Memórias do Comércio de São Paulo
Depoimento de Cassio Piccolo
Entrevistado por Fernanda Prado e Daniela Baraúna
São Paulo 15/09/2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MCNO_HV_013
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
Revisado por Lucas Lara
P/1 – Cassio, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Queria começar primeiro agradecendo a sua presença aqui no Museu para essa entrevista e pedir para você falar o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome completo é Cassio Roberto Piccolo, nasci em São Paulo, portanto sou 100% paulistano, em 25 de abril de 1960.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Valdecir Piccolo e Maria ____ Piccolo.
P/1 – O senhor sabe a origem da família?
R – A origem da família eu fui descobrir depois de um tempo. Meu pai sempre me falava e até um determinado momento da minha vida eu nunca dei muita importância a isso. Em uma viagem à Itália eu fui até visitar o lugar que eles tinham nascido. De ambos os lados, tanto de pai de mãe, meus bisavós eram italianos de Padova que é no Vêneto, no norte da Itália. E por que é que isso aconteceu? Na época, muitos anos atrás, um processo começou com o meu irmão de tentar tirar a cidadania italiana, nós descobrimos que o nosso bisavô tinha sido registrado com um C só. Piccolo em italiano quer dizer pequeno. Tem dois C e um L. Várias das pessoas da nossa família, cada um tinha um registro de um jeito diferente. Para descobrir onde ele tinha nascido meu irmão enviou 200 cartas para diversas colônias na Itália, até que um dia ele recebeu resposta dizendo que o meu bisnono tinha nascido em tal lugar lá em Padova. E daí teve início um processo longo, árduo, cansativo que foi alterar todos os documentos a partir da certidão de nascimento do meu bisavô até os nossos documentos. E cada averbação, assim que eles chamam nos cartórios, demora cinco, seis meses para ser feita, enfim, para você poder fazer uma nova alteração. E em cada cartório em que cada pessoa foi registrada, ou seja, cada uma em um lugar, em uma cidade pelo interior de São Paulo. Porque eles nasceram no interior de São Paulo, em Monte Alto, e minha mãe em Vista Alegre, que é uma cidadezinha perto também de Monte Alto. E aí começou um pouco do meu interesse por saber isso. Essa vez que eu estive em Padova, foi que eu tinha ido a uma viagem de vinho, de cerveja, não tinha nada a ver com nada, e resolvi dar uma passada lá. Na época, eu fiquei super emocionado em estar lá. Na verdade, eu chorei comigo mesmo na praça porque é uma cidade belíssima, antiga, baixou alguma coisa ali de DNA, de vibrar o elemento ali, que foi algo que eu nunca imaginei que fosse sentir. Foi bem legal.
P/1 – Qual é que era a atividade dos seus pais lá em Monte Alto?
R – Os meus pais moravam no campo, camponeses. Lá se falava na roça, porque lá tinha muita lavoura de cebola, de mamão, esse tipo de coisa. Quando eles se casaram vieram para São Paulo. Meu pai deixou essa vida e foi trabalhar como motorista de caminhão, vivia viajando. Minha mãe cuidava da gente. Somos três irmãos, eu sou o do meio, o recheio do sanduíche, portanto. O meu pai ao longo da vida trabalhou bastante tempo como motorista, depois chegou a trabalhar como chofer de táxi, depois foi trabalhar em várias empresas de alimentos como a Cica, a Peixe e a ETI fazendo uma coisa que ele sabia fazer muito bem: ele era comprador de safra. Ele comprava safra de tomate, de morango, disso e daquilo, porque ele viveu nesse meio a vida inteira. É uma coisa incrível isso, ele pega uma fruta, um legume e sabe se aquilo está bom, não está bom, enfim, se está maduro, se não está maduro. Isso é uma coisa de quem nasceu tendo contato. E depois ele já estava aposentado, pintou a história do Bar do FrangÓ e ele mudou completamente, veio trabalhar comigo, com meu irmão e está lá até hoje. Basicamente os dois vieram do campo, da roça.
P/1 – E quando eles vieram para São Paulo depois de casados, para onde é que eles foram? Que bairro?
R – Eles foram morar na Freguesia do Ó. Ali na verdade a Freguesia é um centro de... o largo da Freguesia, que tem 430 e poucos anos, é quase tão antigo quanto a própria cidade. Isso é uma coisa genial. E a Freguesia em si, toda a região que cerca a Freguesia, uma região muito grande, mas na época ali era o fim, era a periferia. Meu pai conta histórias que para ir de lá até a cidade era uma aventura. Tinha que pegar ônibus, bonde, mais não sei o quê, isso demorava um tempo danado. Eles foram morar lá porque era periferia, provavelmente porque era mais barato e eles não tinham muito dinheiro e tudo mais . Eu me lembro bem de quando era criança a rua onde nós morávamos era perto da igreja, porque ali tem a Freguesia e tem outro bairro do lado que chama Itaberaba, que tem outra igreja ali também, é bem pertinho de lá. Era uma rua de terra e eu passei grande parte da minha infância, que eu acho fantástico. Hoje, eu sei que isso foi uma coisa genial, brincando na terra, tinha um eucaliptal do lado de casa, a gente com um monte de bambu também, quer dizer, mato. A gente vivia indo lá brincar e tinha brincadeiras de criança, não existia internet, esse tipo de coisa. Onde se viu uma criança completamente plugada na tevê vendo um monte de lixo. Neste aspecto foi fantástico morar na periferia para mim porque eu tive um contato com um monte de coisa que de outra maneira eu nem saberia que existem. Para minha infância foi muito legal. Mas eles foram morar lá na Freguesia.
P/1 – Conta para a gente um pouco como é que era essa infância sendo o irmão do meio, como era a casa, o convívio com os seus irmãos.
R – Era uma casa pequena, mas ela tinha um quintal grande e isso era bacana. Então, a gente vivia mais fora da casa do que dentro porque nós três morávamos em um quarto só. Eu, meu irmão, a diferença da minha irmã, que é mais velha, para mim é de três anos e do meu irmão é de um ano e cinco dias exatamente. O que aconteceu? Por essa diferença ser muito pequena, eu quando pequeno minha mãe já engravidou logo em seguida, meu irmão nasceu, então, você sabe, o recheio do sanduíche fica meio de lado. Por quê? Porque ela cuidava mais do pequeno, e o meu irmão tinha um péssimo hábito de encher o meu saco e correr para a barra da saia da minha mãe. Isso era uma coisa que me aborrecia um pouco. Por quê? Porque eu não podia bater nele, ou sei lá o que, porque a minha mãe acabava dando guarida para ele, mas era coisa de criança evidentemente. A memória que eu tenho daquela casa, além disso que eu acabei de falar de ter um quintal, da terra, de brincar de bolinha de gude, empinar papagaio, soltar balão, uma coisa que eu sempre gostei de fazer, eu sempre adorei balão em festa junina A gente sempre fazia lá no quintal uma festa junina, pelo menos uma no ano, em que convidava todas as outras pessoas da rua, era uma festa junina quase que da rua, os vizinhos. Você fazia fogueira, quentão, pipoca, batata doce, aquela coisa tradicional de festa junina. Isso de certa maneira era algo que eles viviam no interior, isso se manteve durante um longo tempo lá e mesmo quando eu já estava estudando no colégio e tudo mais a casa sempre foi um ponto de encontro com os amigos. Porque eu vivia com os meus amigos de escola lá também, a gente brincava. jogava futebol e soltava balão. Enfim, e saía lá pelo eucaliptal e desaparecia. Teve uma época em que eu cheguei a entrar numa viagem por causa de um amigo vizinho de biólogo, entre aspas, de embalsamar insetos que foi uma coisa assim.... a gente pegava um monte de inseto lá no meio do mato, a maioria deles que eu gostava mais eram os coleópteros. Coleópteros são aqueles insetos com casca dura tipo as joaninhas, aqueles besouros, aquele besouro rola bosta que também que é famoso, aquele grandão lá (risos). Ou então pegava borboleta, pegava louva-a-deus, aí eu jogava os bichos lá no formol, pegava cuidadosamente uma caixa de camisa, nessa época as camisas eram vendidas em loja, em caixas, era uma coisa diferente. Punha um isopor, pegava o bicho, jogava ele no formol, espetava uma agulha e deixava lá tudo bonitinho enfileirado todos os insetos que a gente havia catado lá no meio do mato. Isso era uma coisa assim, tem a ver completamente com essa casa onde eu morava. E lá na rua, no quintal, quer dizer, na rua tinha um campinho aberto onde a gente jogava bola lá, toda a molecada lá da rua, e do outro lado tinha um tipo de uma, não chegava a ser uma fazenda, mas era um sítio muito grande de uns portugueses que tinham uma venda famosa lá na avenida, onde todo mundo ia comprar as coisas . Não existia ainda esse conceito de mega supermercado, isso foi uma coisa que veio depois. Essa coisa de lojinha, de vendinha, de mercearia, isso é algo também do interior, porque é completamente diferente a relação entre as pessoas ali. Você conhece o dono, você conhece o vizinho, você conhece todo mundo, então você cumprimenta, pergunta como é que vai a tia, a mãe, o papagaio. É outra relação . Esse português tinha um monte de plantações, uma horta muito bacana de almeirão, de alface, disso e daquilo, pés com frutos e tudo mais. Uma das diversões minha e de toda a turma era atazanar a vida desses portugueses. A gente invadia, pulava a cerca lá, ia na chácara dele e ele saia correndo atrás de todo mundo. Uma vez um dos balões que nós soltamos, um balão com formato de estrela, pegou fogo e caiu lá, tinha um monte de bananeira nessa chácara também que era um negócio superbonito e pegou fogo o pé de banana do português. O português ficou maluco com a gente. Enfim, isso era por conta do espaço mesmo, um espaço totalmente legal para criança.
P/1 – Você se lembra de como é que era essa venda do português? O que vendia, como é que ela era?
R – Era essa venda que ainda existe em alguns lugares do interior ou nesse Brasilzão afora quando você viaja pelo sertão e para lugares mais simples, mais pobres. Quer dizer, tem aquele balcão de madeira sem nenhuma sofisticação, uma prateleira também e aquelas bancadas. Sabe aquela coisa que a gente encontra ainda hoje em feira de rua? Tem a cara de uma barraca de feira, só que está dentro de um imóvel. É uma cara simples, você vai, mexe nas coisas, mexe nos legumes, nas frutas, aquela balança antiga. Eu tenho uma dessa até hoje guardada, porque no começo a gente usava lá no FrangÓ, e eu não me desfiz dela até hoje. Aquela balança que você põe o peso, olha lá e sempre tem um chorinho, ela passa um pouco, ele cobra a menos ou põe um tomate a mais, põe uma mexerica a mais, mas era um lugar assim. E muitas vezes ainda tinha aquela coisa de anotar conta, comércio antigo. Pega lá dona Maria não sei das contas, anota lá no caderninho a conta e de vez em quando vai lá e acerta . Era um lugar assim. O que eu me lembro era um lugar pequeno, tinha duas portas e aquelas portas antigas tipo das que a gente tem lá no FrangÓ. Imóvel que você vê que tem bastante tempo. Era um lugar basicamente cheio de vida, um lugar em que você entrava, era bem recebido, outro tipo de relação. Você se sentia à vontade para pegar e para conversar. Enfim, mas era um lugar com vida e onde o tempo também acontecia de um jeito diferente. Hoje, a gente está sempre correndo, desesperado, compra pela internet, não sei o quê. Não. Lá você ia, pegava, descia tranquilo, era outro tempo.
P/1 – O senhor chegou a falar da escola, dos amigos da escola. Qual é a sua primeira lembrança que você tem?
R – A primeira lembrança? Eu estudei em um colégio que se chamava Luiz de Brito, era ali na Itaberaba também, entre a igreja da Itaberaba e a igreja da Freguesia. Esse colégio eu fiquei acho que uns quatro anos, não tenho muita recordação de lá, mas eu me lembro que foi uma coisa legal. Lembro-me da quadra, eu sempre gostei das quadras dos colégios. E depois de lá, eu ia sozinho para casa também, era outra coisa que hoje... tenho filhas com mais de 20 anos, eu senti a diferença, pois você é uma criança, eu ia sozinho, voltava sozinho, não tinha nenhum perigo, não tinha nenhum problema. Depois dali eu mudei para outro colégio, que era o Jacomo Stávale. Na época, esse colégio era o colégio, mas eu já entrei no início de decadência, como foi o Caetano de Campos, no centro da cidade. Esse colégio na época a gente tinha que fazer uma espécie de vestibulinho para entrar. Era um colégio estadual, mas com um excelente nível de ensino. Tanto é que eu passei, entrei, meu irmão não conseguiu entrar, ele foi entrar em um outro colégio porque não conseguiu ter a média para entrar no Jacomo. Mas eu já peguei, como eu te falei, o início de decadência, mas esse era um colégio bárbaro. Eu só tenho grandes recordações de lá porque era um colégio que tinha muitas quadras, muitas atividades, era um colégio que todo mundo se orgulhava de estudar lá, tinha prazer, sabe? Era uma coisa legal, estou num colégio... Lógico, você tinha a coisa do adolescente, da farra, da bagunça, disso, daquilo, mas dava vontade de ir, de passar o dia no colégio, de se envolver com as atividades, eventualmente com as viagens. Tinha uma coisa lá que era uma oficina de artes, eu aprendi a fazer um monte de coisas, fazer coisa com marcenaria, com... Como é que se chama? Não é tricô, mas é... Eu me lembro que fazia coisas com sisal: bolsa, sacola, um monte de artesanatos com sisal e outros materiais. Esse tipo de coisa parece que se perdeu um pouco a não ser que você tenha uma escola muito bacana, que tenha uma atividade, uma pedagogia X, Y, Z que seja voltada para isso. Mas isso era algo que eu adorava. Era uma oficina enorme de artes em colégio que a gente fazia, no ginásio. Então, desde pequeno já se tinha isso. Língua também: a gente estudava francês, que é algo que eu gosto muito. Enfim, só grandes recordações. Agora, no final do colégio já estava... puta a gente aprontando demais da conta, já estar de estar de saco cheio, já quer sair. Aí eu mudei, você entra na fase da aborrecência e já quer um monte de outras coisas. Virei roqueiro, despiroquei para outro lado. Sabe aquela coisa da revolta? E tudo mais. Eu queria sair. Saí, me formei, foi ótimo. A recordação que eu tenho dos dois colégios que eu estudei, tanto do Luiz de Brito quanto do Jacomo são... Até hoje, de vez em quando tem alguns amigos do Jacomo que se reúnem lá no bar, marcam uma espécie de revival da turma principal, que era nossa classe. Porque você tinha várias, mas a nossa classe específica. Alguns amigos ficaram e até hoje eles se encontram lá para contar, para relembrar algumas histórias no bar.
P/1 – Você falou que se mudou, para onde é que vocês foram?
