Projeto Memória: Companhia Vale do Rio Doce
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Fabrício Teixeira
Depoimento de Antônio Dias Leite
Rio de Janeiro, 12 de junho de 2000
Realização Museu da Pessoa
Código CVRD_HV045
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
...Continuar leitura
Projeto Memória: Companhia Vale do Rio Doce
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Fabrício Teixeira
Depoimento de Antônio Dias Leite
Rio de Janeiro, 12 de junho de 2000
Realização Museu da Pessoa
Código CVRD_HV045
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Primeiro, eu pediria para o senhor se apresentar, dizer o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Antônio Dias Leite. E, me chamei Júnior durante algum tempo. Agora eu suprimi o Júnior. E nasci em janeiro de 1920, no Rio de Janeiro.
P/1 – E o nome dos pais do senhor?
R – Antônio Dias Leite e Georgeta Lahmeyer Leite.
P/1 – O senhor conhece a origem da sua família?
R – Toda. A família do meu pai é de Portugal. Ele era do Porto. E teve pelo menos três gerações anteriores na mesma casa em que ele nasceu, que foi demolida agora para construir o acesso da nova ponte do Porto sobre o Douro. E a família da minha mãe, então, é uma história longuíssima, porque ela tinha um primo que era historiador, que era o Afonso Taunay. Ele foi o diretor do Museu do Ipiranga e membro da Academia de Letras. Então, a história da família do lado da minha mãe é muito detalhada, por causa do Afonso.
P/1 – E o senhor sabe como foi o contexto da vinda dele para o Brasil?
R – É, o meu pai veio de Londres. Ele sempre teve uma preocupação muito grande em estudar línguas, e foi através das línguas que fez o caminho dele. Foi engraçado, porque ele, quando estava terminando o Liceu... Ginásio lá chamava-se Liceu, lá em Portugal. E ele teve que trabalhar. Ele só tinha concluído o Liceu. E já sabia francês e inglês bem. E estavam chegando os franceses para construir a ponte sobre o rio Douro, no Porto, e esses engenheiros
precisavam de intérprete para falar com os contramestres portugueses. E ele foi empregado de tradutor intérprete entre os engenheiros franceses e os contramestres. E por aí ele foi depois para uma livraria inglesa no Porto, para um banco inglês, para uma firma de comércio em Londres, que precisava de uma pessoa que falasse português para mandar para o Brasil. E ele veio parar no Brasil, via o seu conhecimento de língua. E obrigou os todos filhos a estudar língua. Todos tiveram que estudar língua, quisesse ou não quisesse, que ele achava fundamental.
P/1 – Quais idiomas ele conhecia?
R – Ah, ele falava inglês e francês perfeitos.
P/1 – Então já veio para o Brasil com um emprego certo?
R – Já veio com emprego certo. Veio trabalhar numa casa comercial, atacadista de tecidos.
P/1 – E ele ficou por quanto tempo neste trabalho?
R – Ele permaneceu bastante tempo. Depois, ele dirigiu essa firma, e depois fundou uma firma ele mesmo com outro sócio.
P/1 – O senhor sabe como ele conheceu a sua mãe?
R – Na semana que ele chegou ao Brasil (risos). Ele veio recomendado a umas pessoas de Portugal, e essas pessoas deram uma festa, por acaso, quando ele chegou, e na semana que ele chegou ele encontrou com ela. Casaram-se muitos anos depois, mas conheceu na semana que chegou. Minha mãe é de Vassouras.
P/1 – Ela é de Vassouras, nascida lá em Vassouras?
R – É, a família é toda de lá. Os Taunay são de lá também.
P/1 – A casa que o senhor nasceu onde é, o senhor nasceu em que bairro?
R – Eu nasci em Botafogo.
P/1 – Em Botafogo? Está lá ainda a casa ainda que o senhor nasceu?
R – Não, é um edifício. A casa que meu pai construiu nessa ocasião é hoje o Instituto Brasil Estados Unidos, em Botafogo. Quando eles morreram, o Instituto Brasil Estados Unidos comprou. Essa está de pé.
P/1 – Essa tá de pé. Quantos irmãos o senhor tem?
R – Eu tenho mais quatro. Nós somos cinco.
P/1 – Como é que era na sua casa, a infância, o ambiente, os quatro irmãos, pai e mãe, como que era o dia a dia?
R – Era um pouco separado, porque nós somos dois blocos. São três irmãs mais velhas, depois tem um intervalo de dez anos, e tem dois,
eu e a mais moça. Então, não era um conjunto de irmãos, eram dois conjuntos, o dos mais velhos e o dos mais moços. Então quando os mais velhos estavam se formando e casando nós ainda estávamos lá em casa. Então, mas era uma casa muito movimentada, sempre foi.
P/1 – Por quê? De onde é que vinha esse movimento?
R – Muitos membros da família, era muito movimentada a casa. E a minha, hoje, também. Sempre foi muito movimentada.
P/2 – Vocês faziam muitas festas, muitas reuniões?
R – É, tinham festas. Tinha... Em 1920, 1930.
P/1 – O senhor comentou da preocupação do seu pai que vocês aprendessem muitos idiomas. Tinha alguma outra coisa no sentido de educação?
R – Ele era um liberal do fim do século XIX. Ele chegou em Londres no dia do jubileu da Rainha Vitória. Assistiu a grande parada do Império, na semana que ele chegou em Londres. Então, ele era aquele espírito liberal do fim do século. O advogado dele teve uma dificuldade terrível quando o Getúlio fez a lei dos estrangeiros. Ele tinha que tirar a carteira de estrangeiro que o Getúlio tornou obrigatório. E ele não queria ir à polícia, marcar a impressão digital na polícia para assinar a carteira. Isso era uma coisa inaceitável para ele. Por que é que ele tinha obrigação de tirar a carteira? Não aceitou. Foi uma luta para o advogado, o Doutor Oscar da Cunha, que era professor na Faculdade de Direito levar ele lá para tirar a carteira de estrangeiro. Foi a época que Getúlio fez o registro de estrangeiros. Então, ele era liberal a esse ponto.
P/1 – Mas ele transmitia isso para os filhos através do exemplo, ou ele se preocupava muito em ensinar?
R – Não, era mais ocasional em função das coisas que ocorriam. Nunca foi doutrinador. Mas transmitia ao longo das coisas que iam ocorrendo.
P/2 – O senhor teve educação religiosa?
R – Tivemos. Todos nós tivemos.
P/1 – Qual era a religião?
R – Católica. A minha mãe estudou no antigo Colégio Sion de Petrópolis, que não funciona mais hoje. Foi das primeiras turmas.
P/2 – O senhor e seus irmãos também estudaram no Colégio Sion?
R – Não, colégio não. As minhas irmãs estudaram no Colégio Sion. Por causa das línguas, ele me botou no colégio que estava sendo fundado que chamava-se Anglo-Americano. Depois o Anglo-Americano foi passado para outras mãos, não tinha mais nada de anglo nem de americano (risos). Mas na ocasião ele me botou no Anglo-Americano.
P/2 – E o nome continua até hoje?
R – Continua, mas não tem mais nada a ver com o antigo. E era pertinho de casa. Eu ia a pé para o colégio.
P/1 – Era comum nessa época aprender línguas?
R – Não, era pouco, bem pouco. Não era uma coisa comum.
P/2 – E quais eram as disciplinas no colégio que o senhor tinha maior interesse em estudar?
R – Olha, eu confesso a você que não tenho lembrança de ter muito interesse do colégio, não. Acho que quando comecei a estudar foi quando preparei para o vestibular para a Escola de Engenharia. Acho que foi a primeira vez na vida que eu de fato me dediquei ao assunto de estudar. Aquele vestibular, naquela época, não era sopa.
P/2 – Por que o senhor escolheu por Engenharia?
R – Não sei exatamente. Remonta a 1937.
P/1 – Mas o senhor tinha alguma expectativa em relação a Engenharia?
R – É, eu tinha a intenção. Depois não fui engenheiro. Mas a engenharia foi extraordinariamente importante para mim. Eu levei o curso muito a sério. O vestibular foi uma disciplina de estudo terrível, que não tinha no colégio. Foi a prova de fogo que tive que fazer. E lá no curso... Foi um bom curso. Depois eu comecei a me interessar pelo assunto de Administração e Economia, e acabei virando economista. Eu não sou diplomado em Economia, mas fiz o primeiro concurso na Escola de Engenharia para a cadeira de Economia e Estatística, que existia na Economia desde o Visconde de Rio Branco. Foi o primeiro professor nessa cadeira. Pouco depois, surgiu a vaga na faculdade recém criada de Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eu fiz concurso para titular de Economia. Então, eu tenho título de Doutor em Economia e não tenho de bacharel em Economia (risos).
P/1 – Já tinha um curso de Economia?
R – Não, as escolas civis eram Engenharia, Direito, Medicina, Agronomia, Odontologia e a recém criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que o Capanema criou, e que também não existia antes. Isso tudo é de 1930.
P/1 – O senhor nunca trabalhou com Engenharia especificamente?
R – Trabalhei. Terminei e fui trabalhar nos Estados Unidos numa firma de engenharia. Fiquei um ano e meio trabalhando em oficina.
P/1 – O senhor foi para os Estados Unidos? Como é que surgiu essa possibilidade?
R – É, naquele tempo não tinha concorrência para essas coisas. Eram muito poucas pessoas. A única Escola de Engenharia do Rio de Janeiro era a da Universidade Federal. Hoje formam 700 pessoas, naquele tempo formavam 70. Então as oportunidades ao mesmo tempo que eram muitas em relação às pessoas, eram poucas no todo, porque o Brasil era muito primitivo ainda em termos industriais naquela época. Me formei em 1941.
P/2 – Como a sua família recebeu a sua escolha profissional quando o senhor disse que ia fazer Engenharia?
R – Ah, acho que todos gostaram.
P/1 – O que os seus outros irmãos fizeram?
R – Nenhuma das minhas três irmãs mais velhas se formou na Escola Superior. Todas três fizeram vários estudos paralelos. O nível de formação foi do ginásio. Depois estudaram alguma coisa mais.
P/2 – Mas o senhor tem uma irmã que é historiadora, não é?
R – A minha irmã mais moça. Nós fomos os únicos que nos formamos. Ela se formou em História. Ela é professora de História. O primeiro concurso dela foi para História da América. Ela foi uma das primeiras alunas. Logo no princípio do curso.
P/1 – O senhor convive com ela?
R – Nós somos agora só três, duas já morreram. A minha irmã mais velha está com 92 anos. E a Eulália, que a gente em casa chama de Lali, ela é um pouco mais moça que eu.
P/1 – O que o senhor achou de ter ido trabalhar nos Estados Unidos?
R – Eu fui duas vezes aos Estados Unidos. Fui dessa vez, logo saindo da Escola, e depois fui em 1960, já com 40 anos de idade. A primeira vez fui para estagiar numa fábrica. Era uma fábrica que queria começar negócios aqui no Brasil. Era lá na Escola e ofereceu três lugares para fazer o estágio. Era um estágio de seis meses, e quando terminou três meses estava a convocação para a guerra nos Estados Unidos. Foi em 1942. Aí, eles ofereceram: “Bom, vocês podem continuar o estágio como estava combinado, mas se quiserem ingressar no quadro daqui da empresa desde já, vocês estão aprovados no estágio, oferecemos um emprego aqui agora, porque vocês não podem ser convocados.” (risos) Até o dia em que, de fato, o Brasil entrou na guerra, nós poderíamos ser convocados. Antes disso nós voltamos. Então, eu fiquei um ano e meio por lá. Foi um estágio de viver dentro de uma indústria de grande porte dos Estados Unidos. Não mais como visitante, mas no quadro normal. Foi utilíssimo na minha vida também. Não pelo ensinamento específico da Engenharia, se bem que era coisa de energia de novo, porque eram motores, turbinas, e etc. Então, já era um princípio de um ponto de ligação. Fiquei até revoltado com o museu que foi feito lá em Porto Alegre, na antiga usina térmica, dos americanos, a usina do gasômetro, que eles chamam. Eles preservaram a usina, e não deixaram pelo menos uma máquina lá. Deviam ter deixado... Fizeram um centro cultural, mas uma das turbinas devia ter sido conservada para as pessoas verem o que era. E quando eu fui lá ver o museu: “Cadê a turbina?” Jogaram fora. Uma turbina de mais ou menos 1943. Realmente não podia mais funcionar. Então, essa parte foi muito boa. E a outra visita foi em 1940. Então, em 1960, eu já estava casado, com os filhos etc., e encontrei com o Doutor Gudin na rua da Quitanda. Na rua da Quitanda a gente andava a pé, tranquilo, não era atropelado, nem nada. Dava para conversar na rua. E encontrei com o Gudin e ele disse: “Olha, eu ia telefonar para você, porque estão me oferecendo uma oportunidade, junto com fulano e mais sicrano, temos que sugerir uns nomes, eu pensei que você pudesse ir”. “O que é?” Então ele me contou. Era uma bolsa da Fundação Eisenhower para passar de seis a oito meses nos Estados Unidos sem a obrigação de fazer curso nem nada. Passava uma semana aqui, 15 dias lá. Cheguei em casa e contei para minha mulher e ela disse: “Mas por que é que você não vai?” Aí, eu telefonei para ele. E fui parar lá nos Estados Unidos. Então, essa bolsa Eisenhower foi uma coisa fantástica, porque eu passei... Eu já estava envolvido com assuntos de energia. Passei uma semana dentro da autoridade do Vale do Tennessee, que era exatamente o que a gente estava copiando aqui no São Francisco. Tinha o princípio da operação interligada dos sistemas, que a gente estava quebrando a cabeça para saber como é que ia ser feito, que as usinas isoladas estavam começando a ser ligadas. E eu fui passar em Seattle uma semana junto do escritório de operação do sistema interligado na área do oeste dos Estados Unidos. Assisti o dia a dia de como é que eles faziam aquela coisa. E a bolsa de fato abriu caminho para o que você quisesse ver.
P/1 – Você podia escolher os projetos?
R - Eu escolhia. Isso foi programado antes. “Bom, isso está difícil aqui, mas sugiro aquilo.” Muito bem... depois disso, eu fiquei muito ligado. Foi uma coisa muito feliz, uma visão muito grande de como é que aquilo funcionava.
P/1 – Essa primeira fase que o senhor trabalhou lá nos Estados Unidos era voltada para energia também?
R – Não, eles tinham duas partes. Uma parte era bombas hidráulicas e compressores de ar, compressores de refrigeração. E outra parte era motores diesel, motores grandes para usina. E turbinas de vapor. Uma parte era energia, outra não. E o meu companheiro desta viagem ficou a vida inteira na Worthington. Foi o presidente pela América Latina da Worthington. Chegou... Ele morreu, infelizmente muito moço... morreu já há uns dez anos. Fez a carreira da vida inteira até a presidência da América Latina da Worthington. Começamos juntos.
P/1 – Quando é que começa exatamente o seu interesse por energia?
R – Isso veio mais tarde. Eu comecei montando turbina, depois... Quando o cara foi... Fez o escritório de consultoria, formal, foi um dos dois ou três primeiros escritórios do Brasil. Isso foi 1900 e... quase 1960, 1958, 1959, por aí. Ele formalizou a organização de um escritório. Começaram a surgir várias consultas sobre energia. Então, a gente foi entrando. Siderurgia e energia eram as coisas do tempo do Juscelino, a infraestrutura econômica do Juscelino. Foi o nosso estudo preliminar da Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista], em Santos.
P/2 – O senhor serviu o exército?
R – Servi. Quando eu voltei dos Estados Unidos eu me apresentei no exército, porque, quando houve a convocação, eu já havia me apresentado na Embaixada em Washington e tive a autorização de permanecer até o fim do estágio. Então, quando eu voltei fui convocado. Eu servi, então, um ano e meio. Uma história parecida com a do meu pai. Quando eu cheguei no Brasil me puseram recebendo o material que chegava dos Estados Unidos, porque eu conhecia o inglês para traduzir o nome daqueles canhões, aquelas coisas todas. Então, eu fiquei trabalhando no cais do porto.
