P/1- Aldria, para a gente começar, eu quero agradecer mais uma vez - a gente vai agradecer muitas vezes - mas quero agradecer agora a sua disponibilidade para vir ao Museu, para fazer essa entrevista em um formato um pouco diferente...
R - Sim.
P/1 - Mas para começarmos, queria que você se apresentasse, falando seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R - Tá. Meu nome é Aldria, tenho 35 anos, nasci dia 25 do doze de 94. Nasci em São Paulo, em Ferraz de Vasconcelos.
P/1 - Certo. E Aldria, só para termos isso no registro, você pode falar seu nome completo?
R - Nome completo? É Aldria Angélica Adiola Oliveira.
P/1 - Certo. E os nomes dos seus pais?
R - Sidnei Machado de Oliveira e Cristina Machado de Oliveira.
P/1 - E você sabe a história, ou te contaram a história da origem da sua família, de como eles se conheceram?
R - Minha mãe… Meu pai já falecido, ele faleceu quando eu tinha cinco anos. E eles se conheceram porque a gente sempre foi para o carnaval. Minha mãe sempre gostou do carnaval, então foi aquele amor de carnaval que durou (risos).
P/1 - Você falou da sua ligação da sua família… Das suas famílias com o carnaval. Me conta um pouco mais dessa ligação, da família paterna e materna com o carnaval; quais escolas de samba, ou cordões, blocos...
R - Minha mãe sempre gostou de carnaval, então eu tenho duas irmãs mais velhas, nossa diferença de idade é de onze anos para uma e de nove para outra, então eu sou a caçula. Minha mãe sempre gostou de desfilar, sempre. Hoje fala passista, mas antigamente era cabrocha, ela desfilava no Cabeções da Vila Alpina e no Príncipe Negro. Ela sempre viveu, minha tia, minha avó, sempre, mais minha mãe do que o meu pai e a família dele que gostava de carnaval; então desde pequena que minha mãe me acompanhava. Até porque como ele faleceu [quando] eu tinha cinco anos e as meninas eram mais velha, então ela me carregava para tudo. Então ia desfilar nas escolas e lá ia eu, ia na outra, e ia eu. Então ele sempre me carregou para tudo.
P/1 - E o seu pai também tinha essa ligação com carnaval, eles se conheceram por ocasião de bailes, ensaios?
R - De ensaios, ele nunca foi assim de desfilar, te disse lá nunca foi; minha mãe sempre foi mais atuante nessa questão de ir sempre, de sempre estar por conta da família, mas ele também nunca interferiu. Ele é mais contido, ela que ia mais.
P/1 - E a história… Como foi o casamento, eles contaram, sua mãe chegou a contar essa história para você, como foi?
R - Ela me fala bem veladamente, eles iam muito ao ensaio, que antigamente ensaiava num espaço que tinha lá perto da casa da minha avó, que fica na Vila Prudente; e num ensaio que convidou outras escolas, ele acabou aparecendo por lá e foi ali que começou o flerte deles. Mas assim, muita história deles assim, eu sinceramente eu não sei, só sei essa parte em que se conheceram, ficaram casados por um bom tempo, por mais de vinte anos.
P/1 - E você disse que é a mais nova de três irmãs e a diferença de idade é relativamente grande.
R - É, a mais velha hoje vai fazer 46 e a outra tem 43, aí depois eu com 35.
P/1 - E como elas se chamam?
R - Andreia e Andressa.
P/1 - E qual sua lembrança então de pequena, com irmãs mais velhas, como você se lembra nesse lugar, como era sua relação com as suas irmãs?
R - Sempre foi boa, elas só tinham mais ciúmes devido à diferença de idade, então tudo que comprava era para mim e eu, como criança, nunca queria dividir com elas. A gente sempre se relacionou bem, por mais que tenha diferença de idade. Após o falecimento do meu pai, minha mãe acabou indo para rua para trabalhar, então elas tinham que cuidar de mim. Como era criança, elas não tinham mais paciência e me colocaram até na creche, mas fiz escândalo (risos). A minha mãe brigou com elas porque tinha me colocado na creche. “Essa menina só chora, é muito chata”, mas a mãe tinha que trabalhar e aí fui só um dia na creche, aí depois elas foram ficando comigo (risos).
P/1 - E você falou que a sua mãe, depois do falecimento do seu pai, começou a sair de casa para trabalhar, mas quais eram as atividades que cada um deles, do seu pai e a sua mãe, exerciam?
R - Meu pai era metalúrgico e minha mãe é cozinheira, ela já trabalhava em casa de família antes de conhecer ele, aí quando conheceu, ela parou de trabalhar, ficou mais com a família e aí após falecimento dele, ela voltou a atividade, aí ela arrumou como cozinheira mesmo. Até para ter mais visibilidade, porque ela era pequena, então ela trabalhava de cozinheira.
P/1 - E você nasceu... O bairro de referência é o bairro da Vila Prudente?
R - Não, eu nasci em Itaquera, minha mãe é de Itaquera, minha irmã mais velha nasceu lá e aí quando eles tiveram oportunidade de comprar a casa que a gente mora hoje... Que é em Itaquera. Aí minha mãe mudou para Itaquera, a irmã do meio nasceu em Itaquera e eu nasci em Ferraz. Até porque eu nasci no Natal, então correu aonde dava (risos).
P/1 - Ou seja, você só nasceu em Ferraz, mas morou na infância em Itaquera?
R - Isso.
P/1 - E te contaram essa história de como foi esse… Você faz aniversário no dia de Natal, como foi; eles contaram como foi a história do seu nascimento, do parto?
R - Então, na verdade minha mãe fazia o pré-natal lá, porque era referência da Zona Leste, por ser mais perto, questão de maternidade. E o meu nascimento meio que foi agendado para o dia 26, porque minha mãe já não queria ter mais filhos na segunda, iam ser só duas. Aí me teve e aí ela: “Não quero mais”. E aí na época podia fazer cesariana junto com a laqueadura, marcaram para o dia 26, só que minha mãe falou que na noite mesmo do dia 24, ela começou a sentir muita dor, mas falou que ficou segurando, até por ser Natal, tá todo mundo em casa e tal, ficou segurando essa dor. Quando deu meio-dia, ela falou que não dava mais, fez o almoço assim a olho, aí levaram ela para o hospital. Aí ligaram para a médica. A médica falou: “Não, dá um remédio para ela que eu vou almoçar e depois eu vou”. Então eu fui nascer quinze para às cinco da tarde, mas era para o dia 26.
P/1 - E me fala qual é a sua lembrança da sua casa na infância. Como era essa casa, que lembrança você tem ali do entorno onde você morava e mora até hoje? Pelo que entendi.
R - Hoje mudou bastante, mas como eu comecei, lá para o meus cinco, seis anos, a lembrança que eu tenho que lá tinha... Não era uma rua asfaltada, tinha o trem, morava bem na linha do trem e umas casinhas, uma distante da outra; aí a região era meio que, não tão rural, mas ainda tinham casinhas pequenas, uma distância da outra, essa é a lembrança que eu tenho. Dentro de casa sempre foi festa, meu pai sempre foi festeiro e antigamente não saía para baile, essas coisas. Faziam festa em casa, então traziam as pessoas para dentro de casa, ele ia buscar tio, tia, primo. Então começava na sexta e acabava no domingo. Todo final de semana.
P/1 - E você consegue descrever como eram esses momentos de reunião, de festa na sua casa, no final de semana?
R - Olha, jogavam baralho, dominó, ouviam música alta, aí meus tios gostam de dançar samba rock, eles ficavam lá, porque minha casa, antes era só dois cômodos - até que grandes - então os espacinhos que tinham eles dançavam samba-rock. Todo aniversário tinha festa, sempre foi uma família muito animada e tudo era na minha casa.
P/1 - E você no meio dessa festa, dança, música, o que você gostava de fazer, o que você lembra que fazia?
R - Eu ficava mais brincando com meus primos que tinham mais a minha idade, ficava mais no quarto, mas às vezes quando era de dia, aí sim a gente dançava. Desde os quatro dançando samba-rock, porque meu tio não pegava e ia dando uns passinhos e a gente dançava junto.
P/1 - E Aldria, qual era sua brincadeira favorita de criança?
R - De criança? Eu praticamente era menino, já empinava pipa, jogava bola, eu joguei futebol, mas eu gostava muito de atividade física, jogava vôlei, futebol... Era o que eu gostava mais de fazer.
P/1 - E essas brincadeiras assim, jogos, eram na rua mesmo, ou aí você tá falando na escola?
R - Em casa, na rua, brincava bastante na minha infância. E lá na onde eu moro tem Dom Bosco como, que é uma como se fosse uma ONG e aí quando eu fui com meus dez anos, eu comecei a frequentar lá. Então todas as férias a gente ia para Dom Bosco, então lá tinha várias atividades. Desse período de férias, a gente passava o dia inteiro lá, então também tinha esporte, tinha artes, pintava pano de prato, cerâmica... Nesse espaço que tem lá até hoje.
P/1 - Então você morava perto… Quando você falou da linha de trem, era perto da estação Dom Bosco, né?
R - Não, a Dom Bosco veio depois. Antigamente tinha a estação do centro de Itaquera e tinha Quinze de Novembro, porque na época que eu morava... Antigamente não passava pela Dom Bosco, Bonifácio, era outro trajeto; aqueles trens bem antigos. Era outro trajeto, e de Itaquera para Quinze de Novembro, a gente passava lá na rua, perto da rua. Aí saímos de lá e aí foi quando montou a Dom Bosco, Bonifácio Guaianases.
P/1 - E nessa fase de criança, você lembra do que você queria ser quando crescesse?
R - Minhas bonecas até hoje eu tenho todas com cabelo cortado, queria ser cabeleireira. Todas lá… Se você for ver tem umas duas, tudo com o cabelo picotado (risos).
P/1 - E Aldria, você comentou que aos cinco anos o seu pai faleceu e aí sim sua mãe precisa sair para trabalhar, o que você lembra desse período, como foi? E para você, como foi essa adaptação, essa mudança?
R - Quando assim, a gente... No começo foi estranho porque com ele a gente tinha uma rotina, por mais que eu não tivesse tanto nessa rotina, mais as minhas irmãs, a gente tinha uma rotina com ele; aí depois sem ele, a gente meio que sentiu um baque, tinha que praticamente refazer, e na época a gente sofreu a ausência. Eu pequena e a minha mãe sem saber por onde começar... Mas vejo que a gente passou um período assim, eu digo luto, bem conturbada, bem no começo. Até porque minha mãe não tinha mais o apoio da mãe dela, aí teve que se apoiar aos irmãos dela. Minha irmã tem... Hoje alguns já falecidos, mas na época tinha sete irmãos. Então meus tios sempre foram muito presentes na nossa vida.
P/1 - Você falou que as suas irmãs, no primeiro momento, tentaram te colocar numa creche; qual é a sua primeira referência de escola? Tirando essa experiência de um dia na creche, mas como foi a ida a escola, como foi esse processo para você? Que lembrança você tem da escola?
R - De escola tenho várias. A escola que eu estudei até hoje tá lá, na Brigadeiro; desde a minha irmã mais velha, do meio, todas estudaram nessa mesma escola. Mas tenho referências da minha primeira professora. Tenho da terceira série, que a professora Neuza, que ela era bem chata, era de Português. Tenho boas recordações. Tem pessoas que eu não via desde essa idade e depois de grande, de adulta, que eu fui encontrar. Ainda falo que a gente é criança, toda feia, toda estranha e depois a gente se vê adulto. Mas as amizades que tenho hoje no meu bairro também foram de sala de aula, com meus sete, oito anos. Adorava Educação Física.
P/1 - E como era o trajeto, a sua ida para escola quando você começou a ir para lá? Você ia sozinha ou acompanhada de colegas, ou das suas irmãs? Como era?
R - A minha irmã sempre levava, a do meio. A do meio sempre levava e buscava, às vezes na vizinha, que a filha estava na mesma escola. Mas a gente sempre foi a pé por ser perto.
P/1 - E esse trajeto, como era? Vocês iam também com outros colegas, brincando? Como que era?
R - Não, só eu e mais duas da mesma rua que estudavam lá. Porque tinha, atravessando a linha do trem, tinha outra escola, então a maioria ia para essa escola em frente de casa e minha mãe colocou em uma mais distante. Então da rua só ia eu e minha irmã mesmo, mas era super tranquilo. Aquela coisa de correr uma atrás da outra, de pega-pega… Mas o trajeto era tranquilo.
P/1 - E você falou de muitas relações construídas na escola, que são relações que você mantém. Quem foram essas pessoas que você foi conhecendo na escola e que foram marcantes para essa sua trajetória?
R - Tem o Gabriel, que hoje trabalhamos juntos no projeto. Eu tenho Sílvio… O Sílvio sempre foi um menino gordinho, então o pessoal zoa muito com ele… Na época a gente não tinha essa maldade de saber se era gay ou não. Eu sei que os meninos brincavam que ele era afeminado, que ele só reclamava… Tem a Suzana também, que hoje voltou para o bairro. A gente teve bastantes atividades juntas. Na infância mais esses.
P/1 - E você trouxe algumas questões, como por exemplo do seu colega, de um dos suas colegas que ele era mais gordo, também tinha a questão da sexualidade que já aparecia nas relações das crianças; para você, como foi esse período na escola nessa fase de infância?
R - Eu… Na verdade eu sempre fui muito dispersa referente a preconceito. Eu converso, a minha amiga sempre foi branca de olho verde, eu via a diferença das pessoas brincarem mais com ela e me deixarem de lado, mas nunca me abateu. Eu acho que nunca tive a maldade de perceber que era por causa do meu tom de pele, alguma coisa assim do gênero. Sempre levei na esportiva, mas eu via na questão do Sílvio, dele chorar, as pessoas fazerem ele chorar e eu querer entender o que estava acontecendo; porque estavam fazendo aquilo com ele. Até de questionar para professora, porque tipo assim, da maldade, mas sempre fui muito curiosa, mais curiosa do que, sei lá, deduzir o que estava acontecendo; mais por curiosidade mesmo.
P/1 - E Aldria, você citou até alguns, mas que professores foram marcantes nessa sua trajetória e porque eles foram importantes?
R - Eu tive a professora Neuza, porque além de ser japonesa, ela era muito severa, mas ao mesmo tempo doce. Então acho que isso dela ter uma aparência severa e ao mesmo tempo ter tanta atenção com a gente, acabou marcando. Aí tinha a Ana Pimentel, que a escola inteira adorava ela pelo carinho que ela tinha, da compreensão, questão de ensinamento. A Ana Pimentel e a Neuza, as duas que marcaram bem.
P/1 - E Aldria, nessa fase da infância você já participava, tinha envolvimento também com escola de samba, blocos?
R - Eu só desfilava, minha mãe me levava para desfilar. Eu lembro bem vagamente, acho que não tinha sambódromo ainda. A gente está indo para Avenida Tiradentes, mas é muito vago. Eu sei que uma vez ela me colocou em uma aula e eu não podia ficar com ela, aí eu saía da sala, corria para procurar ela, aí minhas irmãs: “Não, você não pode ir para lá”, eu lembro bem vagamente, eu devia ter uns cinco, seis anos; mas eu mais desfilava.