R – Eu me mudei, meu pai nunca saiu de lá. Quer dizer, ele se mudou dessa casa para a que ele está morando atualmente, que é pertinho lá do bar, perto lá da igreja. Eu depois que saí do colégio tive uma coisa que foi terrível para mim, pelo menos na época não me fez nenhum bem. Eu acabei de dizer que lá no final já estava vivendo outra história, que para mim foi uma espécie de resquício da época do Flower Power da década de 60. Um bafo que chegou aqui no Brasil que na verdade... Bom, não importa. Foi legal. Nessa época apareceram muitos grupos de rock aqui. Era o Tessa, era os Mutantes, era o Made in Brazil, era isso, era aquilo e também em função daqueles festivais de música, do surgimento dos Mutantes e tudo mais. Eu vivi um pouco isso no final da década de 70, da metade para o final desde os meus 15 anos. Na verdade, com 14 anos eu comecei a mudar, porque eu era todo certinho e aí descobri o rock. Eu conheci um grande amigo, que é amigo até hoje, foi um cara em que na primeira vez que eu o vi eu falei: “Nossa, quem que é essa figura?” Ele estudava lá no mesmo colégio que eu, um músico. Aí comecei a ir muito à show de rock e mudei completamente. Usava a mesma calça durante sei lá quantas semanas. A minha mãe falava que aquela calça se você a colocasse em pé sem nada ela ficava em pé e não caía. (risos) E na época eram aquelas bocas de sino e gente para ser diferente usava primeiro a calça bem apertada, curta. E aí eu pintava, pegava umas camisetas e pintava uns morcegos, colocava lantejoula, rebite, não sei o quê. Era uma coisa, mas era totalmente inofensiva, uma coisa de identidade visual. Nesse período, eu comecei a me interessar pela música mais profundamente, porque eu comecei a ouvir rock, a ouvir um monte de coisa, mas essa época foi a época de rock mesmo. E de assistir à alguns shows. Quando eu conseguia ver algum show, fui ver show do Genesis quando eles vieram para o Brasil, do Joe Cocker também, eu nunca me esqueço de lá no estádio ali no Ibirapuera, no ginásio do Ibirapuera, o ginásio lotado, todo mundo acendendo isqueiro. Hoje, é celular, o pessoal pisca celular quando está tudo escuro. Eu fui ver o show do U2 recentemente, foi um negócio maluco aquilo. E eu me lembrei lá no estádio do Morumbi do show que eu vi do Genesis com o isqueiro. Quer dizer, é a mesma intenção, é o mesmo gesto só que tantos anos depois. Foi uma coisa emocionante porque era muito raro isso acontecer, ver algum grupo. Eu ia muito ao teatro Bandeirantes, lá na Brigadeiro, ou às vezes quando tinha show de noite inteira lá no estádio do Corinthians ou da Portuguesa também, às vezes acontecia uma espécie de festivais com várias bandas. Aí eu mudei, saí da Freguesia e fui morar ali no Bexiga, que era o epicentro da doidera em São Paulo nesse período. E no Bexiga eu fiquei uns dois anos morando com esse amigo e depois mais um amigo, um outro músico, o Akira, um japonês completamente doido. Ele saiu do Brasil, hoje está morando na Holanda, teve aqui recentemente. E fiquei lá no Bexiga. Depois fui para lá e para cá e depois eu casei, quer dizer, nunca mais eu voltei para a Freguesia desde então. Depois de alguns anos eu voltei por causa do FrangÓ. Sabe aquela história do filho pródigo a casa torna? Foi mais ou menos assim, eu não acreditei. Eu falei: “Nossa, eu estou de volta aqui”. Porque a Freguesia para mim, eu passei um longo período da minha vida em litígio espiritual com a Freguesia. Por quê? Porque é periferia, porque é careta, porque isso, porque aquilo. Nessa época que eu vivi essa revolução interna, tudo o que eu não queria era representado por estar morando lá, ou estar com os pais. Enfim, coisa de adolescente. Isso passa. Eu dizia um monte de bobagens, uma delas é aquela coisa de você não ver sentido na vida e tudo mais. Mas aí tudo isso eu comecei a falar e me desvirtuei com um monte de coisas, que era dizer assim, eu quando saí acabei indo servir o exército que para mim foi um negócio terrível, porque eu sou totalmente da paz, antibélico. Se é uma coisa que eu não gosto é de briga, de nenhuma espécie, principalmente o uso de arma. Foi em uma circunstância completamente sem querer, porque eu não ia. Tinham saído três caras lá, a gente já estava lá 15 dias, estavam faltando 15 dias, 15 primeiros dias, faltavam três para sair definitivamente. Era um japonês e dois caras: um tinha um chilique, outro tinha isso, tinha aquilo. Eu não me esqueço o dia em que o tenente me chamou e falou: “Piccolo, você tem duas horas para ir para casa pegar as suas coisas”. Aquele dia foi terrível. Eu falei: “Eu não acredito que eu vou servir o exército”. Nada contra o exército, tudo, não importa. Eu não queria. Não foi uma coisa fácil para mim. Aí fui servir, saí com honra ao mérito, mas não foi um período fácil porque eu queria, já que estava lá, dar um jeito de sair na primeira baixa. Primeira, segunda, terceira baixa. Esse tenente que veio me dar a notícia era um cara muito legal por sinal. Eu gostava dele porque ele era um cara que tinha um nível intelectual bom, porque você encontra um monte de idiotas lá dentro. De soldados tem... E o capitão também. O capitão quando eu cheguei para ele e falei: “Capitão, me tira da guarita porque eu tenho claustrofobia” e eu não estava brincando, eu em posição de sentido falando para ele. Ele falou: “Piccolo, o que você faz?” “Eu fico histérico, eu quero dar porrada, dar tiro, fazer o diabo a quatro lá. Eu tenho medo de fazer alguma bobagem”. Porque você imagina a cena, servi lá em Barueri, um calor, você com um capacete, com um monte de coisa protegendo-se de um exército de pernilongos blindados. Isso era uma tortura. Ai eu saí e durante um bom tempo tive pesadelos com essa minha passagem no exército, mas saí como cabo, com honra ao mérito e ponto final. Mas foi um ano praticamente perdido em relação aos meus projetos com música. E antes da música, na verdade, eu sempre fui apaixonado, sou até hoje, por cinema. Adorei cinema e eu passava horas a fio dentro do cinema. Saía de uma sessão para outra, às vezes pegava três sessões diferentes no mesmo dia. Eu gostava muito de ir ao Cine Bijou, que nem existe mais, que era ali na Praça Roosevelt. Desde os primeiros festivais de cinema de São Paulo eu frequentava aquilo lá. Eu tinha um caderno, isso era uma doidera minha, porque também não tinha, hoje tem um IMDb o Internet Movie Database que é um site genial que você pesquisa tudo sobre cinema. Mas eu tinha um caderninho em que eu anotava toda a ficha técnica de direção, de direção de fotografia, atores, não sei o quê . Porque o meu olhar para as coisas sempre foi um olhar da estrutura. Quem tem a visão de tudo, dos limites. Aí da estrutura você vai para o detalhe. Isso é um olhar que é da minha pessoa, não tem jeito. Qualquer coisa que eu for olhar vou olhar dessa maneira. A música também, eu sempre olhei primeiro para o compositor, depois para o regente, para a orquestra, e daí para o detalhe. Aí eu fui estudar música. Fui estudar música lá na Fundação das Artes, lá em São Caetano. Era longe para caramba também, eu tinha pegar ônibus, trem, ônibus, era uma aventura chegar lá. Mas valia a pena porque música para mim sempre foi a minha maneira de se expressar, além do cinema, ou de entender, enfim, de lidar com o divino, por exemplo. Aí fiquei lá durante um bom tempo trabalhando com música, estudando, tocando. Até que um dia eu casei com minha mulher, mas na época era minha namorada, ela engravidou e a gente estava falando em morar junto: “Vamos não sei o quê. Vamos”. Durante um tempo ainda fiquei com música, mas aí eu larguei e comecei com bar. Eu larguei a música também porque eu sempre fui muito exigente comigo mesmo, isso é uma coisa que eu aprendi a lidar com o tempo, uma coisa de taurino, um senso crítico absolutamente devastador, demolidor. Agora, se você souber usar isso ao seu favor é bárbaro, mas é uma energia que se não for bem canalizada você fica... não sobra nada: ou é perfeito ou não presta. Isso é terrível. Até que você entende: “Olha, eu fiz o meu melhor. Se eu fiz o meu melhor então está perfeito do jeito que está e ponto final”. Porque senão você... essa autocrítica te impossibilita de fazer qualquer coisa bem feita. Eu desencanei da música, desencanei de trabalhar com a música porque ali eu sabia que jamais seria um músico da maneira que eu gostaria de ser, da maneira que eu considero um bom músico, enfim, ou que eu tenha a música dentro de mim. Em tal conta que eu não admitiria nada menos do que um determinado nível, digamos assim. Aí fui trabalhar no bar sem saber absolutamente coisa nenhuma, nunca estudei administração, nem nada, mas eu li alguns livros de marketing e foi genial porque eu descobri um certo talento para isso. O marketing principalmente. Na verdade a gente tem talentos adormecidos que a maioria das pessoas nem sabe disso. Mas enfim, eu descobri esse talento com marketing. E o FrangÓ hoje eu considero quase que um... quase não, é um milagre porque da maneira como ele foi sendo feito lá na Freguesia, porque a gente hoje colocou a Freguesia no mapa de São Paulo, hoje eu sei disso. As pessoas lá, os moradores lá da Freguesia falam do FrangÓ com o maior orgulho, isso é muito legal por isso que... E eu me reconciliei com a Freguesia também. Porque reconciliar no sentido de que... eu passei a minha vida lá, eu nasci lá, é como se eu tivesse me reconciliado comigo mesmo em alguma coisa que tinha sido perdido o elo. Porque eu te falo, o bairro é completamente diferente e uma coisa que eu sempre quis com o FrangÓ depois de um determinado ponto que eu comecei a ver, entender melhor, em 24 anos recebemos já sei lá quantos convites para abrir outros bares, outros FrangÓs, franquias, no Brasil inteiro. Eu nunca quis. Enquanto eu estiver lá isso não vai acontecer, pode deixar isso bem registrado aí. Por quê? O FrangÓ faz uma espécie de guerra de guerrilha, não é porque eu tenho bandeira de guerrilheiro, nada disso. Não to aqui levantando bandeira de coisíssima nenhuma, mas por quê? Antes de ser dono de bar eu sempre fui consumidor, sou um cliente. Eu acho isso mais importante porque isso é uma coisa passageira, não sei quanto vai durar, mas o meu olhar é sempre o de quem está do outro lado do balcão, ou seja, de cliente. Esse tipo de lugar me deixa muito feliz quando eu encontro algum assim pelo mundo afora. São Paulo é pródigo nisso porque se você visitar os bairros e a periferia você sempre vai achar um lugar incrível que está perdido no meio do nada e que não precisa estar na mídia, não precisa nada daquilo, simplesmente existe daquela maneira. E eu acho isso fantástico porque isso de certa maneira ajuda a preservar um tipo de coisa que de outra maneira seria impossível de se ter contato. Basicamente, o que faz aquilo dar certo é a energia que as pessoas deixam lá. É o que cada um deixa lá . E quando as pessoas vão lá e se sentem bem, quer dizer, elas estão dialogando com isso. E foi isso que eu também acabei fazendo lá, essa retomada desse diálogo comigo mesmo, de toda a minha vida, da minha infância, de uma série de coisas, da minha origem lá com meus pais lá no campo, e quando eu estive na Itália também que aquilo me emocionou. É o seu DNA que está lá. E eu acho isso legal porque eu acho que isso faz as pessoas também de alguma maneira quando vão lá e saem de lá sentirem isso, mesmo que não tenham consciência. E desde que eu coloquei lá um livro de anotações, um guestbook para as pessoas escreverem as coisas, pinta cada coisa escrita que vocês não têm ideia. As histórias de vida linkadas com o FrangÓ. Isso foi uma coisa legal. O bar também me ajudou neste olhar, olhar para trás, olhar para algumas coisas que eu tinha me esquecido, coisas que depois eu fui entender que eram muito importantes e que continuam a ser importantes. Já nem lembro mais o que você tinha me perguntado, divaguei tanto aí que... Eu estou divagando muito?
P/1 – Não. Está ótimo. O que eu ia perguntar agora, queria voltar um pouquinho e perguntar qual que era o instrumento que você tocava? Como é que você trabalhava com a música? O que é que vocês faziam? Se apresentava, se era grupo?
R – Eu tocava contrabaixo, mas eu comecei tocando... Antes de estudar, eu já tinha esse amigo que eu falei, era o Marcos Vinícius Pena, um cara que eu gosto muito, talvez o meu maior amigo ao longo da minha vida. Ele é um cara muito talentoso. Ele toca oficialmente... o instrumento dele é o violino, mas ele pega uma guitarra, pega um baixo, pega uma bateria, pega não sei o quê e sai tocando. Ele é uma espécie de Hermeto Pascoal, não com o mesmo nível do Hermeto, mas tem aquela mesma pegada doida do Hermeto. Eu comecei tocando em um grupo de música latino-americana chamado El Chasque. Nem lembro quantos anos eu tinha, 16, 17; eu tocava percussão. Esse era um equatoriano, não me lembro do nome desse cara, mas era um cara figura. A gente fazia música latino-americana, música folclórica latino-americana dessa que você ouve, às vezes tem esses imigrantes bolivianos tocando zamponha na rua, tocando aquela música El Condor Pasa, esse tipo de coisa. Um negócio totalmente doido para mim na época. Depois que eu comecei a estudar música, eu comecei a estudar contrabaixo, tive períodos em que eu tocava o baixo elétrico. Nós tínhamos um grupo: era eu, o Marcos e outro cara que tocava violão, nós fazíamos música brasileira e criávamos alguma coisa. Chegamos a fazer uma coisa doida em uma apresentação lá na USP, na ECA com música eletroacústica. Por quê? Porque quando comecei a ter contato, estudando música... a música é uma ciência matemática. A música é genial, é o número no tempo. Por incrível que pareça, se eu falar para você que eu comecei a gostar de matemática estudando música, eu comecei a olhar para a matemática estudando música. Porque eu tive uma professora de matemática, durante quase sete anos foi a mesma professora e ela me fez detestar a matemática. Porque o número, quando você começa a enxergar o número, o número é presente absolutamente em tudo, o número puro, no seu estado puro, você fala: “Nossa, tudo”. A matemática está em tudo absolutamente, é uma abstração. Eu comecei a olhar para a matemática estudando música, porque música é uma ciência matemática. Você tem a aritmética, que é o número puro; você tem a música, que é o número no tempo; a geometria, o número no espaço; e a astronomia e astrologia, que é o número no tempo e no espaço. E algumas correlações entre a música e, por exemplo, o zodíaco, porque as 12 tonalidades com os 12 signos, ai comecei a estudar esse tipo de coisa e a cabeça fez vupt. Eu tive um professor de música que era um cara genial, que fazia esses links todos e a gente discutia um monte de coisas e falava de cinema também, e ele fazia... Bom, infelizmente ele faleceu com 50 e poucos anos, super jovem, mas a minha cabeça foi parar em outro... Do rock eu comecei a ouvir Beethoven, eu comecei a ouvir música erudita e ouvia exaustivamente. Depois de ouvir muitos compositores, muita coisa, se você me perguntar qual é o seu compositor predileto, eu vou te responder que é Beethoven, sem dúvida nenhuma. Mas Bach para mim é o pai de todos, porque ele está em um degrau acima na história da música de todos os outros. Mas se eu fosse... Por que o meu predileto? Se eu fosse músico, eu sei, a maneira que eu diria as coisas, que eu escreveria seria definitivamente como Beethoven fez. Porque o Bach está em um estado superior do número puro. Mozart foi um anjo que desceu para terra, desceu pronto, a música dele já nasceu com aquele efeito. E Beethoven não, Beethoven é um homem ascendendo a esta realidade. E por isso me tocou tanto. Aquilo mudou completamente a minha vida, a partir do momento que eu passei a ouvir principalmente a nona sinfonia de Beethoven. Eu ouvi aquilo e muitas das vezes que eu precisava, digamos assim, ordenar-me psiquicamente ou espiritualmente eu me trancava e ouvia Beethoven até não poder mais. Então, a gente tocava em uma orquestra de estudantes, tocava Beethoven, tocava música erudita.
TROCA DE FITA
Sabe, essa coisa da música tem a ver totalmente com o bar lá. Estava falando da música, eu tocava contrabaixo. A gente tinha uma orquestra de estudantes, que era a orquestra, acho que era Filarmônica Juvenil do Estado de São Paulo. Na época, o regente chamava Bernardo Federowski, um cara que já faleceu também. E tinha música, tinha um grupo, a gente tocava um pouquinho de jazz, tocava música brasileira. Eu dava aula, depois de alguns anos comecei a dar aula de teoria, que é uma coisa que eu gostava muito, de harmonia e contraponto. O Inayat Khan falava de harmonia das esferas. Porque a música depende de como você a vê, você a vê de um ponto de vista vertical ou horizontal da escrita harmônica ou da escrita polifônica. Eu sempre curti isso. A parte intelectual da música, a partitura, você entender aquilo, os grandes mestres, as grandes obras, você vai estudar aquilo e é um negócio que é impressionante. Isso sempre me atraiu muito. Então, eu tocava, mas tocava basicamente contrabaixo. Eu tinha um baixo de pau, que era o que eu tocava na orquestra, e tinha um elétrico também. E esse amigo, esse japonês que eu falei, o Akira, que era um maluco de pedra, a gente morava nesse apartamento, ele ficava a noite inteira tocando, aí ele punha um fone. Eu falei: “Cara, não dá para dormir com você tocando a noite inteira aqui”. Ficava doidão, tocava. E nós tínhamos, além da orquestra, um sexteto de cordas, que eu tocava baixo, tinham dois caras que tocavam... Não, era um quinteto, que tocava violoncelo, tinha um uruguaio que tocava viola e esse amigo Marcos tocava violino. A gente saía da orquestra e às vezes ia para o nosso apartamento tocar. Mas, vou falar para você, quando estava todo mundo louco não saía do primeiro compasso. Ou então saía tudo lindo e maravilhoso, mas a maioria das vezes a gente não saía do primeiro e do segundo compasso e já desvirtuava. Essa era uma coisa... aí eu comecei também a frequentar sala de concerto, ouvir. Eu acho que sempre foi uma coisa legal e eu só fui também entender depois. O meu prazer, isso acho que é uma coisa de taurino também, o prazer sensível no sentido de que eu gosto de experimentar coisas, mais do que ficar com a mesma coisa. Porque você precisa ter o seu lado gourmet e gourmand também. Porque você pode ficar lá, o exagero de um lado ou do outro. Não, eu tento canalizar isso para a experimentação, que é o que me dá muito prazer. Em todos os níveis, ouvir coisas diferentes, eu não tenho problema com isso, desde ouvir uma música folclórica até ouvir música erudita, ou um rock, ou uma música popular, eu sei o que eu não gosto de ouvir e aí eu não faço concessão porque o meu ouvido não tolera. Mas estar aberto para a experiência, assim como gastronômica ou na minha atividade com cerveja, mais do que ficar tomando um monte de uma cerveja só, eu gosto de tomar um pouquinho de cada coisa, experimentar. Estar aberto a experiência, isto te abre os horizontes em todos os aspectos. Uma coisa mínima, se você não consegue fazer isso como é que você vai conseguir com o campo das ideias, por exemplo, que é muito mais importante? Quando eu comecei a trabalhar lá no bar, eu já falei para muitas pessoas que meu envolvimento com a música tem um papel fundamental no sucesso do FrangÓ e na energia que ele tem lá. Para mim isso é uma coisa séria porque há uma musicalidade interna que é harmônica, que faz com que as pessoas se sintam bem e às vezes nem percebem. Porque a música lida com vibração. O som é medido em Hertz, ou seja, é uma vibração que te provoca uma determinada coisa. A gente tem uma caixa de ressonância, o corpo é uma caixa de ressonância: você tem os graves, os médios e os agudos e aquilo te provoca coisas que podem ser benéficas ou não. Quer um exemplo bastante simples e concreto? Você pegar uma mulher grávida e assistir um show de rock em um lugar barulhento você vai ver ali, a criança provavelmente se estiver já num estágio avançado vai chutar até não poder mais. Por quê? Porque aquela ressonância toda, aquele eco interno... Ou uma propaganda qualquer que usa uma música de quinta categoria, uma determinada cadência harmônica para te fazer chorar e ficar todo sentido para comprar uma porcaria qualquer lá que eles estão querendo vender. Isso é física. Do mesmo jeito você pode usar em uma terapia. Enfim, tem um nível de atuação que é profundo e é muito sério. Mas esse embotamento que o mundo moderno nos provoca, embotamento visual, olfativo, gustativo, auditivo faz com que a gente fique meio sem noção dessas coisas. Mas no meu caso por conta da minha ligação com a atividade eu sempre tentei usufruir ou usar a meu favor. E no bar eu acho que isso deu certo porque, não sei como te explicar isso, mas tem uma musicalidade. A musicalidade do bar que eu acho que é legal. Isso não dá para reproduzir, por isso que eu não quero. O que eu quis com o FrangÓ, quando eu falei que recusei e continuo recusando ofertas, foi fazer com que ele fosse conhecido no mundo. De certa maneira, hoje o bar já é conhecido em muitos países da Europa e nos Estados Unidos. Falta a Ásia e a África. (risos) Brincadeira à parte, isso é sério por quê? Eu viajo muito, eu tenho contato com muita gente desse meio, gente importante lá de fora, ligado a esse meio e essas pessoas já vieram mais de uma vez ao FrangÓ, adoram o FrangÓ. Eu viajei bastante em feiras e festivais e não sei o quê. Esse contato... nós já saímos em matéria em jornais lá na Inglaterra. Uma vez saiu no The Guardian uma matéria chamada Top Ten Places in São Paulo, nós estávamos entre o Fasano e o Kinochita. Isso eu acho divertido porque é o olhar de um jornalista. Não importa, isso é bacana porque o que o turista vê? O FrangÓ hoje é um ponto turístico. As pessoas vão lá porque aquilo é uma atração. E aí eu me pego às vezes assim numa situação engraçada que é quando eu estou de turista em um lugar tirando foto e aí eu vejo um monte de gente fazendo isso lá em meu próprio bar. Isso me deixa muito feliz. Ou quando eu vejo três, quatro gerações em uma mesma mesa celebrando alguma coisa, um aniversário do bisavô com 80 anos. Quando me perguntam qual é o perfil do cliente do FrangÓ eu costumo responder que vai dos oito meses aos 80 anos. Porque é isso mesmo, não é uma coisa segmentada para um lado. E eu acho isso bárbaro. E quando essa família que está lá, eu vejo que é uma família que veio da periferia, que não tem muita grana e escolheu o bar para celebrar alguma coisa eu fico emocionado porque eu acho isso genial. É um privilégio receber esse tipo de gente porque você vê que é algo raro que estão fazendo lá, escolheram a sua casa para fazer. E quando eu percebo isso eu chego no garçom e falo: “Olha, aquela mesa eu quero atenção redobrada porque esse cara tem que sair daqui feliz da vida. Não interessa o que é que ele vai comer, no sentido de que se ele vai gastar dez, 100 ou vai gastar cinco. Não importa. Ele tem que sair daqui feliz”. Esta é a ideia principal. Isso tem a ver com a música. Larguei a música, nem me lembro quantos anos eu tinha quando larguei definitivamente, larguei de dar aula, aposentei, vendi o meu contrabaixo acústico. Eu tenho um elétrico hoje que raramente, às vezes eu passo anos sem mexer no instrumento, às vezes mais de ano já passei, sei lá, dois, três anos sem colocar a mão nele. De vez em quando olho, dá uma vontade, mas não fico me lamentando por conta disso também, porque isso faz parte.
