar no Procon. Vou lá, entrei na minha sala, da sala da mesa dele, que eu entrei na sala dele: “O senhor vai ser o secretário de administração”, desse jeito, apontou o dedo assim: “O senhor vai ser o secretário de administração”, era bem o jeito dele. “A sua posse vai ser amanhã e quem vai lhe dar a posse é o chefe de gabinete, que eu vou pra São Paulo”. Tá bom. Acabei secretário de administração da prefeitura de Joinville. Assumi no dia seguinte. Passei um apuro tremendo porque na área da política, você passa a ter os holofotes em cima de você, e a secretaria da administração já tinha matado um, morreu em cima da mesa que eu caí um dia. Um dia eu caí com pressão alta em cima da mesa também, o outro morreu. Eu acho que não morri, estou aqui ainda. Fiquei ali até algum tempo, de repente eu tive esse desmaio lá, me levaram no médico, eu estava com pressão de 21 por 11, imagina que pressão, é pra estourar a cabeça do cara. Aí saí, fui ver passarinho lá no morro, fui andar, fui pra casa, minha mulher já ficou: “Por que você está em casa uma hora dessas?”, eu não aparecia nunca naquela hora. “Eu não me senti muito bem lá” “Então vem cá, vamos no médico”, me levou no médico, cardiologista dela lá. Eu fui lá, ele detectou, comecei a tomar a medicação, que eu tomo até hoje, aliás não tomei do meio-dia, agora que lembrei, nem de manhã tomei. Não tomei hoje. Se ela souber ela vai me pegar, eu digo depois que eu chegar em casa. Trabalhei na secretaria da administração, depois conseguimos eleger outro prefeito, porque eu fazia política. Aí: “Senhor Freitag, vamos apoiar o Luiz Henrique da Silveira”, que hoje é senador, pra prefeito. “Ah, mas o que vai dizer o...”, quem era o governador daquela época? Era o Bornhausen, alguma coisa assim. “Mas o Bornhausen, o que ele vai dizer de nós?” “Não interessa, ele vai ser o prefeito, ele vai ser eleito. Nós vamos perder a eleição porque ele não quer?” Aí o seu Freitag acabou apoiando. Fomos expulsos do partido, eu e ele, porque nós tínhamos apoiado. E o Luiz Henrique ganhou. Quando ele ganhou, ele estava montando o secretariado dele e o seu Freitag estava bem doente, ele morreu de Alzheimer. Estava bem doente e eu disse pra ele: “Enquanto eu estiver aqui o senhor vai ter o seu companheirão do lado”, onde ele ia eu estava do lado, ele sentia isso. Até que um dia o Luiz Henrique foi eleito e eu estou lá representando o senhor Freitag na posse do Coronel Comandante do batalhão da Polícia Militar. “Alaor, eu quero falar contigo!” “Só um minutinho, deixa eu fazer a posse aqui”. Fizemos a posse, o Luiz Henrique me levou pra sala e me disse assim: “Olha, eu tenho duas funções pra você no meu governo, uma delas é vice-presidente do Banco do Estado de Santa Catarina”, eu era bancário, pra mim ia ser, vice-presidente de um banco, o que é isso? Eu aquele porcaria que entrou como praticante contratado? “Ou secretário da Administração de novo”. Eu falei: “Olha, Luiz Henrique, fica na sua mão, o que o senhor disser que eu vou fazer eu vou fazer” “Então você vai ser o vice-presidente do Besc”. Fui pra Florianópolis ser vice-presidente do Besc. Quando cheguei lá já quiseram me cortar as asas. O presidente de então do banco achou que eu ia ser só diretor administrativo. Para eu ficar empregado em Florianópolis, minha terra, tá bom, tá de bom tamanho. Cheguei em casa e disse pra minha mulher. Ah, pra quê? A baixinha subiu nas tamancas (risos). “Vai falar pro Luiz Henrique agora! Liga já pra ele”. Aí liguei, falei: “Luiz, olha, o diretor lá do banco falou que eu vou ser diretor administrativo” “O quê?????”