P/2 – No cais do porto do Rio de Janeiro?
R – É. Chegava aquelas faturas do material que vinha chegando para equipar o exército brasileiro na sua missão na Itália. E eu fiquei trabalhando na entrega desse material e na tradução.
P/1 – O senhor ajudava a traduzir?
R – Não, o meu trabalho era mais o de recepção. Outros colegas meus trabalharam na parte de tradução. Foi um ano e meio de exército.
P/2 – O senhor tem alguma lembrança marcante do período que o senhor esteve nos Estados Unidos?
R – Não, não tive nenhum problema em especial.
P/1 – Como a sociedade americana estava se mobilizou para a guerra no período que o senhor esteve nos Estados Unidos?
R – Eu vivi isso. Eu cheguei lá no dia 29 de dezembro. Foi exatamente no impacto da entrada efetiva dos Estados Unidos. Os americanos estavam mandando material para os ingleses. E o bombardeio de Pearl Harbor foi o estopim. Então, a partir daí houve a mobilização. Diziam até que foi um erro psicológico dos japoneses ter feito aquilo daquela forma. E a partir daí se conseguiu mobilizar os Estados Unidos contra eles.
P/1 – A empresa que o senhor trabalhava participou de algum tipo de esforço de guerra?
R – Participou. Eu trabalhei algum tempo num estágio de teste do compressor para aqueles barcos PT, aqueles barcos que levavam torpedo, que era um barco que tinha que ser muito rápido. Então foi encomendado a Worthington fazer um compressor que coubesse... eles deram uma dimensão lá, tinha que caber ali. Que era o compressor de ar que jogava os torpedos. E eu trabalhei nesse compressor. Eu passei por outra cena engraçada, que ocorreu quando eu ainda estava nos Estados Unidos. Estavam enviando motores estacionários para a Rússia para gerar energia. Então, ficava uma equipe dia e noite até a hora que fosse possível para tirar o motor e entrar o outro no dia seguinte. E eu me candidatei àquela equipe, que tinha apenas só um engenheiro, um estagiário, que era eu, e um mestre operário. Três pessoas só ficavam ali. E tinha que resolver aquele motor, descobrir o que é que tinha com ele e tal. E esses motores, por acaso, estavam indo para a Rússia. Então, vinha um russo, fiscal, que ficava ali conosco. Era só nós três e o russo. Era a primeira vez que eu tinha visto um russo na minha vida. E não falava absolutamente nada, só fazia gestos. Eu ficava a noite inteira lá.
P/1 – Onde o senhor estava quando a guerra acabou a guerra?
R – Eu já estava no Brasil. Eu voltei em meados de 1943. A guerra acabou em 1945. Então, eu fiquei no serviço militar até a metade de 1943.
P/1 – Nesse meio tempo o senhor só se dedicou ao exército?
R –
Sim, era tempo integral.
P/1 – Qual era a sua perspectiva quando o senhor saiu do exército?
R – Então surgiu a oportunidade do Planejamento Econômico. Era uma comissão que foi criada no governo do Getúlio para planejar o pós-guerra economicamente. Eu, evidente, não sabia o que é que era o Planejamento Econômico, mas fui trabalhar com o Kafuri. Aí é que surgiu a minha ligação com ele. Depois ele me convidou para assistente na escola. Depois ele fez o escritório e eu fiquei trabalhando com ele.
P/1 – O senhor conheceu o Kafuri nessa época?
R – Não, ele tinha sido meu professor na escola.
P/2 – A Comissão de Planejamento Regional estava associada ao Conceito de Segurança Nacional?
R – Era um órgão do Conselho de Segurança. E, o livro que eu escrevi em dezembro do ano passado sobre o crescimento econômico, eu o dediquei, por dois motivos, a três pessoas. Porque o grande livro da minha vida eu dediquei a minha mulher. Porque ela que foi o suporte nesse tempo todo. Mas esse outro, eu mencionei o Kafuri, que era uma pessoa, vamos dizer, ideologicamente mais socialista do que liberal. Ao Doutor Gudin, que me deu duas oportunidades: uma que foi essa dessa bolsa em 1960, e outra muito antes disso, foi dessa Comissão de Planejamento. Quando houve toda a discussão, eu então comecei a me interessar. E ele me deu o encargo de começar a montar a equipe da renda nacional. A partir daí, eu fui produzir o primeiro cálculo de produto bruto. O primeiro trabalho sobre esse assunto no Brasil fui eu quem produziu, na Fundação Getúlio Vargas. E, finalmente, o que me jogou no fogo mesmo da parte pública do Brasil foram os seis meses que eu passei com o Santiago, no Ministério da Fazenda. Então, eu dediquei o livro a três pessoas completamente diferentes. Exatamente o que outras pessoas não fariam. Então, o Kafuri, o Gudin e o Santiago, ideologicamente, não tinham nada em comum. São três pessoas importantes da minha vida, além da minha mulher, que essa foi mais importante do que tudo.
P/2 – Quais foram as decisões tomadas na Comissão de Planejamento Econômico no
período em que o senhor a integrou?
R – Não, eu não fiz parte, eu era fichinha lá (risos). Eu não participei.
P/2 – Mas o senhor sabe o que estava sendo discutido?
R – Não, eu assistia às reuniões todas. Era um debate. Lá é que foi o famoso debate do Doutor Gudin com o senhor Roberto Simonsen sobre o protecionismo à indústria ou o não protecionismo. Foi um debate de dois dias inteiros. No fim de dois dias, o Simonsen teve um enfarte. Saiu da reunião, foi para o hospital.
P/1 – Mas era uma divisão que marcava as pessoas?
R – Ah, marcou, naquela ocasião marcou. A argumentação do Doutor Gudin era muito mais segura do que a do Simonsen. Daí que surgiu a ideia de ter que contar, fazer as contas nacionais. Não tinha. O Brasil não tinha o balanço de pagamentos nessa ocasião. Tinha o balanço comercial, mercadorias importadas e exportadas, os outros fluxos de dinheiro, sob outra forma, não se sabia. Não tinha conhecimento. E as contas também não tinham. E então, nessa ocasião, as contas que o Simonsen apresentou foram umas contas feitas no Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio. Na época era tudo constituído num só Ministério. E era uma coisa horrorosa. Então me coube comentar isso, preparar o documento. Era um disparate de tal ordem, e o Roberto Simonsen se baseava naquilo. Mas foi a sua tese do protecionismo que venceu, embora nesse debate a argumentação a sua fosse fraquíssima, pois a base dele era horrível.
P/1 – Que base?
R – A base de números que era muito ruim. Eu acho que ele achava que aquilo estava certo. E eu não acredito que fosse de má fé. Estava tudo errado. Era para jogar no lixo, não aproveitava nada. Mais tarde um pouco ele ficou aborrecido com o Kafuri. Porque quando teve aquela conferência de Bogotá, que o Kafuri foi como auxiliar do João Neves, que era o Ministro das Relações Exteriores, e o Roberto Simonsen queria que levasse aqueles trabalhos. O Kafuri se recusou de levar o trabalho, porque cientificamente ele seria contestado. Era realmente um argumento muito fraco. Então o Roberto Simonsen ficou aborrecido com o Kafuri nessa ocasião por causa disso. Esse debate, além de outros, foi na Comissão de Planejamento, tendo sido esse o mais importante. Eu tive muita sorte na vida de ter tido essas oportunidades que eu tive. É excepcional, a sorte.
P/2 – E como foi a sua experiência na equipe de renda nacional?
R – A equipe de renda fui eu e o Genival Santos. O Genival depois virou banqueiro (risos). Fez carreira nos bancos, e agora também está aposentado. E uma equipezinha muito pequena... alguns que já tinham sido alunos na faculdade. Agora, inclusive, morreu mais um daquela época. Então, quase todos já foram. Uma equipe pequena, mas que já acabou, infelizmente.
P/2 – Qual era a metodologia que vocês empregavam?
R – A primeira metodologia foi um roubo. Eu fui procurar na Embaixada Americana o que é que tinha sobre o assunto, e me emprestaram um livro que eu roubei, que era do Departamento do Comércio... E por aquele livro é que se começou a constituir a bibliografia... Uma referência a outros trabalhos. Foi a pista para chegar. Porque naquela ocasião não podia se pedir nada. Era guerra. A guerra já tinha acabado, mas você ia pedir um livro, e ele não chegava. Ainda estava tudo desorganizado, em 1940 e poucos. A guerra não tinha acabado, a guerra já estava acabando, mas a organização... Ninguém se incomodava com o seu pedido de livro nos Estados Unidos. Não ia mandar mesmo. Então, foi assim. Depois, foram tendo uma bibliografia um pouco maior, a gente montou em função do que a gente achava que era possível obter informação aqui. E finalmente saiu. Nós publicamos a primeira estimativa em 1949. Foram três anos de trabalho.
P/2 – E qual foi o resultado?
R – É um resultado que hoje está sendo revisto, e estava bastante errado (risos). Mas, em todo caso, foi o começo para depois ser aperfeiçoado. Então, a equipe permanente na Fundação Getúlio Vargas foi aperfeiçoando o trabalho.
P/1 – Quais foram as conclusões que o senhor chegou olhando para a renda nacional?
R – A gente não tirou muita conclusão, porque a nós estavamos tão preocupado em produzir o resultado que o nosso relatório dessa data, meu e do Genival, é um relatório estritamente...“Ah, os números são esses! Deixamos os comentários para os outros fazerem. A gente ficou com aquele alívio de estar pronto (risos). Foram três anos penosos.
P/1 – Onde foi que o senhor obteu as informações referentes ao Brasil?
R – Teve uma terceira pessoa, que tinha muito contato com essa questão das transações externas. Então, ele que ficou com a parte do balanço de pagamentos que encaixou no nosso trabalho. Pela primeira vez a gente fez uma avaliação de juros, de seguros, de fretes, tudo. Não se sabia até então nada a respeito sobre isso.
P/1 – E o senhor tomou gosto pela coisa?
R – Então, eu tive que fazer concurso. Depois tive que fazer outro concurso, sendo que o intervalo dos dois concursos foi muito curto. Eu fiz o concurso para docente na Engenharia, em 1948, com 28 anos, e fiz o concurso para catedrático, que se chamava nessa ocasião de catedrático na Economia, em 1952 quando eu estava com 32 anos.
P/2 – O senhor lecionou?
R – Quatro anos de intervalo só, entre os dois concursos. Não teve folga não. Já estava lecionando.
P/2 – Lecionando aonde?
R – Durante um periodozinho, eu lecionei nos dois lugares, como assistente na Engenharia e como titular de Economia da empresa na faculdade de Economia. Depois eu encerrei a Engenharia e fiquei só na Economia.
P/1 – O senhor foi indo cada vez mais para o campo da Economia?
R – É isso mesmo. Então, eu fiquei sem profissão. Os engenheiros não me consideram mais engenheiro, o clube de engenharia acha que eu não sou engenheiro. E os economistas não me aceitaram, porque eu não tenho curso. Então, eu não sou economista, não sou nem uma coisa, nem outra (risos). Fiquei no meio do caminho.
P/2 – E o senhor tinha alguma perspectiva para a sua vida no meio acadêmico?
R – Não, eu fui entrando aos poucos. E depois nunca fui acadêmico. Eu sempre fiquei naquele regime de 20 horas por semana. Nunca fiquei sentado dentro da faculdade. Só vim a fazer isso quando, no fim da carreira, houve um conflito ideológico na faculdade de duas correntes. Foi, no fim, uma tempestade em copo d’água. Não tinha nada de vaidade misturada. Eu acabei não sabendo muito bem o que era, mas chegaram um dia e disseram: “Olha, as duas facções estão absolutamente separadas, só existe uma hipótese de se conseguir rearrumar isso, que é você aceitar a diretoria da faculdade. Você não estava aqui”.
Eu estava no Ministério, em Brasília, não tomei parte na discussão. “Então, não me conta! Então, não quero saber o que é que houve”. Fiquei em desespero. Sei eu acabei me tornando diretor. Essa foi a única vez que tive que ficar no regime de 40 horas. Como eu já não tinha mais nenhuma outra função obrigatória, pude ficar. Mas foram três anos apenas. Fora isso, eu sempre fui não acadêmico, professor não acadêmico.
P/2 – Mas que conflito era esse?
R – Não sei! (risos) Não deixei que me contassem, senão eu ia começar a tomar parte. Enfim, o rapaz que estava na PUC e que já morreu, Américo, e um que achava que devia ser assim assado... Mas, em todo caso brigaram, brigaram tanto que ficou impossível, de modo que um não aceitava o outro lado com a direção da faculdade. Eu só estive lá nas comemorações para organizar o tal dia do encontro de todo mundo. Eu consegui reunir naquele dia um elenco de pessoas, uma coisa fora de série. Começava desde os que tinham participado do plano do Getúlio, o Rômulo de Almeida, da Cepal. Enfim, um de História, outros de... Sei que a sala ficou cheia o dia inteiro, na Praia Vermelha. E eu coloquei então o Roberto Campos para falar da comissão mista Brasil-Estados Unidos, que ele foi secretário geral. Mas ele foi contra a Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe]. Então a Conceição Tavares deu vaia nele (risos). Mas ele gosta de provocar. Ele foi provocar.
P/2 – Qual foi a sua participação na iniciativa privada?
R – Na iniciativa privada eu fui sempre consultor. A única coisa de iniciativa privada que eu fiz, efetivamente empresarial, foi a criação Aracruz Florestal.
P/2 – E que depois se tornou Aracruz Celulose?
R – É, porque primeiramente foi só floresta. Não havia ainda nenhuma perspectiva imediata de dar celulose. Se a floresta não fosse um sucesso, não existiria a fase celulose. A fase da celulose começou depois. Fui eu que escrevi a lei de reflorestamento. O Secretário da Receita na época, era o Antônio Troante. Ele ameaçava descobrir todas as falcatruas. Deve até ter descoberto algumas. E tinha uma lei sobre o assunto. O professor Eládio, de Piracicaba, tinha sido o principal responsável do Código Florestal. E no Código Florestal, ele botou um incentivo. Esse incentivo era tão magnânimo que era impossível. O sujeito que plantasse uma árvore tinha isso, tinha aquilo, uma viagem a Paris, e tal (risos). Era um benemérito total. E era uma coisa poética, porque o professor Eládio era poeta, poeta das árvores. O professor é uma grande figura. E o Travancas, quando viu aquilo, anulou. Saiu com uma lei qualquer e o Doutor Bulhões, que estava no Ministério da Fazenda, assinou. E eu que estava com o encarregado de começar a lançar o assunto da floresta, eu fui ao Doutor Bulhões. E disse para ele: “Ô, Bulhões, aqui está essa lei, vê quem é que assinou: Otávio Bulhões, aqui. Agora vê essa outra aqui. Olha quem que assinou: Otávio Bulhões. Agora lê os dois artigos ao mesmo tempo. Um é exatamente o oposto do outro.” O do Travancas
e o do Eládio (risos). Ele tinha assinado os dois projetos. Aí, ele olhou: “Chama o Travancas. E ele quando chegou disse para o Bulhões: “Não, está absolutamente claro, está anulado.” E o Bulhões disse assim: “Para mim não está claro também, não.” Então, ele virou para mim e disse: “Você que está com essa coisa na cabeça não quer escrever isso? Escreve o projeto, manda para mim.” E ele me encomendou o projeto do reflorestamento. Que foi o que deu origem a esse surto todo de reflorestamento no Brasil que, felizmente, foi lançado com esse projeto.
P/1 – O senhor já estava com a ideia?