P/1 – E foi nesse interim da música, nessa fase que você conheceu a sua esposa. Como você a conheceu?
R – Minha esposa foi interessante. Eu a conheci no casamento do meu irmão. E o meu irmão já se casou, descasou, casou, descasou, já está no terceiro, quarto casamento e eu continuo com a minha mulher. Por que foi assim, aí tem um dado curioso: eu nunca tinha usado roupa preta na minha vida, e aquele dia eu não sei o porquê eu fui todo de preto com um tênis All Star vermelho. Coisa que eu também nunca tinha feito. E a minha mulher foi parar no casamento do meu irmão, ela era musicista também, tocava oboé e tocava piano. Ela tinha ido passar uma temporada na Alemanha porque tinha ganhado uma bolsa. E ela tinha voltado para o Brasil, não fazia muito tempo, e a irmã dela, a minha cunhada, que na época era amiga da então mulher que meu irmão estava se casando, da Mônica, a convidou para ir ao casamento. E ela insistiu para que ela fosse e ela não queria: “Não conheço ninguém. O que eu vou fazer lá?” “Não. Vamos”. Aí ela foi. E lá no prédio onde teve o almoço, a gente foi apresentado não sei como, ela fala para mim que ela olhou para a figura, aquela figura de preto com tênis vermelho, casamento do irmão, quem é aquele tipo? Foi atraída pelo tipo. A gente foi apresentado e começamos a falar de música e disso e daquilo. Bem, eu passei o almoço inteiro falando, eu não falo muito na verdade, estou falando aqui porque é para falar, mas eu sou do tipo mais reservado. Às vezes eu falo, mas não sou do tipo falador, falante, nem nada. Eu passei o almoço inteiro falando, eu não comi absolutamente nada. Nem eu entendo isso. E não porque a comida... a comida estava ótima, estava em um buffet supergostoso, bacana, afinal era casamento do meu irmão. E aí na saída eu a convidei para ir ver um balão de madrugada. Quando eu falo balão, quando eu era moleque, eu estava falando daqueles balões pequenos, balão estrela, almofada, caixa, aqueles balões pequenos. Mas depois de um tempo eu comecei a frequentar umas turmas de balões que fazem balões de 20, 30, 40 metros de altura com aquelas armações. Não sei se vocês já viram isso. Já viram isso?
P/1 – Já.
R – Eu adoro isso e sempre que podia eu ia ver. Quer dizer, é uma coisa proibida, perigosa hoje, mas eu adorava ver. E nesse dia ia ter um balão vazado, balão vazado é um balão todo branco que eles fazem o desenho em preto recortado. É um trabalho simplesmente maravilhoso, é um trabalho artístico. Ia ter um balão vazado com motivos da Grécia lá numa quebrada na Via Anhanguera, de madrugada. E estava aqui no Brasil um ex-namorado dela, um alemão que eu tinha conhecido, ou melhor, que eu fui... Não, eu conheci o cara nessa ocasião. Porque depois a gente viajou para a Alemanha e fomos encontrá-lo lá. Aí falei para ela: “Pô, leva o cara também”. Mas um convite estranho, convidei para ver balão de madrugada numa quebrada na periferia na Via Anhanguera, e ela topou. Parece programa de índio, índio assim no péssimo sentido, mas enfim. Nós fomos lá, isso era quatro, cinco horas da manhã e o alemão estava no carro, o cara dormiu no carro numa quebrada que se ele soubesse onde a gente estava ele jamais teria feito. Ele era alemão. Dormiu lá no carro, não aconteceu nada, ainda bem. E lá no casamento a hora que a gente estava indo embora eu pedi uma caneta para o porteiro e porteiro falou: “Isso aí vai dar em casamento”. E deu. E aí ficamos juntos e em seis meses praticamente nós estávamos casados. Mas não casamos porque ela ficou grávida da minha primeira filha. A gente estava falando em morar juntos e aquilo foi uma coisa linda: “Vamos. Vamos casar”. Sei lá, de família, não sei. Vamos casar, casei. Mas foi abrupto, foi uma coisa meio assim, quando eu vi estava casado, e um ano depois estava com uma filha para criar. Isso também foi algo... Bom, ter um filho muda a vida de qualquer um. Você tem que encarar, não tem jeito, e é uma coisa bárbara, não me arrependo de absolutamente nada. Foi muito bom. Minha filha hoje, essa mais velha, tem 26 anos, ela está formada, é atriz, faz o que gosta. Ela tem o nosso DNA impregnado lá, totalmente. Isso eu tinha 24 anos. O lado legal em você ter filho com uma idade mais jovem é o seguinte: quando eles vão crescendo, essa distância, essa diferença de uma geração para outra não é muito grande. Então, você tem um ponto de contato, de acompanhar as transformações até aonde dá, lógico, porque tem coisas que é muito bacana. Há uma comunicação muito mais fácil, um nível de comunicação que além de pai e de mãe, você se transforma em amigo também, e amigos dos amigos também, que é uma coisa importante. Você não é um ser que está a parte, que eles não gostam, que não quer sair, que não quer saber o que você faz ou deixa de fazer, não. Tem um nível de comunicação que é genial. Isso é muito legal, isso faz uma diferença. Meu irmão agora com 50 anos teve recentemente outro filho, ele tem dois filhos de um casamento e tem outros dois desse atual dele, quer dizer, está com 50 anos e nasceu o último filho dele, o Oto. Eu fico pensando, eu falei: “Nossa, eu tenho um ano a mais do que ele”. Eu fico pensando: “Trocando fralda de madrugada não sei o quê”. É outra história, ele brinca que ele é pai avô. De certa maneira poderia ser. Mas enfim, foi assim que eu conheci a minha mulher.
P/1 – Foi logo depois então que você falou que deixou a música um pouco mais de lado e começou a trabalhar no bar. Qual é que é a história da fundação desse bar? Como é que ele começou, como é que foram...
R – Esse bar quem começou exatamente foi meu irmão com o meu pai e mais outro sócio argentino, o Carlinhos, que era um pouco gago. Esse cara era uma figura, tem até uma história engraçada que quando eles pensaram em fazer o bar, o bar nasceu como rotisserie, ou seja, era uma coisa para comida, para se levar para casa, delivery. Não era para ser bar coisa nenhuma. Quando o Carlinhos foi registrar o bar, isso eu fui saber depois, ele com sotaque gardelito dele registrou Frangô. Frangô com acento circunflexo, porque o nome quem criou foi meu irmão. Era FrangÓ. FrangÓ é uma coquetela de frango com Freguesia do Ó, porque o projeto original era para vender frango grelhado. Lá a gente se refere à Freguesia como Fregó. Então, frango da Fregó, FrangÓ. Foi daí que o meu irmão criou esse nome. Eu confesso que hoje em sã consciência eu jamais escolheria um nome como esse, mas hoje eu não consigo pensar em outro, tal é a força do nome. Mas depois de dois, três meses, meu pai estava aposentado nessa época e eu continuava trabalhando com música, e eles fecharam as portas porque aquilo lá era uma brincadeira. E aí eu entrei, eu comprei a parte desse argentino, comprei a parte simbolicamente porque eu não tinha um centavo no bolso, fizemos um acordo de cavalheiros e ele assinou o papel, deu para mim. Eu não tinha dado nenhum real para ele, não era real na época, era outra moeda, nem me lembro o que era. Mas nós combinamos uma dívida em dólar em um período em que o dólar tinha aquelas maxis em que ia parar nas alturas. E eu fui pagando para o Carlinhos, teve até um momento que teve uma superdesvalorização e eu falei com ele: “Não dá, vamos renegociar”. Sempre foi uma coisa de acordo de cavalheiros. Isso sempre foi respeitado e eu paguei tudo para ele. Só que o bar não tinha nada, não era um bar, era um pedacinho de coisa lá. Ele foi aberto em 6 de agosto de 1987, depois de uns dois ou três meses ele fecharam, e nós o reabrimos em seis de dezembro. Seis não, acho que foi 12 de dezembro. Um dia antes de eu abrir caiu uma prateleira da parede com um monte de garrafa de vinho, quebrou porque aquela casa era uma casa com aqueles tijolões antigos feitos com barro. É uma casa que se o lobo mau soprar mais forte ali cai, porque não tem nenhuma estrutura, não tem amarração, não tem nada. É uma casa de 1894, algo em São Paulo raro. Eu já achei bacana aquilo lá. Bom, eu entrei e aí você vai aprendendo a fazer, e como eu falei para você no início dessa entrevista, alguns livros de marketing me ajudaram: são dois americanos que escreveram aqueles livros Marketing de Guerra I e II e Teoria do Posicionamento. Porque você tem que estreitar o foco. A intenção para mim é uma coisa que eu aprendi a lidar com ela de uma maneira mais eficiente durante anos também que eu pratiquei, que eu fiz parte de um grupo de sufismo aqui no Brasil, que existe ainda. A gente ia a encontros aí pelo mundo afora. Mas uma das coisas que eu aprendi lá dentro é você focalizar a sua intenção. Quando você focaliza a intenção você já tem praticamente boa parte daquilo que você quer perto, você começa a trazer aquilo que está focado para perto. Estreitar o foco num negócio é absolutamente fundamental porque você tem que saber para quem você quer falar. Falar tudo para todos é falar nada para ninguém. Então, para quem eu quero falar? É uma boa pergunta. Aí eu comecei a me imaginar com o cara que eu gostaria de ter lá dentro do bar, o tipo de perfil de gente que eu gostaria de ver lá dentro. Aí eu comecei a fazer uma autoanálise. Assim, uma autoanálise desapegada das minhas reações, expectativas, frustrações e tudo o mais em relação aos lugares que eu frequentava, que eu gostaria de frequentar e o que eu gostaria de ver, enfim: focar nisso e a direcionar o bar para um tipo de cliente que fosse parecido comigo, que tivesse um perfil. Porque em muitos aspectos me considero um chato como cliente, um cara exigente, porque eu gosto de frequentar o boteco do Zé Mané da esquina, o simples, e gosto de frequentar um restaurante estrelado, bacana. E conhecendo o bastidor do negócio eu fico mais chato ainda, porque quando você pretende ser algo, você tem que ser. Vender uma coisa e oferecer outra, esse complexo vira-lata que o Nelson Rodrigues sempre se referiu do brasileiro, a gente, Europa, Estados Unidos, eu não tenho mais isso. Há muito tempo que eu larguei, está pago, não está, não pago e ponto final. E vou reclamar e vou... Eu sempre me coloquei dessa maneira e quero que o meu cliente tenha a mesma conduta. Aí eu fui direcionando o bar por aí. Agora, uma das coisas que... O bar tem uma espécie de tripé que existe em função da coxinha, do frango grelhado e das cervejas que a gente faz lá. Esses americanos nesses livros deles falam em ______ marketing, ______ marketing, uma série de coisas, mas eles têm um conceito lá que eu acho fantástico que é: todo conceito tem na sua força uma fraqueza inerente. Quando o meu irmão abriu o bar eles compravam salgadinhos, compravam coxinhas, não sei o quê de uma empresa e aquilo lá não funcionava muito bem. Bom, eu resolvi a questão, aqui não vou ficar falando disso exaustivamente, mas é fazer uma coxinha frita na hora. Essa pergunta se é fresca ou se não é, nunca houve na cabeça do nosso cliente. Isso fez com que essa coxinha fosse ganhando fama. Mas era uma coxinha grande. Aí tinha outro probleminha que eu rapidamente percebi que era a culpa, principalmente com o público feminino: coxinha, massa, fritura, não sei o quê lá. E tinha um problema técnico que era às vezes o óleo estava muito quente e ela ficava fria no meio. Então, eu fiz uma coxinha aperitivo, que resolveu a culpa porque é pequena, vou comer só uma, come só uma dúzia, porque ninguém come só uma, come muito mais do que uma (risos). Isso é engraçado, mas é uma coisa mental. E aí a técnica porque por ela ser menor ela sempre fica quentinha, sequinha com uma casquinha e fica quentinha. O frango que é frango grelhado, que é um franguinho superbacana com tempero legal, marinado e não sei o quê, que realmente é um hit. E a história com as cervejas, quando o bar foi aberto em 1987 havia falta de cerveja principalmente na época de calor porque tinha Brahma, Antártica e desde sempre a gente tinha um camarada, que era o Wilson lá de Santa Catarina, que nos trazia cervejas brasileiras de muitos cantos aí. Desde o começo a gente tinha Bohemia, tinha Pérola, tinha Bock, tinha isso e aquilo. Não tinha Brahma nem Antártica, mas tinha as outras. Isso foi se tornando um atrativo. E nesse período o meu irmão trabalhava com cinema publicitário, trabalhava muito em produtora, fazia montagem, assistência de direção; e viajava muito para os Estados Unidos, principalmente para Los Angeles, que ele ia editar filmes lá. E ele começou a me trazer uma série de garrafas, latas de cervejas de lá e a gente começou uma coleção, que tem até hoje lá no bar, um monte de latas e garrafas que desde o início, junto com as outras cervejas brasileiras. Bom, isso foi se tornando um atrativo em si e os clientes pediam para tomar a cerveja lá. E não tinha nem mesa nem cadeira, aí sentava em caixa de cerveja. Aí você fala: “Putz, vou ter que comprar uma mesinha ou outra”. Compramos as três primeiras mesas de lata, dessas de lata bordô. Meu pai tem até hoje, ele guarda com carinho na casa dele uma delas com quatro cadeiras. Ele nunca se desfez daquelas lá. Ele é uma figuraça porque é super falante, super comunicativo, todo mundo adora e adora puxar um papo. Quando ele não puxa alguém vem puxar um papo com ele. Ao contrário de mim, eu sou mais quieto, mais na minha, às vezes fico com cara meio de carrancudo, cara fechada, porque é um jeito também de autoproteção às vezes. Porque tem muita loucura das pessoas que vêm para cima, então, eu fico um pouco na minha. Ele não, ele é totalmente aberto. E ele tem essa coisa de coração, ele se liga, então, até hoje ele tem essa mesa. Eu acho legal para caramba, ele tem lá na casa dele. Às vezes ele pega lá, a gente senta, ele começa a falar naquele tempo, começa a relembrar o início do bar. Aí você faz uma coisinha que... Não tinha nem panela, foi uma coisa louca. Puxa daqui, puxa dali, constrói isso e faz aquilo. A parte lá da choperia era um quintal, não tinha nada lá. A gente plantava hortelã, tinha tomate cereja no quintal que eu pegava lá. Tinha um monte de coisa que a gente pegava lá do quintal. Em 1994, eu passei por uma experiência na minha vida e ali eu decidi mudar. Naquela época, o FrangÓ já estava assim, já tinha demonstrado claramente e por diversas vezes sua vocação de bar e não de rotisserie. E nesse ano eu resolvi assumir a vocação de bar: “É pra ser bar, então, vai ser bar”. Mudei o horário, mudei uma série de coisas e aí pumba. Ele já era bar muito conhecido... Já era, quero dizer, não era um bar porque a gente fechava... Era e não era, mas fechava às oito horas da noite, não tinha horário de bar, ainda focava muito na rotina. E muitas das coisas que fazia era uma torta. Outro dia mesmo teve uma cliente que escreveu um monte de coisa falando de uma torta de morango que ela ia comer quando era criança, e que ela tem grandes memórias da torta com a avó, e porque é que a gente tirou a torta? A gente tem que voltar a fazer a torta, tirar os copos lá do balcão onde tinha a torta, e colocar a torta lá. Uma coisa louca. Já é uma moça tudo e falando da torta que ela ia comer com a avó quando ela era criança. Isso era da época da rotisserie, essa torta de morango. Tinha um bolo lá de marshmallow que a gente fazia que fazia muito sucesso também. Enfim, eu tirei tudo isso com o passar do tempo, por quê? Porque foi focando no bar. E a história com a cerveja: desde que o mercado abriu nós aprofundamos esse trabalho com a cerveja. Foi daí também que eu comecei a viajar mais atrás disso porque não se tinha informação nenhuma aqui, não se tinha nada. Agora, tem uma coisa engraçada que antes da cerveja, quando o mercado ainda era fechado, teve uma época em que eu fazia degustações lá no FrangÓ. Se eu falar para você que eu fiz várias degustações de vinho. Era uma sala fechada, um lugar em que eu tinha me inspirado num bar que eu tinha conhecido lá em Amsterdã, na Holanda. Eu fazia degustações de vinhos com arandelas, a gente tinha arandelas na parede com velas, a luz de velas, com canto gregoriano de fundo musical e alguns castiçais na mesa, e era uma mesa só de madeira. Isso era uma coisa genial porque eram clientes comuns. Eu punha lá um aviso: “Dia tal vai ter uma degustação de vinho”. Por que vinho? Porque eu sempre gostei de vinho. Do bar também, começou com o bar, aí com os amigos, o custo aqui, garrafa dali. Vinho, cerveja e saquê depois de alguns anos. Umas três paixões etílicas, todas fermentadas. Aí a gente faz essas degustações de vinhos e eram grupos variados, então, era uma coisa louca, cada grupo tinha uma história diferente. Porque depois do terceiro, quarto copo o vinho era o que menos importava, mas a energia que aquilo rolava... teve degustação de cara levantar e começar a recitar poema do Omar Khayyám, o outro levantar e falar: “Eu sou banqueiro”. Como ele falava? Esse cara chamava Magalhães. Era um sujeito grande, ele levantou da mesa para todo mundo e falou: “Porque eu sou contraventor”. Vocês imaginam isso, o sujeito levantar e falar “Porque eu sou contraventor”. Eu nunca vou me esquecer da cena. Todo mundo caiu na gargalhada, porque ele era banqueiro do bicho, do jogo do bicho, que tinha ali do lado, uma figura. Esse tipo de coisa era impagável, eu não ganhava dinheiro com isso, era uma coisa mais institucional, mas aquilo gerava uma onda que me trazia muitos clientes e era fantástico participar daquilo lá. Eu que direcionava. A minha ideia ali era romper com paradigmas do tipo: você tem que achar que tal coisa é melhor porque custa mais, é mais caro, porque todo mundo diz que é melhor. Você tem que achar que é melhor aquilo que você gosta mais e acabou. Lá na carta de cerveja do FrangÓ que tem lá 400 votos, eu botei uma frase que é a seguinte: “Lembre-se, a melhor cerveja é aquela que você mais gosta”. Você pode ouvir um monte de história da carochinha, disso e daquilo. O que você gosta de beber é isso? Então, beba isso. Acabou. Você quer experimentar outras coisas? Ótimo. Recomendamos isso por tais e tais razões. É algo, você quer experimentar, excelente. Eu gosto de beber tal coisa, você tem que se sentir bem com aquilo. Agora, eu estava falando disso por causa da rotisserie, cerveja, eu voltei a falar do vinho lá. Qual que era mesmo? (Risos) Divaguei agora. Coxinha... Era do tripé. Estava falando da tríade: da coxinha, do frango e das cervejas. Bom, o resto é história porque a partir do momento que a gente foi ampliando daqui, dali... Lembrei o link, em 1994 que eu falei, quando eu resolvi assumir a vocação de bar para valer mesmo. Até 91 éramos eu e meu pai só lá, porque o meu irmão saiu logo no começo. Eu fiquei praticamente quatro anos sem saber o que era um fim de semana. Isso é uma coisa que muito _________ o bar cheio hoje, pensa que aquilo lá é... Você ter o seu próprio negócio é lindo e maravilhoso, mas você vai trabalhar muito mais de que você trabalharia em qualquer lugar que você tinha um horário de entrada e de saída. Tudo bem, tem as suas vantagens, tem. Aqui é uma coisa que vale a pena registrar já que é sobre a minha trajetória que é a seguinte, depois que eu saí do exército, voltando um pouco, dando um rewind aí, eu fui trabalhar num escritório. Eu comecei a trabalhar desde 15 anos, desde moleque. Trabalhei em empresa, em seção de compras e não sei mais o quê lá. Aí saí do exército e fui trabalhar num banco, no falecido Banco Nacional, aquele que quebrou lá. A minha carreira de bancário durou dois meses e meio. Eu odiava aquele trabalho, absolutamente burocrático e imbecil. Porque era um trabalho imbecil. Fui trabalhar porque eu estava precisando trabalhar. E aí teve lá uma troca lá de cargos, o gerente ia para outro cargo, e o sub ia virar gerente e tinha uma menina que queria ocupar o cargo do sub. Subgerente é uma coisa. E tinha um pernambucano lá que por direito deveria ser o sujeito a ocupar o cargo do sub que ia virar gerente. E essa menina ficava lá puxando lá o saco desse cara pra... E a gente fazia o mesmo serviço eu e ela. Eu fazia o meu serviço, sei lá, em duas horas e ela demorava o dia inteiro para fazer. E neste resto do tempo às vezes eu saía com esse pernambucano também que já tinha acabado, e a gente ia tomar uma cerveja no bar ali do lado, porque não tinha o que fazer. E era muito ruim para mim. E nessa época teve um dos primeiros festivais de jazz, aquele jazz de Montreux que vinha para São Paulo, lá no ginásio do Ibirapuera. Eu me lembro que eu fui assistir o Philip Catrin e acho que foi a Maravish Orchestra também. Pô, eram dois shows imperdíveis, um na sexta-feira e outro na segunda-feira. Eu dei cano na sexta e na segunda, já emendei o fim de semana e a segunda lá no banco. Fui, cheguei na terça disposto a falar "olha, tchau" e aí o sub veio, antes de eu falar ele já deu a carta, já falou que eu estava demitido. Eu levantei a mão para o céu porque ainda recebi um pouquinho de dinheiro a mais e ali eu me fiz uma promessa de que eu nunca mais ia trabalhar num escritório. Eu me prometi ali. Falei: “Eu nunca mais piso num escritório”. E nunca mais entrei. Tudo bem, tem o escritório do bar, é outra coisa, eu vou a hora que eu quero, posso ficar 24 horas lá e posso ficar uma semana sem aparecer. É outra história. Aí fui fazer pesquisa no IBGE, recenseamento, trabalhava na rua. Fazia meu horário e acabou, porque aquilo lá me pirava a cabeça assim completamente, aquele ambiente de escritório. Então, o bar também teve um lado legal nisso, tirou-me, eu cumpri essa promessa. Perdi o link de novo.