P/1 - Em qual escola?
R - Na Príncipe Negro, sempre foi Príncipe Negro.
P/1 - E Aldria, como foi se desenrolando sua formação? Depois dessa primeira escola, você ficou lá por quanto tempo, foi para onde depois?
R - Para escola de samba, ou escola normal? (risos)
P/1 - Desculpa, escola… Como a gente desviou um pouquinho, a escola mesmo, formal.
R - Eu sempre gostei de carnaval, minha mãe sempre me levou. Aí depois que inaugurou o Anhembi, que aí teve um espaço fixo par as escolas, então sempre fui; mas a minha tia é Vai-Vai doente, minha mãe sempre gostou do Príncipe Negro, mas minha tia era muito marcante, porque ela tem até hoje paixão pela Vai-Vai. Então eu cresci muito, porque a gente ia junto. Meu primo tem diferença de três anos, então as duas pegaram a gente, que são os menores e vamos levar. Então a Vai-Vai sempre ficou muito latente na minha cabeça, mas nunca pensei: “É uma queda”, eu ia pela folia. Aí no carnaval de 96, que a Vai-Vai desfilou de manhã, eu chorava e minha tia: “Ta vendo, você é Vai-Vai. E não sei o que...” e dali despertou a paixão pela Vai-Vai, mas já passei por outras escolas, já fiz outras funções.
P/1 - A gente depois vai voltar um pouco mais para falar dessa história (risos). E Aldria, você contou essa história que você trouxe, da primeira vez que você viu a Vai-Vai, em 94.
R - Em 96.
P/1 - Aí você já está quase entrando na adolescência?
R - É, eu estava com doze.
P/1 - Como foi para você a adolescência, onde você estudava nesse período?
R - Eu fiquei no Brigadeiro até a oitava série, aí eu fazia o Ensino Fundamental normal e de tarde eu ia para Dom Bosco, que até hoje oferece cursos; então passava praticamente a tarde, um dia com atividades. Lá a gente fazia cerâmica, pintava panos de prato. Então de manhã estudava no Brigadeiro e à tarde ia para lá, com meus doze, treze anos. Aí no final de semana surgiu oportunidade de jogar bola, futsal e aí eu tinha que treinar e ia sábado para treinar.
P/1 - E onde que eram os treinos? Como deu esse envolvimento com o futebol?
R - Foi na Dom Bosco mesmo, que lá tinha essas atividades o ano todo; tem profissionalizante, que é esse que a gente fazia, de recreação,tinha para a fase adulta; e lá mesmo tem quadra, tinha o campo de futebol, então as atividades acontecem todas na Dom Bosco. Então lá precisava de um time, aí eu resolvi me inscrever, participar. Eu tinha quinze, catorze anos. Mas a minha adolescência mesmo foi montada nesse lugar, até meus dezesseis, dezessete era na Dom Bosco. Todas essas atividades, todos os passeios, tinham passeio para o SESC, para o zoológico; fora da escola mesmo, do ensino todo, passei a maioria lá na Dom Bosco.
P/1 - Como foi, você falou que se inscreveu em um time de futebol e passou a treinar nos finais de semana. Nessa época já tinha um time de meninas, ou você entrou, começou a jogar junto com os meninos e era um time misto?
R - Não, era um time feminino, mas já foi direcionado. Porque nas férias tinham recreações e lá eles somavam equipes, quatro equipes, misturavam as crianças de cinco a doze anos, por exemplo; e aí tinham as torcidas e cada grupo fazia as atividades. Então tinha atividade de competição de faixa etária, tipo de cinco a sete… Então futebol já fazia parte disso, aí o que eles fizeram foi só montar um time a parte para tentar participar do campeonato, essas coisas. Então já estava presente, porque montava as equipes, aí tinham as líderes; aí fazia um time de vôlei, de futebol, um de basquete, para de nove a doze anos, aí montava um grupinho. E quanto tem as idades? Por exemplo, tem dez meninas. Então vamos montar esse time e vamos competir entre eles. Aí no final a equipe que ganhasse mais ponto ganha. Aí tinha premiação, eles davam cesta básica… Era bem legal. [mais ou menos 23:47]
P/1 - E dessas histórias na Dom Bosco, de eventos, saídas e até campeonatos, pelo que você está dizendo, teve algum momento que tenha sido especial, ou mais de um?
R - Acho que todos que a gente participou. Acho que estava ainda naquela fase de descoberta. A gente ia… Para você ver, é uma distância considerável lá de onde a gente estava até o SESC Itaquera; a gente ia a pé, aí voltava a pé, a gente andava muito. Ia para o parque do Carmo a pé; a gente andava muito a pé. Acho que é um momento bem especial, porque a gente tinha pique. Hoje em dia se mandar andar... (risos). Bem difícil. Mas esses passeios, essas atividades que a gente fazia… E eu sou uma pessoa muito competitiva. Acho que as atividades com competição que tinha que ganhar, eram as que mais me alegravam.
P/1 - E esse passeios para o SESC Itaquera, todos eles eram idas que você ia com seus colegas do projeto e durante o período do projeto?
R - Isso, o padre falava: “Hoje a gente vai para o SESC”, então ele pegava, sei lá, duzentas crianças e levava, tinham os monitores e a gente sempre, depois de um tempo, voltava de ônibus, fugia deles e voltava de ônibus, mas a gente ia a pé. Tinham os monitores, eles aprovaram o trânsito, mas já avisaram: “A criançada está indo aí" e a gente ia a pé.
P/1 - E dessas idas para o SESC - porque o SESC eu conheço - o que vocês faziam, qual era o programa desse dia no SESC?
R - Às vezes a piscina eles liberavam, às vezes não tinha piscina, era mais o motivo mesmo de usar a quadra, o cinema lá que tem, lá do SESC, ou ficar lá na grama. Às vezes não tinha piscina, mas tinha atividades, aí levavam a gente e eles criavam atividades lá mesmo no SESC, usava o espaço do SESC para fazer atividades. Assim como no parque do Carmo, levava a gente e aí: “Vamos fazer uma competição de taco, ou vamos jogar um vôlei”, aí fazia lá as atividades.
P/1 - E Aldria, para além do projeto, nessa fase da adolescência, você também começa a sair com colegas, amigos, amigas. O que você gostava de fazer nessa fase da adolescência?
R - Para sair para rua, minha mãe sempre foi mais severa, no máximo eu ia sair com as meninas quando eu tinha meus quinze, dezesseis, era para um parquinho que tinha lá, umas dez e meia tinha que voltar para casa. Mas a gente ia lá olhar, nem ia mais assim… Às vezes você brincava quando tinha dinheiro, mas a gente ia só ali na nossa limitação de horário e a gente ficava mais no parquinho. Aí a COHAB montou um Jumber Mix (29,33), que é a matinê, que na época eu acho que estava no auge, a gente dançava axé e aí a gente, de domingo, ia para lá. Eu tinha duas amigas que a mãe deixava sair, mas também com limitação de horário, aí pegava nos três e também ia. Na COHAB não era muito longe, mas a gente ia a pé (risos), ia a pé curtir o axé, aí dava dez horas e a gente voltava para casa. Fazia bastante isso, ia mais ali perto mesmo, curtir mais Itaquera, a gente nunca foi muito longe. Depois que eu saí do ambiental, que fui para o Ensino Médio, eu estudei no Tatuapé, aí essa minhas amigas, uma já tinha ido para outra escola, então a gente meio que deu uma separada. Aí que fui conhecer um pouco mais os bairros lá do Tatuapé, aí fui curtir um pouco mais para lá, fiz amizade da escola também.
P/1 - E como foi essa mudança de escola e aí tendo que ir para outro bairro, que não é um bairro tão perto. Como foi esse momento de mudança de escola pra outro ambiente?
R - Na verdade todo mundo que saia do Brigadeiro ia para o Catalano, e minha irmã sempre estudava longe. E assim, se minha mãe atrasasse na condução, eu ficava sozinha em casa, porque tinha que estudar, então ficava sozinha até minha mãe chegar. Então sempre fiquei com aquilo na cabeça: Vou estudar longe também, achando que estudar longe seria melhor. E aí quando o pessoal começou a sair, que tinha amizade, todo mundo estava indo para o Catalano, aí minha mãe: “Então vai para lá também, que a escola é melhor”. Quando eu cheguei para fazer o primeiro grau, no segundo já tinha gente que já tinha estudado com a gente lá, então meio que já estava em família, virou uma febre todo mundo ir para o Catalano, no Tatuapé.
P/1 - E com relação com essa… Você falou que começou também a conhecer, sair para os lugares ali do bairro, do Tatuapé e talvez outros lugares. Como foram essas saídas, esse processo de conhecer lugares novos?
R - Foi bem diferente, porque eu cheguei lá, fui estudar à noite. Tinha algumas pessoas que foram comigo, ficaram na mesma sala, tinha curiosidade em negócios de ir para o shopping; até porque, antes de estudar lá, uma dessas minhas amigas de infância, quando inaugurou o shopping Tatuapé, nós fomos escondidas de nossas mães na inauguração do shopping (risos). Só que eu ainda tinha o dinheiro da condução e a outra também, só uma não tinha, a que queria mesmo ir, que para mim tanto faz, não tinha o dinheiro. Aí eu falei: "Tenho só a minha condução, como vamos fazer”, e ela: “Dou meu jeito”. Aí ela foi com a passagem de ida, e como ir embora? Ela: “Eu vou passar por baixo” e eu falei: "Não, o guarda vai brigar”; porque sempre fui muito tranquila. E ela: “Ele não vai brigar, não". Eu falei: “Denise do céu e agora?”. A gente passou, beleza, aí ela foi tentar a primeira, aí o guarda pegou. Ela: “Eu não consigo pagar, não sei o que...” Isso estava dando umas seis horas, minha mãe chegava seis e meia, dependendo do trânsito, e eu precisava estar em casa e a gente lá no Tatuapé. Aí ela tentou umas duas vezes, aí eu falei: “Vamos fazer o seguinte, vamos tentar distrair o guarda para você passar. Senão você vai ficar aí, porque a gente não tem o dinheiro”. Aí a gente foi lá conversar com ele, e nisso aí ela foi, passou e foi correndo. Aí foi quando a gente conseguiu ir embora... Só que a gente foi no shopping, mas como era inauguração estava muito cheio, então a gente não fez nada, a gente não tinha dinheiro, fomos só para ver mesmo, aí beleza. Passou essa inauguração tudo, aí quando fui estudar lá que eu fui andar, conhecer mais o shopping, fiz amizade com umas pessoas que eram do terceiro ano, mais velhas, aí que eu fui pela primeira vez no cinema, conheci a Praça Silvio Romero, aí comecei a conhecer e dar umas saídas. Tanto que lá tinha também o Corinthians, tinha festa junina. A gente ia muito quando saía da aula, a gente dava uma passadinha por lá, às vezes nem entrava na escola (risos), ia lá de sexta-feira e ia nessa festa. Foi bem descobridor, sai de casa para longe, foi bem legal essa fase.
P/1 - E você estava falando também que sua mãe, nesse momento, estava estudando e foi um momento também de você conseguir criar mais autonomia, construir mais autonomia para você mesma.
R - Sim, até porque minha irmã já estava trabalhando, eu estava… Porque elas já eram adultas e eu ainda estava nessa fase, então foi bem descobridor, libertador; foi bem legal.
P/1 - Como é que… Você estava no Ensino Médio, tinha alguma espectativa, ou você tinha expectativa de uma carreira que queria seguir, que você ia fazer depois que você terminasse a escola?
R - Na verdade sempre quis fazer Faculdade de Administração, sempre foi minha vontade, nem por assim: “Então vai fazer Administração porque não sabe o que quer”, mas assim, era uma curiosidade minha, não uma faculdade para eu ganhar dinheiro, ou arrumar uma profissão, sabe uma vontade de fazer? E foi um curso divisor de águas, então pega um pouquinho de cada coisa, um pouco de Marketing, um pouco de responsabilidade social, de financeiro, RH. Então foi um curso que eu quis conhecer para eu saber o que eu vou fazer depois. Então minha vontade sempre foi, desde da adolescência, fazer Administração. Ainda não tinha um traçado certo, o cabeleireiro ficou na infância, gostava de arrumar o cabelo da minha mãe, mas nada que fosse assim: “Vou me profissionalizar para aquilo”; foi só uma fase, mas sempre gosto de mexer com cabelo, mas nada que passasse de arrumar das crianças que tem lá em casa, da minha mãe, essas coisas. Então não tinha nenhum trajeto específico, até porque meu primeiro emprego foi com dezoito anos. Eu sempre gostei de ser independente, ter meu dinheiro, aí meu primeiro emprego, arrumei com dezoito anos, e aí demorei um pouco para sair da escola e entrar na faculdade.
P/1 - E você mencionou, falou desse primeiro trabalho, qual que foi?
R - Eu trabalhei na Contax, era call center, trabalhava provedor IG, olha, faz tempo ein (risos).
P/1 - E você lembra como foi começar neste novo trabalho, ambiente de telemarketing, que tem muita gente muitas vezes?
R - Eu que não tinha experiência nenhuma, no começo assusta. Aí teve treinamento. Quando a gente foi pra linha eram cem pessoas para gente atender. No primeiro dia eu saí de lá meio desorientada, porque a gente não parava, quando você via entrava… Era de tarde, de duas as oito, quando eu via já eram cinco, "já vou embora”. É tudo muito rápido por conta do volume de ligações que tinham na época, mas eu via que era um ambiente muito… Com bastante gente, então eu trabalhei bastante nesta área do call center, mas você via poucas oportunidades de sair de uma de uma Pla (38:34), por exemplo; mas não era nesse primeiro momento, meu primeiro emprego não era algo ruim. Na época, acho que ganhava até mais que um salário mínimo, então para minhas necessidades, com dezoito, estava ótimo.
P/1 - Você se recorda o que fez quando recebeu o primeiro salário?
R - Eu achei que estava rica, né? (risos) Mas o primeiro eu dei uma parte para minha mãe e o resto, tipo assim, sempre gostei de cuidar do cabelo, maquiagem e roupa; até porque quando você estuda, você tem aquela roupa e sai para trabalhar, todo dia você tem que trabalhar arrumada, então uma parte do primeiro salário tive que investir em roupa, para ir um pouco mais apresentável.
P/1 - E nesse momento, como estava sua relação com o carnaval? Porque você falou que no começo da adolescência teve esse momento que bateu a Vai-Vai, mas como estava sua relação nesse momento, como foi se desenrolando?
R - Aí depois no carnaval, eu sempre fui pra arquibancada, até pela idade, então sempre curti carnaval, sempre a arquibancada com a minha mãe, minha tia. Eu fiquei indo para arquibancada até os meus 26 anos, 23, por aí. Foi um bom tempo eu só de arquibancada, eu não ia para ensaio, porque nesse tempo de dezessete, dezoito anos, eu arrumar primeiro namorada, e aí tinha projeto de casar, estava noiva, então não ia para os ensaios nessa época. Então ficava mais decasa para o trabalho e para o relacionamento, mas todo carnaval a gente ia para arquibancada. Eu ia pra arquibancada até 2006, sem me envolver diretamente com o carnaval.