R – Sim, por isso que eu estava pensando no assunto. E eu verifiquei que não era possível. Eu tinha que optar por um daqueles caminhos. O Doutor Bulhões é uma pessoa de uma simplicidade muito grande. Ele falou na hora: “Então escreve, manda para mim”.
E eu mandei para ele, que fez lá uns retoques, mandou para o Congresso, e passou. A lei de incentivo durou mais ou menos 15 anos.
P/1 – Naquela época já existia empreendimento nessa área no Brasil?
R – Existia muito pouco.
P/2 – Quais foram as propostas que o senhor apresentou para fazer o reflorestamento?
R – É uma leizinha mínima, de apenas seis artigos, mas que funcionou. Isso foi no tempo do Castelo Branco, quando o Doutor Bulhões era Ministro da Fazenda.
P/2 – O senhor se recorda dos artigos?
P/1 – Tinha viagem para Paris? (risos)
R – Não, não tinha. O professor Eládio era um negócio... Eu estive exposto à política com o Santiago, mas antes disso eu nunca tinha participado de nada que tivesse a ver com o Congresso ou com o governo, no sentido político. Às vezes, apenas, com um órgão técnico do governo em assuntos estritamente técnicos. Primeiro eu tinha trabalhado um pouco com ele quando ele se preparou no regime constitucionalista, que ele se candidatou a Primeiro Ministro. E aí ele fez uma plataforma e eu trabalhei com ele nessa plataforma. Ele era professor na faculdade também. O Doutor Bulhões também era da faculdade, assim como o Doutor Gudin. O núcleo de professores da faculdade de Economia nessa ocasião... você tinha lá o Kafuri, tinha o Bulhões, tinha o Gudin, tinha Santiago, a equipe era de peso. O PSD [Partido Social Democrático] fez aquele erro clássico de ter recusado o Santiago. Depois do Santiago veio coisa muito pior. Eles achavam que o Santiago, tendo sido eleito em Minas pelo PTB [Partido Trabalhista Brasileiro]... Então, o Santiago foi recusado. E, depois, quando veio o presidencialismo de novo, o Jango, convidou ele para o Ministério da Fazenda, no qual ele ficou bombardeado o tempo todo pelo Brizola, que não aceitou ele do primeiro dia ao último, e acabou conseguindo jogar ele fora. E nessa ocasião, então, ele me chamou para lá. Assim, eu entrei no Ministério da Fazenda e fiquei lá. Tem lá em casa até uma anedota histórica. Um dos garotos, que era o menor, perguntou à mãe: “Mamãe, o papai ainda pertence a nossa família?” (risos). Porque eu desapareci. Essa frase ficou guardada. Outro dia, o José Gregório lembrou dessa frase, porque ele tomava conta do gabinete do Santiago, em São Paulo, o Ministro da Fazenda tinha lá um gabinete. Ele disse assim... A gente se encontrou, e lembrou dessa frase: “Eu estou me lembrando da frase do seu filho, porque eu agora estou me vendo na mesma situação em Brasília”. Que deve ser um negócio trágico. Que é um negócio, assim, meio sem solução. Então, deve ser uma coisa dramática. Então, com o Santiago, eu vi coisas que eu nunca tinha visto. Eu nunca tinha entrado no Congresso Nacional. E ele com aquela simplicidade dele, para ele tudo era muito fácil. Agora, hoje vão te receber lá na Comissão de Finanças. Eu disse: “Para que? Eu vou levar o que?” “Não, você vai debater com eles lá”.
“O quê?” (risos) Nem consegui entrar no Congresso, vou entrar na Comissão de Finanças?” Então, me jogou no fogo, assim. E foi uma experiência. É a tal da coincidência da minha vida.
P/2 – O que aconteceu depois da queda do Santiago Dantas?
R – Eu voltei para o trabalho no escritório, junto com o Kafuri, onde eu trabalhei algum tempo depois.
P/1 – Qual foi o instrumental empregado no planejamento econômico que o senhor se envolveu já na época da Comissão?
R – Os planos da época do Getúlio eram planos setoriais sempre. O Getúlio não tentava fazer uma coisa global. Era um plano para a mineração do carvão, um plano para a erradicação da malária, mas eram planos setoriais. Não, risca isso aí, porque eu acho que eu errei a data aí, a sequência. Primeiro foi o plano de metas do Juscelino, que não era ainda um plano nacional no sentido de que ainda não tinha parte monetária e fiscal ligado. Eram os planos setoriais somados num só plano. Mas ainda não tinha conteúdo de política econômica. Qual era a política econômica para sustentar aquilo? Não estava lá. O primeiro que teve isso foi o plano trienal do Celso, que, surpreendentemente, de novo, era ortodoxo na parte monetária. Ortodoxo, sem dúvida nenhuma. Quem tratou dessa parte monetária era uma pessoa da antiga Sumoc [Superintendência da Moeda e do Crédito], que era o embrião do Banco Central. Não tinha Banco Central. Era a Superintendência da Moeda. Era o Eduardo Gomes, que eu vi. Estive com ele há umas três ou quatro semanas atrás, encontrei com ele. O Eduardo é que fez essa parte... Esse plano trienal, então, foi feito pelo Celso, e no governo do Jango é que ia ser executado, com o Celso no planejamento e o Santiago no Ministério da Fazenda. E os dois foram derrotados pelo Brizola. Então, saíram os dois. Eu fiz muito a ligação com o Celso nessa ocasião. Era uma combinação estranhíssima. Porque tinha o Jango, que era um populista. Uma cabeça populista, tinha o Celso no planejamento central, socializante, e o Roberto Campos, Embaixador em Washington, que era a ligação com os organismos internacionais (risos). Tinha o Santiago no Ministério da Fazenda, e ainda o Brizola do lado de fora, bombardeando tudo isso. Você já imaginou? Era uma coisa impressionante. Era uma coisa de louco. Esotérico, completamente. Depois disso, quando vieram os governos militares, com a disciplina militar, foi muito mais fácil eu fazer os planos. Aí os planos eram completos mesmo. Certos ou errados eram completos. Você podia discordar que não devia ser aquilo, devia ser outra coisa. Mas era um plano. Tinha consistência de um plano.
P/2 – O que o senhor fez logo no primeiro governo militar?
R –
O primeiro foi o plano do Roberto Campos. Que o Bulhões ficava mais no problema fiscal do curto prazo. Ele não se envolveu muito no planejamento. Essa parte ficou sob o encargo do Roberto Campos.
P/2 – O senhor esteve no Conselho Consultivo do Planejamento?
R – Sim, estive.
P/2 – E como foi?
R – Bom, eu fiz lá uma apreciação meio negativa, que é engraçado essa questão das coisas que repercutem na imprensa. Eu apareci nos meios de comunicação com destaque pela única vez quando eu fiz essa crítica negativa. Todas as coisas positivas etc., que eu fiz, nunca apareceram com destaque na imprensa. Só fiquei destacado porque eu fui contra.
P/2 – E qual era a crítica?
R – Eu fazia a crítica que todas aquelas metas eram incompatíveis entre si, que aquilo não podia acontecer daquela forma. Que as coisas eram interligadas, de modo que você não podia estabelecer isso tudo ao mesmo tempo. E fiz a crítica também da parte da compressão de salários, que eu acho que eu hoje não faria. Porque não foi violenta, não. Houve, mas não foi violenta. A gente pode ver o caso da Argentina que reduziu o salário à metade. Eu não me lembro muitos dos detalhes (risos). Já passou tanto tempo. O essencial é que existia uma incompatibilidade entre as metas que eram estabelecidas.
P/1 – Como foi a sua experiência na Ecotec [Economia e Engenharia Industrial S. A. Consultores]?
R – Essa ideia de uma firma de consultoria surgiu como consequência de trabalhos que o Kafuri contratava em nome pessoal. Então, ele em nome pessoal, contratava o trabalho e, por sua vez, chamava duas, três pessoas para colaborarem, sem a organização de uma firma. E depois pareceu que valia a pena ter uma organização mais firme, mais completa. E existiam meia dúzia de pessoas que faziam trabalhos também em caráter individual. Pelo menos uma, duas em São Paulo, e... Mas não tinha nenhuma firma de consultoria estrangeira sediada no Brasil. E ele então partiu para fundar a Ecotec, que o objetivo seria realizar estudos econômicos e de organização e administração. Naquele tempo não se falava em informática. A palavra não existia. Computação existia, mas informática não. Os sistemas de processamento de dados ainda eram baseados em cartão perfurado, máquinas mecânicas. Nessa época surgiu uma calculadora da IBM [International Business Machines Corporation], que fazia um pouco mais do que as quatro operações, apenas. E eu me lembro da máquina que eu tinha quando eu fui fazer o concurso de estatística. Era uma máquina Mercedes, que era da fábrica Mercedes alemã. Ela tinha 16 teclas por dez, era um teclado enorme e era totalmente mecânica. Os contadores eram engrenagens que contavam...Voltavam para trás, para frente etc. Foi nesse estágio que ele fundou a Ecotec, e logo a seguir fomos tendo vários trabalhos.
P/1 – Ele agregou essas pessoas que estavam espalhadas?
R – A equipe era muito pequena. Eram quatro ou cinco pessoas. O máximo que a gente teve foram dez pessoas. O nosso escritório era artesanal. Quando eu estive nos Estados Unidos, em 1960, eu visitei Arthur De Little. Nessa época eu até trouxe Arthur De Little para conversar aqui no Brasil. Mas era um negócio fora do comum. Nesses trabalhos, surge de repente uma ideia de reorganização da Vale do Rio Doce. Quando o Eliezer assumiu, foi no tempo do Ministro João Agripino. Ele, o Eliezer, era um engenheiro de estrada. A origem dele era a estrada de ferro, não era a mineração. Isso para sempre na vida dele. Ele é mais um homem de transporte. A sua mentalidade está sempre pensando em portos, transportes, eixos de transporte, mais do que da atividade de mineração em si. E o Kafuri foi convidado para fazer uma proposta lá de realização do trabalho, que foi aceita. Assim, nós passamos a trabalhar intensamente na reorganização da Vale do Rio Doce. A ideia era passar daquela concepção inicial da Vale, que já tinha nessa altura mais de 15 anos, e que tinha começado com uma pequena estrada de ferro, com uma mina e com um pequeno terminal mínimo em Vitória, e que já estava se transformando numa empresa de porte. E a estrutura organizacional continuava a mesma. Então, nós começamos a trabalhar nisso. Já estava esse trabalho sendo executado, modificado, e tal, quando aconteceram as evoluções políticas. Eu fui convocado pelo Santiago para ir para o Ministério da Fazenda. O Kafuri continuou o trabalho que estava em curso. O Eliezer continuou na Presidência. Em seguida aconteceu a ruptura do Jango até a crise de março de 1964. Quando chegou em março de 1964, veio o governo Castelo Branco, e foi para a presidência da Vale o Oscar de Oliveira. O trabalho que o Eliezer vinha fazendo continuou com o Oscar. Embora o Oscar fosse uma pessoa que tinha características de...dificuldade de decisão, então ele era muito indeciso. Então, as coisas iam mais lentas com o Oscar, porque ele não tinha facilidade de tomar decisões prontas. Mas continuou na mesma linha que o Eliezer tinha definido. E esse trabalho continuou durante todo o governo do Castelo Branco, em que o Oscar foi presidente da Vale. Nós trabalhamos nisso uns três ou quatro anos.
P/1 – Quando a Vale... tinha alguma coisa de inusitada numa estatal procurar uma...?
R – Tinha. Isso não era comum. Mas o Eliezer não se pautava muito por coisas padronizadas, ele sentiu que lá dentro mesmo não conseguia fazer. E tinha aquele problema da diretoria política. Foi uma primeira ideia do Conselho de Administração e de uma diretoria executiva.
P/1 – Nasce aí nesse momento?
R – É, porque no Brasil não existia a lei de sociedades anônimas de um conselho e de um executivo. Eu acho que talvez a Vale tenha sido uma das primeiras empresas no Brasil em que isso foi estabelecido. Então, tinham os executivos, que eram pessoas de carreira ou externas, mas que iam pela sua especialidade. Isso foi montado nessa época. Além de toda reforma do processamento de dados, essa coisa toda que foi introduzida naquele momento.
P/1 – A área de Recursos Humanos se modifica?
R – Sim. Foi uma reestruturação muito grande. Quando veio a sucessão do governo Castelo Branco e o Costa e Silva se tornou presidente, eu fui chamado para discutir assuntos lá naqueles gabinetes que estavam... Por quê? Eu fiquei notório nesse tempo por causa do meu combate ao Abrantes, e não por causa do que eu tinha proposto ou feito, mas por ter combatido alguém no jornal. É uma coisa engraçada a imprensa. E então eu comecei a aparecer na imprensa até que um dia eu o conheci. Ele sabia do trabalho que a gente estava fazendo na Vale. Me consultou sobre se eu aceitaria ser presidente da Vale do Rio Doce. E assim eu fui parar na Presidência da empresa. Para mim foi fácil a entrada, porque eu estava lá dentro fazendo esse trabalho. Então, eu conhecia as pessoas, a máquina, conhecia tudo muito bem. Então, eu entrei na administração com muita rapidez, porque eu estava por dentro do que se passava lá e tudo.
P/1 – O senhor aceitou imediatamente?
R – Aceitei. Eu gostava da empresa e achava que ela tinha uma oportunidade muito grande.
P/1 – O senhor tinha algum conhecimento da Vale antes de trabalhar na Ecotec?
R – Superficialmente. Antes desse trabalho eu não conhecia ninguém.
P/1 – O senhor tinha alguma imagem da Vale?
R – Não, eu tinha mais relação com o setor de energia por causa de Furnas. Isso porque pela Ecotec nós participamos do trabalho patrocinado pelo Banco Mundial de estudo da integração do sistema elétrico propiciada por Furnas. As Furnas foi inaugurada no governo Castelo Branco. Inclusive porque eu já estava lá no Power System de Seattle, na integração daquele sistema. Eu fiquei apenas dois anos e meio. Porque surgiu a crise do Albuquerque Lima, no início do interior, e o Albuquerque Lima saiu do Ministério dando tiro para o ar. Então, ele se indispôs com o Delfim, porque o Delfim tinha modificado o sistema de rateio de verbas. E ele achou que ele como Ministro, vamos dizer, responsável pelo Nordeste, não podia aceitar aquilo. E o presidente achou que tinha que substituir o Ministro rapidamente para dar uma demonstração que não tinha importância e, pareceu a ele que o Costa Cavalcanti, que era o Ministro das Minas e Energia, era a pessoa ideal, porque era uma pessoa de Pernambuco, e portanto do Nordeste. Uma pessoa que tinha sido deputado, tinha traquejo parlamentar numa situação difícil daquelas. A bancada do Nordeste estava em pé de guerra. E ele precisava substituir imediatamente, e a opção que ele tinha para substituir de imediato uma pessoa experiente no governo era o Costa Cavalcanti. O Costa Cavalcanti então chamou o Henrique, que era o seu secretário geral, e que tinha trabalhado comigo na Ecotec, para uma reunião em sua casa no Leblon. O Mário Ben, que era presidente da Eletrobrás, e eu, que estava na Presidência da Vale do Rio Doce, também fomos convocados. E ficamos os quatro ali conversando sobre aquele negócio, como fazer aquilo, e o Costa Cavalcanti disse: “Então, é um de vocês que tem que ir para o Ministério de Minas, porque eu vou para o Ministério do Interior. Aí o Henrique falou: “Não, mas eu estou muito no princípio, não sei o que...” De fato o Henrique é muito mais moço. Nós não éramos velhos e o Henrique era ainda mais moço. Então, muito mais tarde, o Henrique foi ser Ministro do Meio Ambiente, no governo Itamar. E acabou sendo eu (risos). A minha mulher soube que eu era Ministro pelo rádio, pela televisão. Nós fomos para Petrópolis... O Costa e Silva estava em Petrópolis... E quando cheguei lá, já tinha o livro de posse, e assim assumi o cargo. Quando eu cheguei em casa, ela já tinha visto pela televisão (risos). Foi assim que aconteceu. E o Raimundo Mascarenhas ficou na Presidência da Vale. Porque eu tinha duas pessoas-chave na Vale, que era o Marechal Lindemberg, um general aposentado. Naquele tempo, os generais se aposentavam como Marechal, com um posto acima. E o Mascarenhas. O Marechal era o braço direito. Era uma pessoa que tinha uma memória excepcional. Não falava língua estrangeira, não conhecia o exterior... Mas a Vale, naquele momento, estava em negociações decisiva no exterior. O presidente da Vale tinha que ser um caixeiro-viajante no exterior. E o Mascarenhas da parte comercial tinha exatamente essa formação... Então, o Marechal continuou vice-presidente dando o braço direito para o Mascarenhas. Eu tanto achei que era estranho aquela posse do Ministério de Minas, assim, que eu pensei que fosse transitória. Então, eu não pedi demissão de presidente da Vale. O Mascarenhas ficou em exercício como vice-presidente. Isso foi engraçadíssimo. Mas não aconteceu nada, ficou por isso mesmo. Mas aquela estadia pela Vale, a gente continuou a linha que vinha, quer dizer, não houve descontinuidade na Vale. Cada um, evidentemente, com o seu feitio pessoal de mexer nisso ou mais naquilo. Mas a equipe estava organizada, eu conhecia as pessoas todas. E a parte externa era o Mascarenhas, que morreu muito moço num desastre.
