Entrevista de História de Vida de Silvana Guedes

Projeto Museu Clube da Esquina

Depoimento de Silvana Guedes

Entrevistada por Tatiana Dias e Priscila Azevedo

Belo Horizonte, 18/04/2007

Realização Museu da Pessoa

Entrevista MCE_HV030

Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha

Revisado por Ligia Furlan

P/1 – Silvana, boa tarde, obrigada.

R – Boa tarde. Obrigada você.

P/1 – Vamos começar esta entrevista com você falando pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.

R – Silvana Maria Freitas Guedes, 25 de março de 1957, Belo Horizonte.

P/1 – E o nome dos seus pais?

R – É Cândido (Sizenando?) de Freitas e Francisca Chaves de Freitas.

P/1 – Você morou a vida toda aqui em Belo Horizonte?

R – A vida toda... Não! Morei em São Paulo uma época, quando eu casei.

P/1 – E qual o bairro que você é criada?

R – Eu fui criada no Bairro de São Lucas. Nasci lá na Rio Doce e fui criada lá. Depois casei, fui para São Paulo e voltei pra cá.

P/1 – Como era o São Lucas nessa sua infância?

R – Ah, era... Na minha infância foi ótimo, porque eram aquelas casinhas de muro baixo. Tinha a turma da minha irmã, época de Beatles... Eu era mais nova e, assim, tinha as Horas Dançantes, que eu ficava servindo refrigerante pra turma mais velha como pretexto de ficar na festa. Então era assim, era bom demais. A minha infância, a minha adolescência foi muito legal.

P/1 – Quantos irmãos você tem?

R – Eu tenho três: Simone, Ricardo e Rodrigo.

P/1 – Você é a mais nova?

R – Não, eu sou a terceira.

P/1 – E como que era na sua casa?

R – Ah, era legal. Inclusive essa coisa de música começou porque, naquela época, tinha aquela coisa de ter um piano em casa e dos filhos estudarem. E Simone não gostou de estudar, nem o Ricardo, e ficou o piano lá. Então eu, com quatro anos, já pegava o piano, ficava tocando piano de ouvido, essas coisas todas. Então até foi por aí que eu comecei com a música, dentro de casa. Mas era bom. A minha rua era de terra, a Rio Doce era de terra, ainda, vivia jogando bola com os meninos do morro – porque é perto do morro, da Favela Pau Comeu. Era isso, as minhas brincadeiras eram jogar bola com os meninos, os pivetinhos do morro. Era bom demais.

P/1 – Você estudava aonde?

R – Ah, eu estudei em um monte de escola. Estudei no Santa Maria, aqui na Floresta; no Instituto de Educação, aí passei para o Colégio Assunção – que eu fui expulsa de lá porque eu era muito danadinha –, fui para o Colégio Anchieta, depois para o Champagnat... Pra um monte de coisa, um monte de escola.

P/1 – Isso na infância, né? E na adolescência, Silvana, por que você começou a gostar de música? Qual que era o seu gosto?

R – Pois é, sempre foi piano, música, né? Eu comecei a tocar desde quatro anos de idade, e comecei a estudar com sete anos, com uma professora particular, que na época tinha aquelas... No final de ano tinha audição. Todo final de ano a gente ia para um lugar lá, numa sala qualquer, e tocava. Quer dizer, desde pequena eu comecei a estudar música. Depois passei pra Fundação de Educação Artística, estudei lá o quê, uns oito ou nove anos, e lá... Até então eu tinha o que, uns dezesseis, dezessete anos. Aí comecei a fazer Festival de Música de Ouro Preto. Mas antes eu fazia dança. Dancei um tempo com o Balé Transforma, aí viajei o Brasil inteiro com a dança. Fiz teatro também com o (Panelli?) Rosa e o Rodrigo Leste, naquele tempo que a gente fazia “Os Bichos Fugiram do Zoológico”, que tem até uma música do Paulinho Carvalho, que o Lô gravou... Eu não estou lembrada da música agora. E sempre estudando piano, estudando música. E foi até então na Fundação que eu conheci o Vermelho. Conheci o Vermelho lá na Fundação. Ele ficava tocando Genesis, aí eu chegava lá para estudar e falava: “Nossa, mas que som lindo”, não sei o que e tal. E um dia eu fiquei atrás da porta escutando ele tocando Gênesis: “Pô, mas que bacana, um cara genial”. Bati lá na porta e falei assim: “Eu posso ficar aqui pra escutar um pouquinho?” E a gente começou a ficar amigo, e ele ia lá para Ouro Preto, e eu também. Então lá a gente ficou superamigo, e quando terminou ele me deu... Falou assim: “Olha, vai lá. Eu moro na Pensão da Dona Dalila”, que era casada, mãe do Flavinho Venturini. Eu comecei a ir lá na pensão e tal, e lá tinha Beto, tinha Lô, Flavinho, o Cláudio, o Ganso. Quer dizer, aí que eu conheci a turma, foi nessa aí.

P/2 – Então você conheceu primeiro o Vermelho?

R – Primeiro o Vermelho, me apresentou à gangue.

P/1 – Ele já sentou nessa cadeira aí.

R – Já passou aqui.

P/1 – E Silvana, você também virou uma ‘beatlemaníaca’ nessa época, com o povo da sua idade? Como é que foi?

R – Não, porque eu era a mais nova. A minha irmã, que na época tinha uns... Eu tinha doze e ela tinha uns dezesseis anos, e estava no auge de Beatles. Eu adorava o som, eu ficava lá escutando e adorava. Eu cantava Beatles, até tirava de ouvido aquelas musiquinhas mais simplesinhas, né? Mas, assim, eu fui obrigada a escutar, porque na época só rolava Beatles, e era festa todo dia. Então, assim, o gosto musical começou com Beatles, mas eu era mais moleca assim, eu estava mais ligada em jogar bola, ainda.

P/1 – E esse negócio da dança, como é que você começa a dançar? Qual foi a sua motivação?