P/1 - Eu vou voltar nesse momento da transição da arquibancada para a avenida, queria que você falasse como foi esse primeiro namoro, como foi ter um namoro?
R - Na verdade, na adolescência a gente está sempre se descobrindo e eu sempre fui muito tranquila, então essa pessoa com quem eu tive o relacionamento mais longo da minha vida pessoal, ele já era… Eu tive um antes, um namoradinho antes, mas nada muito sério; era amigo. E lá tinham uns bailinhos, matinê, fora a Jambo, e foi em um desses que a gente acabou ficando. Aí fiquei com ele uns cinco, sete anos, desde os dezessete aos meus 23, mais ou menos. Aí foi quando ficamos noivos e tudo, e eu acho que também a gente terminou, porque era tudo muito novo, eu não tinha muitas outras experiências, sempre fui uma pessoa curiosa. E quando comecei a trabalhar, aí mudei de emprego, aí fiquei lá dois anos e aí começou a desenvolver outras coisas, outras pessoas, outras experiências. Comecei a dar uma saída e aí comecei a desfocar, não queria mais namorar, queria ter outra vida; o pessoal falava que viajava, e eu no máximo no final do ano ia pra praia com a família. Sempre foi tudo muito com a família. E aí quando mudei de emprego e conheci outras pessoas, eu vi que podia voar um pouco mais e aí eu acabei me separando por conta disso, queria novos ares.
(Pausa)
P/1 - Eu queria que você contasse como foi... Você falou que mudou de trabalho, você falou que estava trabalhando na Contax e aí você vai para um segundo trabalho. Como foi essa experiência e o que ela fez mudar sua percepção sobre coisas da vida?
R - Aí fui trabalhar mais para o Centro da cidade, trabalhei na quermesse, e lá na cobrança do Santander; não, do Banco Real, depois virou Santander. E como eu tinha um pouco de experiência, que eu fiquei um ano na Contax, aí fui para esse novo emprego que era para ganhar mais, tinha comissão… E lá tive possibilidade de passar por vários setores, ativo, receptivo, ou ativo-receptivo e depois fui para uma sala exclusiva que fazia essa negociação.
(Pausa)
P/1 - Quero que você conte como foi essa experiência do segundo trabalho, quando você saiu da Contax, vai trabalhar em outra empresa e diz que isso mudou um pouco da percepção sobre coisas diversas da vida. Como foi?
R - Nessa empresa fiquei mais tempo, fiquei dois anos e lá era cobrança. Lá eu passei por vários setores, tanto ativo-receptivo e antes de eu sair eu fiquei em uma sala menor, só que lá eu entrei com uns vinte anos, mais ou menos e todo mundo meio que na mesma faixa etária que eu. Tinham outros setores nos outros andares, com as pessoas mais velhas. Quando eu mudei para o setor com essas pessoas mais velhas, eu comecei a trocar experiências e saber que eu não sabia nada da vida, em questão de amizade, de pensar no trabalho, de postura; querendo ou não, dentro do call center tem supervisor, coordenador. E quando a gente é mais novo a gente é meio destemido, fala o que vem na cabeça e lá tive um grande aprendizado profissional mesmo de perceber que tenho um pouco de persuasão. Não sei se muito, mas um pouco. Porque quando teve lá o ataque do PCC, _______ falou assim: “Porque eles vão atacar”, deu cinco horas da tarde, deu um estalo em mim e falei assim: “Vou embora, pode descontar”. Assim, do nada, essa área tinha vinte pessoas. “Mas porque você vai embora?”, eu falei: "Não vou ficar aqui. Estou com medo. Não vou ficar aqui até às oito, não vou ficar”. Ninguém tinha falado nada, eu levantei e falei que ia embora. As meninas: “Ah, eu também vou, já que você vai”. Estava um silêncio, começou o burburinho; isso a gente estava no oitavo andar, já passou para o sétimo, eu falei: "Não, eu vou embora”. Aí o supervisor: “Como você vai embora?” e eu: "Não vou ficar aqui, porque vai acontecer o ataque e não sei o que. Vou embora”. Mas aí começou a empresa inteira pressionar para ir embora; a gente foi embora. A gente falou: “Depois eu pago nessas horas”, eu falei: "Não, não vou ficar”. E lá também, depois, a gente tem o supervisor, o Fábio, eu sempre brincava com ele, porque no intervalo de uma ligação ou outra, a gente sempre conversava, contava do dia, como foi, tudo. Eles: “Nossa, não estão trabalhando? Estão conversando muito”. Aí a gente tinha que fazer promessas de pagamento, quantas promessas de pagamento a gente tinha feito no dia; aí de repente a meta era vinte, a gente fez dezenove. Aí chegava no dia e ele dava um bombom ou alguma coisa para quem bateu a meta. Eu sempre fui questionada, porque se eu fiz dezenove e ela fez vinte, para me incentivar, ele tinha que me dar um bombom, porque foi quase, mas eu sei que dezenove não são vinte Aí eu falei: “Mas não estava certo, eu cheguei perto”. Nossa, eu era terrível de cobrar nessa empresa. Mas assim, aprendi muito com ele a ter paciência, ele: "Não é assim, dezenove não é vinte. Se você se comprometeu, se eu pedir um resultado…”, então ele me ajudou bastante nessa questão de resultado. Vinte é vinte, vinte não é dezenove, é vinte. Então ele ajudou bastante também na minha profissão, na minha formação, que eu estava engatilhado. Aí eu fiquei lá de 2006 a 2018, fiquei esse período lá; foi quando comecei a faculdade.
P/1 - Era de 2006 a 2008 ou 2018?
R - 2008.
P/1 - Ah, dois anos lá.
R - Fiquei dois anos.
P/1 - Eu queria até explorar um pouco do que você falou, desse momento do ataque do PCC. Como foi que nesse dia você soube da notícia e como foi essa conversa ali das baias, como é que você foi percebendo essa conversa das baias que fez com, enfim, que a sua fala inicial de “não vou ficar aqui, eu vou embora e pode descontar”, para um movimento de tantas outras pessoas fazerem o mesmo?
R - Na época, eu não lembro quem foi, se foi um primo meu… Não lembro, que tinha mandado mensagem falando: “Estou saindo mais cedo do meu trabalho, porque está tendo um ataque”. Aí passei por um, passei para outro, sem sair lá fora, se ia acontecer, se ela está saindo mais cedo, eu também posso” (risos). E aí eu falei para a do lado, e ela: “Mas será?” Eu falei: "Não, vou embora. Melhor garantir. E outra, se tiver, vamos sair daqui oito horas da noite, a rua vai estar um breu. Ela trabalha aqui perto, ela trabalha em escritório, ela já está indo embora, se todo mundo aqui vai embora cedo e só fica a gente para ir embora, como vai ficar? Ai, não vou ficar não”. Aí passei para essa e aí a outra falou assim: “Calma ai, vou ao banheiro”. Nisso, já avisou lá embaixo para as colegas que estavam embaixo e aí começou o “vuco-vuco”. No meu, todo mundo já tinha largado as rédeas, já tinha falado: “Não vou trabalhar” e ele: “Calma, preciso ver com o coordenador”, eu falei: "Não tem coordenador certo, eu não vou ficar”. E as meninas: “Então também não vou”. Eu falei: “Anota esse dia, a gente paga as horas depois, mas eu não vou”. Eu falei: “Não vou ficar”. Aquele dia foi tenso. Eu falei: “Tá vendo?” Depois mostrou no jornal, às oito horas da noite, a Paulista vazia e eu na rua? Eu falei: “Imagina”.
P/1 - E deu tempo de voltar para casa com algum conforto, né? Porque eu lembro que nesse dia muita gente teve dificuldade para voltar.
R - Sim, eu ainda fui de metrô. E como trabalhava ali na [Rua] Lauro Gomes, eu desci até o Anhangabaú, só que aí já estava começando e não estava tão cheio, porque começou a fazer movimento umas quatro e meia, só que até resolver, vai, não vai, foi umas cinco horas; não estava tanto, mas quem deixou para mais tarde, nem sei como foi embora. Eu sei que oito horas, oito e meia, que começou a Paulista vazia, eu já estava em casa (risos). E ia sair esse horário. Eu falei: “Imagina, você acha? Eu ficar na rua?”. Foi um dia bem marcante.
P/1 - Eu me lembro desse dia, é por isso que tive a curiosidade de perguntar como foi, porque muita gente teve essa coisa de estar trabalhando e “pera ai, mas eu preciso ir embora, eu vou dar um jeito de ir”. Está todo mundo começando a… Naquela época não tinha WhatsApp, naquela época era SMS ou telefone, e eu lembro: “O que você está fazendo aí? Vai embora”. “Tá bom, vou embora mesmo”. (risos) E Aldria, eu quero voltar para esse momento em que você frequenta o carnaval ali na arquibancada, indo na companhia da sua família, como dá essa transição da arquibancada para essa participação mais ativa?
R - Minha tia, como eu falei, sempre foi Vai-Vai e sempre teve vontade de estar ajudando a escola de alguma forma, já que meu primo é da ala das crianças, minha mãe nunca me deixou ir, mas ele ia, então minha tia sempre levava ele nos ensaios, porque não podia faltar. Mas ela queria estar ali, participar ali, de ser diretora de harmonia, chefe de ala, alguma coisa. Então sempre teve vontade e aí ela viu uma oportunidade de entrar no departamento social em 2006, e aí ficou mais fácil, porque ela entrou para diretoria, conheceu as pessoas que faziam carnaval na época. Então foi mais fácil para ela me levar. Ai como eu tinha na essência parado, então foi uma fase libertadora. Foi quando viajei. Minha primeira viagem foi para o Rio, que eu saía de segunda a segunda, então fazia tudo. Ela falou: “Vem para cá, vamos participar, você é bem comunicativa, pode ajudar a gente no setor social”. Eu cuidava da recepção dos convidados, quando tinha festa na escola, a gente ajudava na preparação, recepção de convidados; era um pouco mais essa nossa atividade. Aí ela me chamou e como eu estava nessa fase mais de liberdade, eu aceitei o desafio. Aí fiquei lá até 2012, aí participei do departamento social, já fui apoio da ala e aí que a gente vai conhecendo outras pessoas, vai conhecendo como funciona a questão do carnaval, do desenvolvimento da organização, a gente acaba ficando mais perto daquilo. Foi uma fase muito boa também.
P/1 - E aí nesse momento, você vai se envolvendo não só com o desfile, mas também com essa área; você falou desse envolvimento na área social… Como era esse envolvimento, como é fazer parte do cotidiano, do dia-a-dia de uma escola de samba, de uma das mais tradicionais como a Vai-Vai?
R - É uma responsabilidade muito grande você comandar aquele quilombo negro. É gratificante, igual eu falei, a gente trabalha por amor e assim, a história da escola por si só, eu acho que é uma responsabilidade muito grande, você se sente parte daquilo. Porque é um pedacinho de tudo que foi construído até a sua chegada lá, então eu sentia muita responsabilidade de querer ajudar, de querer confortar, de receber bem as pessoas, porque querendo ou não, acaba sendo uma segunda casa, você às vezes passa mais tempo lá do quê basicamente em casa. São festas de família que às vezes a gente perde por causa de ensaio, mas é muito prazeroso. Quem ama, é difícil dizer que larga.
P/1 - E você pode contar momentos que foram marcantes nesse período, quem que você esteve mais envolvida com a Vai-Vai?
R - Eu acho que o carnaval de 2008 foi um carnaval grande, mas a gente tinha o enredo que era Acorda Brasil, que o enredo remete ao Brasil com muito ouro, falando da garra do povo brasileiro, então esse foi um carnaval bem especial, por tudo que a gente passou pelos ensaios, por ser um samba extenso, a gente conseguiu ensaiar bem, evoluir bem e chegar na avenida tendo aquela explosão que teve em 2008 com as bandeirinhas. Eu acho que foi um dos carnavais que eu mais guardo com muito carinho, da Vai-Vai. E lá a gente fazia as festas, festas do chopp; Um momento especial foi quando teve no Zumbi do Palmares a festa, e foi o Arlindo Cruz, o Neguinho da Beija-flor, ele estava no começo do câncer dele, ou já era no final, que ele já estava se tratando; e mesmo assim ele foi e como a gente cuidava dessa parte de rebentos, foi muito emocionante, uma pessoa ir fazer um show… Eu não lembro se estava no começo ou no final do câncer dele. Aí você fica olhando a pessoa, vai lá cantar para milhares de pessoas, mesmo com a doença, para você ver que força que ele tem. Então foi um encontro que tive com ele bem marcante por conta disso. Lá também foi legal, porque passei a conhecer de perto o Cafu, um jogador maravilhoso, uma pessoa super gente boa, levou a gente para casa dele, para os meninos, da diretoria da época, jogar bola. Recebeu a gente de maior agrado na casa dele. Eu tive vários momentos legais lá dentro.
P/1 - E você falou uma coisa, a Vai-Vai como um quilombo negro numa cidade, numa metrópole como São Paulo.E você citou também que tem a festa de Zumbi dos Palmares.
R - A faculdade, a faculdade.
P/1 - Ah, a festa da faculdade é Zumbis dos Palmares, que faz a festa lá.
R - Na verdade, ele cedia o espaço. Antigamente eles estavam ali na Barra Funda, eles tinham um galpão, aí a Vai-Vai usava na festa do chopp, que era aniversário da escola, usa esse espaço dentro da Zumbi.
P/1 - Como eram essas festas grandes? Você citou esse encontro que teve no show, com participação do Arlindo Cruz, do neguinho da Beija-flor, mas como que era organizar esses shows, ajudar?
R - Na verdade, a gente ficava mais no operacional, a diretoria montava todo o esquema, mas era uma coisa tradicional dentro da escola; a escola faz aniversário dia primeiro de janeiro. Então faz a festa do chopp, e aí chama os convidados, sempre tinha um convidado ou mais de um convidado nessa festa. Basicamente tinham os camarotes, que é onde a gente trabalhava, cuidava dos camarotes, questão de recepção, a lista quem vai ficar naquele camarote ou não; bebida; o que seria servido. Então a gente tomava conta daquele espaço. “Ah, faltou alguma bebida”, a gente ia lá direcionar, pedia para repor… Esse era mais nosso trabalho; era por isso que a gente acaba tendo contato com os artistas, por conta disso, por estarmos recebendo eles nesses eventos.
P/1 - E Aldria, como que é… Você consegue me descrever a emoção depois de… Faz um ano de dedicação, de preparativos para fazer um carnaval entrar na avenida, como é a emoção de entrar na avenida? Porque também tem aquele processo longo da concentração, que parece que é longo, é enorme aquilo, eu achava que era… E finalmente entrar na avenida? Parece que é extenso, mas é tão pouco tempo, né? Mas como é essa sensação?