P/1 – Que linha era essa que o senhor disse que já tinha sido estabelecida?
R – O normal de eficiência, de medida, ter os documentos, ter a informação. Mas isso aí era normal que fosse, porque tinha que ser feito. E a outra, que era duvidosa, era como encaminhar a expansão, mais voltada para a linha da industrialização do minério, mais para diversificar com outras coisas... E nós partimos para uma diversificação bastante grande com a entrada na bauxita, no alumínio, outra na linha de mineração, noutra mineração. E, na linha de industrialização com participação e atração de siderurgia para transformação do minério. Então, fizemos aquela associação com os japoneses na Cenibra, no médio Vale do Rio Doce. Então, ficou a Aracruz na ponta do Rio Doce e a Cenibra no médio Rio Doce.
P/1 – Essa foi a proposta que surgiu na época que o senhor estava na Presidência?
R – É, foi. E o que a gente fez com a bauxita foi uma liga das nações. Tinham seis sócios consumidores de países diferentes.
P/2 – Esse foi o acordo que vocês firmaram com a Alcan e a Companhia Vale do Rio Doce para a exploração da bauxita.
R – É, de bauxita. E entrou depois um sueco, que eu não lembro o nome.
P/1 – Como que essas várias possibilidades na área de exploração que o senhor comentou se confrontavam internamente?
R – A discussão das pessoas responsáveis lá era frequente. Independente de existir reunião do Conselho ou reunião da Diretoria. Tinham as reuniões, mas no meio da reunião se discutia também. Tinham oito pessoas, de maneira que três delas estavam discutindo no intervalo. Era tudo muito informal. Formalizava-se na reunião da Diretoria, mas as discussões internas eram permanentes.
P/1 – O governo interferia nessas discussões?
R – Não.
P/2 – Vocês gozavam então de autonomia?
R – Eu relatava ao Costa Cavalcanti tudo de relevante, e ele, de vez em quando também arguía alguma coisa, mas dizer: “Faz isso” ou “Faz aquilo” nunca teve no meu tempo.
P/1 – Com era tomar uma decisão como entrar na área de celulose, de papel, por exemplo? Como é que isso repercutia internamente?
R – Ah, isso se discutia não só com o Ministro das Minas, mas também com o Ministro do Planejamento ou com o Ministro da Fazenda, conforme o caso. Mas eram uma ou duas discussões, depois não se falava mais no assunto. Ia-se embora.
P/1 – E como que era a discussão interna com diretores?
R – Eu diria que participava não só o nível de superintendente, como também o nível inferior a eles, o segundo nível participava também.
P/1 – As decisões eram tomadas coletivamente?
R – Eu sempre acreditei nisso. Quando eu estava no Ministério, surgiu um problema que eu, de repente, fiquei sabendo que um dos órgãos estava fazendo a mesma coisa que o outro órgão, e que um não tinha conhecimento do outro. Era pesquisa da área sedimentar lá no Piauí. Que um estava interessado na possibilidade de uma beirada de carvão, e o outro, que era a Petrobras, no petróleo. Então, eu fiz uma reunião em Araxá, em que botei todo mundo junto. Tinham geólogos, diretores, mais ou menos umas 40 pessoas. Quer dizer, estava até o terceiro nível. Da Petrobras tinha o Diretor de Exploração, mas tinha o homem de pesquisa, tinha o homem do Dnpm [Departamento Nacional de Produção Mineral], da nuclear. Então, eu fiz até uma brincadeira no início da reunião. Nós ficamos três dias fechados em Araxá. Eu disse: “Hoje essa reunião tem por objetivo principal apresentar as pessoas. Esse daqui é o diretor da Petrobras, fulano de tal, o superintendente... Esse daqui é o diretor do Dnpm, e tal. Vocês dois estão procurando geologia do Maranhão e não se falaram. Então, estão apresentados agora para poder falar sobre geologia do Maranhão, tá certo?”
P/2 – Como era a situação internacional da Vale do Rio Doce quando o senhor assumiu a Presidência?
R – Bom, essa é uma situação mais difícil de responder, porque ainda estava tão longe. Eu diria que ela estava começando a ser respeitada no exterior. Aquelas empresas de países ricos começaram a entender que a Vale estava no mercado para valer. Então, isso se configurou na forma de uma primeira reunião dois mineradores de ferro. Porque as reuniões anteriores que se faziam sobre o mercado eram reuniões de governo. Então, a Índia, e outros países de comando central compareciam a essas reunião de governo sobre minérios de um modo geral e a sua comercialização. E não havia um intercâmbio de empresa com empresa. Por que era difícil? Por que uma empresa era estatal e outra era privada de um país? Por que uma era multinacional e a outra era ligada a United States Steel nos Estados Unidos, com a lei anti-trust, que não permitia que ela conversasse com outra? Nós tínhamos essa distinção de empresas. Então, a primeira reunião que foi organizada aconteceu em Copenhague, uma em Paris e uma em Londres, foram três. Tinha uma reunião a cada ano.
P/2 – As reuniões contavam com a presença de mineradoras de vários países?
R – Sim. Então, tinham os suecos, que eram os donos do mercado europeu, e que saíram da sua grande posição para receber tupiniquim pela primeira vez. E tinha o pessoal da Austrália, que era comandado por Londres, pela Rio Tinto Zinc, que era a controladora da Hamersley, tinha os outros australianos da Malchuman. Tinha a Biferma franco-italiana, que operava na África, e tinha a US Steel que, além de grande siderurgia, tinha também mineração. Só que a US Steel não podia comparecer. Ela se comunicava pelo telefone. Então, nessa reunião a gente começou a colocar essa posição do valor do minério em si, e da necessidade de ter uma retribuição desse valor, independente do valor da mineração, da operação industrial. As siderurgias faziam o entendimento entre elas para a compra anual do minério a fim de conseguir preços mais baixos. E, os mineradores não faziam a posição oposta, para sua defesa. Então, começamos nessa ocasião. E acho que foi aí que a gente começou a ser reconhecido como tendo algum significado.
P/2 – Mas vocês estabeleciam preço definido para o minério?
R – Era faixa ou limite mínimo. Evidente que isso vazou. Não acontecia isso sem que ninguém soubesse, mesmo a gente se fazendo essas reuniões em certos locais, sem muito estardalhaço. Evidentemente não saía em jornal. Nós tivemos, certa vez, uma reunião dramática na Alemanha. Porque depois dessas reuniões a gente tinha que firmar posição de acordo com as idéias que tinham sido ajustadas, de defesa do preço. E, os alemães, eles tinham dois consórcios, umas quatro ou cinco empresas formavam um, e as outras duas ou três formavam outro, para compra de minério, de carvão, e de matérias-primas, além do entendimento entre elas para um acerto de como apertar os produtores. Mas não foi fácil. Mas conseguimos ser respeitados. Mas isso foi uma virada.
P/2 – O senhor ainda era presidente da Vale quando foram descobertas das jazidas de minério em Carajás?
R – Sim. Ainda foi com o Costa Cavalcanti. O Moacir foi quem trouxe a notícia oficial.
P/2 – E a partir desse momento o senhor já tinha alguma perspectiva com relação a Carajás?
R – A perspectiva foi imediatamente de propor uma associação. Evidente que surgiram ideias de não dar o alvará para a US Steel. Essas coisas radicais. Mas tanto o Costa Cavalcanti como eu recusamos essas ideias. O código estava em vigor, não tinha nada que... Era uma Companhia registrada no Brasil, que era a Meridional de Mineração, o dono era US Steel, mas a Companhia era uma Companhia com tradição aqui no Brasil. A Meridional era mineradora de manganês, não de ferro.
P/1 – O código de mineradores tinha sido mudado no mesmo ano de 1967?
R – Sim, mas a mudança não foi grande, não foi grande.
P/1 – E a US Steel recebeu tranqüilamente a essa junção?
R – É, procurou-se dizer a eles que ia ser difícil, embora eles tivessem os direitos assegurados, que a coisa corresse bem, porque iriam ter problemas políticos, dificuldades de toda natureza, e eles, com a experiência internacional que tinham, sabiam disso. E que uma forma de associação era ideal para evitar essas complicações. E eles entenderam isso.
P/1 – Como é que se conseguiu provar que a Vale era uma empresa que não tinha que ser tratada como tupiniquim?
R – A Vale estava cumprindo os contratos, estava dizendo coisas que faziam sentido em termos de mercado, e ela estava conquistando conquistando terrenos dos outros. Ela não estava crescendo para um mercado crescente, estava ganhando posição relativa. E eram duas frentes. Esse era o problema complicado. Tinha a frente com os australianos para o mercado japonês, e a frente com os suecos e a Biferma com o mercado europeu. Os dois mercados se misturavam. A única Companhia que servia ao Japão e a Europa era a Vale do Rio Doce. Em compensação, a Vale do Rio Doce nunca teve sucesso nos Estados Unidos.
P/1 – O senhor credita a que isso?
R – Não sei exatamente. Os americanos explorando aqueles minérios horríveis que eles têm, mas que talvez seja um problema de segurança deles.
P/1 – Como foi a busca dos próprios japoneses para o trabalho com celulose?
R – Primeira a ideia foi de realizar uma conjugação e transporte. A ideia era do Eliezer Batista. E nessa conjugação de transporte o melhor seria o Japão, onde você teria vantagem relativa mais importante. Mas quando se pensou mesmo em celulose, não só em matéria-prima com celulose, acabou sendo os japoneses os sócios que mais nos interessaram. Precisa lembrar que era uma época que o Japão estava dando muita importância ao Brasil. Ele entrou em uma porção de coisas aqui. Então, a gente aproveitou essa disposição do Japão.
P/1 – Havia um interesse dos japoneses no Brasil como um todo?
R – Sim, no país como um todo. Depois eles se retiraram.
P/1 – Por que eles se retiraram?
R – Uns anos mais tarde eles se retiraram. Não sei exatamente... teve um momento em que eles resolveram se concentrar na Ásia. As economias emergentes da Ásia começaram a oferecer oportunidades, e eles optaram assim: “Bom, é melhor investir aqui perto da gente.” E eles se retiraram um pouco do Brasil. Não se retiraram do que eles já tinha feito, mas se retiraram no sentido que não investiam mais no país. Naquele tempo, eles estavam no máximo do impulso para investir no Brasil.
P/2 – A política de diversificação de mercados da Vale, os acordos comerciais que se estabeleceram com países do bloco socialista, como Hungria, Polônia, Tchecoslováquia se devem à falta de confiança do mercado norte-americano, conforme o senhor falou?
R – Não, as tentativas não tiveram sucesso . Nós continuamos exportando para o mercado americano, mas um mercado menor para nós. Como eu já disse a você, eu não sei exatamente a que isso deve ser atribuído. Agora, a abertura de vários mercados era a política definitiva da Vale. Então, ela apesar do trabalho que era negociar com os países da “cortina de ferro”, que era o tempo do domínio total da Rússia... Aquilo dava uma mão de obra uma coisa fantástica, e você nunca sabia exatamente que terreno que você estava pisando. No dia seguinte, vinha uma contraordem, porque eles não tinham liberdade de negociação. Eu tenho cenas na Polônia dramáticas, que aconteceram. Eu passei três dias em Varsóvia. O Embaixador da Polônia era o Valadão, que inclusive já morreu também. Mas o Valadão tinha feito toda a preparação, o contrato e tal, e era com a troca de carvão polonês com o minério de ferro. Então, estava dentro do espírito de troca. Tinha uma referência de preço de um e de outro. E fomos lá para a finalização do acordo. As conversas já estavam todas mantidas, e uma ação conjunta do Itamaraty, e do Ministério de Minas. Quando chegamos lá, faltavam detalhes para acertar e não se andavamos um passo. Já estávamos em Varsóvia e não se dava um passo. Até que no terceiro dia, foi marcado um almoço, convidaram até no Palácio, um Palácio de caça, fora de Varsóvia. E marcado o almoço, eu disse ao Valadão: “Vamos, não podemos ficar assim. A gente tem que falar com o Ministro e ele disse: “Nós vamos falar com ele antes do almoço”. E antes do almoço, numa sala separada, já no Palácio do Barchaque, o Valadão disse a ele que queria uma entrevista definitiva sobre o que estava acontecendo, um esclarecimento. E o Ministro respondeu: “Eu fui proibido de assinar esse contrato desde anteontem”. Ele não teve outro jeito senão dizer. Os russos não deixaram. No fim, quando já estava quase tudo pronto, ele fez a declaração.
Eu e o Valadão estávamos representando o governo brasileiro. Ele enquanto Embaixador e eu como Ministro. E eu não tinha mais nada a dizer. Ele confessou o fato que ele estava impotente para firmar o contrato. Ele não disse que eram os russos, mas apenas falou: “Eu não tenho poderes para assinar o contrato”. Mas é evidente que os russos interferiram no negócio, porque eles vendem aquela porcaria do minério deles para a Polônia. Acho que os russos não acreditaram que a gente chegaria até lá. E a gente chegou mesmo, mas eles bloquearam. Acabou saindo, uma venda depois, menor e tal. Depois, no governo seguinte, fizeram aquela besteira de financiar carvão na Polônia. Financiar a expansão de mina de carvão na Polônia. E a Polônia não pagou. Você imaginou? Financiar o Estado num país socialista, sujeito aos russos? Isso não foi do meu tempo.
P/2 – Mas a Vale se sentia mais tranquila em negociar com países de economia planificada, que não estavam sujeitos às flutuações de mercado?
R – Eu acho que sim. Nós íamos num dever de Estado, negociar com Polônia e Tchecoslováquia. A Tchecoslováquia é melhor. Tinha mais tradição de permanecer, tanto que agora a República Tcheca está levantando muito mais do que a Polônia, após a libertação dos russos.
P/1 – O senhor falou em “dever de Estado”. Como a Vale se inseria dentro da política de governo, no plano estratégico nesse período?
R – A Vale tinha iniciativas da própria, como tinham outras empresas do governo. O pessoal da Siderúrgica Nacional propunha alguma coisa. E tinha iniciativa de cima para baixo. Tinha dos dois estilos, ou de baixo para cima, ou de cima para baixo. E evidente que a decisão era definitiva. Discutia-se, decidia-se e ponto final.
P/1 – Mas o que significa a política de dever de Estado?
R – Era tentar fazer negociações bilaterais.
P/1 – E no sentido mais amplo, como a Vale se inseria na política do governo militar? Tinha pressão de ordem política na gestão?