P/1 – Não tem problema. Tenho uma pergunta. Eu queria saber da receita. Quem é que faz a coxinha, o frango, como é que foi surgindo?
R – O frango foi uma receita que um camarada lá que... Na verdade eu nem sei direito de onde veio essa receita, para te ser honesto, porque foi um sujeito lá que... meu pai é que sabe melhor, ele acho que é um cara que chegou a ir trabalhar um pouco lá no bar, ele tinha uma receita de uns temperos e eles colocaram algumas coisas a mais. Essa receita acho que tem dez ou onze temperos. É uma marinada, e o frango fica lá um dia pelo menos nessa marinada de tempero. Porque o frango é um bicho que, principalmente o peito, é uma carne que se você não puser um pouco de tempero ele fica meio sem graça, na minha opinião. E jogar só sal grosso não rola, é diferente de uma carne de boi que você coloca ali o sal e aquilo fica fantástico. Mas se eu não me engano foi um italiano que chegou a trabalhar um pouco lá, isso eu não tenho certeza não sei te dizer, mas isso foi coisa do meu pai. A coxinha foi uma receita que a minha mãe tinha e o que nós fizemos lá foi dar uma melhorada nela e uma adaptada a algumas questões como aquelas que eu falei da fritura, do tamanho e tudo mais. O catupiry, quando eu estava colocando catupiry, no começo a gente misturava o catupiry. Hoje, tem bares que fazem isso, mas as pessoas quando eu punha coxinha de frango com catupiry: “Ah, cadê o catupiry?”. Aí testa daqui, testa dali, bom, nós achamos, encontramos a receita ideal depois de alguns testes e o tamanho também. Mas fundamentalmente foi uma receita que a minha mãe tinha e a gente deu, digamos assim, um upgrade ali no bar, com a receita dela. Mas foi legal.
TROCA DE FITA
R – Qual é a pergunta mesmo?
P/1 – Eu perguntei da casa.
R – Ah, da casa. Então, eu acho aquele imóvel fantástico, porque como falei há pouco, é um imóvel de 1894. Todas aquelas casas da praça e da matriz velha também, que é aquele largo menor anexo à Matriz, são imóveis muito antigos. Aqueles do lado do FrangÓ todos ali têm mais de cem anos. Falar em cem anos em São Paulo acho que é uma coisa digna de nota porque aqui tudo é muito efêmero, as coisas vêm e vão, a gente nem percebe. E eu sempre cuidei daquela casa porque uma das coisas que eu acho que são a cara do FrangÓ é exatamente aquele imóvel. Aquele imóvel é um imóvel antigo e tal. Aquelas janelas elas tinham... Depois de alguns anos eu criei coragem e eu resolvi ver o que é que tinha atrás daquelas dez camadas de tinta, veja bem, dez camadas de tinta. Aquelas portas, janelas foram imersas quase que em uma solução de ácido puro para a gente conseguir tirar aquilo lá. Eu descobri pinho de riga lá nas guarnições. Pinho de riga é uma madeira supernobre, uma madeira belíssima com aroma fantástico, falei como é que... Aí tirei tudo, a gente manteve na madeira. É uma coisa linda. O assoalho original. Agora, qual o problema? O problema na verdade não é só daquele imóvel nem do largo, o problema é de São Paulo. Cupim. Um dos QGs seguramente do exército de cupins que habita a cidade de São Paulo, é aquele largo lá. Já vi árvores sendo derrubadas ali na praça por causa de cupim. Ao longo desses 24 anos de existência do bar, muitas vezes eu tive que trocar madeiramento lá por conta do cupim. Eu nunca vi um bixinho aparentemente tão insignificante, tão destruidor, tão devastador. E ele come cimento também, é o tipo de cupim que come o cimento, é um negócio que parece absurdo, mas não é. Você vê ele está comendo o cimento, é uma coisa louca, não sei como pode ter estômago para isso. E é um bixinho que você olha e fala como é que faz um estrago desse? Então, sempre foi um problema. Agora, a gente sempre cuidou. Apesar de que para trabalhar, quanto espaço físico, é o pior possível que tenho ali é aquele imóvel. Circulação, tudo é ruim para trabalhar. Salas pequenas, a cerveja está num lugar, a cozinha está noutro, o bar está não sei o quê, o caixa está aqui, sobe e desce escada: é terrível sob esse aspecto. Seria muito mais simples um salão só, com um projeto tudo bem feitinho, com uma circulação, com fluxo e tudo mais, mas não. Aquilo já nasceu assim. E o que não tem solução, solucionado está, não é verdade? Não adianta reclamar disso, o que eu fui fazendo ao longo desses anos todos foi melhorando o que era possível melhorar em função de uma mudança, ou de um aumento de demanda de público e tudo mais. Mas a casa sempre foi um charme à parte, e com todas as imperfeições, com a aquela cara meio de cortiço italiano que tem um pouco, que é coisa da periferia. Eu gosto de conservar um pouco esse lado meio trash, esse lado meio junk. Porque é isso. Não dá para mascarar porque é isso mesmo. Agora, você pode cuidar, não significa deixar desleixado, mas eu quero dizer, não tem que maquiar, não tem que utilizar recurso cenográfico para se fazer aquilo. Uma vez a gente foi lá, teve uma diretora que foi fazer um filme publicitário lá, que na época eu lembro que eu topei fazer, tudo bem, porque ela queria usar o espaço do bar. E aí chegou lá, mas ela mudou tudo. Eu falei: “Mas escuta, você mudou tudo isso aqui para quê? Você poderia ter feito isso no estúdio, não iria gastar com isso aqui”. Se a ideia era usar a cenografia natural do bar... Foi exatamente aquilo que eu acho que não se deve fazer, usar de recursos para tapear aquilo. O barato é esse, o charme é esse. Tem gente que odeia porque é coisa velha, cheia de cacareco na parede e tudo mais. A maioria gosta. A gente tem uns grandes arquitetos que frequentam o bar lá, alguns arquitetos famosos que vão e curtem essa coisa do antigo, mas não é do antigo, é do velho no sentido de ultrapassado. Porque o imóvel, eu gosto disso, eu adoro arquitetura, minha filha mais nova estuda arquitetura, está se formando agora também. A gente às vezes faz algumas viagens para ver alguns projetos, algumas coisas. Aquilo para mim já foi um atrativo à parte. Aliás, era uma das coisas quando eu falei que eu me usava ou me usei e continuo me usando como termômetro para direcionar o foco do bar, uma das coisas que me agrada exatamente é a programação visual. E programação visual para mim significa identidade visual, não é uma coisa arrumadinha necessariamente, porque você pode ter algo cuidadosamente desarrumado e não ter cara de nada. Quer dizer, aquilo não tem vida, aquilo não é verdadeiro. E você pode ter um projeto absolutamente limpo, clean e ter vida, cheio de vida, ser harmônico. Não significa nem uma coisa nem outra, é algo que é verdadeiro, além da funcionalidade, da circulação e tudo mais. Iluminação e tudo mais que envolve um bom projeto de arquitetura. Mas aquilo lá já estava feito e aquele tipo de casa, eu repito mais uma vez, numa cidade como São Paulo é algo raro. Então, aquilo foi um achado para mim, apesar de todas as dificuldades que a gente tem para trabalhar lá dentro, internamente aquilo lá é bárbaro. E todas as reformas que nós fizemos, nós sempre procuramos manter mais próximo do original, sem alterar nenhuma característica fundamental da casa. E a pessoas gostam muito disso.
P/1 – E falando ainda da estrutura do bar, o que ele precisa ter para acondicionar os alimentos, a cerveja? Qual é o cuidado na hora da compra, quando isso é feito?
R – A gente tem câmaras lá, resfriados e congelados. Tem uma câmara só para cerveja, tem outra para os alimentos e tem outra para os congelado. Você precisa basicamente de método. Hoje, a gente atende lá umas 15000 pessoas por mês lá no bar. É gente para burro, um bar relativamente pequeno e se você não tiver método... trabalhamos com 400 cervejas, você tem que ter a cerveja gelada, a cerveja tem o problema de que ela vence. Então, você tem que ter método Aí o que foi acontecendo? Eu nunca estudei administração, como eu falei, então, eu fui aprendendo, fazendo. Você tem que ir atrás da informação, tem que se reciclar obrigatoriamente, isso é uma coisa legal. Muitas das coisas que eu fiz, nos momentos em que eu fiz, eu estava sei lá, alguns poucos passos à frente daquilo que eu estava fazendo. E sempre é algo que me provocou interesse mesmo, e de alguma maneira me agregou alguma experiência enriquecedora. Por mais pentelho que fosse a função, porque tem um lado de cuidar de administração que é um negócio terrível, tem um monte de problemas, de chatice, de encheção de saco. É de toda ordem que você fala: “Eu não tenho nada a ver com isso, sabe? Não tenho nada, não quero isso, não preciso disso”. Teve uma vez no final do ano eu tive vontade de pegar um cliente e falar: “Olha”, dar a chave “Toma. O bar é seu. Você acabou de ganhar um bar”. Sabe o que aconteceu? Era dezembro. Novembro, dezembro é uma loucura, principalmente dezembro com aquelas coisas de confraternização de grupo, de amigo secreto, de não sei o quê. Você tem que se preparar psicologicamente para esse período porque é bom para um lado porque vai muita gente, mas por outro é muita agitação, é muito barulho, muita loucura . O bar estava lotado, tinha gente vazando pelo ladrão e aí acabou a luz. Acho que estava chovendo e acabou a energia. E a iluminação de emergência deu pau, sei que ficou no escuro... Eu falei: “Não, não é possível. Eu mereço”. E aquela gritaria, tudo mundo gritando cerveja, cerveja, não sei o quê lá. Aí voltou a luz, apagou, voltou, apagou, voltou. Eu juro para vocês, se tivesse apagado mesmo eu ia pegar o primeiro cristão que eu encontrasse e falar: “Olha, toma. É seu. Fui. Cuida aí. Está vendo essa galera toda aí? Resolve tudo. Tchau”. E teve uma outra vez numa sexta-feira no almoço também que essa sim, eu acho que nunca passei tanta vergonha na minha vida, esse tipo de história. Aquele dia o bar estava cheio também no almoço e as pessoas têm o time para almoçar, querem ir embora. Não sei o porquê todo mundo resolveu comer filé a parmegiana. Aquela sexta-feira. Lei de Murphy. Hoje, é dia do filé a parmegiana. E a cozinha nadou. Quando a gente fala nadou é que dançou. Mas nadou de um jeito que nossa mãe do céu. Eu fui lá na cozinha falar com o cozinheiro, eu falei, acho que até não me lembro do nome do cozinheiro na época, eu falei: “Cara, e aí, né?” Ele fez para mim, como quem diz: “Danou-se”. Eu sei que fiquei lá embaixo no caixa pedindo desculpa para um, para outro. Sendo xingado, não cobrando conta, foi um negócio terrível. Eu tive vontade de enfiar a cabeça feito avestruz na terra e não sair mais de lá. Mas sobrevivi. A gente sobrevive a esse tipo de coisa, por isso às vezes eu vejo acontecendo em um bar, em um restaurante, quando é algo que apesar dos esforços do staff, da brigada e tudo o mais, acaba acontecendo por um monte de circunstância, você fala: “Puxa, não tem o que fazer” porque conhece o bastidor do negócio. Enfim, conforme foi aumentando a demanda a gente foi mudando coisas e eu fui fazendo baseado na minha experiência. E também quando eu não sabia, por exemplo, quando resolvi informatizar o bar, porque no começo não tinha software, não tinha nada disso, era caixinha ali, uma caixa registradora e olha lá. Eu até então nunca tinha mexido em um computador. Aí eu fui ao Sebrae, fiz lá uma consultoria, eu falei: “Preciso, eu quero informatizar, nunca mexi num computador. O que vocês me recomendam?”. Aí me recomendaram uma empresa que é a que eu trabalho até hoje, fui numa feira. Como já fiz outras consultorias de cozinha, agora estou trabalhando com outra aí que é de recursos humanos. Isso você pode deixar bem registrado. Administrar qualquer coisa é fácil, agora administrar gente é coisa mais complicada que existe. Isso é um negócio que exige muita paciência porque a comunicação é um problema, você fala A e a pessoa entende B. E aí sabe a história da sopa ou da fofoca? O diálogo entre duas pessoas sobre um terceiro ausente? A história é outra história e quando você se vê, você lá está apagando incêndio entre funcionários porque um disse isso, o outro falou aquilo, o outro não sei o quê e um monte de coisa absolutamente idiota. Tudo por quê? Relacionamentos, comunicação, jeito de falar, por exemplo, porque a pessoa está numa posição que ela pode sentir isso e aquilo, ela pode ler de um jeito que não tem nada a ver com aquilo que você falou. E não só de você, mas entre eles mesmos. Então, a cozinha com o salão, por exemplo, classicamente qualquer bar e restaurante tem problema com isso. Por quê? Porque é salão, cozinha, cozinha, salão, por causa de gorjeta, por causa de... Para conseguir que se mantenha respeito e distância segura, eu não invado sua praia, ninguém invade a nossa praia, ótimo. E aí uma coisa que eu sempre tentei fazer, que é a seguinte: inverter a pirâmide, quer dizer, você está aqui você tem que fazer isto aqui e mudar da seguinte maneira. O que eu posso fazer para te ajudar, para ajudar você trabalhar de uma maneira mais eficiente e melhor e assim por diante, de baixo para cima. Você inverte essa pirâmide. Não é chegar lá de cima e ir falando: “Olha, tem que fazer isso, fazer aquilo”. Sabe a cadeia tradicional. Não. Inverter e falar: “Escuta, vamos...”. Por quem está na base no final das contas é o mais importante porque é uma família, eu sempre falei isso para todos os funcionários. A gente aqui é uma família e se alguns elementos não estiverem funcionando bem... E relacionamento, por experiência, já tive problemas, todo mundo tem. É a pior coisa que pode acontecer é picuinha daqui, picuinha dali, porque isso tem um efeito contaminador. Quando você vê a coisa está fora de controle e você não sabe mais o porquê. Ou seja, o que é que gerou aquela discórdia toda. Quando eu percebo alguma coisa dessa natureza eu vou direto ali para tentar resolver, porque administrar problema a gente administra todo tipo de problema, mas administrar as pessoas é complicado. Em relação ao cliente, o cliente vai ao bar ou restaurante para se divertir. Ninguém vai ao bar para brigar, para discutir, para coisa nenhuma. Eventualmente acaba acontecendo, um casal de namorados tomam umas a mais, aí você vê estão discutindo, ou cara fala que não quer mais namorar, ou vice-versa, ou sei lá o quê. Tem histórias. Outro aparece lá, vai com a amante aí o sujeito vai lá pegar a mulher armado, fala para você fica quieto não fala nada. Tem todo tipo de... Liga lá, ele fala: “Se ligar para mim fala que eu não estou”. Sabe? Ou você está lá no bar e o sujeito vem e começa a contar todas as histórias da vida dele como se você fosse seu terapeuta. Mas acontecem coisas incríveis: você conhece pessoas, você participa de histórias das vidas das pessoas que são geniais, que quando você vê do mesmo jeito que acontece separações, acontecem casamentos, acontecem noivados. Um monte de... Aí você arruma amigos, tem um lado que é genial. Pessoas, que é a razão de ser acho que deste museu aqui. Você conhece a história dessas pessoas. E às vezes você vê o sujeito lá tomando uma, você passa meses lá, cumprimenta, um dia você descobre que o Fulano isso e aquilo. É a história de vida dele que é uma história que de alguma maneira já até cruzou com a sua em algum momento. Isso é legal, eu acredito em sincronicidade. Tem uma coisa divertida também, que sempre que eu viajo, eu posso estar aonde for eu acabo encontrando com algum cliente do FrangÓ numa situação mais absurda possível. A última que eu encontrei foi recentemente, eu encontrei da maneira mais... Fui almoçar num lugar qualquer em Moscou. Sentei de dia, durante a semana, o lugar estava tranquilo e tinha duas pessoas na mesa ao lado. Era uma senhora com a filha. Ai eu descubro que eram clientaças do bar. Sabe aquela coisa mais improvável? Acontece isso com frequência. Aí comecei a contar história disso e daquilo e não sei o quê. É legal isso, acho que é o que me mantém lá. Você ter esse contato é bacana, é muito legal.