R - Quando a gente está lado a lado, trabalhando junto com a escola para que esse projeto seja feito, é uma energia, sei lá, indescritível. Porque você chega lá e fala assim: “Acabou, né”; até muitas vezes… Hoje eu vejo por um outro lado, antigamente eu achava um máximo, chegar lá, ficar tudo pronto, essa sensação de dever cumprido; mas para mim sempre foi o “acabou”, tipo assim, não vai ter mais, semana que vem a gente vai voltar para vida. Eu já sentia falta no dia do desfile. Às vezes é cansativo, a gente reclama, mas a gente está ali, fazendo alguma atividade, interagindo; e quando você desfila, acaba. Para a gente, ali o desfile é o fim do que a gente projetou, então entrar na avenida, ainda mais com a Vai-Vai é algo diferente, né. Você vê a arquibancada toda, vindo com a escola, vibrando; é indescritível a sensação.
P/1 - E como foi, porque recentemente a escola caiu para segunda divisão… Que não é a segunda divisão, mas outro nome, é grupo de acesso; e a escola nunca tinha passado por essa situação. Não sei se você estava ainda tão envolvida com a escola, mas por conta dessa ligação que você tem com a Vai-Vai, como foi ver esse momento da escola ter caído para o grupo de acesso?
R - Foi muito triste, até por conta que eu achei que não foi justo. Eu acho que não foi feito um carnaval para acesso. Lógico, todas as escolas estavam dentro de um regulamento, mas eu acho que não foi merecido pelo carnaval apresentado; de repente, se tivesse uma falha maior, como já teve em anos de outras escolas entrarem com os carros no ferro, com o carro mal-acabado, você via defeitos nas fantasias, ou teve em algum outro setor que foi visível aquilo e a escola não caiu. E nesse você assiste um carnaval que você vê que aparentemente não tinha erro, você acaba aceitando, mas não aceita o resultado. Mas por um lado, se a gente for usar mais o racional do que o coração, por um lado é bom a gente dar um passo para trás, para dar dois para frente e a gente se reciclar. Querendo ou não, o carnaval está diferente, por mais tradição que as escolas tenham, a gente tem que se atualizar, acompanhando a evolução do carnaval. Aí tem aquela questão do modernismo, do tradicional. Não existe certo ou errado, mas a gente trazer coisas novas com as antigas é o que por enquanto dá resultado, não pode ter aquele choque da tradição com o novo; ou você muda da água para o vinho. De repente, você tem um andamento na escola esse ano, ano que vem você muda radicalmente, aí realmente a escola sente. Mas o caso da queda da Vai-Vai realmente, para mim, não foi justo pelo desfile que foi feito, mas tudo passa para trás, eu te dou um lado ruim e a gente tira um lado bom. Teve aí 2020 para se reerguer e agora é erguer a cabeça, fazer melhor e mais organizado, porque o carnaval está muito competitivo. Hoje não tem mais a questão da favorita, sempre aquela ou a outra, que antigamente tinha muito… Acabou o desfile, já tinha disparado a briga nas ruas. Hoje em dia não, hoje em dia está tudo muito igual, então são só as notas mesmo para te dizer aí se é campeão ou não.
P/1 - E Aldria, você falou uma coisa que eu achei interessante, que é o carnaval mudou e algumas escolas, talvez até tradicionais, tenham tido uma dificuldade para entender essa mudança do carnaval. O que você chama, o que você entende por essa mudança que você percebeu no carnaval?
R - Olha, não muito longe, assim, quando comecei mesmo a frequentar, entender um pouco o carnaval, que foi a partir de 2007. Por exemplo, pra 2017, dez anos você já sente a mudança, tanto na questão de componentes, questão de regulamento… Antigamente as pessoas vinham mais soltas e agora tem ano que colocam as pessoas para virem com coreografia. Isso acaba meio que é legal, mas não sempre. O componente também mudou, hoje a gente vê que tem componente que vai nas escolas campeãs, tem aquele componente que acaba indo em um dia na escola, acaba acolhendo melhor. Antigamente, a gente vê, o pessoal era muito grosso, muito bruto, mas você insistia, hoje não; hoje você trata uma pessoa mal, ela não volta. Por mais amor que ela tenha, ela vai acabar na opção: “Eu vou para onde me tratam melhor”. Então acredito que o ser humano também mudou e isso vai refletindo nas relações que você vai tendo. Quando eu falei assim: "Não vou mais desfilar. Quero conhecer outro carnaval”, eu sou apaixonada pelo Rio de Janeiro, eu falei: “Então quero conhecer o carnaval de lá" e foi em 2012. Eu fiquei desempregada, recebi a rescisão e fui: “Quero ficar dois meses, janeiro e fevereiro no Rio. Não quero saber de São Paulo. Vou me jogar”. Só que tinha um amigo meu que já fazia isso, aí ele: “Esse ano não estou afim” e eu: “Você é o único que faz isso, conhece tudo e tal”. Aí ele falou: “Ta bom.”. Eu falei: "Não precisa alugar um apartamento, a gente pega um quarto dentro de uma casa que acaba saindo mais em conta”. E aí acabei indo com ele. Lá acabei conhecendo um pouco mais do carnaval do Rio, até por ter feito algumas viagens para a ala, feito amizade lá, então já estava bem amigável lá com o pessoal carioca; e a gente ficou lá dois meses. Então a gente foi em vários ensaios de rua, vários ensaios de quadra, na Marquês, aí falei: “É aqui que quero ficar”. Então fiquei três anos só curtindo o carnaval do Rio. Fora o carnaval, minhas viagens de feriados da vida para o Rio; tive minha fase carioca e aí fiquei só indo para o Rio, até que em 2015 eu trabalhei no barracão da Beija-Flor, através de um conhecido meu.
P/1 - Então conta como foi essa fase carioca de carnaval do Rio, que começou em 2012. Como foi, você falou que já tinha ido para o Rio antes outras vezes, já conhecia outras pessoas, mas como foi se aproximar de algumas comunidades, ir nos ensaios de escolas, como foi construindo vínculos lá?
R - Aqui, por conta do trabalho que a gente fazia aqui na Vai-Vai, já tinha bastante intérprete de lá, então tinha amizade. Eu comecei a ir para o Rio, também foi em 2006 a minha primeira viagem, foi de excursão, quando me separei e tudo, fui de excursão; e de lá não parei. Então fui para o Rio de excursão para que acompanhasse mais, ou às vezes ia por conta. Aí minha amiga, que também na época era da Vai-Vai, conheceu um amigo dela da Beija-Flor, então a gente não ia mais de excursão, ia por conta dele. Mas já estava nessa movimentação. Quando resolvi passar o carnaval lá, que foi de 2012 para 2013, eu fui para entender mesmo, para conhecer, para curtir e eu vejo que lá as pessoas, eu digo assim, respiram o carnaval. Aqui tem pessoas também que respiram, mas eu vejo que eles são bem mais apegados, eles têm os ensaios de rua que são destinados à comunidade, então você vê mil pessoas em uma avenida principal, por exemplo, Vila Isabel, fica lá no meio da [Boulevard] 28 de Setembro, é uma avenida principal, como se fosse uma Marginal aqui. Eles param, pegam uma faixa e colocam mil pessoas na rua e vão ensaiar. Eu, quando fui pela primeira vez, fiquei assim, vislumbrada. A gente foi primeiro no Salgueiro, eu falei: “Meu deus”, que também eles ensaiavam em uma avenida principal do mesmo bairro, porque em cima é Vila Isabel e embaixo é Salgueiro. Eles paravam a Maxwell, onde passava carro tudo, para poder ensaiar. Eu achei lindo, fiquei assim… (risos) encantada. E assim, mais de mil pessoas na rua, eu falei: “Gente, é isso que eu queria para vida”. E esses ensaios de rua são bem focados para a comunidade, você vê que os componentes de lá saem do trabalho do jeito que está vai lá, vão ensaiar. Chega no final de semana, o que eles fazem? Fazem ensaio, show, então a comunidade acaba tendo um descanso, então acho que lá o componente fiel, que é da comunidade mesmo, tem o compromisso igual todos tem, mas eles ensaiam ali no ensaio de rua, se dedicar naquele momento. Mas chega no final de semana, ele pode curtir outra coisa. Eu acho que esse é um diferencial que a gente aqui em São Paulo não conseguiria parar no Nove de Julho para poder passar; essa diferença de Rio e São Paulo, em algumas situações, é bem diferente. Não que o carnaval seja diferente, eu acho que lá é lá e aqui é aqui, mas assim, a liberdade que eles tem, a garra… Você vai para o ensaio técnico, eu ia à arquibancada. Quando tinha oportunidade de passar no ensaio técnico, gente, que energia maravilhosa: você vê pessoal aplaudindo, pessoal cantando, independente se estava com outra camisa de escola, vibrando o carnaval, independente de quem ela torcia; e é bem diferente, até que aqui está mudando um pouco, mas assim, às vezes eu acho a gente é um pouco mais frio quando você vai para o ensaio técnico; as pessoas vibram, mas não vibram muito, ou vibram só quando a bateria passa, por exemplo. E lá, passei no ensaio técnico e do início ao fim, a galera curte mesmo. E isso de lá pra cá que eu sinto diferença.
P/1 - Eu percebo que o que você fala com a diferença de São Paulo do Rio é uma cultura de carnaval do cotidiano que é distinta, por envolvimento, essa questão dos ensaios técnicos. E você falou que teve essa experiência com alguém que estava vendo várias escolas, a princípio vários ensaios, mas você chegou a desfilar em alguma escola no Rio?
R - Ela nunca tinha desfilado e em uma dessas idas e vindas do Rio eu conheci o Rogério, e aí no final de 2014, foi quando eu estava recebendo minha última parcela do seguro desemprego, aí eu falei para ele: "Não tem trabalho para mim aí no Rio?”, aí ele: “Estou montando uma equipe só para decorar. Vai começar agora em dezembro, até o carnaval. Se você quiser”. Eu falei: “Meu Deus, sério?”, ele falou: “Pode vir”. Eu falei: “Mas o problema é: vou dormir onde todos os dias?”, ele falou assim: “Eu durmo aqui no barracão e só vou embora no final de semana”. Eu falei assim: “Tá, tenho uma amiga aí, vou conversar com ela, que aí vou ao final de semana, fico na casa dela e dá para trabalhar normal”. Meu amigo, esse que ficou 2013 no quarto no apartamento comigo, já tinha alugado um apartamento para ficar dois meses lá, eu falei “Quando o Fábio vier em janeiro, eu fico o final de semana com ele”. Aí ele falou: "Só você vir”, aí eu falei: “Então eu vou, com a cara e a coragem”. Aí ele: “Então vê o dia que você vai chegar” e eu falei: "Não, eu sei onde fica a cidade do samba”. Aí ele me explicou onde era o barracão da Beija-Flor e eu fui me aventurar. Fiquei lá três meses trabalhando com ele e aí vi outra realidade, a questão da preparação dentro do barracão. É que aqui, por mais que eu trabalhei, eu não tinha ficado dentro do barracão; sabia decorar sim, mas mais por nossas roupas, não é muito profissional, né? E lá eu pude ter contato, até porque a abertura da Beija-Flor é conhecida pelo acabamento dos carros, da fantasia impecáveis, então fui entrar em uma escola que foi, querendo ou não, top e para conhecer esse trabalho. E foi muito interessante, além de conhecer o trabalho que era feito, conhecer um pouco mais dos cariocas em si. Eu acho que voltei de lá muito mais apaixonada do que eu já era pelos cariocas, por causa da vida tão difícil que eles tem e mesma assim eles conseguem sorrir todos os dias. Porque era uma animação, às sete da manhã, um “euforo”... (risos) E eu assim, eles… Mesmo com toda dificuldade, as meninas que trabalhavam lá já tinham “manos”, sempre chamavam os mesmos porque lá era dividido por carro e minha amiga era chefe do setor quatro, então cada setor da escola tinha um chefe e ele montava a equipe dele: “Uma vai fazer isso…” e ele escolhia como ele ia administrar aquele setor. E aí, tinham pessoas que já estavam todo ano fechados, aí dava julho já chamava, e já começava a atividade e eles iam trabalhar nessa parte aí do planejamento do carnaval. Mas assim, a maioria que trabalha são jovens, maioria periférica, maioria gays que trabalham desse barraco; e são muito dedicados, trabalham deles super limpo. Foi muito bom de aprendizado. Meu amigo, não sei, por ser do setor dele, eu… A riqueza do trabalho, eram muitos detalhes na fantasia; aí ficava olhando, tinha pedraria eu falei: “Aqui é muito dinheiro", você via os pacotinhos com vinte pedras, tipo vinte reais, e lá tinha um monte e foi o ano da Guiné (1:18:34), tinha búzios de verdade, eu falei; “Gente aqui tem búzios de verdade”. Você aí: “Dá um quilo de búzios”, eu falei: “De verdade”, meu amigo falou: “Ah, me traz!”, eu falei: "Meu filha, não é assim ‘me traz’, a gente sai e revistam aqui. É tudo trabalho normal, como se fosse uma empresa normal”. É muito dinheiro que eles tiram naquele carnaval. E meu amigo, a gente fez a bateria, pensa, 280 ritmistas. Em dezembro, pegamos o chapéu para fazer, aí vim pra cá no meu aniversário, que era no Natal, aí não aguentava mais ver chapéu, porque você acaba pegando uma peça mais de uma vez e fazendo sempre a mesma coisa; os meninos já tinham a forragem, mas a decoração você que tinha que fazer e ele é muito detalhista, queria até que fizesse acabamento dentro, passasse galão dentro do chapéu, mas eu falei: “O jurado nem vai ver” e ele: “Não, mas tem que por” (risos). Ele era muito detalhista com essa questão; foi cansativo, mas foi um aprendizado muito bom.
P/1 - Aldria, repetindo o que você falou e tem a imagem do desfile do carnaval do Rio, aquela coisa exuberante, mas você também contando aí uma história que é de alguém que vive o carnaval, cuida de todos os preparativos nesses meses anteriores e vive praticamente integralmente a preparação do carnaval. Como é viver o carnaval até esse momento que a gente vê, o desfile todo maravilhoso?
R - Quando a gente começa um projeto, desde que monta fala-enredo, é todo um processo. Acho que quando a escola é escola-enredo, aí vem a escolha do samba, aí depois vem as fantasias, você já começa a sonhar com aquilo tudo encaixadinho, porque querendo ou não, você vai vivendo cada etapa, você não consegue enxergar ele como um todo. Você vai trabalhando as etapas, então pra gente que está nesse meio, quando junta tudo, você vê o artista que você é, se você é aderecista, se você é compositor, todo mundo cantando sua obra. Quando junta tudo, eu acho que a sensação é diferente; quando você vai trabalhando um pedacinho, que nem, “Eu fiz fantasia, mas eu não sei como estava lá os ensaios da bateria, ou como o casal estava se desenvolvendo. Eu tinha aquela expectativa de que eu tinha que entregar o resultado, fazer a fantasia da bateria, entregar e ver aquele resultado na avenida, todo mundo vestido direitinho, se não caiu ainda. Você que é aderecista, você fica olhando. “Ai credo, uma coisa se eu colei certo, se não colei, se ficou bom no visual…”, é que a gente pega a peça, mas a gente não imagina como vai ficar. Aí você vê, que eu fiz bateria, 280 ritmistas com aquilo que você fez, é muito gratificante. Acho que quando junta tudo, é fazer realmente parte daquele sonho, vamos dizer assim. Acho que o resultado difere; eu acho que colocar aquele projeto que foi sonhado, projetado, acho que é uma sensação prazerosa, é coisa de começo, meio e fim.