R – Pois é, foi uma história interessantíssima. Eu sou amiga da Mirinha Pederneiras desde pequenininha, porque ela morava ali na Barão de Lucena, que é perto da Rio Doce. Uma vez, a gente lá, não sei o que, a Nena – esqueci o sobrenome dela – Marilene Martins, era muito amiga da minha mãe, e falou com a minha mãe, falou assim: “Olha, leva a Silvana lá. Eu estou me formando, tem uma sala lá em casa, estou dando aula de dança”. A minha mãe me levou e eu comecei a fazer. E quando eu comecei a fazer, virei pra Mirinha e falei assim: “Mirinha, eu estou fazendo umas aulas de balé ali, mas não é balé clássico, são umas danças modernas, umas coisas malucas. Vamos comigo fazer?" Ela ficou meio na dúvida e eu comecei a insistir, falei assim: "Não, vamos, vamos, não sei o que, vamos e tal", e acabou que foi, ela começou a fazer. Na época foi engraçado, porque o Rodrigo, o Digo, ele ficava imitando a gente, sabe, dançando balé assim, com a mãozinha toda: "Olha lá as meninas bailarinas". E começou assim. Aí, de repente, um dia ele foi, o pessoal da Barão toda começou a frequentar, aí virou o que virou. Eu saí e eles continuaram até hoje, Graças a Deus.

P/1 – Que bom. Você parou naquela, chegou na garagem, viu aquele povo tocando lá...

R – Ah, foi.

P/1 – Como é que foi?

R – Olha, foi muito engraçado, porque aquilo foi o quê? Setenta e quatro, foi em 1974. A Dona Dalila tinha uma pensão ali na Avenida Pasteur, ali perto do Pedro II, naquela área ali. O Vermelho me chamou para ir lá e eu fui. Aí, poxa, só músico, eu falei assim: "Ah, que legal, é a minha praia", porque eu tocava piano e eles também. E teve um dia que eu, passando assim, vi uma pessoa. Na época tinha aqueles gravadorzinhos K7, lembra, retangularzinho? Estou vendo a pessoa deitada assim, escutando e tal, falei: "Mas que coisa esquisita". No chão, sabe, num colchão assim no chão. Eu disse: "O que é esse trem esquisito?", um cara de costas, assim, escutando. O (Leni ?) falou assim: "Ah não, isso é o Beto", não sei o que e tal. Foi aí que eu conheci o Beto, ele escutando Genesis, pra variar também. E aí começou a amizade, a gente começou a namorar. A gente juntava uma turma imensa na frente da casa do Flavinho para jogar bola. A gente era (dono ?), não tinha compromisso com muita coisa, e ficava o dia inteiro jogando vôlei com as meninas da pensão. E eu conheci... O Flávio morava lá, o Beto frequentava. Uma vez a gente, jogando bola, chegou o Lô também. Foi aí que eu comecei a conhecer a galera.

P/1 – Pois é. E nessa mesma época é que rolavam os ensaios lá? Eles estavam fazendo aquele show “Fio da Navalha”, não é?

R – Fio da Navalha, é.

P/1 – Você acompanhou?

R – Eu não acompanhei, porque eu era meio tímida assim, eu custei um tempo pra começar a namorar o Beto. Foi engraçado, porque o Vermelho até então achava que eu estava namorando ele. Aí, assim, eu só gostava de escutar o Vermelho tocar piano, não passava disso. Mas assim... Quer dizer, eu ia lá de vez em quando, via a turma, sentava lá, ficava jogando bola e tal, até que eu comecei a namorar o Beto mesmo. Mas, assim, até então eu não frequentava muito, não era muito de acompanhar não, mas sabia dos shows todos. Uma vez eles fizeram... Onde que foi, gente? Ah, não lembro mais. Mas eu custei pra acompanhar o pessoal. Até então era aquele namorinho de pegar na mão. Ia pra lá, namorava... Namorei escondido o Beto por um ano, porque o meu pai era muito bravo, aquelas coisas, eu não queria levar o Beto lá em casa. Então a gente ficava... Encontrava lá na casa do Flavinho e ficava por ali durante o dia, e de noite eu ia embora, ele ia embora. Então assim, eu não tinha o costume de sair muito com eles, de viajar, essas coisas.

P/1 – E _________ já tinha ido pro Rio com o Lô para eles gravarem para Odeon, nessa época?

R – Em 1974?

P/2 – Já, né?

R – Eu acho que já, né? Eu sou ruim de data, mas eu acho que já, ou eles estavam gravando... Não, eles já tinham gravado.

P/1 – Já tinham gravado.

R - Já, já tinham gravado. O Beto, não, isso foi em 1976, que ele começou a gravar “A Página”.

P/1 – É, o ________ foi antes, foi...

R – Foi em 1972. Ah não, foi na época do Clube Dois, não foi 1974? Eu não lembro. O Clube Dois foi quando?

P/1 – Setenta e seis, eu acho.

R - Setenta e seis, né?

P/1 – “A Página” é de 1977.

R – “A Página” foi em 1976, não foi?

P/1 – ______ 1976, _______ 1977.

R – É. Aí eu comecei a pegar “A Página” mais nessa época, porque a gente ia pro Rio gravar lá na... Quer dizer, o Beto ia, né, gravar na Odeon.

P/1 – Mas você se lembra a primeira vez que você ouviu o ________?

R – Eu lembro. Tanto que eu lembro que eu tocava algumas músicas de ouvido. Eu era apaixonada com aquela música, “Sábado”, que era Sá e Guarabira...

P/1 – Era do Som Imaginário.

R - Do Som Imaginário. Eu tocava ela e cantava. Aliás, eu tinha uma banda também.

P/1 – Ah, é?

R – Tive uma banda. Quem desfez foi o Beto, porque ele achava uma porcaria, falou: "Nossa, isso está uma porcaria”.

P/1 – Quem era da sua banda, Silvana?

R – Ah, era eu, a Carla, uma amiga minha lá de perto da Marquesa de Alorna... Tinha a Laura, e eu tocava piano e gaita. A gente tocava muito (Mesh, Yang, Cross e Still ?), essa rapaziada. Até uma vez eu chamei o Beto lá na casa da Carla pra mostrar pra ele a banda que a gente tinha, tudo, não sei o que: "Olha aqui a gente tocando (Cross Still?)". Ele falou assim: "Hum, mas isso está uma porcaria, pelo amor de Deus". Peguei e desisti, falei assim: "Ah não, então não toco mais". Mas o que era mesmo que você estava perguntando?

P/1 – Do Clube Dois.

R – Ah, pois é. Nessa época eu escutava muito “O Sábado”, você conhece essa música?