. Aquele berro, acho que chegou sem telefone (risos). “Aguarda um pouco que eu já te chamo”. Desligou, dali a pouco me chamaram na diretoria, disseram: “Não, o senhor vai ser o vice-presidente do banco”. Ah... entrei como vice-presidente do banco. Depois trocou o governo do Estado e aí me tiraram, mandaram eu embora do banco, mas eu saí com a minha pasta na frente, já chegou um deputado do estado: “O senhor vai ser vice-presidente do Badesc, o Banco do Desenvolvimento” “Como é que o senhor sabe disso?” “Confia em mim que você vai, pode aguardar”. Fui pra casa, no outro dia no telefone: “Dá uma chegada no Badesc”. Fui lá no Badesc, já estava a minha mesa já pronta, assumi como vice-presidente do Badesc. Aí o presidente do Badesc foi convidado pelo candidato a governador como vice-governador. As brigas lá dentro, o banco não dava resultado, estava feia a coisa. “Meu Deus do céu, como vamos fazer esse troço funcionar”. Aí tentei ajudar de um jeito, de outro, mas estava sempre com prejuízo, era impressionante o negócio lá, estava feio mesmo. Aí o vice foi lá no governador e disse: “Eu vou sair pra candidato, eu tenho que me descompatibilizar, eu queria que o senhor nomeasse o Alaor como presidente do Badesc”, aí fui ser presidente do Badesc. Fiquei quatro meses, era tudo ligeiro. Estou em casa, sentada no bacil, a minha mulher me traz o telefone (risos), tem que tirar isso daí (risos). Chega a minha mulher: “O governador quer falar contigo” “Governador?” “É” “Alô!” “Doutor Alaor”, me chamava de Doutor Alaor, ninguém me chamava, ele me chamava: “Doutor Alaor”, ele também era advogado, “O senhor não quer dar uma chegada aqui no Palácio? Eu preciso conversar urgente com o senhor” “Tudo bem, dentro de meia hora estou aí” “É ligeiro” “Tá bom”. Levantei, peguei, fui até lá, sentei na frente dele: “Doutor Alaor, eu queria que o senhor fosse o Presidente do Besc” “Eu, presidente do Besc?” “É. O senhor aceita?” “Pra mim é uma deferência toda especial. Volto pro Besc e volto como presidente sem problema nenhum” “Então tá, então o senhor assume, o senhor trata da posse, nós vamos fazer festiva” “Tudo bem”. Aí fui pro Besc e lá peguei a turma de dentro, fizemos uma festa lá, assumi, ainda me lembro que a minha irmã estava lá dentro do teatro, lá em cima na galera, aí minha irmã é parente, então ela: “O mais lindo” (risos) Até hoje ela sabe disso. Aí assumiu a presidência do Besc, poucos meses também, porque o governo perdeu a eleição e nós fomos todos destituídos por um careca, deixa pra lá, eu ia dizer uma coisa, mas deixa pra lá. Um careca que foi eleito governador e que resolveu acabar com o banco. Ele fez uma campanha enorme dizendo que eu tinha feito operações erradas, me botou na Justiça. Eu fiquei dez anos respondendo a Justiça Federal por ter feito operações indevidas, sendo que de todas que foram relacionadas eu não tinha feito nenhuma daquelas operações. Fui respondendo pra Justiça Federal. Era audiência daqui, audiência de lá, vem pra São Paulo, vai pra Brasília, vai a Porto Alegre, audiência. No final da juíza: “Não há nada comprovado que exista de errado na gestão de José Alaor Bernardes”, absolvido totalmente. Não tinha que botar na cadeia uma f.d.p. desses? Tinha, mas deixa pra lá. A vida ensina pra gente as coisas. E aí saí e voltei pra Joinville depois como Secretário da Administração de novo, depois como Procurador-Geral do município, aí já na minha função de advogado.
P/1 – E Alaor, a sua relação com o Sebrae começa em que momento e o que é essa relação hoje?
