P/1-João, vamos começar com você dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R-Meu nome é João Augusto Barbosa. Eu nasci no dia 22 de junho de 1956, em Itapevi, São Paulo, que é uma cidadezinha aqui da Região oeste. Um pouco depois de Osasco.
P/1-Seus pais são de Itapevi?
R-Não. Meus pais são da Bahia. O pai e a mãe. Minha mãe era da Barra da Bahia e o meu pai era de Remanso. Também na Bahia.
P/1-Você sabe como eles se conheceram?
R-Meus avós vieram da Bahia para cá, naquele período forte dos anos trinta de migração interna, para trabalhar na lavoura do estado de São Paulo. E só minha mãe... Antes disso, minha mãe morou durante um tempo, com os padrinhos dela, no Rio de Janeiro. Ela foi para o Rio aos sete anos. Ela nasceu em 1922. Então, ela chegou ao Rio em 1929, que é justamente o período que coincide com o rádio e o samba descendo do morro para a cidade, no Rio. Então, ela pega aquele período inicial da Rádio Nacional. Pega aquelas coisas todas durante a infância dela. E aí, depois de um tempo, aos quatorze, quinze anos, ela vai embora para Marília, aqui no interior de São Paulo, onde meu avô trabalhava numa fazenda lá. E ali ela conheceu... Naquela região conheceu meu pai. Casaram-se em Lins.
P/1-Se conheceram aqui em São Paulo?
R-Em São Paulo. Casaram-se em Lins, em 1940.
P/1 -Quantos anos ela tinha?
R-A minha mãe se casou com quinze, dezesseis anos.
P/1-E seu pai fazia o quê?
R-Então, o nome da minha mãe era Maria do Carmo Silva Barbosa. E o nome do meu pai era Alberto Barbosa. Nesse período, em que minha mãe casou com meu pai, ele era policial militar da época. Chamavam de meganha. E a minha mãe não tinha uma profissão definida. Ela não estudou e depois ela descobriu uma habilidade muito grande para cozinha. E aí, ela virou, por caminho próprio, uma cozinheira maravilhosa.
P/1-Cozinhava para fora?
R-Ela passou a ser uma cozinheira profissional. De trabalhar em...
Continuar leituraP/1-João, vamos começar com você dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R-Meu nome é João Augusto Barbosa. Eu nasci no dia 22 de junho de 1956, em Itapevi, São Paulo, que é uma cidadezinha aqui da Região oeste. Um pouco depois de Osasco.
P/1-Seus pais são de Itapevi?
R-Não. Meus pais são da Bahia. O pai e a mãe. Minha mãe era da Barra da Bahia e o meu pai era de Remanso. Também na Bahia.
P/1-Você sabe como eles se conheceram?
R-Meus avós vieram da Bahia para cá, naquele período forte dos anos trinta de migração interna, para trabalhar na lavoura do estado de São Paulo. E só minha mãe... Antes disso, minha mãe morou durante um tempo, com os padrinhos dela, no Rio de Janeiro. Ela foi para o Rio aos sete anos. Ela nasceu em 1922. Então, ela chegou ao Rio em 1929, que é justamente o período que coincide com o rádio e o samba descendo do morro para a cidade, no Rio. Então, ela pega aquele período inicial da Rádio Nacional. Pega aquelas coisas todas durante a infância dela. E aí, depois de um tempo, aos quatorze, quinze anos, ela vai embora para Marília, aqui no interior de São Paulo, onde meu avô trabalhava numa fazenda lá. E ali ela conheceu... Naquela região conheceu meu pai. Casaram-se em Lins.
P/1-Se conheceram aqui em São Paulo?
R-Em São Paulo. Casaram-se em Lins, em 1940.
P/1 -Quantos anos ela tinha?
R-A minha mãe se casou com quinze, dezesseis anos.
P/1-E seu pai fazia o quê?
R-Então, o nome da minha mãe era Maria do Carmo Silva Barbosa. E o nome do meu pai era Alberto Barbosa. Nesse período, em que minha mãe casou com meu pai, ele era policial militar da época. Chamavam de meganha. E a minha mãe não tinha uma profissão definida. Ela não estudou e depois ela descobriu uma habilidade muito grande para cozinha. E aí, ela virou, por caminho próprio, uma cozinheira maravilhosa.
P/1-Cozinhava para fora?
R-Ela passou a ser uma cozinheira profissional. De trabalhar em hotéis. Sempre trabalhou fora. Como cozinheira.
P/1-Aí, eles se conheceram e mudaram para Itapevi?
R-Eles se conheceram. Casaram. E aí, meu avô comprou uma pensão em Itapevi.
P/1-Você sabe como eles se conheceram?
R-Não sei por que eu não era nascido... Não sei como eles se encontraram, mas, provavelmente, por conta de festas. Porque o pessoal que trabalhava nas fazendas, eles faziam festas lá para se confraternizarem e numa dessas festas aí, as famílias se aproximaram e a minha mãe conheceu meu pai.
P/1-E aí mudaram para Itapevi, porque o seu avô comprou uma pensão lá.
R-Meu avô comprou uma pensão lá. Nossa! Era um período que parecia Velho Oeste. Tudo era desbravar os lugares. Isso há sessenta, setenta anos atrás.
P/1-Fala uma coisa. Vocês moravam...Sua mãe e seu pai moravam na pensão?
R-A princípio, meu pai começou ajudando a administrar. Aí, ele já tinha saído da policia e meu pai começou a trabalhar no ramo de construção civil. Meu pai era oficial de armação e ferragem. É uma espécie de mestre de obras da parte estrutural das obras.
P/1- E sua mãe casou com seu pai e você nasceu quando?
R- Meu pai e minha mãe tiveram onze filhos. Onze filhos e vingaram seis. Cinco morreram. E desses seis eu sou o penúltimo. Sou um antes do caçula. Eu tenho uma irmã mais velha, que nasceu em 1941. Tenho um irmão que nasceu em 1945. Tenho uma irmã que nasceu em 1943. Tenho outra irmã que nasceu em 1951. Eu nasci em 1956 e o caçula nasceu em 1961.
P/1 -E nasceram todos nessa casa?
R-Não. Eu tenho uma irmã que nasceu em Lins, que é uma cidade próxima a Marília. Naquela região ali, onde meu pai morou também. Aliás, onde eles se casaram. Em Lins. E os outros nasceram em Osasco. Só eu que nasci em Itapevi. Teve um intermezzo, que eu me esqueci, mas eles vieram para Osasco. O pessoal da parte do meu pai estava morando em Osasco. Daí, meu pai foi ajudar, durante um tempo, meu avô administrar a pensão em Itapevi e depois voltou para Osasco. Eu só saí de Osasco para nascer. Eu nasci em Itapevi, mas logo vim para Osasco.
P/1-Como era a casa de vocês em Osasco?
R- A gente teve muitas casas, mas tem um negócio que é legal contar. Eu nasci no dia vinte e dois de junho. Então, é antevéspera de São João. E eu tinha uma tia, irmã da minha mãe, chamada Vitória e ela morava perto. E no dia que eu nasci, ela foi soltar um rojão. Por acaso, é minha madrinha. Ela foi soltar um rojão, para comemorar o meu nascimento e assustou o bebê e estourou o umbigo. Aí estavam todos comemorando e a minha mãe chegou para olhar e eu estava todo ensanguentado, que o susto tinha estourado o umbigo. O cordão umbilical. Então, até hoje eu não gosto de negócio de fogos, apesar de ter nascido numa época de fogueira, mas não gosto de fogos. Acho que foi esse trauma do berço. E medo de rojão. Em Osasco, a gente morou em muitos bairros lá, mas o que eu cresci foi na Vila Yara. A gente morou no Jardim Cipava, lugar onde moravam quase todos os irmãos do meu pai. Compraram terreno perto e a família morava mais ou menos perto. E dali o meu pai vendeu aquela casa e a gente passou a morar de aluguel em vários bairros, até fixar residência na Vila Yara, que é o lugar onde eu passei a maior parte da minha vida. Onde eu construí meus amigos, onde eu joguei bola, vivi a minha infância.