P/1 - E Aldria, depois dessa experiência dos carnavais no Rio, o que você foi fazendo depois disso?
R - Depois do carnaval do Rio, eu arrumei um trabalho na MMartan, de vendedora de caixa, depois passei para revendedora, aí eu falei: “Vou dar um…”, comecei a diminuir minhas idas para o Rio, porque entrei nessa empresa, na MMartan, camas e banho; e eu era caixa quando entrei na empresa e aí chega uma fase que beirando os trinta, eu falo que não gostei muito de fazer trinta, mas meus 28, 29, eu já estava meio que desacelerando um pouco das coisas. Aí eu entrei nessa empresa e aí fui fazer a operadora de caixa. Então assim, é um universo que eu não conhecia, que era cama, mesa e banho, não tinha noção que as pessoas compravam jogos de toalha, lençol em grandes quantidades. Eu estou acostumada com meu dia-a-dia, compro um jogo aqui, daqui dois anos um outro lá, aí compro uma toalha aqui… Lá não, tem pessoas que amam comprar coisas para casa, toda semana ou todo mês está lá comprando alguma coisa. E aí eu sempre trabalhei lá na parte administrativa, mas sempre vi que vender aquilo começou a se tornar mais prazeroso, porque você dá uma consultoria para a pessoa, você auxiliá-la em um produto para casa. E aí foi quando surgiu a oportunidade de eu virar vendedora. Fiquei um ano como caixa e virei vendedora. Mas aí nessa transição desse trabalho, eu já não estava indo à escola, não estava em nenhuma escola, estava mais tranquila em questão de carnaval, estava indo nos ensaios, mas para 2016 não tinha nada em mente. E aí teve a oportunidade, que a menina me chamou, de fazer um projeto plus, fazer parte de um carnaval de uma determinada escola, para a gente ver dez gordas no carro alegórico, mas uma coisa bem tranquila. Foi de novembro até janeiro a gente conversando, só que nesse período apareceu o Rosas; Rosas fez uma audição para colocar sete meninas dentro da ala de passista. Aí como já estávamos nesse projeto, eu falei: “Vamos ajudar, para fortalecer a classe e tudo”. E aí foi quando eu fui. Tinha umas trinta meninas, tudo gorda; aí fez a audição lá, aí ele escolheu as sete e foi quando surgiu aí a questão dos passistas plus size, aí eu não desfilei nessa escola que a gente tinha conversado lá no passado, não ia desfilar em nenhuma. Aí meu amigo me chamou, porque faltavam mulheres para desfilar no Acadêmicos do Tatuapé, que iam falar da África e precisavam de mulher negra. Aí falei assim: “Legal, se tem uma vaga, então eu vou, não estou fazendo nada”. E foi quando eu desfilei no Acadêmicos do Tatuapé (risos). Eu desfilei no carro, coisa que não tinha feito, também foi uma experiência bem legal.
P/1 - É nesse momento então que você começa, você e outras amigas, outras pessoas, começam a pensar em organizar; não sei se essa iniciativa, por exemplo, de alas para alas, ou grupos voltados para mulheres gordas existiam em escolas como falou ou é a partir desse momento que você começa a ter essa conversa de incentivar outras mulheres gordas a serem passistas, a participarem de alas de escolas?
R - Em 2013 para 14, curtindo o carnaval daqui, teve um concurso, eram garotas GG; foi até no Shopping Light, o pessoal foi, abraçou, mas foi uma pessoa que foi musa do Camisa Verde Branco 2012. Então musa da bateria e dali ela montou esse concurso. Aí teve dois anos, só que assim, eu não estava com o carnaval daqui. “Como montar”, minhas amigas falaram: “Não, 2015 vai ser você”, “Vou fazer aula de comunicação”, “Não, você vai!”. Eu falei: "Não gente, não sei se vai dar certo”. "Não, vamos ver quando vai ser a inscrição”. E a pessoa desistiu, só fez dois anos de concurso e aí não se falou mais nada. Aí foi quando apareceu no final de 2016 o Campiteli, lá no Rosas. Aí foi quando surgiu novamente essa possibilidade. Quando participei da edição do Rosas, eu vi que ia ficar legal uma ala só de gordas e aí ele escolheu as sete, tudo bem. Só que essa escola que a gente estava comprometida, acabou dando tudo errado pra a gente desfilar, estávamos em dez meninas e as meninas já havia me programado para desfilar e não deu certo, aí eu vi que ficaram chateadas, mas tinha deixado de ir para a praia por conta dessa escola e agora não ia mais desfilar, e aí falei assim: “Esse ano não dá, mas ano que vem vamos montar um grupo e a gente vem desfilando?”, “Não sei”. Aí ia perguntar para meus amigos nos ensaios técnicos: "Será que é legal colocar uma ala só de gorda?” Aí as escolas vão passando, ficava olhando: "Será que é bom? Será que não é?” E fiquei perguntando, pesquisa de campo. Aí um amigo meu falou: “Para de ficar perguntando ou vão roubar sua ideia”. Eu falei: “Já tá bom?”, “Já tá bom, vai ser legal. Não tem”. Falei: “Ta bom”. Aí acabou o carnaval e falei com um amigo meu e falei: "Tenho que colocar esse negócio em prática, agora como eu não sei”. E aí foi quando fui me interessar, é um pouco mais a questão do plus, aí pedi para ele: “Coloca objetivo, metas não sei o que” e aí rascunhei, peguei alguns depoimentos que elas não tinham muita autoestima, ou que as pessoas ficam falando: “Você é bonita de rosto”. Porque ela é gorda e bonita de rosto? Não, ela é bonita, independente do corpo dela. Aí vi que umas estavam chateadas, frustradas e eu: “Nossa”, porque nunca tive isso. Por mais que eu era irmã do meio, eu sempre fui gorda, mas como era discussão de irmã, eu sempre ouvia: “Sua baleia, sua gorda”, mas era sempre discutindo, as duas na adolescência, dentro de casa. Nunca achei que fosse algo assim, muito grave, ou que deixasse traumas. E aí eu fui vendo relatos e foi quando montei o Plus Samba, com intenção do quê? Eles terem o carnaval como uma válvula de escape, mas que a gente pudesse auxiliar elas nessas questões, de questão de não se sentir bem, de não se sentir valorizada por ser gorda. E aí foi em 2018 que eu fundei o Plus Samba e a primeira escola que aceitou a ala foi o Tucuruvi; e aí a gente desfilou com trinta mulheres.
P/1 - Eu queria aproveitar, você falou que foi começando a se interessar pelo tema, tendo contato com outras mulheres e aí fez uma pesquisa de campo no qual você conseguiu ouvir histórias de mulheres que de alguma forma lidaram com a experiência da gordofobia. Como foi fazer esse trabalho de campo, ouvir as histórias dessas mulheres e daí chegar à ideia de criar uma ala pro samba, um projeto, que é muito mais do que uma ala.
R - Sim. Eu via mais pela internet as histórias, o relato das pessoas comentando sobre os atos de gordofobia. Depois que eu montei, que tive essas trinta, que eu fui conhecer a história de cada uma delas, que aí a gente criou mais intimidade e eles contado realmente, algumas relatando a questão de não sair na rua, de ter um marido que, porque ela engordou depois da gravidez, perdeu o interesse, traição porque ela engordou. Então ali, mais uma vivência, e fiz as pesquisas mais pela internet, mas para aprender, antes de apresentar para a escola. Mas quando essas mulheres apareceram que eu pude ver que é real essa questão da gordofobia, questão de emprego, de irmos nas lojas e não ter o que vestir, de ficar constrangida porque você entra em uma loja, se é uma loja que não vende o plus, ela já fala assim: “Não tem pra você”; mas não sabe o que eu vou comprar, já ajuda só porque ela viu; às vezes vou lá para comprar um presente, não necessariamente para mim. E essas mulheres acabaram trazendo um pouco mais. Tinha um que já era modelo plus size, que trabalhava no segmento. Então nesse primeiro ano, a gente conseguiu reunir tanto mulheres que já se aceitavam, já faziam o trabalho com isso, e outras que ainda estavam se aceitando. Então foi um fato bem bacana por conta disso, troca de experiência mesmo de uma com a outra.
P/1 - E pensando esse universo do carnaval, tem muita essa coisa da imagem, da imagem da mulher e principalmente da mulher negra, tem um padrão de corpos que vem no carnaval; o que representa para mulheres plus size, mulheres gorda, ocuparem esse espaço? E as experiências que acontecem dentro desse universo que culminam na criação desse grupo para ter uma maior participação dentro das escolas de samba.
R - Quando surgiu a ideia do Plus Samba, a gente começa a parar para pensar que a gente não tem uma referência gorda dentro do carnaval. Eu tenho uma que o sonho dela era ser passista e ela antes de conhecer o projeto, estava fazendo um processo de emagrecimento para poder entrar em uma ala de passista. Então assim, onde está escrito que tem que ser magra para poder sambar? Onde que uma gorda não pode participar de uma ala de passista? Então a representatividade que a gente tinha na época do carnaval são das mulheres saradas, ou daquelas magras; você via lá a ala de passista, você achava lindo, mas você não se via, porque eram só de mulheres magras. Então é o olhar que você começa a perceber que não, que eles podem sim estar lá como passistas, como rainha de bateria, como destaque de chão, pode estar em qualquer lugar. Mas para isso, a gente sempre tem que dar o primeiro passo e que nem eu falo, não é um trabalho fácil, é um trabalho árduo, até porque muitas mulheres acham incríveis as meninas lá sambando, se divertindo, mas não tem coragem. Ainda tem essa vergonha, ou com receio de alguém rir. Eu, graças a Deus, aqui; porque a gente tem no Rio Grande do Sul também; aqui em São Paulo a gente tem muito apoio e no máximo assim, mulher, como eu falo, mulher rindo de outra mulher, é questão de rivalidade, mas nada que seja preconceituosa; graças a Deus a gente não teve nenhum caso de preconceito. Trabalhei em três escolas, em 2018 na Tucuruvi, 19 no Camisa e atualmente estou na Mocidade, dentro da Mooca, minha percepção é que, graças a Deus, super top, a gente não tem preconceito. Como tem os setores que a gente acaba fazendo uma apresentação, os grupos de elencos, dentro da escola, tipo Baiana, Velha-Guarda, todo mundo acha lindo e dá super apoio: “É isso mesmo”. Então, graças a Deus, o preconceito por elas estarem lá dando a cara para bater, a gente não sofreu.
P/1 - E com o que foi a constituição do samba, como ele se tornou um projeto, propriamente dito?
R - A gente pensou na ala e aí tendo o primeiro contato com elas, eu vi que muitas delas tinham uma vida certinha: trabalha, vai pra casa, algumas faziam algumas atividades, outras não. E aí foi quando eu falei para meu amigo que a gente tem que trazer não só o carnaval para elas, mas que a gente traga válvulas de escape para essas mulheres. Então questão de moda, questão de ensaio fotográfico… Eu falei que a gente tem que criar uma coisa a mais. Tudo bem encher a ala, legal, no primeiro ano a gente ficou bem mais na ala por ser a primeira, mas a gente pode ser mais, a gente pode contribuir em outras áreas. Aí para 2019 que a gente começou a desenrolar, aí tem outras pessoas que vieram para me ajudar, uma era a Rita, ela era diretora, ela falou assim: “Você tem um projeto tão lindo de incentivar as mulheres, porque não ter também algo voltado para o social? Não é voltado para elas, mas a gente pode ajudar um asilo, ajudar umas crianças" e aí foi quando a gente foi também fazendo as ações sociais referentes a isso. Não deixando logo as atividades com elas de lado, mas a gente começou a inventar outras coisas pós-carnaval, teve ensaio fotográfico, a fotografia é uma forma de se ver bela; tudo bem, celular ajuda? Ajuda, mas uma foto profissional é outra coisa, a luz… É outra coisa. E ali nos ensaios a gente via que elas se sentiam bem, faziam postagens mais alegres… Então a gente tem que trabalhar esses dois lados: tanto o social, como sociedade, para mostrar que a gente existe… Tanto fazendo ação social com idoso, com criança, tudo; e para elas como mulher, até pela rotina que tem de filho, marido, acaba sendo um momento delas. Em 2019 a gente fez ensaio fotográfico, a gente fez um desfile de moda, a gente fez também um desfile em outubro rosa, trazendo essas e outras mulheres. Então para não ficar só carnaval; carnaval sempre vai ter, porque já caiu no gosto, mas tem outras coisas que eles podem fazer fora do carnaval e que a gente pode fazer também fora do carnaval.
P/1 - Como foi essa aproximação e a realização do primeiro desfile? Porque você me falou que foi na Tucuruvi que pela primeira vez saiu, foi como uma ala?
R - Quando eu fui conversar, como eles eram novos, eles tinham dado a proposta de ir no carro. Aí eu falei: “Tudo bem”, mas eu falei assim: “Tudo bem, cada menina pesa 100 quilos e dentro do carro, quanto pode pesar?”. Aí ele: "Aí não tem problema”, aí eu falei: “Tudo bem”. Eles pensando em dar mais visibilidade para o nosso trabalho, aí nos colocaram atrás da bateria. Então a gente tinha um carro, ajudou porque tinha um carro, e passou para a ala. Então a gente veio atrás da bateria e ela… (Pausa)
P/1 - Para você contar um pouco como foi essa história do Tucuruvi e eu queria aproveitar para já acrescentar: você contou uma história muito vinculada a Zona Leste, também a Vai-Vai no Centro, mas é um momento em que você tem uma aproximação com a Zona Norte?