P/1 – Conheço. __________

R – Pois é, eu adorava o vocal. Eu sempre gostei, a gente fazia... Essa banda minha tinha vozes, a gente fazia em três, quatro vozes. Eu já sacava, o pessoal do Clube da Esquina escutava. Eu tinha o disco, eu tinha comprado o disco, porque na época era Genesis, eu gostava muito de Genesis, Pink Floyd, Yes, aquela turma. E o Clube da Esquina, eu tinha o disco e ficava escutando assim: "Pô, mas que som diferente, engraçado e tal". Eu lembro que eu tocava muito O Sábado, eu adorava O Sábado. Eu já conhecia até por fotografia do álbum os meninos todos, e escutava...

P/1 – Você teve (alguma emoção?) quando você conheceu o Beto, o Lô, que eles tinham _______ o disco?

R – Não, não tinha. Eu custei pra ligar uma coisa com a outra. Foi engraçado, porque eu não liguei uma coisa... Porque na época também o Vermelho não falava que era amigo do pessoal, entendeu? Ele nunca me falou que era amigo dos meninos. Tanto que, quando eu conheci o Beto, eu nem sabia. Quer dizer, nem era Beto Guedes ainda, era um músico. O Flavinho já, na época, começou a tocar com O Terço. Então eu disse: "Ah, que bacana, ele tem uma banda e tal", mas eu não liguei o nome com a capa do Clube da Esquina. Só depois, mais tarde, é que eu fui ver que eram eles.

P/1 – E você falou de Pink Floyd. Então você gostava muito de progressivo?

R – Muito, muito.

P/1 – Você acha que tem uma influência, assim, na carreira dele?

R – Eu não sei, na carreira dele eu não sei, porque ele gostava muito é de Beatles mesmo. Eu acho assim, até o inglês que ele aprendeu a falar, ele aprendeu a falar com Beatles. E ele tinha até uma banda, o Brucutus, da época lá de Montes Claros. Mas ele gostava demais. A gente tinha todos os (cebolão, os discos de?) Genesis. Eu até comecei a estudar, tirar algumas músicas do Genesis no piano, depois até eu ensinei pro Gabriel no piano e tal.

P/1 – Então você curtiu o progressivo e passou isso para os seus filhos?

R – Passei para os meninos, é, pro Gabriel, principalmente. Tanto que depois ele teve até uma banda que tocava Genesis, Pink Floyd e Yes, era o que eu escutava.

P/1 – _________

R - Não, não, é Limbo.

P/1 – Mas voltando nessa saída da garagem... Então você ______ namoro com o Beto e está indo gravar o Clube Dois, gravar A Página?

R - Não, gravar A Página.

P/1 – E aí?

R – Ah, era muito engraçado, porque a gente ia de ônibus pro Rio, ficava no Hotel Presidente, lá no centro do Rio, um hotel terrível, aqueles hotéis caindo, hotéis baratinhos, com aqueles móveis horríveis, pretos, um trem esquisito. Eu lembro até do Robertinho, a gente andando no meio da rua lá no centro e ele gozando a cara da gente. Ele disse: "Olha gente, cuidado porque aqui só tem malandro, não sei o que", porque a gente saía do hotel e ia a pé até a Odeon, e ali ele começou a gravar. E eu tomei trauma de estúdio, porque a gente chegava oito horas da noite e saída às dez da manhã, ficava a noite inteira. Eu dormia lá no estúdio, acordava, dormia de novo, acordava, e o pessoal gravando – porque o Beto só gravava de madrugada. Mas era legal. Tinha o Toninho, eu lembro do Toninho tocando. Aí que eu comecei a conhecer o pessoal do Rio, o Bituca... Ah não, aí o Beto morava... Ele mudou lá para o Rio, começou a morar com o Bituca lá no Rio, e eu ia muito para lá, tanto que na época eu parei de estudar. Estava terminando o segundo científico, parei por causa dele. Vivia no Rio, era maravilha, na [Avenida] Sernambetiba, naquele apartamento que era uma bagunça, cheio de menino. Chegava a turma de Três Pontas e, Nossa Senhora, era menino demais. Mas foi bom também, foi na época que o Bituca fez aquele show no Canecão, com o Caetano [Veloso] e o Chico [Buarque]. Lembra o show?

P/1 – Já ouvi falar desse show.

R – E _______, e eu apaixonadíssima, eu com o Beto. Foi legal porque o Bituca cedeu o quarto dele pra gente, então a gente ficava no quarto dele, namorando o dia inteiro. Aí tocava a campainha, ia correndo abrir a porta, era o Caetano Veloso. "Opa, entra aí", e não sei o que. Aí, Chico Buarque: "Ah, tudo bom, entra aí, fica aí", e corria lá para o quarto. Só queria namorar o Beto. Mas foi legal, porque a gente começou... Eu comecei a conhecer todo mundo.

P/1 – Você lembra a primeira vez que você conheceu ________, que você conheceu _________? Você se lembra de algum episódio?

R – Lembro. Nossa, esse episódio eu lembro, foi... Porque eu namorei o Beto um ano, de 1974 a 1975, e a gente foi pra Bahia fazer um show. O Beto foi com o Lô, era um show do Lô e do Beto. Até então eu não conhecia muito o Lô, então fiquei conhecendo. E eu achava engraçado, porque todo mundo falava ‘Lô’, o nome Lô. Eu falava assim: "Gente, mas que nome engraçado. Como é que uma pessoa chama Lô, né?" E Lô para cá, Lô para lá, e o Lô nunca aparecia, porque o Lô era mais difícil de aparecer. Até que eu conheci o Lô lá na casa do Flavinho, e eu fiquei olhando, falei assim: "Gente, que pessoa diferente, interessante". Tudo bem. E teve um show dele, do Beto e do Lô, em Salvador, e a gente foi. Foi todo mundo para Salvador. Levamos três dias pra chegar em Salvador, uma confusão. Chegando em Salvador o Bendegó – era Bendegó – misturado com Vermelho, 14 Bis, numa casinha desse tamanhinho, na boca do rio. Ficou todo mundo nessa casinha de dois quartos: Beto, a bando da Beto, a banda do Lô, Claudinho (Assembléia?) estava também, o Bendegó com o 14 Bis, todo mundo numa casinha desse tamanhozinho. E começou. Eles iam fazer o show, não sei o que e tal, aí teve um episódio que eu apaixonei pelo Lô, entendeu? Apaixonei pelo Lô, falei assim: "Ah, quero namorar o Lô", na Bahia. O Lô veio, eu terminei com o Beto e comecei a namorar o Lô, nessa época. Terminei com o Beto, comecei a namorar o Lô. Namorei o Lô um ano. Eu tenho que falar porque isso é verdade, gente, e foi muito legal, sabe? Aí acabou, eu falei assim: "Ah, quer saber, eu acho que eu vou voltar com o Beto", e o Beto estava no Rio, morando lá com o Bituca. Eu liguei pro Beto e falei assim: "OIha, Beto, estou indo para aí, tudo bem?" "Tudo bem". Ele foi me pegar na rodoviária, eu cheguei lá no dia seguinte. Ele morava na casa do Bituca, lá na Sernambetiba. Aí eu conheci o Bituca. Fui para lá, pegamos o Frescão ali em Copacabana e subimos até na Barra, pra casa dele. E foi muito legal, ele me recebeu super bem, a gente ficou amigos nessa época aí, 1976.