P/1-Quem morava nessa casa da Vila Yara? Você e seus irmãos. Seu pai e sua mãe.
R-Isso. A minha irmã casou logo. A minha irmã mais velha. Então nessa casa morava meu pai e os outros cinco irmãos.
P/1-Como era a casa?
R-Essa casa que a gente morou no Jardim Cipava era uma casa de esquina, que o meu pai construiu. E nesse bairro, no terreno atrás da nossa casa, morava meu tio Arlindo. Dois terrenos depois, à esquerda, morava, na mesma rua, uma prima minha, Flávia, filha do meu tio Arlindo. A minha tia Isabel morava na rua que seguia. A gente morava numa transversal. Ela morava na rua principal. Quem mais? Era isso. E a história é a seguinte. Meu pai que fez a casa. Só que..
P/1-Foi ele que construiu?
R-Foi ele que construiu.
P/1-De tijolo e tudo?
R-Ele construía tudo. Só que, como a demarcação era meio confusa, fez um poço no terreno errado e fez a casa no terreno da minha prima e ninguém falou nada. Ele foi construindo. Gastou o maior dinheiro. E aí, quando ele foi assumir, falaram que estava no terreno errado. E o meu pai era muito bravo. Meu pai era muito nervoso. Ele juntou uns caras lá com umas marretas e daí derrubou a casa, à marreta. Mas já tinha gasto com alicerce. Então, foi a primeira sacanagem que eu presenciei no ramo imobiliário. Foi uma prima minha, que deixou meu pai construir bem e depois que estava pronta, ela falou que o terreno era dela. Daí a gente teve que reconstruir no terreno certo.
P/1-E vocês estavam morando aonde nesse pedaço?
R-Nesse período eu era muito pequeno. Eu nasci em 1956 e essa casa do meu pai foi feita por volta de 1959. Eu tinha três, quatro anos. Então, eu tenho leves lembranças disso, entendeu? Depois meu pai refez, no terreno certo, uma casa bacana. Tinha um terreno muito grande e minha mãe gostava muito de criar animais. E nessa época, minha mãe era cozinheira do hotel do Bradesco, na Cidade de Deus. Então, houve um período que a gente morou na entrada no Bradesco. Muito próximo da entrada do Bradesco. Minha mãe era cozinheira lá. E o meu pai viajava, para trabalhar em grandes construções. Então, tinha vezes que ele ficava seis meses, sete meses fora de casa. Porque ele viajava com essa coisa de construção. Foi um período que estava... Era época do JK. Começou a construir muito e como ele era um profissional gabaritado nisso, ele até viajava por conta disso. Às vezes, ele ficava muito tempo sem dar notícias e eu me lembro que uma vez... Eu acho que tinha uns quatro ou cinco anos, a minha mãe foi procurá-lo em Minas. Em Coronel Fabriciano. E chegou lá, ele estava cantando numa zona. Durante o dia, ele trabalhava na obra e aquela coisa toda e aí tinha uma zona lá perto. Tinha músicos e tal e ele era todo metido a cantor. E ele cantava nas noites para alegrar o local.
P/1-E sua mãe pegou ele lá? Como que foi?
R-Então. Ele estava muito tempo sem dar notícias e ela foi atrás. Ela sabia para onde ele tinha ido. Aí, eu era o menor. Ela me arrumou, pegou o ônibus e fui junto com ela. Inclusive, tem um episódio lá, que ela conta, que eu não me lembro exatamente como era. A gente chegou à estação rodoviária de Coronel Fabriciano, em Minas e tinha um índio. Aí, eu fiquei assustadíssimo com o índio. Eu não queria. Nossa! Fiquei incontrolável. Eu nunca tinha visto um índio. Então, foi o meu primeiro contato aborígene também lá em Minas. Logo em Minas.
P/1 -Aí, chegou lá e como ela pegou seu pai quando descobriu?
R -Não sei. Ela deve ter censurado alguma parte da história. Pegaram meu pai bem à vontade lá no local. Mas aí ele veio embora junto.
P/1 -Mas você viu a cena?
R -Eu não me lembro. Eu me lembro que ela conta que eu estava junto. Que eu fui junto, mas os desdobramentos eu não lembro.
P/1 -E como era em casa? Como vocês dormiam? Quantos quartos tinham? Como vocês se dividiam?
R-Então, essa casa no Cipava foi construída para a gente morar. Então, era uma casa de meia água e tinha uma cozinha, uma sala e um quarto que era subdividido. Uma parte era o quarto da minha mãe e do meu pai. E no outro quarto dormiam todos os irmãos. Na época, a gente dormia... todos no chão. Jogava os colchões no chão. Depois que foi tendo cama e foi organizando. O quintal era imenso. E no quintal minha mãe tinha criação de galinha, criação de pato. Minha mãe tinha papagaio. Na minha casa tinha muito bicho. Minha mãe gostava muito de passarinho. Passarinho e papagaio. O bicho de preferência dela eram um papagaio, o louro e um pássaro preto. Ela adorava o canto do pássaro preto.
P/1-Você lembra até hoje do canto desse pássaro?
R-Eu lembro e até hoje isso aí é uma marca da minha infância. Pássaro preto. O canto é lindo! O canto é lindo! Eu tenho essa coisa de saber da relação do bicho com o dono. Saber... Minha mãe tinha. Ela ensinava o papagaio a falar. Ensinava os palavrões. Hoje eu já não tenho. Aliás, eu nunca tive esse hábito de criar bichos em gaiola. Eu não acho legal. Mas a gente sempre teve. A gente sempre teve pássaro. Às vezes, ela viajava para Minas e alguém dava algum pássaro para ela e ela dava um jeito de trazer. Sempre gostou muito de ter pássaros por perto. Talvez, por conta de quando ela na infância foi para o Rio. Foi morar com o padrinho e a madrinha. O padrinho dela era um cara que tinha participado da Primeira Guerra Mundial e era meio neurótico de guerra. E ele tinha, ela conta, por volta de umas setenta gaiolas com pássaros que ele colecionava. Gostava de tê-los e tal. E ela era responsável por cuidar das gaiolas. Limpar, trocar. Essas coisas todas. Cuidar dos bichos. Talvez, por isso, tenha vindo essa fixação por pássaros.
P/1-Quais eram as suas brincadeiras com os seus irmãos? Brincava na rua? Quais eram as suas brincadeiras de infância?
R-Então, com meus irmãos não, porque tinha a diferença de idade. Como eu era bem mais novo, não tinha muita. Eles eram bem mais velhos do que eu. Meu irmão mais velho é onze anos mais velho do que eu. Então, é uma diferença. Mas eu tinha meus primos. Que era com quem eu ia para a escola. Todos na minha faixa de idade. E eram muitos primos. Tinha grupo de quinze primos, vinte primos, morando tudo perto. Com eles que era a brincadeira. A ida junto para escola, as brigas. Tudo costurado aí.
P/1 -Vocês iam junto para a escola. Com quantos anos você entrou?
R-Entrei com sete anos.
P/1-Você ia a pé?
R- Ia a pé. A gente ia a pé. A escola ficava, a coisa assim de uns cinco, seis quilômetros de onde a gente morava. E o primeiro dia na escola foi terrível. A gente tinha a rua, um universo muito grande e de repente, a gente foi para ficar preso e o pátio era pequeno, em relação ao que a gente frequentava. Porque todo lugar para a gente era um campo de futebol. A gente jogava na rua. A gente jogava nos terrenos. A gente jogava em tudo quanto era lugar. E aí, de repente, eu fui para a escola. Quando eu vi que trancaram o portão. Nossa! Eu entrei em desespero. Vou ficar preso aqui? E aí, até que eu me acalmasse e me adaptasse, levou alguns dias.
