Histórias Que Reciclam
Depoimento de Pedro Francisco dos Santos (Pedrishna)
Entrevistado por Lucas Torigoe e Jonas Worcman
São Paulo, 04 de novembro de 2015
Realização Museu da Pessoa
HQR_HV05_Pedro Francisco dos Santos (Pedrishna)
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Pedro, qual é o seu nome inteiro, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Pedro Francisco dos Santos. Nasci em Piracicaba, interior de São Paulo, aos quatro de outubro de 1984.
P/1 – E o seu pai, qual é o nome inteiro dele e a mesma coisa.
R – Meu pai se chama Nivaldo Pedro dos Santos. Ele nasceu também em Piracicaba, não sei exatamente o ano, se não me engano foi em cinco de setembro de 60 e alguma coisa, 63, por aí.
P/1 – E a família do seu pai vem da onde?
R – Meu pai é de Piracicaba mesmo, mas a família em si, são sete irmãos, eles vieram do interior de Minas e meu pai foi o único que nasceu em Piracicaba, todos nasceram em Minas. Meu pai foi o caçula.
P/1 – E eles faziam o quê, você sabe? A família do seu pai lá em Minas? O que eles vieram fazer aqui?
R – Eu sei que o meu avô, falecido já há algum tempo, era professor de Matemática, Física, Ciências Exatas. E em Piracicaba ele foi dar aula na USP, na Esalq. A minha avó era dona de casa, beata.
P/1 – E a sua mãe, qual é o nome dela?
R – Minha mãe se chama Lydia Emanuela de Aguiar. Ela veio do Espírito Santo, nasceu em Itaguaçu, uma cidade pequena, mas ela nasceu por acidente ali, só nasceu ali. E ela foi morar em Piracicaba, onde conheceu meu pai quando era jovem, devia ter uns 14 pra 15 anos.
P/1 – Por que ela nasceu por acidente? Você sabe da história?
R – Os pais dela estavam viajando e quase que ela nasceu no trem (risos), ia dar estação da luz (risos), quase que ela nasceu no trem mesmo. Mas aí não sei direito porque ela resolveu viajar com nove meses de gestação, enfim, outra época. E os pais dela é bem interessante, os meus avós. A minha avó ainda está viva, ela é filha de alemães mesmo que vieram da guerra, aquela história, vieram meio fugidos tentar um espaço mais de paz e vieram para o Brasil. Eu conheci o meu bisavô, inclusive, alemãozão, bem alemão mesmo. A minha avó é filha de alemães, então ela é bem alemãzona. E ela casou com um meu avô que é uma mistureba. O pai dele era índio, bem índio, já morava na cidade mas filho de índio mesmo e a minha bisavó, que eu também cheguei a conhecer minha bisavó e meu bisavô, minha bisavó era filha de negro, bem negro mesmo, com europeia. E aí era um casal meio proibido na época, aquela perseguição. Era um casal meio perseguido, então eles nem sabem direito a origem europeia, não sabe de onde veio, só que é europeia com negro. Fugiram, tiveram ela, a minha bisavó. A minha bisavó casou com índio e deu meu avô (risos). O meu avô casou com alemã e deu minha mãe (risos). É bem misturado mesmo. E a parte do meu pai, por outro lado, é mais europeia, italiano, espanhol e português, principalmente. Eu sou bem essa mistureba, bem brasileiro mesmo (risos).
P/1 – E como seu pai e sua mãe se conheceram? Você sabe?
R – Acho que foi no coral da faculdade que meu pai fazia. Meu pai é músico, um grande músico lá de Piracicaba, e na época minha mãe também cantava, minha mãe hoje em dia não trabalha com música, mas na época ela trabalhava, com meu pai, inclusive. E eles se conheceram no coral e faziam viagens. Minha mãe era bem nova, tinha 16 anos quando engravidou e quando nasceu 17, bem menina assim. Foi um choque mesmo na família, aquela coisa, minha avó teve um infarto e quase morreu (risos). Foi bem chocante pra família, mas super corajosa, um casal bem jovem, meu pai tinha 20 anos, 21, minha mãe 17, estava ali encarando mesmo a vida de pais, com uma casinha bem humilde, mas que tinha uma hortinha, então eu tive a benção quando bebê de ser alimentado só com papinhas feitas pela minha mãe com comidinhas que eles mesmos plantavam. Minha mãe sempre teve essa coisa, que eu acho que vem do alemão, o alemão tem muita coisa de conscientização, de orgânico, de reciclagem, inclusive. Então minha mãe puxou isso também e eu tive essa benção de ter um começo de infância bem saudável, bem gostoso. Uma cidade do interior com muitas brincadeiras de interior, a minha infância foi bem infância pré-computador.
P/1 – Como assim?
R – Acabei de inventar esse termo, não sei se existe (risos). Pré-internet, eu diria que quando ainda não existia computador. O computador é muito legal, é muito interessante, então ele acaba atraindo as pessoas e escravizando elas muitas vezes, principalmente as crianças, que as crianças gostam de fazer coisas legais, as crianças gostam de brincar e de fazer coisa muito legal. Se você já apresenta para a criança, logo de cara, o computador e mostra que isso que é legal, até porque você bota a criança ali e depois tem tempo pra fazer suas coisas, que é o que acontece muito com essa geração depois da minha geração, é uma infância muito diferente da que eu tive, é uma infância é onde as crianças não conhecem brincadeiras de roda. Eu brincava de pular corda, apesar de que na minha época ainda era um pouco, uma sociedade machista e homofóbica, pular corda era meio que coisa de menina, mas eu brincava, eu gostava, até de boneca eu brincava também. E isso era um pouco revolucionário na época, tinha que ser um pouco escondido para os meus amigos não me bolinarem (risos), mas enfim eu brincava de todas as brincadeiras da infância, de pião, bafo, álbum de figurinha, subir em árvore, pega-pega, esconde-esconde, pique-bandeira, tudo brincadeira. E eu era muito ruim em todas, tenho que confessar, porque eu só gostava mesmo de jogar bola, futebol. Então desde criancinha eu gostei de futebol, me desenvolvi mais. E acabei jogando até depois de grande, tive por muito tempo o sonho de ser jogador de futebol. Até o terceiro colegial que eu não sabia o que eu ia ser porque eu achava que eu ia ser jogador, acabei não virando jogador, pô, o que eu sou então? Daí tem que pensar em ser alguma coisa agora, a vida inteira eu achei que ia ser jogador. Então eu brincava de tudo, mas não era bom em nada. Empinar pipa. Nossa, muito legal.
P/2 – No futebol você chegou a jogar em time?
R – Profissional, não. Cheguei a fazer poucas peneiras também. Peneira oficial eu fiz só uma que eu cheguei a passar pra fase seguinte mas no final não fui selecionado, ninguém foi. Eu não jogava muito campo também, sempre joguei mais salão e não cheguei a ter um incentivo dos pais. Meus pais me colocavam em escolinha até, mas não era aquela coisa de levar pra peneira e pra olheiro e tentar. Mas eu agradeço porque não é o que eu queria ser mesmo hoje em dia. Eu sou muito grato a tudo o que aconteceu.
P/2 – Você lembra alguma história de futebol mesmo, uma dessas histórias de campo, viajar?
R – De futebol? Pô, futebol é muito marcante mesmo na minha vida. Eu amo muito, sempre amei. De uns tempos para cá depois que eu passei uma revolução interna que eu tive um despertar espiritual e foi quando eu mudei a minha vida de rumo, que eu segui um caminho muito diferente, o futebol acabou ficando em segundo plano ou até mais, terceiro, quarto, quinto. Mas jogar futebol em si eu gosto muito, ainda gosto muito. E por mais que eu acho grande besteira o que acontece hoje em dia com futebol, imprensa, brigas, futebol que incita a violência. O futebol podia ser muito uma coisa de incitar a paz, que é até muitas vezes. Por várias questões do capitalismo dominando o futebol, vendo como que acabou com a magia um pouco eu me desliguei desse futebol, mas gosto muito de jogar. E uma das coisas que eu sempre gostei muito é de jogar com pessoas diferentes, então o futebol sempre foi a minha forma de trabalho de campo a nível nacional e internacional inclusive. Eu gosto muito de viajar, então sempre que eu viajo eu vou procurar onde o pessoal está jogando futebol, eu vou na molecada ali. Isso desde moleque, desde quando eu viajava com meus pais, pequenininho, saía um pouco dos meus pais, daquele clima de hotel e não sei o que e ia pro root pra procurar uma quadra com a molecada local. Eu sempre acreditei que essa é uma forma minha de interagir com a sociedade, com o mundo em si, é uma forma de você conhecer o local que você está, as gírias do pessoal, como que as pessoas interagem, como elas são umas com as outras. Elas são agressivas, elas são carinhosas, elas são legais, elas são divertidas? Então isso eu acho que é o que mais me marcou no futebol, foi durante a minha vida toda eu ter sempre conhecido lugares e jogado com pessoas em vários países, inclusive. Já fui no México, joguei futebol no México quando viajei com a escola, depois fiz vários mochilões depois de grande, de viajar no roots com arte, com música e sempre dando um jeito de tocar e também de ir em jogo no lugar, eu gosto muito de ir no estádio.Fui em estádio na Bolívia, no Paraguai, na Argentina. Fui até na Europa também, quando eu fui no Camp Nou do Barcelona ver um Barça e Real Madrid que foi muito legal pra mim, bem histórico. Hoje em dia eu não me ligo tanto, mas eu vejo o teor histórico de ver um jogo desses assim, coisa que foi recentemente, eu já tinha umas coisas mas nesse eu investi, paguei mesmo pra ir no jogo porque falei não, isso vai entrar pra minha história, ter ido num jogo desses (risos).
P/1 – E como foi esse jogo, você lembra?
R – Foi massa. O Barcelona ganhou e eu gosto muito do Barça, simpatizo com o Barça, não só o futebol em si, mas a questão política, que lá é muito político o futebol. Barcelona é o time da galera mais de Barça, galera bem artística, tem muito a ver com o nosso movimento, contra o Real Madrid que é o time da realeza, Real Madrid, que é o time da burguesia mesmo. Foi um jogo muito massa, o Cristiano Ronaldo estava no Real e o Messi no Barça e cada um fez um gol, inclusive. Acho que foi três a dois pro Barça, que daí no outro jogo acabou perdendo a final, o Real Madrid ganhou. Mas foi legal, o jogo que eu fui pelo menos deu pra torcer. E muito interessante também porque a torcida é toda junta. Era no estádio do Barcelona mas tinha bastante do Real Madrid também e não tem setor de nada, o setor é só por comodidade do espaço, da visibilidade do estádio, mas tudo misturado, misturado mesmo, não é nem que as torcidas se juntavam, totalmente misturado mesmo. Quando era gol do Real Madrid você via a galera espalhada no estádio inteiro comemorando, só que menos gente e quando era gol do Barça quase o estádio inteiro comemorando. E na saída do estádio, nos restaurantes, em todo lugar sempre misturado também, gente com camiseta, totalmente à vontade, uma coisa que pra nós brasileiros é inimaginável você imaginar um São Paulo e Corinthians numa saída do estádio ali na padoca em frente ao estádio do Morumbi e a galera tomando um café e comendo junto. Que é uma idiotice se você for parar pra pensar, como que pode, é um absurdo mesmo. O que tem a ver, cara, você está junto com um cara que gosta da mesma coisa que você, gosta de futebol, estão por um bem maior, uma coisa que você gosta, que você ama, que se transforma numa violência. Isso é uma coisa que não dá muito para entender e para concordar, foi uma das coisas que me fez desencanar um pouco do futebol, sabe? Eu sair com a camiseta do meu time na rua começou a ser um desprazer pra mim porque ou vem um monte de gente que torce pro seu time que vem: “Ô, pode crer, sou São Paulo, pô, legal, é”, puxando assunto com você e você tem que saber de tudo, tem que estar ligado ou senão você não é sãopaulino. Ou no caso contrário, um monte de gente vem te zoar que você é são-paulino, que você é bambi, não sei o quê, uma agressividade. Muito besta mesmo, que eu comecei a ter um desprazer de andar com camiseta de time, principalmente do meu time. Eu até gosto de camiseta de futebol inusitada, de times diferentes, mas principalmente o meu time eu comecei a ter um desprazer de ter essa interação violenta. E foi muito interessante porque foi na época que meu time ganhava tudo, não foi aquela coisa de: “Ah, ele desencanou”, tipo hoje em dia seria um bom momento pra desencanar do meu time (risos), São Paulo está numa fase bem difícil mesmo. Mas na época que eu desencanei foi justamente quando o São Paulo acabou de ser campeão mundial, foi no ano de 2005, que foi um ano que teve várias revelações, teve aquela história do escândalo da política do Mensalão, que foi uma desilusão com a política e ao mesmo tempo uma desilusão com o futebol, que eu vi que o futebol é todo comprado e sempre foi, a gente sempre acha que é beleza, tal. Lógico que existe jogo e tal, mas está tudo ali, capitalismo dominou mesmo, faz de um jeito que teve aquele escândalo da arbitragem que revelou que os caras mexem mesmo nos resultados dos jogos, influenciam totalmente. Aí eu já estava numas de procurar uma coisa mais política pra seguir, uma vida mais de mudar o mundo e quando eu vi que isso só estava fazendo eu perder tempo, aquela coisa que eu gastava muita energia e sentimento, uma força energética minha, foi uma coisa que estava longe dos princípios que eu acreditava. Então 2005 foi um ano chave que rolou essa história que até o Corinthians ganhou aquele campeonato brasileiro totalmente roubado, claramente e assumidamente roubado (risos), né corinthiano? Mas nem por ter sido o Corinthians, foi por sacar que o futebol é assim mesmo e rola isso. E ao mesmo tempo o São Paulo estava ganhando o Mundial Interclubes, o título mais importante do São Paulo e que pra mim, mesmo ganhando esse título, lógico, comemorei, fiquei muito feliz mas já foi uma coisa que já estava desencanando do futebol mesmo. E durante três anos seguidos meu time ganhou o Brasileiro três vezes seguidas e eu já não tinha mais esse ímpeto de comemorar, ou seja, não via muita razão pra comemorar tanto assim.
P/1 – Mas perdeu o prazer de jogar futebol?
R – Não, não, de acompanhar.
P/1 – Só de acompanhar.
R – De acompanhar o futebol profissional capitalista. Inclusive aí foi o momento que eu tive uma grande mudança também nesse sentido, que eu comecei a me aproximar mais do meu time de infância, de coração, que é o time da minha cidade, que é o XV de Piracicaba. Chegou um momento que eu vi: “Pô, esses times são tudo capitalistas. São Paulo, Corinthians, Palmeiras, é uma disputa muito da violência das torcidas e do capitalismo mesmo, uma coisa que quem tem mais grana vence, quem consegue influenciar mais os jogos ganha”, eu comecei a ver que perdeu um pouco de graça pra mim. E nisso eu comecei a acompanhar o XV, que eu pensei: “Vou torcer agora mais pro XV, se eu gosto de torcida, gosto de ir no estádio”. Não é que eu virei casaca, eu ainda sou são-paulino, mas tenho um desgosto muito forte pelo futebol capitalista top. Então meu amor pelo São Paulo é incondicional, continuo amando mas de uma forma diferente, não tenho mais vontade de defender isso, defender pra quê, né? Para um time que é um time empresa, daí eu comecei a gostar mais do XV que é um time do interior. Na época que eu comecei a acompanhar mais assim ele estava na terceira divisão do Paulistão, um time abandonado totalmente, que tem uma torcida muito grande, muito fanática, a gente tem orgulho de falar que é a maior do interior, tirando Guarani e Ponte Preta que são de Campinas é a maior torcida do interior e é muito fanática. Todo jogo que tem fora de Piracicaba o XV leva ônibus, às vezes tem mais torcida do que o próprio time local (risos). A torcida é muito fanática e muito linda. Eu comecei a acompanhar e a ver que a torcida não tem uma música que fala de violência, todas as músicas são de beleza do time, de amor pelo time, ou vai onde o time for e tudo o mais. Não tem nem uma, sem exceção, que fala de violência, de incitar alguma forma de violência. Eu me identifiquei muito com isso e gostei, e foi até que, muito pé quente, o XV começou a subir. A primeira vez que eu acompanhei mais ele estava na terceira divisão, há alguns anos abandonado ali, totalmente quase falindo o time, aí se reergueu, subiu da terceira pra segunda, daí na segunda eu acompanhei bem de perto também, indo em jogos, tal, aí eu fui na final que foi contra o Guarani, inclusive, foi campeão. Engraçado que eu vi um título do XV de Piracicaba (risos), incrível, muito privilégio mesmo. No estádio ainda, lá do XV. E aí subiu pra primeira e ganhou do Guarani a final e aí desde a primeira nunca mais desceu. E é muito legal que agora posso ir a estádio aqui contra o Palmeiras, contra o Corinthians, fui em jogos de todos os times grandes pelo XV, inclusive contra o São Paulo, inclusive jogo que o XV ganhou historicamente do São Paulo recentemente, no Morumbi, o XV não ganhava de time grande há 20 e tantos anos, 24 anos acho. E a primeira vitória do XV contra time grande foi contra o São Paulo no Morumbi e eu fui lá no estádio (risos).
P/1 – Você ficou dividido?
R – Na torcida do XV. Não, eu senti que eu ficaria dividido mesmo se fosse uma questão de vida ou morte pros dois times. Por exemplo, se fosse uma questão de classificação ou se fosse uma... aí eu acho que meu coração ficaria tocado. Mas acho que eu torceria pro XV mesmo, até porque o São Paulo já ganhou tudo o que tinha que ganhar, não precisa mais ganhar nada porque já ganhou tudo, não tem mais graça (risos). Imagina o XV ganhando do São Paulo e passando para uma final, ia ser muito histórico. Nesse sentido eu acho que eu gostaria de torcer pro XV. Inclusive nesse dia eu estava no estádio do São Paulo na torcida do XV que estava muito grande, inclusive. Foram vários ônibus, estava quase igual a do São Paulo, inclusive, estava tipo pau a pau, e cantando mais do que a do São Paulo até (risos). Foi muito legal.
P/1 – Queria voltar um pouco agora pra questão da usa infância mesmo. O seu pai fazia o quê? Ele estudava na Esalq, é isso, quando ele conheceu a sua mãe?
R – Eu acho que sim, mas foi só pra conhecer a minha mãe mesmo porque ele virou músico. Acho que ele fez engenharia, se não me engano, mas só entrou assim. Foi o coral que fez ele decidir o que ele queria, que era sempre ser músico, a vocação dele era ser músico, é um grande músico mesmo, violonista top mesmo, já ganhou prêmios, concursos de música clássica assim. Mas ele trabalha mais com música brasileira, com MPB, então ele usa um pouco do que ele aprendeu com a música erudita, trabalhando e fazendo versões lindas, só voz e violão dos clássicos da MPB. É o que ele faz até hoje, se dedica a isso há quase 30 anos talvez, 20 e poucos anos. Mais de 30 anos, claro, eu tenho 31 ele já trabalhava.
P/1 – E aí ele conhece a sua mãe e já engravidou a sua mãe, foi isso?
R – É, eles namoraram por pouco tempo e já apareceu eu aí.
P/1 – Você é o primeiro filho.
R – Foi, eu fui o primeiro filho da minha mãe e do meu pai também. E na época eles cantavam juntos, inclusive tinham projetos juntos e quando eu nasci eu sempre fui acostumado, desde criança, desde bebê, a essa vida louca que eu sigo até hoje como artista (risos) que é horários malucos, trabalhar na noite, trabalhar com arte, então um dia fico o dia inteiro em casa no outro tem que trabalhar, daí viaja e tal. Então desde pequenininho eu tive essa vida. Às vezes meus pais não tinham com quem deixar e tinham que tocar. Eu ia junto, dormia atrás da caixa de som, botava eu pra dormir ali, bebê mesmo. Então nunca tive muito problema com viagens, com dormir, com sono, durmo muito bem em todo lugar, sempre tive um sono tranquilo e aprendi desde criança a gostar mesmo de viajar, dessas aventuras pra vida.
P/1 – Você lembra de alguma música que te marcou que seus pais cantavam? Ou alguma ocasião?
R – Tem uma música que eu gosto muito que meu pai toca assim que é inclusive a música que deu origem ao meu nome, Pedro.
P/1 – Ah, é?
R – É. É uma música do Toquinho, desculpa, do Vinícius. Ou é do Vinícius ou do Toquinho. É do Toquinho, eu prefiro a do Toquinho.
P/1 – Mas como é?
R – Ela se chama “O Filho Que Eu Quero Ter” e não fala Pedro na música, mas só que meus pais são muito fanáticos, gostam muito de MPB e sabem que o filho da homenagem da música chama Pedro. É uma música bem bonita. E fala isso, do filho que eu quero ter, é uma poesia bem bonita. E minha mãe, desde que ela soube que ela estava grávida, uma coisa inscrível, ela sempre soube que ia ser homem e ia ser Pedro. Na época os ultrassons eram mais primitivos, era 84, ela falou que demorava mais pra saber mas desde o começo da gravidez ela: “Não, meu filho é Pedro”. Se fosse mulher ia ser difícil, Maria Pedro, um nome assim (risos), porque eu ia ser Pedro. E eu nasci no dia de São Francisco e minha avó super católica, super religiosa diz que tinha que ser Francisco. Daí minha mãe: “Mas é Pedro” “Mas tem que ser Francisco” “Mas é Pedro”. Aí virou Pedro Francisco, combinação inusitada.
P/2 – Você nasceu no dia de São Francisco.
R – Quatro de outubro. Que muitos anos depois eu assumi com muito orgulho essa data, porque dentre os santos, de todas as coisas de religião, uma das coisas que eu mais gosto é a história de São Francisco de Assis. São Francisco pra mim é um grande exemplo mesmo, inclusive se mais pra frente a gente for continuando a história, eu não teria a prepotência de falar que eu fiz parecido com ele, não seria tanto assim, mas foi muito inspirador na minha vida, no sentido de ter tido uma condição financeira que pra muitas pessoas é muito boa, muito legal e invejada e que quer ter assim e eu num certo momento, nesse momento que eu tive essa grande revelação de abdicar de um caminho assim mesmo, de escolher um outro caminho que isso não ia ser o foco, muito pelo contrário, foi uma escolha bem de desapegar, passar bons anos sem querer saber disso que eu tive e começar uma vida nova, mais simples.
P/1 – Quando você nasceu em Piracicaba vocês moram onde? Como é que era?
R – Meus pais foram morar juntos numa casinha bem simples, uma casinha pequena na Rua São João lá em Piracicaba. Eu não lembro dessa casa porque eu morei pouco tempo lá, mas eu sei que tinha uma hortinha no fundo, tinha um quintal, então meus pais cultivavam os legumes, a hortinha pra fazer minha papinha (risos). Na sequência a gente foi morar num apartamento que eu morei, um apartamentinho bem pequenininho, lá em Pira também que eu morei em outras épocas da vida. Mas a gente morou numa casa também que tinha uma piscininha, depois morou num espaço cultural que meus pais criaram, que é espaço e música, de aula de música, tal, um espaço cultural mesmo e a gente morou lá, então foi um período de experiência bem interessante pra mim também, uma coisa que eu vivi muitos anos depois no espaço que eu sou um dos fundadores também que é a Casa Jaya, que é aqui em São Paulo. E um dos nossos amigos teve filho e eu me via muito nele, que eu considero como um sobrinho meu, que é o Teo, que é dele viver nesse espaço cultural. Então ele morava lá também no espaço cultural criancinha e via várias atividades acontecendo, vindo banda, palestra, vinha um monge tibetano, vinha vários iogue. E eu tinha muito isso na minha infância também, com outras atividades, mas nesse sentido de ter uma casa cultural e artística rolando e uma criança morando lá, que é uma coisa muito rica, muito interessante, viveu sempre com artista e tendo um cotidiano assim. Então o cotidiano da minha infância sempre foi muito ligado à arte.