P/1 – Isso que eu ia te perguntar. A amizade dos dois não ficou abalada não?

R – Ficou um pouquinho, mas no princípio, só no princípio.

P/1 – Isso eu não ia perguntar, mas você contou.

R – Não, ficou, mas assim, só no princípio, porque eles são super amigos, até hoje. São irmãos, poxa, não tem nada a ver, né? Quem sou eu pra separar uma amizade desde nove anos de idade, né?

P/1 – Acontece.

R - Acontece, é. E coisa de adolescente mesmo, não tem nada a ver, acontece.

P/1 – _________

R – É, 1974, 1975.

P/1 – Mas depois que o Beto grava A Página, né, Silvana, ele começa a fazer turnê pelo Brasil e tudo, não sei se já com A Página...

R – Não muito com A Página, ele começou mais com o Amor de Índio.

P/1 – Com Amor de Índio?

R - É, foi mais com Amor de Índio.

P/1 – Vocês já estavam casados? Quando é que vocês casam?

R – A gente casou em 1977. Eu estava grávida, quer dizer, eu casei grávida. Eu falei assim: "Beto, como é que faz? Eu estou grávida” "Ai, pelo amor de Deus, seu pai vai me matar". Meu pai era uma onça brava. "Que vai matar nada", não sei o que e tal. Inventamos uma desculpa esfarrapada para o meu pai, que a Odeon ia dar tanto para o Beto por mês, aí ele ia ter dinheiro, e queria casar comigo, aquelas coisas de antigamente, para tapear pai de gravidez de filho. E aí a gente casou. Casamos e fomos pra São Paulo. A gente ia morar com o Bituca lá no Rio, depois o Bituca falou assim: "Olha, gente, eu estou achando melhor vocês irem para São Paulo, porque São Paulo é melhor do que o Rio. E ele já tinha gravado Fé Cega e Faca Amolada, então o pessoal já estava começando a reconhecer aquela vozinha do Beto. E foi super legal, assim, porque já estava tudo preparado para eu ter o Gabriel lá em São Paulo. O Bituca nos apresentou à Marlene Coimbra, que é minha comadre hoje, e nós ficamos na casa dela um tempo, até ela arranjar um apartamento perto dela lá pra gente, porque eu não conhecia São Paulo, nunca tinha ido. E aí, na hora que estava tudo certo para eu ter o Gabriel lá, o Beto: "Vamos embora que o meu filho não vai nascer paulista. Eu não quero o meu filho paulista, tem que ser mineiro". Aí voltamos pra Belo Horizonte e não voltamos nunca mais pra São Paulo, resolvemos vir morar aqui de vez. Quer dizer, só que vivia mudando, né, viajando muito.

P/1 – Tudo para o Gabriel não nascer paulista?

R – Tudo pro Gabriel não nascer paulista, você acredita? E hoje ele me agradece, o Gabriel: "Mãe, pelo amor de Deus, imagina, não tem nada a ver. Adoro São Paulo, mas não tem nada a ver falar que eu sou paulista, poxa". Eu falo assim: "Ah, Gabriel, que bairrismo é esse, menino?"

P/1 – Silvana, o Beto foi um ídolo da década de 1980, né? Eles fizeram muito sucesso.

R - Foi, foi.

P/1 – Como é que era isso no dia-a-dia, assim?

R – Olha, é engraçado que pra mim não fazia diferença, porque eu não via o Beto como ídolo, como... Poxa, era o meu marido, pai dos meus filhos, boêmio. Quer dizer, a gente tinha um monte de problema, porque a mulherada toda dando em cima, com certeza. Meu telefone, eu trocava de três em três meses, porque a meninada descobria e era um inferno. Mas fora isso era normal, assim. Um cara que dormia às seis horas da manhã, acordava às quatro. Mas fora isso... Quando queria bater muita asinha, eu mandava ele na feira. Eu dizia: "Não, Beto, olha, está faltando cebola, tomate, entendeu? Vai lá na feira comprar porque acabou", pra conviver com o povo. "Vai na farmácia comprar band-aid", entendeu?

P/1 – _________

R - É. "Vai, está faltando cebola e alho aqui pra sopa, que faltou".

P/1 – Você conheceu o Godofredo, né?

R - Ah, o Godofredo, meu ídolo, minha paixão.

P/1 – _________ como que era essa figura.