R – Isso quando eu voltei como secretário da administração e já em seguida como procurador-geral do município eu fiquei até 2003. Em janeiro de 2003 o novo prefeito, a quem eu tinha feito uma defesa enorme, não soube reconhecer e acabou nos demitindo. Eu fiquei sem emprego. Essa minha filha era e é assessora do Sebrae em Santa Catarina e ela comandava a área educacional, ela fez cursos de todos os gêneros com o Sebrae lá em Florianópolis. Quando ela viu que eu tinha perdido a função, ela falou: “Pai, dá uma chegada aqui e fala com algum político porque o Sebrae vai nomear um novo diretor. E como o Luiz Henrique vai ser o governador, por que ele não botar um diretor dele?” “Puxa, mas Sebrae?”, eu já tinha até sido, em determinado momento como presidente do Badesc, eu seria conselheiro do Sebrae, nunca apareci lá. Nunca. Não havia uma ligação, até porque a coisa não estava bem feita lá, não estava bem tocada e eu tinha que ficar muito tempo lá dentro. Aí vim a Florianópolis e falei com políticos, amigos lá: “Eu gostaria de ser aproveitado. Tem a função lá de Diretor Administrativo Financeiro, por que não?” Vai e volta, vai, nomeia esse, nomeia aquele, nomeia esse, nomeia aquele, até que um dia foram nomeados um rapaz lá de São Miguel D’Oeste, um professor e eu, ele como diretor técnico e eu como diretor administrativo financeiro. A nossa posse foi no dia 13 de maio de 2003. Aí você é eleito por um conselho por dois anos, fui reeleito por mais dois anos, fui reeleito por mais dois anos, fui reeleito por mais dois anos, completaram-se oito anos, aí existia uma eleição pra quatro anos que a gente vinha lutando faz tempo, eu ajudei a lutar por essa eleição. Mas chegou aí um determinado momento, eu não sei o que me deu naquele dia, hoje eu até meio que agradeço que aconteceu isso. Eu chamei o superintendente e disse: “Olha, está na sua mão o meu cargo. Se você quer que eu continue, eu continuo, senão, pelo menos me dê outra função, se você não quiser que eu continue”. Aí ele saiu correndo, ele não gosta de mim. Ele saiu correndo e voltou já com um colega nosso que era um gerente lá, nem gerente não era, era um funcionário, mas era amiguinho dele. “Vai assumir o Sérgio e você fica como assessor do conselho” “Tudo bem”. Um quarto do salário, um quarto, 25% do que eu ganhava. Tudo bem, eu ofereci a possibilidade. Passei a ser assessor do conselho do Sebrae de Santa Catarina, onde eu estou durante quatro anos, era mandato. Durante esse tempo, desses quatro anos, o superintendente já deu um jeito de dizer, numa determinada reunião do conselho, que em função do que alguém disse disso, que disse daquilo, que disse daquilo outro, que essa função será ocupada sempre por funcionário de carreira. No final do ano eu deixo de ser porque entra outro superintendente e naturalmente vai nomear um funcionário de carreira, se nomear. É por isso que eu estou no Sebrae.
P/1 – Eu queria te fazer duas perguntas mais da esfera pessoal, da via pessoal agora. Uma é: quantos netos você tem e como é ser avô?
R – Meu filho mais velho casou em Londrina, quando eu morava em Londrina, namorou uma moça lá. Ele é da área de informática, TI, é analista de sistemas. Ele namorou com uma moça de lá, família humilde também, o pai dela tinha uma oficina mecânica onde eu levava meus carros. Não sei como ele namorou com ela, mas ele namorou com a moça, excelente pessoa, fora de série, a Maristela, e com ela casou há 27, 29 anos, alguma coisa assim e tem um filho com 30 anos, fez domingo 30 anos. Mora em Blumenau, é analista de sistemas hoje do Ministério da Fazenda, na área da Procuradoria Federal, aquela coisa toda. Induzido pelo avô também ele foi pra lá, eu fiz ele estudar alguma coisa que acabou caindo na mão dele, por concurso, ele fez concurso. Ele tem uma neta, a única neta, a neta mais linda do mundo, a Paula é uma, depois vou trazer as fotografias dele uma hora, eu trago as fotografias da família e deles. A neta é filha dele, do Alaor, já é casada com um engenheiro, não tem filhos. É uma perua, a gente chama de perua porque está sempre bem vestida, ela está sempre bem trajada. Se ela chegar aqui agora ela chega com um vestido, se chegar daqui meia hora é com outro vestido. É impressionante, ela se traja muito bem. E tem o Pedro que é o filho mais moço