P/1 – E você brincava na rua, você falou.
R – Aham, tinha os amigos, os vizinhos. Mas infância que eu mais lembro era um condomínio, mas um condominiozinho bem aberto, tinha uns vizinhos e era um condomínio grande de predinhos bem pequenininhos. Daí tinha quadra, piscina, gostava de jogar bola desde sempre e tinha a molecada do prédio que fazia essas brincadeiras de pipa, de pião, bafo, bolinha de gude. E é muito interessante essa casa porque é uma casa que é da família do meu pai e eu morei lá quando era bebê recém-nascido, daí morei nas outras casas no centro cultural, depois voltei lá de cinco a dez anos morei lá. Então a parte que eu mais lembro da minha vida de infância, a gente lembra mais dessa fase, dos cinco aos dez, porque antes eu lembro pouco e depois não era mais infância. Eu considero que a minha infância foi lá mesmo. E é muito interessante que com dez anos eu vim morar em São Paulo. Meus pais separaram e eu vim morar com meu padrasto e minha mãe em São Paulo. E aí a infância mudou muito, minha vida mudou muito em vários aspectos. Mas é muito interessante que meu pai continuou morando na casa lá de Piracicaba, casou com a minha madrasta, também tiveram filhos, meu padrasto e minha mãe também tiveram mais um filho, então eu fiquei com duas famílias, uma família em Piracicaba e uma em São Paulo. E como as duas famílias eram um pai e uma mãe e a outra um pai e uma mãe também, sempre senti muita consideração pelos quatro, então acabou que eu tenho quatro pais, dois pais e duas mães. E como é desde muito criança pra mim isso é normal, hoje em dia eu já acostumei com a ideia, duas famílias mesmo. E a minha família de Pira, meu pai, minha madrasta e minhas irmãs, são três, sempre que eu ia pra lá, desde que eu mudei pra cá eu ia pra lá, eu fui vendo a coisa crescer, evoluir, de uma infância dos anos 80, 90, pra uma infância dos anos 2000. Então na minha época da infância, fim dos anos 80 pros 90 era aquilo que eu já falei, aquela infância de bolinha de gude, de pipa, de bafo, futebol, brincadeiras na quadra, de pega-pega e tudo o mais. E eu fui vendo como, ano a ano conforme iam chegando essas novas tecnologias, chegou videogames mais modernos. A gente jogava videogame já, mas videogame era uma das brincadeiras, às vezes a gente brincava de videogame, mas nem a gente gostava tanto de ficar no videogame, brincava mas chegava uma hora: “Ah, cansei disso aqui”. Até porque os videogames não eram tão legais (risos). A tecnologia é tão legal que ela atrai até de uma forma negativa as coisas. Então a gente tem que sacar que por mais que seja legal certas coisas também são muito legais e a gente tem que saber equilibrar. Que nem a gente equilibrava muito na infância, eu considero que eu joguei bastante videogame mas nunca de uma forma doentia como eu vejo as novas gerações assim. A gente pegava, desligava o videogame e ia pra rua brincar.
P/1 – E você tem irmão de parte da sua mãe também?
R – É.
P/1 – É um outro irmão ou irmã?
R – É um irmão.
P/1 – Quem é?
R – Meu irmão, Rafael.
P/1 – Você cresceu junto com ele, né?
R – Sim, ele nasceu quando eu tinha 11 anos, então tem uma década de diferença.
P/1 – E você sentiu isso.
R – Muito, totalmente. Fez eu ter várias reflexões, como foi a minha infância e como foi a infância dele. Pra começar pelas diferenças de como funcionava o próprio sistema. Quando eu era criança o capitalismo ainda estava numa fase muito menos consumista do que passou a ser nos anos 90, depois do desfalecimento do comunismo, da queda do muro de Berlim e tal, o capitalismo no começo dos anos 90 teve esse boom de consumo, então foi uma coisa de impor consumo pras pessoas e criar novas coisas. Então quando eu era criança eu lembro que existia a pasta Colgate e a pasta Kolynos, pasta de dente tinha umas três marcas. De repente a Colgate começou a ter pasta pra isso, pasta praquilo, tripla ação é isso, vários sabores diferentes. E antes tinha o Sucrilhos, depois passou a ter Sucrilhos isso, Sucrilhos chocolate. Então começou a ter creme pra várias coisas, vários problemas começaram a surgir pra sociedade, vários remédios novos nasceram, foi um boom mesmo de mudar muito o mundo. E eu percebi isso muito com o meu irmão, que o meu irmão tinha brinquedos e necessidades de consumo que eu nunca tive. Lenços umedecidos, na minha época não existia isso. Até fralda, minha mãe usava fralda de pano. Já existia fralda descartável, mas primeiro que é muito menos ecológico, um absurdo o que se gasta em fralda descartável e também por uma questão financeira na época, que era muito cara. Então na minha infância a minha mãe só usou fralda de pano. Aquele trampo de sempre lavar. E aí meu irmão foi uma coisa de eu ver como foi a infância dele tinha muitos consumos: lenços umedecidos, é pomada pra isso, pomada praquilo, vários produtos. Ele também teve que tomar leite industrializado, a papinha dele era papinha industrializada, mudou muito. E eu vejo que foi uma coisa do sistema que mudou, não culpo minha família por nada, minha família com certeza só queria o bem pra ele, como quis o bem pra mim, era com certeza pensando no mais prático, naquela vida tentando dar o melhor pra criança sempre. E nessa que a gente cai um pouco nessas armadilhas do capitalismo, como que criam novas necessidades. A gente precisa de tudo isso mesmo? Precisa trocar uma criança, você precisa usar fralda descartável, você precisa usar um pano que você vai limpar e jogar fora, você precisa usar uma pomada, você precisa usar um talco ou só se tiver assado você usa alguma coisa? As pessoas não pensam assim pra usar, eu tenho muitos amigos que estão tendo filhos, a maioria tem essa consciência de usar fralda de pano e usar menos coisas, mas as pessoas que não pensam muito nisso usam tanta coisa sem pensar, tipo, usa milhares de cremes na bunda do neném sem pensar pra quê aquilo. Porque na TV fala que tem que usar, conta assadura do bebê, nem teve assadura por que você fica usando o negócio? “Ah, pra prevenir”. Não tem essa de prevenir. Põe um algodãozinho com água é suficiente, estou aprendendo isso agora. Ainda mais que agora eu vou ser pai, estou esperando um bebê, então tenho aprendido bastante coisa nesse sentido. A gente vai procurar ao máximo não cair nessas armadilhas do consumo, mas não privando o nosso filho de todo conforto do mundo, né? Todo conforto e comodidade do mundo, mas de uma forma natural, ecológica, sustentável, tudo isso que a gente vai buscar, eu e a minha companheira.
P/2 – Você disse que você teve duas famílias. Você podia contar um pouco como foi construída essa árvore genealógica, aquela peculiaridade toda?
R – (risos) Peculiaridade de eu ser primo do... (risos)?
P/2 – É.
R – No meu caso tem uma peculiaridade bem interessante porque eu sou primo em segundo grau do meu irmão ao mesmo tempo que eu sou primo em segundo grau do meu próprio pai. A minha mãe é minha tia-avó (risos), dentre outras derivações muito interessantes que saem daí. O que aconteceu foi que minha mãe era casada com o meu pai e se separaram. Na verdade a confusão começa antes ainda, que o meu pai tinha um pai, como todo mundo, e tinha um avô também, como todo mundo. A minha avó, o pai dela, no caso, meu bisavô, a minha avó tinha uma amiga adolescente e o meu avô era solteiro, acho que era viúvo, se não me engano, e ele se apaixonou pela amiga da minha avó, então ele casou com uma pessoa que tinha a idade da filha dele. E aí já começou a confusão porque tiveram dois filhos e esses filhos são muito mais novos do que a minha avó. Então o meu tio-avô é um pouco mais velho que o meu pai, mas da geração do meu pai, digamos assim. Aí o meu pai e minha mãe se separaram e a minha mãe foi casar justamente com esse meu tio-avô. E aí, se só tivesse casado assim talvez não teria dado tanta confusão, mas como teve um filho entrou muitas confusões e derivações porque o meu padrasto é meu tio-avô e aí o marido do seu tio-avô é a sua tia-avó, não é verdade? Sempre que você tem um tio-avô, daí tem a sua tia-avó, que é a mulher dele. Então a minha mãe é minha tia-avó. Ponto, não tem dúvida nenhuma, minha mãe é minha tia-avó. Aí, o filho da sua mãe é seu irmão. Mas o filho do seu tio-avô é seu primo de segundo grau, então, ele é a mesma pessoa, é filho do meu tio-avô e filho da minha mãe. Então ele é meu irmão e também meu primo de segundo grau. Isso é outra confusão. Aí, o meu pai é sobrinho do meu padrasto, meu tio-avô. Ele é irmão da minha avó, minha avó é mãe do meu pai, então meu pai é sobrinho do meu padrasto. Então o filho dele é primo, né? Se o meu pai tem o tio dele, o filho do tio dele é primo dele. Então meu irmão que era pequenininho, bebê, nasceu, era primo do meu pai (risos). Primo mesmo. Aí como meu pai é primo do meu irmão, você tá falando eu sou primo do meu pai também, né? Porque meu pai é sobrinho do meu padrasto, então ele é primo do meu irmão, então acaba que meu pai é meu primo de segundo grau (risos). Acho que é mais isso as derivações mais complexas. Aliás, esses dias eu descobri uma coisa interessante também, uma outra derivação, qual que é mesmo? Ah, acho que eu não vou lembrar agora, mas era uma derivação muito engraçada também, acho que era eu comigo mesmo. Acho que eu descobri que eu era o meu próprio tio ou primo, não lembro. Talvez se eu lembrar depois eu possa falar, mas é uma derivação.
P/2 – E a musiquinha? Porque você fez uma musiquinha pra isso.
R – A musiquinha (risos). Eu fiz uma paródia da música Paratodos do Chico. Não fiz, foi só uma brincadeira. Eu tenho um esporte que a gente, eu e meu parceiro da minha dupla caipira de reggae, que é o nosso projeto de música, a gente se diverte muito fazendo brincadeiras com as músicas, pega músicas, essas coisas. Não é que a gente queira fazer, fica no nosso cérebro sem querer e a gente acaba pondo pra fora às vezes. Então uma delas que veio foi aquela da Paratodos do Chico Buarque, eu cantava: “O meu pai era meu primo/ meu padrasto tio-avô/ Meu avô primo de segundo grau/ Minha mãe minha tia avó”. E por aí ia, mas era assim (risos).
P/1 – Por todo esse rolo que aconteceu.
R – Tinha mais parte da letra, mas eu não lembro agora.
P/1 – Já que você estava falando desse problema de geração fala pra gente, como é que era essa questão da reciclagem na sua infância? Existia essa preocupação, como é que era? Os resíduos, como eram produzidos.
R – Eu diria que hoje em dia que eu conheço um movimento muito ligado a essa questão, à questão de ecologia, questão de tal, eu sei que existia sim essa época só que era muito restrito. Digamos que não existia no mainstream, na televisão, no governo, não se falava disso, não tinha propagandas, pelo menos não no Brasil. Aí o que acontece? Como eu falei a minha família é de origem alemã da parte da minha mãe, então lá na Alemanha eles desde sempre têm essa questão, desde que inventaram o lixo já inventaram a forma certa de embora o lixo. Não é aquela coisa que fica fazendo o lixo sem pensar no que vai ser. O meu bisavô já reciclava na cidade em que ele morava, no interior do Espírito Santo e era meio considerado louco. Não louco, mas era considerado estranho, um cara que separava o lixo. E até de um jeito que nem tinha muito o que fazer porque o governo não tinha como fazer muito, então ele separava mais porque tinha o hábito de separar. Enfim, era uma época que ainda não tinha muita conscientização, né? Na minha infância eu não lembro mesmo de saber disso, de saber que tinha que separar lixo. Eu só sabia e fui muito educado pra isso, desde sempre, que o lixo tem que ser jogado no lixo, que tem que... E sempre foi uma coisa que eu achei desde sempre muito, aquela coisa que você acha errado, alguns amigos fazem e você fala pro amigo: “Nossa, não faz isso!”. Que o _0:41:26_ tinha um pouco de Reciclowns, esse aí que é o nosso grupo de palhaço que trabalha com isso. Mas eu achava que o certo era jogar lixo no lixo. Não tinha ainda consciência de que o mais certo era você consumir o menos possível, você nem gerar lixo. Então quanto menos a gente puder gerar lixo é até muito mais ecológico. Ou o quanto você ser vegetariano, ser vegano, é muito mais ecológico que você está atrapalhando uma cadeia de muito desperdício de água, de energia e que gera muitos resíduos, né? Todo consumir. Na época a gente não tinha essa consciência assim. Tanto não era muito difundido como a minha família também não chegava a ter essa consciência, a não ser por essa herança alemã da minha mãe, que tinha um pouco ainda, mas nem se compara com o que é hoje em dia, é muito mais difundido.
P/1 – E Pedro, como era você na escola? Você se lembra da escola em Piracicaba, em São Paulo?
R – Aham. Eu era muito bom aluno, eu sempre gostava muito de estudar. Quer dizer, não gostava tanto de estudar, mas ia muito bem na escola, no começo era meio superdotado, aprendi a ler e a escrever com quatro anos, com três anos já escrevia algumas coisas, eu nem lembro. A minha lembrança começa quando eu já escrevia, eu não lembro como eu aprendi, como que foi aprender. Eu só sei que a minha mãe conta a história que eu aprendi a escrever e ler totalmente sozinho. Eles liam gibis para mim, da Turma da Mônica, eu gostava muito e eu tinha só alguns gibis, não tinha grana pra comprar muito, então tinha os mesmos gibis e eu pedia pra eles lerem sempre, então eles liam muitas vezes as mesmas histórias e eu ia decorando e ia aprendendo como que era a língua portuguesa sozinho. Um certo dia a gente tinha um livro lá que chamava “Vinte mil léguas submarinas”, uma história conhecida, infanto-juvenil. Era um livro que tinha lá em casa, grossinho, dessa grossura assim. Um certo dia passou na televisão esse filme, na Globo, a gente estava ali vendo TV, daí eu falava todos os spoilers pra minha família, pra minha mãe e meu pai, estavam juntos na época ainda. “Ah, agora vai aparecer um tubarão! Agora vai aparecer o polvo”. E a minha mãe e o meu pai assim: “Mas como ele sabe?”, daí uma hora perguntaram: “Mas como você sabe, Pedro?” “Ah, porque eu li no livro. Eu já li o livro” “Mas que livro?” “Ué, o livro 20 mil léguas submarinas, é o livro do filme, eu já li ele”. Daí eles foram ver eu tinha lido o livro sozinho, sem falar pra ninguém, um livro grande assim, e tinha entendido a história inteira e tipo, estava ali, eu já sabia ler e eles nem sabiam. Eu tinha quatro anos (risos). Nem conversava direito, quatro anos você mal conversa. Eu já estava ali escrevendo, eu escrevia história em quadrinhos, eu lembro que tinha personagens, tudo isso com quatro pra cinco anos eu já escrevia histórias. Então na escola eu lembro que do começo, inclusive, da escola eu não via muito sentido na escola. Eu nunca tive conhecimento de outros métodos de pedagogia que pudessem dar uma atenção maior pra esse talento ou essa forma que eu tinha de ver o mundo. Eu posso dizer que a escola me emburreceu bastante, isso é uma coisa que eu tenho muita consciência, que a escola conseguiu transformar uma criancinha cheia de talentos, um menininho precoce em muitas coisas, conseguiu me encaixar na média, conseguiu fazer eu emburrecer: “Pô, pera aí, você está muito diferente do resto da população normal então fica assim”. No começo eu não via sentido na escola, as lições que tinha que fazer da pré-escola e na primeira série, eu achava tudo muito fácil e muito sem sentido, eu achava muito chato, não gostava muito. Eu gostava da escola por causa dos amigos, mas lição eu sempre achei muito chato, mas eu era muito bom e tirava nota máxima sempre. Eu vejo que foi isso, a escola foi, tipo eu já sabia ler há muito tempo, o principal que você aprende na primeira série é ler e fazer conta, eu já sabia fazer conta, já sabia ler, então eu não via muito sentido. E ao mesmo tempo a minha mãe e o meu pai não conheciam e não tinham condições financeiras de investir numa outra pedagogia, a gente conseguiu por bênçãos divinas eu consegui pelo menos estudar numa escola legal, uma escola boa, mas que não tinha uma pedagogia alternativa, então era aquela coisa de o professor era mais importante, o aluno tem que ouvir o professor e vamos que vamos e você tem que ser igual a todo mundo, a escola meio que me enquadrou para eu ser o menininho comum na sociedade. E conseguiu por um bom tempo, eu demorei muito pra resgatar o alternativo, a pessoa diferente que eu sempre fui e tive que resgatar depois de anos de um capitalismo, a televisão toda, todas as tentações do consumo, depois de muito tempo pra conseguir me livrar disso assim.
P/1 – Isso você está falando da escola em Piracicaba?
R – É. E mesmo depois em São Paulo também, quando eu mudei, ainda era muito bom aluno. Até a quarta série eu sempre fui aquele aluno da nota máxima, aquele aluno que tinha as melhores notas da classe. Aí inclusive uma coisa que tem a ver, que acontece muito nessas escolas mais comuns que é o lance de você ser pop e de você ser nerd, então, todo mundo quer ser pop, quer ser amigo das pessoas, quer ser popular, quer ser amigo dos mais conhecidos, quer ser bem tratado, né? Ninguém quer ser nerd, que são aquelas pessoas que ficam só, reclusas no seu mundinho. E não existia computador quando eu era criança, então nerd não era o cara do computador que nem hoje em dia tem mais a ver, o nerd na época era estudioso. Então você ser estudioso você era nerd. Eu na quarta série gostava de estudar, era bom aluno, sempre tirava nota máxima e comecei a ver e a perceber que meus amigos meio que, não chegavam a fazer bullying, até chegavam inclusive. Na terceira série meu apelido era geninho. E eles de certa forma zoavam porque eu era muito bom nas notas, tirava nota máxima, nota boa e eles, tipo, era muito engraçado, não dá para entender como alguém te zoa de uma coisa muito boa que você faz, né? E eu me incomodava um pouco, mas continuava. Quando chegou a quarta série começou a me incomodar muito mesmo e eu comecei a tirar nota baixa mais de propósito, a desencanar da escola e comecei a almejar ser o pior aluno pra ver se eu conseguia ter mais amigos, me enquadrar mais com os amigos mais legais, que faziam coisas legais. Os amigos estudiosos só ficavam bitolados, eu não ficava o dia inteiro estudando, eu gostava de brincar, não estudava, tirava nota boa, mas eu não ficava estudando, eu gostava de brincar, então eu nunca discriminei ninguém, mas eu não gostava, não me identificava também com essa vida de ficar bitolado estudando uma coisa, gostava de brincar e as pessoas que brincavam não gostavam de estudar. Eu passei por isso, de ter de me enquadrar, ter que ser mau aluno.
PAUSA
P/1 – Você lembra de alguma história que você passou nessa escola e que te marcou nesse período? Você está falando dessa questão de ser nerd, mas teve outra coisa interessante nesse período?
R – Teve uma história engraçada (risos), que inclusive tem a ver com o meu parceiro hoje em dia da Dupla Caipira de Reggae, que a gente é amigo de infância desde os dez anos, faz mais de 20 anos. E a gente se conheceu quando eu mudei de escola, minha segunda escola em São Paulo. Quando eu mudei pra São Paulo eu fiquei um ano só numa escola que eu não me adaptei nem um pouco, que era uma escola muito comum, convencional. E aí que foi que eu tinha esse apelido de geninho e era maltratado um pouco por ser nerd e comecei a ter essa _0:50:37_. Daí eu mudei pra um colégio que era muito mais legal, que tinha pedagogia construtivista.
P/1 – Qual era?
R – Chamava Galileu Galilei. Ele não existe mais, faliu, mas ele tinha proposta pedagógica bem interessante. Foi uma ideia da minha mãe e do meu padrasto de me colocar numa escola que, eles viram que não me fez bem aquela escola, muito baseada na nota do aluno e aí me botaram nessa escola que era bem mais legal, bem mais interessante. Mas ainda assim bem comum, não era aquela coisa super alternativa, então mesmo lá teve essa passagem que eu vou contar agora, que inclusive uma dessas pessoas que me fez ser assim é o próprio Céu Azul que é meu parceiro, que ele praticava bullying comigo porque eu era nerd (risos). Eu lembro exatamente de uma passagem que eles tinham um grupinho de amigos que tinha um nome, não lembro se era Os Panteras, qualquer nome assim, bobinho de criança. Isso na quarta série, 1995. E aí eu já era amigo de algumas pessoas desse grupo, inclusive do Céu, eles gostavam de mim e tal só que daí uma hora que alguém falava: “O Pedrinho pode entrar pro nosso grupo, tal”, e o outro: “Tá, legal”, e daí o Céu Azul falou: “Ah não, mas o Pedrinho é nerd, tal, vai muito bem nas notas, não vai dar certo, não” e bloqueou a minha entrada pro clubinho da galera (risos). E daí foi, claro, não foi só por isso, também porque o que acontecia no ano anterior eu comecei a ver que teve essa passagem que foi bem forte, que eu vi que nossa, realmente, você sendo nerd você não se enquadra com seus amigos, né? (risos) E depois a gente junto, eu e o Céu, a gente passou por essa mudança espiritual e tudo o mais e hoje em dia ele não faria bullying comigo por eu ser diferente, com certeza (risos).
P/1 – E você teve alguma menina que você conheceu na época que te interessou, como é que foi essa?
R – Na infância, assim?
P/1 – É, chegando mais na adolescência.
R – Teve. Eu tive algumas meninas que eu era apaixonadinho na época da escola. Em Piracicaba tinha uma, daí quando eu mudei pra São Paulo eu tive um primeiro relacionamento mesmo, terceira série, bem precoce, né? Mas não era aquela coisa, não tinha uma relação de namorado como gente grande, mas dizia que era namorado mesmo, mandava cartinha, entregava flor, aquela coisa. Era super envergonhado, muito tímido. Mas não tanto, eu já tinha coragem pra ter uma namorada.
P/1 – Como é que você conheceu ela?
R – Na escola mesmo. E eu trocava cartinha romântica, bonitinha, aquelas cartinhas, era muito época do papel de carta, que hoje em dia é uma coisa, acho que hoje em dia adolescente nem sabe que existiu. As meninas colecionavam papel de carta, os meninos colecionavam outras coisas, tampinha de garrafa, latinha, maço de cigarro. É muito engraçado, eu tinha umas coleções muito doidas nos anos 90. E as meninas colecionavam principalmente papel de carta. E super segregado, era uma época muito que brincadeira de menina e brincadeira de menino, tanto que eu brincava de pular corda e boneca com as meninas e era mal visto pelos meninos, escondia dos meninos pra eles não saberem. Enfim, aí tive essa namoradinha da época do colégio. Tive uma grande desilusão amorosa que marcou a minha vida nessa terceira série, me deixou até meio traumatizado mesmo que eu só fui namorar firme mesmo depois de muitos anos. E acho que até pra sempre. Não sei se tem muito do meu signo de ser assim, mas eu tive só três companheiras que eu considero na vida, a que eu estou agora e outras duas que teve antes assim. E pra quem tem 31 anos é pouco, né, namorar três vezes. Eu tive uma vida predominantemente de solteiro, aí quando namorei, namorei sério mesmo, só valia a pena sair da solteirice quando era uma coisa pra ser mesmo, um foco nessa pessoa e vamos que vamos. Aconteceu só três vezes na vida, agora está acontecendo a terceira com a minha companheira que estamos grávidos, com esse foco.