P/1-Nesse primeiro dia você pediu para voltar?
R-Não. Não pedi. Como ficava longe e os meus primos estavam lá... De alguma forma eu estava amparado, mas me assustou muito aquilo de ver fechar o portão. Entrar todo mundo e fechar o portão. Parecia cadeia. Parecia alguma coisa assim. Entendeu... Como você não pode sair? A gente vai ter que ficar obrigado aqui? O que vão obrigar a gente a fazer? Entendeu... Era muita coisa de uma vez. E a minha primeira professora chamava-se Maria Aparecida e era linda.
P/1-Como ela era? Era do primário?
R-Do primário. Do primeiro ano. Ela era muito bonita. E ela tinha sarda e eu achava aquilo o máximo. Então, eu aí já criei um outro vínculo, para fugir um pouco dessas armadilhas da escola. Eu criei outro vínculo.
P/1-Você gostava dela?
R-Gostava. Mas só que eu era o cão. Eu queria correr tudo que corria na rua. Eu levei lá para dentro da escola. Para aquele retângulo da escola. No pátio. Acho que eu era hiperativo… e muito chato. Sempre aqueles questionamentos, que deixava a professora de saia justa. E tinha umas excursões para a Casa do Bandeirante, aqui na USP. A gente veio um dia para passar a manhã. Justamente no horário da escola. E nós nos juntamos em quatro, que só faltou tocar fogo na Casa do Bandeirante. Nós estávamos esperando qualquer hora o Raposo Tavares descer lá e falar: “Velho, vaza. Porque a gente aprontou tanto…” Chegou na segunda-feira, na classe, ela me chamou assim de lado:
“João Augusto! Fora do próximo passeio. Você não tem comportamento para sair daqui”. Então, até hoje eu lembro essa coisa de ser desconvidado. Então, eu já não me sinto excluído, porque muito cedo eu já fui desconvidado.
P/1-O que você mais gostava na escola?
R- A hora do lanche. Eu levava pão com açúcar. Naquele tempo não tinha Mcdonald. Então, a gente levava pão com açúcar. Quando era período que o pai recebia, às vezes, aparecia uma mortadela. Mas, geralmente, era um pouquinho de margarina e açúcar no pão. E eu sempre fui tão guloso assim... ou ruim de cumprir regras, que no caminho já comia a metade. Na hora do lanche só sobrava metade. Que metade já tinha comido no caminho.
P/1-João, na sua casa você teve formação religiosa?
R- Cara! Eu fiz catecismo com um vizinho que tinha lá. Até me lembro desses vizinhos aí. Eu não lembro exatamente do rosto deles, mas era uma família muito religiosa, que o nome dos três eram nomes das crianças, que viram lá a aparição de Nossa Senhora. Que eram Nair, Nadir e Francisco. Isso eu me lembro porque, quando aparece Nossa Senhora, as crianças que estavam no momento chamavam, Nair, Nadir e Francisco. E esse era o nome dos três irmãos. Eles eram um pouco mais velhos que a gente, mas eles davam catecismo. Davam catecismo para a gente, mas eu não compreendia. Eu ia aos sábado nas aulas, mas eu não compreendia.
P/1 -Seus pais eram religiosos?
R -Meu pai não. Meu pai era anarquista. Meu pai era contra tudo. Meu pai era contra tudo. Meu pai era um cara que não estudou, mas tinha um português perfeito. Ele tinha verdadeira adoração pela língua. Então, ele gostava do discurso dos políticos. Que eram rebuscados. Ele gostava de conversar com gente culta. Meu pai, para o que ele estudou... ele não concluiu o primário, ele era muito bem informado e assim... ele tinha fascínio pela língua. Ele gostava de falar todo rebuscado. De falar difícil. E, às vezes, até para se impor. Entendeu! Às vezes, até para se impor. Porque de vivência, ele era muito tosco. Era muito bruto. Acho que ficou um pouco de resquício dessa coisa meio militar e tal. Ele era meio tosco. Ele era muito bruto. A minha vida é muito pontuada por frases. Uma frase do meu pai, que eu guardei para a vida inteira é a seguinte: ‘Eu nunca vi tatu de dois rabos, que um não tentasse arrancar um’. É daquele cara que só acredita no que ele apalpa. Só acredita no que ele tem de concreto. Quando vier com muita coisa para cima dele, ele já descartava de cara.
P/1-Quem exercia autoridade lá? Seu pai ou sua mãe?
R-Era muito dividido. Porque meu pai... A minha mãe era aquela coisa da educação. O meu pai era nos momentos assim, cruciais. Ele entrava para resolver. A minha mãe era, sei lá, autoridade transitória. Aquela que ficava o tempo todo corrigindo e fica olhando. O meu pai quando chegava, era só para dar o rumo. Com a minha mãe você tinha alguma discussão. Com meu pai não. Com meu pai era obediência cega. Não tinha negócio de discussão. Ali, passou da compreensão, era bofete. Surra. Entendeu! Não tinha muito. Quando a gente cresce, a gente começa a questionar essa coisa de educação e aí, quando você envelhece, você percebe que o que você teve era o máximo do que ele tinha. Na visão dele, aquilo que ele te passava era o que ele tinha de melhor. O que ele tinha de mais puro. De mais genuíno dele. Então, a gente precisa entender em que universo que ocorre isso. E passado muito tempo, eu percebo que aqueles princípios, que eles me passaram, continuam completamente vivos dentro de mim. É em cima deles, com algumas variações, que eu tento com a minha filha.
P/1-João, voltando lá... E a adolescência? Como foi? Foi na Vila Yara?
R-Foi na Vila Yara. A adolescência.. Com quatorze anos eu fui trabalhar no Bradesco.
P/1-Seu primeiro emprego?
R-Meu primeiro emprego foi de contínuo no Bradesco. E era muito chato, porque o trabalho no Bradesco... Isso a gente está falando dos anos 1970. Eu entrei no Bradesco em 1970. Porque, com esta da Cidade de Deus ser na Vila Yara, que é o bairro onde eu moro... Todo mundo lá trabalhava no Bradesco. Ou, um cara com quatorze anos, o menino ia trabalhar no Bradesco ou ia para o SENAI. Que lá também tinha muitas fábricas em volta. Então, ou ia para o Bradesco ou ia para o SENAI. Eu fui para o Bradesco. E nos anos 1970, era muito pesada essa coisa militar. Essa sombra militar. Porque o golpe foi em 1964 e no Bradesco era proibido você usar cabelo comprido. Justamente no período de efervescência dos Beatles, onde está acontecendo tudo. Jovem guarda, Roberto Carlos com cabelo aqui... e todo mundo querendo ter cabelo comprido e aquela coisa toda. E, no Bradesco, o cabelo tinha de ser estilo militar. Era proibido usar cabelo comprido lá. Então, se você estivesse com o cabelo um pouquinho comprido, o cara não deixava você entrar. Você perdia o dia de trabalho. Você tinha que sair e cortar. Então, eu era um moleque de rua, completamente sem freio, sem nada. Ter entrado no Bradesco me deu um pouco de forma de como era a vida. De como era a profissão. Um negócio que eu nunca gostei foi de obedecer e lá tinha essa coisa de obediência. E lá tinha um monte de chefes. Tinha chefe de tudo quanto era tamanho. E nisso você tinha que... Aquela coisa de você aprender a transitar dentro do profissional.
P/1-E a primeira namorada. Você teve com quantos anos?
R- A primeira namorada. Eu tive algumas namoradas, que agora eu até questiono se foram mesmo namoradas. A gente era tão bobo... A gente não tinha informação nenhuma. Era uma coisa muito velada. Uma coisa muito respeitosa. Uma coisa completamente diferente. Andar de mão de dadas com a menina, na volta da escola, era para a gente um troféu. Entendeu! Aí, acho que, namorada mesmo, assim... eu fui ter por volta dos dezesseis anos. Por volta dos dezesseis anos.