P/1 – Você estava contando de como foi o processo da informatização e do curso, como foi todo esse período da informatização?
R – Da informatização. Eu cheguei e falei: “Eu nunca cheguei perto do um computador”. Aí fiz, ele me recomendou, comprei as máquinas, instalamos os softwares e tudo o mais e aí começamos a trabalhar. Mas você imagina uma pessoa de idade. Agora, por exemplo, os meus pais, eu dei recentemente para eles um laptop de presente. A minha mãe vai mexer no mouse, a dificuldade até com o mouse fazer aquela seta parar no lugar. Na época digamos era algo similar, mas era mais jovem, a resistência é menor, a dificuldade é menor. E aí eu comecei, você vai, começa, tem que aprender. O sistema na verdade é fácil trabalhar porque não tem nada complicado, mas não era o que é hoje em dia. O Windows era um negócio muito mais prosaico. E não tinha aqueles avisos que a gente hoje tem, esses mecanismos de auto proteção das máquinas, do hardware, do software. Quando você está fazendo uma imensa bobagem ele te pergunta dez vezes: “Você tem certeza de que você quer fazer isso?”. Toda vez que aparece uma pergunta dessa você fica com a pulga atrás da orelha, não fica? Eu pelo menos fico. Falo: “Puta, eu posso estar fazendo uma grande besteira aqui que eu vou me arrepender depois”. E na época eu fiz uma grande besteira, eu me lembro dessa situação: eu estava ligando e o sistema deu pau, parou. E eu comprei máquinas da Compact, eu comprei tudo top, eu não vou comprar máquina... Eu sempre usei tudo bonitinho. Eu tive um cliente que fabricava também componente, não sei o quê, ele que me recomendou essas máquinas. Eram aqueles monoblocos que ocupavam menos espaço. Aí eu liguei para o pessoal falei: "escuta, cara, o negócio não está funcionando". Ele falou: “Digita tal e tal coisa”, que era DOS na época o sistema, não era Windows ainda o que a gente usava. Eu digitei config.sys. “O que é que tem aí?”. Eu falei: “Nada”. “Não, você tem certeza?” “Digita co, config. O que tem?” “Nada”. “Vai lá, autoexec. O que é que tem?”. Eu falei: “Nada”. “Não. Digita de novo. Como não tem nada?” Eu falei: “Não tem nada”. Resumindo a história, eu fui entender depois que eu tinha simplesmente deletado o coração do sistema. Alguma coisa que eu fiz lá nessa de apertar tecla daqui, dali, deletei tudo (risos). Eu deletei, eu falo que fui eu, eu que cuidava, digitava, não sei como, não tenho a mais remota ideia. Eu fiquei quase duas horas por telefone digitando todos os arquivos desses dois, do autoexec e do config. Então, tenho que aprender, você vai aprendendo alguma coisa, mas eu nunca fiz nenhuma aula, não tenho saco para isso. Porque na verdade hoje em dia a indústria da informática é meio sacana com a gente porque as empresas de hardware lançam uma puta máquina cada vez num tempo mais curto que é top. Aí você tem um software, esse software eles lançam uma versão nova que é para essa máquina. Então, esse novo já não lê na máquina anterior. E assim, hardware, software, hardware, software, aí você fica naquela loucura de ter que comprar o aparelho, sendo que você não vai precisar. E se você tem o bom senso de saber: “Eu preciso de uma máquina com essa configuração, isto vai me durar alguns anos”. Ótimo. Acabou. Você não vai jogar dinheiro fora porque é o que você acaba fazendo quando você compra uma Ferrari para usar no centro da cidade de São Paulo. Não dá. Tem um lado que é depois você treinar o pessoal. Essa é outra dificuldade que é o seguinte, eu acho que um problema... Toda vez eu acabo caindo numa mesma coisa quando eu penso a respeito com relação aos funcionários, as pessoas e tudo o mais, que é a educação. A falta de educação que é um problema para mim dos mais graves que o Brasil tem. Enquanto não se melhorar isso, o nível de educação das pessoas, para sair do alfabetismo, do analfabetismo para uma situação melhor, a gente vai viver um monte de problemas que não vão ter solução, porque não dá, simplesmente não funciona. E o Brasil hoje aí nesse momento de crescimento econômico, desenvolvimento e tudo o mais você carece de mão de obra especializada. Aí você vai procurar e você acaba sempre, no meu caso sempre na mesma situação. É educação, falta de educação. Aí você tem que resolver esse buraco, se você não tomar uma atitude quando você se dá conta você está lá resolvendo um tipo de coisa como essa. Mandando o sujeito ir lá aprender a ler e a escrever, dando algum tipo de treinamento, algum tipo de condição para que ele melhore porque senão simplesmente você não contrata ninguém. Muita gente não vai ter oportunidade nenhuma e eu tenho um lado que às vezes dói. Eu tenho uma funcionária que eu dei uma oportunidade recentemente, uma moça que trabalhava na faxina para ir para o caixa. É uma senhora de bastante idade, ela saiu da faxina direto para o computador, um tremendo upgrade na vida dela. Mas está apanhando ainda, a gente está dando uma mão, porque se fosse só pela eficiência, pela minha necessidade eu teria dito tchau. Coloca outra no lugar. Aí eu peguei outra figura e falei para ela: “Você me arruma outra pessoa para ficar no seu lugar na faxina”. Ela me trouxe uma mulher e eu estava implantando uma série de modificações com produtos de limpeza, trabalhando com a Ecolab e me puseram umas máquinas com dosador, uma coisa bem profissional. Aí eu descubro que a mulher não sabe ler. Como é que vai diferenciar a cândida de não sei o quê, do detergente. Falei: “Olha, dona Ana, assim não dá”. Aí a mulher ficou, olha para mim e começa a chorar, tem seis filhos e vêm todas aquelas histórias que a gente sabe. Está bom. Mas por favor, eu pago para você um curso, vai, começa, para. É uma loucura. Esse lado você vê que a gente ainda tem muitos problemas para se resolver. Mas você tem que fazer um pouco porque... Mas isso suga muito. Cansa demais animicamente, tem hora que eu tenho vontade de falar: “Fui. Tchau”. Já dei a minha cota de contribuição. Agora eu vou fazer outra coisa, plantar batata lá na montanha, sei lá (risos).
P/1 – Falando do bar, do espaço, qual é o lugar ou o cantinho que você gosta mais de lá e por quê? Como ele é?
R – O bar tem duas áreas bastante distintas. Uma é aquela que é mais antiga, que é aquele imóvel lá de cima; e a parte de baixo que a gente chama de choperia que foi construída, ou que foi inaugurada em 1995. Na parte de cima quando a gente entra no bar, logo a direita tem três mesinhas, um balcão e tal. Aquelas três mesinhas são o cerne do bar. A santíssima trindade, digamos assim, do FrangÓ são aquelas três mesas ali. Muitas das pessoas, tem muito cliente que só gosta de sentar lá inclusive. Tem sujeito que fica esperando até aparecer uma mesinha ali. E daquelas três mesas ainda tem uma para mim que é a minha predileta. Mas qualquer uma delas, tem uma delas entrando vem uma, duas a terceira que a gente chama de mesa um que está do lado do balcão onde tem o chopp. A mesa número um ali pra mim é... Não é porque é a número um, isso é só coincidência porque a gente foi mapeando de lá. Essas três mesas, hoje elas não são mais, mas elas são uma daquelas três mesas de lata que eu me referi a alguns momentos atrás, as três mesas bordô, as três primeiras mesas que nós compramos. E ali foi o começo do bar. Aquela parte do bar sempre existiu desde o início. Tinha uma configuração um pouco diferente, porque tinha um quartinho que era fechado, esse quartinho não existe mais, a gente abriu. Mas ali sempre foi do jeito que é. Ali é o coração do bar, a pulsação do bar, a alma do bar, o espírito, tudo é ali, está ali. Se tiver uma entidade que cuida daquele bar, essa entidade mora ali. E às vezes é meio apertado tudo, é mais quente ali, não tem ar condicionado, a churrasqueira não está muito longe, mas é ali. Sem dúvida nenhuma.
P/1 – Tem algum dos pratos ou pedidos, cervejas que você gosta mais, que o bar oferece?
R – O frango grelhado, a coxinha lógico, o frango grelhado desde que eu fui trabalhar no FrangÓ praticamente eu nunca mais comi frango em outro canto. Mesmo quando eu estou em um restaurante que tem um menu de degustação e me perguntam se eu tenho algum tipo de restrição eu digo que tenho. Qual é? Nada, absolutamente nada que tenha frango no meio. Não porque eu não acho que... Frango todo dia. Eu como frango toda semana porque eu gosto, aquele franguinho grelhado é um frango delicioso realmente, a coxinha também é muito boa, eu adoro aquela coxinha, eu como de vez em quando para olhar, para manter, para ver se está dentro do padrão. Agora, a gente tem outras coisas lá, tem muitas outras coisas que são legais. As pessoas vão comer sempre as mesmas coisas. Eu já tentei colocar outros pratos, como peixes, por exemplo, que combina muito com cerveja, mas não rola. Tambaqui também, salmão, salmão defumado. Salmão a gente até mantém um prato lá de sexta-feira. Tem um negocinho com pernil lá também que é muito legal, um pernil que a gente faz acebolado. Tem uma coisa que eu adoro lá, por incrível que pareça também vende muito bem, que é uma porção de torresmo. Sabe o que é que é? Hoje em dia a gente fala até um tempo, fala-se de vida saudável, em baixa caloria. E essa cozinha que aquece a alma, que aquece o coração, a cozinha mineira, por exemplo, esse tipo de discurso, coitada, ela fica relegada em último plano. O torresmo na época que eu coloquei a porção, porque a gente não vendia a porção, o torresmo acompanha a feijoada, a feijoada é muito boa lá também. Eu coloquei uma porção de torresmo, porque sempre me pediam a mais torresmo. Vamos colocar uma porção de torresmo. E na época eu coloquei uma brincadeira tipo 5982 calorias por porção. Já era para dar o recado: “Olha, isso aqui é calórico até a última”. Vai comer, saiba que você está comendo caloria até não poder mais. Isso acabou, uma vez uma jornalista acho foi do Estado, não sei, me ligou querendo fazer uma matéria sobre aquilo, achando que tinha consultado uma nutricionista. Falei: “Isso aqui é uma brincadeira. Não tenho a menor ideia de quanto tem, mas talvez tenha até mais calorias do que isso aqui, sei lá”. Isso é uma, sabe, sai com essa história, eu não sei, tem algumas pessoas que contam as calorias quando vão comer. Acho isso uma loucura. Eu jamais conseguiria viver dessa maneira e não tenho nada contra quem faz isso tudo mais, mas tem um lado disso que é perverso porque e o prazer? Para onde vai o prazer de se comer, o prazer de se comer sem culpa aquilo que você fazia na sua casa com sua avó. Quem não tem aí uma situação de família que se lembra de alguma coisa que a mãe, que a avó, que alguém fazia que era uma coisa deliciosa e que se você for olhar detalhadamente tem não sei quantas calorias, carboidratos, sei lá o quê. Não importa isso. Isso é uma coisa, é uma pentelhação sem fim. E alta gastronomia e baixa gastronomia, sabe? Baixa gastronomia. Pô, a baixa gastronomia é uma coisa fantástica. Por a gente lidar com isso o tempo todo, esse tipo de coisa que eu falo que aquece a alma, eu acho também que é legal de se manter. Por quê? Porque isso não pode se perder de jeito nenhum, essa loucura de se viver mais que as pessoas querem hoje em dia. Viver mais para que? Você tem que viver o que você tem que viver e acabou. Viver mais e ter uma qualidade de vida no final ruim só porque você quer viver mais? Eu não sei. Acho que você tem que fazer as coisas de maneira sensata e sem culpa, porque se você deixa de fazer e fica se culpando, ou fica se remoendo, fica sofrendo terrivelmente com aquilo isso talvez te faça muito pior do que se você tivesse efetivamente tendo a experiência. Porque fazer com culpa é ruim, não fazer com culpa acho que é pior ainda. Não sei, isso é uma impressão que eu tenho. E não é desculpa para você não fazer, não se cuidar, não fazer porra nenhuma, mas também não pode servir de desculpa para ficar imobilizado e sofrendo por algo que se deixou de fazer. Mas você tinha me perguntado das coisas que eu gosto. Eu gosto de tudo lá, vou te falar, eu sou suspeito para falar, mas eu gosto de tudo (risos). O frango eu adoro, mas eu gosto de tudo.
P/1 – E durante todos esses anos, mais de 20 anos no mesmo ponto, vocês provavelmente passaram por alguns momentos de crise, tiveram alguns momentos devido a inflação ou a momentos da cidade?
R – Altos e baixos significativos a gente nunca teve. Porque a partir do momento que o bar ficou, quando eu falei que ele assumiu a vocação de bar foi só num crescente. A gente chegou ao ápice e já ganhou muitos prêmios como o melhor boteco de São Paulo pela Veja, petisco e não sei o quê e isso e aquilo. Quando Washington Olivetto saiu daquela experiência terrível dele lá, ele falou em uma entrevista coletiva da coxinha do FrangÓ. Muita gente associou isso como o sucesso da coxinha por conta dessa entrevista e não tem nada a ver. Aquilo, lógico, repercutiu no Brasil inteiro e o Washington é um amigo querido nosso e tudo mais. Enfim, desde que a gente atingiu lá, a gente nunca teve momentos ruins. A economia patinou aqui e ali, você sente um pouco aqui e lá, mas nunca foi nada significativo, mas é fruto do trabalho. Agora, se manter no topo, como um amigo recentemente falou, chegar nos 24 anos prestes a completar as bodas de prata com esta vitalidade, é um negócio digno de nota. Agora, a gente já teve alguns anos atrás experiências ruins que eu prefiro não comentar, que não teve nada a ver com a economia e tudo o mais e que graças a Deus, ao Olimpo, aos Orixás e a tudo mais o que existe aí que se possa evocar, mas muito tempo mais, isso é coisa do passado. Mas uma história engraçada aqui, engraçada porque ela não se efetivou de resto, o meu sócio quando entrou lá no bar, porque éramos eu e meu pai e depois de 1991 o Norberto entrou também, a gente estava fazendo uma daquelas degustações que eu falei para você que fazia de vinho e ele esqueceu a fritadeira lá na cozinha ligada, aquilo lá pegou fogo. Por um triz o bar não virou cinzas e aí um cliente que morava no prédio lá do outro lado da avenida ligou, falou: “Escuta, acho que está saindo fogo lá da cozinha”. Nessa altura um de nós já estava sentindo cheiro de queimado, nós fomos até lá e estava pegando fogo. Se não tivesse a coifa, aquilo ia ter dado uma encrenca federal. Aí para completar o japonês foi apagar, uma ideia brilhante lá de um deles pegou um balde d’água e jogou em cima da fritadeira no óleo quente. Aquilo se espalhou pela cozinha inteira, ficou tudo preto. Aí os bombeiros apareceram, apagaram. Ali foi uma espécie de aviso para ficar esperto. Enfim, acidentes podem acontecer. Fora isso desde que a gente atingiu eu não tenho do que me queixar na verdade. Eu acho que a vida tem sido bastante generosa comigo. Mesmo nos momentos muito difíceis, já passei por momentos muito difíceis, o que eu acho que a gente tem que fazer é olhar sempre para o lado positivo das coisas. Positividade. Você não consegue varrer a sombra de uma sala, ela desaparece à medida que você coloca mais luz, isso em qualquer área da sua vida. Se você tem uma atitude positiva as coisas vão para frente, se você não tem uma atitude positiva elas não vão. E mesmo algumas coisas terríveis que acontecem ao longo da nossa vida têm um propósito. Agora, a gente só consegue perceber o porquê e pra onde aquilo está nos levando depois que você está fora dela, você está fora da situação. Você só consegue ver a totalidade da sala fora dela. Depois de um tempo você olha de uma maneira desapegada e percebe que aquilo aconteceu, onde aquilo te levou e o que desencadeou, uma espécie de efeito onda. A gente está aí até hoje e muitas das coisas que estão acontecendo hoje, que esse mercado de cerveja, hoje se fala a _________ como cerveja prêmio e um monte de bar de cerveja, de confraria de cerveja, de festival de cerveja, isso e aquilo. De confrarias femininas, olha que coisa legal. Muito disso eu sei que se deve ao FrangÓ, se deve ao nosso trabalho lá e eu acho isso fantástico, eu sempre quis que isso se replicasse. Hoje, a gente tem um projeto, por exemplo, desde dezembro do ano passado, nós fizemos uma lojinha, tipo de um brechózinho do lado do bar com coisas recicladas. Com lata de cerveja, garrafa, rótulos, um monte de coisas que é um projeto mais ou menos FrangÓ 3R, de reciclagem. E que a ideia se mantenha mesmo em relação à cerveja. Espero que isso seja também replicado, porque agora a gente utiliza garrafa cortada para botar guardanapo, quer dizer, uma série de pequenas ações que quem sabe num futuro próximo tornar o bar mais sustentável em diversos aspectos, utilização de água, de energia, disso e daquilo. É uma coisa que eu acho que é importante, cada vez mais importante. Eu vi aquele documentário do Vik Muniz sobre o lixo lá que o pessoal... Como é que chama aquele filme maravilhoso? Não sei se vocês chegaram a ver, algum de vocês viu, ou não?
TROCA DE FITA
R – Ele chegou até um ponto onde, isso já faz tempo, eu falei: “Eu não quero ir pra mais lugar nenhum. Aqui é o nosso limite. Aqui está bom. Este aqui é o limite”. Você tem que saber isso. Você tem que saber isso porque senão vai ser aquele negócio, vai virar outra coisa, vai virar uma rede, vai virar isso. Não quero nada disso porque, mais uma vez, é essa história do contato com as pessoas e de saber que você de alguma maneira está contribuindo pra alguma história na vida de um monte de gente que frequenta o bar. Hoje, eu me sinto mais como um gerente daquele bar do que como dono. Um gerente no sentido que porque o que eu tenho que fazer aqui é manter esse bar exatamente do jeito que ele tem que ser, ou seja, manter a vocação dele de ser o que é. Não deixá-lo desvirtuar, não deixá-lo mudar, virar outra coisa porque sabe se quer ganhar mais dinheiro, é porque isso, aquilo, porque milha, não sei o quê, porque te falaram, sabe? Manter, porque afinal o que eu quero com isso? Isso é uma coisa legal. Então, olha, e também pra eu poder ter tempo pra viajar sossegado que é o que eu gosto de fazer. Voltar pro bar e o bar estar lá, está legal, está funcionando, probleminha aqui, outro ali, mas ok, né? Eu vou ficar doido, porque do jeito que eu sou eu ficaria. Não quero ficar sofrendo aí por causa das coisas que eventualmente poderiam acontecer porque você não tem mais controle. Controle nesse backstage eu quero dizer, no funcionamento, porque se ali não funcionar, não vai funcionar nada.
P/1 – E qual que é a importância desse projeto de sustentabilidade, de se reutilizar as coisas?