P/1 – Mas a primeira vez foi na terceira série ou não?
R – Não. Esse namoro eu não considero nessa linha, foi um namoro mais de criança.
P/1 – Mas foi um trauma mesmo.
R – Mas foi um trauma porque ela do nada começou a namorar outra pessoa e foi aquela desilusão amorosa, tipo, eu amava muito, então eu já tinha um sentimento. Por mais que a gente não tinha relações sexuais, digamos assim, era criança, nove, dez anos, mas a gente tinha uma relação de sentimento. Então, nossa, foi muito forte, eu senti o coração ali, pá. Dali pra frente todas as vezes que eu gostava de uma menina eu procurava não me envolver, eu gostava, mas ficava aquela coisa platônica. Tive outros amores platônicos, mas namorar mesmo só depois, com 20 anos.
P/2 – Foi nessa época que você também começou a se envolver com a música. Queria saber qual foi o primeiro instrumento que você começou a tocar.
R – Na verdade com a música eu estive envolvido desde que eu nasci, né, pelos meus pais serem músicos, minha mãe cantava na época com meu pai, que é músico até hoje. Então, digamos que a minha relação com a música foi de nascença mesmo, literalmente, da barriga na verdade. A minha mãe cantava grávida com meu pai em show. Minha relação com instrumentos foi de criança, na escola de música que eu cheguei a comentar aqui que meus pais criaram, então na escola de música eu fazia aula, eu já tocava flauta doce, fazia iniciação musical, um pouco de teoria musical, isso tudo com quatro, cinco anos, bem criança mesmo. E tinha um super talento na época também mas depois que acabou a escola não chegamos a desenvolver isso e quando mudei pra São Paulo não era mais uma prioridade assim, então coisa que na infância era super forte, presente, eu gostava muito de percussão, bateria, ritmo, montava bateria. Tinha um ídolo, que era amigo do meu pai, baterista, que é o Vagner, que pra mim era O baterista, ainda é hoje em dia, um puta baterista e eu queria ser ele, então montava a bateria com instrumentinho de percussão, a cadeirinha, tal, montava as cadeiras e era baterista assim, pilhava muito nisso. E isso ficou meio adormecido quando eu fui morar em São Paulo, minha vida ficou mais dedicada à escola, estudo e quando veio essa história de não querer mais estudar não me dedicava a nada muito profundamente. Eu voltei a fazer aula de Música quando eu tinha uns 14 pra 15 anos. Apesar de que não porque quando eu mudei pra São Paulo, logo que eu conheci o Céu Azul a gente montou uma banda, nossa primeira banda, bem antes da Dupla Caipira de Reggae nossa primeira banda foi inspirada no, a gente gostava muito dos Mamonas Assassinas na época, a gente pirava, que era bem a época que eles explodiram e a gente tinha dez anos na época, era a idade assim. A gente tinha uma banda meio que inspirada neles e a gente já compunha música, então eu e o Céu a gente compõem música juntos há mais de 20 anos. A gente compôs e era musiquinha bobinha, tipo meio que inspirada nos Mamonas mesmo falando besteira, coisas engraçadas. Só que ninguém tocava nada, a gente já tinha até os instrumentos que eu ia tocar, eu ia ser tecladista (risos), cada um ia ser uma coisa, outro dia ser baterista, outro ia ser tal e ninguém tocava nada ainda. Eu pegava o teclado e brincava um pouquinho, compunha algumas notinhas, algumas frasesinhas, mas nunca tinha feito aula, então foi uma banda que a gente teve, mas nunca ensaiamos. A gente compôs músicas até, umas quatro, cinco músicas, que depois de grande a gente até musicou, pôs acorde nela, mas na época não tinha acorde, nem nada, era só cantada. Então tive essa relação, até que não chegou a ficar tão adormecida. Ficou adormecida no sentido de ser a principal coisa da vida, que isso foi só poucos anos que aconteceu. Então nessa época da escola a gente tinha a banda, a gente gostava, a gente tinha o sonho de ter a banda famosa e de viver disso, daí quando chegou lá pra oitava série a gente teve uma banda “mais madura” (risos), que daí já era uma inspiração mais do pop rock, uma coisa mais Raimundos, Titãs, Paralamas, inspirada nessas bandas dos anos 90. Só que letras que hoje em dia a gente vê como muito idiotas, algumas eram até meio machistas, falavam o que a gente achava legal na época, que nem o Raimundos falava das muié, a gente também falava das muié, de uma forma que hoje em dia a gente até se envergonha um pouco mas sabe que cada um está no seu processo de vida, não tem muito o que ter remorso quanto a isso. Mas foi isso, era uma banda bem de... Algumas letras de contestação social, bem vagas, porque a gente não tinha muita consciência política, mas a gente sabia que não estava certo as coisas e fazia música contra o governo, fazia músicas um pouco políticas também. E essa banda se chamava Calota Solta e depois mudou pra Calota 33. Trinta e três é um número que desde sempre acompanhou bastante a gente.
P/1 – É? Por quê?
R – Então, por causa de uma coisa bem bobinha mesmo, de o irmão do Céu na época tinha uma piada interna com os amigos, entre eles, que falava 33 e eles achavam muito engraçado e aí tudo virou 33. A gente entrou na onda. Só que aí foi engraçado que tudo passou a ser 33, tudo que a gente olhava no relógio era 3:33. Falava: “Ah, qual que é?” “Vai ser lá no 33” “Ah, nossa, tudo 33”, começou a aparecer na nossa vida vários sinais assim. E muita gente que ia juntando a nossa família de amigos, que foi a família que fez a gente criar a Casa Jaya até, todo movimento que a gente criou depois de grande, tudo tinha muito a ver com 33, daí a gente chamava da Família 33. Família 33. E Calota 33 é o nome da banda. E a primeira banda, eu esqueci de falar, o nome era Pentelhos Assassinos, daí a gente achava que era muito clichê, imitação, daí virou Besteirol Enlatado (risos). O logo era uma latinha escrito besteirol. Tinha muito a ver com os anos 90, que tudo virou enlatado, tudo vinha enlatado. A Calota 33 foi essa banda, então lá pelos 14 anos a gente tocava coisa, era banda de verdade. A gente ensaiava, tinha a casa de alguns amigos que dava pra ensaiar lá que ele tinha bateria. Eu tocava baixo e a banda tinha bateria, violão, guitarra e baixo. E a gente criava os arranjos, música própria, a gente sempre gostou de música própria, a gente nunca quis fazer cover, a gente até fazia um ou outra, mas pra completar o nosso show, que a gente tinha só algumas músicas. Então tinha essa banda que as músicas próprias que como eu falei não eram muito legais as letras, algumas mais políticas ou não. E aí a gente tocava. Comecei a fazer aula de baixo, fiz alguns anos de aula de baixo, que por molecagem eu sinto que não aproveitei tão bem, foi uma fase mais de descobrir as coisas, armadilhas da adolescência também, da vida.
P/1 – Tipo o quê?
R – Tipo drogas mesmo, conhecer o álcool, conhecer outras coisas não tão pesadas quanto o álcool (risos), como ganja, maconha, enfim, eu gostava de experimentar as coisas, a gente tinha essa tendência, a gente sempre teve, acho que o artista tem essa coisa mesmo de ter que sair mesmo da casinha, né? Desde criança eu sempre gostei muito de sair do meu estado normal, nunca gostei de ficar muito normal muito tempo. Enfim, quando você é adolescente, pré-adolescente é muito perigoso, você tem que tomar cuidado pra não atrapalhar o seu desenvolvimento e tudo o mais. Nesse caso eu senti que pode ter atrapalhado um pouco porque eu ia muito chapado pras aulas (risos), acho que não absorvia todo o conteúdo assim. Mas enfim, também acabei virando baixista e hoje em dia sou baixista de várias bandas, tem pelo menos duas bandas que eu sou baixista aí. É muito legal, então agluma coisa eu aprendi (risos).
P/1 – E nessa época o que você fazia pra se divertir, como é que era? Onde é que você ia, tal. Você queria ir, fumar ou beber, ia pra onde, fazia o quê, com quem?
R – Nesse comecinho da adolescência, né?
P/1 – É.
R – Nessa época a gente gostava muito de natureza já. Já tinha um contato muito com o mato, de gostar mesmo de natureza, então a gente gostava muito de acampar, mas a gente era muito diferente do que a gente é hoje, a gente gostava de acampar e fazer churrasco, beber, levava goró pra beber. Nessa época de adolescência, 14 anos pra frente, a gente gostava muito de acampar, viver, ir pra praia.
P/1 – Vocês iam sozinhos?
R – Aham.
P/1 – Nessa idade já.
R – É. Desde os 14 a gente acampava. No começo mais naqueles campings que têm piscina, tal, só camping mesmo, o atrativo não é o lugar que tem o camping, é um camping pra levar a família, passar fim de semana. Daí nossos pais deixavam a gente lá, no começo, 14 anos, era mais assim. A partir do colegial, uns 15 anos, a gente já começou a acampar sozinho mesmo, ir pra praia, no roots, pegava o busão e ia pra praia. Tinha super pouco dinheiro pra viajar, então viajava bem no roots mesmo, já aprendendo a viajar economizando assim e gostava muito, curtia muito. Desde essa época eu nunca deixei de viajar por não ter grana. Mais pra frente, quando eu descobri outras coisas eu comecei até a ser o contrário, viajando pra ganhar grana (risos). Mas nessa época já comecei a me acostumar a gostar de viajar mesmo se não tiver nada, vamos que vamos que não precisa de nada assim, a gente já tem tudo, o mais importante é estar ali. E é isso, gostava de viajar, acampar, acho que a nossa onda era mais essa. E já com música, a gente viajava e sempre levava violão e bongô. Violão e bongô foram os nossos companheiros na adolescência, de luau. A gente fazia muito luau, eu gostava de produzir, eu já tinha essa coisa de ser produtor de eventos, que hoje em dia eu trabalho com isso também, então produzia luaus. A gente chegava na praia, fazia toda a divulgação assim, a gente combinava o lugar, era tal rua, tal dia. Então no sábado tal dia, de noite, lá pelas dez da noite a gente se encontra aí. E eu saía pela praia inteira, eu com os amigos chamando o pessoal, as meninas, a galera também quando tinha galera de amigos, convidando todo mundo pro luau, o máximo de gente possível pro luau: “Vai ter luau em tal rua, chega lá, tal”. A gente produziu, divulgava, chega antes montava o fogo, montava a fogueira legal, limpava o espaço, fazia a produção mesmo do evento e esperava as pessoas. E às vezes acontecia umas muito legais, acontecia às vezes de ninguém ir porque chovia um pouco, tal. Mas muitas vezes, a maioria, a gente teve experiências muito boas, de luaus muito legais, de ir um monte de gente. E tocando bastante. Daí eu aprendi isso, de gostar de tocar pras pessoas e sacar que é uma puta missão, sacar que eu estava tocando no luau, de repente eu parava de tocar e ficava de boa assim, ficava conversando, daí a galera já vinha: “Ô, toca mais uma aí, mano!”, eu já: “Pode crer, tem que tocar”. É uma responsabilidade ser músico. Eu comecei a ver que não é só um prazer, às vezes você acha: “O que você gosta de fazer?” “Gosto de tocar”. Então muitas vezes o prazer também está com responsabilidades, né? Como diria o tio do homem aranha, que é super sábio: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” (risos). Essa frase é muito marcante, de um filme meio idiota, bobo, normal, só que o aprendizado é muito elevado, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. E o músico tem um grande poder mesmo de tocar a alma das pessoas, foi isso que eu fui sacando com o tempo, por isso que eu fui escolhido pela música, né, mas também em certo momento eu escolhi me dedicar a isso por acreditar nesse potencial que ela tem, de passar uma mensagem direto, atravessar as camadas dos preconceitos, da mente, do pensar e do tudo mais, do concordar ou não com as coisas, julgamento. A música atravessa tudo isso e vai lá pro coração. E por mais que a gente tenha essa mente maluca, cada um tem uma mente maluca porque não medita, porque leva uma vida capitalista, por mais que todo mundo tenha essa mente assim, e a maioria das pessoas, o coração no fundo é quem manda, por mais que a gente nem perceba. As nossas ações vêm do nosso coração. Então se a nossa mente está muito nebulosa a gente acaba deixando o nosso coração não falar mais alto, mas coisas mais importantes vêm do coração mesmo, do que você sente, da forma que você interage de uma forma mais de dentro. Então a música tem um poder muito forte de chegar nesse ponto, atravessar essas camadas e chegar direto lá. Então foi isso, eu descobri esse poder como uma ferramenta muito forte de massa mesmo, uma ferramenta de aniquilação em massa, de preconceitos e ideias ruins. E por isso que ela também é muito usada como propagação do capitalismo em massa, né? O que faz sucesso hoje em dia? A gente que faz música de ecologia, de veganismo, de coisa ecológica, que são contra o sistema, contra o consumo, contra o capitalismo de certa forma assim, por mais que de uma forma bem sutil e poética, mas a gente está falando contra o consumo, contra o capitalismo. E muito difícil conseguir prosperar num mundo capitalista que a gente vive. Então a gente vive todos esses desafios de viver da arte, de viver o que canta e cantar o que vive. A gente está cantando o que a gente vive e vivendo o que a gente canta. E é um grande desafio porque hoje em dia ainda está um pouco mais crescente essa história de reciclagem, de coisa ecológica, a gente até que está começando a ter mais chances, mas o mainstream que é o que faz sucesso, as bandas que fazem sucesso, eu não consigo imaginar a banda que fala de coisas assim, subversivas mesmo ao sistema capitalista fazendo sucesso. Eu acho que só se eles não perceberam mesmo a subversividade das nossas letras que eles vão levar a gente no Faustão um dia (risos). Mas eu acho que eles não sejam tão ingênuos assim. E ia ser engraçado tocar reggae no Faustão falando de veganismo. Que a coisa mais ecológica é ser vegano. Claro, por quê? Porque sabe quanto você gasta um quilo de carne que você compra no supermercado? Dezenove mil litros de água! Então um quilinho de carne pensa o que são 19 toneladas de água. São coisinhas básicas assim, bobas, por isso que a gente toca na forma sutil, você não tem que fazer tanta coisa pra salvar o planeta, salvar o planeta não é você fazer milhares de coisas, é você ver no seu dia a dia. E também você nem tem essa responsabilidade de salvar o planeta, você não tem a culpa de tudo isso. Então, primeiro que a gente tem que se desvencilhar disso tudo, então tem que fazer a nossa parte.
P/2 – Você podia aproveitar, já que você falou disso, e falar um trechinho de uma letra, por exemplo, “Os Bixin”?
R – Pode ser. Uma música da Dupla Caipira de Reggae que chama “Os Bixin” que fala do respeito com os animais, respeito com a natureza. E o refrão que é emblemático nesse sentido, o refrão (canta): “Eu não mato pra comer/ Eu como mato pra viver/ Eu não mato pra comer/ Eu como mato pra viver”. Que é bem isso, resume tudo, eu não mato pra comer, eu como mato pra viver. E essa é uma das músicas que a gente difunde essa ideia do veganismo, como defesa dos animais, não só por dó dos animais, que é uma coisa que é muito triste a forma como eles são tratados, é uma coisa muito cruel, mas não é o único motivo assim, é um dos motivos dentre infinitos motivos, tem muitas outras questões, a questão ecológica, o tanto que se desmata de uma floresta pra fazer não só gado como a comida que o gado vai comer. A soja que está desmatando a Amazônia, 80% é pra ração animal. Tantos problemas de gás no planeta Terra, muito por causa da produção animal. E um dos principais é o problema da água porque o que gasta de água, primeiro pra irrigar o pasto e a área de comida que um boi vai comer. Então é muita água pra gerar uma planta pra dar alimentação de um boi. Imagina um boi daquele tamanho o que come a vida inteira, quantas famílias não poderiam comer com aquela água gasta ali, né? Então na conta dessa água entra toda essa água da comida, entra água de limpeza dos animais pra dar banho, pra limpar os espaços deles, entra a água de quando mata um bicho, pra comer um bicho, o frigorífico tem que lavar as carnes, então na lavagem, no processo industrial gasta muita água. Então somando toda essa água, o quanto o bicho bebe, o bicho daquele tamanho, imagina o quanto ele bebe a vida inteira. E são anos e anos bebendo uma água pra depois mata e quantos quilos de carne que dá um boi? Não tenho noção, mas muito pouco perto de quanto ele bebeu de água a vida inteira. Então eu sei que a conta é mais ou menos essa, pra um quilo de carne são 18 ou 19 mil litros de água. E a parte do vegano mais ainda, porque queijo e manteiga, manteiga se não me engano é até mais que a carne, ou pau a pau com a carne vermelha, também 18 mil litros de água pra fazer um quilo de manteiga. Então é muita água que está gastando pra fazer um negocinho que você vai comer no pão. Então são tantas questões assim, macroambientais, questões muito amplas e muito grandes que com o simples ato de você comer ou não, que é uma escolha muito pessoal sua, ninguém te obriga a isso. A gente na verdade nem é obrigado a comer, até comer, inclusive, a gente pode viver de luz se quiser, eu acredito. Eu conheço pessoas que vivem de luz. Então mesmo comer a gente poderia não comer se a gente quisesse. Mas a gente gosta de comer, a gente tem prazer de comer, a gente come tranquilamente. Mas se a gente escolher comer o que vem da terra, o que vem de uma cadeia de produção, consumo e distribuição justa, com agricultura familiar, com pessoas trabalhando com amor naquilo, sem estarem envenenando o planeta, o rio e tudo o mais, essa é uma escolha que eu acredito que é a escolha mais sábia. Você ser vegano é muito além de qualquer propaganda ecológica que se possa fazer, é a ecologia da boca pra dentro, é você estar cada dia, a cada coisa que você consome você está contribuindo pro planeta. Então é toda uma mudança, você não vai comprar nenhuma pasta de dente que foi testada em animal, você vai atrás de conhecer as pastas de dente que são poucas ainda que não testa em animais, não tem ingrediente animal, cosméticos e tudo o mais. E daí você vai refletindo também no que você realmente precisa, né? Eu, particularmente, eu não falo que todo mundo tem que ser assim, o ideal pro mundo, mas no meu caso particular o que eu uso no total mesmo de cosméticos, de tudo o que você iria numa farmácia pra comprar eu uso uma coisa pra escovar os dentes e eu uso uma coisa pra lavar o corpo. Só, é o que eu uso, basicamente. Pra escovar os dentes de vez em quando eu compro pasta mesmo industrial, vegana, eu conheço algumas marcas. Mas outras épocas eu também faço pasta e compro pasta que amigos fazem, pessoal faz, pastas mais ecológicas, pastas naturais, existe pó dental de juá, ou pastas feitas com óleo de côco; tem pastas feitas com pó de berinjela, tem muitas receitas de pastas naturais que você não só contribui pra não ter animais sofrendo como toda uma produção, que também imagina só o quanto de água gasta pra fazer um tubinho de pasta daquele? Numa indústria gigante que está ali, o quanto de sujeira pro meio ambiente. Então eu tomei essa decisão de ver realmente o que é que eu vou no supermercado comprar. Eu comecei a ver que eu preciso, nada, não preciso de nada. Realmente, nada, do supermercado. Eu ainda vou de vez em quando por pura preguiça de não pôr em prática as coisas que eu acredito e já aprendi. Porque eu assim, numa forma mais evoluída que eu pretendo alcançar, que é um processo da nossa vida, também não fico me culpando, mas eu já tenho condições de não precisar pisar no supermercado. Inclusive por um certo momento assim eu até boicotei por alguns meses, falei: “Não, não vou mais ao supermercado pra nada”. E comecei a ir atrás de tudo o que a gente pode fazer pra limpar chão, desinfetante, pra limpar, dá pra fazer sabão pra limpar roupa, pra limpar louça com óleo de cozinha, sabe, em vez de você jogar o óleo no rio que vai sujar, você faz o próprio sabão. Então coisinhas assim, não é você que vai fazer tudo isso, mas você pode ir atrás de pessoas que façam isso e fortalecer essa rede, né? Você ir e investir no sabão de uma pessoa que fez um sabão com óleo reutilizado, muitas vezes vai ser mais caro porque a pessoa não tem condições de fazer numa escala que a indústria tem de fazer um sabão barato, mas quem está pagando esse preço barato é a natureza que está subsidiando tudo isso, né? É o meio ambiente que está subsidiando ou sofrendo com uma indústria que... é só imaginar, pra fazer um tabletinho de sabonete você imagina uma fábrica gigante funcionando, jogando muita fumaça, sujando rios e tudo o mais. Então não sei como seria uma solução mundial pra isso, talvez um boicote mundial que as fábricas quebrem e não funcionem mais? Pode ser, eu não fico também com politicagem de “vamos fazer isso, façam todos igual eu”. Eu considero só fazendo a minha parte, indo atrás da rede, fortalecendo a rede, vendo as pessoas que estão fazendo sabonete. Eu tenho uma amiga que mora comigo e faz sabonete, então lá em casa eu tenho meu sabonete que eu uso, super medicinal, com ervas medicinais. Muito melhor do que o da indústria, muito mais caro também, mas como eu gasto muito pouca coisa, como eu tenho muito pouco consumo, eu posso ter condições de investir, gastar uma graninha a mais numa pasta de dente vegana ou numa pasta orgânica, num sabonete artesanal. E aí comprando tudo, no cabelo também uso um sabonete artesanal, que são super puros e são muito mais, até pra cabelos normais sem ser de dread também são recomendáveis, sabonetes ecológicos que têm ervas naturais, faz super bem pra pele, enfim. Repelente, essas coisas eu não uso, interajo com a natureza. Às vezes em caso extremo quando alguém tem, tá fácil, se não for aqueles químicos. Químico eu não uso de jeito nenhum, mas às vezes alguém tem repelente natural, de ervas, tal, tá fácil eu pego e uso, mas não sinto necessidade de ter o meu, eu consigo interagir, levo picada, sei que estou alimentando um bicho que faz parte de todo o ecossistema que está aí, não mato bicho também. Às vezes sem querer você leva, ai, mata eu fico com maior dó quando mato pernilongo sem querer, às vezes acontece mas geralmente eu sinto a picada e: “Opa”. Às vezes até fico olhando vendo o bicho crescer. Eu já vi o bicho crescendo. Você vê o bichinho, depois que ele te picou ele sai gordo: “Nossa, que legal!” e você transcendendo até coça menos. Tipo, quando você fica noiado, mata e coça pra caramba, mete a unha ali, nossa, aí coça pra sempre. Agora, você levou a picada, só soprou, se está insuportável só faz assim, pum, não coça, não põe o dedo, não põe a unha, não vai coçar. Claro que cada um tem diferentes alergias com bichos, eu falo mais do meu caso pessoal, mas não preciso de repelente. Protetor solar criou-se essa lenda que a única coisa no mundo necessária é protetor solar, tinha aquele vídeo que é super bonitinho, aquele vídeo institucional pras pessoas, não lembro como chama. Sabe esse vídeo que fala protetor solar? É um vídeo de autoajuda que circulou muito nos anos 90 e começo dos 2000, que as empresas passavam pros funcionários pra eles ficarem felizes em trabalhar e tal, não sei o quê, que é um vídeo bonito, quando eu vi a primeira vez eu fiquei encantado, mas depois quando eu fui ver é meio besta, fala umas coisas meio bestas, que as coisas bonitas são meio óbvias, pra mim as coisas bonitas são óbvias e fala algumas besteiras que não é verdade, tipo, que o protetor solar é a única coisa que eu digo que é realmente importante pra você. E não, a interação com o sol é muito mais importante, o protetor solar bloqueia o seu contato com o sol, ele acha que você está protegido e você na verdade está tomando um monte de raios também, que na superfície da pele não sofre mas você está ali tomando e pior, você acha que está protegido, você está na verdade perdendo a noção do que é um deus forte como o sol, né? Uma coisa forte como o sol, você está perdendo o respeito por ele, então você sofre, o protetor solar não protege tudo e ainda as pessoas botam protetor na criança, lotam, deixam ela branquinha e botam ela no sol, um absurdo porque ela está recebendo tudo na moleira ali, o sol direto. Quando a pele queima, ela está te avisando que não tá fazendo bem o sol, então você perde esse contato, é que nem usar remédio. Eu não uso remédio, analgésico, pra gripe, nada assim, porque não existe remédio pra gripe, gripe é uma coisa que vem e o seu corpo está te avisando que você tem que ficar em repouso, por isso que você fica mole, por isso que você fica com febre, a febre fica ali esquentando pra tentar, seus anticorpos tentando reagir, então é o momento de você ficar de boa, as pessoas tomam anti-inflamatório, tomam anti sei lá o quê e vai trabalhar e vai fazer uma vida normal. Eu não, quando eu fico doente, o que é muito raro, mas quando eu fico eu me entrego, eu fico na cama gostoso ali, de boa, só esperando passar. Não gosto de remédio porque o remédio assim como o protetor solar tira a sua conexão com o seu corpo, ele te deixa o corpo burro. E o capitalismo tem muito isso de deixar você burro. O futuro da gente é que nem aquilo filme do Wall-e, todo mundo gordo numa cadeira assim não consegue fazer nada, é tudo automatizado, você não sabe como seu corpo funciona. E eu tento me conectar com o meu corpo, tento enxergar o que meu corpo está me falando, uma dor de garganta é o quê? É isso aqui então. Fora questões holísticas, espirituais, que também considero bastante, mas até nem precisa ser holística, questões super corriqueiras do cotidiano que está lá uma gripe, te deixa com dor de cabeça, te deixa mole, assim, é o seu corpo falando: “Olha, relaxa, fica relaxado”. Você não pode tirar a sensibilidade do seu corpo com remédio e achar que está bem. Que nem protetor solar, que nem tantas outras coisas que o capitalismo fala que você tem que consumir, você precisa.