R – Não. Os únicos assuntos que surgiam dessa natureza eram esses de participação do sócio estrangeiro, ou de participação da Vale no exterior. A Petrobras quando fundou a Braspetro para ir para o exterior, houve uma reunião que, aliás, foi uma reunião meio dramática com o presidente, sobre os países possíveis. Então, militarmente, foi dito que tal lugar ou tal coisa não era conveniente. Diplomaticamente, me lembro do Gibson dizer: “Não, não é conveniente a Angola”. Que a Angola ainda era colônia portuguesa. “Que isso vai explodir por lá . E nós não devemos ficar como parte desse processo de explosão que vai acontecer lá”. Então, o Ministério das Relações Exteriores vetou Angola. E restou um caminho onde a Petrobras podia agir. Tinha aquele problema da África do Sul, porque se queria aproximar da África. Então, não podia se aproximar da África do Sul. Então, uma associação com a África do Sul, em termos de carvão, como a que a gente fez com a Polônia, era inconveniente. Então era uma interferência só em coisas de gravidade. No geral não se tinha esse tipo de coisa.
P/2 – Como eram feitos os contratos de longo prazo? E quando a Vale passou a se preocupar com o aspecto qualitativo do minério?
R – Isso a gente já falou um pouco porque, por exemplo, algumas dessas industrializações foram bem no sentido de valorizar as divisas que se produziam. Agora, do ponto de vista do negócio, nem todas foram bem. Quer dizer, não se ganhou mais dinheiro por unidade do que se ganhava. O minério ir embora, para o país foi vantajoso porque aumentou as divisas exportadas. Isso nessa parte. Agora, quanto a outra pergunta dos contratos a longo prazo. Ocorreu uma discussão gravíssima na Alemanha exatamente por isso, porque nós quisemos passar com um contrato de longo prazo. Por quê? Porque na parte internacional dos financiamentos, a posição da Vale, inicialmente, era muito fraca. “Vou te emprestar aí tantos milhões de dólares. Qual é o contrato que você tem aí? Qual é a receita? E a garantia?” “Bom, eu estou vendendo é ano a ano”. “Bom, então como é que você pode garantir que vai pagar isso daqui a quatro, cinco anos?” Então, a posição era fraca financeiramente, perante os organismos financiadores internacionais, tais como Banco Interamericano, Banco Mundial, e etc. Então, para isso, era preciso ter alguns contratos a longo prazo. O porto de Tubarão só foi possível, ainda no tempo do Eliezer, quando a decisão foi tomada, por causa de um contrato de longo prazo com os japoneses. Eles disseram: “Está bem, nós fazemos o porto para vocês. O minério vai ser mais barato, porque vai ser mais eficiente, mas vocês têm que dar o contrato que garanta o financiamento para esse contrato”. Quando a gente tentou fazer isso na Alemanha, os alemães não quiseram. Foi a tal reunião que eu mencionei. Aí, o Sohl, que era o presidente da Thyssen e o presidente da Federação das Indústrias da Alemanha, nessa ocasião, que depois ficou grande amigo. Mas, nessa ocasião, ele chamou a mim, o Eliezer e o Mascarenhas, nós três estávamos em Düsseldorf, lá, no Thyssen House, e eu disse mais ou menos isso: “Vocês têm que assinar o contrato, viemos aqui para negociar o contrato para esse ano”. E eles pensaram que a nossa proposta era fazer um contrato de cinco anos. E eles falaram: “Não podemos, porque não sabemos o preço”. E eu disse para ele: “Tosol, nós sempre vendemos, tivemos boas relações vendendo anualmente. Então continuamos vendendo anualmente, sem contrato. Agora nós queremos fazer contrato de cinco anos”. E foi a coisa mais arriscada que eu já fiz na minha vida. Falei: “Está bem, então nós voltamos para casa e ficamos vendendo no dia a dia certos que vocês vão ser nossos fregueses e que nós vamos cumprir a nossa parte.”
P/2 – Tinha alguma garantia?
R – Não tinha nenhuma. Ficou sem nada. Foi uma reunião dramática. O Eliezer ficou: “Você devia ter segurado isso mais”. Não tinha saída, a gente tinha que dizer isso. Para assinar um contrato de um ano, não tinha sentido, é o que a gente vai fazendo sempre, não precisa contrato? Eles telefonam, pedem o minério, a gente manda. E vão demorar dois ou três anos para arranjar outras fontes. Mas aí a gente vê o que acontece. Mas foi ousado. E deu certo. Passaram uns meses, eles nos chamaram para assinar o contrato. Não me lembro se foi cinco ou quatro anos, enfim, um contrato que não era do ano. Então, eu sei que foi uma reunião dramática. O Japão tinha hábito de fazer isso, a longo prazo, fechava a questão.
P/1 – A Vale já tinha uma equipe de negociadores externos que trabalhavam junto aos mercados?
R – Tinha sempre uma pessoa em Düsseldorf, que fazia o contato permanente. No Japão não precisava e nos Estados Unidos tinha, também, um escritório nos Estados Unidos, embora não muito bem sucedido.
P/1 – Como foi a passagem do senhor pelo Ministério das Minas e Energia? Como foi realizado o acordo de Itaipu?
R – Eu tive um assistente no Ministério, que, por incrível que pareça, cumpriu o que eu pedi no primeiro dia, que ele fosse colecionando todos os documentos relevantes. Depois nunca mais falei com ele sobre isso. Uma semana antes de eu sair, ele me entrega 16 volumes encadernados com todos os documentos numerados e com índice. Isso ninguém tem, ninguém teve alguém que fizesse isso para outra pessoa. Só não tem os documentos secretos, porque ele não tinha acesso a esse tipo de documentação. Era a divisão de segurança que tinha. Então, eu fiquei sem os secretos também. Mas esses documentos eram poucos, era quase tudo negócio de energia nuclear.
[Início da parte 2]
Projeto Memória: Companhia Vale do Rio Doce
Entrevistado por José Carlos e Fabrício Teixeira Neves
Depoimento de Antônio Dias Leite
Rio de Janeiro, 27 de junho de 2000.
Realização Museu da Pessoa
Código VRD 045
Transcrito por Elaine de Souza Zanolo
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Nós gostaríamos que o Senhor contasse um pouco sobre o seu ingresso no Ministério das Minas e Energia. Qual era a situação energética do Brasil nesse momento? E que tipo de solução tinha que ser enfrentada?
R – Quando eu entrei o problema urgente que estava acontecendo era de ordem financeira nas empresas de energia elétrica, porque havia sido feito um esforço muito grande na administração, e depois dentro do âmbito da Eletrobras de restabelecer um sistema tarifário em bases econômicas racionais. Tinha havido, no entanto, um estudo de uma infelicidade extrema em que achava que a remuneração do investimento das companhias energéticas prevista de 10% máxima era excessiva e que poderia ser reduzida, quando se verificava que o próprio 10% não estava dando a base satisfatória para que a empresa tivesse capacidade de obter os financiamentos complementares; de modo que a minha primeira preocupação foi isso e de conseguir revirar esse quadro o que consumiu dois ou três meses, e conflito logo de saída com a área de planejamento e financeira, que era com o Hélio Beltrão que estava no Ministério do Planejamento e o Delfim Netto no Ministério da Fazenda. E os dois preocupados com assuntos de inflação queriam evidentemente conter tarifas como sempre acontece. E felizmente eu fui bem sucedido. Tranquilizada essa área eu pude começar a pensar no problema global do Ministério que não era só energia elétrica. O que estava demandando mais atenção era, na minha opinião, a parte da mineração. Então, eu dediquei bastante tempo ao assunto da mineração. E antes já havia o assunto da energia e da construção de usinas ser mais atraente e obter mais reflexo na opinião pública do que a mineração. O Código de Mineração, os direitos minerais era sempre um assunto secundário. Então, o ministério se dividia em três partes: o da energia elétrica que era muito atraente pelas obras e pela repercussão; o do petróleo, que não era, porque quase sempre o ministro das Minas e Energia não conduzia a política de petróleo, e sim o presidente da Petrobras que, em quase todos os governos, se dirigia diretamente ao presidente da República; e o da mineração, que era relegado a segundo plano, quase sempre, e continuava a ser.
P/1 – Isso persiste até hoje?
R – Até hoje. Então, me pareceu que eu tinha que enfrentar o problema da mineração com a maior intensidade possível.
P/1 – Quando o Senhor entra no ministério a questão energética não enfrentava só problema da tarifa, quer dizer, tinham também outros problemas. Como que se pensava em energia para bancar esse desenvolvimento do Brasil?
R – A parte de construção de usinas e de expansão de sistemas estava em andamento, porque tinha sido reorganizado um pouco o setor depois das dificuldades do início dos anos 1960. O que estava correndo risco era o equilíbrio financeiro das empresas viesse a ser rompido, conforme estava previsto. Isso ia esbarrar as obras num período muito curto subsequente.
P/1 – Nos assuntos da Petrobras o Senhor não intervinha?
R – Não, nem mexia em assunto de petróleo.
P/1 – Essa área já fazia parte do organograma do Ministério?
R – Sim. E já no tempo do Juscelino tinha havido a briga do presidente do conselho do petróleo e do presidente da Petrobras, que eram dois militares, que foram ambos demitidos pelo Juscelino. Ele teve força para demitir os dois, talvez por serem dois (risos). Mas sempre a Petrobras foi uma entidade autônoma, não fazia parte do Brasil, nem do Brasil propriamente, uma espécie de uma multinacional sediada no Brasil.
P/1 – E com relação à mineração quais foram as primeiras providências tomadas?
R – Foi rever o programa de mapeamento geológico, contratar trabalhos de aprofundamento do conhecimento por métodos modernos de geofísica... Foram feitos vários voos de geofísica, vários contatos de geofísica... E foi feito o grande projeto da Amazônia do Radam [Projeto Radar da Amazônia] , que era um radar especial que chamava-se Radar de Visada Lateral. Ele permitiu fazer o levantamento da Amazônia independente da cobertura de nuvens, porque a aerofotografia da Amazônia nunca se chegava ao fim por causa da cobertura de nuvens e da permanência que impedia de completar qualquer imagem contínua. E o radar ignorava as nuvens. Esse levantamento completo da Amazônia inteira foi feito em três anos com o Radam. Foi um projeto assim heróico, e inclusive morreram algumas pessoas. Tinha que haver o apoio no chão, além do voo do avião que era um Caravelle equipado com tudo que era necessário para fazer esse projeto. Mas era indispensável a amostragem e a verificação no chão do que se detectava para poder amarrar a realidade física visível, palpável à imagem. E aí eram aterrissagens em clareiras de florestas, o que causava vários acidentes aéreos. Nesse projeto faleceram vários técnicos, auxiliares... Foi realmente um negócio quase que heróico, e o custo foi muito alto, coisa da ordem de 100 milhões de dólares em quase cinco anos.
P/1 – Esse mapeamento foi uma decisão que partiu do Ministério de Minas e Energia?
R – Foi do Ministério. Tinha, inclusive, a geografia, pois as cidades que estavam no mapa vigente fora do lugar, em aproximadamente uns 15 quilômetros, foram rearrumadas no mapa geográfico na Amazônia inteira. Esse foi um grande trabalho. E o outro foi na linha dos minerais nucleares, porque nós estávamos trabalhando na energia nuclear a muitos anos e houve um entusiasmo muito grande no época do aparecimento da energia nuclear como ela sendo capaz de trazer soluções para problemas, especialmente problemas de países subdesenvolvidos que antes não teriam sido possíveis. Foi uma grande decepção anos mais tarde. No entanto, estava muito na mão dos físicos e dos cientistas, inclusive dos diplomatas, porque toda aquela discussão sobre o uso da energia atômica, a sua limitação para fins militares, era assunto de debate muito intenso na diplomacia. Então, o conjunto de pessoas que tratava do assunto era um conjunto diplomático, científico, físico... E com um pouco de fantasia da parte política que via naquilo uma salvação. Havia, inclusive, um projeto em Belo Horizonte de construir um protótipo de reator nosso para usar o material que nós tínhamos abundante. Nós e a Índia que tínhamos interesse nesse projeto, tinha esse projeto um orçamento limitado aos recursos muito pequenos do Brasil. Então, passou-se por um problema muito realista que era botar os pés no chão e ver primeiro se nós tínhamos ou não o minério nuclear . Assim, foi desenvolvido uma campanha muito grande com base nos trabalhos já realizados antes. Nós tínhamos tido uma missão francesa e uma missão americana nos ajudando na antiga comissão de energia nuclear. Foi então, constituída uma companhia de tecnologia nuclear para dar mais agilidade a esse trabalho, e o desenvolvimento foi muito grande no campo mineral. Em seguida veio a dúvida no campo do processamento, e novamente um problema político gravíssimo. Então, havia um problema muito grave numa fase do processamento, sem o enriquecimento, o beneficiamento do minério, as transformações iniciais, que eram técnicas de metalurgia e de beneficiamento de minérios mais ou menos conhecidas e aplicadas. Num instante a gente produzia o yellow cake que é o granatos. Essa era a forma que o minério de urânio estava pronto para ser enriquecido. Eu ainda tenho lá em casa um vidrinho com o primeiro yellow cake produzido nessa época. Mas o enriquecimento tinha o processo da gaseificação que era o único usado na fabricação das bombas. Então, tinha uma usina nos Estados Unidos, uma na Rússia, uma na Inglaterra, e outra na França, e ponto final. Eram os quatro países que detinha essa tecnologia, tinha as famosas ultra-centrífugas que os alemães tinham começado, que deram origem a todo aquele drama do almirante Álvaro Alberto do princípio da comissão de energia nuclear. Ele teria tentado contrabandear uma outra centrífuga da Alemanha para Brasil na época da plena ocupação da Alemanha. É um episódio interessante nessa história, mas que não estava plenamente desenvolvido e tinha uma técnica nova que os próprios alemães estavam... E todas elas com restrições políticas terríveis sobre o seu uso, cópia ou cessão, e que ao mesmo tempo, conduziam a hipóteses de reatores profundamente diferentes. Ou o reator de urânio enriquecido, que trabalhava com vários elementos ponderadores, mas que requeria um processo de enriquecimento intenso, porque o urânio era bastante enriquecido, que era o processo usado pelas usinas americanas, e naquela época, lideradas pela Westinghouse usina elétrica. E o do urânio natural que evitava o enriquecimento, mas que requeria água pesada, que era outra tecnologia que ninguém tinha. Só dois ou três países que tinham tecnologia da água pesada.
P/1 – Que tipo de tecnologia é essa?
R – É uma água que a molécula num dos átomos tem mais uma carga do que a água comum, então, a fabricação da água pesada era outro segredo tecnológico. Por isso que as pessoas não se entendiam na energia nuclear, pois como havia uma porção de alternativas do lado dos reatores, outra porção de alternativas do lado do enriquecimento. Se você pusesse nove pessoas ligadas a energia nuclear, nessa época, tinha nove opiniões diferentes, então, qualquer pessoa que se pusesse na comissão de energia nuclear tinha oito contra (risos). Aquilo era um drama. No entanto, não havia a menor hipótese nessa época do grupo de Belo Horizonte chegar a um projeto de reator que pudesse ser construído num prazo de dez ou 15 anos. Tanto que até hoje não foi feito. E a usina de Angra, na realidade, foi decidida como sendo uma usina sem compromisso, consequência de usinas daquele tipo. Uma usina nuclear comprovada do melhor e mais confiável fabricante que existia no momento, e com a maior experiência para trazer aquilo ao Brasil.
P/1 – Chegava a ser quase uma escola, não é?