R – Olha, era a pessoa, gente... A pessoa mais fantástica. Era um cara que assoviava o dia inteiro. Ele pintava o dia inteiro, assoviava e tocava clarinete. Era isso, uma figura de uma beleza, sabe? A Julinha, a mãe do Beto, brava... Sabe aquelas baixinhas bravas? Brigava com ele, não sei o que, ele saía chateado. Daqui a pouquinho estava o Godofredo lá, pintando e assoviando. Eu até peguei muito essa mania dele, eu fico assoviando o dia inteiro, cantando e assoviando o dia inteiro. Mas ele era uma paz assim... Nossa, eu nunca vi uma pessoa tão do outro mundo, sabe? Ele não era desse mundo. Era uma pessoa tranquila, nunca bebeu, nunca fumou, sabe assim? Compunha músicas geniais. O cara não podia ser normal, entendeu, não podia ser normal. Assim, ele andava meio metro do chão, sabe, uma figura leve, poeta. Uma vez ele me contou que fez um livro de contos eróticos. Eu assim: "Gegê, vamos publicar isso agora". Ele falou assim: "Não, a Júlia me mata". Eu: "Cadê, cadê?" E foi interessante – olha pra você ver como é que são as coisas –, dois meses antes dele morrer, eu liguei pra ele [por] uns quatro meses, porque ele era doido pra gravar os discos dele na Odeon. Aí, não sei por que, eu menti pra ele, eu disse assim: "Godô, olha, a Odeon me ligou. Ela está querendo gravar um disco seu. Então você escreve todas as suas músicas, escreve tudo, porque nós vamos fazer uma seleção, a Odeon vai fazer uma seleção para escolher as melhores, que ela vai gravar". E eu mentindo pra ele, porque era mentira. Eu disse assim: "Gente, mas pra quê eu fui fazer isso, ficar iludindo, e daqui a pouco não acontece nada". Mas tudo bem. Aí ele ficou uns três meses lá, escrevendo, aí veio a notícia que ele tinha morrido: "O Godofredo morreu". Eu falei assim: "Ai, meu Deus, e agora? Vou para Montes Claros". Chegou lá, eu encontrei, ele deixou pra mim, ele escreveu todas as músicas. Estava tudo escrito num caderninho e com um bilhetinho: "Aí, minha loira" – porque ele me chamava de minha loira – "aí, minha loira, está aí o que você me pediu. Agora é bola pra frente, vamos ver se a gente... Se agora vai dar". E na hora que eu recebi... Oitenta músicas dele, entendeu? Quer dizer, todas as músicas, quase todas praticamente. Eu guardei o álbum, e foi depois que eu passei pro Gabriel, aí ele está fazendo. Ele gravou um CD de chorinho, do Godofredo, e vai gravar um de samba, depois o de valsa. Quer dizer, a gente tem um acervo completo das músicas dele, graças à minha intuição.

P – _________

R – Com o Gabriel mais. O Ian era pequenininho quando ele morreu. Mas com o Gabriel, o Gabriel lembra mais dele do que o Ian. Mas ele era aquele... Sabe, ele não estava muito aí não pra menino, ele queria saber de pintar e tocar clarinete. A gente passava muitas férias lá. Aí, quando o Beto chegava, ele pegava o clarinete, não sei o que, o violão, falava: "Vem cá", mostrava umas músicas pro Beto, o Beto meio sem paciência, aquela coisa: "Espera aí que eu vou ali no boteco tomar uma", e não sei o que e tal. Mas ele, nossa, foi um pai pra mim, super bacana.

P/1 – O Murilo contou aqui pra gente que você chamou ele para dar a notícia pro Beto, do falecimento.

R - Ah, foi mesmo, foi Murilão. Eu não tive coragem não. É mesmo, foi Murilo que falou. Eu não sei se ele foi com a gente.

P/1 – O episódio que ele contou foi que ele tinha... Como é que foi? Tem alguma coisa da morte do... O _____ faleceu, o Godofredo é que tinha que dar a notícia, uma coisa assim. Tinha uma confusão envolvendo o Godofredo e o pai do Murilo lá em Pedra Azul, no Carnaval.

R – É mesmo?

P/1 – É, tem alguma coisa assim, da notícia de falecimento de um ______, acho que é do pai do Godofredo. O pai do Murilo deu pro...

R – A notícia pro Godofredo que o pai tinha morrido?

P/1 – Isso. Depois ele deu a de que o Godofredo tinha falecido também.

R – Ah, é. É, porque eu não tive coragem de falar com o Beto. Mas eu não lembrava dessa época não, ______. É mesmo, foi mesmo, o Murilão. Olha, só o Murilão mesmo, tinha que ser ele.

P/1 – E você pensava que algum dia alguém gravaria essas músicas do Godofredo?

R – Ah, eu pensava, porque eram músicas tão lindas, por que não gravar? E ele era doido pra gravar as músicas dele. Então eu ficava batalhando assim, correndo atrás pra ver se... Eu tinha esperança sim, de reunir uma turma, chamar um pra gravar uma, outro pra gravar outra.

P/2 – O Beto não se interessou pelas pastas, documentos?

R – Não. Assim, o Beto era muito desligado nessas coisas. Quer dizer, ele sempre gravou uma música do Godô para homenagear, mas, não sei, o Beto era muito... Ele não é muito ligado, sabe, nessas coisas assim. Eu que ficava mais por trás, botando lenha na fogueira para as coisas andarem.

P/1 – Funcionou.

R – Funcionou, Graças a Deus.

P/1 – Silvana, você poderia falar um pouquinho mais do disco do Clube da Esquina, que o Lô fez com o Milton e tudo? Você já deve ter ouvido bastante. O que você acha que essas pessoas trouxeram de diferente para a música brasileira?

R – Do Clube da Esquina?

P/1 – É. O quê que você acha de inovação ______?

R – Tudo, sabe, tudo. Pra mim é a música mais diferente do mundo, entendeu? Quem toca igual a esses meninos, gente? Ninguém! Eu toco um pouco de piano, eu fico vendo a harmonia deles. É uma coisa muito louca, porque tem músicas belíssimas com harmonias simplíssimas, entendeu? Outro dia eu estava tocando Amor de Índio, Amor de Índio tem cinco acordes. Cinco, sabe? Eu falei assim: "Mas o que é isso, cinco acordes?", aquela coisa toda. Quer dizer, aí vem o bom gosto de todo mundo, do Wagner que põe um super arranjo. Eu não sei se é Wagner ou Toninho... Pega músicas do Lô, tem três acordes. Não é aquela coisa... Não é uma Bossa Nova, que é cheio de semitons e não sei o quê. Não, são músicas simples que eles fizeram, que não parece com nada nesse mundo, e que o mundo inteiro adora. Pra mim não existe melhor, sabe? Não é bairrismo não, não é puxando a minha sardinha não, mas não existe, gente. Quem é que é melhor que esses meninos, que esses caras? Para mim não tem. O Tropicália não pode nem comparar, porque mineiro é rico em harmonia. Assim, você escuta um disco, você escuta um disco cheio, não tem falhas, entendeu? Aí você acha que é uma coisa complicada, você fala assim: "Puxa, mas que trem complicado, como é que vai tirar isso aqui?" Você vai ver, é uma coisa simples, não é difícil. Agora, mas quem que vem por trás? É um Wagner Tiso, é um Toninho Horta, cada um melhor do que o outro. Então saiu isso, e graças a Deus que a gente tem pelo menos uma referência pra gente, pros filhos, pros netos, pros bisnetos, pra quem chegar, que é uma super escola.

P/1 – Você já compôs também, Silvana?