R - Desde que assim… Eu falo que a Zona Leste, pelo menos para mim e pelas coisas que eu faço, sempre foi mais para dormir do que propriamente estar ali, até porque minhas amigas são da Zona Norte, meus amigos, a maioria que eu frequento, tudo da Zona Norte. Então tudo eu acabei… A primeira escola que fui calhar foi da Zona Norte, porque até então eu não tinha… Eu só montei a ideia, o projeto e falei: "Onde eu vou?”, como eu não tinha uma escola que eu tinha ido; eu pensei no Tatuapé, eu não tinha ninguém que pudesse me indicar e aí conversando com um amigo meu que na época era diretor da Império, falou assim: “Comentei da sua ideia para um cara amigo meu”. Eu falei: “Eu acabei de montar, não pensei em uma escola”. E ele adorou: “Ele quer conhecer você”. Terminei em uma semana, na outra já tinha essa reunião com esse cara, que é o Ricardinho. Aí fale : "Tá bom, vou lá conversar, porque não conheço ele, vou passar uma ideia”. Aí ele falou: "Só que ele está no Tucuruvi”, aí falei assim: “De Itaquera para o Tucuruvi… Mas tudo bem, vamos lá conversar”. Aí quando cheguei para conversar com ele, ele disse: "Só um minutinho”. Quando eu entrei na sala estava o presidente e o diretor geral da escola, aí não tinha com, já era uma reunião para fechar. Eu falei: “Será? E se eu não conseguisse outra escola?”. Ou era aquela, ou era aquela. E aí foi quando eu fiquei mais perto da Zona Norte, que aí eu fiquei lá no Tucuruvi. Então assim, tudo que tenho, meus amigos são de lá; eu falei: "Só não moro na Zona Norte ainda, mas é tudo para lá".
P/1 - E como foi esse processo de montar a aula e realizar um desfile? Você estava contando o processo inicialmente ia ser em um carro e aí começou a ter dúvidas se era a melhor ideia... Conta esse processo.
R - Quando fechou a ala, eu teria que ter trinta meninas, eu estava com um grupo já com vinte. Eu fechei lá no Tucuruvi e falei assim: "Tenho que apresentar essa novidade…” Não sei, a gente tem que colocar a cara para comunidade, porque a gente está chegando agora, para eles saberem o que a gente vai fazer, com a gente via contribuir, tudo. Aí a gente montou uma coreografia da Karol Conka para se apresentar no samba-enredo deles. E aí beleza, porque as pessoas tiveram alguns encontros e viram, mas não entendiam, quem eram as líderes, as chefes de ala, tudo, já sabiam que teria uma ala de passista lá, só que plus size. Só que a comunidade tem que saber, tem que falar para eles o que a gente vai fazer. Então a gente fez uma apresentação lá com a Karol Conka e essa apresentação bombou de visualizações no YouTube. Hoje não sei quanto que está, mas em uma semana a gente conseguiu quinhentas mil visualizações. E aí a gente se apresentou para escola e começaram os ensaios e aí teve a apresentação, aí tinha que pensar em figurino, porque querendo ou não, a gente tem que ter bom senso. A gente gosta de mostrar, mas aí eu falei que a única parte que eu vejo que elas não gostam muito, é mostrar a barriga como completo. Então a gente fazia uns vestidos mais curtos, onde mostrava mais a perna e o colo, que a gente utilizava mais. Então tem esse processo de fazer roupa, de pensar nas roupas que tinha apresentação com a escola, tanto que o carnavalesco desenhou uma roupa e eu falei: “Legal, mas posso colocar um top?”, porque ele colocou uma blusa muito quente. Eu falei: “Muito quente” e a gente sente calor. E aí ele falou: "Vocês gostam de top?”, eu falei: “Sim, porque não”. Então ele falou: “Ah, então pode por um top”. Só que nesse ano de 2018, a Tucuruvi no começo de janeiro, pegou fogo no ateliê, aí foi tudo embora e aí em quinze dias a gente montou o vestido, arrumamos uma costureira e a gente acabou desfilando sem ser pontuada, mas aí a gente fez um vestido com o que tinha sobrado, com tecido que a escola tinha em outro barracão e a gente acabou desfilando com o vestido. Foi até mais solto, que a maioria delas era a primeira vez de carnaval, tinha uma delas que nunca tinha visto uma bateria pessoalmente, só pela televisão; que na época até chorou por conta disso. E lá no Tucuruvi a gente também foi na Record, que tinha uma das meninas que foi escolhida para participar da Casa na Record, e esse dia da Record foi tão engraçado porque eu conheça algumas delas, mas não sabia a história, e aí a Record entrou em contato com a escola e falou que queria fazer um quadro com a gente, só que não tinha ideia do quadro, do que seria feito. Pegou e falou assim: "Pediu para escreverem a história delas”. Elas escreveram, mandaram por e-mail e eu falei: “Mas eu não vou ler”, fui e entreguei. Aí o rapaz falou assim: “Essa daqui foi escolhida” e aí fui entender a história dela: essa daí, que quando ela engordou que acabou esfriando o casamento, ela estava um ano pagando um quarto novo porque tinha pegado fogo e aí estava endividada por conta disso. E ela era a mais tímida do grupo e aí a Record chamou a gente para ir lá. Ficamos uma semana ensaiando e o desafio dela era dançar o Thriller do Michael, só que era a mais tímida. Quando fomos fazer a gravação para falar, foi no Museu do Ipiranga, nossa a voz nem saia, porque era muito tímida. Ela estava ali para se desafiar. Falou: "Não, vou desfilar e tudo”, mas ela estava se desafiando, a gente estava incentivando tudo ela por ser a mais tímida, foi a escolhida. E então a gente participou da Record para ajudar ela, ganhou quatro mil reais, tiveram vários sites que tiraram foto nossa, falando da ala, da ideia do projeto, das meninas gordas. Então a gente teve muita mídia nesse primeiro ano, porque querendo ou não, foi um impacto ter trinta mulheres gordas. Então aproveitamos bastante essa fase lá no Tucuruvi, de mídia, essas coisas. A Mariana Xavier também foi madrinha da ala nesse ano, foi lá receber a faixa… Foi bem legal.
P/1 - Eu vou em seguida perguntar, passado esse efeito de novidade que aí seguiram os anos seguintes, 2019, 2020; mas pareceu que um momento que foi muito marcante foi esse momento de o grupo se constituiu, a escola comprou a ideia de ter uma ala, mas a ala precisava se apresentar para a comunidade, em um ensaio. Você se lembra como foi esse dia? Você junto com as outras meninas do grupo, como foi esse momento de vocês se apresentarem no ensaio para comunidade?
R - Foi tenso. Tenso no sentido de eu estar intensa. Nesse dia eu tive um amigo meu que morava lá perto e a casa dele era relativamente grande e falei pra elas: "Vêm para cá. A gente se troca aqui, faz maquiagem”. Umas moravam perto, umas nem tanto, as que moravam mais longe resolveram… Toparam ir lá. Então quem foi se maquiar e tudo, a gente conseguiu ainda dar aquela relaxada; eu sou do carnaval, então para mim tem o frio na barriga? Tem, mas eu consigo controlar mais a ansiedade e muitas delas não, é a primeira apresentação. A gente ensaiou várias vezes para aquele momento, aí chega, às mãos delas suavam. Ai para ter mais emoção, elas foram primeiro e eu cheguei por último; então elas estavam assim, toda hora mandava mensagem: “Você não está vindo?”, e eu: “Estou chegando”. Quando eu cheguei, elas deram uma respirada, mas estava todo mundo assim, andando: “Porque vocês estão vestidas assim?”, o que nós vamos fazer? E essa proposta de apresentar foi bem no meio; fizeram a apresentação do casal, e eu falei: “Faz a abertura normal e aí faz a pausa”. Eu pedi essa pausa para se apresentarem, até porque o menino queria cantar junto com a bateria, só que eu falei: “A música não dá. A ala musical não vai saber cantar, não vai casar”. Ele: "Não, tenho que desligar o microfone”, eu falei: “Vai ter que desligar o microfone, porque vai ter que ser no som”. "Então tá bom”. Aí foi quando eles fizeram a presença mesmo: “Agora a gente vai apresentar uma nova ala da comunidade”, e o intérprete que era na época era o Alex Soares, super simpático, conseguiu conduzir essa abertura super tranquilo. Assim, deu certo, nós não tivemos muito espaço para dançar em si, mas deu certo. Mas elas choraram. Como eu dancei junto com elas, então eu não vi muita coisa, mas teve uma aqui que ficou tão nervosa que ela não fez toda coreografia, que ela acabou se escondendo em um cantinho e não participando, porque a gente dançou com a Karol Conka e depois ia dançar Miudinho. Teve a outra que a sandália quebrou, mas ela conseguiu ainda manter o salto, foi tudo um misto de alguns percursos, com realização de conseguir se apresentar. Assim, bem legal, o pessoal curtiu para caramba.
P/1 - E aí no momento da avenida propriamente, como foi?
R - A gente ficou lá no Holiday Inn, consegui colocar dez meninas lá e aquela agitação, maquiagem, “Ai meu deus, será que vai dar certo?”, aí é o salto para a pessoa. Assim, o momento mesmo que elas caíram a ficha foi quando a gente montou a escola lá, antes de túnel, a gente acabou ficando. Então quando montou ali que elas: “Opa, agora é serio”, chegou o grande dia. Aí teve umas que choraram, outras olhando os carros alegóricos das outras escolas, porque nunca tinha me visto, mas antes disso a gente tinha feito uma preparação também. Fora a emoção de estarmos na avenida, teve uma preparação, eu levei elas para Anhembi ensaiar a questão de posicionamento, para já entraram no clima. Que nem eu falei que por mais que a gente é ala, a gente trabalha também essa parte, a gente conversou muito questão de alinhamento, questão de regulamento, explicar, mostrar onde são as cabines que os jurados vão estar olhando, lógico, a gente tem que ser perfeito do começo ao fim, mas tem aquelas mais específicas. Então antes do dia a gente vai preparando, até porque tem o ensaio técnico. Então para aquelas que já estavam com medo, foi antes de vir para o ensaio técnico, a gente vem antes, fomos com o ensaio da bateria, levamos as meninas, no ensaio de outra escola para elas verem, sentirem, entenderem. Então teve uma preparação antes, mas elas ficam bastante ansiosas, foi um dia bastante agitado, uma semana muito agitada, até porque foi na semana do carnaval e dá tudo, dor de barriga, febre, você fica doente; a única coisa que você não pode fazer é esforço e quebrar o pé, senão você não desfila, de resto vai dar tudo. Vai dar febre, você vai ficar doente… Tudo vai acontecer na semana do carnaval. Porque já vi uma amiga minha chegar no Holiday Inn, três horas da tarde ter febrão de quarenta, e chega na hora de desfilar febrão sai, então tudo acontece. Então é uma semana que você tenta relaxar, que vai dar tudo certo.
P/1 - E Aldria, depois do efeito novidade do primeiro desfile, como foi a aceitação, esse processo do Plus Samba? E você falou que os desfiles podem acontecer de novo em outras escolas depois, como foi esse crescimento, desenvolvimento desse projeto?
R - Depois passado o carnaval, em 2019, 2020, começamos a pensar em outras vertentes não só carnaval, foi onde agregou mais mulheres para o projeto em si e foi quando a gente começou a fazer a nossa primeira ação social que a gente fez a festa de dia das crianças e foi quando surgiu o Plus Samba Sul, em uma conversa formal desses heads sociais. Conheci a Rosana, que ela também era coordenadora de ala de passista lá no Rio Grande do Sul e ela queria saber o que poderia fazer para motivar as meninas durante o ano inteiro, porque às vezes acaba o carnaval e aí dispersa, não tem mais assunto, conteúdo, acaba não tendo mais esse contato. E aí a gente pegou amizade e acabamos conversando. Falei da ideia do Plus, tudo e aí foi quando ela abraçou a ideia de levar essa proposta para o Rio Grande do Sul. Aqui, depois que acabou o carnaval, sempre dá uma pausa. “Vou ficar um mês sem a gente se falar. Vamos dar um respiro, vamos, sei lá”, mas aí a gente tinha… Outra faz um trabalho, aí divulga, aí foi bem mais tranquilinho. Mas sempre se mantinham em contato. E aí o que acontece, em uma conversa que o meu amigo falou: “Você devia patentear", eu falei assim: “Mas ser só minha a ala plus? Eu acho que não. O carnaval é maior, é muito grande, acho que todas as escolas poderiam ter. Eu acho que não vou patentear não. Mas o que dá para ser feito é trabalhar cada comunidade nesse processo”. Assim como eu trouxe no Tucuruvi, tiveram meninas da comunidade que aderiram, então ali já criou uma sementinha, a gente pode ir em outra e pegar mulheres que estão lá. Às vezes a escola tem tantos processos, tantas coisas para lidar, que apenas um detalhezinho acaba passando batido. Se a gente for lá fazer essa parte com eles, é uma escola a mais que vai ter um processo a mais de plus. E aí se outras se interessar, assim vai ficar… O ideal é que todas tenham e tá tudo certo, separadas ou juntas, que elas deem oportunidades para suas mulheres, que elas olhem para elas. Essa é a proposta que a gente tem. E aí que surgiu a oportunidade de ir para o Camisa Verde, de fazer esse trabalho lá. O Camisa Verde também é uma escola super tradicional, está há muitos anos no acesso, estava de diretoria nova, então era uma possibilidade também de trazer uma motivação, algo diferente dentro daquela escola naquele momento. Então lá também foi uma ala, lá foram trinta meninas; de trinta a quarenta. E a diferença é que assim, já tinham meninas que já eram do samba e tinham mulheres que já eram da comunidade, que lá atrás, em 2012, quando teve uma musa de bateria plus size, já queriam essa oportunidade e não tiveram. Então ali já existia uma vontade, mas não tinha alguém para concretizar e a gente foi lá e executou esse trabalho. Lá, o diferencial da primeira é que já são do carnaval, então a maioria foi o que mais facilitou. Tinham umas que não eram do carnaval, mas o trabalho foi mais fácil nesse sentido delas já serem do carnaval. Lá também fizemos uma apresentação para nossa comunidade que teria uma ala de passista. Todas elas, tanto no Tucuruvi, quanto as… São mulheres muito participativas, elas gostam de ir, de estar lá, gostam do ambiente. Então o que faz, muitas vezes… Que nem lá, o pessoal abraçou muito por conta disso, porque estavam sentindo falta de estarmos juntas, estamos unidas em prol do Camisa. Foi um diferencial dentro da escola, pessoal elogia muito, a gente conseguia fazer uma festa onde trouxemos outras mulheres plus. Tem no Rio de Janeiro também, Plus Samba RJ, a gente conseguiu trazer as meninas, então fazer meio que esse intercâmbio com esse mundo plus size. Nesse mesmo ano, o carnavalesco, que é o Flávio Campello, que estava comigo junto no Tucuruvi, foi para a Império de Casa Verde e lá eles colocaram um também, mais um time de meninas. Então em 2019, a gente teve três alas plus dentro do carnaval. Então pra gente que começou com uma insegura, para mim é ótimo, eu acho muito legal essa oportunidade que estão dando. E que continuem dando. Em 2019, a gente desfilou no domingo; foram em torno de trinta, quanrenta meninas. Também foi com a fantasia que o carnavalesco falou assim: “Nossa não sabia que vocês gostavam de mostrar a perna, para mim tinha que cobrir tudo”, eu falei: "Não, pode descobrir”. (risos) Aí ele: “Bom saber”. Eu falei: “É algo novo para vocês também”. Eu gosto de participar do processo da fantasia por conta disso, porque é algo que eles não estão acostumados, eles sabem que a passista gosta de biquíni. Eles não tem isso, né? Então ele falou: “Foi super interessante trabalhar com esse tipo de público porque, para mim, eu achei que vocês queriam uma burca”. Eu falei: "Não, o contrário, a gente quer mostrar mesmo”. A fantasia foi linda, foi bem legal, um carnaval bem divertido, em 2019. E aí para 2020 eu fui para uma Mocidade Unida da Mooca, aí já fui cair para Zona Leste e lá também é uma escola de acesso, só que uma escola nova em relação de grupo de acesso, acesso um; uma escola que veio de 2017 para 2019 muito rápido para o grupo de acesso, então uma escola que está em ascensão, por mais que ela tenha bastantes anos de vida. E lá a gente chegou com outra proposta, meu amigo me indicou aí eu falei: "Não, eu acho que a gente já está conseguindo ala. A gente podia ter destaque de chão, porque é algo que não tem. Fica um setor a mais para as escolas se atentarem, porque não tem uma gorda”. Aí ele falou: “Tudo bem“. O carnaval estava começando. Aí ele falou: “Tudo bem, você vem…”, aí falei: "Mas só quatro? Minha intenção era…”. Aí ele falou: "Não, traz pelo menos umas quinze, vinte e quando a gente desenrolar o carnaval, a gente encaixa elas em algum momento”. Aí falei: “Tudo bem”. Aí consegui reunir essas meninas, que a gente sempre faz as chamadas nas nossas redes sociais, porque quer participar e tudo. Aí reuni essas meninas, tirando as musas não tinham ainda um lugar certo para elas irem, aí desenvolveram o carnaval, que foi sobre Abdias do Nascimento e teve um carro que era da favela e quando a ______ também é meu amigo, ali falou: “Vou por as meninas lá, elas vão vir com as mulheres da comunidade”, falei: “Por mim perfeito”, porque quando os outros pensam em uma piriguete, não vão pensar em uma piriguete gorda, vão pensar em um piriguete com uma roupa de funk, vai pensar o que, toda torneada, com tanquinho. Esse contraste, é isso que eu quero trazer. Então elas vão vir como mulheres da comunidade, a gente montou uns looks que a gente vê na comunidade, só que em outra representatividade. Elas concordaram, adoraram, eu falei: “Então beleza”. Foi também um divisor por conta disso, da gente trazer essa questão do destaque de chão ser gorda e ter um contexto, elas vieram na frente como gorda e no carro todas gordas. Então não ficou algo isolado, então quem via, via que tinha as plus lá. Então foi para gente, como projeto, foi um ganho super legal, por conta disso. É uma novidade trazer destaque no chão. E para 2020, a gente não sabe. Em 2021, 2022...