P/1-Você lembra ela?
R-Lembro assim... Não foi uma coisa marcante. Eu acho que você...na medida em que, você depois conhece o amor, as paixões... Quando você... Eu acompanhei também essa coisa da explosão do sexo livre e aquela coisa toda. Então, quando você conhece e aprende a viver num outro mundo, daí essa primeira parte praticamente apaga. Porque era uma coisa tão ingenuazinha, tão bobinha, que foi suplantada por esse período de valores sexuais, que aconteceu aí no final dos anos 1960.
P/1 -Por que? Você embarcou nela?
R- Eu comecei a sair muito cedo com meu irmão. Meu irmão era boêmio. E até hoje ele é. E ele me carregava para os bares aí na entrada da USP. E era o período que estava expelindo essa coisa toda de ‘paz e amor’. Essa coisa toda e eu caí justamente naquela ebulição. Então, já comecei a conhecer as meninas mais avançadas. Entendeu! Aquela coisa toda de busca de liberdade sexual. Aquela coisa toda e caí no meio. Então, esse período de primeiro beijo, de primeira namorada, foi uma fase que nem marcou muito. O que marcou mesmo foi esse período, quando eu já tinha dezesseis, dezessete anos, que eu fui para esses bares.
P/1-Que bares eram?
E-Eram bares na Waldemar Ferreira, que onde emboca na USP. Era Café Paris, Bar Dubo, Rei das Batidas. Bares naquela entrada da USP.
P/1-O que vocês faziam no bar?
R-Primeiro, foi ali que eu fiz a minha opção musical. Os caras tocavam muita bossa nova nos bares. E eu fiquei fascinado por violão. Que eu descobri que toda vez que os caras tocavam violão, eram os caras que cantavam todo mundo. As mulheres iam para cima. Entendeu! Além de divertir, de trazer uma alegria, os caras que tocavam... eu percebi, que os bambas eram os caras que cantavam e os caras que tocavam violão. Era moda. E eu me infiltrei. Na época, tinha uma revista que chamava Violão e Guitarra, que ensinava as posições do violão e não sei o que e tal. E aí, comecei a pegar aquelas revistas e fui aprender a tocar violão para me dar bem também. E aí, que os caras me ensinaram. A gente tocava uma musiquinha e isso ajudava a gente a se dar bem.
P/1-O que vocês tocavam na época?
R- Gozado... na época eu gostava das mesmas coisas que eu gosto hoje. Não mudou muito. Era Caetano, Gil, João Gilberto. Os caras da bossa nova e da MPB, que realmente me ensinaram a ser gente. A gostar de coisa boa. A gostar de poesia. Comecei a prestar atenção nas letras. Então, a minha formação é de boteco. Não muito para beber, mas observar e aprender.
P/1-Como era a Vila Yara nessa época?
R- A Vila Yara... A Vila Yara nasce de um amontoado de sítios. Era um latifúndio. E aí, o cara loteou e vendeu alguns sítios. E aí, foi tendo uma formação. Como ela é no extremo de Osasco, divisa com São Paulo, começou a se desenvolver logo. E aí, tinha o time de futebol. O Corinthians da Vila Yara, que era aonde a gente jogava. O pessoal que tomava conta dos times da molecada eram todos senhores e todos disciplinadores. Sabe, meio general. E dali a gente fazia as amizades e o ginásio era lá. Tinha Ginásio na Vila Yara. Fui estudar no Ginásio e aí foi ampliando o conhecimento. Então, a gente trabalhava no Bradesco e estudava no João Batista de Brito, que era o ginásio da vila. Então, no universo da vila girava praticamente todo vício da igreja. Então, a gente foi expandindo conhecimento. Hoje, já são mais de quarenta anos que eu vivo na Vila Yara. E eu espero sair de lá só quando meu nome virar rua. Gosto muito de lá. Acho muito legal.
P/1-E as pessoas? Tem características? Tem algum personagem?
R- São muitos personagens. Tanto é que quando eu comecei a escrever, eu escrevi uma coisa aqui, uma coisa ali. Eu não tinha muito hábito de escrever. E aí, quando eu comecei a mexer na internet... Eu descobri a internet na Câmara, que é onde eu trabalho. Quando implantamos computadores na Câmara. Eram computadores antigos e aquela coisa toda e um menino que trabalhava comigo já era mais atirado para isso. E começou a mexer e foi me ensinando. Bem devagarzinho, meio desconfiado. Olhando aquela coisa toda com muito medo do que era isso. Essa coisa da internet. E num momento, eu decidi que não teria mais medo. Que eu ia enfiar a cara na internet. E fui conhecendo, fazendo cursos, aprendendo. Mas a grande revolução para mim, com a internet, foi a criação do facebook.
P/1-Mas você está fazendo essa relação para falar de personagens da Vila Yara.
R-Isso. Porque quando eu conheci o facebook, eu ia assim meio parecido com cara de terceira idade, que está querendo aprender a andar de patins. E aquela insegurança, aquele medo de levar tombo. E aí, eu fui me adaptando. Fui aprendendo com as outras pessoas. Que eu sempre encontrei gente muito generosa no facebook. E foram me ensinando, me dando toques. E um dia, eu contei uma história. Porque meu pai e minha mãe eram muito bons contadores de história. E um dia, eu contei uma história, no facebook, de um cara da minha vila. Mas eu achava que a história do cara da minha vila só interessava para mim e para os caras da minha vila. Mas, de repente, tanta gente respondeu que tinha achado legal e não sei o quê, que eu me empolguei e comecei a escrever sobre outras histórias e fui meio que fazendo um pouco essa história do Museu da Pessoa, dos caras da minha vila.
P/1-João, retomando. A gente parou na história dos personagens. Você pode contar para a gente qual foi essa história desse personagem?
R-Na minha vila tem muito nego gozador. Então, a parada da gente no campo, que é o lugar onde a gente conviveu e convive bastante e uma das características locais é a “tiração de sarro”. Então, quando junta todo mundo, ou épocas de clubes ou época de alguma mancada, ou por causa de alguma história pitoresca... E tem um amigo nosso... E os apelidos são uma coisa que sempre me chamou muito a atenção. Tem um cara que o apelido dele é Meningite. Tem outro que o apelido é Mãe do ranho. Tinha o Shrek. Os apelidos são os mais estranhos possíveis. E a gente convive com isso. E eu queria contar, no facebook, para as pessoas as histórias que eu ouvia lá na roda de conversa, lá nos bares, ou no campo da vila. E, um dia, eu postei uma história da cartomante. A avó do Meningite era cartomante. E tem outro amigo nosso que é meio louco, o Coco. Pediu se a avó dele não lia a sorte dele. O Meningite pediu para a avó e ela falou para sentar, que ela lia. E tirou as cartas. E falou para o Coco: “Severino! Você vai receber uma herança. Você vai casar com uma loira. Você vai ser muito feliz. Sua vida vai mudar muito”. Tá bom! Passados seis meses, não aconteceu nada. Passado um ano, nada. E aí o Coco chegou para o Meningite e falou assim: “Meningite, sua avó é a maior mentirosa. Esse negócio de carta não está com nada. É só mentira isso aí”. Aí, o Meningite quase brigou com ele e foi lá conversar com a avó. E falou assim: “Ô vó, as cartas mentem?” Ela falou: “Não, as cartas não mentem”. E falou: “Mas, o Coco veio aqui um dia e você fez umas previsões para ele e tal e não aconteceu nada”. E ela falou assim: “Mas ele pagou a consulta?” (risos)... Aí eu postei isso e os caras ficaram loucos. Começaram... um monte de gente a responder. Daí eu comecei a roubar as histórias das pessoas lá e ir postando. Aí, eu comecei a perceber, que isso poderia virar literatura e comecei a brincar um pouco com ficção. Comecei a dar uma dourada na pílula e agora eu estou com material. Esse material preparado num livro que tem histórias.