P/1 – E com relação a resíduos, embalagens, essas questões, como que você vê que está a situação hoje? A necessidade de reciclagem, essa consciência, como é que tá?
R – É, hoje em dia está muito mais falado, né? Com certeza mudou bastante do que era antigamente, como eu falei na época que eu era criança. Hoje em dia é muito mais falado, as crianças na escola já sabem da importância de reciclar, é falado nas escolas. Mas ainda é uma coisa muito paliativa, uma coisa muito superficial, principalmente porque criou-se um esquema coloridinho e bonitinho de lixos, papel é azul, plástico é vermelho, aquela coisa bonitinha mas não cria uma verdadeira necessidade, o porquê disso tudo, né? Tanto que eu nem considero essa forma a mais ideal pra lixo, eu considero que o lixo tem que ser reciclável, orgânico e não reciclável, que é uma coisa que nem deveria existir, mas existe. Então o certo seria só existirem coisas recicláveis e orgânicas. Orgânico a gente tem composteira em casa, a gente composta o nosso lixo e faz ele virar adubo pras nossas plantas. O certo seria só existir coisas orgânicas e recicláveis. As coisas recicláveis, para o planeta funcionar. Como a galera cria industrialmente coisas que não são recicláveis, a pessoa não pensa que um dia vai lotar o mundo de lixo? Mas existe ainda e a gente querendo ou não, sem querer, pra comprar um cogumelo pra fazer um cogumelo vem no isopor, né? Isopor não é reciclável, apesar que dá pra levar em ecoponto também, alguns. Enfim, criou-se uma coisinha toda bonitinha, mas que nem é tão eficaz assim porque a criança às vezes pega um papel, um guardanapo, suja de sorvete. O que é isso? Deve ser papel. Não, deve ter a consciência de que aquilo é orgânico, um guardanapo é decomposto, então pra mim tem que ter três lixos no mundo inteiro, como na Europa já é muito comum. Na Europa hoje em dia não tem mais negócio de coloridinho bonitinho, isso aí foi uma invenção de muitos anos atrás que no Brasil chegou recentemente, mas na Europa já não usa-se faz tempo, na Europa é desse jeito que eu falei, é reciclável ou não reciclável e orgânico. O orgânico é o que a gente quer responsabilidade de cada um, dar um fim. Pra mim todo mundo tem que ter na sua casa uma composteira ou uma forma de dar fim no orgânico, você juntar lixo, casca de banana com resto de comida, com plástico, com papel de embalagem, juntar tudo num lixo e pôr pra fora de casa e tchau, isso pra mim é uma coisa que é muito comum, não julgo quem que faça, não estou crucificando ninguém, mas é coisa que eu acho muito absurdo, então não vamos fazer, vamos ver em casa como a gente faz. Então o lixo orgânico a gente composta, tem uma composteirinha em três caixas, que a gente mora em casa e tem um quintal legal que dá pra levar o produto final. Então o mínimo do mínimo do mínimo é você separar orgânico do não orgânico, que só isso é uma puta contribuição. Até porque os próprios recicláveis se vier tudo sujo de orgânico já vira não reciclável, então às vezes pode apodrecer ou dá mais trabalho, gasta muita água, enfim. Então o negócio é isso, você usar o mínimo possível de industrial, o que você usou você lava e recicla, se der reaproveita, reutiliza, faz o que quiser, usa a criatividade, mas usar na maioria das coisas o quanto possível menos embalagens. Então vai fazer compra, organiza clube de compra com os amigos: “Vamos fazer compra coletiva, galera, para de ir no supermercado”. Supermercado é o rei das embalagenzinhas, então cada coisinha pequenininha com embalagem pequenininha, bora ir na zona cerealista e comprar de quilo as coisas, vamos fazer clube de compras, é nisso que a gente acredita mais e o que a gente está buscando fazer nas comunidades que eu frequento, que eu vivo a gente já faz isso assim.
P/2 – Você pode aproveitar então, acho que encaixa bastante, e falar um trecho, por exemplo, da letra do Copo Descartável?
R – Pode ser. É que a gente tem uma banda de palhaços, o grupo de palhaços chama Reciclowns. É um grupo de palhaço que trabalha com conscientização ambiental e usa a linguagem do clown como veículos. E temos performances, ações com essa ideia e uma das ações que a gente faz é a banda que a gente ensaiou uma banda, criou músicas que são paródias de músicas famosas e com letras falando sobre reciclagem e ecologia. Uma delas fala dos copos de plástico. Tem aquela música do Titãs que é (canta): “As flores de plástico não morrer”. A gente fez (canta): “Os copos de plástico não morrem”. E fala (canta): “Em séculos nasce o petróleo/ Há cem anos criaram o plástico/ Em meses fazem muitos copos/ Em segundos já são descartados/ Os copos/ Copos/ Copos/ Os copos de plástico não morrem”. Que é essa a ideia, quando tempo demora pra fazer o petróleo, milênios, séculos, faz o petróleo, daí há cerca de cem anos inventaram o plástico, pensa quantos copos são feitos em um mês, em um mês quantos copos se fabricam e em poucos segundos já é descartado. Às vezes o cara está lá no escritório, o copo, enche de água, “pois é, pode crer”. Cinco segundos. Durou cinco segundos a vida de um negócio que milênios pro petróleo, séculos pra inventar o plástico, décadas pra... enfim, muito louco, né?
P/2 – Aproveita e conta mais do Reciclown, como se deu a formação da banda, as cidades que vocês passaram.
R – Tá. Tem uma outra música legal também que fala bem do Re, que é assim. Da mesma forma que eu acho meio bobinho esse negócio de lixos coloridos hoje em dia, é meio bobinho falar de reciclagem, a reciclagem tem que ser vista pra mim como a última etapa. Então tipo assim, que nem pra algumas pessoas a pior das hipóteses é jogar no chão, tipo assim: “Tá, então aprendi que tem que reciclar, então vou saber o lixo certo e jogo ali, mas de vez em quando eu jogo no chão”. Pra mim eu acho que o mais errado de tudo assim, o último é a reciclagem. É tipo assim: “Pô, não tive criatividade pra dar um fim pra isso, eu não vou precisar disso, eu comprei uma coisa da indústria que tem uma embalagem chata, vacilei. Putz, já vacilei, então vou mandar reciclar”. Tipo assim, o mais errado que você fez na cadeia toda é o reciclar, né? Porque mais errado do que isso não existe, o mais errado que isso é você jogar no lixo comum, é você misturar com lixo orgânico ou você jogar na rua. Então não tem coisa mais errada do que reciclar, a meu ver. É engraçado falar assim, né? Mas tipo assim, de todas as soluções que você pode dar essa é a última, quando você não conseguiu ter criatividade pra nenhuma outra. A gente tem uma música dos Reciclowns que fala dos Catalatas que é (canta): “Reciclar/ Reduzir/ Reusar/ Reluzir/ Repensar/ Refletir/ Recriar/ Redimir/ Renascer/ Os Catalatas vêm aí”. Então é isso, reciclar é uma das coisas mas reduzir, então reduzir o consumo, pensar o máximo possível. Por isso que eu falei, o que a gente precisa pra nossa vida, a gente precisa de tudo isso? A gente precisa de tanta coisa? Então reduzir pra mim é o principal de tudo, reduzir, reusar. Você pode reusar, reutilizar, pegar lixo e fazer arte, fazer coisas úteis, fazer vaso, inclusive trabalhar com isso, fazer arte. Reluzir, repensar, refletir, criar novas formas, a gente tem que usar a criatividade pro bem do planeta. Muitas vezes a gente usa a nossa criatividade pro mal, tanta gente que usa a criatividade que tem pra coisas que vão fazer o mal no fim das contas, né? Então se eu usar essa criatividade pro bem é um ganho muito bom pro planeta, criar novas formas. E redimir, dessa forma a gente está redimindo ano e anos, décadas e décadas de um maltrato que nossa raça humana fez com o planeta, querendo ou não a gente carrega essa herança de lixo, a gente tem uma herança de lixo que a gente carrega, principalmente a gente que nasceu numa geração mais pra cá, nasci nos 80 mas o pessoal um pouco mais novo do que eu já nasceu nos 90 que desde sempre a papinha estava ali no vidrinho que joga fora. Então muito comum pra galera comprar um saco de comida, um saquinho de salgadinho, muito comum, né? Então pra gente ainda é um pouco mais difícil, pras gerações mais novas mais ainda.
P/1 – E vocês tiveram essas do Reciclowns quando, mais ou menos?
R – O grupo nasceu em 2008 em um festival. Dentro dos festivais de música eletrônica existe um festival e tem uma cultura que é super underground, super desconhecida no mainstream aqui no Brasil e no mundo, muito mais legal inclusive no mundo fora do Brasil, muito mais verdadeira com os propósitos que é a cultura trance, música eletrônica, que é uma cultura que é uma cultura mesmo, é muito mais do que uma música, é uma cultura de um pessoal que está muito ligado com a espiritualidade, com a reconexão com o seu ser interior através da dança, a dança é vista como meditação, substância externas que o pessoal chama de droga: “Eles vão pra rave pra se drogar”. Tem muita rave que é assim mesmo, que virou isso no Brasil, mas a ideia é você expandir a consciência e com essa consciência expandida, ouvindo a música e fazendo aquele ritual de dança, ritual xamânico mesmo, de você ter uma vivência incrível pra voltar pro seu cotidiano com essa vivência, então é uma coisa muito transformadora e eu tiro o chapéu pra essa cultura, apesar de não me considerar muito dessa cultura, o meu estilo musical é outro, mas eu tiro o chapéu pra essa cultura porque ela acaba atraindo muita gente pro que a gente chama da Nova Era, né? Que é essa Nova Era de paz, de Ecologia, de um mundo muito mais sustentável e tudo o mais. Muita gente atraída pela música e pela doideira até mesmo acaba indo nesses encontros, nesses festivais, que são festivais sempre pé no chão, muitas vezes chove e fica tudo enlamaçado, o pessoal ali pisando na lama e dançando e acampando, então o pessoal vai se desprendendo um pouco do conforto do dia a dia e vai para uma coisa diferente, então são festivais que têm esse lado muito interessante. Apesar de ter vários pontos negativos, um deles é a questão do lixo, que são festivais que sempre são em lugar da natureza, alguma chácara, algum lugar que sempre em volta tem uma natureza bonita e muita gente sem consciência, muitas vezes o próprio evento não tem a consciência de cuidar legal, muitas vezes os organizadores ligam pra isso, estão preocupados com isso e fazem questões, convidam os Reciclowns pra conscientização ambiental. Muitas vezes os produtores dos eventos estão preocupados com isso, fazem gestão de resíduo, mas mesmo assim o público de uma maneira geral ainda é muito sem consciência, joga, tal. E pensando nisso que nasceu os Reciclowns, que nasceu de um amigo nosso que chama Goede, ele teve o insight uma vez e criou, chamou uns amigos assim em 2008 e criou a primeira. E eu estava lá no dia, assisti, foi muito legal, achei muito bonito, muito interessante, achei o máximo. E tinha uns amigos meus que fizeram parte dessa primeira. Aí esse amigo do nada foi morar na Bahia. Do nada não, no contexto da vida dele, foi morar na Bahia, no Capão, foi pro Vale do Capão, se desligou mesmo daqui, foi morar lá no roots. E a performance fez muito sucesso essa primeira vez que fez, muita gente gostou e o pessoal das próximas festas falavam com a gente: “E aí, vocês vão lá?” “Pô, o cara foi embora, tal, mas beleza, vamos dar um jeito”. Daí a gente chamou, recrutou uns amigos lá, tal e acabamos fundando o grupo que é hoje, esse grupo de amigos que adotou o projeto idealizado pelo Goede. A gente assumiu. E a ideia era fazer performances com bom humor pra falar de ecologia, pra falar de conscientização ambiental. E muito disso que eu já falei também porque a arte toca direto ao coração, a música, mas a arte em si também, o palhaço. Então uma coisa é um chatonildo de plantão, aquele ecochato, tem até um termo pra isso, um ecochato, é o cara que fica falando asneira pra você: “Pô, para com isso, não faz isso, não faz aquilo”. E muitas vezes até quem fala muito faz pouco, tem muito isso, quanto mais você fica falando, mais é que você faz pouco. Quem vive mesmo a parada e faz bastante coisa e faz no seu dia a dia, no seu interior, não precisa ficar falando tanto assim, sabe? Pode falar quando está numa entrevista como agora eu estou falando das coisas que eu faço, mas eu não fico pregando o que tem ou não que ser feito. A gente faz canções e faz ações com os palhaços pra isso, né, pra passar pra frente mensagens do que a gente acredita. Então a gente vê que a arte tem esse poder mais forte porque ninguém quer um chatonildo falando pra você o que tem que fazer ou não, quando vem um cara desse que fala: “Pô, jogou lixo no chão, tem que fazer não sei o quê, tem que jogar ali, olha o lixo ali”. O cara vai não gostar de você e acaba muitas vezes: “Foda-se jogar lixo no chão, não quero nem saber mesmo”. Desencana de você e desencana da ecologia em si, né? A arte tem o poder de tocar o coração a gente não está julgando ninguém, a gente não está necessariamente criticando e julgando alguém falar, a gente está catando lixo. Então a gente vai lá brincando e catando lixo: “Ah, você jogou esse lixo aqui, ah”, nem foi o cara, a gente sabe que não foi o cara. E o cara: “Não, não fui eu não”. Está brincando com o cara, interagindo e nisso o pessoal assistindo, tal. Imagina os palhaços que catam o lixo mesmo, pega um luvinha e vai às vezes sem luva, no pelo. Pega lixo sujo e enche um saco, fica de saco cheio de lixo. E daí os palhaços vão nessa missão e a galera vê os palhaços super felizes fazendo isso. Então naturalmente o pessoal é tocado por aquilo: “Nossa, caramba, eu joguei o lixo no chão mesmo e ele está ali catando”. A gente sente que lá no fundo o pessoal tem uma coisa assim, de pode tocar. Ou a pessoa acha bonito o cara cuidando da natureza. Então foi assim que nasceu o grupo, com essa ideia. Nossa primeira ação foi essa de catar lixo mesmo, de catação de lixo, de conscientização pra essa questão e a gente foi evoluindo pra várias outras áreas. A gente já atuou até dentro do próprio veganismo, vegatarianismo, participamos de movimentos pró-direitos dos animais, sempre vamos participar quando convidarem. Artivismo também, a gente já foi pra rua pra manifestações. Não manifestações de hoje em dia contra o governo (risos), estou até por fora.
P/2 – Aliás, conta das manifestações.
TROCA DE FITA
R – Algum específico?
P/2 – Não lembra? (risos) Eu lembro que você foi até baleado numa manifestação.
R – Fui até o quê?
P/2 – Teve um tiro.
R – Ah sim, é. Mas aí não estava como palhaço.
P/1 – Você estava como...
R – É que nas manifestações de junho de 2013 que teve aí, o Brasil acordou. Aí eu considero que o Brasil realmente acordou, mas não despertou, essa que é a diferença assim, acordou e daí acordar você dorme de novo, né? Não despertou, então não teve a grande sacada, não sacou quem era o grande movimento, quem era o grande vilão, não sacou nada, foi só tipo acordou, fez barulho e dormiu de novo, né? Tanto que hoje em dia quem está fazendo barulho é a própria direita, é muito engraçado ver manifestações de direita, é uma piada, né velho? É de domingo (risos), eles param o trânsito de domingo, tudo camiseta do Brasil, é muito engraçado. Enfim, na democracia temos que respeitar todos, né? Mas a gente pode dar risada. Em junho de 2013 teve essas grandes manifestações, uma delas eu fui de clown. Já fui em várias manifestações de clown e não é que nem muita gente usa o nariz, a máscara do nariz de forma até indevida, que a gente que trabalha como palhaço não gosta muito, que é o povo se dizer enganado pela política e vai de palhaço como se fosse um palhaço. É super pejorativo pra gente, então a gente não gosta de pessoas que vai: “Ah, você me fez de palhaço” e vai de narizinho vermelho. É meio que denigre um pouco a nossa classe trabalhadora. Mas enfim, eu fui como palhaço mesmo porque era o meu palhaço se manifestando, era o ser que vive dentro de mim que é o palhaço, que é o Piuí, Piuí Abaixa Aqui. Ele é super ativista, tal, então ele quis ir lá defender os direitos dele, gosta de defender os direitos dele. E aí foi muito interessante essas manifestações porque muita repressão. Naquela que eu fui como palhaço foi mais de boa, não teve tanta repressão, mas teve uma que eu fui antes, que foi aquela mais pesada de todas, que os policiais encurralaram a galera entre a Paulista e o Centro, numa quinta-feira, as polícias foram encurralando a galera e metendo em tiro em todo mundo que andava, até quem não andava, até velhinha. Eu vi cena deles derrubando velhinha na minha frente. Não eles, mas a correria, tal. Uma hora eles entraram e começaram a atirar na gente, levei um tiro na cabeça. Ainda bem que era de borracha, não morri, estou vivo aqui fazendo essa entrevista, não é póstumo, mas levei um tiro na cabeça, no dread aqui, fez tuf.
P/1 – E daí?
R – Daí eu virei pra trás e falei: “Não doeu!” Brincadeira, mas teve um amigo meu que falou isso (risos). A gente estava em três amigos e os três levaram tiro nessa hora, que eles encurralaram a gente e não teve como escapar, a gente saiu correndo, eu levei na cabeça, um amigo meu levou nas costas e o outro levou na mão. Ele virou pra trás e falou: “Não doeu!!” (risos), levou um tiro e fala que não doeu. O Curva, um amigo nosso muito doido. Enfim, a gente estava lá defendendo os nossos direitos, tal. Mas uma manifestação que eu acho mais interessante falar do que essa até foi uma que foi em 2011, na época do Código Florestal que ia ser votado um novo Código Florestal que dentre outras atrocidades ambientais ia permitir que a agropecuária, agroindústria fizesse o que ela quisesse praticamente, até construir, derrubar árvores nativas, derrubar mata ciliar, tirava a proteção que as matas ciliares têm, que várias coisas importantes têm. Era uma lei que afrouxava bastante as leis de proteção em prol do agronegócio, resumindo, bem resumidamente. Junto com isso estava ocorrendo também a questão da Belo Monte, antes de começar a construir até, quando anunciaram a Belo Monte e começaram os protestos com a Belo Monte, nem tinha protesto grande ainda, era uma coisa que pouca gente sabia. Isso foi em julho de 2011. A gente foi lá pra Brasília pra fazer um protesto contra essas duas questões, contra a Belo Monte e o Código Florestal. Uma das ações que eu fiz, que eu pensei desde o começo, eu calculei, é um pouco nojento de falar, tá bom? Não sei se tem censura (risos).
P/1 – Não, fica à vontade.
R – Belo Monte, eu sempre pensei, sempre tinha aquela expressão: “Pô, Belo Monte. Belo Monte de merda! Belo Monte de merda”. Eu pensei: “Porra, o Piuí tem que fazer alguma coisa desse jeito”. Daí eu já visualizei tudo na minha cabeça e fui pra Brasília já pensando nessa ação, que tem até um vídeo no YouTube que dá pra procurar, “Belo Monte de Merda”, você acha. Ou “O Palhaço no Planalto”, alguma coisa assim. O Piuí foi lá, deixou a câmera fixa de um jeio que o Congresso, Congresso é aquele símbolo fálico, como se fosse um grande falo e um prato pra cima e um prato pra baixo virado. E aí ele deixou encaixadinho pelo ângulo da câmera de um jeito que o prato pra cima parecia uma privada, ficava no tamanho certo de uma privada, pelo jogo da câmera, e como se desse pra sentar ali. E daí embaixo ele pôs uma plaquinha escrito: "Belo Monte de Merda”. A cena, depois dá pra ver no YouTube, quem não tiver tanto nojo pode ver, é o Piuí entrando em cena, fala umas groselhas pro Governo, abaixa a calça e caga assim, dá pra ver tudo acontecendo. Ao vivo mesmo (risos), em Brasília. Enfim, é bem nojento, é bem fétido, mas foi bem pra causar mesmo com a galera, Belo Monte de merda. Às vezes você fazer uma coisa sensacionalista chega a mais gente, tanto que de todas as artes que eu já fiz foi o vídeo mais visualizado (risos). Já fiz um monte de vídeo bonitinho com a banda, tal, esse é o mais visualizado. E o Piuí vai lá e dá um cagão mesmo assim. Limpa, joga ali, levanta a calça e continua falando besteira. É um vídeo de uns 40 segundos.
P/1 – E isso está dentro do Reciclowns, na vibe.
R – Não exatamente. É, isso foi mais particular do Piuí, porque a gente não gostaria de associar o Reciclowns com uma ação tão pesada dessas porque a gente trabalha com crianças, tal, então não é legal ver um nu. Tem um nu cagando ali. Então a gente nunca associou essa ação com os Reciclowns, foi uma ação do Piuí que é um palhaço artivista, mas o Reciclowns em si, associo o Reciclowns a várias manifestações sim.
P/2 – O Piuí como nasceu?