R – Por exemplo, num nível mais simples é fazer com que os nossos funcionários tenham uma mudança de conduta em relação a esse tipo de coisas na vida deles. Eu vivo mexendo em lixo. A minha mulher é que tá cuidando daquilo lá, então, ver o patrão mexendo no lixo, na garrafa, papelão, não sei o quê, você fala: “Esse cara deve pensar no...”. Alguma coisa eles vão pensar a respeito. E eu falo pra eles da água, do desperdício. O desperdício é uma verdadeira praga que tem o brasileiro. É uma praga terrível. As pessoas desperdiçam as coisas inadvertidamente e a maioria das vezes porque não sai do bolso. Olha, a gente tem o hábito de começar a tentar mudar algo porque vira uma lei e você vai pagar uma multa por conta disso. Essa lei recente aí do pedestre, né? Isso é cidadania. O Brasil é um país onde o carro é mais importante que o cidadão. Isso é uma coisa absurda. Aqui se pensa as coisas em função do carro, não do cidadão, do pedestre. Sei que se você for levar isso ao pé da letra você corre o risco de morrer atropelado aí na primeira esquina, mas se você não fizer alguma coisa esse cara vai ter que se conscientizar. Num primeiro momento o que eu espero é lá dentro, internamente as pessoas vejam aquilo que a gente faz, servir de exemplo, sabe? Falar: “Você pode mudar alguma coisa na sua vida”. Mudar e não é porque isso, sabe... Tudo bem, você pode até ver.... Outro dia um garçom fez um comentário: "Eu não sabia que dava pra pegar dinheiro com rótulo", porque ele faz quadro. Não é essa ideia. Aquilo lá me dá um trabalho terrível, não é financeiro lá, mas é... Aí entra um cliente lá e vê o negócio: “Nossa, que bar”. As coisas mais... você fala como é que o sujeito olha pra aquilo tá um abridor de garrafa velho que tá enferrujado lá: “Eu adoro. Faço coleção disso aqui”. Pega uma coisa que não tem mais nenhuma atividade: “Pô, vou colocar na minha sala decorando com não sei o quê lá”. Você não tem ideia do que cada um acha e pensa. Aí eu já conversei com eles várias vezes, até expliquei o que eram os três Rs, um negócio de sustentabilidade. Falar o que é sustentabilidade e você falar da folha. Folha, gente, recicla lá desde muito... O papel usa de um lado, usa de outro. O saquinho que coloca não sei o quê volta, o elástico, esse tipo de coisa. Porque é uma coisa de consciência. O lixo também, antigamente... quando se permitia fumar, eu tinha lá um problema com jogar bituca no chão, aquilo é um negócio infernal, você ver a pessoa jogando bituca, pela janela joga lata. Depois de muito trabalho a gente conseguiu mudar isso porque você tem que trazer pra consciência. Não adianta falar: “Vai agora, senão você vai ser multado”. Traz pra consciência. A hora que entende, ok, a coisa começa a funcionar, mas até isso acontecer... Não é brincadeira. Até trazer pra consciência, entender que aquilo que ele tá fazendo, a água, isso, o papel, que é uma água que vai deixar... O trânsito e não sei o quê mais, sabe? Todas as coisas interligadas e que ele pode, sim, ganhar algum dinheiro com aquilo simplesmente porque ele vai economizar, ou seja, não vai desperdiçar, por exemplo. Por que não? É um argumento mais do que válido, afinal de contas faz diferença na vida de quem tem um orçamento apertado. Mas a ideia no primeiro momento é essa. Num segundo momento a gente pensou, isso é uma coisa da minha mulher também, eu não tenho muita disponibilidade, mas ela tinha cogitado fazer algo que acabasse numa ONG do tipo que envolvesse crianças de rua pra trabalhar com algum artista. Principalmente com vidro que a gente tem muita garrafa, muita garrafa. Eu conheço muitos donos de bares e restaurantes também que poderiam ceder as garrafas. O único problema é que o vidro é uma coisa mais perigosa pra se mexer, precisaria ter algum artista. A gente contratou um artista aí recentemente, um cara fenomenal, um artista, um designer, mas ele pediu uma fortuna pra fazer projeto, pra fazer as peças. A ideia não é essa. Não é colocar um negócio desse aqui numa loja de design nos Jardins e vender por não sei quantos mil reais um negócio que era um barril de chopp descartável. Ele faz um trabalho maravilhoso esse cara, tem objetos espetaculares, mas todos custam muito caros. A gente não conseguiu ainda, mas isso tá lentamente... Eu trouxe uma maquineta da Alemanha agora, em janeiro viajei pra Alemanha, trouxe uma máquina de cortar vidro, uma máquina pequena para cortar os copos, para lixar. Apareceu outro cara, enfim, a gente tá mantendo contato com diversas pessoas que estão trabalhando. Ela pesquisou muito no Google, aí você acaba encontrando um monte de coisa, um monte de gente que faz isso e faz aquilo. Então, a gente faz, por exemplo, sacas de malte que uma cervejaria manda pra nós, nós fazemos aventais, ecobags, aparador de porta. Minha mãe, olha que barato, a minha mãe, minha mulher envolveu a minha mãe nessa história que ela sempre costurou muito bem, e aí ela que costura as coisas, ela faz, se diverte. E dá um up pra ela porque ela se sente viva, faz um negócio que é bacana e vê lá as pessoas. Ela fica se perguntando: “Mas será que as pessoas vão gostar e não sei o quê”. Nada. E a gente dá um feedback pra ela da reação das pessoas quando veem aquilo e pegam, falam: “Nossa. Que legal, que bárbaro”. E vai fazendo, né? Mas eu tenho tentado num primeiro momento é fazer um pouco mais de consciência lá pros nossos funcionários, que eu acho que se eu conseguir fazer isso já puff.
P/1 – E mudando assim um pouquinho de assunto, mas falando ainda do bar, qual que é o auge da movimentação? Você falou da variedade de idade dos clientes, mas eles são da região? Como é que...
R – O FrangÓ no começo quando era menos conhecido e tinha menos circulação de pessoas lá, esse negócio de ser do bairro tem uma coisa legal que é você encontrar as pessoas sempre. As pessoas passam na calçada e te cumprimentam, perguntam como é que você vai, como é que está o seu pai, o seu filho e tudo mais independente de entrarem ou não no bar. Essa relação de proximidade é completamente diferente de um lugar, de um ponto comercial onde tem muito trânsito de pessoas. A partir do momento que o bar foi se tornando mais conhecido, foi crescendo, ficando famoso acontecia muito caso, por exemplo, de cliente da Zona Sul levar um morador lá do bairro para conhecer o FrangÓ. Isso até hoje às vezes acontece. Porque o próprio cara tinha preconceito de frequentar o bairro e não sei o quê, aí vai lá conhecer o FrangÓ. Hoje em dia, a gente tem um perfil de público que eu não sei te dizer exatamente quanto é disso ou daquilo, mas seguramente é muito variado. Muita gente do bairro, óbvio, as pessoas prestigiam o bar. Muita gente de fora e muita gente de fora de São Paulo. Quer dizer, o bar virou atração turística, ponto turístico . Na semana passada mesmo eu recebi umas pessoas lá, era um cara que já me levou lá jornalista da Inglaterra, ele tava com uma jornalista da Espanha de uma revista que eu esqueci o nome, que ela disse que é uma espécie de Vogue lá da Espanha. Uma revista importante, não sei o quê. Eu apresentei todo o bar, ela adorou, tirou foto, tirou foto comigo. E tinha com eles uma senhora que era guia turística e ela me falou que todas as reuniões que eles faziam sempre recomendavam levar os turistas lá pro FrangÓ. Uma vez aconteceu uma coisa, a gente sempre recebe... É que eu não tenho como reservar. Agora, recentemente, é um que vinha com uma turma lá do Rio de Janeiro de 30 pessoas, falei: “Não dá. Não tem como eu fazer isso”. Mas uma vez foi um cara no sábado, que é o dia que mais tem gente lá. Sábado passa em média mil pessoas lá. O bar cabe umas 200 pessoas quando tá bem cheio. Esse cara foi lá no começo da tarde e falou que ele ia voltar à noite com 40 pessoas lá de Santos, pra gente reservar. Falei: “Cara, não tem como reservar. Não tem como”. Ia chegar nove horas, falei: “Não tem como reservar. Sinto muito. É impossível”. E não é que ele me apareceu com um ônibus lá. O bar lotado de gente na calçada tudo e o rapaz estaciona um ônibus com 40 e poucas pessoas vindo lá de Santos. Falei: “Meu...”. Aí sabe o que eu fiz? Eu falei: “Puta, eu não posso deixar esse cara aqui assim”. Tinha outro bar lá, era um bar legal, na época chamava Jatobá que hoje não existe mais, eu falei: “Cara, o que eu posso fazer é levar vocês pra algum lugar”. Porque depois de noite eles iam pra quadra da escola de samba da Rosa de Ouro, que é lá na Freguesia. Era um programa, devia ser alguma coisa fechada, sei lá. Um monte de turista lá, se eu simplesmente falar: “O problema é seu” eles vão ficar com uma imagem totalmente antipática da gente sendo que nós não fizemos nada. Eu avisei o camarada que não dava pra ele fazer isso, que não tinha como. Eu entrei no ônibus, fui com eles até o bar, cheguei lá, pedi pra chamar o gerente, falei: “Meu, tal, tal, tal, tal”. O cara me agradeceu. To levando quase 50 clientes de uma vez pra ir num bar grande lá. A única coisa que eu pedi pra eles foi pra alguém lá, porque tinha outro carro, tinha outras pessoas que tinham ido de carro, falei: “Por favor, alguém me leva de volta no bar”. A gente tem gente de todo canto lá e muito estrangeiro. Tem muito alemão também. A Siemens, aquela empresa alemã, uma época a gente costumava dizer que o FrangÓ era uma sucursal da Siemens, um departamento da Siemens. Porque tinha tanta gente da Siemens que um diretor de marketing lá, o Mario ______, um japonês, ele fez grandes comemorações da vida dele, importantes, lá no FrangÓ. A Siemens é lá perto, vai muita gente da Siemens, muito alemão. Tem sempre alemão lá. A gente recebe muito estrangeiro. Tem um lá que teve há pouco tempo no guestbook e todo tempo ele ficava falando: “Wunderbar. Wunderbar. Wunderbar” que quer dizer maravilhoso. Vermelho, já tinha tomado todas, comendo coxinha até não poder mais: “Wunderbar. Wunderbar”. Divertido. Então, tem de tudo lá. Criança também é outra coisa que durante o fim de semana tem um perfil bem familiar, muita criança mesmo, criança pequena, a gente tem cadeirões lá. Tem até um fraldário. Se eu falar pra você que o banheiro feminino lá em cima, de tanto que me pediram eu comprei um fraldário. E comprei um fraldário superlegal. Nunca mais me pediram. Parece estranho, né? Mas a gente sempre deixou um papelzinho com comentários, críticas e sugestões e eu sempre li aquilo e levei em conta. Essa do fraldário várias vezes já tinham me pedido, eu falei: “Pô, vou ter que colocar um fraldário”. Coloquei um fraldário assim como cadeirão. Nós tínhamos alguns cadeirões, eu tive que comprar mais porque sempre faltava cadeirão. Aí tinha uma mãe que ficava “p da vida”, escrevia um monte lá falando que tinha que ter cadeirão. Então, é super family no fim de semana. Tem criança, tem velho, tem de tudo. E durante a semana no almoço você tem um público mais de escritório, muito engravatado. De noite também é um público eclético. Tem muito jovem, o que eu acho legal, que eu acho importante que tenha jovem, mas eu acho legal que esse público seja misturado porque aí você não fica com uma cara de determinado tipo de público. Isso é bom pro negócio inclusive, porque se esse público resolve migrar desse bar que hoje ele considera o lugar pra outro que acabou de abrir, que agora é o novo ponto, você dançou. A gente não tem esse problema, tem um público que vai circulando, digamos assim, que frequenta, aí muda e entra outro no lugar. Mantém-se isso, há 20 e tantos anos nós estamos nessa mesma toada aí. Tem gente que há 20 e tantos anos frequenta o bar. Tem um camarada lá, o Paulo, que esse daí eu falo que frequenta o bar antes dele abrir. Tem vários como ele que são... Não é. Você nem chama de cliente. O cara é amigo. Quando ele abriu o escritório novo da empresa dele veio falar comigo, eu falei: “Lógico”. O que ele queria? Ele queria levar os nossos funcionários pra cozinhar, pra fazer um negócio. Eu falei: “Cara, o cara tá fora do horário você pode fazer”. Eles foram lá cozinhar, levou o garçon, levou o cozinheiro, levou mais não sei quem lá porque ele queria o clima do FrangÓ. Não dava pra fazer lá no FrangÓ por uma série de razões, mas ele falou: “Eu quero”. Levou os caras lá. Esse tipo de coisa é legal pra caramba.
P/1 – E o FrangÓ está no bairro, está lá no largo e a cidade cresceu, a maioria das pessoas vão de dois ou três ou às vezes sozinhas num carro. Isso é um problema? O que vocês fazem?
R – Nós temos um problema lá que é o estacionamento porque a praça... Bom, desde que o FrangÓ abriu muitos bares abriram, fecharam. Agora a partir de uns cinco anos pra cá mais ou menos os nossos vizinhos se estabeleceram lá e se estabilizaram. Além dos outros bares que tem do outro lado da praça e também do monte de gente que frequenta a praça de sábado, domingo e sexta à noite, o estacionamento se tornou um grande problema lá, infelizmente. Eu tentei resolver, tentei comprar o terreno do lado ou alugar, seja lá o que for, mas não deu certo porque o estacionamento que tem do nosso lado lá é difícil relacionamento com os caras. Enfim, é um problema. Eu não sei como resolver. Eu acho que a melhor solução para quem vai pra lá é pegar um táxi ou com um carro com dentro o máximo de ocupação. Ou então ir num horário que seja mais tranquilo, tipo... Pra mim o horário mais legal de visitar o FrangÓ, pra sentir o clima daquilo tudo que é o bar e onde ele tá, é ir de sábado e domingo e chegar lá até uma hora da tarde. Porque aí você vai sentir aquele clima de footing do interior. Footing é aquela coisa de praça do interior onde as pessoas ficam circulando. É o ponto, o ponto central. Vão lá pra paquerar, pra ver, tem o coreto e não sei o quê. Quando a gente fez 20 anos nós fechamos a praça ali com autorização da subprefeitura, naturalmente. Foi um negócio legal pra caramba. Tinha mágico, tinha banda paralela, tinha um monte de coisa. Então, esse é um problema da cidade na verdade. Eu não tenho serviço de valet lá porque não tem como ter, não tem estacionamento lá. Pra ter um que vai me trazer mais problemas do que seria não ter estacionamento, eu prefiro continuar não tendo. Isso é o que se pode resolver, pegando um táxi ou indo num horário mais tranquilo ou num dia mais tranquilo. Também não tem... São Paulo, isso é um problema da cidade, não é exclusivo de lá.
P/1 – Certo. Agora indo pra umas questões mais pessoais, o que você gosta de fazer quando você tem um momento livre? Você falou das viagens.
R – Bem, o que eu gosto de fazer, eu te falei, eu adoro, sou apaixonado por música e pelo cinema. São duas coisas que eu faço com freqüência: ir ao cinema e ouvir música quando dá. Eu tenho lá em casa uma DVDteca com 600, 700 filmes que eu gosto de assistir. A maioria deles são filmes mais antigos, desde o início do cinema, da história do cinema. Porque são coisas difíceis de você ver no cinema. Essa semana mesmo eu fui assistir um filme fantástico lá na Cinemateca de um diretor japonês, o Yamada. Um filme belíssimo, ele foi um discípulo de outro japonês, o Ozu, que é um cara fantástico também. Esse tipo de coisa só em São Paulo mesmo. Se você sair daqui você não vai ter. Então, cinema, música e viajar. Viajar é uma coisa que tá no meu sangue até não poder mais. Lógico, ir a restaurante e bar também é outra coisa que está no meu DNA. Eu adoro fazer isso porque experimentar coisas diferentes, acima de tudo mais do que ficar vendo o que tá se fazendo aqui e ali, é descobrir lugares legais. Eu te falo lugares de todo tipo, né? Hoje, eu estou num momento, por exemplo, de tentar ir a restaurantes aqui em São Paulo, esses novos restaurantes que estão abrindo, esses menores com conceito mais bistrô, que são menos pretensiosos, com um valor mais em conta e uma comida de ótima qualidade. E tenho feito boas descobertas. Isso é uma coisa que me agrada muito também. Agora, viajar, eu sou o tipo de viajante, de turista que prefere... Assim, eu tomo alguns cuidados. Tem aquele cara, acho que ele chama Ricardo Freire se não me engano, é um jornalista do Estado eu acho. Ele tem um site chamado Viagem na Viagem. É muito legal as coisas que ele fala. Quer dizer, porque ele dá grandes dicas ali pra viajantes em _____ ou viajantes de primeira viagem. Coisas que você pode evitar acontecer durante a sua viagem. Eu gosto de fazer os meus roteiros, essa coisa de viajar de bando, de não sei o quê, já dei minha cota com isso também. Por que a viagem? Viagem pra mim é uma maneira de autoconhecimento. Quando você está fora do seu habitat natural você tem uma grande oportunidade de aprender um pouco mais sobre si mesmo. Porque todo seu background, toda a sua cultura impregnada vem à tona por aquilo que você não é quando você se depara com uma cultura completamente diferente da sua. E isso te provoca uma série de questionamentos. Eu acho isso bárbaro. Eu acho isso genial. É a maneira mais divertida, gostosa de se aprender sobre qualquer coisa, sobre tudo e sobre si mesmo antes de mais nada. É viajando. Agora, eu tomo alguns cuidados de fazer um roteiro que tem a ver comigo, que não vai ser um aborrecimento, não vai ser uma tortura, não vai ser um desprazer. Além de toda... Tem um lado cansativo de viajar, aeroporto, carro, seja lá o que for, estrada, não importa, você perde um tempo danado, cansa. E se as coisas dão errado você vai ficar num hotel ruim, num lugar ruim, um monte de coisas que vão te deixar irritado. Essa viagem vai ser um tiro no pé. Geralmente isso não acontece porque eu pesquiso bastante, vou atrás. E eu gosto de visitar lugares, alternar, digamos viagens que tenham um caráter um pouco mais urbano, grandes cidades, com viagens com caráter mais de aventura, fazer uma trilha, fazer um lugar mais inóspito, uma coisa desse tipo, que aí você tem os dois tipos de contato. Contato com a natureza, visitar lugares nos confins do mundo. Esse tipo de coisa. Eu gosto muito. Já visitei alguns lugares que foram bem bacanas.
P/1 – Eu queria, pra deixar registrado, o nome da sua esposa e das suas filhas.
R – A minha mulher chama Sheila ____. A minha filha mais velha chama Lívia Piccolo e a mais nova Marina Piccolo.
P/1 –Quais foram as lições que você tirou durante esses anos de trabalho no bar?
R – Lições?
P/1 – É.