R – Realmente. Isso foi deturpado nas propagandas dos outros oito elementos contrários ao um que resolveu como sendo a compra de uma caixa preta (risos). Mas não tinha alternativa, porque você já começar na primeira usina a ter uma participação significativa na construção é impossível. Logo a seguir se fez um estudo grande, amplo, que foi contratado, sobre a capacidade da indústria nacional poder participar da construção de futuras usinas. Juntamente com a compra de Angra se pensou nas futuras, então, a capacidade dos vasos de contenção, das ligas especiais, todos aqueles componentes, e esse relatório foi publicado depois mostrando o que tinha que evoluir na indústria brasileira para poder ser capaz de entrar na produção, como a gente tinha entrado na produção das usinas hidrelétricas, em que a gente fabricava as turbinas, os geradores, tudo, depois de vários anos.
P/1 – Previa-se incentivos para as indústrias nacionais?
R – Não chegou a isso. Só feito o inquérito. Então, esse era o quadro. Estou querendo me lembrar se o quadro está completo, mas era mais ou menos isso. Quando se tomaram as decisões, primeiro, do amplo programa de uma segunda etapa das pesquisas geológicas que já tinham sido feitas. “Então vamos aprofundar essas pesquisas para ver que reservas de urânio a gente tinha.”, ou de tório. Naquela época se pensava ainda no urânio e no tório. Depois o tório de fato não correspondeu à expectativa. Se pensou na constituição da companhia tecnologia nuclear para promover, acompanhar e dar sequência a esses contatos com as indústrias sob a possibilidade de construção de usinas futuras, e a aquisição de Angra 1 com a Westinghouse e as aplicações acessórias da energia nuclear em vários setores, na agricultura e tudo, na medicina.
P/2 – Quer dizer que a escolha do lugar onde seria construída Angra 1 e a tecnologia empregada ficou por conta da Westinghouse?
R – A escolha do lugar não. A usina foi comprada caixa preta, é uma usina Westinghouse, modelo que ela tinha nove instaladas no mundo, consagrada, e deu o maior problema (risos), uma coisa da sorte, uma coisa incrível, a essência desse problema vale a pena relembrar. E o projeto da Westinghouse tinha um intercambiador de calor. Quer dizer, a água que circulava na usina. Nesse intercambiador de calor, ela trocava calor com uma outra água que vinha de fora e voltava para fora, de modo que não entrava em contato com a usina nuclear. Ela entrava em contato com o intercambiador de calor que trazia esse calor da usina nuclear. Então, era uma garantia de não contaminação. Esse intercambiador deu problemas, não aqui, mas na Suécia, na Espanha, em três ou quatro usinas da Westinghouse que deram problemas graves. Uma delas foi fechada.
P/1 – Os técnicos brasileiros acompanharam a construção?
R – Sim. O projeto é que era intacto. Era uma usina que nós considerávamos que não era confiável, era uma experiência. Nós estávamos experimentando para ver como é que funciona. Ela não podia ser posta em qualquer lugar, pois tinha que ser em um lugar onde ela saindo de linha ou entrando não afetasse. Tinha então que ser no eixo Rio-São Paulo e próximo do mar. Então, as localizações ficaram muito restritas. Desde o princípio da comissão de energia nuclear tinham feito grandes esforços de mapeamento básico, onde havia possibilidade de mineral radioativo etc.
P/1 – De quando é a comissão?
R – É do governo Juscelino. Então o assunto das usinas foi um aspecto que ocupou praticamente todo o tempo que eu estive no ministério.
P/1 – Nunca houve pressão internacional, americana, em função dessa pesquisa?
R – Não, porque nós não nos aventuramos no assunto nem da água pesada nem do enriquecimento. Nós participamos apenas do trabalho que estava sendo feito na Alemanha e de uma pesquisa que estava sendo feita em Israel sobre água pesada, mas não fizemos nenhum passo, porque não tínhamos certeza do passo que iríamos dar ainda. O trabalho foi conhecer os minérios, aprender a tratar desses minérios, e chegar a fase de ter o minério pronto para ser beneficiado e ter uma usina primeira, treinar gente. O nosso treinamento de gente foi em quantidade enorme.
P/1 – Houve uma política de treinamento?
R – Treinamento de gente, certo. Um pouco paralelamente a isso se deu ênfase a pesquisa mineral em geral, já falei dos grandes projetos de levantamentos aéreos, os de geofísica em regiões definidas do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, regiões definidas, e o Radam na Amazônia. Eu deixei de mencionar o levantamento da plataforma continental. Foram feitos levantamentos no que se chama plataforma. Esse levantamento da plataforma foi feito numa operação conjunta. Foi essa uma das dificuldades no Ministério, que era fazer o entendimento entre os órgãos que dele participavam. Então, a operação conjunta que envolveu a Petrobras, a Companhia Pesquisa de Recursos Minerais, o Departamento da Produção Mineral, o Conselho Nacional de Pesquisas e a Marinha...Tudo isso foi posto dentro de um navio, todo mundo junto. E foi até um episódio interessante, porque o comandante tinha que ia comandar a operação tinha que ser um homem do mar. Então, foi num desses debates ridículos que houve. E veio também a colaboração de uma grande instituição americana, que é a (Mutshold Oceanographic Institute?), com aparelhagem de sondagem também geofísica modernos. Esse navio percorreu, fez toda a plataforma que se julgava mais interessante, não só para fins da parte de minérios de profundidade, petróleo e outras coisas, como para minérios de fundo do mar, com possibilidades de manganês e outras coisas do mar. Esse trabalho durou mais ou menos uns três anos. E todos os resultados são publicados em folhetos descritivos de cada etapa, de cada uma das questões que foram levantadas na ocasião. Então, se fez em terra e no mar também. E veio o grande debate do lado dos geólogos, que foi com a criação da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, cuja ideia era criar uma entidade que tivesse uma flexibilidade de, por exemplo: tem uma sonda furando em Roraima e quebrou a broca, contratar um avião teco-teco e ir levar a broca, porque aquela sonda por dia custa uma fortuna e paga a viagem do teco-teco, e uma repartição pública para contratar esse teco-teco levaria meses, porque tinha que fazer concorrência, licitação etc. Então, era uma companhia ágil que iria fazer no campo da pesquisa o que a Rio Doce fazia no campo específico do minério, o que a Petrobras fazia no campo do petróleo, ela ia fazer no resto dos minerais do Brasil. Só que ela foi taxativamente excluída da atividade. Foi um grande debate meu com o Roberto Campos, porque ele escreveu numa ocasião que eu estava criando a Minerobras. E foi maldade dele, porque estava explícito no objetivo da sociedade que ela tinha prometido a pesquisa, e ela tinha que colocar em licitação depois os resultados dessa pesquisa para quem quisesse explorar.
P/1 – Ela colocava em licitação?
R – Sim. Isto estava escrito no seu estatuto. No estatuto que eu fiz e foi aprovado no Congresso. Então teve dois combates que nasceram debaixo de tiroteio. Todos os geólogos acharam que ela ia usurpar a função do glorioso serviço geológico nacional, mas eu publiquei depois o que o serviço geológico nacional fez, cujo grande mérito foi pesquisar uma área equivalente a mais ou menos uns 5% do território nacional. Era na base da botina e do trabalho intensivo no campo. Então, não é que houvesse que desmerecer, mas na velocidade que o serviço tradicional ia ser feito era ridículo manter um sistema que não pudesse utilizar os meios modernos. A maioria dos geólogos nunca aceitou a criação da Cprm [Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais] com objetivo empresarial. O serviço geológico dos Estados Unidos tinha sido feito na base do serviço público. O nosso serviço tinha sido feito para discussão de todas as pessoas que tivessem conhecimento, um serviço científico, básico, que não cabia dentro de uma empresa de interesses econômicos. Apesar disso, tiveram alguns que concordaram, inclusive o Moacir Vasconcelos que estava no Departamento da Produção Mineral, e que eu desloquei para a função de Diretor Técnico da Cprm e botei um advogado como Presidente da Cprm, porque era um problema empresarial e não problema técnico. E o Moacir que era engenheiro de minas de Ouro Preto, e não bem geólogo, ficou até mal com o pessoal. E os geólogos não perdoaram. Eles sempre foram contra e depois acabaram, anos mais tarde, liquidando a Cprm e voltando ao serviço geológico do Brasil. Porque o geólogo é a única categoria profissional que eu conheço que liquida a própria profissão. Eles mesmos, na Constituição de 88, fizeram uma campanha de tal ordem, que foi de má fé. Não digo todos os geólogos, mas os que conduziram a campanha no Congresso, porque apresentaram o mapa do Brasil com os pedidos de pesquisa. Ora, pedido de pesquisa qualquer uma pessoa pode fazer, desde que preencha o formulário certo etc. A concessão dos direitos de pesquisar e depois o direito de lavra é que são os dados relevantes. Então, eles assustaram o Congresso. “Está vendo o Brasil está loteado, todos pedindo pesquisa”. E estava de fato, todo mundo tinha coberto todas as áreas (risos). E veio aquela restrição terrível que de 1988 em diante acabou a mineração no Brasil. Não teve nenhum empreendimento novo de mineração no Brasil depois da Constituição de 88. Foi a vitória dos geólogos que acabaram com a própria profissão, porque as empresas grandes, estrangeiras e tal, demitiram todos os geólogos, porque não iam fazer mais trabalho. Então eles perderam todos os empregos. Esse é um episódio a parte. Então, a Cprm nasceu sob combate do lado da economia liberal chefiado pelo Roberto Campo, pelo Glaico de Paiva, e tem alguns episódios também pessoais críticos, porque o Glaico escreveu um artigo dizendo que eu devia ter proposto o que foi feito na Austrália, e ele descreveu o que foi feito na Austrália. Eu tinha estado na Austrália, e sabia o que tinha sido feito lá, e aquilo me pareceu estranho. Eu disse: “Bom, é alguma coisa nova que ele está comparando com a Cprm”. Eu iria à Austrália, tinha visto muita coisa sobre a Austrália, porque eu ia, estava me preparando. Mas aí, procurei o embaixador e pedi que ele apurasse aquilo, o que é que havia naquele artigo. E ele me escreveu uma carta dizendo que no artigo do Glaico: “everything is almost untrue”, ou seja, “tudo é quase que inverdade, quase tudo é inverdade”. Então, campanhas desse tipo foram feitas por pessoas de responsabilidade nessa ocasião contra a Cprm. Mas ela foi em frente e eu acho que ela contribuiu, embora tenha sido abortada num certo momento e teve umas administrações meias estranhas também mais tarde.
P/1 – Por que o senhor acreditava nesse tipo de campanha contra o setor mineral, que era um setor delicado?
R – Eu acho que quem se interessava pela mineração eram as empresas estrangeiras, porque as brasileiras não têm muito interesse pela mineração. É uma coisa engraçada. Empresas de mineração brasileira de porte existem meia dúzia. Existe garimpagem que é outra coisa. Eu acho que, de um certo modo, havia um medo da fuga do capital estrangeiro. A oposição dos liberais se juntava à oposição dos super-nacionalistas (risos), por outros motivos, e não é raro essas fusões. Em relação à cooperação latino-americana nós tivemos duas evoluções importantes na ocasião, uma que não evoluiu, e resultou simplesmente em discussões intermináveis, que era o petróleo da Bolívia. Naquele tempo não era gás, a Bolívia oferecia era petróleo. Então, as negociações intermináveis com a Bolívia não chegaram a dar nenhum passo decisivo. Foram elaborados planos, inclusive, de utilização conjunta na fronteira, e aí já com algum entusiasmo, o projeto de construção de um polo industrial na fronteira, uma parte do lado do Brasil, uma parte do lado da Bolívia, uma siderurgia para servir a necessidade da Bolívia, mas havia uma impossibilidade da negociação, que não chegava ao fim. E do outro lado, havia planos com o Paraguai sobre o assunto de Itaipu de Sete Quedas. Havia um problema antigo com o Paraguai em relação a própria linha divisória dos tratados anteriores. E, surgiu depois um problema com a Argentina relativo às conseqüências jusante da usina, e tinha, ainda, um problema interno brasileiro que era da concepção de engenharia. Quando o assunto do aproveitamento começou a tomar corpo, o Marcondes Ferraz, que era um grande engenheiro projetista e que tinha ganho merecidamente esse título com a concepção da Usina de Paulo Afonso que o pertenceu, no Rio São Francisco, ele propugnava para uma solução de desvio do rio total através de um canal lateral. E já se tinha sugerido isso quando se decidiu contratar um estudo. Então, fez-se uma concorrência, uma tomada de propostas e foi assinado com um consórcio de firmas de engenharia, liderado pelos italianos. Apareceram várias alternativas. Consideraram a hipótese do Marcondes que do ponto de vista político era inviável, porque ele fazia uma barragem do rio, em território exclusivamente brasileiro, que seria uma barragem baixa, desviava por um canal à margem do rio e despejava novamente em território brasileiro numa usina do país. Isso obviamente resultaria que o Paraguai ia pedir: “Bom, então muda a fronteira também.”
Era uma coisa que se já era difícil o acerto com o Paraguai nessa solução… Mas aí aconteceu que no estudo dos consultores internacionais que fizeram. No entanto, tem gente que fica falando: “Se tivesse feito o projeto Marcondes...” E também ficam criticando o fato de que o investimento da energia de Itaipu seja em dólar. E em que moeda tinha que se, em guarani ou em cruzeiro? Se fosse cruzeiro o Paraguai não aceitaria e em guarani nós não aceitávamos. Tinha que ser uma moeda. Podia ser em gramas de ouro, mas em cruzeiro não podia ser. Até mesmo pessoas de responsabilidade como a Miriam Leitão um dia falou: “Inventaram esse negócio da energia em Itaipu ser em dólar.” Não inventaram, era a solução possível. Era um rio internacional, inclusive com aquela porção argentina. Mas foi quando o projeto foi definido que surgiu a questão argentina. É famosa a questão dos efeitos a jusante e o direito de opinião das obras montante, nos rios que são limítrofes. E a posição jurídica do Brasil era complicada, porque se no Rio Paraná nós estávamos montante e o vizinho Argentina estava jusante, no Amazonas nós estávamos jusantes e os vizinhos venezuelanos estão montante, então a posição no Amazonas. Desse modo, tinha que ser uma coisa que fosse teoricamente defensável. Isso causou um debate enorme conduzido pelo Ministro das Relações Exteriores que era o Mário Gibson Barbosa. Isso tudo está relatado no livro que ele publicou com bastante detalhe. Também tinham projetos Argentina-Paraguai a jusante, cuja cota, altura da água na barragem era influenciada pela cota de saída de Itaipu. Enfim, era um problema extremamente complicado. Foi tudo decidido, inclusive foi levado ao âmbito das Nações Unidas, onde se estabeleceu um acordo entre as três partes, o que permitiu essa solução, embora continue sendo discutido, porque tem pessoas que gostam de discutir a usina de Itaipu que já está feita.
P/1 – O Senhor participou de Trombetas de alguma maneira?
R – Apenas mais uma coisa sobre a usina de Itaipu que eu considero muito importante, que foram as duas linhas de transmissão de Itaipu para o Sudeste e para Sul. Realizaram, de fato, a integração dos dois sistemas, porque as linhas, principalmente de Furnas no Sudeste e as linhas da Eletrosul no Sul, que faziam uma integração local, mais dos três estados do Sul e mais dos estados do Sudeste, ao ligar Itaipu a São Paulo, Itaipu ao Paraná. Se estabelecia a integração do sistema elétrico, exceto Nordeste e Norte. O Nordeste já era integrado, mas isolado do resto, e continua, aliás. E havia a necessidade de organizar a operação conjunta desse sistema inclusive pelo aproveitamento das usinas térmicas que estavam no Sul e não forneciam nenhum apoio ao sistema Sudeste. Assim, foi elaborada a lei referente à operação de Itaipu, repartição da energia, administração do sistema integrado. Surgiu um grupo para coordenar a operação integrada e o aproveitamento da energia térmica, que é originalmente brasileira. Nenhum país no mundo tem isso. Esse sistema veio sendo aperfeiçoado até ser liquidado agora pelo Ministério de Minas e Energia ou pelo Bndes [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Eu realmente não sei quem foi. Os ingleses tinham proposto um período longo para supressão desse sistema, que perderá fisicamente o sentido quando as usinas térmicas assumirem uma proporção maior no sistema brasileiro, o que vai acontecer fatalmente, dentro de uns dez ou 15 anos.