R – O Piuí? Daquela vez lá que eu falei que na primeira ação do Reciclowns o pessoal gostou muito só que daí o cara foi embora pra Bahia, o criador. Então uma festa que teve o pessoal entrou em contato com um pessoal que tinha feito a primeira, que era amigona minha, a Leleca, falando: “Ó, a gente vai querer os Reciclowns de novo”, ela ficou meio assim: “Tá bom, vou falar com o povo”. Ela recrutou e a gente foi, acho que 15, muita gente, eram 15 palhaços, a gente fez um exército de palhaços. E eu fui um dos que ela convidou. No começo era até sem cachê, era bem tipo: “Vamos lá fazer uma palhaçada” “Legal, nunca recebi um convite de ser palhaço na vida”. Nunca tinha pensado na verdade nisso, nunca tinha passado pela minha cabeça ser palhaço. Mas também não tinha preconceito, não achava nada demais. Mas nunca tive aquela coisa que gostava pra caramba, nunca tinha pensado na vida. De repente eu virei palhaço. É, foi assim, ela deu esse convite, eu estava na minha casa com meus amigos, no quarto, fazendo nossos rituais, aí recebi o telefonema e falei: “Ah, beleza, tal”. E era tipo pra depois de amanhã. Eu fui no quarto, peguei umas roupas esdrúxulas, pus uma calça meio apertada, uma bermuda por cima, uma camiseta comprida com uma camiseta por cima também de futebol engraçada, pus os cabelos pra cima, por isso que ele chamou Piuí, parecia um abacaxi. Pus os cabelos pra cima, daí eu vesti a roupa e cheguei no quarto dos meus amigos pra ver o que eles achavam, abri o quarto e falei: “E aí galera, o que vocês acham?”, e todo mundo: “Pôooo”, começaram a rachar o bico, é essa roupa mesmo (risos). Foi assim que surgiu a primeira vez, 2008. A gente fazia ações sem ter muita noção do que é ser palhaço, de o que é a linguagem do clown. A gente chegou a fazer algumas pesquisas na internet, da origem do clown, tal, fizemos um textinho legal de apresentação do grupo. Mas nesse primeiro momento a gente literalmente botava o nariz, dava de louco e saía que nem louco por aí. O que se for ver agora que eu conheço mais, depois de fazer cursos e tal, de certa forma tem muito do palhaço o que a gente fazia sim, mesmo que sem saber a gente estava fazendo muito do que é o palhaço mesmo, que é deixar dar vazão pro ser que existe dentro de você. Não é você criar um personagem, inventar um personagem que é assim ou assado, é você dar vazão, é você ver dentro de você o que aquilo te... “Ah, isso me dá vergonha”, então ao invés de tentar esconder minha reação de vergonha e fingir que está normal, mostra que você está com vergonha: “Nossa, pode crer!”. Você está com medo, você está com medo mesmo, né? Então você está feliz, você “Ahhhh”, tá feliz mesmo. É você mexer com o seu ego, com a sua vergonha, com o seu interior mais íntimo mesmo, você expor escancaradamente as suas vergonhas. Isso eu gostei muito do comecinho, antes até de fazer cursos, sempre gostei muito do palhaço por me sentir muito eu, me sentir tipo, era um super homem, um super poder que, nossa, o palhaço pode tudo, ele entra em lugar que não pode, faz coisa proibida, sobe ali no palco, nenhum segurança tira o palhaço (risos). Então, quer dizer, às vezes a gente causava tanto que os seguranças tiravam. O Piuí foi pra Brasília essa vez e causou muito em Brasília, tentou invadir o Palácio do Planalto, foi tirado pelos seguranças, ele foi preso inclusive.
P/1 – Ah, é?
R – A gente fez uma manifestação lá contra o Código Florestal também, uma sessão muito linda porque a ideia era plantar uma árvore nativa no gramadão do Congresso. Então tem o Congresso, a gente queria deixar uma árvore plantada, a gente queria que eles barrassem o Código Florestal e essa árvore ia simbolizar a vitória da natureza porque ela ia dar sombra pras pessoas, ia ser uma árvore que ia crescer ali e a gente visualizou uma árvore bonita no meio do Congresso simbolizando a preocupação do Congresso Brasileiro com a natureza. Sabe o que o Congresso brasileiro fez quando a gente plantou a árvore? Mandou a polícia tirar e prendeu a gente. Por cometer um crime ambiental! Então o Piuí, ouçam isso, foi preso por um crime ambiental. Era a acusação deles, era um crime ambiental porque você está mexendo, é crime do patrimônio também, do patrimônio histórico, porque a gente estava mexendo na paisagem feita pelo Niemeyer. A gente mexeu ali e tal, é um crime. A gente plantou uma vez os caras vieram e mataram a planta na caruda, a gente tentou impedir, era mais segurança primeiro, acho que era civil, não sei, era uma coisa diferente, não era polícia normal. Aí vieram e arrancaram, a gente tentou impedir e tudo filmando, documentando, o cara deu um soco no meu amigo com câmera e tudo, assim, puf, pra derrubar a câmera do cara, está filmado isso, até dá pra procurar. Daí beleza, eles falaram: “Se vocês plantarem de novo vocês vão ser presos, a gente vai vir te prender”. A gente ficou, dormiu o dia ali acampado, dormiu acampado não, dormindo no gramado, Brasília não chove, né? No gramado mesmo ali, na frente do Congresso, passamos alguns dias, foram passando os dias e pensando como a gente ia finalizar a nossa ação porque a gente fez aquilo e foi boicotado, não chegou ao fim que a gente queria, de conseguir plantar árvore, a gente queria conseguir plantar árvore sem ser preso. A gente ficou vendo, tal, daí passaram uns dias e a gente falou: “Pô, acho que não vai dar pra não ser preso, a gente vai ter que encarar isso mesmo”. A gente fez uma roda super bonita, a gente colocando os lados de cada um falando sobre desobediência civil de uma forma bonita, de mostrar como a gente pode fazer alguma coisa mesmo, sem ter medo e pensando o que a gente iria envergonhar a nossa família por ter sido preso por plantar uma árvore, sabe? Isso é uma notícia que só vai ser contra eles, prender um monte de hippie porque estavam plantando uma árvore ali, imagina. Isso que era legal também porque a galera dessa manifestação era muito hippie, era desses nossos movimentos que a gente frequenta, que são os encontros alternativos de comunidades alternativas e tal. Então o pessoal era desse movimento, não era pessoal da esquerda que vai sair por ali: “Companheiros!”, com megafone, bababa. Era uma galera que a gente fazia manifestações em roda, de mãos dadas, fazia ohm, fazia o mantra Om, cantava músicas da família e estava plantando uma árvore. E no começo eram 70, no primeiro dia a maior galera foi embora ficaram 20. Eram 20 hippies ali subvertendo a ordem em Brasília (risos). E foi engraçado que mesmo sendo em 20 a gente conseguiu sair no jornal por ter sido dessa forma, de ter sido preso e tal, a gente conseguiu ainda ter uma nota falando da gente. Acho que foi a primeira vez que uma manifestação com 20 pessoas saiu no jornal (risos). Às vezes, o jeito que a mídia esconde as coisas, tem muita manifestação de milhares de pessoas que nem sai no jornal. Brasília tem manifestação todo santo dia, já fui muito pra Brasília, é impressionante, lá todo dia tem manifestação. Eles não querem todo dia, esse daí foi uma que chamou a atenção. Então a gente foi lá, plantou e nessa noite a gente decidiu que ia plantar no dia seguinte, ia ser preso mesmo, a gente decidiu. Algumas pessoas falaram: “Eu não vou participar mas apoio”, a maioria, umas 20 pessoas que iam ser presas, a gente sabia que ia ser preso. Aí eu falei: “Ah, eu não vou querer ser preso não, eu vou é chamar o Piuí, acho que ele vai saber se virar melhor na hora” (risos). Aí chamei o Piuí na hora de plantar a árvore e a gente plantava num super ritual, enterrando junto um cristal e aquele cristal a gente estava enterrando no sentido de uma semente energética pra plantar uma consciência naquele governo, naquele Congresso. A gente tinha esperança que a árvore ficasse vida, mas mesmo a árvore não tendo ficado viva a gente acredita que está ali ainda o que a gente plantou, aquele cristal que a gente botou aquela puta energia, está ali na terra e isso os policiais não tiraram, eles nem sabem que está lá. Enfim, fomos lá e plantamos a árvore num puta ritual bonito, de mãos dadas, ia plantando e plantamos uma, a gente queria plantar umas três. A gente plantou uma e os policiais vieram, puf, parou o carro ali, a viatura. E o nosso combinado era de resistir pacificamente. A gente antes combinou: “Tem uma forma de resistência que chama resistência pacífica. Você não acata nenhuma lei, você resiste realmente, só que de forma pacífica, você simplesmente não se mexe”. O Gandhi usava muito, uma forma que o Gandhi usava muito também, é uma resistência pacífica. Foi mais ou menos o que aconteceu, a gente combinou isso e na hora dele prender a gente ele veio, mandou a gente levantar, ninguém levantou, a gente continuou fazendo Om. E era muito engraçado que os policiais não sabiam como agir. Imagina que chega um monte de policial brutamontes e vê um monte de hippies pintados de urubum, tudo barbudo, cabelo comprido, homem, mulher, tudo com as roupas bem hippies mesmo, cantando músicas falando da família e cantando Om. Os policiais esperaram a gente terminar o Om (risos). Os policiais chegaram no meio do Om, a gente viu e fez até um Om mais comprido, ficamos fazendo um Om grande assim. E os policiais não sabiam como agir, não tiveram coragem e tipo não tiveram força espiritual, a nossa força espiritual estava tão forte que os policiais não conseguiram interromper o Om, eles poderiam muito bem, policial faz o que quiser, né? Faz o que ele quiser, está com a lei dele e com o revólver. Mas eles não tiveram coragem de interromper o Om pra prender a gente, eles esperaram acabar o Om, daí quando a gente ficou em silêncio eles começaram a fazer as perguntas. Eles chegaram, deram de cara com a gente, tipo: “Como a gente vai prender esses caras de mãos dadas fazendo Om?” (risos) Foi muito louco. Eles mandaram a gente levantar, ninguém levantou, daí eles falaram que a gente estava preso, deram voz de prisão pra gente e eles iam levantando a gente meio que empurrando, a gente não queria. E o Piuí se fingia de boneco, sabe aqueles bonecos de pano, assim? Daí o cara levantou o Piuí e o Piuí, o boneco assim (risos), ele empurrando o Piuí tipo um boneco (risos). A gente foi levado pra delegacia do Congresso ali mesmo e deram aquele chá de delegacia, que você fica esperando as coisas acontecerem assim. Eu por vários momentos pensei: “Puta, o que vai acontecer agora? Acho melhor eu tirar o Piuí, porque os policiais, mano, você nunca sabe o que vai acontecer, o policial nunca vai confiar, em quatro paredes preso com você, você preso, os caras cometerem um crime”. Eu comecei a pensar se não era melhor eu tirar o Piuí e ser eu mesmo porque o cara podia: “É palhacinho? Então vem aqui, palhaço”, qualquer coisa que o policial podia fazer. E fiquei o tempo todo pensando: “Pô, mas o Piuí não quer ir embora, Piuí vai ficar”. Daí o Piuí ficou, todas as horas que a gente ficou ali ficou o Piuí tirando onda com os policiais. Tinha policiais mais novos, que tinham ficado, tipo, os policiais mais pavios iam embora e deixavam os mais novos com a gente, tipo. E o Piuí falava coisa engraçada e eles (segura o riso), não podiam rir mas segurava a risada, riam de lado, disfarçadamente. “Ah, tá dando risada, né? Tá gostando!”. E daí o Piuí ficou ali tirando onda com a galera assim. De repente chegou o deputado do PSOL que chama Ivan Valente, salvou a gente, eu fazia essa rima na época: “Ele é muito valente, salvou a gente”. Ele foi lá e deu uma canetada qualquer pra mostrar como em Brasília as coisas nunca funcionam de nenhum jeito oficial, coronelismo puro, né? Dessa vez foi por um bem maior porque é uma coisa que não podia acontecer, o pessoal foi preso pela polícia e daí chegou um cara e só porque ele é político influente, ele simplesmente falou pra galera e eles liberaram a gente. E liberaram assim, sem ter que mostrar RG, sabe? O Piuí nem tava com documento. O cara até chegou a pedir: “Seu documento!”, daí eu: “O que é isso?” (risos). Docu o quê? Do cu de quem? (risos) Nem tinha documento, tal, o que mostra que Brasília, imagina quantas coisas acontecem pro mal, isso foi uma coisa que o cara fez pra salvar um bando de hippie, imagine quantas coisas desse jeito acontecem pra legalizar uma lei que vai fuder com a natureza, né? Então é isso, ele simplesmente foi lá e falou pra galera: “Pode soltar esses meninos, pode soltar eles agora. Um absurdo vocês prenderem eles”. Ele falou que tipo duas semanas atrás tinha tido uma manifestação pró-Código Florestal, o novo Código Florestal feita pelos ruralistas e eles foram pra lá com um monte de tratores, os ruralistas super ricos levaram os tratores deles pra fazer uma pressão pro Governo, então, fizeram uma manifestação contra o Governo pra aprovar o Código Florestal que eles queriam com um monte de trator naquele gramado que a gente plantou a árvore, então eles destruíram o gramado do Congresso, degradação ambiental um monte de trator e não foi preso e agora 20 hippies, moleques, que plantaram uma árvore eles vão prender? De jeito nenhum, pode soltar esses meninos agora. Ele mandou os caras soltarem a gente, muito engraçado. Depois ele deu uma entrevista até no jornal elogiando pra caramba a nossa ação, falando que foi uma ação muito inteligente, muito bem bolada. Até porque a grande sacada também é que a gente fez eles cometerem um crime porque a planta que a gente plantou lá era nativa. E tem uma lei, que inclusive é uma lei que existe dentro do Código Florestal, que é uma lei que você não pode arrancar muda, você não pode matar muda, nem árvore nativa. Não pode. E era uma árvore nativa do cerrado que a gente plantou. Então os próprios policiais de forma truculenta cometeram um crime ambiental. A gente falou isso, registrou filmando: “Você sabia que está cometendo um crime ambiental previsto que é o crime de retirar muda?”. Daí que o cara deu um soco na câmera assim. Enfim, foi uma ação bem inteligente mesmo, bem com esse foco assim, numericamente pequeno mas foi muito legal, marcou a minha vida mesmo de participar de uma coisa muito legal, muito grandiosa, um ativismo mais direto mesmo e mais espiritualizado, de acordo com o que a gente acredita. A gente acredita na força da natureza, na força de tudo, a gente não acredita numa coisa só, política, que vai ficar falando. Fica falando até os políticos mudarem de ideia? Não vai mudar de ideia. Vai vir mais de uma coisa inexplicável mesmo, as mudanças. Como já está vindo, né?
P/1 – Que outras ações vocês fizeram, não só o Piuí, mas os Reciclowns?
R – Reciclowns, né? A gente tem aquela ação da catação de lixo, tem algumas que têm bem a ver com reciclagem. Uma que chama “Microlixo também é lixo”, que é uma ação que é em festival que ela funciona, ou em festas grandes, lugares abertos, onde o pessoal joga muito lixo pequeno no chão, principalmente bitucas de cigarro, que é um dos piores lixos que tem porque latinha, copo, lixos grandes, visíveis o pessoal vai lá e recolher, às vezes até o catadores ganham dinheiro com isso também. Mas mesmo se não for o pessoal lixeiro que está lá pra catar o lixo cata o lixo. Agora ninguém fica catando bituquinha de cigarro, aquele pedacinho do cigarro que você abre assim, ou pedacinhos pequenos de plástico, tampinhas de garrafa, tudo isso é lixo que vai sendo absorvido pela terra, então a terra está sempre comendo esses microlixos, que deve ser nojento também, bituca de cigarro é muito nojento. E num festival isso é muito grande porque imagina quantas pessoas fumando cigarro e bebendo garrafinha de água que joga a garrafa no lixo, mas a tampa já foi e vai pisoteando aquilo. Então a gente criou uma ação pra minimizar o impacto do microlixo. A gente saía catando lixo como a gente sempre faz a catação de lixo que é a performance clássica e daí a gente pegava de forma, a gente fazia antes, deixava tudo preparadinho, bonitinho, uns cinzerinhos feitos com garrafas, essas garrafas de plástico, com um furo aqui e areia dentro, então a gente já fazia as garrafas, deixava todas prontas, umas 50, deixava um saco cheio dessas garrafas fingindo que era um saco de lixo cheio e ia com outros sacos enchendo de lixo. Então fingindo que já era um saco cheio de lixo e ninguém sabia o que tinha lá. E nisso ia enchendo os outros sacos, tal e tal. Daí uma hora a gente parava na frente do pessoal assim, onde tinha bastante gente olhando, parava e falava: “Ó gente, a gente vai fazer uma oficina agora pra fazer bituqueira, tal, vamos mostrar como faz cinzeiro”. A gente ensinava. Pegava uma garrafa do lixo normal e fazia demoradamente, explicava, cortada: “Agora a gente faz assim, agora põe areia pra poder apagar o cinzeiro e o fogo, não sei o quê, tal, põe o barbante aqui e pronto”. Depois do maior tempão: “Está pronto um!”, daí o outro palhaço falava: “Puta, mas agora vai ter que fazer com todo esse lixo, vai demorar pra fazer”. Daí a gente fazia alguma magia, às vezes vinha alguma fada e fazia um plim, ou a gente soprava ou pedia para uma criança: “Dá um sopro mágico aí!”, e daí a criança ia na sacola que estava cheia das bituqueiras e dava um sopro mágico, daí a gente: “Ah, acho que não funcionou, parece que está normal”. E quando abre assim, a sacola cheia de bituqueiras e a gente saía pendurando as bituqueiras pela festa inteira. E nossa, essa ação é muito legal porque ela é muito eficaz mesmo. Já aconteceu da gente ir em festivais no mesmo local e no ano seguinte a bituqueira ainda está lá quase cheia, ou cheia, aí já vi bituqueiras nossas cheias da outra festa, do ano anterior, então um ano depois estava penduradinha lá, o pessoal não tirou, deixou porque gostou da ideia e estava lá a bituqueirinha com o nosso logo, uma mensagenzinha e a bituqueira lá. E é uma coisa que funciona muito, a gente sempre vê as bituqueiras, então é pelo menos uma garrafa de plástica cheia de coisa com um lixo a menos no chão. E reutilizando, reciclando, isso tem bastante a ver com a reciclagem também, essa ação que a gente reutiliza o que era um lixo, a gente faz virar uma coisa super útil, que no fim vai virar lixo também mas juntando muitos outros lixos, né? Essa ação é legal. Tem uma ação também que a gente faz que é uma oficina de confecção de carteiras com material reciclável, reutilizado. Geralmente são os sacos de café ou caixas tetrapack de suco e leite. A gente faz a carteira com os materiais e faz uma cobertura, um enfeite, uma finalização da coisa com material publicitário de revistas, então a gente reutiliza revistas e esse material que ia pro lixo, saco, caixas, revista velha. Pega revista velha e tem um monte de propaganda que está a paisagem bonita, assim, então corta aquela paisagem, bota na carteira. Eu até tenho uma aqui assim, quer eu mostro? Posso mostrar? Essa aqui é uma que não fui eu que fiz, eu ganhei de presente de uma criança, mas é bem da linha das que a gente fazia. Eu já tenho ela faz mais de um ano, ela está um pouquinho rasgada, mas super funcional. Tem um elástico até, quando a gente abre aqui cheio da grana, como todo artista (risos) e os lugares para colocar, encaixa as coisas assim, é muito legal. E uma coisinha bonitinha por fora, tá vendo? Tinha um desenhinho de alguma coisa de revista.
P/1 – Isso é revista e tetrapack, né?
R – É. O enfeite, a decoração é com revista e a carteira em si é com tetrapack. Durante muitos anos eu usei uma sem decoração mesmo, até porque é educativo, eu achava legal o pessoal ver que é realmente uma caixa de leite, uma caixa de suco, o que seja. Geralmente eu usava uma sem nada, mas essa a criança me deu e eu achei muito bonitinho, uma criança que eu gosto muito, então eu uso ela. E daí a gente faz oficinas, a gente oficina que geralmente a gente já leva os materiais, leva as caixas assim. Já teve vez que a gente catava as caixas no lixo, levava, o que também é legal, mas por praticidade às vezes a gente leva as caixas já de tetrapack, leva o material, tesoura, revistas. A gente já deu essa oficina como palhaço e como pessoas normais. Como palhaço é muito legal também, mas é um pouco mais desafiador. Como pessoa normal a gente tem mais como falar mais sério, então a gente explica melhor sobre as coisas, tal. Como palhaço, como as crianças não levam muito a sério a gente até fala também, mas fala brincando, então a gente tenta passar o porquê a gente está fazendo aquilo mas com piadas, com bom humor. Mas também explico por que ou por que a gente tem que consumir menos, por que reciclar é só a última etapa, tal, vamos reutilizar, falando de reutilizar o material. Reutiliza as revistas, quanta revista velha que vai pro lixo, em todo lugar no chão um monte de gente que joga revista no chão. E recicla até a própria arte do cara, até os artistas, publicitários que fazem artes lindas que eu tenho até pena das pessoas que usam a sua criatividade e seus dons artísticos pra vender coisas do mal assim, porque são muito talentosas, tem cara propaganda boa. Eu não vejo TV, fico muitos anos sem ver, aí quando eu vejo de vez em quando eu fico: “Caraca! Que moderno, virou cinema!”, TV virou cinema. Já faz quase dez anos que eu parei de ver TV sempre, eu me impressiono muito, direto eu vejo uma propaganda, tudo é 3D, eu falo: “Caraca, como pode, veio? Antigamente 3D era que nem investimento de um filme, Toy Story era 3D”. Hoje em dia muito moderno, muito talentosa a galera e está usando o seu talento, não usando, está sendo sugada pelo sistema, está deixando o sistema sugar o talento dele assim. Mas enfim, por isso que a gente escolheu um outro caminho, a gente escolhe um caminho que a gente acha que a gente está usando para um bem melhor, os talentos e a arte.
P/1 – E nisso tem a música também, né? Você continuou com o Céu Azul, a banda, né?
R – Aham. Deixa só eu ver se do Reciclável falta alguma coisa. Tem a sessão da oficina que a gente dá também. A gente já fez artesanato com material reciclado, reutilizado também. Brincos com tetrapack, brincos, pulseiras, enfeites, cartões, sabe aqueles cartões que tem de graça, de monte? Pego um monte daqueles e a gente faz caixinha daí vira embalagem de alguma coisinha, de brinco ou a própria caixinha, alguns lustres pra por vela, as próprias carteiras. A gente fazia porta retrato, fazia um monte de coisa com material reciclado. E vendia. A gente ia nas festas, fazia as ações e montava nossa banquinha com as nossas coisas recicladas, é bem legal.
P/2 – Uma coisa que eu acho massa de você contar é a entrada dos shows dos Catalatas.
R – A entrada?
P/2 – Quando começa o show, que vocês começam a tocar.
R – Ah, como que pede pra jogar o lixo, né?
P/2 – É.