P/1-Vamos voltar lá para a Vila Yara. E há alguma outra história, que você postou, que é dessa época. Dessa vivência no bairro? Que conta da Vila Yara mais um pouco...
R- Da Vila Yara. Todas as minhas histórias praticamente que eu estou botando nesse livro. Metade do livro as histórias são da Vila Yara. Ah! Tem outra história da avó do Meningite. Que era vítima dos caras. Predileta. A cartomante. Um dia, ela saiu e os meninos foram na casa dela jogar truco. Chegou lá e não tinha baralho e pegaram o baralho da velha ver a sorte. E começaram a ler. Ela não chegava. Saíram de lá tarde e um dos caras, O Zé Galinha, levou o baralho dela embora. Distraiu-se e levou o baralho no bolso. No outro dia, o Meningite estava bravo para caramba atrás deles, lá na Vila Yara, procurando eles, para pegar o baralho de volta, que o Zé Galinha tinha roubado o ganha pão da avó dele. (risos)... Então é tudo caso que os caras levam na base do humor. Lugar que nego leva a vida na risada. Essa é uma característica do bairro.
P/1- E aí, nesse período você trabalhava na Cidade de Deus como contínuo.
R-Trabalhei no Bradesco como contínuo.
P/1-O que você fazia como contínuo, qual era a sua rotina lá?
R-Levar correspondência entre os prédios. Tinha os vários setores lá. Contadoria, Regência Geral, Divisões de um banco, Contabilidade. Então, o trabalho contínuo era entregar as correspondências entre os setores.
P/1-E aí você levava o dinheiro para sua mãe? Dinheiro na sua casa.
R-Tinha que dar o dinheiro em casa. E separava uma parte para a gente ir ao baile. Mas era muito pouco. A gente ganhava uma “merreca”. Naquela época era meio salário mínimo.
P/1-E você ia a bailes, fora os bares? Você já frequentava esses bares da USP?
R-Não. Esses bares da USP foram bem depois. Foi bem depois. No começo a gente ia ali a bailes de clube, que a gente ia.
P/1-Que clube que era?
R-Tinha o Clube Atlético Osasco, que era o que a gente mais ia. Que, nessa época aí, tinha um promotor de eventos na cidade, que levou até Roberto Carlos na época. Os artistas eram mais acessíveis. Então, e os comícios eleitorais eram muito atraentes nessa época. Todo comício era. As pessoas iam para ouvir mesmo. Não tinha atração. Era pelos discursos. Pela movimentação que isso causava na cidade. É uma coisa que me lembrou.
P/1-Onde aconteciam esses discursos? Eram comícios políticos?
R-Eram comícios políticos nos lugares centrais da cidade.
P/1-Fora de Osasco?
R-Não. Dentro de Osasco. Em pontos centrais da cidade. Osasco na época pertencia a São Paulo. Osasco se emancipa em 1962. Então, até a emancipação e depois da emancipação também. Eu me lembro de minha mãe comentando de comícios no Pacaembu ou no Anhangabaú. Eles iam. Eles gostavam de ir. Então, a gente aprendeu cedo a prestar atenção em política. A gostar dessas coisas.
P/1-Seu pai e sua mãe frequentavam e levavam vocês?
R-Meu pai gostava. Principalmente meu pai gostava. Minha mãe também gostava.
P1-Você gostava de escutar os discursos?
R-Eu descobri depois que eu gostava. Quando você é moleque, você é muito inquieto. Não é tudo que te prende a atenção. Com o tempo... Hoje eu sou muito ligado em política.
P/1-Seu pai ou sua mãe era de alguma organização política ou partido?
R-Não. Não era. Nunca foi.
P/1 -E depois do Bradesco você foi trabalhar aonde? Você queria estudar? Você estava fazendo colégio? Como estava, nessa época, a sua situação escolar?
R-Minha situação escolar sempre foi muito conturbada. Eu sempre tive uma predileção por estudar humanas. E aí, que eu descobri que eu gostava muito de português. Eu tive uma professora na sexta série que chamava Denise. Essa professora foi uma luz para mim, porque ela forçava a barra com muitas redações e as minhas redações nunca eram iguais. Minhas redações eram sempre diferentes. E ela tinha o dom de falar para mim assim:- Aqui você podia ir por esse caminho. Pensar para uma próxima vez, se você não podia desenvolver por essa forma e não sei o que... E foi me dando livros da coleção dela particular. Foi-me dando os livros e eu fui me desenvolvendo de uma forma, que eu nunca mais tive problemas com português daí em diante. Nunca mais. E eu descobri que eu podia escrever. Descobri que podia escrever. Mas aí, eu trabalhei em alguns outros lugares. Trabalhei num hospital uma vez. Hospital aqui na Lapa. E eu achava estranho que a gente...O primeiro dia que eu entrei a mulher falou assim para mim:
- Quando entrar aqui uma pessoa com gripe... Você já tinha um kit de remédios, que você tinha que justificar que a pessoa tinha tomado, sem saber se a pessoa tinha tomado ou não. Eu falei que isso era maracutaia. E como eu aprendia rápido o negócio... A moça falava que eu podia fazer isso e aquilo outro e não o que e tal... Eu trabalhei uns dois meses e um dia, falei para minha mãe: “Eu vou sair desse lugar, porque estou achando muito estranho que... Sabe... É como se fosse automático... Você colocar para cobrar coisas que você não sabe se foram aplicadas”. Aí, eu saí desse lugar e arrumei outro trabalho... Trabalhar em outro lugar. Aí, depois de um tempo, foi descoberta uma fraude nesse hospital aí. Inclusive teve um negócio de um incêndio lá, que os caras quiseram queimar provas e não sei mais. Eu saquei, quando eu entrei, que tinha um negócio mal amarrado e tinha mesmo. Aí depois, eu tive um emprego. Daí, eu comecei a fotografar. Era uma época... 1977. Eu fui fazer um curso na escola Imagem e Ação, na Nove de julho. Fiz o curso de fotografia com o Cláudio Feijó e comecei a fotografar. Mas eu era um duro. Eu não tinha equipamento e naquela época, era muito difícil você chegar a máquinas. Chegar nessas coisas, porque importação era tudo proibido. Um imposto imenso. Daí, eu conheci um cara lá, que era de uma família de bacana. E ele ia para os Estados Unidos todo ano. E ele comprou uma máquina. Para ele era hobby. Para mim era fissura. Para ele era hobby. Aí, esse cara me vendeu uma Pentax K 1000 por um preço camarada, para eu pagar em algumas vezes. E foi aí que eu tive a minha primeira máquina. Era época do preto e branco. A gente tinha que aprender a mexer em laboratório. E aí, comecei a tirar umas fotos para jornais e comecei a fazer uns retratos. E aí, fui aprender. Fui me desenvolvendo e aí, fotografia virou minha profissão. Inclusive, por conta de fotografar, eu fui parar em Rondônia. Morei um ano em Rondônia. Esse período estava muito ruim emprego em São Paulo... no Brasil. Período de 1975, 1976.
P/1-Você tinha vinte e um anos?
R-Vinte e poucos. E aí eu fui para Rondônia.
P/1- Você foi convidado?
R- Uma tia minha teve uma desilusão na vida e foi para lá. Não era bem tia. Era postiça, mas tinha muita consideração. E ela falou: “Estou indo para lá. Lá está tudo começando. Você não quer ir lá desbravar? Ver como é que é?” E eu fui. Nossa! Era muito difícil. Era muito diferente. Aí, com a maquininha debaixo do braço fui para a Rondônia. Aí, tinha um jornal, lá na cidade que eu fui, chamava Colorado do Oeste e fui conversar com o cara do jornal e ele não tinha fotógrafo. E ele criou um cargo de fotógrafo. Fiquei uns oito meses viajando com ele pelas cidades de Rondônia à beira da 6364. Resolvi voltar para São Paulo. Estava muito triste lá longe da minha mãe. Estava muito ruim lá.