P/1 – É um aumento da...
R – Da proporção térmica. Então, os ingleses propuseram um esvanecimento do sistema em 15 anos, e a precipitação do Bndes naquela privatização, eles reduziram esse muito o prazo. Vai ser encerrado a operação desse sistema antes do que devia ser. Os ingleses tinham razão em dar um prazo maior. Essa lei foi esteio da operação integrada desde Itaipu até Agoche.
P/1 – Essa integração já surge antes mesmo da construção de Itaipu?
R – No meu tempo a lei já estava feita. Eu fui ao Congresso defendê-la e inaugurei o sistema. O Flávio Basílio era o presidente do Congresso, e ele dizia: “O sistema hoje vai inaugurar o regulamento novo” em que o Ministro convocado pode ele interpelar o congressista. Antes somente ele que era interpelado. Eram os dois defensores e opositores ao projeto que nós enviamos que eram do MDB [Movimento Democrático Brasileiro] e da Arena [Aliança Renovadora Nacional]. Era o Aureliano Chaves e o deputado Zé Machado.
Em seguida, quando o Aureliano foi ser Ministro, o Machado foi ser chefe do gabinete dele. Ele ainda estava na oposição na ocasião do projeto de Itaipu, no escoamento da energia e da operação.
P/1 – O Senhor foi sabatinado?
R – Fui. Mas eu também podia sabatiná-los. Isso está já publicado no Congresso. Aliás, eu nesse meu livro incluí essa exposição minha.
P/1 – O Senhor reproduz isso?
R – É, incluí porque achei que ela representava toda a filosofia da operação do sistema nessa época, que durou 25 anos, e agora está sendo modificada para privatização. Promoveu-se também a integração Norte-Nordeste através de Tucuruí, quer dizer, a usina de Tucuruí fazia suprimento a Amazônia Oriental e fazia ligação com o Nordeste no Ceará. Você falou sobre Trombetas?
P/1 – Isso mesmo.
R – Então, a par da atividade de pesquisa para oferecer um melhor conhecimento do território, foram feitas tentativas de constituição de empresas ou consórcios que de fato assumiram responsabilidade no setor mineral. A descoberta da bauxita no Pará deu origem a uma dessas instituições novas que juntou seis empresas diferentes para explorar a bauxita, e na cassiterita, em Rondônia, foi realizado um esforço muito grande para montar empresas que substituíssem o garimpo. O garimpo era qualquer coisa de catastrófico como condições de trabalho. Aliás, quase todos os garimpos têm condições terríveis. Lá, inclusive, tinha aquele assunto da malária, e conseguiu-se explorar a bauxita. Então, lançou-se a Rio Doce em vários projetos fora do minério de ferro para tocar o assunto, porque, de um modo geral, não surgiam os interessados.
P/1 – A Vale foi chamada porque não surgiam os interessados, é isso?
R – É. Era uma instrumento que tinha organização, força, experiência. Tiveram desastres também, como o desastre do potássio, daquela cubina subterrânea em Sergipe. O relatório de geologia, o problema político, a vizinhança dos campos de petróleo da Petrobras, a nossa inexperiência na licitação de áreas minerais, enfim, tudo aquilo foi um desastre. Jogou-se dinheiro fora. Eu tenho que falar dos desastres também? (risos)
P/2 – Quais eram os acontecimentos mais catastróficos?
R – Deu tudo errado empresarialmente. Acho que estão extraindo potássio por lá.
P/1 – O Senhor poderia nos falar um pouco mais sobre o projeto Radam?
R – O projeto Radam foi um pouco ousado, porque estava pronto um projeto para fazer um grau por um grau, quer dizer, um grau de latitude e um grau de longitude. Tudo preparado, e nós expandimos para 3.000 quilômetros quadrados de uma pancada. Teve um planejamento que foi feito com um pouco de pressa e que haviam riscos. Sob o ponto de vista técnico, o sucesso foi completo, quer dizer, as imagens estão todas disponíveis. Um artista tinha feito a colagem de todas as imagens e ficava na sala de espera do gabinete do Ministro das Minas e Energia, em Brasília. É um mapa de mais ou menos uns seis metros por três. Aparece a Amazônia inteira, onde você vê pela fotografia o Rio Amazonas inteirinho, da nascente ao mar. É impressionante. É um trabalho artístico bem feito que sumiu. Nessa coisa toda de muda ministério, divide ministério, junta ministério, divide ministério novamente, acabou que o mapa sumiu. No Ministério das Minas e Energia não está. Eu estive lá outro dia e não está. Deve ter dado trabalho tirar, porque era uma montagem enorme. Está tudo disponível. É um trabalho iniciado, feito, concluído e publicado. O trabalho da plataforma foi também publicado e o resultado está todo disponível. A ideia era de tornar disponível para as pessoas para quem quisesse se aventurar. E houve bastante utilização dos serviços. Foram várias iniciativas que ocorreram, do campo mineral até a Constituição de 88. O mal que foi feito na mineração com a Constituição de 88 pode ser verificado da seguinte forma: várias minas têm uma vida definida, de modo que a melhor exploração dela é em 12 anos. Você não vai arrastar nem acelerar, porque é a melhor economicamente. E uma outra é para oito anos, outra para 25, outra, como Carajás, é para 200 anos. Então, uma mineradora de um certo tipo de minério procura outras para substituir quando está prevista que vai ser interrompida, como houve a interrupção da pesquisa. A mineração brasileira está diminuindo, a mineração de ouro que já chegou a bem mais de cem toneladas está em 60, 50 toneladas, e vai cair para 30, porque não se abriram minas novas desde que aconteceu o corte da mineração em 88.
P/1 – Como era a relação do Ministério das Minas e Energia com a Vale? O senhor escolhia o presidente da empresa?
R – A relação do Ministério no meu tempo com todos os órgãos foi muito boa. Na Petrobras foi apenas difícil, mas isso não era novidade, porque todos os ministros tiveram dificuldade com a Petrobras. Isso era normal.
P/2 – Devido ao grau de autonomia que a Petrobras dispunha?
R – É, ela se considera anterior ao Ministério, nunca aceitou essa subordinação.
P/1 – E na Vale isso não acontecia?
R – Não, com a Vale era diferente.
P/1 – Mas como que o Ministério pensava a Vale do Rio Doce dentro de um planejamento, dentro de um projeto mineral brasileiro?
R – Ela teve um papel muito importante, porque quando se sentia que o projeto de reorganização da mineração envolvia modificações no código de minas e um mapeamento mais de pesquisa básica, pois os que se aventurassem na atividade mineral encontravam pelo menos uma primeira base de apoio, nós sentimos que a Vale poderia exercer um papel precipitador do progresso mineral entrando em outros ramos. Antes dessa época nunca se tinha pensado na Vale envolvida nas atividades de ouro ou cobre ou qualquer outro minério. Era minério de ferro e minério de ferro. Então, isso foi a mudança que ocorreu na Vale nessa ocasião com o seu lançamento nessas outras atividades, principalmente por causa da descoberta desses outros metais em Carajás.
P/1 – Trombetas foi também um desses casos?
R – Não, em Trombetas a Vale foi chamada para exercer um papel de representante nacional de uma liga de nações naquela região. As duas grandes empresas de mineração na ocasião era a Ember, chefiada pelo Doutor Antunes, e a Votorantin, e tinha a Martensita, e as minerações de carvão. Eu acredito que não tinham mais que dez empresas. Continua sendo até hoje muito pequena a atividade mineral.
P/1 – Interessava ao Ministério incentivar a indústria nacional?
R – Isso mesmo, mas era uma cilada perigosa. Eu, inclusive, andei correndo riscos de começar a chamar o empresário X e Y e pedir para um fazer tal coisa, pois fica logo a suspeita de você estar dando preferência para alguém. Eu envolvi os empreiteiros, porque os empreiteiros são empresários que estão acostumados a lugares inóspitos, a trabalhar sem o ar condicionado na sala, como está acostumado o empresário industrial com o conforto urbano. E tinham equipamento pesado. Eram acostumados a manutenção em campo. Enfim, tinham várias características. Eu então fiz uma chamada aos empreiteiros e todos eles compareceram. Os grandes empreiteiros em conjunto. E lhes foi oferecida as informações, que o Ministério dispõe. Foram todas abertas. “Tem essas áreas, aquelas, tem isso, tem perspectiva aqui, ali, e...” Então, só a chefia do Cprm, e eu me lembro que teve uma pessoa que tinha direitos minerais e que não tinha um tostão furado que eu disse: “Olha, procura um desses, pois nós estamos procurando fazer com que os empreiteiros entrem. Vê se procura um desse para promover o desenvolvimento.” Era de Minas Gerais. E ele passou a dizer em Belo Horizonte que eu tinha mandado ele se associar com fulano. Eu corria o risco de tentar ajudar e ser interpretado de outra forma. Alguns empreiteiros saíram em campo, mas a maioria não foi bem sucedida, não houve muito sucesso. A mineração é um negócio muito difícil.
P/1 – As empresas estrangeiras também eram chamadas para participar das atividades minerais?
R – Também. Só para Trombeta nós chamamos cinco empresas estrangeiras.
P/2 – Cinco multinacionais?
R – Não eram multinacionais, não. Tinha uma norueguesa, outra era americana, a Alcan [Aluminum Company of Canada, Limited], canadense, que era a chave do negócio.
P/2 – Quem começou a explorar depois?
R – Ela que começou. Eu não mencionei, mas foi a questão do treinamento de pessoal. Sempre houve no Ministério esquemas de treinamento de pessoal bastante adiantados para época, tanto na Rio Doce como em algumas empresas da Eletrobras, como na Petrobras, e ampliou-se muito no sistema da Eletrobras o treinamento em serviço. Assim, nas diversas categorias, acho que ficaram funcionando dez centros no Brasil. Tinha o de Paulo Afonso, em Furnas, tinha lá no Rio Grande do Sul na companhia do Rio Grande, tinha em São Paulo perto de Campinas...O sistema era de retirar um homem de linha, um eletricista de terceira categoria, trazer para esse centro em regime de internato, durante 30 dias, e retornar já com a possibilidade de uma promoção num nível superior, tendo às vezes que retornar a um centro de treinamento. Não faço ideia como esses centros estão hoje, mas eles funcionaram muito bem. Eram milhares de pessoas ao ano que passavam por treinamento. Na Petrobras, tinha a formação daqueles técnicos de nível médio, e na Rio Doce era mais restrito, porque era mais especializado. Nós fizemos um treinamento de pessoal superior com o centro que foi construído ali em Itaipava, e que depois foi liquidado no governo Collor . Esse centro era para coisas breves como revisão, programas de qualidades, coisas como esses programas que estão na moda hoje.
P/1 – Isso era para todo o Ministério?
R – Todo o Ministério. Eles misturava gente, o que foi muito difícil.
P/1 – Foi difícil?
R – Foi, muito difícil, pois entre geólogos cada um queria ser treinado separadamente, embora fosse o mesmo assunto. Mas se conseguia. Esse programa de treinamento envolviam também as profissões auxiliares em convênio com universidades. Acho que foram milhares de pessoas que passaram por esse treinamento. Isso tudo foi encerrado no governo Collor.
P/1 – Que tipo de profissional foi integrado aos quadros do Cprm?
R – Tinha muita gente nova. Muita gente inexperiente e pouca com experiência para o comando. Esse foi um dos problemas da Cprm. Eu não sei qual foi a expansão do quadro, mas foi qualquer coisa da ordem de 20 por 200, de modo que a inexperiência era total. Eu fui acusado de bairrista e ponho o chapéu na cabeça. Então, dentro do espírito da cidade universitária do Fundão, eu joguei a ideia dos laboratórios serem um fundão também, puxei a brasa pra minha sardinha, e tiveram manifestações de raiva terríveis contra mim. O pessoal de Campinas então foi uma coisa. Então, foram construídos o Cenpes [Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello] da Petrobras, Centro de Pesquisa de Petróleo, o Cepel, Centro de Pesquisa de Energia Elétrica, e o Cetem, Centro de Tecnologia Mineral. Esses três centros mais o da energia nuclear formavam um conjunto de energia e recursos naturais fantástico que não se comunicam.
P/2 – Não se comunicam?
R –
Não se comunicam. É muito pouca a comunicação com a universidade também. Como é que fica a energia elétrica com a privatização do setor? É uma pesquisa num setor que era integrado sob coordenação da Eletrobras. Vocês conhecem os institutos da Ilha do Fundão?
P/2 – Não.
R – São institutos belíssimos e com muitos trabalhos bons.
P/1 – Os profissionais foram captados dentro do mesmo setor?
R – É, e depois foram aperfeiçoados no exterior.
P/2 – Quando o senhor saiu do Ministério?
R – Eu saí em março de 1974.
P/2 – Em que contexto que o senhor deixou o Ministério?
R – As coisas estavam, de modo geral, muito bem no país, em termos de crescimento econômico, oportunidade de emprego, trabalho etc. Havia uma nuvem no horizonte que era a alta do preço do petróleo que aconteceu, a primeira alta dos preços do petróleo.
P/2 – Foi no ano anterior, não é?
R – É, no finalzinho de 1973, praticamente no final da administração, bem na passagem para o governo Geisel. Era uma nuvem negra que a gente não sabia exatamente o que ia acontecer. Era o impacto sobre a economia nacional do petróleo, da alta dos preços. Nessa ocasião os preços estavam baixíssimos. Estavam fora da realidade, se bem que a alta pior aconteceu cinco anos depois, em 1979, com o segundo choque do petróleo.
P/2 – Essa crise não chegou a impactar a economia nacional durante...
R – Muito antes desse choque do petróleo o que se discutia era a queda do preço real do produto que vinha ocorrendo como tendência. O preço do petróleo vinha caindo regularmente, e parecia que aquilo iria continuar assim. Isto está na minha exposição ao presidente em 1972. Essa concepção de que aquilo não devia continuar e que tinha que se esperar. Então, os nossos programas que dependiam do petróleo se elevariam muito se isso não fosse contornado com um esforço maior na pesquisa do petróleo, e a proposta que eu fazia, e que está na íntegra como anexo no meu livro, era de que se fizesse um contrato de risco, se abrissem áreas para contrato de risco em que a empresa externa visse que teria obrigação de investir uma quantia qualquer estipulada. Eu não entrei em detalhes desses operativos da coisa, mas com risco total de perda, se não fosse detectado num prazo definido uma jazida comercialmente explorável teria o ressarcimento dos seus investimentos numa hipótese mínima e um royalty sobre a produção a mais daquele mínimo. Um royalty sobre a exploração devendo entregar o petróleo a Petrobras, que era a exploradora, pesquisadora e operadora, pois o monopólio estava em pleno vigor e sendo exercido pela Petrobras. Então, esse projeto não feria o monopólio. O projeto é uma coisa tão reservada que eu fiz à mão, não foi datilografado nem os desenhos foram feitos por desenhistas. O texto também foi escrito à mão por mim e distribuído ao Presidente e aos ministros interessados. Houve então uma reunião no Palácio das Laranjeiras, no Rio, em que o assunto foi apresentado, e foi uma reunião muito infeliz, porque ela juntou dois níveis de pessoas e devia ter sido feito em duas reuniões e não em uma. Então, estavam presentes o Ministro de Minas e Energia, o presidente da Petrobrás e o presidente do Conselho do Petróleo, que eram duas pessoas de outro nível. Devia, portanto, ter sido feito uma reunião fechada primeiro. E depois, o Ministro das Relações Exteriores por causa da proposta de ir para o exterior, tinha que opinar sobre os países que eram aconselháveis ou não, que a proposta era trazer de fora para cá e ir daqui para fora, as duas coisas.