R – Ah, sim. Dentro das _2:13:09_ eu já falei também tem a banda. A banda faz músicas, paródias engraçadinhas com letras falando sobre ecologia, que nem aquelas que eu mostrei lá. A forma que a gente criou de interagir, é um show bem interativo, é um show que não é só um show que você sobe no palco e faz o show, é um show que as pessoas, as crianças interagem. E a forma que elas interagem é que os palhaços viram estátuas vivas, então a ideia é que tipo, eles estão no fundo da coxia, atrás da cortininha assim e daí o narrador, que é a gente mesmo com megafone só que escondidinho, com uma voz super pomposa apresenta Os Catalatas, a banda. Essa banda se acha pra caramba, eles se acham super músicos. Daí a banda entra toda se achando assim, Ah ah, toda posuda assim, finge que vai começar e quando: “E vai começar...”, a pessoa interrompe assim: “Pera!!! Pera aí, esquecemos”, daí tem várias sequenciazinhas que vai interrompendo, vai criando esse esquema de: “Vamos começar” “Pera, pera, pera” “Ah, esquecemos a lousa”. Daí tem uma lousa que explica a ação. A gente leva a lousa que está escrito: “Jogue o lixo no lixo e mova os palhaços”, que é o que vai acontecer daí pra frente. Então quando finalmente vai tocar: “Então agora vamos, para com essa história”. Quando a gente vai começar: “Um, dois, três e...”, e aí vira estátua viva. Então os músicos iam dar o primeiro acorde e bate, vira estátua viva. E geralmente as crianças entendem, que está escrito ali jogue o lixo e mova os palhaços, daí as crianças vão correndo, disputando, pega o lixo e quando joga no lixo, que a gente, tarã tarã, daí começa a música assim, tipo, está parado e quando joga o lixo a gente bate o acordo. E de vez em quando ao longo do show a banda meio que fica devagar e acaba a bateria assim. Daí só quando alguém joga o lixo de novo que a gente volta assim. A gente já fez algumas vezes que tinha que ser o lixo certo. Tinha reciclável, orgânico e tinha que ser o lixo certo, às vezes a pessoa jogava o lixo errado e a gente continuava parado e só quando jogava o lixo certo que a gente mexia. Esse é o Catalatas.
P/1 – Isso toca as pessoas, né?
R – Com certeza, a pessoa se sente ajudando.
P/1 – Como eu te falei, tenho entrevistado pessoas sobre esse assunto e elas falam das formas como se fala, que algumas formas não dão certo e é importante que encaminhe isso melhor.
R – Aham. É aquilo que eu falei do chatonildo, né? Um ecochato falando de um monte de coisa ou alguém mostrando pra você uma coisa, mostrando de um jeito bonitinho, lúdico, engraçadinho, divertido. Eu sempre acreditei, eu sou muito feliz, eu sou palhaço, a minha vida é alegre, então eu sempre acreditei que a vida tem que ser com alegria, a gente só pode fazer uma coisa assim mesmo se for com alegria, se for com prazer, com tesão, senão é melhor nem fazer. Então a gente quer passar isso pras pessoas também, você cuidar do meio ambiente tem que ser uma coisa divertida, que te dá prazer, você tem que ter prazer em fazer isso, tem que gostar. “Nossa, que legal que eu aprendi isso, vou agora aprender e ter minha composteira, vou separar meu lixo”, tem que gostar de fazer isso, nada que é como obrigação é saudável, tudo que é obrigação vira, a coisa é obrigada a fazer. E não gosto, não funciona, que nem você falou, tem coisa que não funciona. Você virar e ficar enchendo o saco muitas vezes não funciona. E essa é a forma que funciona bastante assim de você interagir de forma gostosa, divertida e engraçada, a pessoa fica alegre e é tocada, a gente acredita. Funciona bastante assim.
P/1 – O público é mais infantil ou não?
R – Varia bastante. A gente tem ações só infantis. A gente tem uma ecogincana também, que é legal. É só pra criança mesmo, é uma gincana onde a gente separa umas equipes como se fosse uma gincana normal, a gente cria propositadamente uma certa competitividade nas crianças a princípio, mas aí conforme as brincadeiras vão acontecendo as crianças vão vendo que não dá pra eles competirem, senão nenhuma das duas vai ganhar. Elas têm que se apoiar, então são jogos cooperativos, são jogos que só com a cooperação entre as equipes é que ganha. E no final elas descobrem que não era pra ter um ganhador, que no final o grande vencedor é a natureza, que agora tem um exército inteiro junto, reunido, por uma coisa maior, entendeu? Então a gente cria aquela coisa nas crianças, que criança gosta de uma competitividade, né? “Ah, eu sou o time vermelho” “Eu sou do azul” “Azulll! Azulll! Fora vermelho!”, então a gente cria primeiro pra conquistar a atenção das crianças, que as crianças gostam de: “Pá, vamos ganhar e vocês não”. E conforme a brincadeira elas vão vendo que não dá pra ganhar assim, ninguém vai ganhar se for competindo. São jogos de ganha-ganha que chama, tem uma teoria disso e daí geralmente no final, a gente fez poucas vezes essa ação, a gente inclusive quer fazer mais, é que como ela é muito trabalhosa demanda uma coisa mais cara, então o pessoal quando vai contratar a gente contrata pras outras coisas assim. Isso é coisa que a gente pede mais mesmo porque é muito difícil, muito trampo de fazer, de idealizar a coisa toda, mas a gente quer muito fazer uma dessas, que é muito legal, uma atividade só pra criança e despertar isso na criança, tipo, tanto educador e tanta gincana dessas... o entretenimento infantil hoje em dia, eu acho péssimo, eu considero muito péssimo o que passa na TV, ou o que passa nos canais, é muita briga, muita violência, muito sexismo, muita coisa falando de sexo, falando de bunda, não sei o quê, besteira e consumismo, todo mundo é consumista nos desenhos, de vez em quando, quando eu vejo a TV ligada eu vejo um desenho, o que é o desenho hoje em dia? É muito bizarro. E toda educação, a forma de... mas estava falando da ecogincana. É, então muitas vezes contratam animadores de festa, esses tios, monitores de festas e as brincadeiras são muito comuns, são instigar a competitividade, que faz sentido porque a gente vive num mundo competitivo então quando você é criança você brinca de ser competitivo com seus amiguinhos, quando você cresce você é competitivo com seus companheiros de trabalho, né? Então a gente quis romper com isso mesmo pra gente fazer uma brincadeira onde a cooperação é mais importante, a vitória se dá através da cooperação. A competitividade é levar à derrota de todo mundo, que é o que a gente acredita que a derrota do planeta seria através da competitividade, através do capitalismo competitivo e tudo o mais. Então eu acho importante plantar essa semente no coração das crianças assim, das crianças verem que nossa, realmente é legal fazer esporte, é legal e tudo o mais, mas é muito mais legal conseguir uma coisa junto, você saber como fazer a coisa e ver que só quando você está junto você tem que se unir, você tem que fazer um time maior, é muito legal pra criança. Geralmente as crianças gostam, aquela coisa, ainda mais que toda criança gosta de competitividade ela acaba sacando e vivencia a coisa assim. E no final é muito bonito, sempre rola muito bonito.
P/2 – E contar a fundação da Dupla.
R – A fundação da Dupla. Eu posso pegar o gancho da história que eu já contei das bandas, até porque foram com o Céu também, que é meu parceiro da dupla. Então, só resumindo: a gente teve aquela banda quando estava na quarta série, inspirada nos Mamonas Assassinas, que era Pentelhos Assassinos, depois virou Besteirol Enlatado. Aí ninguém tocava. Alguns anos depois, quando a gente já estava na sétima série, assim, a gente começou a fazer aula dos instrumentos e fundamos a outra banda, que é a Calota Solta que depois virou Calota 33, que é um nome bem inspirado no Paralamas do Sucesso, a gente queria um nome engraçadinho assim e a calota solta. E essas musiquinhas meio bobas, às vezes algumas meio machistas como eu falei, mas algumas de contestação social. Isso foi até oitava série, primeiro colegial. No primeiro colegial eu tive uma outra banda que o Céu não participou como músico, mas era parceiraço, que foi a banda de reggae que eu tive. Tudo também música própria, falando mais de viajar, a gente estava começando essa história do lual, de acampar, viver acampando, gostar da natureza, então as músicas falavam disso. E o Céu era meu parceiro na banda também porque a gente era amigo e ele ajudava a gente nos arranjos, ele ia pros ensaios e conseguia shows pra gente, era tipo um produtor. A banda acabou lá pra 2006, mais ou menos, durou um bom tempo, uns seis anos. Cada um da banda seguiu um caminho, ninguém quis continuar com a música, inclusive eu também não, que chegou aquele momento quando acaba o colégio que todo mundo passa, que é uma coisa que a pressão da sociedade, dos seus pais em ter que fazer alguma coisa, ter que escolher um curso como se você tivesse que escolher. É que nem escola é obrigada, como se fosse obrigado a continuar isso. Enfim, aí nisso cada um seguiu um caminho e eu mesmo não escolhi a música como um caminho. Só que eu ja estava passando por um processo de transformação interior de mudanças de vida, de consciência sobre o planeta todo assim, consciência sobre a sociedade. Estava começando já a ter essa consciência. Então eu fui me aproximando mais do que é de esquerda, os partidos e tudo o mais, os movimentos sociais. E aí eu escolhi fazer Geografia, que é uma coisa que eu acreditava que era uma matéria pra contestação social, e é realmente muito interessante. E aí aconteceu que a gente conheceu esse movimento da nova era, os encontros e tudo o mais e foi junto, né? O Céu foi uma primeira vez, daí no próximo eu já fui junto com ele. E aí que foi a grande mudança na nossa vida, o grande despertar, o grande clique, que na nossa vida foi um divisor de águas, a partir daí mudou a nossa vida, 2006. Com essa mudança veio também essa mudança de paradigma da vida, a gente continuou compondo junto como a gente sempre fez, só que dessa vez compondo músicas que tinham a ver com isso. Então a gente ia nos encontros, ia nos festivais, tal e tinha grandes músicos que são mestres pra gente, o Leal Carvalho, o Kal Venturi, Pedro Ivo, Tomas do _2:24:53_, é o que Emana, Emana de Reggae, são várias bandas que nesse movimento são super famosas, o mainstream da Nova Era (risos) são essas bandas. E a gente sempre teve o sonho de ser uma banda dessas. Desde o começo a gente pensou em ser uma banda do ENCA, chama ENCA esse encontro. Acho que não podia falar dele, divulgar ele (risos).
P/1 – Pode.
R – Estou brincando, não tem problema, se não vincular na internet tudo bem.
P/2 – Ah, não pode falar do ENCA, né?
R – É. O ENCA é uma coisa que não se divulga na internet abertamente porque é um encontro familiar, então vai quem é da família mesmo, quem recebe o convite familiarmente. Enfim, a gente queria ser o músico da Nova Era, músicos dessa família, dos encontros. Então a gente começou a compor músicas nesse sentido, músicas que falam da natureza, de proteger, de ecologia, meio ambiente, questões ecológicas pontuais que a gente ia aprendendo. A gente transformava as coisas que a gente aprendia em música. Muitas coisas superar a cultura, a gente ia aprendendo a superar a cultura, daí virava um versinho caipira engraçado que a gente ia lá e fazia a música. A gente foi assim, ia compondo bem como brincadeira, no começo era bem uma brincadeira mesmo assim, pra ser músico da família. Só que aí começou a crescer a história assim, começou a dar certo, começou mais gente gostar e a gente viu que podia ser um potencial pra trabalhar com isso mesmo. Então em 2009 a gente começou a trabalhar com isso, começou a fechar shows e tentar viver disso, viver da Arte. Em 2010 a gente fez um grande mochilão, eu e o Céu, posso até falar mais desse mochilão mais pra frente, que foi uma das coisas que eu mais aprendi na vida. Eu já tinha feito alguns mochilões, de 2006 a 2010 foi a era dos mochilões na minha vida, cada ano eu fazia um mochilão cada vez mais, 2010 foi o maiorzão, a gente ficou uns seis meses viajando, fomos até o Nordeste, Natal, daí fomos pro sul do Brasil direto, Porto Alegre, fizemos Uruguai, toda a costa do Uruguai, Argentina, fomos no interior da Argentina, subimos pra Bolívia, fizemos Bolívia e da Bolívia voltamos pro Brasil. A gente fez o objetivo de comprar um charango, que é um instrumento que a gente toca, que tem lá na Bolívia, a gente tinha perdido um que a gente tinha e a gente falou: “Não, nas próximas férias eu tranco a faculdade e a gente vai”.
[TRECHO RETIRADO A PEDIDO DO ENTREVISTADO]
E daí que foi o outro divisor de águas, foi o momento que eu desencanei da faculdade pra viver do que eu realmente acreditava, foi quando eu pude escolher fora a pressão da sociedade e da família, quando eu consegui escolher o que eu queria ser mesmo, que era viver da Arte, desse movimento. Em 2010 a gente fez esse mochilão grande que foi bem pra descobrir que a gente conseguia já viver da nossa arte porque até então a gente tocava, mas não trabalhava com isso, foi quando a gente realmente ficou na estrada com zero reais, muitas vezes acabou toda a grana e a gente tinha que ir pra rua pra botar o chapéu na rua e fazer a grana da comida do dia. E pra continuar a viagem tinha que ganhar mais pra juntar dinheiro pra poder ter a grana do ônibus pra chegar na próxima cidade com zero reais, chegou, já faz tudo de novo. Foi quando a gente aprendeu que a música leva a gente pra onde a gente quiser, a gente foi longe com a música, a gente fez um mochilão longe só com a música mesmo, a gente levou o violão e era o que mantinha a gente. Nisso a gente compôs bastante música, foi a viagem que a gente compôs muitas músicas, 2010. Voltamos com essa inspiração e como a gente já tinha composto muita música a gente voltou na pegada de investir no autoral mesmo, porque até então pra encher o show a gente tocava vários covers também da MPB que têm a ver com o que a gente fazia, mas a gente começou a ter música pra poder fazer um show. E daí que foi legal que a começou a investir mesmo em nossas músicas, a gente queria fazer nossas músicas serem cantadas pela galera, a gente queria ver a galera falando de veganismo, de ecologia, de permacultura, então a gente pensou: “Imagine que legal uma banda que é famosa e as pessoas cantam as músicas alto no show falando de permacultura, falando ‘eu não mato pra comer, eu como mato pra viver’?”, isso que a gente queria. E foi isso, então 2010 foi esse ano chave que a gente compôs muito e voltou com a ideia de investir nisso, querendo gravar um disco, querendo viver disso. E aí na hora que a gente voltou do mochilão estava rolando a Casa Jaya, tinha começado a Casa Jaya que é um espaço cultural aqui em São Paulo mesmo, lá em Pinheiros, aqui pertinho, um espaço cultural totalmente a ver com esse movimento que eu digo que a gente conheceu a Nova Era, o Alternativo, a gente tinha ido nesses movimentos e aprendeu um monte de coisa sobre Yoga, sobre a arte consciente, vegetarianismo, veganismo, respeito à natureza, ecologia, permacultura. E em São Paulo não existia um espaço como a Jaya, a gente vislumbrou isso, a gente sonhou com isso e sonhando coletivamente se tornou realidade, que nem fala uma música da dupla, que quando você sonha junto o sonho se torna realidade. E aí a gente sonhou junto esse espaço, o espaço apareceu por obras divinas mesmo, a casa que é herança de um de nossos amigos, da família dele e o pai dele confiou num bando de hippie de 20 e poucos anos que falou que ia fazer um espaço holístico, restaurante vegano, o cara nem sabia o que era vegano na época, em 2006, 2007 assim. Em 2008 começou. Era muito pouco falado. Enfim, a gente visualizou de fazer isso, então eu e o Céu estava nessa de fazer as buscas, mas a gente voltou nossa atenção totalmente pra Casa Jaya, mas inclusive lá que a gente começou a divulgar nosso trabalho, é lá que a gente tocava bastante, a gente fazia encontros musicais pra isso, a gente começou a fazer eventos semanais, sarau. É daí que surgiu o Pizzarau, que é pizzada vegana com sarau, que a gente criou e a gente tocava bastante lá e lá começou com a história de tocar, o pessoal gostando e aprendendo as músicas. Começou com a história da galera conhecer nossas músicas. E na Jaya a gente sempre trabalhou de tudo, a gente foi os fundadores, a gente participava das ideias como um todo, dos rumos que a casa vai tomar e fazia o que precisava, no caso o que precisava eu ficava de caixa e o Céu ficava de garçom, a gente também revezou, cada um foi uma coisa, já trabalhei em várias funções lá, a gente fazia o que precisava e ainda pensava no rumo da casa. E aí foi um passo bastante importante pra dupla, como eu estava falando, foi quando a gente tinha o nosso espaço pra ensaiar, pra tocar, se apresentar, começar a criar um público, a ter esse público que gostava das músicas, cantava junto. Daí que a gente começou a participar de eventos maiores. A gente começou a participar de festivais eletrônicos também junto com os Reciclowns que a gente ia. E foi muito engraçado que o pessoal do festival eletrônico, as nossas mensagens caíram como uma luva pra eles, a gente nunca imaginar que a galera ia gostar tanto. Então foi um grande boom que a gente teve de público, de ver na página, clicar o número de curtidas assim, ir de menos de mil pra depois está lá mais de três mil, que foi com esse negócio do eletrônico principalmente, porque é um público muito grande então numericamente é o nosso maior público, apesar de que o nosso público é mais a família da Nova Era que vai nos encontros, que conhece mesmo a gente bem assim. Mas a gente é tido como uma banda conhecida dentro da cultura trance, o pessoal sabe que tem aqueles DJs famosos e tem a Dupla Caipira de Reggae (risos). É muito engraçado, nunca a gente ia imaginar. Mas é porque são pessoas que estão buscando um caminho de despertar espiritual, então são pessoas que estão buscando também, muitos eventos buscam falar de vegetarianismo, promovem o vegetarianismo, outro não tanto, a gente vai lá e cobra a galera assim, tem que ter mais, até porque são eventos preocupados com a ecologia, não tem como falar de ecologia sem falar de veganismo e vegetarianismo. Então são eventos que têm esse público que está nessa busca. O próprio lance de tomar o negocinho, tomar um ácido, tomar uma coisa que vai alterar a sua consciência, às vezes a pessoa faz realmente porque é droga, porque quer ficar doidão, ficar chapado, mas ela nem imagina que ela está usando uma parada que expande a consciência dela, então às vezes sem querer ela acaba sendo conquistada por essas artes vanguardistas, visionárias que esses festivais abarcam, pinturas, palhaço, músico, tal. Então é um público que está buscando essa consciência e eles viam na nossa música uma coisa muito legal, divertida, com mensagens legais, mensagens que as pessoas também queriam conhecer, pôr em prática. A gente viu que tem muita identificação, então por mais que a gente, como banda, como indivíduo, a gente não seja muito da cultura, a gente não é muito do álcool, então a galera bebe muito, só que ainda menos, se for ver de eventos, sei lá, a galera do sertanejo, galera do samba, galera do rock, galera do sei lá o quê, a galera do trance é uma das que menos bebe, porque todos os outros rolês são baseados no álcool. E esse movimento que a gente fala da Nova Era, dos encontros alternativos, não envolvem álcool, a única droga praticamente é o álcool. Coisas químicas nem são consideradas, químicos, drogas e álcool são verdadeiras drogas. Maconha a gente nem chama de maconha, chama de ganja, é considerada uma planta espiritual, uma planta de poder, assim como a ayahuasca do Santo Daime, assim como cogumelo e outras coisas que são plantas de trabalhos espirituais pessoais seu de reconexão, de conhecimento. E o ácido tem uma coisa muito parecida com isso também, por mais que seja sintético, feito em laboratório e tudo o mais, mas ele te leva num estado desse também, de consciência elevada, que nem o Santo Daime, que nem o cogumelo. Então as pessoas estão ali se iluminando sem saber, estão achando que estão se drogando, mas estão ali se iluminando. Inclusive o movimento hippie dos anos 60 tinha muito a ver com isso, né? Quando descobriram o ácido, quando foi aquela coisa, o ácido era super estudado como expansor da consciência, trabalhado em pessoas que tinham distúrbios mentais. Teve estudos maravilhosos sobre o ácido lisérgico, ele foi descoberto como uma das coisas que podiam ter salvado a humanidade, né? É que a humanidade como um todo realmente não quer coisas assim, a humanidade quer doença pra ter dinheiro, pra ter o consumo dos remédios, não quer uma coisa que as pessoas tenham consciência e parem de consumir. Ninguém quer que aumenta a consciência, por isso que a maconha é proibida e o álcool não, né? Porque ele vai no boteco, vai encher a cara pra falar de besteira, de futebol, de mulher. Agora quando a pessoa fuma um geralmente dá uma abertura na cabeça, a pessoa quer falar de coisas legais, de política, de arte, de coisas mais cabeça, uma coisa de público mesmo, não é preconceito com nada. Eu já bebi bastante, então eu sei o que eu estou falando, quando eu bebo eu quero falar besteira, não quero ficar falando de coisa séria, de coisa cabeça. Ter um papo cabeça bêbado? Como? Não tem como. Você fala besteira, coisa superficial, tipo: “Pô, te amo pra caralho, tenho a maior consideração por você porque po...”, superficial, sabe? Agora a ganja, por exemplo, é o oposto, por isso que a maconha é proibida, isso Bob Marley que falava, inclusive, o porquê que a maconha é proibida e o álcool é liberado, a maconha dá uma abertura, pessoal que fuma um gosta de fumar e conversar de coisas cabeça, aquela galera que fica na roda e surge um assunto, se aprofunda, aquela coisa que o assunto vai longe com uma profundidade mais legal. E o governo, os dominadores não acham interessante as pessoas terem pensamentos elevados.
P/1 – O seu trabalho continuou com outras bandas também, né?