P/1-Mas como foi? Você foi fotografar o que lá?
R-Eu fui “na cara dura”. Para arrancar dinheiro da máquina. E aí arrumei esse emprego. Eu morava numa pensão. Arrumei esse emprego no jornal. Então, o jornal pagava a pensão para mim e eu tinha onde comer e tinha algum dinheirinho. Estava tentando me dar bem lá. Era um estado em formação e tinha gente de tudo quanto era lado, principalmente do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Aí, eu resolvi voltar e quando eu voltei, meu irmão trabalhava na FEBEM. Aí, eu fiz uma seleção na FEBEM e passei. Aí, me formei. Na FEBEM eu fui ter um salário muito legal. Fui ganhar muito bem na FEBEM. Desenvolvi um trabalho muito legal lá de inserção cultural.
P/1-Você está falando da FEBEM, de que ano?
R-Da FEBEM de Osasco. FEBEM de São Paulo.
P/1-Que ano foi isso?
R-Na FEBEM acho que foi anos 1980, 1985... mais ou menos.
P/1-Como estava a FEBEM naquela época e o que você fazia?
R-Eu entrei como inspetor e aí, tinha espaço para desenvolver algumas atividades culturais e artísticas e tal. Eu foquei um pouco nisso. E me dei bem. A gente conseguia fazer um trabalho bacana. Era uma unidade feminina que cuidava de meninas de quatorze a dezoito anos, infratoras. E com o grupo da casa a gente conseguiu implantar umas atividades com música, com teatro, com dança, com tudo. A gente começou a levar um monte de coisa pra lá. A gente começou a levar um monte de coisas para lá e a gente percebeu que podia dar certo. A gente ficou cinco anos lá com esse projeto. Até que, na mudança de governo, desarticularam e aí, voltou a ser o que era. Mas a gente fez um trabalho lá, que foi bem bacana. Depois de lá, nos anos 1990, eu fui trabalhar na Câmara de Osasco, com um vereador do meu bairro e estou lá até hoje. Fiz concurso lá. Fui aprovado e estou lá até hoje. Desde os anos 1990.
P/1 -Que ano que você casou?
R-Eu casei em 1994. Não. 1994 nasceu minha filha. Eu casei em 1991. Eu casei.
P/1-Como você conheceu a sua esposa?
R-Então, a minha esposa... ela nasceu na Vila Yara também. E o pai dela era o presidente do clube, que a gente jogava. O pai é uma figura lendária da Vila Yara. Chama Luís Rodrigues Filho. Hoje, inclusive, tem uma rua com o nome dele e o apelido dele era Bijão. Esse cara fazia samba na beira do campo e era o presidente do clube. A gente estudou na mesma escola. Aquela coisa toda, mas faltava uma aproximação. Depois de maduro que a gente se encontrou e depois casamos.
P/1-Fala um pouco do Bijão? Como é que ele era?
R-O Bijão era o general da banda. Era um cara meio bronco, meio autoritário. Mas era o cara que tinha muito respeito da gente porque era ele que comandava o samba na beira do campo e era o presidente do clube. Então, para nós ele era uma autoridade. E ele tinha as músicas que ele mesmo compunha e a gente cantava. Então, isso para a gente era uma atração. A gente já foi iniciado no samba na beira do campo. Era comum para a gente, aos sábados e domingos, num determinado momento no campo, o pessoal começar a tocar e a gente moleque encostar perto para ouvir.
P/1-Eram as músicas dele? As letras?.
R-Também tinha música dele. Tinha muita música dele. Cantava os sambas.
P/1-Mas eram as letras dele? Não tinha?
R-Então, ele cantava muitas músicas de cantores conhecidos e cantava as músicas de autoria dele. E a gente sabia todas.
P/1-Você sabe alguma para falar para a gente?
R-Eu sei várias dele...
P/1-Fala uma.
R- Uma delas fala sobre a situação de um cantor de samba, que chega numa roda de samba, que ele não conhece. Um samba do Bijão que falava: “Você pode ser um bom cantador. Você pode ser um bom companheiro. Você me disse que veio de longe. Mas não vai cantar no meu terreiro.” Porque as rodas de samba tinham meio que uma disputa entre os bairros. Ou outras cidades. Então ele teve a sensibilidade de transformar isso em samba. Essa disputa do samba. E isso virou uma tradição. Hoje lá no bairro sempre tem samba. Aqui ou ali. Nos bares ou algumas casas, mas sempre tem samba. É uma tradição que foi criada por ele.
P/1-E as pessoas sabem dele? Ele é conhecido lá... lembram dele?
R-Na verdade, tem muitas famílias antigas lá. Então, essas famílias lembram. O pessoal que chegou depois... Porque cresceu muito o bairro e então, não lembra. Não tem como lembrar. Não conheceram. Essa coisa vai perdendo. Tempo vai apagando.
P/1-E as letras dele falavam basicamente do quê?
R-Falavam dessas situações. Falavam de amor. De uma mulher muito ingênua, muito suave, muito delicada. Entendeu!
P/1- Você lembra alguma que falava de amor?
R-Tem uma. As músicas dele não tinham nome. Não eram registradas. Elas eram cantadas, na beira do campo e a gente aprendia. E era isso que mantinha as músicas vivas. Tem uma música, que fala de uma mulher que sai sozinha para o samba e não chega nunca. E o cara vai atrás. Essa música é: “Olha, que o dia já clareou. Veja, que a lua já se escondeu. Me diga onde que você andou, meu amor! Me conte o que foi que aconteceu. Quero ver sua desculpa agora. Não me diga que na cidade choveu. O trem das onze chegou na hora. Só agora que você me apareceu. Já te perdoei uma vez. Você jurou de nunca mais errar. Mas veja a hora que você chegou, meu amor! Sinto muito, mas eu vou te abandonar”… A mulher chega no outro dia, de uma gandaia e o cara, com toda educação, fala que vai abandonar. Naquele tempo não matava. Não saía nem uma bolacha. E é legal assim. Falar da forma que as músicas chegavam às pessoas. Antigamente não tinha televisão. Era só rádio. E assim mesmo era difícil ter um rádio que pegava bem. Então, as músicas dele não sofreram influência de ninguém. Era criação dele, coisa da cabeça dele. Para nós era um herói. Bijão, para nós, um herói. Depois virou meu sogro.
P/1-Nesse trabalho da FEBEM, como que você começou? Você tem trabalhos na área musical, com produção, shows que você acompanhou? Quando que começa isso?
R-Na verdade, quando começou o PT. Era final dos 1970 e começo dos 1980. Tinha uma efervescência na USP, na entrada da USP, nos bares e tudo. E a gente começou a fazer amizades com um monte de gente. E aqui, onde é o Mercado das Pulgas da feira da Benedito Calixto, tinha um diretório do PT e também estava surgindo essa nova música. Essa nova música meio underground, aqui em São Paulo, em volta do Lira Paulistana. E a gente foi fazendo amizade com um monte de gente das bandas que estavam surgindo. E eu conheci o Matias Capovilla, que era Sossega Leão. Era filho de um cineasta, do Maurice Capovilla. E daí, eu comecei a andar com o Matias. Onde o Matias ia tocar eu ia junto. Daí, um dia, eu tive a ideia de levar o Matias com outros músicos lá, para fazer um trabalho de música com as meninas, dentro da FEBEM. Eu levei os caras para dentro da unidade. Daí o Matias tinha uns amigos e a gente começou a espalhar um pouco disso em rede e aí, começou um monte de gente bacana a querer participar. Eles tinham a curiosidade de como era a FEBEM. E essa troca foi muito legal para as meninas. Começou a aparecer um monte de gente bacana dando toques. Dando noções do que era cidadania. E aí foi bem legal. Foi bem legal! Era o governo do Franco Montoro quando eu entrei na FEBEM. E tinha um pessoal da PUC, que estava desenvolvendo um trabalho dentro da FEBEM. Então, tinha um espaço para essas manifestações artísticas. Essa coisa toda e aí, eu acabei embalando nesse esquema. Nossa! A gente fez apresentação na TV Cultura, com contato lá do Matias. Do pessoal dele. A gente levou as meninas para um festival de música infantil, para cantar. A gente fez um remelexo. A gente conseguiu fazer uma efervescência cultural lá, que terminou, mas eu acho que o que ficou para elas deve ter sido bacana.