R – Já compus três músicas, mas não deu em nada, porque o Beto achou uma porcaria. Eu disse: "Vem cá, deixa eu te mostrar uma música e tal". Ele falou assim: "Hum, mas que bosta", sabe? Eu falei: "Pô!" Aí mandei uma até pro Flavinho Venturini, olha só, na maior cara de pau. Eu disse assim: "Flávio, estou mandando uma música que eu fiz", mas também não deu em nada. Então eu desisti, dei uma desistida e parei de compor. Mas agora vou voltar, com certeza.

P/1 – Me conta uma coisa, como é que você foi você ver os meninos, depois, o Ian e o Gabriel, começarem a interessar por música?

R – Olha, foi por acaso. Quer dizer, porque a gente nunca incentivou, nunca, mas nunca, mas nunca na vida eu falei: "Ah, olha Gabriel, senta aqui no piano", que não sei o que. Nunca teve nada disso. Mas lá em casa tinha instrumento demais. Era piano, bandolim, e (quatro ?), guitarra, violão, baixo. E assim, lá no estúdio os meninos entravam, entendeu? Às vezes eu estava tocando, eles chegavam, o Beto tocando... Entravam e iam pegando. Quer dizer, foi uma coisa natural, não teve forçação de barra: "Não, meu filho vai ser músico porque o pai é". Mas como eles tinham facilidade do instrumento, de vários instrumentos, desde pequeno eles mexiam nos instrumentos, então acho que deve ter sido por aí, porque ninguém incentivou eles não.

P/1 – Eles escutavam muito também o que vocês escutavam, né?

R – É.

P/1 – E consequentemente...

R – E o Gabriel... Eu escutava muito Genesis, então o Gabriel adora Genesis, pergunta pra ele pra você ver.

P/1 – Por que ele se chama Gabriel?

R – Por quê? Ah, por causa do Anjo Gabriel, é lógico. Eu falei assim: "Ah, eu quero que o meu filho seja um anjo".

P/1 – Alguém me falou que o Beto falou que o nome dele ia ser Gabriel por causa do Peter Gabriel.

R – Ah, então pode ser.

P/1 – São os casos.

R - É, pode ser. Quer dizer, mas eu já tinha escolhido Gabriel por causa do Anjo Gabriel, porque eu queria que ele fosse protegido pelo anjo. E o Ian, tadinho, o Ian... Foi até engraçado, porque eu achava que era menina, que ela ia ser Júlia. E na época, na hora que ia nascer que eu falei assim: "Puts grilo, é menino. E agora? Não tem nome". Ele ficou uns dois meses sem nome, porque eu não queria botar Bernardo, Pedro, eu queria... E falei: "Gente, eu não tenho um nome para menino", aí um dia o Beto lembrou do Ian Anderson, do Jethro Tull: "Ah, então vai ser Ian". Então um é por causa do Jethro Tull, do Ian Anderson, e o outro por causa do Peter Gabriel. Ian Anderson é Jethro Tull?

P/1 – É.

R – Ah, então foi isso.

P/1 – Você quer falar alguma coisa, Gabriel?

R/2 – Pode ser.

R - Ah, eu quero uma água.

P/1 – Eu vou pedir pra você falar um pouco, pra gente continuar, da carreira dos meninos agora, as funções deles e tudo __________. Está gostoso?

R – Está bom. É bom que a gente vai relembrando, né?

P/1 – Você se lembra de mais algum caso dessa época que vocês iam visitar o Bituca no Rio de Janeiro __________?

R – Ah, tem uma história interessante, negócio de Amor de Índio, do índio e índia.

P/1 – Você vai contar?

R – Vou.

(PAUSA)

P/1 – Hoje é nosso último dia de gravação. Nós começamos na segunda feira.

R – É mesmo. Vocês já gravaram todo mundo?

P/1 – Não, todo mundo dessa leva, né?

R – Ahn, quem é que está faltando?

P/1 – Hoje faltou você, o Fernando Oly, que foi da banda do Beto...

R – Ah, o Fernando Oly.

P/1 – Ele vem daqui a pouco, o Tuti Maravilha.

R – O Tuti vem?

P/1 – Vem.

R – Ai, que ótimo.

P/1 – Quatro e meia, e depois o (Sá ?), aí fecha. A gente está desde segunda-feira. Hoje de manhã foi o Lô que regravou o depoimento dele.

R – Ah, que legal. O Beto já veio, não?

P/1 – O Beto, o estúdio foi a ele.

R – Ah, mas eu _________

P/1 – Isso foi na primeira fase, foi em 2005, acho.

R – Ah, já tem mais tempo.

P/1 – Tem mais tempo ___________ , foi no lugar dessa primeira turma.

R – O Bituca também?

P/1 – O Bituca não... Está no site uma revista que o Marcinho fez com ele há muitos anos atrás, pra Revista Seleções, que está lá. Nós gravamos ________________.

(PAUSA)

P/1 – Conta pra gente esse caso de Amor de Índio.

R – Ah, pois é, é uma história engraçada porque, na época que o Beto morava lá com o Bituca – e que a gente ia muito –, o Bituca tinha uma namorada chamada Cecília Millions, e eram os dois, o Bituca com a Cecília, e eu e o Beto. Um dia, não sei por que cargas d'água, o Bituca chegou e falou: "Não, porque agora esta casa é uma taba", falou que a casa dele era uma taba, "e eu sou o índio não sei o que, o índio mor, cacique, e a Cecília é a mulher do cacique, e você e o Beto são os indiozinhos. Então você é o indiozinho e ela é a indiazinha", e aí começou com essa história, e o Beto começou a me chamar: "Ah, porque indiazinha...", e o Bituca: "Ah, indiazinha, indiozinho, indinho, não sei o que, indinha", e aí virou apelido, o Beto só me chamava de indinha, e eu só chamava o Beto de indinho. Aí o Ronaldo pescou e escreveu, fez Amor de Índio. Mas começou dessa história do Bituca, que a gente morava numa taba, que o Bituca era o cacique e a Ciça era a mulher do cacique, e a gente era os filhozinhos, os indinhos.

P/2 – Esse encontro de Beto com Ronaldo foi uma coisa bacana pra carreira, porque ele fazia música e não terminava, né?

R – Quem, o Beto?

P/2 – É, e o Ronaldo que catou as músicas dele e foi terminando.

R – É mesmo? Eu não sabia disso não.