R – Uma coisa muito importante pra mim, você pode sempre se surpreender. Permita-se um novo, permita-se se surpreender. Porque eu fui trabalhar numa atividade que eu não tinha a menor ideia e pra mim foi uma coisa que me fez um bem enorme. Um bem pra minha autoestima, digamos assim. Por quê? Porque eu descobri coisas ao meu respeito que eu não sabia que existiam, trabalhando com isso. Isso me mantém vivo, que é muito legal. Estar sempre preparado pro novo, não ter medo do novo. Uma porta fecha, a outra se abre. Então, você se permitir ao novo, sempre estar preparado pro novo, ou seja, a vida tem uma dialética, na tese, antítese, síntese, não sei o quê. Um movimento, resumidamente. A vida é movimento. Às vezes, você vai de um lado para o outro e você acha que aquilo... Você fica com resistência, se aquilo tá te mandando pra lá, é melhor você olhar com carinho porque isso pode ter uma razão muito séria e pode ser determinante na sua vida. Estar preparado para o novo, porque pra mim foi uma mudança radical. Isso foi uma coisa legal. Apesar do trabalho exaustivo, cansativo, desses quatro anos que eu fiquei sem um fim de semana livre na minha vida, hoje se eu posso me permitir uma série de coisas é graças a esse trabalho com o bar e ao que ele me facultou, principalmente do ponto de vista financeiro. Por quê? Porque ele atende as minhas necessidades e aquilo que eu considero mais importante. Além de pagar minhas contas e tudo mais, é sobrar algum pra eu fazer o que eu gosto de fazer que é viajar. Então, eu só posso agradecer a isso. Quer dizer, como eu te falei, eu acho que a vida tem sido generosa comigo e eu tenho um sentimento de gratidão em relação a isso. Eu sei que isso é fruto do trabalho e tudo, mas é um trabalho árduo e sou grato muito ao meu pai também por estar nessa empreitada o tempo todo. A minha mulher que também sempre deu um apoio incondicional, porque a gente em início de vida juntos e tudo mais, não é fácil, né? Com criança pequena, sem grana, sem fim de semana. Eu sempre me esforcei pra ser um bom pai, pra estar presente que é uma coisa... Seus filhos vão crescendo, não sei se vocês têm filhos ou não, mas o tempo passa muito mais rápido do que a gente imagina. E quando a gente é adolescente e ouve uma pessoa de mais idade, mais madura falando coisa, a gente tende a olhar aquilo: “Puta papo careta e não sei o quê”. Hoje, mais do que nunca quando alguém tem algo a me dizer eu procuro ouvir com atenção porque isso é fruto de vida, é fruto de quilometragem rodada. A gente só sabe depois que vive, não tem outro jeito também, é coisa de adolescente. Outra coisa também que eu acho extremamente importante que o FrangÓ sempre me deu e continua me dando uma enorme vontade de continuar trabalhando, porque eu tenho prazer naquilo que eu faço. Trabalho pra mim até então era uma coisa chata, era uma coisa: “Tenho que ir trabalhar”. Era uma coisa que não tinha nada a ver comigo, tirando o período que eu trabalhava com música e tudo mais. E lá não, lá eu tenho prazer em trabalhar. Posso trabalhar horas e sair exaurido e aquilo me dá prazer, aquilo me alimenta. Continua me alimentando animicamente, isso que eu quero dizer. Às vezes tudo bem, você comete excessos daqui, dali, passa do ponto, fala: “Puta, to cansado. Não quero saber, preciso sumir”. Mas faz parte. É como um relacionamento mesmo. Você precisa dar uma sumida, aí você fica fora, você reabastece, vem cheio de ideias: “Vou fazer isso. Vou fazer aquilo. Que bárbaro”. Quer dizer, enquanto há toda essa energia circulando, isso é fantástico. Isso é a satisfação de ver as pessoas curtindo o bar. Não é mais um negócio financeiro. Lógico, não vou falar... Grana é grana. Você precisa trabalhar. Você trabalha, você precisa ser remunerado e ponto final, mas isso não é em última análise o X da questão. É outra coisa. Eu continuo lá por outra razão porque eu posso pegar e também sair fora, vender, falar: “Tchau. Fui. Deu”. Mas eu não me sinto preparado pra fazer isso, desligar assim. Mas pode ser que eu faça isso um dia. Se algum momento eu chegar e achar que é até aqui que eu tinha que chegar, eu vou fazer isso. Vou fazer outra coisa, se reinventar. Porque um amigo falou uma coisa pra mim que eu achei legal pra caramba. Porque às vezes eu faço muita palestra de degustação de cerveja, então, eu falo das minhas atividades, aí eu brinco que eu tenho que viajar e não sei o quê _____ essas pessoas com curiosidades. Aí vem um comentário tipo: “Ô profissão dura a tua, né? Tem que beber pra degustar. Isso e aquilo lá”. Só veem o lado divertido do negócio. Aí ele falou: “Pô, você inventou uma profissão pra você. Isso é uma coisa pra você”. E de certa maneira foi isso, meio sem querer na verdade, mas eu fui adequando: “Vai ser assim, assim, assado”. Mas legal. Isso que me alimenta. Isso é uma coisa também fantástica e eu sou grato por isso, pelo bar continuar ainda me fornecendo esse tipo de coisa. Agora, o mais legal de tudo é ver alguém saindo de lá feliz. E uma coisa que também acho que não tem preço, porque não dá pra falar com todo mundo, mas quando eu vejo esses comentários nesse livro, que são coisas que você fala: “Puxa...”. É aquela sensação que valeu a pena, continua valendo a pena. Missão cumprida. É só manter. Continua valendo a pena quando você lê um negócio ali e é um negócio que tem a ver com a vida da pessoa. O momento que ela tá expressando ali é um momento de felicidade dela, que tem a ver com o bar, que foi passado no bar e que ela vai levar do bar consigo e tudo mais. Isso não tem... É genial.
P/1 – A gente já tá encerrando, mas antes de encerrar pra uma parte mais avaliativa, que nem essa pergunta, eu queria saber da onde é que vem o frango. Dos fornecedores, que frango é esse que vocês oferecem, qual que é o relacionamento com eles?
R – O frango. Uma coisa que é importante aí, linkando com outra pergunta sua, como é que você faz, eu falei em método, né? Pra você manter um padrão de qualidade médio eu considero assim, você tem que... Porque aquilo é tudo feito manualmente, não tem máquina, não tem indústria. Ali são as pessoas e as pessoas às vezes estão melhores, às vezes não estão tão bem. Você tem que manter um padrão de qualidade dentro de uma faixa que vai do mínimo até, pode chegar até o super, mas não pode baixar daquele mínimo, que é isso que faz o cliente retornar. Você comeu coxinha, comeu frango, ficou com uma memória boa, essa memória, esse arquivo dessa memória que você vai acessar quando você cogitar de voltar ao bar, é aquela experiência que você teve. Aquela experiência gustativa, não só gustativa, mas é atendimento, uma série de coisas, é que te faz voltar . No caso específico dos produtos, das coisas que a gente faz lá como a coxinha e o frango, uma matéria prima de qualidade é absolutamente fundamental. Você não faz nada de qualidade sem você ter matéria prima de qualidade e que tenha um mesmo padrão. Se você um dia tem um fornecedor, outro dia você tem outro... A gente sempre procurou manter um padrão de qualidade em relação ao fornecimento, ou seja, fazer parcerias com um fornecimento. Meu sogro trabalhava com comércio também, minha mulher é de família árabe e eu aprendi algumas coisas com ele, com essa coisa dos árabes também, ele falava do “fio do bigode”. Do “fio do bigode”, não sei se vocês já ouviram essa expressão, a palavra, o cara que tem a palavra arranca o “fio do bigode”, né? Não há contrato que rompa com isso, que valha o “fio do bigode”. Ele tinha uma loja de tecidos, eu o acompanhei às vezes fazendo compras e era uma coisa fantástica. Esse tipo de comércio, esse tipo de contato entre as pessoas. Eu viajei uma vez pelo Oriente Médio, na Síria, na Jordânia, lá no Egito. Turquia também já andei por lá. O comércio entre as pessoas, o árabe tem uma coisa que é assim, você tem que negociar porque se você não negociar ele provavelmente não vai te vender aquilo nem que você vá pagar cem vezes mais do que vale, porque na cabeça dele você não merece aquilo. E se você for um bom negociador você pode negociar tão bem a ponto de comprar abaixo do custo, e ele vai te vender aquilo lá abaixo porque você é um cara bom de negócios. É uma coisa cultural e é linda porque você negocia tudo. A gente não tá acostumado com isso, enfim. Mas isto é, eu quero dizer, parceria. Como é que você... Parceria é ganha-ganha. Essa coisa da Lei de Gerson, a nossa Lei de Gerson, de gosto de levar vantagem em tudo, aquilo ficou impregnado. Vocês provavelmente não devem ter visto isso, nem sei se sabem o que é, mas é uma propaganda que o Gerson, aquele jogador, fez há muitos anos de um cigarro e na época ele falava: “Gosto de levar vantagem em tudo. Certo?”. Com um sotaque carioca. Isso é uma coisa, gosto de levar vantagem em tudo tá errado. Parceria você ganha, eu ganho, eu saio daqui, você sai dali. Quando eu preciso de você eu conto e quando você precisar de mim eu conto. É isso que a gente tenta fazer lá e tem funcionado. Então, a gente compra frango de um mesmo fornecedor há décadas, sei lá. Praticamente nesses 24 anos foram dois, três só. Agora, é frango de granja, eu fiz uma tentativa de trabalhar com frango que não tivesse alimentação, que não fosse um frango de granja, porque é um frango mais saudável e tudo mais. Porém, a única empresa que faz isso não têm como fornecer porque o frango fica lá a seu bel-prazer, é uma alimentação mais natural, mas ele não tem padrão e nem tem quantidade pra atender. Foi uma pena porque eu gostaria de ter mudado isso, colocar um frango, digamos, mais saudável, não um frango de granja. Mas não tem como. Enfim, eu fiz uma tentativa que por enquanto não dá porque não tem padrão. Varia de peso absurdamente e isso é uma coisa que você tem que ter. Você vende por um preço, o cliente vai estar daquele mesmo padrão e tudo mais, na hora de grelhar. Mas a gente mantém um fornecimento regular com parceiros de longa data.
P/1 – Eu queria perguntar qual que é a importância e o diferencial do seu comércio em relação a outros do seu bar.
R – Uma das coisas que a gente fez, primeiro em relação ao bairro, a gente colocou a Freguesia num certo sentido no mapa de São Paulo. A Freguesia ficou conhecida antes por duas razões: por aquela música do Gil, o Punk da Periferia; e uma época lá também daquelas senhoras de Santana. E teve uma coisa meio parecida lá, umas senhoras católicas, eu nem lembro direito qual foi o negócio, mas tinha alguma coisa a ver de cunho religioso. O Punk da Periferia deixou de ser algo pejorativo porque o pessoal lá ficou meio encasquetado com esse negócio de Punk da Periferia: “Como? Não é periferia”. Isso serviu pra melhorar a autoestima lá do morador da Freguesia, porque o FrangÓ é conhecido nos quatro cantos, aparece direto na mídia, foi eleito um monte de vezes como melhor bar. Então, isso foi uma coisa bacana. Diferencial eu acho assim, quando você vai fazer uma coisa você tem que ter um diferencial. Uma cidade como São Paulo, enorme, que tem não sei quantos, tem milhares de bares e restaurantes, como você se sobressai? No nosso caso foi com esta tríade que eu mencionei: coxinha, o frango e as cervejas. Porque a gente tá com esse trabalho com as cervejas desde o início do bar em 87. Essa mudança de mercado é algo recente. Muito se deve ao nosso próprio trabalho. Esse sempre foi um diferencial. E a coxinha também porque a coxinha, voltando aquela história do marketing de guerra lá, da força, da fraqueza inerente a força do conceito, é que no salgadinho a gente sempre... No salgadinho a coxinha dispensa apresentação. Mas quando você olha um salgadinho numa estufa você se faz uma pergunta, não faz? Invariavelmente. Qual que é? Responde pra mim.
P/1 – O tempo que ela tá lá sentadinha.
R – O tempo que ela tá lá. Será que eu vou colocar o meu pescoço... Enfim, será que isso aqui é fresco? Essa é resumidamente. Desde o início essa pergunta foi resolvida com uma simples coisa: frita na hora. Nós introduzimos esse conceito de fritar coxinha na hora. Hoje, tem muito bar que tem coxinha, também tem um fruto do nosso trabalho lá, mas nunca houve. Agora, a coxinha só sai da cozinha se ela tiver com um padrão de qualidade ótimo. Muitas vezes ela estoura, ela isso, ela aquilo. E quando me perguntam qual que é o segredo da coxinha falo sempre invariavelmente a mesma coisa: “Não tem varizes”. É uma maneira de explicar, porque não tem um segredo. Mas não deixa de ser isso sob certo aspecto. Por quê? Porque ela mantém esse padrão. A imagem mais radical desse negócio de você olhar pra estufa é olhar naquele bar na esquina que tem o torresmo nadando naquela travessa com óleo e aquele ovo que já ta meio azulado. Vocês já devem ter visto isso em algum boteco também. Agora, por mais terrível que seja aquele torresmo, lá no fundo recôndito de cada um tem uma vontade, uma larica de dar uma mordida naquela coisa gordurosa lá. A gordura parece uma coisa terrível, mas ela atraia a gente por quê? Porque aquilo é saboroso. É uma coisa louca. A gente vive esse dilema. Você vai ou não vai? Vai ou não vai? Então, a diferenciação se deu com a coxinha, a cerveja e o frango que é um franguinho muito bom também. Agora, talvez se agora, não sei, no começo a coxinha, depois a cerveja. Hoje é um componente de... Agora, eu acho uma coisa fundamental também, ao longo desses 24 anos sempre um de nós está presente lá no bar, eu, o meu pai ou o meu sócio Norberto. Isso faz diferença. Porque você ter o contato com o dono, aí você desenvolve outra relação. Ainda mais porque é bairro, por aquelas razões que eu já mencionei. Faz uma enorme diferença, você tem outro tipo de contato. Não é todo mundo que está predisposto a isso, porque isso dá trabalho, é cansativo e tudo mais, estar lá. Se isso não nos trouxesse prazer certamente a gente também não estaria lá, porque eu tenho mais o que fazer aqui do que ficar me aborrecendo com um monte de problemas ou com clientes que eu não gosto de... E não é nada disso, né ? A gente raramente teve problema lá com cliente. Muito raramente. É um ou outro nesses anos que criou... Teve até algumas histórias engraçadas. Teve um só... Posso contar uma só, que esse cara era uma... O bar também tava lotado e tinha uma mesa grande com um monte de jovens, e tinha outra mesa, era um senhor grande que era um cara, se não me engano não sei se ele era psiquiatra ou psicólogo, mas era alguma coisa por aí. Eles estavam em três pessoas e aí entrou lá no bar uma criança vendendo rosas. Ele foi nessa mesa com essas três pessoas que tinha esse camarada grande e ofereceu uma rosa pra ele, acho que tinha uma mulher, ele e mais outro cara, ou eram três. Eu não me lembro. Eu sei que ele pagou a rosa e falou pra criança: “Você dá a rosa pra mulher mais bonita que você vir aqui dentro”. Aí a criança foi e deu a rosa pra uma garota que era namorada de um dos caras que estava lá. Nossa senhora. Você não tem ideia da confusão que aquilo deu. E o sujeito ficou... Ele já tinha tomado uma, acho que eles estavam discutindo os dois, o clima não tava muito bom, ele começou a falar um monte de bobagem praquele camarada. A pessoa com quem ele tava reclamando, ele era o dobro do tamanho dele, mas era uma moça de delicadeza. E ele falando: “O que é isso? Você mandou rosa?”. Ele pedindo mil desculpas. Mas era um camarada que se fizesse assim, desse uma bolacha na orelha dele ia parar do outro lado da praça... E superdelicado, pediu muito desculpa, mas ele não acalmava. Aí deu um tranco numa mesa, quase arrumou uma confusão com outro. Nessa altura a gente tentando colocar panos quentes no camarada, falando: “Calma, cara”. Aí tinham dois caras lá no balcão que eram clientes, eu nem sabia, né? Aí os caras foram falar com ele também, falou: “Pô, cara, calma”. Aí ele falou: “Que não sei o quê.” “Calma, cara”. Eles se apresentaram, eles eram da polícia civil. Estava lá bebendo lá. “É porque não sei o quê...” o outro “Você não sabe com quem você tá...”. Pintou um papo, sabe aquela coisa “você não sabe com quem você está falando”? “Você sabe com quem você tá falando?” “Eu sei”. Pegaram e algemaram o sujeito lá. Ele saiu algemado no bar, foi parar na 28ª que é lá perto. Aí o pessoal foi atrás dele, me pediram desculpa, armaram uma puta confusão, quase deu... Ok. Foram lá, passou a noite lá falando, esclarecendo tudo mais. Depois de um longo tempo, de alguns meses, ele apareceu lá todo cabisbaixo, acho que caiu a ficha e tudo mais. Resumindo, até hoje a gente ri dessa história, mas foi uma história, tudo por conta de uma rosa. A garotinha tava vendendo a rosa, ele deu, foi parar lá, o sujeito foi parar na delegacia. Eles falaram que o cara não tava bem, não sei o quê. Mas aí ele foi lá, ele é um garoto super gente fina. Mudou. Acho que já tava... Mudou completamente. Aquilo acho que foi, fez um bem enorme pra ele, porque ele nunca mais criou problema, virou um grande amigo nosso e tá sempre lá. De vez em quando eu brinco com ele se ele quer uma rosa. Ele dá risada. Mas foi por um triz que não se armou uma tremenda confusão. Agora, o lado ruim é que a partir de então a gente nunca mais permitiu de entrar e vender coisa nenhuma lá. Nem rosa, nem cravo, nem orquídea, nem nada, porque se uma simples rosa pode gerar uma história dessa. Aí não dá. Isso foi... Eu tava lá esse dia. Eu sei em detalhes porque eu tava lá.
P/1 – E eu acabei perguntando de onde vem o frango, que faz parte de dois componentes da tríade. E como é que são escolhidas as cervejas, de onde que elas vêm? Vocês importam direto?
R – Não. Eu nunca quis importar nem produzir cerveja. Porque trabalhar com importação é uma aventura, por todas problemáticas que a gente tem no Brasil. Com dificuldade, com burocracia, você corre o risco de ficar com contêiner parado lá no porto, vencer e perder tudo. Quem escolhe as cervejas sou eu. Eu tenho um critério que é um critério... Bom, escolher boa cerveja e tudo mais, né? Agora, eu sou partidário da seguinte coisa: o cliente tem que escolher aquilo que ele gosta mais. Eu falei, né? O que a gente faz lá, quando eu faço treinamento com os garçons, falo pra eles o seguinte: a gente tem que tentar fazer com que o cliente descubra algo que nem ele sabe que ele gosta ou vá gostar, porque ele nunca teve contato com determinados aromas, determinados sabores e tudo mais. E como é que a gente faz isso? Faz isso simulando algumas perguntas pra descobrir se ele gosta de cerveja clara, escura, forte, fraca, amarga ou não e assim por diante. Agora, pra chegar nisso voltamos ao problema do treinamento, porque eu tenho a cerveja em inglês, em francês, em tcheco, em japonês, em russo e “o diabo a quatro”. Vocês me imaginem falando isso com os garçons lá, fazendo um bê-á-bá básico, mas básico, muito básico mesmo de pronúncia, por exemplo, pra alguém que é às vezes semianalfabeto? É um excelente funcionário só que mal sabe ler e escrever direito. É um problema. Aí fazemos isso coletivamente, por quê? Porque aí um dá risada do outro e fica tudo... Ninguém se sente mal, humilhado ou menosprezado por conta disso, mas é uma coisa que se não for feita, não adianta. Eu posso colocar mil rótulos lá que não vai acontecer nada. A ideia é fazer o cliente sair de lá feliz. Não importa se ele vai comprar uma cerveja de cinco reais ou de 500 reais. Não interessa. Interessa que ele tenha uma boa experiência e que ele saia falando dessa boa experiência que ele teve lá, porque isso vai fazer com que outros clientes apareçam. Agora, eu nunca quis importar, a gente nunca quis importar nem produzir. Fizemos uma comemorativa aos 20 anos e vamos fazer outra comemorativa dos 25, mas isso é uma cervejaria que vai fazer pra gente. Aí vai ser um lote também específico. Porque dá trabalho, é outro business, é outra história e como eu disse pra vocês eu gosto de ficar experimentando coisas diferentes. Isso é um enorme prazer que me dá, é isso que a gente tenta passar lá com relação às cervejas. Olha, vale a pena experimentar. Você pode gostar dessa, mas por que não experimentar outra coisa? Você pode se surpreender e, enfim, fazer uma descoberta legal e tudo mais.