dele, Pedro Vinícius Bernardes. Então é José Ricardo Bernardes, Paula Mariane Bernardes e Pedro Vinícius Bernardes, é um webdesigner ele, começou a trabalhar agora, formou-se mês passado. Todos eles formados. O Ric é formado no Senai, eu que induzi ele a ir pro Senai, é isso que eu induzi, depois ele fez sozinho. A Paula é enfermeira formada na Universidade de Itajaí e o Pedro é formado na Universidade de Joinville, webdesigner. Depois eu tenho a Silvana. A Silvana é hors concours, definitivamente, ela tem uma formação em Arquitetura. Ela morava em Londrina e resolveu vir estudar em Florianópolis sozinha com 16 anos. Fez o científico, terminou lá, fez vestibular, passou no vestibular, passou pra Arquitetura. Eu vim a Florianópolis, comprei um apartamento pequenininho, três quartos, sem suíte, mas três quartos. Botei ela lá dentro, ela pegou mais cinco moças e fez alimentar a casa e ela comia e se vestia daquilo ali. Conheceu um colega de aula, acabou me dizendo que ia noivar, me ligou dizendo: “Tem um negão aqui que quer casar comigo”, ela brincando (risos). “A cor não me interessa, interessa é se ele vai casar. Vai casar?” “Vai” “Então tudo bem”. E aí acabou casando com ele. Não tinha nada demais, até pensamos que fosse uma gravidez, mas não era nada disso. Disse: “O senhor não conhece a sua filha” (risos). Hoje tem dois filhos, os dois maiores de idade já. O mais moço voltou agora dos Estados Unidos, esteve lá numa estação de esqui fazendo um estágio de inglês, é o único que tem os olhos azuis como o avô. E o mais velho é o Lucas. Ela tem o Lucas, o outro tem o Luca e ela tem o Lucas. O Lucas tem 24 anos eu acho e o segundo dela é o Bruno Bernardes, que tem 22, uma coisa assim. Vai fazer vestibular de novo porque não gostou do vestibular que fez, não foi bem na faculdade. O outro já se formou, webdesigner também. O pai já é webdesigner, é professor na área na universidade lá. A Miriam não tem filhos, só as quatro cadelinhas, porque ela não pode ter filho. Casada com um rapaz de Videira, ele nasceu em Joaçaba, morava em Videira, depois foi morar em Blumenau e ela conheceu e vivem lá na nossa casa. Ela cuida da nossa casa em Joinville, porque nós deixamos a nossa casa em Joinville. Eu montei uma casa boa lá, uma casa de 330 metros quadrados, um terrenão de 790 metros quadrados. Ela cuida da minha casa lá, “cuida”, porque ela trabalha mais na loja e não tem tempo de fazer nada em casa, mas ela que mora lá na casa. E tem o Luís Paulo, esse fugiu da escola, esse foi bem o pai dele. Eu também fugi da escola, aquele tempo todo eu deixei de estudar. Ele deixou de estudar algum tempo, de repente ele fez uma área de informática, acabou dando aula de informática, acabou fazendo algumas coisas e fez um concurso pra empresa de limpeza da capital, a Comcap. Passou lá e acabaram admitindo ele. Já foi gerente de informática, já foi gerente de recursos humanos. Hoje trabalha lá dentro nessa área. Casou com uma enfermeira a quem ele deu um curso. Ela é bem humilde, então ele pagava o curso pra ela o tempo inteiro pra que ela cursasse enfermagem. Hoje ela é enfermeira, uma excelente enfermeira, cuida da área infantil do Hospital Infantil de Florianópolis e mora do lado da minha casa.
P/1 – E eles têm o...
R – Eles têm o Luca. Eles têm dois carros, ela tem um carro porque ela tem que ir trabalhar numa hora e ele trabalha com o outro carro na outra hora. Eu tenho meu carro, a minha mulher tem o carro dela. O Alaor tem um carro junto com a mulher dele, o Ric tem um carro. O Ricardo é casado, casou-se faz um ano, mora nesse apartamento pequenininho em cima do meu. Eu mobiliei o meu, ficou uma tetéia, ficou uma suíte. Tu vê, era maior do que isso aqui, mas ficou dividido, aqui ficou o quarto de casal, o guarda-roupa, aí um porta de correr que fecha o banheiro lá dentro, então fica uma suíte. Aqui uma cozinha e aqui a salinha, ficou bonitinho. Quem me vendeu disse que o melhor apartamento do prédio hoje é o meu lá. É um carinho que a gente tem. Domingo agora eu tinha o aniversário do Ric, que a gente chama do José Ricardo de Ric, ela chama ele de José, é gozado, ninguém chama ele de José, só ela, a mulher dele. Ele casou-se com uma enfermeira também, trabalha em um hospital de Blumenau. Então nós temos quatro enfermeiras na família.