P/1 – _________

R – Alguém contou isso aqui?

P/1 – Alguém contou isso.

R – Ah, que legal.

P/1 – Foi o Flávio.

R - O Flávio Venturini?

P/1 – Isso.

R – É, pode ser mesmo, pode ser.

P/1 – O que mais rolava nesse apartamento, quem mais visitava, tinha festa? O que acontecia lá?

R – Engraçado, porque eu era muito... Eu lembro uma vez da gente, nessa época do show lá do canecão, foi uma coisa muito engraçada, porque o Bituca tinha até um carro totó, que era um fusquinha verde. Eu acho que o totó era verde ou azul, não sei. E foi engraçado, porque o Bituca estava meio duro, sem dinheiro, e morávamos só nós três. Então, assim, a gente pegava o totó pra ir no supermercado comprar ovo, tinha só ovo. A gente comia ovo de manhã, ovo de tarde e ovo de noite. E a Cecília fim de semana levava umas comidas, aí que a gente passava super bem, porque a gente só comia bem quando Cecília levava o rango. E nessa época, pelo Bituca não ter grana, de estar devendo... Ele estava devendo o empresário, entendeu? Você já viu artista dever empresário? Eu nunca tinha visto. E eu lembro que nesse dia, depois... Aí teve um show lá no Canecão, foi o maior sucesso. Desce a gente com uma mala, o Bituca com uma mala de dinheiro para pagar o empresário em Copacabana. Eu falei assim: "Gente, mas eu nunca vi, mas que trem esquisito o artista ficar devendo o empresário", sabe? Ah, tinha várias histórias. Tinha essa, tinha... O Beto começou a mexer com ultraleve. Aí ficava eu e o Bituca na janela fazendo cafifa pro avião cair, que o Bituca odiava. Ele dizia: "Menino, vem tocar guitarra, para com essa porcaria de avião". Tinha essas histórias, umas histórias engraçadas. Quer dizer, na época não era muito engraçado não, mas hoje, contando, você lembrando, é legal.

P/1 – O Gabriel também herdou o gosto pela aviação, né?

R – Completamente.

P/1 – E a cafifa, funciona hoje em dia?

R – Pois é. Teve um dia que ele falou: "Está vendo, Bituca, a sua cafifa passou de geração". Porque o Gabriel é fanático, assim, é doido. E o meu neto, Samuel, filho do Ian, também, você acredita? Tem dois anos e só tem avião, só quer saber de avião. Escuta avião de longe, ele já fala: "Avião". Só quer ver um filmezinho que passa, que chama JayJay, o Jatinho; só vê JayJay, o Jatinho. É apaixonado com o Gabriel. Vê o Gabriel e começa: "Vuuuu", sabe, a imitar avião, assim. É engraçado. Então essa cafifa passou pro...

P/1 – Funcionou muito bem.

R – Funcionou muito bem, porque passou pro Beto, pro Gabriel e o Ian, o Samuel...

P/2 – Falando de netos, você só tem esse netinho?

R – Não, eu tenho três. O Gabriel tem duas meninas, a Júlia e a Lira; Júlia de seis, a Lira de quatro; e o Ian tem o Samuel, de dois.

P/2 – Eles gostam de música?

R – A Júlia toca piano, você acredita? Toca piano, toca e canta, com seis anos de idade. Eu falo assim: "Meu Deus do Céu, não tem jeito, né?" Não é a gente que ensina, mas você está ali, tudo ali na vista, sabe? E a Larissa, a mãe delas também é super musical, comprou um tecladinho para elas, então ela ensina as meninas a tocar. Não tem jeito, né?

P/1 – E hoje em dia o Gabriel está fazendo chorinho do Godofredo.

R – Está.

P/1 – E o Ian com Beatles.

R – É, com Beatles, e o Ian toca com a Bianca, a mulher dele. Eles têm um show também.

P/1 – E como é que você está vendo a carreira dos meninos assim, começando, eles _______ caminhos?

R – Ai meu Deus do céu, eu rezo muito, sabe, porque é difícil, é muito difícil. É bacana, porque eles têm o dom e não tem jeito, vão ser músicos. Já são, né, desde muito tempo. Mas é tão sofrido, sabe? Eu fico vendo assim, não é... Eu digo: "Meu Deus, porque que eu não tive um administrador de empresas, uma pessoa mais..." Mas não, os dois são, e não tem jeito. E é legal, porque eles têm muito talento. O Gabriel tem muito talento, o Ian também. Eles têm um ouvido bacana e tal, e está no sangue, não tem como. Mas é um sofrimento, porque eu falo assim: "Gente, não adianta ser filho de quem é, entendeu, ser afilhado de quem é. O negócio é ter sorte e talento e batalhar", e é isso que eles estão fazendo. É isso que eles estão fazendo, escolheram essa carreira e eu fico rezando, falo assim: "Ai, meu Deus, ajuda pelo amor de Deus", porque com filho, família, é difícil. Uma hora tem muito, outra não tem. É complicado.

P/1 – E como é que você descobre a cerâmica, Silvana?

R – Menina, olha, para você ver. A gente trabalhava numa... Eu abri a Lumiar Produções Artísticas, que eu era empresária do Beto. Trabalhei com o Beto muito tempo, aí me encheu o saco aquela coisa: "Ai, meu Deus do Céu". Eu escutava o nome do Beto o dia inteiro, era assim: Beto não sei o que, Beto de manhã, de tarde, de noite, de madrugada. Aí eu disse: "Vou fechar essa Lumiar, vou parar de trabalhar com o Beto, não quero saber, vou parar". E eu fiquei a toa na vida, pensando: "Meu Deus, o que eu vou fazer? Tenho que fazer alguma coisa". Eu estava querendo sair um pouco desse meio de produção, show, essas coisas. E eu comecei... Porque eu tenho uma ligação espiritual muito forte com Deus – aí já é outra história –, e comecei a rezar muito pro meu anjo da guarda. Pedi para ele, disse: "Olha, me mostra uma coisa diferente, me manda por sonho ou visão ou o que for, me mostra um negócio diferente". E eu comecei a sonhar que eu fazia potes de barro enormes, sabe assim, no torno. Eu me via subindo uns potes enormes de cerâmica e falei assim: "Gente, que coisa estranha. Estou pedindo pro meu anjo me mostrar um negócio, ele está me mostrando eu oleira, subindo". Aí que eu me liguei, falei assim: "Gente, é cerâmica. Quem sabe?" Procurei algumas pessoas e tal, caí na cerâmica, olha que coisa interessante.