P/1 - Pois é. A gente vai tratar já desse… Do que isso vai ser, o que pode vir a ser. Mas eu queria perguntar o que começou como um projeto a princípio ali, de inclusão, dentro das escolas de samba, se constituiu em um projeto social com outras finalidades, para engajar e empoderar essas mulheres para outras atividades, para outros lugares para além do carnaval e é aí, talvez, pensando em fazer uma ponte; como a gente te conhece, que foi pelo meio do relato do “1000 Mulheres”, como foi essa experiência, você como, podemos considerar uma empreendedora social que desenvolve um projeto; como foi participar desse projeto “1000 Mulheres” que tinha foco ali na Zona Norte? Você tendo essa experiência com o grupo de mulheres e na escola no Tucuruvi, como foi essa experiência?
R - No projeto… Eu sempre gostei de fazer cursos, até porque, por mais que não é algo com fins lucrativos, que fora isso eu tenho meu trabalho, a gente tem que arrumar formas de ter gente para poder ajudar, ou de eu arrumar algo financeiro, tanto para ajudar no carnaval, ou nessas ações sociais, então eu sempre busco essas iniciativas. E aí foi bem interessante que quando as meninas se apresentaram: “Ah, eu vendo doce”, a outra: “Eu faço artesanato”, a outra “Eu trabalho com maquiagem”. aí eu falei: “Eu trabalho como o que?” (risos). Aí quando a gente fala que trabalha com mulheres gordas, elas ficam assim: “Nossa, que diferente”. Adriana, que foi a mentora do curso, maravilhosa. Deu várias dicas de como a gente pode desenvolver um pouco mais a questão do projeto em si, para conseguir apoio. Ela me ajudou bastante nesse sentido, até porque 2019 foi, não tanto o carnaval, mas foi a época que a gente deu um passo a mais, que a gente teve um pouco mais de trabalho, que fizemos uma ação social de páscoa, a gente fez o Dia das crianças, e a gente produziu um desfile de moda; que vejo também que assim, quando você modelo plus size, você não vê representatividade negra, são poucas, mulheres negras plus size. Eles pegam mulheres… Têm um padrão também, dentro desse plus, também tem um padrão. Eu vejo que elas gostam, são vaidosas, vai chegando o carnaval, elas vão ficando mais vaidosas; que elas são estilosas, gostam de roupas boas. E por que não dar oportunidade de … Não vou ser uma formadora de modelos, mas de dar essa oportunidade, ou de abertura? Tem uma agência que eu desfilei para eles, um rapaz que é assistente lá gostou da ideia e falou: “Se você quiser a gente planeja aula de passarela e a gente executa esse desfile - que eu fiz que foi outubro rosa - para você”. Então foi ali mais uma ação, mais uma oficina para eles. Então tinham muitas que não tinham desfilado e aquela oportunidade de ter aula de passarela, de dicas, de onde olhar, posição de perna e participar inteiramente do desfile. Então foi uma oficina que a gente já fez um planejamento e foi quando eu fiz o curso; e aí foi quando abriu um pouco mais a mente, para que possamos fazer outras oficinas. Lógico, a gente acaba afetando mais as mulheres gordas, mas vai chegar um momento que vamos fazer para todo mundo, independente se é gorda ou não. Mas o primeiro passo, sim, é acolher essas mulheres. Então lá no meu curso veio mais ideias de criar oficinas de passarela, aí tem os shoppings para tirar foto, dependendo da posição que você faz, qual o seu ângulo. Tem oficina de maquiagem. Esse ano a gente fez três anos e aí fizemos lá, então nas nossas lives surgiram também outros bate-papos, outras pessoas que estamos planejando para colocar em prática assim que tudo acabar (risos).
P/1 - Para você, olhando para toda essa experiência, o que é ser uma mulher empreendedora?
R - Acho que para ser empreendedora você tem primeiro ter oportunidades. Às vezes eu acho que as pessoas acham que eu tenho sangue empreendedor, mas eu ainda não sei, eu sou insegura, ou ainda não descobri esse meu lado, mas eu tenho todas as vertentes de uma empreendedora. Acredito que você oportunidades de um negócio, por exemplo, que você vê ao seu redor que falta, eu acho que é ser um empreendedor. Eu acho que você tem percepção do que falta ao seu redor, não precisa ser muito longe. No meu caso, eu senti uma necessidade no carnaval de colocar uma mulher gorda ali e dali traçar os projetos, ideias, trazer inovações. Acho que ser empreendedor é isso: você ter percepção de ver oportunidades ao seu redor.
P/1 - Vendo a sua trajetória com alguém que percebeu uma oportunidade, que viu ali uma ausência de representatividade e você com essa história de ligação, que é ancestral, o samba, o carnaval; o que representa, para você, ver esse projeto, agora está no seu terceiro ano de existência, ele crescer para além do carnaval… O que representa o Plus Samba e construir essa representatividade que você, por muito tempo, não identificava, não via nesse lugar no qual você estava tão envolvida?
R - Eu falo que é um bebezinho que a gente está criando. A gente tem três anos hoje, mas na minha mente, que isso cresça, evolua e que eu consiga ter dedicação total a isso, que eu posso criar… Não digo uma sociedade melhor, mas que possamos brotar, tanto isso nas crianças, com quem tenho projetos futuros; para pegar as crianças também, trazer a base através da educação, porque querendo ou não, muitos relatam que desde a infância sofrem com isso, com os bullyings, por ser gorda; então acho que a gente dar educação ali naquela fase dos sete aos oito anos é importante, e que seja uma referência que as pessoas se sintam representadas, que vejam uma oportunidade de ser uma pessoa melhor, independente de ser gordo, magro, alto ou baixo. Eu acho que é isso.
P/1 - Eu queria te perguntar, qual seu sentimento vendo um projeto como esse se concretizar? E você ver, por exemplo, o que você narrou do último desfile, um grupo de mulheres ali como destaque de chão, outras em um lugar que normalmente seria ocupado por mulheres mais magras, ali em lugares de destaque. Qual seu sentimento vendo isso e participando dessa construção?
R - O sentimento é só de gratidão. Não sei se estava no meu destino ter essa oportunidade de fazer esse trabalho, eu sempre gostei de trabalho social, as nunca fui intensamente ligada a isso, então se depois de tantos anos sem me ver representando e dando oportunidade pessoal; eu vejo que é um sentimento, sei lá, de gratidão, de felicidade, de tudo, é um misto (risos). De ver que mudou como pessoa também, de ver as histórias que a gente consegue ser uma pessoa melhor, passar sentimento bom para as outras. Sempre fui acolhida. Falam que sou muito amor, às vezes é bom ou não, às vezes não; mas acho que tenho muito amor, então acho que por isso que eu faço esse trabalho, eu tenho que dividir, não posso guardar só para mim.
P/1 - E nessa sua trajetória no Plus Samba, qual você considera que é um momento, a experiência que foi mais marcante?
R - Acredito que mais marcante… Foram várias. As mais marcantes foram quando a gente fez o desfile de moda, acho que ali, como foi eu que produzi, eu que tive toda a ideia de fazer e trazer mulheres, que algumas já tinha desfilado, mas pensando naquelas que não tinham vivido essa experiência, foi muito interessante, porque elas se sentiram no Fashion Week, nesses grandes desfiles tradicionais; que foram três estilistas. Então veio a felicidade delas de ter uma maquiagem bacana, da estilista colocando uma roupa nelas que ia ajustando… Elas se sentiram uma celebridade. Então acho que esse gostinho de bastidores, que você só vê na televisão e transportar na sua vida, por mais simples que seja nossa ação, acho que são os momentos mais marcantes, quando elas conseguem se envolver em algo que elas jamais pensaram em fazer. Por exemplo, esses ensaios fotográficos que temos de carnaval que é específico e afro. Quando fizemos o primeiro, que foi na Paulista, parou a Paulista. Muita gente querendo tirar foto, pessoas filmando, achamos uma filmagem no YouTube, não sei nem quem estava filmando, estávamos só fotografando. E outra, se fotografar em um estúdio é uma coisa; você em uma rua fechada ao domingo é outra, está todo mundo te olhando, encara e vai. Então quando as pessoas encaram novos desafios, eu acho que isso é mais gratificante e que faz meu cérebro mexer mais, trazer situações que elas jamais pensaram em passar. Que querendo ou não, um casting hoje tem lugares que você tem todo um padrão de plus: 46 com busto X, quadril X. Então se não estiver naquilo você não participa. Então fiz algo que o fator é você ser manequim acima de 46, porque os estilistas vestem isso, só isso. Se o seu quadril… As medidas não importavam. Alguns castings, de repente, tem isso também, ainda mais que você é plus que você vai sair das suas medidas, tem quadril 124, tem que manter, você não pode engordar nem emagrecer. então já tem uma regra, é criar ações sem regras para elas.
P/1 - E Aldria, para gente entrar nesse momento que estamos vivendo, eu queria que você falasse como a pandemia tem impactado, impactou a sua vida.
R - Em relação ao projeto a gente tinha bastante coisa, aulas, passarela que tínhamos programado pós-carnaval, aulas de samba no pé também. Isso impactou no sentido de não ter o contato, mas a gente faz reuniões online, conversamos, mas a gente é muito mais presencial. Participei de um bate-papo, eu falei que a gente tem muito contato e não ter esse contato, muitas não interagem online; ainda sou daquelas que o online ainda não atrai muito. Então, por enquanto, gente faz encontros virtuais, mas queremos sim trazer essa aula, pelo menos as de foto, que acho que dá para interagir, elas fazendo as atividades com dicas para foto. Mas o impacto com as atividades com elas mesmo, presenciais, foi maior o impacto.
P/1 - E para além desse impacto no projeto, nessa relação que você tem com o grupo de mulheres envolvidas na sua vida, qual foi o impacto, ou qual tem sido esse impacto?
R - Nos três primeiros meses, foram meados de março, que falou assim: “Fecha tudo”, eu falei: "Meu deus”, tive três meses de altos e baixos. A gente pensando o que vai ser o amanhã, eu acho que já peguei Covid várias vezes, por mais que ficamos em casa, porque a cabeça vai a mil. Impactou financeiramente e psicologicamente. Acho que o mês de abril ficou tudo muito estranho, tudo muito incerto e aí tive que respirar e aí quando o projeto fez três anos, que falei assim: "Tenho que fazer uma postagem”, aí eu fiz uma análise de três anos atrás; aí quando eu coloquei minha mente para trabalhar, porque a mente trabalhei meio voando. AÍ falei: “Vou fazer as lives. Vou bater um papo”, aí chama um, chama o outro e fiquei três meses fazendo live. Nos dois primeiros meses fiz sozinha e aí depois as meninas, tive duas que falaram assim: “Eu consigo entrevistar”, porque é diferente você entrevistar e ser entrevistado. Aí elas: “Eu consigo”, "Então tudo bem”. Aí começaram a tocar sozinhas as entrevistas e dei um tempo, e aí que foi relaxando um pouco mais a mente, conhecendo a fundo. Umas trouxeram os trabalhos que elas fazem, tem empreendedora também que às vezes ajuda a gente com ação social, impacto que teve no trabalho dela. Então tivemos vários assuntos diversos, então acho que essas lives foram importantes para dar uma abaixada na adrenalina. Aí voltei a trabalhar em julho, que foi quando o shopping voltou e estou até hoje, graças a Deus, trabalhando. (Pausa)
P/1 - Eu queria te perguntar, como é o seu dia-a-dia, Aldria?
R - Hoje, com essa questão da redução, trabalhamos quatro horas por dia, mas isso vai alterando cada dia. De segunda-feira eu comecei um curso que é Mulheres com Propósito, que é de uma função junto com a Pepsi; aí segunda de manhã faço esse curso e se eu trabalho, entro a uma, eu vou para o trabalho e aí fico até às cinco e a noite vou para casa. Aí é onde vou nas redes sociais, vou escrevendo um pouco mais. Agora começamos as atividades para arrecadação de produtos de higiene, de brinquedos para o dia das crianças, desde o mês passado a gente está ansioso. E aí o tempo que sobra entre o trabalho e esse curso, eu vou atrás das atividades do projeto que no caso agora é foco é a festa das crianças. A festa não, né? Eu faço festa e esse ano com a pandemia, a gente vai fazer um drive thru, então a criança passa e a gente entrega a escolinha e estamos agora nessa sacolinha. E estamos aí nessa correria. Mas também queria caminhar, queria fazer umas caminhadas, mas por enquanto ainda não está no roteiro, vai entrar.
P/1 - E o que você gosta de fazer, talvez não considerando agora esse momento em que estamos, mas o que você gosta de fazer normalmente nos seus momentos de lazer?