P/1 – E Alaor, como é que é ser avô? É diferente de ser pai? Como você se sentiu sendo avô?
R – É uma alegria muito grande, bastante grande. Primeiro que o Ricardo vivia lá em casa, em Joinville, quando eu morava lá. “Onde é que está o Ricardo?” “Está lá na casa da avó”, está lá com a minha mulher. Estava sempre com a gente. “Vamos pra praia?”, o Ricardo ia junto. Depois veio a Paula, a Paula ia junto. Veio o Pedro, o Pedro ia junto. Sempre foram ligados, principalmente à avó. A avó é um para-raio dos netos. Depois os dois da Silvana já não foi tanto assim, mas mesmo assim o Lucas, a Elisa que é madrinha, nós somos padrinhos inclusive, e esteve muito tempo junto com a gente também, de vez em quando está com a gente lá. O Bruno também, espivetado que só ele, mas a gente também tem uma ligação bastante grande. E o Bruno tem um respeito pelo avô muito grande. A minha mulher fez um curso de alimentação pra saber como se alimentar melhor, aquela coisa, tem uma expressão própria para isso aí.
P/1 – Nutrição?
R – Não era nutrição, mas era parte de nutrição. E ele foi fazer um dia, a filha foi fazer lá também e fez com que ele fosse junto com ela. Então ele foi pra lá também e um dia ele ficou sozinho lá, ficou sozinho. Aí foi marcado que eu deveria ir buscá-lo às quatro e meia da tarde. Deu quatro e 45 alguém disse assim: “Ihhh, seu avô te esqueceu” “Dúvido! Meu avô não pifa, ele vai chegar aqui até às quatro e meia” (risos) Em dois minutos eu apontei e ele: “Ó lá ele lá!” (risos). Então ele tem um certo respeito. O mais velho também, faz a compra de um terno e eu tenho que ir ajudar a comprar, bastante ligado. E agora o Luquinha, o nosso último amor (risos).
P/1 – Então a penúltima pergunta é: Quais são seus sonhos?
R – Como eu vou falar isso? Não tenho muito sonho, não. Não tenho muito sonho. Eu gostaria, eu fui à Europa três vezes, fui aos Estados Unidos duas vezes, minha irmã morava lá, ela agora está morando em Florianópolis; as minhas sobrinhas moram em Sacramento, na Califórnia, onde eu fui também na casa dela; Nova York, estive na Flórida. Gostaria de voltar à Europa. Eu adorei Portugal, adorei a Espanha, eu estive em Valência que é uma cidade linda, parecida com Florianópolis; eu estive em Barcelona, espetacular; eu fui a Compostela, Caminho de Compostela, eu rodei tudo aquilo lá. Entrei por Portugal, que nós somos açorianos, então eu queria ir a Açores, acabei não indo. Queria voltar lá agora pra ir pra Açores. Tenho condições de voltar, mas estou com uma preguiça que não é tamanho. Agora estou pensando, o que eu vou fazer dia 1º de janeiro. Isso é uma coisa que você não sabe, eu tenho casa em Joinville, eu tenho apartamento em Blumenau, que está lá no domingo teve a festa do Ric, meu filho Alaor esteve lá, ficou no meu apartamento e o filho ficou no dele. “Pai, posso ir lá?” “Pode, está lá pra vocês”. Eu tenho casa na praia de Bombinhas, lindo aquilo lá, você não conhece, mas é muito bonito lá. E do lado da casa eu fiz dois chalés que eu alugo na temporada, então vem gente da Argentina, vem gente do Brasil, do Chile. Então alugo, eles passam um e-mail pra mim lá e eu alugo pra eles lá, baratinho, mas é gostoso a gente convive com essa gente e acaba aprendendo muita coisa, inclusive a da Argentina mandou agora um e-mail dizendo que esse ano ela não vem, mas a irmã dela vem, mas ano que vem já fica reservado. “E o senhor tem que vir aqui na minha chácara ver os meus caballos e mis árboles”, as árvores dela lá, ela gosta muito de árvore. Então eu estou já reservando alguma coisa pra ir lá. Mas eu estou com preguiça. Queria fazer um livro, já comecei um outro sobre o espírita que era o presidente do nosso centro espírita e me educou bastante na área, me orientou, me mostrou como eram os caminhos, como eu devia estudar, o que eu devia ler, que eu já li um monte, trouxe até um pra ler agora aqui, pensei que ia ser pouco tempo, ia poder ainda