P/1- Então, você tinha essa coisa de morar na Vila Yara, trabalhar na FEBEM e ainda frequentava a noite em São Paulo.
R-É. Frequentava. Estava conhecendo o Lira Paulistana. Aquela efervescência cultural por ali.
P/1 -O que estava acontecendo no Lira? Que bandas? Quem se apresentava naquela época?
R-Todo mundo. Todo mundo estava começando. Titãs. Sossega Leão. Língua de trapo. Todo esse povo aí que agora já está careca, barrigudo. Alguns bem sucedidos. Outros ainda continuando vivendo de música. Tinha uma efervescência cultural em São Paulo. Tinha um movimento de poesia de mimeógrafo. Que o Touché era o grande cara. Touché e o Cacaso. Tinha poesia de poste. Poesia de banheiro. Eu achava legal e eu herdei tudo isso. Sabe então, a noite sempre me fascinou. Eu me esqueci de falar que eu trabalhei na noite. Em 1975, uma pessoa me deu uma coleção de discos do Marcos Pereira. E eu ouvi aquilo e fiquei encantado. Daí, eu escrevi uma carta para ao cara, agradecendo o trabalho dele, que era o Marcos Pereira. E aí, ele me chamou para trabalhar com ele. Eu fui trabalhar no Jogral. Que era aqui no centro, na Consolação. Na Rua Maceió. E os donos na época... O Jogral é uma ideia do Paulo Vanzolini, que foi transformada em bar pelo Carlos Paraná. Era um bar de boêmio. Um Bar famosíssimo. E na época, os donos eram o Martinho da Vila, o Marcos Pereira e o Aluísio Falcão e me chamaram para trabalhar lá. Para um cara de Osasco, ir para um lugar desses é como ir para a Disneylândia. Você está num lugar, que aparece um monte de nego, que aparecia na televisão. Um monte de gente que eu já tinha ouvido discos dos caras. E você ficar vendo os caras de perto... para mim era uma loucura. E lá cantava Alaíde Costa. Apresentava-se o Regional do Evandro. Nossa! Era muito artista famoso. Eu vi Elis Regina passando por lá. Jair Rodrigues, Djavan, em início de carreira. João Bosco iniciando também. Tudo passando. Era o lugar onde os músicos gostavam de ir. Era considerado um bar para músicos, por conta da qualidade da música. E eu ficava encantado com a noite. Você vê um monte de gente. Vê uma cara que estava na televisão outro dia e está ali. Então, ficava encantado. A noite me preparou muito para ficção. Porque “na noite” tudo é muito mágico. É muito diferente do dia.
P/1-Que bairro que ficava o Jogral?
R-O Jogral ficava na Rua Maceió, ali na Consolação. Era do lado do Sujinho. Agora virou um estacionamento.
P/1-Como era aquela região na época?
R-Tinha uma coisa de prostituição forte na Angélica. Na parte de baixo da Angélica, ali. Mas era muito louco. Porque, por exemplo, o bar abria às nove horas da noite. Então, às seis horas da tarde a gente ficava no Sujinho. Encontrava-se no Sujinho antes de ir trabalhar. Então, vira e mexe você encontrava o Plínio Marcos jantando. Encontrava um monte de gente da noite. Um monte de jornalistas. Sabe! O Vanzolini ia muito ao Jogral. Então...
P/1-E você fazia o que lá?
R-Eu fui lá para ser coordenador artístico. Mas eu não sabia nada. Não sabia nada. Trabalhava lá o Theo da Cuíca, Osvaldinho da Cuíca. Trabalhava só fera. E os caras foram me ensinando. Eu saí de lá um pouco antes de fechar. Trabalhei lá uns três, quatro anos.
P/1-Mas assim, cotidianamente, o que você fazia?
R-Ajudava a receber as pessoas. Ajudava a controlar a entrada e saída dos músicos. Fazia meio que a direção artística. A coordenação artística.
P/1-Você ficou amigo de algum?
R-Fiquei. E tanto que hoje eu falo muito com o Theo da Cuíca pelo facebook. O Papestre trabalhava lá. Osvaldinho da Cuíca. Alaíde é minha amiga até hoje. Conheci umas pessoas muito bacanas lá.
P/1-E por que você saiu?
R-Ali começou a ficar ruim das pernas. Estava quase fechando. O pessoal que comprou não era do ramo. Então, comercialmente começou a não ser muita vantagem para os donos.
P/1-Aí, você saiu de lá e já estava na Câmara?
R-Aí, depois de um pouco tempo, eu fui para a Câmara.
P/1-Você prestou concurso? E foi fazer o que na Câmara?
R-Prestei concurso para a área administrativa da Câmara. E a Câmara nunca tinha tido um concurso. Foi o primeiro concurso. Já trabalhava lá no gabinete de um vereador, que foi presidente. Depois eu fiz o concurso. E fiquei por lá. Vou completar vinte anos lá.
P/1-Qual é o seu trabalho lá?
R-Hoje o trabalho é muito burocrático. Hoje eu estou num outro departamento. Estou no Departamento de Comunicação. Eu fotografo lá. Que é o departamento de comunicação.
P/1- Então você continua com a sua atividade de fotógrafo?
R-Agora voltei a fotografar.
P/1-Quando começou a sua militância no Partido dos Trabalhadores?
R-Então... Eu tive esse contato nos anos 1980 com o PT. Ainda era uma ideia embrionária. Daí, eu me afastei durante um tempo. Trabalhando na Câmara eu fui tendo conhecimento. Eu já tinha alguns conhecimentos aqui de São Paulo. Um vereador do PT tinha sido candidato a prefeito de Osasco e tinha perdido por uma diferença pouca. Ele seria candidato a deputado. Ele falou: “Eu vou ser candidato a deputado e estou arregimentando um pessoal aí, para me ajudar. Porque eu quero tentar mais uma vez ser candidato a prefeito”. Aí eu fui com ele para ajudá-lo na campanha dele. Ele ganhou a eleição para deputado. Eu me licenciei da Câmara e fui com ele para a Assembleia. E aí, na volta, dois anos depois, ele foi candidato a prefeito e ganhou a eleição. E eu fui com ele para a Prefeitura. Para a Assessoria dele e fiquei na Prefeitura quase seis anos. Cinco anos e meio. Quase seis anos e agora retornei para a Câmara. Então, a minha introdução ao PT foi por conta do atual prefeito de Osasco, Emídio de Souza, que foi deputado e agora está no segundo mandato.
P/1-Ele que te convidou para entrar no partido? Como foi?
R-Foi. Eu fui com ele. Anteriormente eu não era filiado. Eu só era simpatizante. Eu entrei mesmo por conta da campanha dele.
P/1-Esse interesse vem já daquela coisa do seu pai e da sua mãe de...
R- É. Não sei. Acho que questão de afinidade mesmo. Que aí, quando houve o convite, eu já tinha outra compreensão do que era política. Como era. E eu achei que, nesse momento, vinha ao encontro do que eu pensava e queria para a vida.
P/1- Aí você casou em 1992. E vocês tiveram filhos?