R – Sim. A Dupla foi a primeira que eu participei que daí a gente compunha mesmo as músicas, as canções. E num certo momento a Casa Jaya estava funcionando normal e já recebia bastante shows, então começamos a conhecer bandas legais e eu só ia atrás de bandas com esse propósito, não ia chamar bandas comuns, tal, banda comum vai tocar em lugar comum, na Casa Jaya se as pessoas estivessem afinadas com o propósito de ecologia, de meio ambiente, de espiritualidade, tal. Não era fácil também compor a programação, dá pra imaginar que... foi muito interessante porque a gente conheceu muitos projetos e tudo o mais. Numa dessas de chamar o pessoal pra tocar lá que eu conheci o Pedro Ivo, que é um grande mestre pra mim, não só como músico mas pra vida, como pessoa, como líder, como pai principalmente, é uma pessoa incrível. Numa dessas que eu conheci o Pedro, ele foi tocar lá no almoço, na época até almoço tinha na Jaya, musical, a gente fazia quase todo dia almoço musical. E daí a gente convidou o Pedro uma vez pra ir lá, que ele era amigo de um outro músico que a gente conhecia e foi lá o Pedro Ivo. E a gente conhecia o Pedro Ivo, ficou como: “Nossa, Pedro Ivo!”, o ídolo desse movimento alternativo, super conhecido. Direto, está em algum lugar do Brasil, isso até hoje em dia, eu estou lá em Paraty, eu estou na Bahia, estou não sei onde, a galera tocando Pedro Ivo, super comum acontecer. Eu mesmo, eu tocava Pedro Ivo sem nem conhecer ele, só sabia que a música era do Pedro Ivo, tocava umas três músicas dele e sempre falava: “Essa daqui é do Pedro Ivo”, músicas lindas, aquelas mensagens que eu acreditava, ia lá e tocava. Numa dessas o Pedro Ivo foi lá e a gente: “Pô, vou conhecer o Pedro Ivo, que legal”. Eu já conhecia só de dar oi no encontro uma vez que a gente foi, dessa vez que a gente conheceu ele pessoalmente. Ele apareceu ali na Jaya, chegou com os dreads cortados, ele tinha os dreads até a perna, de repente apareceu de cabelinho curto. “É o Pedro Ivo?”, ele: “Sou, pode crer e você” “Eu sou o Pedrishna, prazer, tal. Chega aí, vamos lá tocar”. Pus ele pra tocar lá, tal. Aí eu sabia que tinha a Tribo do Sol, até já tinha combinado com a Tribo do Sol pra fazer um show na Jaya. Eu falei: “Tem que vir com a Tribo do Sol agora, ia ser um sonho pra gente receber a Tribo do Sol, imagina um show da Tribo do Sol aqui na Casa Jaya, ia ser um sonho pra gente”. Que a Tribo é uma das bandas mais queridas pela galera, pela família. Demais, da gente saber música, saber cantar, é muito legal. Aí, pô, ia ser um sonho pra gente: “Pô, pode crer, vamos fechar sim”. E fechou uma data. Ia ser daqui um mês o show. Uma vez o Pedro Ivo foi de novo lá na Jaya, acho que ele foi de novo tocar no almoço. Nessa época a gente tinha a Dupla Caipira de Reggae, tinha juntado com outros projetos de amigos e parceiros, outros músicos também, a gente cantava junto, fazia uma banda só tocando músicas da galera, músicas da família e a gente fazia um show por mês nesse esquema pra arrecadar grana pra fazer a estrutura de som da Casa Jaya. Então tudo o que a Casa Jaya, até praticamente hoje, depois rolou muito pouco investimento, quase tudo o que a Jaya tem hoje em dia foi essa banda que todo mês a gente fazia shows e doava o cachê, doava tudo o que entrava pra comprar microfones, cabos, pedestais, mesa de som e tudo o mais. Aí chamava A Banda Livre do Agora. Então toda última sexta do mês era Banda Livre do Agora que tocava, tal, era esse projeto da dupla, Yaka mein, Monge de Férias, o Mira, todo mundo junto. Aí numa dessas chegou o Pedro Ivo pra mim, eu trabalhava no caixa na época, o Pedro tocou no almoço e depois ele foi lá comigo: “Ô Pedrishna, essa tal Banda Livre do Agora aí, você tem um baixista?”, a gente não tinha, né: “Baixista não, a gente toca violão, charango, percussão, flauta, viola caipira, tem um monte de coisa, baixista não, por quê?” “Pô, porque a Tribo do Sol estava precisando de um baixista”. Eu falei: “Eu já toquei baixo numa banda de reggae”, daquela banda de reggae que eu falei que eu era, eu era baixista e backing vocal. “Até backing vocal eu faço, eu toco reggae e canto”. Ele: “É mesmo? Pô, eu vim falar com você justamente porque eu estava pensando em você, do nada”. Ele canalizou, ele sentiu que eu podia ser baixista, ele não sabia. Ainda falou: “Pô, estava pensando em vir falar justamente com você, eu achava que você ia salvar mesmo. Bora tocar com nós então?”, e eu: “Puó”, aquele barulhinho dos anjos assim: “Óóóóo” (risos). “Vamos tocar com a gente?” “Pô, tocar na Tribo do Sol velho, o que é isso?”. É que nem, sei lá, alguém convidar você pra tocar na banda que é fã. E realmente, quando eu conheci esse movimento, os meus ídolos passaram a ser muito mais eles do que Titãs, qualquer outra banda assim. Tipo, se eu fosse convidado pra tocar no Titãs ia ser só legal porque eu ia ficar famoso e ia ganhar dinheiro, mas não era um sonho pessoal. Uma coisa de realização mesmo é Tribo do Sol, as bandas que eu gosto, são os verdadeiros ídolos porque são pessoas que vivem o que cantam e cantam o que vivem. Aí eu falei: “Pô, demorou! Pra esse show agora?”, o show era dali a duas semanas na Jay. “É, pra esse show, a gente estava pensando” “Demorou”. Ele foi embora e eu ainda fiquei meio pasmo assim. No dia seguinte já veio o produtor da banda, a gente estava com produtor na época que fazia tudo, fazia todos os corres da banda, tal. Já chegou o produtor correndo assim: “Tó, toma o CD, essas músicas pá, o cartãozinho do estúdio com a hora do ensaio e tudo”. O primeiro ensaio marcado, trouxe o cartãozinho do estúdio assim. Eu: “Pô, que legal”, vi o CDzinho, o cartãozinho do estúdio, eu: “Ai, que da hora”. Eu nem tinha baixo mais na época. Eu falei: “Mas eu não tenho baixo” “A gente tem o baixo”. O cara da banda tinha um baixo, o tecladista. “A gente empresta o baixo” “Porra, que dá hora”. Ele foi lá e deixou o baixo comigo até para eu ir ensaiando: “Fica com você por enquanto”. Algum tempo depois no meu aniversário ele deu pra mim o baixo de presente: “Pô, já é seu, você é o nosso baixista, o baixo é presente de aniversário aí”, foi muito legal. Daí que eu entrei pra Tribo do Sol, que é uma banda que fala muito dessas coisas também, de ecologia, de Nova Era, Nova Consciência, de buscar no interior. A banda também é toda vegatariana, alguns veganos também. Inclusive a gente como banda sendo vegetariano é uma militância só de você ser porque toda a produção de evento não pensa muito nisso, a não ser que seja evento de veganismo. Então a gente sempre tem que deixar muito claro que a gente é vegano e que a comida que for pra gente tem que ser vegana. Então a gente já faz o próprio produtor do evento ter que pensar nisso, entendeu? É uma das condições, ao invés de pedir toalhas brancas a gente pede comida vegana (risos). Camarim com comida vegana, nem precisa de toalha, a gente se enxuga na calça (risos), mas a comida tem que ser vegana. E foi muito legal, a experiência com a Tribo é só gratidão mesmo porque foi, inclusive eu considero que eu me tornei músico quando eu entrei pra tribo porque até então eu trabalhava na Jaya, eu já tinha sentido que a música era um caminho para eu seguir mesmo de vida e tal, só que com a dupla caipira ainda não tinha aquela coisa de shows marcados, não tinha uma estrutura de banda, a gente tocava de vez em quando. Começou a rolar com a Banda Livre do Agora e tal, estava nesse caminho, mas ainda... daí quando chegou a Tribo eu tinha que me dedicar, toda semana tinha ensaio: “Então é isso. Então a Dupla agora vai ser a mesma coisa, vamos ensaiar com a Dupla”. A gente começou a ensaiar, começou a ligar mais pra arranjo da música, pra compor a música mesmo, legal assim, foi um grande boom, aí que a Dupla decolou mesmo. E ter entrado pra tribo tem tudo a ver, foi quando caiu de paraquedas de eu ser músico e ter que me dedicar. Que nem com o palhaço, que também foi muito do nada caiu na minha mão. Eu simplesmente não neguei, que muitas vezes acontece isso com muita gente, mas as pessoas: “Ah não posso, nesse fim de semana vou fazer não sei o quê” escolhe outra coisa. Eu: “Pô, vamos lá”, mergulhei direto, virei palhaço e virei músico da Tribo.
P/1 – E hoje você está nisso.
R – É, pelo que eu acredito. Hoje em dia eu vivo só disso, o meu trabalho é só Arte. Eu às vezes faço alguns bicos, freela de garçom, restaurante vegetariano, na Jaya às vezes faço alguns freelas, mas o meu negócio é trampar com Arte ligada a vegetarianismo, veganismo, ecologia, permacultura e espiritualidade. E só se tem a ver com isso também, a gente não toca com a Dupla ou com Reciclown num churrasco, convidarem a gente pra fazer um churrasco, nada a ver (risos): “Desculpa, a gente é uma banda vegana”. Ou em bar também. A gente não gosta de eventos onde o lucro do evento seja o álcool. Não que a gente não toque por isso, às vezes a gente também precisa de um cachê, precisa se manter, a gente acaba, mas aí a gente pede cachê mesmo. Quando é evento ligado a veganismo, ligado a coisas que a gente considera do nosso propósito muitas vezes o evento é beneficente, é sem grana, a gente vai lá e dá o nosso apoio. Agora se o evento é ligado a álcool eles que têm que patrocinar a gente (risos). Enfim, a gente vive disso, eu produzo eventos ligados a essas coisas também, promoção da ecologia, veganismo, espiritualidade e tal. Eventos multiculturais da quais muitas vezes eu convido o Jonas que é um dos meus ídolos, gosto muito da Arte dele, gosto muito de poesia. Então a gente faz eventos multiculturais com sarau, com alimentação vegana ou vegatariana. Shows, performances, coisas de circo, a gente procura fazer sempre a programação completinha. E eu gosto bastante também de fazer eventos, ultimamente eu estou um pouco decepcionado porque é muito difícil fazer o evento prosperar, principalmente sem o álcool, essa que é a real. Como vai fazer evento sem álcool? Devia ter um curso no Senai: “Como fazer o evento prosperar sem álcool”, porque com álcool eles ensinam direitinho. Pro evento prosperar com álcool é fácil, você nem precisa tanta coisa assim porque a galera consome muito, bebe muito assim. Tanto que várias vezes a gente propõe alguma coisa pra algum lugar: “Mas ó, daria pra fazer sem álcool?” “Não, sem álcool não rola”, então é meio foda, a gente não quer também vincular isso assim. Não que gente seja contra, às vezes eu também bebo quando estou com vontade, uma cervejinha puro malte, eu topo uma cervejinha artesanal. Não bebo cerveja de milho tipo Skol, Brahma, de milho transgênico não, mas coisinhas puras, bem feitas eu gosto até de apreciar às vezes, não tenho problema com o álcool em si. O que eu não gosto é do álcool usado pelos dominadores do sistema como uma forma de ludibriar a sociedade, então faz uma cerveja super barata e mal feita, está vendendo coisa ruim pra galera, pra galera chapar e se alienar do mundo, né? É isso que a gente não gosta e é o que mais acontece. Se é um lugar que tem uma cervejinha orgânica, uma cervejinha boa, puro malte, o cara não vai chapar. Primeiro porque é cara, ninguém vai querer, e também porque pessoas que gostam disso não gostam de chapar, gostam de apreciar, no máximo dá aquela alegriazinha, mas não vai passar do grau de ficar chato. Não tem coisa mais chata que um bêbado, né velho? Eu não suporto. Fala besteira, superficial, fica falando que te ama, eu acho muito chato. Fora que muitas vezes fica violento, muitas vezes fica... quer dizer, chato sempre, sempre fica mala, mas muitas vezes violento, muitas vezes perde a noção das coisas, machista pra caramba. Nossa, eu falo por mim mesmo, quando eu ficava bêbado só pensava em pegar muié, pegar muié mesmo, literalmente. Eu vejo muito conectada essas coisas. O álcool tira a sua consciência e libera uma coisa sexual muito forte que fica a sociedade do jeito que é, um sexo vago, uma sociedade vaga, ideologias vagas e uma curtição vaga, né? Então eu estou fora de entretenimento vago, eu não participo, não levo minhas bandas e não produzo. Pra mim o entretenimento não pode ser vago assim, não pode ser pela curtição, o entretenimento não serve pra você esquecer dos problemas da sua vida mundana capitalista, entendeu? As pessoas levam uma vida mundana e capitalista, sai do trabalho e só quer saber de encher a cara. E isso pra eles é entretenimento. Pra mim o entretenimento é dar educação, é uma forma de educação. Sempre, mesmo pra adulto, o adulto tem que ser educado muito mais do que as crianças. Então eu não vejo o entretenimento dissociado da educação, pra mim entretenimento é cultura, é você ensinar alguma coisa, ter algum propósito, é você fazer as pessoas se divertirem e levarem alguma coisa pra casa, não uma ressaca, não levar gorfo pra casa (risos). O pessoal levar uma consciência, levar um aprendizado, pô, fez uma oficina, curtiu o show da banda, mas fez uma oficina ali, aprendeu que dá pra separar lixo ali, pô, viu que tinha um monte de comida gostosa tudo vegano, como assim, comeu uma coxinha vegana, caraca! Entretenimento pra mim é educação, não pode estar separado. Então eu considero também que eu trabalho como educador, também por isso, porque a gente faz oficinas, a gente faz trabalho com crianças, pra mim educação vai muito além do que um professor fazendo. O professor muitas vezes ensina, mas não educa. Tem professores geniais que também educam, mas ensinar é você passar uma coisa que você sabe, você aprende uma coisa e ensina. Agora educar é uma coisa que você vive, você tem que viver uma coisa pra você poder educar alguém, você tem que ser aquilo, dar o exemplo. Então a melhor forma de ensinar é através do exemplo. Por isso que eu prefiro, ao invés de encher o saco da galera, eu sou vegano, como minhas coisas, faço meus rituais e não ligo pra nada, quem quiser me acompanhar é paz e amor e pé na estrada (risos).
P/1 – E você falou que vai ser pai agora.
R – Sim!
P/1 – Como é que está sendo isso?
R – Esse é um sonho muito antigo meu. Posso aproveitar e falar uma passagem muito legal que eu lembrei no intervalo lá? Eu queria falar uma passagem quando eu era bebê, quando eu era bem criança. Que eu falei que eu tinha essa coisa de ser bem superdotado, precoce nas coisas, com nove meses eu já estava quase andando, com quatro meses de idade eu já engatinhava, quer dizer, quatro meses o bebê nem se mexe direito, eu com quatro meses engatinhava, já fugia, saía andando. Eu fugi de casa com menos de um ano. Minha mãe conta que com nove meses eu já comecei a andar, aí eu tive uma doença feia, uma hérnia no escroto e daí tive que fazer uma cirurgia, dos nove aos 11 meses, daí com 11 meses saí da cirurgia andando (risos). Já saí andando, jogava futebol, nem lembro com pouquíssimos anos jogar. Então eu sempre tive essa coisa meio precoce e daí eu vou contar a passagem e depois o que eu entendi depois dessa passagem. Quando eu era bem criança, tinha lá um ano, dois anos, a minha mãe conta que eu tinha um amigo imaginário. Ela fala que eu nunca falei muito dele, o que ele fazia, tal, mas ele morava ali no salão de festas do meu prédio onde eu morava. Então direto minha mãe falava: “Onde você estava Pedro?” “Ah, estava com o Muni”, ele chamava Muni, M-u-n-i. “Mas quem é o Muni?” “É o meu amigo. Mas mãe, você não conhece o Muni?”, tipo, você não viu ele, você foi lá me pegar e não viu o Muni? Estava sempre com o Muni, meu amigo imaginário. Como todas crianças têm amigos imaginários, podem muito bem ser seres de outros planetas mostrando coisas importantes pra você, né? Ele chamava Muni, isso que é interessante. Minha mãe falou que eu passava horas com ele, que eu ficava sozinho no salão de festas lá trocando a maior ideia, passava horas. Ele foi muito presente na minha vida nesse momento. Depois eu descobri, sabe o que é Muni? Em sânscrito literalmente é silencioso, mas é uma palavra também para sábios, monges, sábios, gurus são chamados de Muni também. Então eu sinto que nesse momento da minha infância eu recebi uma canalização, eu recebi uma instrução, pode ser extraterrestre, ou pelo menos fora do nosso plano material da terra. Eu recebi uma instrução espiritual pra vida, eu acho. Porque eu sempre fui uma criança muito diferente das outras, eu já era alternativo mesmo a escola, a sociedade tentando me deixar normal, eu sempre querendo me dar uma fugidinha. Então eu sinto que quando eu era criança, quando eu era bebê eu recebi uma orientação espiritual muito forte. Era criança, não lembro, não entendi direito o que aconteceu, mas o Muni estava ali, o sábio silencioso; meditador é também uma outra tradução. E tipo eu chamava ele de Muni, muito louco isso. Eu que falava pra minha mãe que chamava Muni. Ah, ele deve ter falado pra mim que chamava Muni, é o Muni. Então, nossa, era um sábio que estava ali não materializado me ensinando um monte de coisa que agora que eu estou aplicando e passando pra frente (risos). Mas é isso, queria contar essa passagem. Qual foi a pergunta mesmo?
P/1 – De você sendo pai agora.
R – Ah, sim! É, Muni inclusive era um dos nomes que a gente pensou, pelo significado muito legal. Mas acho que não vai ser, não, a sonoridade não agrada tanto. Mas ser pai é o meu maior sonho, sempre foi o que eu acho mais da hora na vida, que eu acho mais legal é você ter uma família. Eu acho filho muito da hora, eu acho criança muito legal, sempre gostei muito de criança, sempre, sempre. Meus irmãos mais novos, sempre brinquei muito com eles e com os amigos, eu era aquele adulto que brincava com as crianças sempre. Ou adolescente que não tem vergonha de brincar com as crianças? Que todo adolescente tem vergonha, né, de ser criança, de mostrar seu lado criança que ainda tem. Eu tive essa sorte de ter irmãos mais novos, então tinha uma desculpa: “Ah, estou cuidando do meu irmão”. Então tinha essa desculpa para os adolescentes amigos pra não ser um bobão porque pra sociedade é um bobão que está ali, um crianção, sendo que não tem coisa mais da hora do que você poder manifestar sua infância pra sempre, até quando você é adulto, a parte boa da infância. Enfim, então sempre gostei muito de criança, sempre gostei muito de brincar, sempre tive muita conexão mesmo, as crianças me amam. Toda criança que fica um pouquinho comigo já gosta de mim, já pega no cabelo, já fica pirando, desde muito criança. Tenho uma coisa com cachorro e com criança, é muito engraçado eu tenho a tendência a cachorros e crianças gostarem muito de mim (risos). Acho divertido. Cachorro, muitas vezes eu vou em casa de amigo que tem cachorro, o cachorro lembra de mim, traz a bola para eu brincar com ele, sabe? Reconhece: “Ah, você é o que joga bola”, traz a bolinha e joga no meu pé, tipo, aconteceu muito isso. Então eu sempre tive muito isso, de gostar muito de criança e sabia que uma hora ia acontecer de eu ter o meu filho. E sempre pensava que ia ser numa hora que eu estivesse mais pronto, nunca me senti muito pronto, eu tinha companheiras na época, as duas companheiras que eu tinha antes não queriam de jeito nenhum, era uma coisa que estava longe de pensar a respeito. Pra mim qualquer momento podia ter, mas as companheiras não e isso é uma coisa que é muito mais a mulher que decide, né? Eu sou daquelas pessoas, eu tenho algumas amigas, hoje em dia é uma coisa mais comum com uma sociedade menos machista e mais aberta, é uma coisa muito comum, eu tenho amigas que têm filhos sem se preocupar muito quem é o pai. Porque tinham um instinto de mãe tão forte que, tipo, já está ficando um pouco mais velha, não quer esperar encontrar um cara da horaça assim e pensa: “Ah, vou fazer com um amigo mesmo e nem vou falar pra ele ter responsabilidade, a responsa é minha”. Inclusive eu já recebi a proposta de uma amiga de fazer um filho nesse esquema (risos). É muita loucura mas eu acho super normal, é uma proposta que eu pensei com carinho porque eu acho muito justo, a mulher dá conta totalmente de ter filho sozinha. Quantos homens não abandonam a mulher, não assumem, só transou e não que saber e nem é amigo direito? Então as mulheres dão conta. E tem muita mulher que tem essa vontade e faz acontecer. Eu tenho muitas amigas que chegaram em um momento da vida que estavam saindo com todo mundo assim porque tavam no momento, foram lá, engravidaram e nem sabiam de quem era, só depois que sabe, daí o pai até dá uma ajuda e tal, mas não é aquele pai, a pessoa criou sozinha. Eu sou dessas pessoas que se eu fosse mulher eu já teria tido um filho, com certeza, porque eu ia escolher um amigo legal que tem uns genes legais: “Ah, vamos ter um filho?” “Vamos”, porque eu tenho esse instinto.
P/1 – E quem é a sua namorada, como ela é?
R – Foi tudo muito sincrônico a forma que aconteceu. Quando eu estava já chegando num momento latente de ter filho, eu tinha uma antiga namorada que inclusive cantava na banda, Dupla Caipira, era do Reciclowns também, era da Tribo do Sol, fazia todos os projetos comigo. A gente ficou uns três anos e pouco juntos, moramos juntos, tal, a gente até casou, fizemos uma cerimônia, tal, fomos morar juntos e por mim eu teria filho qualquer hora que ela quisesse, mas eu sabia que ela não queria então tinha que respeitar o lado dela e tudo o mais. Então era uma coisa que no final contou mesmo pra saber que eram caminhos diferentes, que eu já estava louco pra ter filho agora e ela não queria nem saber, queria só dali a muitos anos. Foi quando a gente separou, foi um processo longo, durou quase dois anos até a separação, mas foi um processo de passar por vários momentos, um momento de beleza, vamos liberar, curtir a vida adoidado solteiro e daí o momento de já ver que isso já não me preenchia mais como antigamente.
CORTE NO ÁUDIO
P/1 – Você tava falando da sua namorada.
R – Estava falando da sincronicidade, né?
P/1 – Sincronicidade.