P/1 – Daqui para fora também?
R – Daqui pra fora também, com a constituição da Braspetro. A mesa era composta por Delfim Netto, Ministro da Fazenda, o Gibson, que era Ministro das Relações Exteriores, Figueiredo, então Secretário do Conselho de Segurança, o Doutor Leitão de Abreu, Chefe da Casa Civil e o General Fontoura do Serviço de Informações. O General Geisel apresentou um veto total e absoluto, e de tarde o General Orlando Geisel, Ministro da Guerra, foi visitar o Presidente para endossar o veto do irmão. E o assunto não voltou à tona. No entanto, dois anos depois acontecia de fato o que estava descrito como provável, e nós tivemos aquele buraco. O governo Geisel começou infeliz economicamente por causa do buraco no balanço de pagamentos que deu logo no primeiro ano por preço do petróleo. E quatro anos depois ele propõe o contrato de risco sob a coordenação da Petrobras. Por coincidência ou não, as áreas todas que foram oferecidas não deram nada.
P/1 – E as áreas não deram resultado?
R – Não deram, as que eles ofereceram... Acho que estava faltando isso (risos).
P/2 – Então, o Senhor sai do Ministério nesse contexto de crise, não é?
R – É.
P/1 – Por qual razão o Senhor deixou o Ministério?
R – Eu saí naturalmente no final do governo Médici. Neste momento saíram todos os Ministros.
P/1 – Que tipo de trabalho o Senhor foi desenvolver a partir desse momento?
R – Quando eu saí eu montei uma sala no centro para voltar a fazer consultorias. No meu tempo da Icotec, fiz pouco trabalho, quase todos trabalhos que me eram oferecidos eu não podia aceitar, que eram trabalhos relacionados com assuntos dos quais eu tinha sido administrador a pouco tempo. Era impraticável. Aí me fechava um campo enorme de trabalhos possíveis, e eu acabei me envolvendo com seguros, porque o Celso Rocha Miranda me pediu para eu fazer alguns exames na companhia de seguro dele, que era a Internacional Seguros, e eu fui me envolvendo. Eu já tinha estado envolvido com o assunto de seguro na Sul América quando eu tinha o escritório, e o assunto não era novo para mim. Aí ele disse: “Em vez de ficar aqui assinando coisa para os outros fazerem, você não quer fazer você mesmo essa reforma aqui?” E eu fui para presidência da Internacional Seguros. Muitos anos mais tarde, a Federação de Seguros resolveu fazer uma revisão dos seguros no Brasil e contratou uma firma. Fez primeiro uma seleção de firmas e me pediram para ajudar na seleção. E foi escolhida a (Marquinsen?) para fazer o trabalho de revisão, o status do seguro no Brasil. E aí precisava uma pessoa que coordenasse o trabalho da Marquinsen com o das empresas de seguro com quem ela tinha que falar, Bradesco, Sulamérica, Itaú, e me contrataram para essa função de coordenador. Trabalhei dois anos junto com a Marquinsen nessa revisão do setor de seguros no Brasil, três vezes eu entrei e saí do seguro.
P/1 – E qual era o diagnóstico desse setor?
R – Saiu publicado todo esse diagnóstico, o que tinha que ser feito etc. E dava uma transformação grande os seguros de fato.
P/1 – Quais eram os focos centrais?
R – Era tudo definido pelo IRB, que está inclusive sendo vendido.
P/2 – O Senhor foi para que tipo de atividade depois que entrou nessa área de seguros?
R – Eu voltei para assunto de energia, mas já não tinha problema para mim. Então eu pude voltar e fui ser consultor em assuntos da operação do pessoal do carvão e do próprio Ministro Raimundo Brito. Eu fiz a proposição do Conselho Nacional de Política Energética no primeiro governo Fernando Henrique.
P/1 – Foi o Senhor que fez a proposição do Conselho Nacional?
R – Foi, só que está engavetado.
P/1 – Mas nesse período que o senhor saiu do Ministério e ficou dentro da área de seguros...
R – Aí eu eliminei temporariamente, porque eu não podia assumir coisas nesse campo na hora de ter saído do Ministério. Mas anos depois não tinha mais nada.
P/1 – O Senhor voltou para o Ministério.
R – Não, o Ministro Fialho me chamou para ajudar a chefiar uma comissão que tentou fazer day after, isto é, depois da Constituição de 88, na mineração. Eu trabalhei para Fialho uns três meses quando o Fialho foi Ministro da Minas e Energia. Eu trabalhei para o Brito sobre o problema do Conselho de Política Energética.
P/2 – Para essa onda de privatizações todas o Senhor não chegou dar pareceres?
R – Só quando entrou o assunto dos ingleses na revisão, acompanhar os ingleses.
P/1 – O senhor deu aula durante um tempo, não foi?
R – Eu quando voltei de Brasília não dei mais aula. Eu dei aulas eventuais, porque o reitor já tinha, o reitor aqui da universidade na época em que eu voltei era o Hélio Fraca, me deu duas missões: a de dar uma ordem no patrimônio imobiliário da universidade, e outra de ajudar a Fundação José Bonifácio. Então eu fiquei dedicado a essas funções.
P/2 – E atualmente como é o seu cotidiano?
R – Eu tenho um cacoete, escrever uns artigos (risos). Eu não deixo o cacoete de dar sugestões. Também é outro cacoete, eu escrevo ao presidente sempre, escrevi aos presidentes da República e sugiro, às vezes com sucesso, às vezes sem sucesso, sempre com agradecimentos amáveis. Eu sou uma das poucas pessoas que ainda escreve carta. Agora é tudo fax e e-mail (risos). Eu ainda escrevo carta.
P/1 – Que tipo de sugestão que o Senhor envia?
R – Foram tantas. Eu me lembro uma que foi aceita quando estava rolando aquela controvérsia... Não sei se foi aceita por minha causa, mas eu contribuí. Quando tinha a controvérsia da passagem da URV [Unidade Real de Valor] para o Real, e o Mário Henrique defendia que tinha que ser rápido, e o Paulo Rabello de Castro, que inclusive foram meus alunos, estava dizendo que tinha que esperar e tal. Aí eu escrevi para o Fernando Henrique dizendo que tinha que haver uma adaptação dos preços e que era bom que aquela adaptação produzisse os efeitos sobre os outros preços, e desse um pouco de lazer a isso para depois chegarmos a uma coisa razoável para conversão, e de fato a conversão foi atrasada. Ganhou a posição do Paulo Rabello e perdeu Mário Henrique. O governo, de fato, esticou um pouco uns meses para a passagem.
P/2 – Desde quando o Senhor tem esse hábito?
R – Ah, sempre. Eu escrevi também para o Sarney.
P/2 – Mas com relação à política energético-mineral o Senhor também costuma...
R – Também, sempre escrevi.
P/2 – Mais do que para economia?
R – Acho que depende da época. Às vezes, é mais uma coisa ou outra. As pessoas acham que é bobagem escrever cartas. Eu não me lembro de ter escrito nada que tenha sido mal recebido.
P/2 – Sua preocupação maior com a situação atual do Brasil com relação a economia, com relação a esse setor energético-mineral que não deixa de estar de certa forma associada...
R – Minha preocupação está nesta entrevista que eu dei a Rumos mês passado. Uma entrevista grande onde eu coloco que um país como o Brasil não pode ficar permanentemente sem crescimento econômico forte. Pode perder um ano ou dois, mas não pode ficar sem crescer. A estrutura social é muito frágil e se você não tiver um fator que sustente a vida econômica do país, você chega a lugar nenhum. E o que eu vejo nos economistas, tipo finanças internacionais, aos quais nós estamos subordinados, um conformismo com o crescimento medíocre. Pedro Malan, que tem conduzido tão bem dentro do modelo, ele nitidamente está satisfeito com crescer 4%. Eu acho que não vamos a lugar nenhum com isso. João Paulo Almeida Magalhães, nessa revista que chegou ontem do Conselho de Economia, está lembrando que com esse recrudescimento do crescimento econômico nos Estados Unidos, nós estamos perdendo terreno. Não estamos nos aproximando, nós estamos ficando cada vez mais longe. Então, que você não consiga crescer a 7% ou 8%, como nós crescemos no passado, é um fato que pode acontecer, mas você programar um crescimento de 5% está errado. Vamos tentar, se conseguir, conseguimos, se não conseguir, não conseguimos, mas programar um crescimento medíocre para um país em desenvolvimento é um desastre. Aceito que durante dois ou três anos isso seja necessário. Você não conseguiria estabilizar a moeda a não ser com um tranco violento na inflação, que tinha que ser sem aquecimento da economia. Quanto a isso acho que não há quem discorde. Mas daí por diante persistir nesse ritmo eu acho suicídio. Isso é que me preocupa.
P/2 – E como o Senhor vê a privatização da Vale dentro desse contexto de estabilização econômica, de contenção de gastos públicos?
R – O problema da Vale é um problema específico, porque ela é nossa grande exportadora, por esse motivo. Nós temos que assegurar um certo domínio sobre os empreendimentos de exportação, não quer dizer domínio estatal, mas domínio nacional. Esse tem origem na discussão da Rana com a Vale na concessão da... e outros minérios de ferro. O minério de ferro é exemplar nesse caso. A globalização do minério de ferro já existia antes dessa globalização atual. Já a Rana tinha mina em Labrador, nos Estados Unidos, no Brasil, e poderia deslocar produção mais de um lugar, menos de outro, por motivos que não têm nada a ver com a economia interna do país. Às vezes, não tem nada a ver com a eficiência, mas motivos específicos da empresa. Então, eu situo o problema da Vale principalmente como uma empresa nacional, que tem que permanecer nacional. Aliás, foi essa a ideia daquele golden share, em que o governo tem uma palavra em certas coisas na Vale, por exemplo, a desnacionalização de uma empresa de energia elétrica não tem o mesmo efeito, porque a energia elétrica funciona para um mercado interno, não tem nada a ver com a competitividade do país no exterior diretamente. Tem indiretamente pelo custo, mas não diretamente. A balança de pagamentos num país subdesenvolvido é sempre um ponto crítico. Então, eu tenho um sentimento de tristeza, porque eu quase sempre participei de uma luta, em vários estágios, em várias funções ativas ou de fornecedor de instrumentos de ação em que durante 30 anos nós crescemos os 7,5%. Isso foi raríssimo no mundo. Quem compete conosco é a Coréia, e a gente está aí parado. Nós não estamos parados em termos relativos. Em termos relativos nós estamos andando para trás. Então isso entristece, porque a gente fez um esforço que a gente pensou íamos chegar lá, não chegar nos Estados Unidos ou coisa assim, que é impossível, mas chegar num nível que possa assegurar uma vida decente para todo mundo. E jeito que vai nós não chegaremos lá.
P/2 – O senhor sempre teve o hábito de escrever?
R – Sempre. Eu gosto de escrever, e acho que escrever tem que ser sempre. Você não pode escrever eventualmente. Mas eu nunca me arvoraria em escrever semanalmente. Aí é outra coisa. Eu escrevo quando vem uma ideia ou surge uma situação. Eu passo, às vezes, dois, três meses sem escrever nada.
P/1 – Você teve convites para escrever em jornais diários, colunas?
R – Não, nunca tive. Também nunca procurei.
P/1 – O Senhor está com algum projeto de livro novo?
R – Não.
P/1 – Como que o Senhor recebeu o Jabuti?
R – Foi com surpresa. Eu nunca imaginei que um livro daquele estilo fosse receber um prêmio, mas a Nova Fronteira concorreu também, porque o livro ficou bonito, a apresentação ficou agradável.
P/1 – Gostaria de terminar com algumas perguntas simples. Como é a sua casa? Quem são as pessoas que o Senhor mora hoje?
R – Ih, tem muita gente lá.
P/1 – Tem muita gente?
R – Eu estou recebendo uma neta, depois recebi mais uma neta, que a minha filha arquiteta está no staff Museu Guggenheim, em Nova Iorque, o filho se deu bem e a filha não se deu. Então ela pediu para eu a receber. E os outros netos vão muito lá, e os filhos também. A casa é um movimento enorme.
P/2 –O Senhor tem quantos filhos?
R – Cinco.
P/1 – Cinco filhos? E eles fazem o que?
R – Todos moram aqui, só tenho uma que está em Nova Iorque, a Ana Luíza, que ficou bastante conhecida por umas duas obras importantes. Ela foi a principal responsável pela restauração do Paço Imperial aqui na Praça XV e do mosteiro na Bahia. Ela até recebeu uma bolsa e foi ficando. Agora está no staff permanente do Guggenheim. Trabalha 27 horas por dia e está satisfeita. Está fazendo o que gosta. O trabalho é horrível. Ela trabalha até no sábado. É dia integral, e ainda leva trabalho para casa no domingo. A outra tem uma porção de filhos, é psicóloga mas só exerce em particular. O outro é metalurgista e inventor.
P/1 – Inventor?
R – É. E tem ainda o Antônio que é bem sucedido como empresário. E a última é pintora, artista, faz restauração de quadro, etc.
P/2 – Que tipo de coisas são inventadas pelo seu filho?
R – Ele tem um processo de separação de fluidos magnéticos. É o maior especialista em fluidos magnéticos, e tem, inclusive, uma patente para a separação de impurezas na corrida de aço. É coisa assim nesse tipo. E não tem o menor sentido prático. O outro é empresário e só tem o sentido prático (risos). Os dois são interessantes assim, e tem doze netos. É, a última casou tarde, então, tem um camarada de cinco anos.
P/2 – O Senhor já tem bisneto também?
R – Não.
P/2 – Como é o cotidiano atual do Senhor?
R – Eu tenho muita ocupação sempre. Não sei porquê, mas tenho (risos). Mas eu escrevo e depois eu interrompo e trato dessas coisas de casa e conserto. Essa semana mesmo eu fiquei lá tratando da bomba e do filtro da piscina do sítio. Porque quando estou concentrado em escrever, eu tenho tempo para fazer outras coisas.
P/1 – Olhando para a sua trajetória de vida, eu gostaria de lhe perguntar se o Senhor tivesse que começar de novo e pudesse mudar alguma coisa, o que o Senhor mudaria?
R – Isso já é maldade.
P/1 – É só para pegar no pé.
R – Eu acho que não mudaria nada na minha vida. Eu já falei isso uma vez que eu quando eu tive oportunidade. Eu tive muitas oportunidades. Elas foram se coincidindo na sequência e na hora. Eu acho que foram as que conduziram bem a minha vida. Inclusive, acho que eu consegui sair muito tranquilamente do governo, coisa que, às vezes, é difícil para muitas pessoas. Somando o tempo da Vale do Rio Doce com o do Ministério das Minas e Energia, fiquei sete anos no governo, o que é muito tempo. No entanto, eu saí sem problema para readaptar a vida, exceto durante uns dois ou três meses. Os hábitos todos são diferentes e você tem que mudar.
P/1 – E quais são os seus projetos para o futuro?
R – Tem um outro livro que eu estou pensando, mas não estou muito entusiasmado com ele e pretendo retomar o tema dessa entrevista sobre o crescimento. Uma porção de pessoas está recomendando que eu faça isso, mas eu ainda não tomei a decisão.
P/1 – E por último, o que o Senhor achou de ter prestado depoimento para um projeto de memória da Companhia Vale do Rio Doce?
R – Eu gostei. Eu sempre achei importantíssimo o assunto da memória. Eu tenho mandado coisas e guardado. Ainda não mandei para memória tudo, porque ainda estou usando. Mas eu acho muito importante a preservação da memória, porque a gente acaba esquecendo das coisas.
P/1 – Tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar?
R – Não, acho que é só.
P/1 – Então, muito obrigado.
--- FIM DA ENTREVISTA ---
Dúvidas
Tosol
Biferma
Malchuman
Palácio Barchaque
Marquinsen
Mutshold Oceanographic InstituteRecolher