R-Nós tivemos filhos depois de cinco anos. Tenho uma filha só. Chama Jade e tem dezesseis anos. Inclusive o nome dela é o nome de uma música do João Bosco. Belíssima! Ela chama Jade Louise Rodrigues Barbosa. Tem dezesseis anos e realmente é uma joia.
P//1-E a sua esposa. Como é o nome dela?
R-Minha esposa chama Janete Rodrigues Barbosa. É pedagoga e se aposentou trabalhando na direção de creche. E continua no mesmo trabalho.
P/1-Vocês se lembram do dia que vocês se conheceram?
R-O dia que a gente se conheceu não. Mas o dia que a gente se reencontrou.
P/1-Como que foi?
R- A gente deu uma namorada na adolescência e aí depois falei: “Ah! Vou deixar esse namoro para lá. Porque eu não quero casar. Não estou procurando casamento”. A gente tinha uns dezessete anos e eu fui viver a vida. Cada um para o seu lado. E depois de dezessete anos a gente se reencontrou. Aí, nós nos reencontramos e começamos a falar e não sei e casamos. Casamos em oito meses. Aquele período de conhecimento, a gente já tinha tido antes. Então casamos e estamos lá. Até hoje.
P/1-Só retoma essa coisa do bar. Do Jogral. Onde ele era inicialmente?
R-O Jogral nasceu na Rua Avanhandava. Era um bar do Carlos Paraná. Mas, um dia, eu fui à casa de um amigo, que tocava com o Vanzolini. Eles estavam fazendo um churrasco em homenagem ao Vanzolini. E conversando com o Vanzolini, o Vanzolini me disse que a ideia do Jogral era dele. Ele que deu essa ideia para o Carlos Paraná. O Jogral começou na Rua Avanhandava e depois mudou para a Rua Maceió. Mas quando mudou da Avanhandava para a Maceió, depois de um tempo, o Paraná morreu e ficou sob a direção da esposa dele, que era a Marta Paraná. Aí, em seguida, o Marcos Pereira, o Martinho da Vila e o Aluísio compraram, acho que dela e botaram um gerente para tomar conta.
P/1-E foi nesse que você foi trabalhar?
RT-Foi nesse que eu fui trabalhar.
P/1-João, retomando agora uma coisa que você falou no começo da entrevista. Você viu você fazendo o Museu da Pessoa no facebook, porque você tinha histórias dos personagens da sua vila lá. Foi nesse momento que você começou a escrever? Ou você já escrevia?
R- Foi. Eu escrevia assim eventualmente. Muito pontualmente. Mas, a partir do momento que eu percebi que eu podia roubar histórias das pessoas e contar, transformar as pessoas em personagens... E as pessoas tinham interesse pela minha forma de contar. Eu descobri que eu podia ser mais do que um contador de história. Eu descobri que eu podia fazer ficção com isso. Eu podia fazer literatura. E aí, eu passei a olhar com outros olhos. Aí, depois de um ano, eu percebi o material que eu tinha publicado no facebook. Já era material que dava para fazer um livro. Aí eu juntei esse material num livro. Aí, comecei a conversar com os amigos, para ver como eu encaminhava. Eu não sabia como é que era ser escritor. Como é que era fazer livros. Eu comecei a me interessar por isso, a partir do facebook. Aí, quando eu percebi que dois caras do facebook... Um disse que faria a revisão para mim e o outro faria a editoração eletrônica... Daí, a gente começou a pensar em termos industriais de ter um produto. E eu continuava escrevendo todo dia. Aí, eu depois falei, que vou parar um pouco com esse material parecido com o que eu tenho no livro e vou escrever sobre outra coisa. E aí, mexendo no Youtube um dia, eu reencontrei...que eu tinha isso em vinil, o vídeo da Bethânia do “Drama Luz da Noite”. Aí, eu percebi. Eu relembrei, que toda música que ela cantava, era precedida por um texto do Fauzi Arap, do Luís Carlos Lacerda, do Fernando Pessoa. Eu lia muito o Pasquim e aqueles textos eram conhecidos por mim. Eu conhecia aquela pegada. E eu falei: Vou fazer um exercício que é escrever sobre o amor, sobre o desamor. Sobre a solidão. Sobre esses temas que tinham sido até retratados pelo Marcos Pereira. Marcos Pereira fez uma coleção que ele... por exemplo; um tema: solidão. Aí, ele pegava todas as músicas que cantava de solidão e colocava cantoras diversas para cantar as várias músicas. E eu comecei a escrever os textos meio dramáticos sobre isso. E aí deu uma explodida na minha página...de comentários. De gente me mandando inbox. Aí, eu peguei e coloquei outro. E a mesma coisa. Aí comecei a escrever textos mais dramáticos falando de amor. De desamor. E eu descobri que noventa por cento das pessoas que interferiam, que vinham para dar opinião,que vinham para interagir, eram mulheres. Falei; Achei outro filão. Vou escrever aqui. É aqui que eu quero desenvolver. E o resultado é que, passado outro ano, eu já estou com outro livro com esse material, que eu escrevi em cima desse enfoque, do “Drama Luz da Noite”... Que são textos assim, que discutem essa situação de dor de amor, abandono, solidão. Meio que no clima do que foi o “Drama Luz da Noite”. Direção era do Fauzi Arap.
P/1-Você sabe algum de cor?
R-De cor eu não sei. Eu trouxe um que é... Eu já desenvolvi um tamanho de texto para publicar na internet. Porque o internauta não gosta de texto longo. Então, tem que ser bate-pronto. Então, eu fui escrever. E eu separei um que diz assim: ‘Uma cartomante leu a minha mão e me prometeu universos. Aí, eu pedi meu dinheiro de volta, porque eu só queria versos.’ Então, eu comecei a publicar esses textos curtos e perceber que a resposta era muito legal. Aí depois, um dia, conversando com outra facebookiana, Rosana Miziara, ela me sugeriu que colocasse uma foto para ilustrar, que aumentaria o acesso. Eu tenho feito isso e tem dado muito certo. Todos os textos hoje são ilustrados por alguma foto relativa.
P/1-João, qual o seu maior sonho hoje?
R-Meu maior sonho hoje é publicar os livros que eu estou escrevendo, que eu acho que a publicação do livro, ela encerra o projeto e te abre espaço para que você crie outros...te incentiva para que você se desenvolva. No meu caso, é o sonho de uma carreira como escritor. Porque eu descobri como o universo das pessoas é infinito. Então, eu posso contar muitas histórias de muita gente e da minha forma. Eu acho que a vida das pessoas, por mais simples que seja, tem um histórico muito interessante, que, às vezes, quem está do lado desconhece. E isso eu sei que eu posso fazer bem. Que é essa contação de história. Eu disse uma frase do meu pai e tem uma frase da minha mãe, que eu guardo e eu cogito até que ela seja o nome desse livro de crônicas e prosa urbana: ‘Cabeça de barco não tem tutano’. Quem tem que ter juízo é o ser humano. Barco também tem cabeça e só usa para aquilo. Então, eu sempre guardei essa frase da minha mãe: ‘Cabeça de barco não tem tutano’ e eu penso um dia usar isso como título de um livro. Se não nesse, no próximo. E é isso.
P/1-O que você achou da experiência de contar um pouco da sua história de vida aqui no Museu da Pessoa?
R-Ah! É muito estranho. Porque eu nunca tinha falado disso de uma forma tão abrangente e tão longa. A gente sempre conta histórias engraçadas, assim da vida da gente, principalmente as que a gente é herói. Então, eu procuro sempre lembrar as coisas engraçadas, das coisas bem humoradas da minha mãe e do meu pai. Mas assim, dizer isso hoje, foi como me colocar diante de um espelho e contar para mim um pouco do que foi a minha história. Eu acho que eu nunca tinha me colocado de frente com a minha história. Então, hoje foi uma apresentação, talvez aí, para mim mesmo.
P/1-Obrigada João.
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