P/1 – Você (ainda tem aulas com a ?) ____________

R – Não tenho mais não. Eu tive dez anos aula, fiz dez anos aula com ela, com a Regina Pimentel também, com a Carmelita... Aí a gente vai, viaja... Fui pra Barcelona com a turma fazer curso de cerâmica lá, foi muito legal. Vivi muito tempo da cerâmica. Trabalhei, vendia. A gente fazia muita exposição ali em Santa Tereza, e eu fazia muita exposição também em outros lugares. E foi muito legal, só que agora dei uma parada também porque mudou a etapa da vida da gente, pulou. Eu estou mais assentando a poeira para ver se eu continuo ou se eu faço outra coisa.

P/1 – E aula de piano, você voltou agora?

R – Voltei, menina, olha que bom.

P/1 – Está feliz da vida, né?

P/2 – Mudou de novo, ____________.

R – Pois é, sabe? Acho que de repente a fase da cerâmica passou e eu estou resgatando a música. Porque eu fiquei vinte anos sem tocar mesmo, sem estudar, sem fazer nada, só acompanhando ali, dando umas dicas, escrevendo umas harmonias, umas melodias pro Beto não esquecer no dia seguinte, aquelas coisas. Chegava, mostrava pra ele. Mas, assim, nunca mais, sabe? Parei. E agora me deu aquela vontade. Conversei com o anjo de novo e ele: "Não, é a música, não tem jeito".

P/2 – _________ o Beto falava ___________. Os seus filhos têm ________ vontade agora, falam: "Pô, taí"?

R – Não, o Gabriel... Quando eu falei com ele, ele me deu a maior força: "Poxa, mãe, que legal", que não sei o que e tal. Mas ele também é meio assim, sabe? Ele fala que é legal, mas não...

P/1 – Não dá força?

R – Não dá não. É tipo assim: "Ah, é legal, mas você se vira aí", que eu acho legal também. Mas aí, quando eu preciso: "Oh Gabriel, aquela harmonia de não sei o que, da música, como é que é? É Dó maior?" Aí ele me passa. Mas assim, é engraçado, porque as músicas que eu ensinei pra ele, ele toca todas, que eu ensinei. Agora, as que eu preciso, ele diz: "Ah mãe, espera aí, não sei o que, depois". Mas eu acho isso bacana, porque me força a correr atrás sozinha. Eu estou achando legal, porque está voltando, sabe? Eu achei que eu tinha esquecido, mas é engraçado, a gente não esquece, fica adormecido só. Outro dia eu sentei lá no piano e botei um CD de Beatles. Comecei a escutar, comecei a tirar; eu disse: "Uai, mas é assim mesmo, é assim e tal". Tirei três músicas. Chamei o Beto, falei assim: "Olha aqui, Beto, vê se é isso mesmo e tal". Ele disse: "Olha, é isso mesmo, está faltando só um, só dando uns reajustes". Mas então está legal, porque está voltando. Eu achei que eu tinha esquecido, mas não. Daqui a pouco eu vou tocar, fazer um showzinho aí num boteco, aí chama a rapaziada pra...

P/1 – Chama eles pra sua banda.

R – É: “Quer tocar comigo?”

P/1 – Silvana, tem alguma coisa, algum caso que eu não te perguntei, alguma coisa que você gostaria de contar, que você lembrou agora?

R – Ah, eu acho que não. A gente está mais ou menos assim. É tanto caso, sabe? Uma vez que a gente foi preso. Mas isso aí é outra história. Eu estou com preguiça de contar porque a história é longa. Porque a gente já foi preso no sul, eu, o Beto e o meu irmão, no show do Beto. Mas aí é uma confusão, deixa pra depois.

P/1 – (E tem o caso da favela?).

R – Um dia, a gente tomando uma cervejinha, eu te conto.

P/1 – Silvana, o que você achou dessa ideia de fazer um museu do Clube da Esquina?

R – Menina, eu achei tão interessante.

P/1 – ____ aniversário __________

R – Foi naquele dia. Eu fiquei tão feliz que eu falei: "Gente, eu comemorando o meu aniversário, todo mundo veio, sabe, do Rio". Todo mundo veio. O Bituca veio, o Ronaldo, o Cafi. Quer dizer, eu vi gente que eu não via há anos, foi muito legal. Precisava, né, gente, precisava disso, sabe? É uma coisa. Imagina deixar isso morrer. Quer dizer, morrer não vai morrer nunca, mas assim, tinha que registrar isso, porque é tanta história. É muito rico, sabe? Inclusive nossos netos e bisnetos iriam cobrar isso da gente, do pessoal. Mas poxa, a iniciativa do Marcinho foi genial, e correu atrás e conseguiu. Bacana, é a cara dele, dele e da Claudinha.

P/1 – Silvana, eu queria agradecer demais.

R – Ah, gente, eu que agradeço, obrigada a vocês.

P/1 – Você foi muito generosa com a gente.

R - Imagina. Precisando, estamos às ordens.

P/1 – Beleza, obrigada.

Título: Música que vem de berço

Biografia

Nasceu em Belo Horizonte, em março de 1957. Aos quatro anos, começou a tocar o piano que tinha em casa, e aos sete começou a ter aulas. Na Fundação de Educação Artística, onde estudou por cerca de oito anos, dançou balé, fez teatro e continuou os estudos na música. Ainda na Fundação, conheceu o tecladista Vermelho, e partir dali, entrou em contato com a turma que formava o Clube da Esquina. Conheceu Beto Guedes e logo começaram a namorar. Foi empresária do então namorado, depois trabalhou com cerâmica, e hoje, casada e com dois filhos e três netos, está retomando suas raízes musicais, tão presentes em sua história.

Sinopse

Disposto um piano na sala de casa, a pequena Silvana, de então quatro anos, já arriscava dedilhar o piano. Seu envolvimento com a música, por sua vez, jamais fora perdido, pois após integrar o grupo de amigos dos rapazes do Clube da Esquina e o namoro com Beto Guedes, até suas próximas gerações estariam destinadas ao encanto pela carreira musical. Em seu depoimento, Silvana conta das influências musicais de sua época – os Beatles, o rock progressivo –, ao mesmo tempo em que narra as aventuras dela e dos rapazes do Clube da Esquina, desde o início de suas carreiras.