ler, mas vou ler no aeroporto ainda. Mas ficou uma amizade muito grande com ele, então eu comecei a fazer um livro dele, Pedro Nelin Sampaio, nascido no Piauí e veio morar em Joinville, e lá ele montou um centro espírita, que era presidido por ele e pela minha nora, a mulher do Alaor, ela ainda preside lá. E lá eu e a minha mulher começamos a ser espíritas. Eu, minha mulher, meu filho, minha filha, minha nora, minha neta, tudo participa desse centro espírita lá. Agora eu participo em Florianópolis em um outro centro espírita. Então a minha ideia é escrever um livro. Tentei fazer um coisa, montei uma gráfica pequena com meu filho, mas não deu certo, não houve procura, era muita despesa, gastei mais de cem mil reais e não conseguiu decolar. Acabei tendo que fechar pra não perder mais dinheiro. A ideia é ter alguma coisa pra fazer porque ficar parado não dá. Essa filha está montando ainda a ideia de nós irmos pra Europa em setembro do ano que vem. Ela morou em Paris, ela é pós-doutorada, isso aí tem formação que você não imagina. E simples, você viu a roupa dela? Pessoa simples. Amanhã ela está em Brasília trabalhando. Ela é procuradora de um professor do Canadá para o Brasil. Ele tinha alguém que era procurador dele, ele veio ao Brasil a penúltima vez, ela conversou com ele, como ela fala bem o francês porque ela morou três anos e meio em Paris, ela e os meus netos moraram lá em Paris, os dois moraram em Paris. E ele conversou com ela na viagem de Florianópolis até lá. Ele ficou encantando: “Daqui pra diante você é a minha representante”, e hoje ela é representante. E ele agora mandou um e-mail hoje pra ela dizendo que ele vem no ano que vem e ele quer ela junto. Essa é a relação. E eu queria com ela fazer, talvez, um livro, montar alguma coisa na área educacional, fazer isso que vocês fazem. De repente, por que não?
P/1 – Está certo, Alaor. Então a nossa última pergunta agora pra encerrar.
R – Que horas eu vou embora (risos).
P/1 – Não (risos). O que você achou de contar a sua história?
R – Eu não sei se eu fiz a minha parte, acho que fiz, acho que fiz. Mas eu fico emocionado quando eu conto porque efetivamente a gente passou por apuros. Nossa Senhora, o que eu disse é 5% do que a gente passou de sofrimento. Morando em casebres, em casinhas pequenas, morando com humildade, comendo o pão que o diabo amassou. Tendo que trabalhar pra arrebentar de madrugada, quantas vezes debaixo de neve lá no Oeste inspecionando a agência. Ninguém sabe o que é fazer isso, é uma coisa de louco. E fiz com vontade, com gosto, porque eu sempre faço isso com vontade e com gosto e realizei a parte da minha vida que me cabia realizar. Estou com 78 anos, dá pra viver alguma coisa? Dá, dá pra viver, mas a gente sabe que nós estamos no descenso já. Daqui pra frente tudo cai (risos), então a gente tem que ir já cuidando de ver onde é que vão ficar os cacos, como é que vão ficar os cacos. Então eu já tenho sepultura, falando seriamente, sepultura onde está a minha tia, aquela que te mostrei a fotografia, minha mãe. Meu pai não, porque ele casou-se segunda vez, depois que minha mãe morreu ele casou de novo com uma parente dele e hoje os dois estão enterrados lá em cima, no mesmo cemitério. Da minha sala no Sebrae eu vejo a sepultura dele. É mole isso? É, todo dia eu dou uma voltinha lá no sétimo andar, eu vejo lá a sepultura que eu fiz, porque a família dela não fez nada, deixou lá a sepultura revirada. Eu fui lá, arrumei direitinho, botei uma lápide, está lá o nome dele e o nome dela, da mulher dele que seria minha madrasta, nunca imaginei um negócio desses. A minha irmã já gostava de ver. “Tu não vai visitar a madrasta?” “Pô Edi, olha pra mim. Mãe minha era uma e não vai ter outra”.
P/1 – Está certo Alaor, muito obrigada, a gente encerra aqui.
R – Obrigado você ter essa paciência de Jó aí que você tem.
FINAL DA ENTREVISTA
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