R - Eu namoro, além de passar com o namorado, eu gosto de muito ir à casa de amigos, de fazer almoço, eu tenho, graças a Deus, um grupo bem animado, então a gente… Uma vez por mês encontro na casa de um amigo, até porque trabalho de final de semana, então domingo sim, domingo não, e sempre fazíamos esses encontros; sinto muita falta de dar risada, momento de distração. E como tinha e tem que dar uma saída, ia em um pagode, ia jantar, no cinema.
P/1 - Hoje não sei qual é a sua ligação com o carnaval, mas como você vê o carnaval nesse contexto que estamos, de pandemia. Acho que é um cenário bem real, que talvez não tenha o carnaval ano que vem, ou se acontecer em outra época do ano, que seria algo muito inusitado; mas queria que você falasse como você percebe ou conhece desse universo, como que essa pandemia impacta no carnaval, e no carnaval de São Paulo?
R - Na verdade, quando acaba um carnaval já tem projeção para o próximo. Então impacta muito em questão de profissionais que dependem do carnaval, das escolas conseguirem recursos para manter esses custos que são esses funcionários, porque tem pessoas dentro do carnaval que são funcionários CLT, de tudo direitinho. Então você manter um funcionário que não tem essa receita que durante o período do ano que você faz um evento, faz uma feijoada, acaba suprindo e você se vê sem nada, é muito complicado. Então, lógico, tem diferenças de aglomerações, acredito que nesse momento as pessoas que são ligadas a time tem um pouco mais de recurso para manter esses funcionários, ou até mesmo o seu carnaval diferente de outras. Mas referente ao carnaval, para mim, tem que ser no dia do carnaval, fevereiro, março, porque passou disso, eu acho que eu, não sei, perder a liga, porque você já se prepara para o carnaval e o feriado não vai mudar. O que não vai ter, vai ser os desfiles, mas ele vai existir, então para mim é aquele momento, ou em fevereiro ou em março. Carnaval fora de época é legal? É legal quando se tem o carnaval, como a gente teve em 2020, por exemplo. Se a gente tivesse agora em agosto, se não tivesse pandemia, por exemplo, ia ser legal um carnaval fora de época, que é algo que já aconteceu. Agora, 2021 não aconteceu. Então mudar… Acho que não vai dar muito certo. Eu continuo na Mocidade Unida da Mooca, ali eles preferem não mexer no carnaval, lançam um enredo, Aruanda é o nome do enredo, mas só. A parte que não tem muvuca é a criação do carnavalesco, então ela vai fazer os carros, as fantasias, essa parte ele pode deixar ok, o que não dá pra fazer são os pilotos; o samba-enredo, eventualmente, pode fazer. Então o que dá pra fazer sem acomodação é ok, fora isso, a gente realmente está parado esperando uma decisão concreta. Tem algumas teclas que já estão se mexendo, já escolheram enredo, mas tipo assim, barracão parado. É difícil. Eu acredito que quem depende do carnaval, depende muito da sociedade para ajudar também por conta disso. Quem vive de eventos também está com uma dificuldade igual. Mas para mim, não tem. Por mim, se fosse por votação, não teria fora de época; não digo nem por tempo de preparar o carnaval, porque se você se dedicar você faz, em seis meses você entrega. Até porque você faz um mutirão, quem é folião, quem é sambista de verdade vai amar ajudar; então duas horas que todo mundo pensa vai, mil pessoas que desfilam, se cada uma doar duas horas para ajudar, sai o carnaval em seis meses. Então acho que o tempo não interfere tanto, eu digo mais as condições do carnaval. Se não dá para ter em fevereiro, para mim não tem em março, nem em junho.
P/1 - Para gente ir para uma fase final, que é de avaliação, eu quero que você fale quais foram os maiores aprendizados que você tirou da sua trajetória como uma mulher empreendedora?
R - Deixa eu entender, que deu uma falhada. Repete por favor, que deu uma falhada.
P/1 - Eu queria que você dissesse quais foram os maiores aprendizados que você tirou da sua trajetória como empreendedora.
R - A maior lição que eu aprendi foi, se você tem um sonho, tem um negócio, você tem que se aperfeiçoar e você correr atrás daquele objetivo, sem depender de terceiros, que é algo seu, então temos que nos dedicar a ele. Se tiver uma terceira pessoa para auxiliar, ok, mas caso contrário, tem que se aperfeiçoar, estudar e focar naquilo que você fez, que você trabalha e busca, networking, fazer contato com outras pessoas, conhecer outras histórias. Acredito que quando você faz contatos, você tá buscando algo diferente do que aquela pessoa via trazendo para você, quanto mais você conversa sobre o assunto, você colhe, de repente, uma dica que aconteceu com ela: “Puta, que legal, ela fez algo diferente no Instagram e deu certo, pode servir para você”. Então acho que além de você se dedicar, depender de si mesmo, porque quando você é empreendedor depende de você, se você não fizer ninguém vai fazer, então você tem que focar em você e ter essas relações de networking. Acho que essa troca de experiências com outras empreendedoras também é super válida.
P/1 - E que valores pessoais definem sua trajetória de empreendedora?
R - Valores pessoais, acho que determinação, persistência, perseverança. Acho que tem que ser uma pessoa positiva sempre, tanto nos negócios, quanto na vida pessoal de certo.
P/1 - E Aldria, o que a Zona Norte representa na sua vida? Ainda que não seja o bairro que você passou a maior parte da vida, mas o que essa região representa?
R - Eu vejo a Zona Norte como um bairro de oportunidades, tanto que você vê pelas escolas de samba, a maioria são da Zona Norte, vejo que quem mora na região são bem acolhedores, acho que o entorno são pessoas que acolhem aquela ideia. Eu tenho um bloco também, um bloco carnavalesco, de rua; então esses dois desfiles que fiz na Zona Norte tiveram uma aceitação muito boa, por mais que eu não seja do bairro, mas como se eu já fosse de lá; então sinto que a Zona Norte é um lugar de oportunidades.
P/1 - E qual é o nome do bloco? Como foram esses desfiles?
R - É o Plus Samba.
P/1 - Ah, é o próprio bloco do samba. E como é essa experiência diferente do carnaval, mas do bloco de rua, do carnaval de rua?
R - A ideia do bloco surgiu depois, em 2019 também. Por quê? Essa parte das mulheres quererem estar lá participando da escola de samba, mas não tendo coragem. Como no bloco de rua não tem regra, você pode se vestir do jeito que você quiser e curtir o carnaval, eu acho que é uma forma dali ela sentir encorajada para se jogar na escola de samba, porque ali não tem regra, ninguém está te julgando; você vai para curtir, tomar uma cerveja, curtir um samba. E ali você vai começar e tomar um gosto: você foi um ano, vai ver um monte de gorda, aí no segundo você vai de novo, aí no terceiro você já se joga. Como a gente começou dentro de uma escola de samba que poderia ser o fim, a gente faz um novo começo, então vem do bloco onde desperta ali a sua vontade de estar no carnaval, no caso de escola de samba, através de bloco de rua. Então o bloco veio para isso e também para, sei lá, como eu falei, já tem outras escolas com projeto plus. Nada mais gostoso do que fazer uma confraternização, independente da escola que você for desfilar, então lá seria mais um encontro para a gente extravasar, conversar e curtir um samba.
P/1 - Então o bloco de alguma maneira acabou sendo também um momento de reunião. Como esse processo foi crescendo para além do samba, mulheres de diferentes grupos ali que se reúnem no bloco.
R - Sim, essa é a ideia do bloco.
P/1 - Que legal. E Aldria, quais são seus sonhos hoje?
R - Meus sonhos hoje, até cinco anos, ter uma estabilidade, a questão da associação, a questão que a gente e vai montar a Associação Plus Samba e que a gente consiga se estabilizar; eu conseguir focar nesse projeto, nessa associação, que consiga desenvolver as atividades dentro dela e que eu consiga me dedicar 100%. Então eu acho que em cinco anos a minha meta pra eu sair do CLT e me dedicar 100% ao projeto. E fora os básicos, que eu preciso aprender a dirigir depois de tantos anos e comprar um carro. Nunca tive essa necessidade, nunca senti vontade de dirigir, nunca foi: “Vou aprender a dirigir”, mas está se tornando uma necessidade pessoal, até porque moramos só eu e minha mãe; minha mãe já está achando nos sententa, então a mobilidade é mais rápida. Então esse é o curto prazo.
P/1 - E você falou que sua mãe já está se aproximando dos setenta anos. Hoje vocês vão juntas para acompanhar, sejam ensaios, ou desfiles de carnaval?
R - Então, carnaval ela continua na arquibancada; eu, por conta dessa correria parei de ir desde que entrei no Vai-Vai,em 2006, então não fui mais pra arquibancada; mas ela continua firme e forte. Em janeiro começa… Como ela é aposentada, ela paga meia, então janeiro já começa o desespero: “Quando vai abrir a bilheteria?”, para comprar o dela. Ela continua na arquibancada, mas me ajuda em tudo. Em casa é a sede, então tudo que acontece de doação é tudo lá em casa. Então ela também faz parte de um todo, do projeto. Mas carnaval está firme e forte, larga não (risos).
P/1 - E Aldria, o que você achou dessa proposta de mulheres empreendedoras serem convidadas para contarem sua história de vida em um projeto de memória?
R - Eu achei maravilhoso, até assim, eu fui e posso me inscrever, mas falei assim: "Não sou uma empreendedora de rentabilidade”, até quando apareceu o convite, eu expliquei, mas o moço: “Sua história é linda, não tem problema”, eu falei: "Tá, tudo bem”. Mas acho maravilhoso essa ideia, eu acho que quanto mais anonimatos aparecerem, melhor. Conhece outras histórias, tanto para quem está aqui sentado, para mostrar o seu trabalho e acredito que para vocês também, conhecerem pessoas do anonimato é muito bom. Fiquei muito feliz.
P/1 - No seu caso você não é tão anônima, né? (risos)
R - É, um pouquinho. (risos)
P/1 - Eu queria te perguntar se por acaso tem alguma coisa que a gente não perguntou e você gostaria de acrescentar e gostaria de falar, que a gente não falou durante a entrevista?
R - É igual você falou: "Não é tão anonimato assim”. Eu tenho situações, que nem, eu estar sentada aqui hoje, eu represento as meninas, mas eu sinto falta de ter outras representatividades, eu estou aqui contando o meu trabalho, mas eu falo para elas: “Vocês podem. Se interessem mais”. Eu posso, por exemplo, se não pudesse vir, mandar uma delas. Eu sou muito dos bastidores, do que estar frente a frente; mas já me adaptei, até porque eu fiz uma entrevista para a Prudence e foi em uma mansão, tudo, sobre sensualidade, e foi super interessante o bate-papo e tudo, mais sempre sou eu a frente. Então essa questão de entrevista, de tudo, toda vez eu tremo (risos). Estar sendo entrevistada, acho que tenho muita responsabilidade em estar aqui falando em nome de tudo o que eu fiz e sendo que também elas fazem parte de tudo isso. Mas eu agradeço a oportunidade de falar aqui. Dessa entrevista que fiz na Prudence foi bem interessante e acho que contei tudo, até coisa que eu não lembrava; porque às vezes, no automático nem lembra mais da infância, vieram memórias boas e agradeço por isso; porque infância eu não lembrava de nada, de adolescência. Desculpa alguma coisa, se gaguejei, se me emocionei. Eu acho que é isso.
P/1 - Você não precisa se desculpar por nada. Acho que você respondeu a que seria a última pergunta, que é como foi participar dessa entrevista e aí queria fazer outra e última pergunta no lugar, se você me permitir. Você falou que você se tornou um pouco uma figura representativa de outras tantas mulheres. Eu queria que você dissesse, olhando para sua trajetória de uma mulher negra, periférica, que de alguma forma também enfrentou, teve que lidar com a experiência da gordofobia e criou empatias de se interessar pela história de outras pessoas; como foi pra você fazer esse exercício de rever sua trajetória, mas também se vendo nesse lugar, de que você hoje é um rosto que serve de referência de tantas outras pessoas?
R - Todo mundo fala, fala em Plus Samba, já liga à pessoa. Ou às vezes a pessoa vê o nome, mas não liga a pessoa e acabam me conhecendo depois disso. Tipo assim, é gratificante, fico feliz com o que a gente conseguiu construir pessoalmente e trabalho muito com humildade. Às vezes eu acho que eu peco em algumas coisas por ser modesta demais, eu acho que poderia aparecer mais (risos). Mas eu acho que eu gosto de aparecer no momento certo, na hora que tem que ser. Eu tento levar trabalho, que nem eu falo, sou muito mais amor. Eu acho que a razão ainda tem que... Em alguns setores ser mais incisiva. Acho que eu esqueci a pergunta (risos).
P/1 - Eu posso refazer, mas você já estava respondendo ela. É só que você dissesse o que representa você ocupar esse lugar hoje, ainda que você sinta necessidade de que outras mulheres também estejam, isso é fundamental, mas você hoje se vê nesse lugar em que você também se torna uma referência para construção dessa representatividade.
R - É uma responsabilidade muito grande você abordar um assunto, ou trazer uma questão dentro da sociedade. Eu ainda não tenho a parte muito política, de debater. Eu digo assim, que eu consigo ir lá conversar e a gente resolver, mas ser política, entrar em debates… Eu acho que eu sou mais para resolver essa questão. Então muitas vezes, essa responsabilidade, eu sinto falta disso. Hoje a gente, na Bahia, tem uma pré-candidata a vereadora, que é a Adriana, é de outro movimento também da Bahia, que chama Vai ter Gorda. E ela vem em uma linhagem do quê? De ter representatividade dentro do plenário, da questão da gordofobia, questão de não cobrar assento extra porque a pessoa é gorda dentro do avião, acessibilidade para o gordo, ter uma roleta maior. São coisas que realmente a gente precisa analisar e ver que ainda falta muito, nessa questão de política mesmo, de fazer uma política, de criar leis, artigos para gordofobia; não ficar só na internet, ou punir aquela pessoa que ofendeu a outra por ela ser gorda. Eu acho que movimentar a sociedade com a parte política também é super importante para que, através da política, muitas coisas venham. Acho que tem uma abrangência maior, você dentro da política tem uma representatividade lá, uma pré-candidata gorda, negra dentro da política, para ir lá gritar para sociedade que o gordo existe. Isso também é uma coisa que quando surgir, vai impactar. Eu acho que falta isso um pouco em mim, de ser política. Acho que eu respondi (risos).
P/1 - Respondeu sim. Aldria, queria agradecer muito sua entrevista. Agradeço não só em meu nome, mas agradeço também em nome da Luiza, que acompanhou a entrevista, e do Museu da Pessoa, por você ter aceitado esse convite e ter compartilhado essa sua história tão potente. Foi muito bacana ter participado desse momento e ter oportunidade de ter registrado essa sua história. Só um muito obrigado e espero que você tenha também, de alguma forma, sido prazeroso e que tenha gostado desse momento.
R - Foi muito bom, gostei, obrigada. Gratidão.
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