R – Eu estava buscando isso, sentia que não preenchia aquela coisa da solteirice, tal e estava sentindo a minha idade, 30 anos já. “Quero ter filho agora”, estava buscando mas não procurando, até porque era muito recente, tinha acabado de terminar, ainda tinha muito ela na cabeça, estava triste, mas eu sabia que era isso que eu queria, eu sabia que queria alguém que topasse. Numa das doideiras da vida conheci a Lali, a Lalita. Inclusive foi o Jonas que me apresentou talvez, né, de certa forma. Você que falou o nome dela pra mim. Eu falei: “Nossa, quem é aquela menina ali, Jonas?” Linda, achei ela maior gata. “Quem é aquela menina ali, Jonas, que você estava conversando ali?” “Ah é, o nome dela é Lalita, é Larissa, mas Lalita” “Ah tá, beleza”, aí já sabia o nome dela. A gente conversou, tal e a sincronicidade maior é que ela, a parte do Museu da Pessoa da história dela, ela estava num contexto parecido assim também, de buscando uma pessoa pra também ter filho, não que fosse agora também, mas alguém que topasse porque ela viu que ela tinha acabado de ter um desgosto, uma coisa ruim com um ex-namorado, não é nem ex-namorado, é uma pessoa que foi meio escrota com ela e ela viu como não vale a pena a gente gastar a nossa energia com alguém que não quer o seu bem, que não quer construir uma coisa com você. E ela falou assim: “Agora eu vou entrar no celibato e só vou ficar com o pai dos meus filhos”, então ela também entrou nessa onda de procurar o pai dos filhos dela. E justamente nos mesmos meses que eu estava nessa, foi muito louco. A gente se conheceu, ficou, tal, rolou, só ficou uma vez, daí ficou um tempinho sem se falar e algumas semanas depois a gente se encontrou num festival, desses festivais de música eletrônica. E foi muito louco, a gente se encontrou e ficou muito feliz de se encontrar, parecia que, muito louco a gente só tinha ficado uma vez só, nem tinha se falado direito, até porque eu também não queria dar corda pra nada porque eu já estava naquele fim de namoro, fim de casamento, não estava muito querendo dar corda pra nada, mas tinha gostado muito. E quando a gente se viu no festival por acaso foi muito, casualidade, a gente ficou muito feliz, tal: “Vamos ficar juntos”, aí ficamos na mesma barraca e a gente começou a namorar praticamente, a gente ficou o festival inteiro junto e daí na segunda-feira do festival, quando acabou na segunda-feira eu já fui pra casa dela, conheci a casa dela e ficar lá com ela, a partir daí a gente namorou. E desde o começo eu gostava do jeito dela de lidar com a situação de ter filho, que ela queria muito ter: “Mas agora não, né? Mas se acontecer acidentalmente também estamos aí”. Só brincando com a sorte. Daí mês a mês a gente corria risco, mês a mês toda menstruação dela a partir de então, que só foram três porque a gente namorou três meses antes de engravidar, então foram três meses de tipo: “Será? Vamos fazer teste”, faz teste de farmácia e dá negativo. Chegou um momento que até a gente estava indo na farmácia e ela falou: “Ah, mas se o teste der negativo tudo bem também, né?”, a gente queria mais ter do que não ter (risos). “Tudo bem, claro”. E num desses deu positivo. Quando a gente firmou mesmo, a gente passou por umas histórias, a gente firmou mais o nosso relacionamento, dedicado um pro outro, a gente decidiu mesmo se dedicar a essa vida a dois, de repente ela virou a três, meio quando a gente tomou essa decisão. E foi muito lindo porque ele foi muito desejado, foi muito amado, foi feito com muito amor. E por mais que a gente imaginava que não era a hora certa por questões meramente financeiras, espiritualmente ele já estava aí pronto pra vir, aliás já estava aí faz tempo, estava só esperando os dois, pum, três meses de namoro já engravidou, não quer nem saber. E eu já me sentia pronto no sentido de uma formação intelectual, espiritual, de você saber o que você quer passar pro seu filho de conhecimento, saber como lidar com questões, então a única coisa que impediria mesmo é a questão financeira, da gente ter agora. Só que daí veio então só portas abertas, tudo se ajeita. Desmistificando muita coisa também. Uma coisa que eu saquei que é Nova Era assim, quando ela engravidou, ela tem muitos amigos normais, caretas da faculdade, tal, pessoas convencionais. E os meus amigos, a galera da família é super alternativa, o pessoal que vai nos encontros, que tem uma outra forma de vida, os hippies, digamos. E toda vez que a gente falava para algum amigo dela ou para alguma pessoa convencional e careta que estava grávida a reação das pessoas é tipo assim: “Meus pêsames” “Nossa, caramba!” “Tá grávida! Putz, fudeu, né?” “Ai, caramba, e agora, o que você vai fazer? E o seu namorado, ele trabalha? O que ele faz?” “Ai caramba, nossa. Nossa, amiga, amiga, putz”, sabe aquela coisa assim? Reação padrão da Velha Era, é tipo: “Fudeu”. E a reação padrão da Nova Era é tipo: “Ahhh, não acredito, que lindo!” e chorar. Todo mundo que a gente contava ficava muito feliz, chorava: “Nossa mano, vai ser a criança mais linda do mundo, vocês merecem, vai ser muito legal”. E daí vendo também que muita gente da nossa galera, a gente acabou de ir num festival agora, Festival Encantado, nossa, muita criança, muito bebê, criança desde dois meses, o cara dessa banda, Pedro Ivo, que eu já falei tantas vezes já da banda, acabou de ter um filho com 53 anos, teve agora o filho, Maitã, que está com dois meses de idade. Era o mais caçula lá, mas tinha criança de poucos meses até vários anos, crianças de todas as idades, muitas crianças. E a gente vê como essa galera da Nova Era, como esses hippies, como esse pessoal assim, a galera gosta muito de ter filho e tem filho adoidado, é aquela galera que não fica se preparando, esperando a hora certa de ter filho porque não, veio, veio, vamos abençoar e vai ser lindo e vai que vai, é ecológico, é sustentável, não tem que esperar o que não dá pra esperar, sabe? Às vezes as pessoas ficam esperando a felicidade. Não, vou alcançar a felicidade quando eu conseguir bastante dinheiro e aí sim, ou vou poder ter filho quando eu tiver... então o que eu saquei? As pessoas da Nova Era pensam assim, as pessoas da Velha Era pensam o quê? “Ai, ter filho atrapalha minha vida, atrapalha minha carreira, eu vou ter que parar tudo o que eu estou fazendo, eu vou ter que ter muito dinheiro”. Então o que as pessoas fazem? Evitam ter filhos ao máximo. Eu percebo que é uma tendência de hippie de não ter muito esse negócio de evitar ter filho. Lógico, se não quer pode usar camisinha, pode fazer outros métodos também, mas muito menos noiado do que o pessoal da Velha Era. O pessoa da Velha Era, fato. Aí o que eu saquei? Que vai ter muito mais criança Nova Era do que Velha Era, o exército, proporcionalmente, de crianças iluminadas que estão nascendo com essa consciência, vindo já pra esse mundo em transformação e pra viver a própria transformação da sociedade na época de uma Nova Era vai ser muito mais numeroso do que o exército de pessoas caretas que não quiseram ter muitos filhos. Por mais que a gente seja numericamente muito pouco, o que tem de porcentagem nesses encontros que a gente vai são poucas pessoas, os maiores são de três mil, tipo, os Rainbown que é encontro mundial, três mil pessoas, quatro mil no máximo aqui no Brasil, sendo que, sem juízo de valores mas a festa de peão de boiadeiro quantos milhões que são? Ou que seja, uma Virada Cultural que movimento dois milhões de pessoas, sei lá, dez milhões, que seja. A gente está ali em poucas pessoas, só que essas poucas pessoas estão fazendo muitos filhos e o resto está fazendo pouco filho porque o resto é noiado: “Não, vamos esperar ter uma condição financeira favorável” e não quer ter filho, fica evitando ao máximo. E os hippies ali fazendo filho que nem doido. A cada encontro, que a gente vai sempre em encontro em julho, a cada encontro tem criança nova. No próximo vai ser eu que vou estar ali com o meu. Então essa é a Nova Era mesmo, muita criança de luz nascendo já com a missão, já na proposta. E a gente vai ser numericamente maior um dia.
P/1 – E de onde veio o nome Pedrishna?
R – Pedrishna veio da cabeça do Céu Azul, pra falar a verdade. Ele é um menino bem doido que inventa muitas coisas e numa época ele falava que eu tinha energia de Krishna. Que Krishna é um Deus do hinduísmo, da Índia e a gente gosta muito, a gente frequenta templo, o _3:13:27_, vários lugares do Brasil e até em outros países a gente já foi em templos Hare Krishna. A gente gosta muito do pessoal, apesar de eu não escolher como religião porque eu não tenho religião nenhuma, eu gosto de algumas coisas de cada uma. Nessa época a gente estava bem conectado com os Hare, conhecendo os Hare Krishna, tal. E aí ele falava que eu tinha a energia muito de Krishna, o Krishna tem uma energia muito de atrair coisas bonitas, estar sempre rodeado por meninas também, pelas gopis e daí o pessoal me zuava, falava que eu era mulherengo, mas que não era mulherengo cafageste, estava ali tocando a flautinha, tocando instrumentinho, as meninas em volta, cada hora com uma, vinha uma, as minhas amigas ficavam bravas umas com as outras, era bem tipo amor livre mesmo, a gente estava descobrindo o amor livre nessa fase, bem livre mesmo nessa fase, todo mundo amando todo mundo. E de ser meio arteiro também, o Krishna é bem criança, bem moleque, faz arte, ele é um deus todo engraçado (risos). Não tem aquela postura de um deus sério que não erra e vai te julgar se você errar. Não, Krishna é um doido ali que nem nós. Os Hare Krishna podem ficar ofendedidos, mas ele é muito iluminado, assim como nós, porque eu considero doido uma pessoa iluminada, foi isso que eu quis dizer. E foi isso. E como meu nome é Pedro, Pedro com Krishna virou Pedrishna.
P/2 – Vou aproveitar que hoje é um dia histórico, que você está entrando pra história do Museu, queria que você contasse da Juçara, da Festa da Juçara.
R – Tá bom. Acho que o primeiro contato que a gente teve com a Festa da Juçara, com a história da juçara que a gente conheceu a fundo. A história da Juçara foi em 2010 no Mochilão que a gente fez, eu e o Céu, esse mochilão mais longo. Uma hora a gente estava no Fórum Social Mundial no sul, Novo Hamburgo. E o pessoal convidou a gente pra uma tal Festa da Juçara que ia ter permacultura, um monte de coisa assim, tal. A gente achou super legal, mas a gente esqueceu. O pessoal só falou, alguém convidou no meio: “Ah, vai ter a Festa da Juçara”, a gente achou legal mas... passaram alguns dias, a gente estava ali em Porto Alegre e de repente uma amiga nossa falou, ia vim o carnaval, ia ser época do carnaval e daí a gente: “Pô, vamos passar o carnaval, vamos fugir no carnaval? Vamos pra um lugar deserto?”, daí uma amiga nossa de Porto Alegre, a Eleonora, levou a gente pra Maquiné, que é uma cidade que tem várias cachoeiras, uma cidadezinha bem pequena que tem vários matos e muitas cachoeiras lindas, as cachoeiras incríveis. Foi lá inclusive que a gente compôs muitas músicas da Dupla, a maioria das músicas a gente compôs lá, tipo cada dia a gente compôs uma música, era impressionante. A gente resolveu fugir do carnaval badalado, a gente queria ir pra cachoeira. Aí foi muito sincrônico que a gente chegou na cidade de ônibus, aí a gente queria pegar carona pra ir pras cachoeiras. A gente ali com o dedo pedindo carona de repente passa um caminhão, a gente vai lá e pega carona com o caminhão. Era um caminhão que estava levando umas cervejas, umas coisas assim. E quando a gente estava chegando no lugar que o caminhão ia a gente vê passar a bandeira, que é a bandeira que a gente usa no movimento da Nova Era, que é a bandeira branca com círculo vermelho e três bolinhas vermelhas. E daí uma outra bandeira que é arco-íris, que não é pelo uso do movimento gay, mas tem a ver porque o movimento gay usa essa bandeira por igualdade, todas as cores juntas numa bandeira só. E o movimento da Nova Era usa por causa da Uipala, que é uma bandeira do pessoal dos Andes, dos povos andinos, que significa também a união de todas as raças. Então a Nova Era adotou essa bandeira, são praticamente as duas bandeiras que Nova Era adota, essa bandeira arco-íris que pode ser um arco-íris ou quadriculada que nem a Uipala ou das três bolinhas vermelhas. Chegando de caminhão a gente viu passar as duas bandeiras e a gente: “Nossa, a gente tá chegando pra algum lugar da família”. De repente a gente chegou na Festa da Juçara que o pessoal tinha chamado a gente um tempo atrás, a gente chegou de carona lá assim (risos). “Caraca, chegamos na Festa da Juçara!” “Que bom que vocês vieram, que legal”. Daí foi muito legal, a Festa da Juçara. Aí que o pessoal começou a explicar pra gente por que da festa da Juçara. Que a Juçara é uma planta da mata atlântica muito importante para o bioma da Mata Atlântica principalmente porque ela dá frutos muito ricos e muitos bichos se alimentam, ela serve de alimento pra muitas espécies de pássaros, macacos, de bichos, muito importante pra biodiversidade da floresta. E aí ela tem um palmito dentro dela, a gente tem até uma historinha infantil que a gente conta com a Dupla Caipira de Reggae, uma contação de história que a gente conta uma história bem legal do homem e da juçara, ele conhece a juçara e tal. Enfim, o bicho homem descobriu que tem o palmito na juçara, e pra você pegar o palmito tem que matar a juçara inteira, que é uma árvore, então você tem que matar uma árvore pra pegar um negócio desse tamanho de palmito, você mata uma árvore inteira, ou menor às vezes, sei lá. Então de tão gostoso que é o palmito e de tanto a galera procurar e tal a juçara começou a entrar em risco de extinção, começou a ser perigoso entrar em extinção e é uma árvore muito importante para o bioma. Aí o que aconteceu? Primeiro o governo proibiu, já tem leis que proibem, ou que regularizam de uma forma bem rígida assim e o palmito em si você pode usar de outras espécies, tem o pupunha, açaí. O açaí é super parecido como Juçara, só que o açaí e a pupunha são toiceiras, são plantas que ao invés de ser uma planta só são várias, sabe que tem várias plantas numa raiz? Parece palmeira só assim que são várias plantas em uma só. Então por exemplo, se é um açaí são vários assim você corta um a planta continua viva, corta dois, que seja, pega os palmitos e a planta continua ali e vive bem. Enfim, então é uma festa que a galera faz pra conscientizar o pessoal local, os produtores locais a conseguirem alguma renda com a juçara sem ser com o palmito. Então o que aconteceu? O pessoal descobriu que a juçara é igual ao açaí, não é bem igual, ela é até melhor que o açaí. Daí eu fui pesquisando sobre o assunto, os nutrientes e até experimentando, comprei o açaí juçara, tal e já tomei açaí puro também, juçara pura. A juçara é um pouquinho mais doce do que o açaí, mais gostosinha assim e a maioria da tabela nutricional é um pouquinho mais rica do que o açaí, mais ferro, mais potássio, tudo um pouquinho mais do que o açaí, algumas coisas o açaí tem mais, mas a maioria a juçara tem mais. E muito louco que ninguém sabe, né, a gente fica aqui consumindo aquele açaí podre de açúcar que vem da Amazônia, que nem é daqui, tem um puta transporte de lá, sendo que a gente podia muito bem ter uma economia que favorecesse os produtores locais de juçara. É isso que a permacultura faz, ela tenta promover isso, então pra isso que serve a Festa da Juçara, pra promover esses usos da juçara, do fruto. Então é uma festa que tem de tudo, tem bolo de juçara, tem torta de juçara, tem juçara na tigela que é que nem o açaí que é uma delícia, suco, vitaminas, pão de juçara, arroz com juçara, você usa pra tudo, é um fruto incrível, super nutritivo, muito energético. E aí a Festa da Juçara é isso, pra promover esse uso diferente da juçara pra proteger ela, é uma coisa que a permacultura vai nos próprios produtores locais porque você não pode simplesmente, o que o Governo faz é proibir: “Eu proíbo você de fazer. Então nem que você vá virar um mendigo, vai ter que sair do campo, vai pra cidade virar mendigo, você está proibido de fazer”. Não é solução nenhuma, né? A permacultura vem com soluções inteligentes por isso que a gente gosta dela. Então essa é uma solução inteligente de você dar uma forma de economia pras comunidades, é enriquecendo o produto, é enriquecendo o fruto, tal. Então hoje em dia rola bastante, tem muitos produtores de juçara que em vez de fazer o palmito fazem a fruta, tal, ainda em pouca escala, não é uma escala que chega ao supermercado, infelizmente, porque tem tanta juçara que poderia muito bem fazer a produção em massa pra ter no supermercado mesmo a juçara orgânica, barata. Pode ser mais barata que o açaí porque vem daqui mesmo. E super nutritiva. Por que o açaí fruto daqui, né? E o açaí que a gente toma é muito zoado, ele é com muito açúcar, muitos químicos, conservantes pra conservar, tudo zoado, não é o fruto mesmo. E se você bater a juçara, só a juçara com um pouquinho de açúcar, às vezes não precisa nem de açúcar, só banana, uma fruta bem docinha, nossa, é muito gostoso, muito. Impressionante. Juçara na tigela.
P/1 – Pedro, agora queria passar nas perguntas finais. A primeira é quais são seus sonhos hoje. Sonhos, planos para o futuro nesse momento agora.
R – Bom, primeiro eu queria falar que eu me considero uma pessoa realizada mesmo sendo super moleque e tendo muita coisa pra realizar ainda, mas eu me considero realizado, ponto. Porque eu consegui criar uma forma que não foi fácil e muita gente tenta e não consegue, infelizmente, mas eu consegui criar, inventar na raça uma forma de viver totalmente de acordo com o que eu acredito. Então eu tenho pena de pessoas que acreditam numa coisa, mas por questões da vida não conseguem realizar, não conseguem, ou não têm força de vontade às vezes, não têm aquela força mesmo de: “Não, vou viver assim mesmo”. Então eu cheguei num certo momento da minha vida que resolvi abdicar mesmo de tudo, do consumo e tudo o mais, e viver do mínimo possível e ver como que é. E eu vi que isso me trazia felicidade incrível, uma puta felicidade. Principalmente porque você tem tudo o que você precisa. Quando você precisa de menos coisa é muito fácil alcançar a felicidade porque está ali, já está ali, você não precisa de nada então você já está satisfeito, você já tem tudo, né? Você fica super rico porque rico é aquele que tem tudo. E se você precisa de pouco é mais fácil ter tudo, então é mais fácil ser rico. Então me considero uma pessoa muito rica. Consigo viver do que eu acredito, consigo viver da minha arte, projetos que crescem a cada ano que passa, mais gente conhece e mais reconhecimento. A gente já realizou um grande sonho que foi a Casa Jaya. A Casa Jaya foi um sonho gigante que é incrível uma coisa que meia dúzia de moleque de 20 anos fizeram, sabe? Se for ver hoje em dia. Muita coragem mesmo de todos os nossos amigos seguindo caminhos de faculdades normais, trabalhos normais, virarem engravatados e tudo o mais e a gente só no roots mesmo trabalhando de voluntário durante anos, acreditando que era por um bem maior mesmo, da vida. Então dois anos pelo menos a gente trabalhou de voluntário, não ganhava nada. Imagina ficar dois anos, só que daí tinha casa pra morar, a gente morava lá, tal, mas foi muita doação que a gente teve. Então a gente construiu uma parada muito linda e é um sonho muito realizado mesmo assim, então isso quis começar a dizer, que eu já me sinto muito realizado. Aí o meu grande sonho que eu posso dizer daqui pra frente é simplesmente ser o que eu já sou, mas com condições de ter conforto e uma vida boa pro meu filho que está vindo e pra minha companheira. O que é um grande novo desafio porque agora a gente está numa fase que tipo assim, até então eu sou realizado por quê? Porque eu tive só que bancar eu mesmo, então eu consigo morar numa casinha roots em São Paulo, fazer a minha permacultura ali, uma dieta vegana, tal, tudo do jeito que eu acredito. Faço minha composteira, a gente tem a nossa Arte e eu consigo me manter, consigo ganhar suficiente pra me manter, pra manter minha diversão, porque a minha diversão é gratuita, porque todo show que eu vou eu me divirto muito, então eu consegui já, há alguns anos, ser realizado comigo. Mas agora tá vindo um outro ser que tem outras demandas que também, muito diferente do que muita gente pensa não é só o dinheiro que vai comprar, muito pelo contrário, o que eu quero mais ter é a presença de estar junto o máximo possível, de ver essa criança crescer a cada dia, acompanhar a barriga crescer a cada dia que é muito lindo. Mas esse é o meu principal sonho mesmo, é mais um sonho realizado que é ser pai e na verdade eu não tenho um sonho grandioso, eu sonho só, simplesmente, continuar do jeito que já está, com conforto, ser o que eu já sou de uma forma expandida, pra família. O conforto que eu tenho na minha vida, que eu considero um conforto dela, a casa legal, não tem luxo nenhum, simplesmente porque eu sou contra luxo, então a gente tem o conforto que a gente precisa, a gente tem a higiene que a gente precisa, a gente tem a alimentação que a gente precisa. A gente não passa necessidade, nada, a gente come orgânico, a gente come vegano, a gente come bem, mas precisando de muito pouca grana. E agora o sonho é realmente continuar o que eu já estou que são meus projetos alcançando as pessoas, as mensagens sendo passadas, cada vez mais. Então cada ano cresce um pouquinho, é o crescimento natural que a gente considera e é isso que a gente mais deseja mesmo, continuar passando nossas mensagens a um público maior. E eu falo que eu também me sinto realizado porque a gente recebe muitos feedbacks muito lindos sobre os nossos trabalhos, é cada gente que vem falar cada coisa pra gente que a gente desacredita, a gente fala: “Nossa, a gente nem precisava mais tocar, cumprimos a meta, chegamos lá”. Sabe aqueles músicos de sucesso? A gente é músico de sucesso, a gente alcançou o nosso sucesso (risos), que é uma pessoa vir pra gente e falar: “Pô, depois que eu ouvi sua música eu virei vegano”. Mais de uma pessoa, várias pessoas já falaram isso. Ou teve gente que uma vez, foi até sincrônico também, que a gente foi pro Vale do Capão, a gente tinha ido com a Dupla pra tocar numa turnê na Bahia, a Dupla Caipira de Reggae na Bahia em turnê e não tinha muito onde ficar, a gente tinha a casa de uma amiga, mas a mulher estava grávida, não queria muito receber, tal. Aí uma amiga salvou a gente, que conhecia a Dupla Caipira de Reggae e falou: “Ah, fica na minha casa, vai ser uma honra, tal”. A gente: “Pô, que legal”. Fomos lá e ficamos na casa dela. Daí uma hora ela me puxou de canto e falou: “Senta aqui, queria te falar uma coisa. Eu queria te falar o porquê eu sou tão feliz de vocês estarem aqui, a Dupla Caipira de Reggae, por que é tão significativo. É porque vocês são grandes responsáveis por eu estar aqui. Quando eu ouvi aquela música de vocês que é a música que fala (canta): ‘Eu fui pro meio do mato me esconder lá da cidade/ Me encontrei me encontrando com a verdade/ E hoje vivo nessa felicidade/ Dentro do mato, dentro do meu coração’”. Ela falou que quando ela ouviu essa música: “Eu decidi o que eu já estava querendo decidir mas não tinha coragem”. Ela estava querendo ir morar no mato, sair da vida da cidade, do trabalho que ela tinha e viveu a vida com o que ela sonhava, ela queria plantar, ela queria ir pro mato, queria viver alternativo. E daí foi quando ela ouviu essa música era o que faltava, ela ouviu a música e falou: “Não, é agora”. Partiu e foi morar na Bahia. E meses depois quando ela estava morando lá veio a Dupla Caipira de Reggae e ficou na casa dela. Assim, tipo, é muito sincrônico, eu vejo como o universo paga a gente muito bem, né? A gente como artista independente é muito mal remunerado financeiramente, mas o universo dá conta de pagar a gente muito bem pelo nosso trabalho, a gente é muito recompensado com uma coisa dessas. De repente a gente foi lá e teve a benção de ficar numa casa no conforto de uma pessoa que estava lá por causa da nossa música, a nossa música que fez a pessoa ter essa consciência, é muito legal. Muitos feedbacks muito bonitos, de gente que fala isso, que mudou a vida, que quando fez aquela roda, a gente faz uma roda no final do show, todo mundo de mãos dadas, canta as músicas da família muita gente chora depois do show, é muito emocionante. É muito comum gente chorar depois do show, depois daquela roda. A gente fica tocado, isso é muito... é a realização, a gente fica muito feliz por se realizado mesmo. E a gente acredita que a parte financeira é uma consequência também, vai vir na hora certa também, quando precisar. Está vindo cada vez mais também, tanto que de um tempo pra cá eu consegui viver só disso, não preciso mais trabalhar com isso e com música. Enfim, é tudo no tempo certo e as coisas vão se realizando. E acho que é isso mesmo, então o sonho maior é o que já é (risos).
P/1 – Como é que foi contar a sua história, um pouquinho da sua história?
R – Pô, gostei muito, contei bastante até (risos). Eu falo pra caramba. Eu gostei muito, me sinto muito honrado de ter a história da minha pessoa no Museu da Pessoa, de ser uma das pessoas do Museu da Pessoa. Eu acho uma ideia muito legal, é genial, Museu da Pessoa, né veio, puta, é muito legal. Porque é uma coisa que fica registrada pra sempre, daqui a 50 anos vai ter o registro do Pedrishna, como ele era naquela época falando dos anos 80, 90, 2000 (risos). Gostei muito de participar, contem comigo sempre aí pro Museu pro que precisarem, estamos sempre aí. Meus projetos são projetos ativistas, então tudo o que é por um bem maior a gente faz o máximo possível pra participar e gostei muito. Se tiverem mais perguntas estamos aí também, não tenho pressa não.
P/1 – Está tranquilo, a gente pode fechar, mas fica aberto pra próxima vez que você precisar, se você vir contar a sua história. Mas por hoje obrigado, foi ótimo.
R – Maravilha, gostei muito.
FINAL DA ENTREVISTA
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