P/1 – Tá certo. Agora indo mesmo pras avaliativas finais, qual que é o seu sonho futuro?
R – Meu sonho futuro? Bom, o que eu tenho na cabeça que eu quero fazer, acima de tudo é viajar. Eu costumo dizer pra mim mesmo que o mundo é redondo e belo. Redondo por quê? Porque essa coisa de... Tenho um amigo que vai 50 vezes por ano pro mesmo lugar. A Itália. Ele adora ir pra Itália e ele tem uma ligação umbilical com a Itália que é fantástico isso. Vai sempre lá e ele sempre se renova com isso. O que mais me vem a cabeça, do ponto de vista pessoal... Agora, lógico, tem uma coisa que é fundamentalmente com o familiar, das minhas filhas, de vê-las felizes, realizadas e tudo mais. Isso é o que eu mais quero, né? Aí, sei lá, pintar uns netinhos. Curtir o lado divertido da coisa. Isso é uma coisa que qualquer pai e mãe quer, mas isso é uma coisa que me deixaria muito feliz também, vê-las felizes, realizadas. Porque eu me sinto hoje, feliz, realizado e cheio de vida ainda. Então, já vivi bastante, já rodei bastante e sinto que eu tenho muita coisa ainda pra fazer. E essa coisa da viagem que a viagem me traz sempre novas ideias, pique pra fazer outras coisas, vontade de ir pra outros lugares, porque você faz o link de um lugar com outro, aí você conhece pessoas, as pessoas te convidam pra isso ou praquilo. E quanto mais verdadeiro for, mais contato local, porque no fundo hoje eu sei que o que me atrai em viajar é ter contato com essa cultura mesmo. Mas contato com a coisa verdadeira, não é aquela coisa que é feita pra turista, aquela coisa fake, falsa que você vai encontrar em qualquer canto. Essa globalização tem um lado que eu considero nefasto, terrível que é a estandardização das coisas. As coisas estão ficando todas com a mesma cara. Você vai num lugar, no outro e você encontra a mesma coisa. Tá ficando tudo a mesma cara. Quando você viaja pra um canto que você se sente um estranho no ninho completamente, eu acho isso fantástico. Falo: “Nossa, aqui eu sou estrangeiro mesmo”. Mesmo estrangeiro eu falo não é só fora do Brasil, não. Aqui no próprio país, porque às vezes a gente vai pra algum lugar aqui no Brasil afora que você vê, fala: “Meu Deus do céu. Eu vivo em outro país”. Vivia numa cidade de São Paulo, porque recentemente eu fui num canto lá da Bahia, o sujeito lá, o funcionário achou que eu era gringo. Às vezes, eu vou ao Rio de Janeiro, ando na praia e o sujeito vem falar comigo: “Do you wanna a chair, man?”. Eu falo: “Meu irmão, tu não tá vendo a minha cara de carioca da gema? Que ‘do you wanna a chair’ o que”. Sabe? Vem me tratar, já vem falando inglês. Com essa minha cara de carioca... Não é, mas é engraçado. Então, esse tipo de coisa te faz pensar. E ainda sobre as viagens, eu descobri um site muito bacana de lugares sacros no mundo. Você vai lá, você digita determinado país e aparecem todos os lugares sagrados. Isso é um tipo de coisa que eu ainda pretendo conhecer muitos deles. Lugares que têm poder, lugares que vale a pena você estar lá. O ano passado eu fiz uma das viagens mais incríveis da minha vida, eu fui viajar pro Japão, nunca tinha cogitado viajar pro Japão antes. Na verdade, eu fui lá comemorar os meus 50 anos e 25 anos de casado com a minha mulher também que a gente fez. Eu faço em abril e nós fizemos 25 em fevereiro. Lá eu descobri que na verdade eu não tinha escolhido o Japão. Eu tive uma experiência lá maravilhosa. Eu descobri que o que eu tinha ido fazer lá era atender um, como diz o meu amigo, um chamamento. Lá no norte do Japão, perto dessa área onde foi devastada pelo tsunami numa trilha budista. Um negócio maluco. Foi uma coisa daquelas que só quando você... Depois que passa tudo que você começa a fazer os links. Se eu falar pra você o que deu o start... Foi um filme. Eu saí do cinema, aquilo já tava rondando a minha cabeça, mas eu saí do cinema, eu cheguei em casa e falei pra minha mulher: “Nós vamos pra lá. Eu vou te levar pra lá?”. Porque ela também já tava... Eu falei: “Eu vou te levar pra lá. Nós vamos pra lá”. Daí uns dias eu mandei um torpedo pra ela, falei: “Estamos indo dia tal e voltamos dia tal. Já comprei as passagens, não sei o quê, agora vamos fazer o roteiro”. Esse filme é um filme chamado Hanami. Não sei se vocês viram, é um filme de uma diretora alemã, um filme maravilhoso que se passa uma parte na Alemanha e uma parte lá no Japão. Hanami quer dizer cerejeira em flor, que eles chamam de Sakura. O japonês na época da cerejeira em flor fazem uma celebração que é ficar embaixo das cerejeiras confraternizando. Isso é o Hanami, essa confraternização. E coincidentemente, depois que eu saí do filme, quer dizer, o meu aniversário em abril é a época da cerejeira em flor lá no Japão em uma determinada região. Porque o Japão é comprido. Desde Okinawa até Hokkaido você tem latitudes diferentes. Então, a primavera acontece em momentos diferentes, então é desde março até maio você tem as cerejeiras em flor em lugares diferentes do Japão. Aí eu escolhi a dedo: “No dia do meu aniversário” eu falei “eu quero estar embaixo de uma cerejeira tomando saquê”. E foi isso que eu fiz lá no norte do Japão. Isso pra quê? Pra celebrar a impermanência mesmo porque quando você... Depois que eu estive lá, você entende o que é o lance com a cerejeira porque é um momento tão fugaz, mas é tão lindo, é tão bonito aquilo que... Mas é uma impermanência, porque ela vem e vai. O japonês conta às vezes os minutos, o exato momento em que a flor vai se abrir. Era um parque que tinha mais de dez mil árvores de cerejeiras. A cerejeira às vezes tem lá 250 anos. É um negócio maravilhoso. Só que o lance com a história foi que eu escolhi lá um hotel que eles chamam de Ryokan, é um hotel familiar desses que a gente costuma ver nos filmes, naquela casa tradicional japonesa. E era uma família... Bom, foi um negócio emocionante, mas no final da história esses japoneses não falavam nada de inglês praticamente. Ele falava: “ ______” pra mim assim “_____ Piccolo san. Piccolo san. _____”. A gente conversava, no final não fazia diferença, conversava em português, ele em japonês e a comunicação era perfeita. Não. Parece sandice minha, mas... E aí no final ele me fez... Ele rasgava um pouquinho só de inglês, mas com um sotaque, sotaque de inglês japonês é uma coisa maluca. Aí ele me perguntou o porquê é que eu tinha escolhido aquele lugar. Eles trouxeram bolo de parabéns pra mim lá. Foi um negócio emocionante. Eu tava lá na... Porque não tinha ninguém, é uma cidade turística, mas não tinha ninguém lá. Só tínhamos nós lá. Aí eu fali pra ele que até o momento... (breve silêncio) Bem, como vocês puderam perceber eu fiquei emocionado só de contar essa história. Eu falei pra ele o seguinte, que até aquele momento que ele tinha me perguntado aquilo, ou um pouco antes, eu não tinha tido a menor ideia do porque é que eu tinha ido parar lá, mas se ele me perguntasse qual era o lugar que eu tinha mais gostado era o final da viagem. Qual era o lugar que eu tinha mais gostado da viagem, no fim mais importante de tudo eu disse assim pra ele: “Seguramente foi aqui”. E foi mesmo. A gente saiu, eles foram todos na rua e ficaram se despedindo o tempo todo com a gente lá, até o momento que nós viramos e ficamos fora do campo de visão deles. E quando teve essa história do tsunami, eu nunca tinha sentido isso, eu e a minha mulher também a gente sentiu muito aquela coisa toda. Aí eu liguei pro pessoal da agência, falei pra eles: “Eu gostaria de ter notícia deles”. Ele mandou um e-mail pra eles, porque era uma região perto de onde aconteceu a parte mais terrível lá do tsunami. Depois de um tempo ele me mandou um e-mail dizendo que lá eles não tinham sido atingidos e que eles tinham ficado muito... Tem uma palavra pra isso em japonês lá que eu esqueci, mas eles tinham ficado muito felizes com o nosso tipo de uma preocupação. Não é exatamente isso, é uma determinada palavra em japonês lá. Agora, porque nesse lugar tinha uma... A gente foi andar a esmo lá, tinha uma montanha... Era um lugar sagrado. Fui descobrir depois, fui entender depois aquilo. Uma trilha que nós fizemos ao contrário, na verdade, não tinha ninguém. Um monte de Budas e de figuras, foi um negócio mágico. Eu tive uma experiência, minha mulher outra ali também, mas foi uma coisa mágica. E sem falar nada lá, sem ser uma coisa que você fala: “Puxa, agora eu sei o que é que eu vim fazer aqui neste país”. O Japão é um lugar muito, mas muito louco mesmo. Se você vai lá aberto você pode ter uma experiência fenomenal. Se você for trancado poder ser uma coisa terrivelmente chata também. Não foi o que nós vivemos lá e eu quero voltar lá seguramente. Espero poder voltar lá um dia, porque é um lugar que tem a ver com... Por isso que eu gosto de viajar nesse tipo de situação. Como a que eu vivi na Itália também que eu me emocionei em saber que eu tinha de algum jeito vindo daquele lugar lá. Ou quando a gente foi pro Oriente Médio que a família da minha mulher é de lá, a vó dela era de Damasco, na Síria e nós fomos pra lá. O avô era de Zahlé, no Líbano. No Líbano não deu porque tava tendo bombardeio lá, não deu pra ir, mas andamos por todo aquele deserto lá. É louco porque quando eu viajo, eu brinco... Quando eu me identifico muito com o lugar, lá no Oriente Médio eu falei pra ela: “Olha, eu gosto de deserto. Eu adoro viajar por lugares desérticos”. Porque o deserto pra mim, aquela aparente... Aquele cenário seco e aparentemente sem vida, sem nada, pra mim é o mais... Ele é fantástico porque ele me provoca uma viagem interior muito grande. Eu não sei o porquê, mas o deserto pra mim é um cenário que me acalma, leva pra dentro de mim mesmo. Lá no deserto no Oriente Médio eu falei pra ela: “Em alguma encarnação eu fui beduíno. Com certeza”. E lá no Japão eu descobri que alguma encarnação eu tinha sido samurai também. Enfim, é uma brincadeira, mas é uma brincadeira séria. É algo que dá impressão, eu falo: “Nossa, por que...”. Vai ver que eu fui samurai em alguma vida aí, sei lá eu. E esse filme que eu fui ver essa semana aí é sobre um samurai, é um filme belíssimo. É um festival aí na Cinemateca.
P/1 – Agora eu gostaria de perguntar o que você achou de dar essa entrevista, de contar um pouco da sua trajetória de vida, da sua experiência com comércio nessa manhã de quinta-feira.
R – Eu vou te confessar uma coisa, a gente recebe muito e-mail lá, muita coisa de jornal, um monte de coisa chata. Por quê? Porque 20 e tantos anos, eu já participei de uma série de matérias, em TV inclusive, jornal disso, daquilo. São sempre as mesmas coisas, a maioria delas são as mesmas coisas. E essa coisa de mídia, hoje eu tento ficar mais assim, eu gosto de ficar mais... Muitas das coisas que são eventualmente interessantes pro bar eu falo pro Fabiano, que acho que falou com você, pego outro pra fazer. Ele me encaminhou esse e-mail e eu achei... Primeiro que eu vi o SESC ali, falei: “O Sesc é um órgão que sempre faz coisa legal. Deixa eu ver o que é isso aqui”. É. Eu sou frequentador de vários SESC... O SESC é uma luz no final do túnel da coisa... Eu digo no aspecto cultural no Brasil, porque oficialmente tudo que se tem é de baixo nível e o SESC sempre tem coisas maravilhosas. Eu falei: “Deixa-me olhar que se tem um link com o SESC deve ser um projeto interessante”. Eu achei bacana, memória da pessoa. Eu não sei o porquê, mas imediatamente sabe que me linkou na hora? O Museu da Língua Portuguesa. Não sei o porquê, mas é um museu que eu adoro, eu acho a ideia, a concepção daquele museu muito bacana. Eu não sei porque eu fiz esse link, mas isso me agradou. Falei: “Deixa-me ver o que é”. Porque Museu da Pessoa, foi a gente que conversou, você falou: “Pô, to dando um depoimento, com um bar, com um lugar”. Eu achei isso bacana. Eu achei isso legal porque é uma memória... Você tá me perguntando, eu não sei o que vai sobrar de tudo isso que eu falei, mas de coisas que pra quem se interessar por esse tipo de depoimento eu acho, que vai saber um pouco de outros aspectos do bar que não aparecem na mídia, que têm a ver com as pessoas. Porque esse tipo de lugar está diretamente ligado com as pessoas. Eu fiquei pensando se eu viria aqui ou se eu falaria pro meu pai vir aqui. Meu pai que seria outro depoimento completamente diferente. Às vezes, ele fica meio sem jeito, não sei o quê, mas se ele se sentisse a vontade aqui é capaz de ficar três vezes mais horas do que eu falando aqui, contando. Seriam outras histórias. Mas eu pensei por que eu resolvi vir? Eu achei que seria... Eu não sei. Deu vontade. Deu vontade de contar um pouco de coisas, de outras coisas que são essas mesmas coisas que eu vivo contando pra quem tá interessado em ouvir esse tipo de história, que se nutre disso, que acha legal isso como eu. Eu gosto de ouvir esse tipo de história dos lugares quando eu descubro, qualquer canto que eu estiver que tenha a ver com a pessoa. Quer dizer, porque você nunca sabe, você vê lá, você sente aquilo de um jeito bacana, mas quando as pessoas começam a te contar o que rolou, da vida delas, às vezes é outra vida completamente diferente. Isso torna tudo mais fascinante ainda. Você fala: “Isso é mais legal do que eu imaginava ainda”. Eu acho a ideia disso, eu não conhecia esse museu, eu não sabia que isso existia nem nada, mas eu achei fantástico. Porque se isso está linkado com os lugares, se vocês vão fazer esse mapeamento como vocês me disseram que vão fazer dos bairros ainda... Bom, São Paulo está cheio de lugares como o FrangÓ. Eu conheço um ou outro, são histórias de vida. Eu tive na Patagônia agora no Réveillon, eu conheci um lugar lá, tava num hotel e perguntei pro cara: “Eu queria comer num lugar legal”. Ele falou: “Tem um lugar assim, assim, assado.” “É legal lá?”. “É.” “Tá bom. Quero ir lá”. Era uma vista magnífica em Ushuaia, um lugar lindo, e era um restaurante, chamava _______. Era um francês. Porque tem lá que a cozinha fueguina da Tierra del fuego como eles chamam, com muito cordeiro e esse cara tava fazendo um negócio com base francesa, com técnica francesa, com a cozinha fueguina. Mas por que eu to falando isso aqui? Tinham poucas pessoas lá e tudo mais, lá tem muito turista que vão todos nas churrascarias. Esse camarada escolheu fazer um restaurante no alto do morro com uma vista espetacular, difícil acesso, onde tem meia dúzia de gatos pingados aqui porque é um ótimo negócio pra se investir, coisa nenhuma, né? É mais um daqueles que foi lá, foi num lugar, encantou-se, o sujeito largou pra trás, mudou de vida e tá fazendo, daqui um tempo esse trabalho todo dele vai ser conhecido, reconhecido e tudo mais. Eu quero dizer, eu me reconheço nesse tipo de lugar quando eu encontro um pelo caminho, sabe? Então, imediatamente eu tenho respeito. Eu tenho respeito e eu tenho curiosidade de saber um pouco do... Porque você sabe que isso aí é um maluco qualquer que virou também a vida. Porque eu não tinha nada a ver com isso, minha paixão sempre foi a música, cinema. Eu brinco, virei vendedor de frango. Não tem nada de mal nisso, mas é. É também isso, mas isso é que... Eu não olho isso de jeito negativo, nem inferior, nem porra nenhuma. Pra mim é fantástico, foi uma coisa linda. Vendendo frango. Por que não? Vendendo frango e cerveja, virei especialista em cerveja. Nunca imaginei que eu fosse fazer isso na minha vida. Pode ser que seguramente outras coisas vão acontecer. Também não sei, não fico determinando. Esse tipo de lugar me faz... Por isso que eu resolvi vir aqui. Eu achei legal. Eu falei: “Puta, é uma oportunidade de contar um pouco dessa história do bar. Acho que vai ser legal”. Não sei. Pareceu ser uma coisa... Legal esse trabalho que vocês fazem. Eu não vi nenhum depoimento, depois eu vou acessar, você vai me passar os links e tudo mais, eu vou dar uma olhada, mas eu achei a ideia muito bacana, porque você tá focando na pessoa. E nessa época de mundo virtual, tudo, não dá pra ter contato, mas isso aqui é um contato de certa maneira. Tá lá. Quem quiser acessar curiosamente vai encontrar, vai ver, vai achar chato, boring ou não, vai achar fantástico, que legal, isso e aquilo. Não importa. Tá registrado. Eu achei legal isso. A ideia é muito interessante. Agradou muito. Por isso que eu falei: "Topo, quando você quer fazer? Vamos fazer já e acabou ai". Eu gostei da ideia.
P/1 – Que bom.
R – Eu tenho certeza que vou gostar do resultado também. Depois não sei como é que vocês editam, quanto tempo, tudo mais, mas eu gostaria de dar uma olhada nisso sim. Depois se quiser me mandar inteiro também, vai ser divertido me ver falando. Falei tanto aqui que... É isso.
P/1 – Tá certo, Cassio. Muito obrigada. Em nome do Museu e do SESC a gente agradece a sua presença e entrevista.
R – Legal. Foi um prazer.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher