BNDES: 50 anos de história
Depoimento da Beatriz Azeredo da Silva
Entrevistada por Márcia de Paiva e Rosana Misyara
Rio de Janeiro, 07/05/2002 e 14/05/2002
Realização: Museu da Pessoa.
Entrevista número: BND_TM010
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Pra começar diga o seu nome, o local e a data de nascimento.
R - Beatriz Azeredo, Rio de Janeiro, onze do cinco de 56.
P/1 – Seus pais?
R – Omar Azeredo da Silva e Lia Azeredo da Silva.
P/1 – Eles nasceram aqui no Rio de Janeiro também?
R – A minha mãe no Rio de Janeiro, e meu pai em Campo Grande, Mato Grosso.
P/1 – E qual a atividade deles?
R – Meu pai militar, exército e minha mãe professora de Educação Física.
P/1 - Eles se conheceram aqui no Rio de Janeiro?
R – Eu acho que sim (risos).
P/1 – Em que bairro você passou sua infância?
R - No Rio, basicamente na Urca, e morei pelo Brasil a fora como filha de militar, mas a grande parte de minha vida no Rio de Janeiro. Entre Copacabana e Ipanema.
P/1 – E nessa sua trajetória, o que você escolheu como curso de sua formação?
R – Eu, como acredito a grande maioria dos jovens, aos dezoito, dezessete anos não tinha idéia do que ia fazer, ou então tinha várias idéias. Nessa época eu jogava vôlei, eu fazia basicamente isso como principal atividade, além de estudar o mínimo pra passar (risos). Eu jogava vôlei, e eu fiz vestibular pra Medicina, pra Psicologia e pra Economia. Acabei entrando pra Economia, e só pra encurtar a história, trabalhei anos como _____. Meu primeiro emprego foi na Eletrobrás, portanto no setor elétrico, e eu, quando comecei a trabalhar com política social, depois da Eletrobrás, quando eu fui trabalhar na comissão de reforma tributária, naquela época, em 85, preparava as propostas do executivo pra levar para Constituinte, que seria em 87. Então naquele momento, eu comecei a sair do setor elétrico, e comecei a trabalhar com financiamento de políticas...
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Depoimento da Beatriz Azeredo da Silva
Entrevistada por Márcia de Paiva e Rosana Misyara
Rio de Janeiro, 07/05/2002 e 14/05/2002
Realização: Museu da Pessoa.
Entrevista número: BND_TM010
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Pra começar diga o seu nome, o local e a data de nascimento.
R - Beatriz Azeredo, Rio de Janeiro, onze do cinco de 56.
P/1 – Seus pais?
R – Omar Azeredo da Silva e Lia Azeredo da Silva.
P/1 – Eles nasceram aqui no Rio de Janeiro também?
R – A minha mãe no Rio de Janeiro, e meu pai em Campo Grande, Mato Grosso.
P/1 – E qual a atividade deles?
R – Meu pai militar, exército e minha mãe professora de Educação Física.
P/1 - Eles se conheceram aqui no Rio de Janeiro?
R – Eu acho que sim (risos).
P/1 – Em que bairro você passou sua infância?
R - No Rio, basicamente na Urca, e morei pelo Brasil a fora como filha de militar, mas a grande parte de minha vida no Rio de Janeiro. Entre Copacabana e Ipanema.
P/1 – E nessa sua trajetória, o que você escolheu como curso de sua formação?
R – Eu, como acredito a grande maioria dos jovens, aos dezoito, dezessete anos não tinha idéia do que ia fazer, ou então tinha várias idéias. Nessa época eu jogava vôlei, eu fazia basicamente isso como principal atividade, além de estudar o mínimo pra passar (risos). Eu jogava vôlei, e eu fiz vestibular pra Medicina, pra Psicologia e pra Economia. Acabei entrando pra Economia, e só pra encurtar a história, trabalhei anos como _____. Meu primeiro emprego foi na Eletrobrás, portanto no setor elétrico, e eu, quando comecei a trabalhar com política social, depois da Eletrobrás, quando eu fui trabalhar na comissão de reforma tributária, naquela época, em 85, preparava as propostas do executivo pra levar para Constituinte, que seria em 87. Então naquele momento, eu comecei a sair do setor elétrico, e comecei a trabalhar com financiamento de políticas sociais. Então eu diria que nesse momento foi o momento em que eu... Não me reconciliei porque eu nunca tinha brigado, mas que eu me encontrei como economista, quando eu comecei a trabalhar com política social, nesse momento especificamente em financiamento de políticas sociais.
P/1 - E nessa sua escolha profissional, como você disse, tem até um pouco essa coisa de jovem, tinha alguma expectativa de sua família pra que você seguisse alguma carreira?
R – Não, tinha a minha expectativa pessoal de trabalhar, ter uma independência financeira e profissional. Tinha uma expectativa, eu diria assim, geral que efetivamente só se tornou concreta quanto objeto de desejo, de paixão, de trabalho, hoje pra mim é assim minha relação com o trabalho, ao longo do tempo. Em algum momento eu me deparei com o objeto de trabalho que é política social, e efetivamente encontrei o meu espaço, onde eu me sinto bem, me sinto entusiasmada pra trabalhar. É a política social. E tem também… Eu acho importante registrar isso porque esse momento que eu me encontro, me encontro enquanto economista tem a ver com o BNDES, embora muito antes de eu entrar pro BNDES. Eu entrei no BNDES em 96, quer dizer, muito mais recente. Lá em 85, não sei se vocês lembram, o país estava preparando pra entrar numa Constituinte em 87. Eu portanto trabalhei no Ministério do Planejamento, num grupo técnico de apoio à comissão de Reforma Tributária que preparava a proposta de Reforma Tributária pra levar para a Constituinte. Então quando acabou esse grupo a gente foi assessorar a Constituinte. Portanto, eu trabalhei como assessora técnica na Constituinte, exatamente no tema de Contribuições Sociais, onde tem o PIS-PASEP, que é uma fonte que deu origem... Vamos dizer, é uma fonte a longo prazo para o BNDES. O principal (FAND?) do BNDES é o PIS-PASEP, a contribuição ao PIS-PASEP, e naquele momento o PIS-PASEP foi transformado no FAT que é o Fundo de Amparo ao Trabalhador, que é o artigo 239 da Constituição. Tive o privilégio de participar da gestação dessa proposta... Como dizer o que era isso? Acho que talvez seja uma coisa muito técnica, mas é importante registrar. O PIS-PASEP, ele significava um fundo patrimonial que nem o FGTS, quer dizer, os empregadores contribuem, e cada trabalhador tem o seu fundo patrimonial. E ele, por vários motivos, não cumpriu o papel de fundo patrimonial, embora tenha cumprido o papel de uma fonte de longo prazo para o BNDES emprestar para o setor produtivo, mas do lado do trabalhador o fundo patrimonial era muito... Acho que quem tem PIS aqui e foi tentar sacar o PIS, sabe o tamanho disso. Então naquele momento da Constituinte, a grande questão era como reformar esse fundo, pelo lado dos trabalhadores e não pelo lado do BNDES, que funcionava muito bem, e como aproveitar, portanto, a reforma desse fundo pra criar um Seguro Desemprego, que o país até então não tinha. O Seguro Desemprego é uma coisa que existe historicamente no sistema de Seguridade Social do mundo inteiro, e o país não tinha um programa de Seguro Desemprego. Então, é neste momento, é esta comissão de Reforma Tributária, onde eu fazia parte do grupo técnico, desenhou uma proposta de transformar o PIS-PASEP em um fundo patrimonial que era individual, num fundo coletivo para financiar um programa de Seguro Desemprego no país. E houve uma grande discussão no Congresso, porque qualquer coisa que mexa no direito dos trabalhadores é uma grande discussão e, portanto foi escrito o artigo 239 que diz o seguinte: “Os recursos do PIS-PASEP, a contribuição, continuarão a ir para o BNDES, como fonte de recursos a longo prazo para a Economia, quer dizer, um funding para o BNDES, mas eles serão utilizados, uma parcela dele, para criar um programa de Seguro Desemprego”. Esse é o artigo 239. Naquele momento se garantiu a continuidade de recursos para o BNDES, quer dizer, é fundamental o BNDES contar com essa fonte fiscal. Além de outras fontes que o BNDES opera, mas é uma fonte muito importante o FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, mas simultaneamente esse FAT tem duplo papel social, de desenvolvimento. De um lado ele é funding para o BNDES, principal agência de fomento do país, funding de longo prazo, e do outro lado ele financia, ele custeia um programa de Seguro Desemprego pros desempregados. Então eu tenho assim o maior orgulho de dizer que eu participei das discussões técnicas. A minha tese de Mestrado é sobre isso, quer dizer, um estudo sobre as contribuições sociais. Participei da Constituinte. Quando acabou o processo, quando encerrou a Assembléia Nacional Constituinte, eu fiquei no Congresso como assessora técnica. Então na discussão da regulamentação da Constituinte, no que se refere aos capítulos sociais, eu também participei.
P/2 – Você continuou lá.
R – Eu continuei. Então, especificamente, tem uma lei de janeiro de noventa que cria esse Fundo de Amparo ao Trabalhador, que hoje continua a ser a principal fonte do BNDES, eu participei da discussão dessa lei. Enfim, como assessora técnica. E a minha tese de Doutorado em Economia é sobre Políticas Públicas no Brasil, experiências de implementação de políticas contra o desemprego no Brasil. É uma tese editada em ________ e por aí a fora.
P/1 – Foi publicada?
R – Foi publicada.
P/1 – Como é o nome?
R – “Políticas Públicas de Emprego – a experiência brasileira”.
P/1- Senão eu paro pensando em… Dá vontade de ficar aqui perguntando...
R – E eu gosto de falar nessa história, porque não só tem a ver com a própria história desse fundo e dessa fonte de recursos do BNDES, e por um acaso, vamos dizer por um feliz acaso, tem a ver com a trajetória profissional e acadêmica minha. Acabou também que eu tive a sorte de conseguir conciliar uma experiência muito rica numa Assembléia Nacional Constituinte, com uma experiência acadêmica. Então eu pude registrar tudo isso. Primeiro na tese de Mestrado, que foi essa discussão na Constituinte, e depois com a regulamentação, e a própria, quer dizer o meu livro, a tese de Doutorado, conta essa história de criação do FAT. Toda a discussão do CODEFAT, onde o BNDES hoje tem assento, análise de aplicação dos recursos do FAT, no global: BNDES e Seguro Desemprego. Então acabou que eu consegui conciliar um trabalho técnico, de assessora técnica no Congresso, com um trabalho acadêmico.
P/1 – Tinha muita resistência pra essa transformação, nesse projeto todo?
R – Olha, você tem que sempre olhar… No caso PIS-PASEP, naquela época, desse duplo dado, de um lado é funding pro BNDES e do outro lado é patrimônio. A grande resistência era do lado patrimônio, quer dizer, os trabalhadores tinham grande dificuldade de perder algum direito.
P/1 – De entender isso.
R – De entender. E aí a grande discussão era: “Olha, o que se tem hoje significa muito pouco pros trabalhadores, enquanto um fundo patrimonial individual. Ele não é um FGTS que mal ou bem acaba dando algum patrimônio ou alavancando casa própria, ou sendo um fundo de indenização.
P/1 – Casamento.
R – Mas não foi muito grande, não. Houve um trabalho muito bem feito na época, de um conjunto de pessoas, técnicos, de mostrar: “Olha, esse fundo individual significa muito pouco e vai ser muito importante criar um fundo coletivo pra financiar um programa de Seguro Desemprego no país, que até então não existia.
P/2 – E nesse momento vocês se reuniram com central de trabalhadores? Sindicatos?
R – O tempo todo. Eu particularmente fiz… A Constituinte tinha… Como é que eles chamavam? Audiência Pública. A fase inicial basicamente, em 87. Nossa, depois desses cortes eu me sinto terceira idade (risos). Em 87 é um horror. Isso é coisa de velho. Mas enfim, lá na Constituinte...
P/2- Lá na Constituinte. Ótimo, chique.
R – É, eles tinham essa coisa de audiência pública, dos temas mais complexos e tinha também um formato de sub-comissões. Sub-comissões de direitos do trabalhador. Eu, por exemplo, fui apresentar essa proposta na subcomissão dos direitos dos trabalhadores que fazia parte da Ordem Social, e que virou um capítulo da Constituição. A Ordem Social não é um capítulo, é uma parte. Você abre assim: tem Ordem Social e depois Seguridade Social. Na Seguridade, você tem lá que é direito e tal... Ter o Seguro Desemprego. Então é isso. Eu fui nessa comissão, me lembro. E aí tinha lá DIEESE, trabalhadores, sindicatos... Mas passou bem. Eu acho que foi mais um trabalho técnico importante. Naquele momento eu passei a ter um contato muito de perto com o BNDES, em nível técnico, e desde o início de mostrar pro BNDES: “Olha, essa proposta não quer mudar em nada esse dinheiro que já vai pro BNDES, porque essa parte funciona muito bem, porque o BNDES tem um papel histórico de oferecer financiamento de longo prazo. Pra economia brasileira é impossível pensar na industrialização do país e na modernização sem o papel do banco enquanto provedor de recursos de longo prazo pra investimento, e o FAT e o PIS-PASEP eram uma fonte muito importante. Então, desde o início, uma preocupação junto aos técnicos do banco, presidente do banco naquele momento, de dizer: “Olha, essa proposta não muda em nada os recursos que vão pro BNDES, muito pelo contrário”. Na época a gente pegou uma série histórica, e calculou em média quanto da arrecadação dessa contribuição era transferida para o BNDES. E a gente cravou - a gente é quando eu digo era todo mundo que estava trabalhando – cravou no artigo 239 que 40% da arrecadação do PIS-PASEP irão para o BNDES. Está lá, está escrito com todas as letras. O que era isso? Era uma preocupação de garantir esse funding pro BNDES. Não vamos tirar essa fonte, 40% irão para o BNDES para programas de desenvolvimento econômico e social...
P/2- É uma forma de você também entrar ao lado de emprego, não?
R – Isso, exatamente. Você tocou no ponto certo. A concepção naquele momento era o seguinte: Olha, o FAT vais ser um instrumento poderoso – e eu diria único no mundo inteiro – enquanto mecanismo de financiamento de uma política pública. Porque ele tem um lado que ele é uma política passiva, porque quando ele está financiando o Seguro Desemprego ele é passivo, ele é um custeio, e tem um outro lado que ele é aplicação e ele gera emprego. Então todo nosso discurso era em cima disso. “Olha só, a gente está criando um mecanismo inovador. Não só viabilizando o Seguro Desemprego, mas formando um fundo...
P/1 – A concepção mesmo de política pública.
R – De política ativa, quer dizer, esse dinheiro do BNDES, ele vai pro BNDES, ele vai gerar empregos, não só gera emprego como gera retorno pra esse fundo...
P/2 – E pros próprios trabalhadores.
R – Pros próprios trabalhadores.
P/1 – Uma relação paternalista até, porque você está propondo outra coisa.
R – Isso, e no mundo inteiro, acho que sem exceção, o Seguro Desemprego é financiado com recursos orçamentários. O Brasil é o único país que financia o Seguro Desemprego com fundo. E esse fundo cresce, e ele tem rendimento.Tanto é que hoje – não vou ter um número preciso – mas em torno de dois bilhões e alguma coisa que o banco recebe do PIS-PASEP, ele tem um de rendimento. Um líquido de um, quer dizer, o banco recebe dinheiro novo, mas ele paga juros sobre a aplicação que vai lá pro fundo que está crescendo. Então tem esse conceito de geração de empregos e de rendimento pro fundo. Então, desde esse momento é que eu tenho contato com o banco.
P/1 – E como era a relação com os técnicos, nesse momento, do BNDES?
R – Muito boa. Quando eu fui fazer a proposta lá atrás, pré Constituinte, eu descobri que tinha... Além de eu conhecer algumas pessoas, colegas de faculdade que trabalhavam no banco, tem uma pessoa que está lá ainda, que é a Sheila Meinberg, ela tinha feito uma tese de Mestrado sobre o PIS-PASEP. Ela tinha estudado esse fundo. Então eu me lembro que eu tive contato direto com ela, essa tese me ajudou muito na própria… Quer dizer, a entender o que era o PIS-PASEP que a gente estava propondo mudar, e vários técnicos do banco – José Roberto Afonso, que hoje é secretário de assuntos fiscais, superintendente do banco - na época era um técnico recém chegado. Enfim, era uma interlocução muito boa. Até porque era do bem, era pra preservar os recursos do banco e só mudar o outro lado.
P/2 – É que a gente tem tanta coisa pra falar também. E de lá pra sua entrada no banco? Você tinha essa ponte ou tinha todo esse trabalho?
R - Então, eu acho que em termos pessoais... Naquele momento eu comecei a me deparar com o banco, e quando foi criado o FAT, e aí foi criado o CODEFAT, que é o Conselho do FAT, onde o banco tem assento, que é o Conselho Tripartite Paritário. Eu acompanhei todas as primeiras reuniões. As primeiras que eu digo foram os dois primeiros anos do CODEFAT, na época. Então naquele momento eu passei a entender a importância do BNDES ter uma atuação na área social, coisa que até então ele tinha de forma muito marginal. Os trabalhadores cobravam muito do CODEFAT: “Olha, já que o BNDES é o grande gestor do Fundo de Amparo ao Trabalhador”... Então o CODEFAT foi um fórum muito importante de cobrança positiva em cima do BNDES, porque o BNDES financia empresas que vão fazer reestruturação, terceirização e vão gerar desemprego? Porque o BNDES não financia empresa de autogestão? Porque o BNDES não financia o pequenininho? Só as grandes empresa. Todos esse, vamos dizer assim, clichês de cobrança do banco, eu comecei a assistir a partir de noventa. Eu acho que naquele momento começou a se formar na minha cabeça a convicção de que o BNDES, enquanto um banco público de desenvolvimento, tem como principal fonte o Fundo de Amparo ao Trabalhador que tem origem num recurso fiscal – pagamos todos nós, é uma contribuição – ele deveria ter um papel explícito em questão de política social, e questão de desenvolvimento social. Não só a coisa de financiar indústria gera emprego, mas porque não financiar, por exemplo, Saúde e Educação? Naquele momento essa coisa começou a amadurecer na minha cabeça, trabalhei muito próxima do BNDES estando no Congresso, porque eu acompanhava o CODEFAT… Portanto eu trabalhei no Congresso desde a época da Constituinte em 87, até 94. Em 95 eu fui ser diretora do IPEA, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Enfim, IPEA é um órgão de pesquisa do governo federal, ligado ao Ministério do Planejamento na época. Eu fui ser diretora de Políticas Sociais. Em 95, 96, em fevereiro de 96 o presidente do BNDES era Luis Carlos Mendonça de Barros e ele criou uma área de desenvolvimento social. Na época era Desenvolvimento Regional e Social, em fevereiro de 96. E eu fui convidada pra ser superintendente, pra organizar essa área, em fevereiro de 96. Só pra lembrar, o banco, o BNDES tinha tido uma área social na década de oitenta, só que naquela época, basicamente operava essa área com recursos do FINSOCIAL que era recurso orçamentário. Enfim, acabou. Eu não tenho memória disso porque eu não estava no banco. Era legal recuperar com alguém a memória dessa época na área social, na década de oitenta. Mas enfim, se recria uma área social em fevereiro de 96. Eu fui convidada pra ser superintendente, e eu me lembro que quando eu cheguei no banco a grande certeza que eu tinha era assim: É possível o banco, sem deixar de ser banco, ter um papel na área social. Era uma convicção, eu não conhecia o banco por dentro, como ele operava, mas havia uma enorme dúvida. Eu me lembro que isso era cercado de dúvidas por tudo quanto é lado.
P/2 - Internamente?
R – Internamente… Não, o banco não tem nada a fazer na área social diretamente. É difícil...
P/1 – Os superintendentes achavam isso?
R – Tecnicamente.
P/2 – O resquício da área social estava todo pulverizado?
R – Isso, porque tinha pessoas que já tinham trabalhado lá atrás, mas que já estavam em privatização, siderurgia e outras coisas. Eu me lembro que eu ouvi isso concretamente de pessoas: “Não, o banco não tem que ter uma área social. Como vai financiar? Como vai financiar a área social?” Naquele momento eu tinha certeza absoluta que podia, e inclusive a expectativa com a criação da área. “Bom, quem sabe é uma área mais de representação, não uma área operacional, não vai operar, não vai ter programas sociais, vai ser uma área que vai responder a algumas demandas.” Havia esse medo de que não dá pra financiar essa área social. Bom, eu tinha essa convicção e várias pessoas dentro do banco, porque basicamente eu organizei essa área com… Só tinha eu de fora, que tinha acabado de chegar. Eu faço questão de dizer isso. Essa área foi construída com técnicos do banco que tinham a mesma convicção que eu. É uma convicção que se exprime da seguinte maneira: É possível que o banco, sem deixar de ser banco, sem fazer assistencialismo, sem utilizar recursos não reembolsáveis, enquanto banco, emprestar… O que o banco faz pra uma indústria? Ele provê recursos de longo prazo pra investimento, porque a gente não pode fazer esse mesmo papel, que é um papel histórico do banco. Em setores sociais? Em Saúde? Em Educação? A gente não pode pensar em crédito na área social. Então é isso. Eu acho que a história, no meu entender, bem sucedida dessa área social, recriada a partir de 96 é a história do exercício de uma convicção de técnicos do banco que acreditaram que o banco pode ter linhas de financiamento pra muita coisa, talvez a gente pudesse entrar agora no que o banco faz hoje.
P/1 – E aí doutora Beatriz, de 96 até hoje...
P/1- No BNDES, as pessoas do cantinho, faz um quadrinho com o artigo (?) Eu fico pensando.
R - O artigo 239 é fundamental.
R – Bom, em fevereiro de 96, quando foi recriada uma área que na época se chamava Área de Desenvolvimento Regional e Social do BNDES, havia uma disposição de atender a uma demanda até da própria sociedade - qual é o papel do banco na área social - uma demanda explícita do CODEFAT, dos trabalhadores que sentavam junto com o BNDES, mas não havia clareza se o banco poderia ter efetivamente linhas de crédito para a chamada área social. Havia uma enorme dúvida. Será que a área social não é só reembolsável? É difícil falar em crédito. Eu acho que a história dessa área social do BNDES recente, ela é escrita com a convicção de técnicos do BNDES, que desde o início formaram essa área, de que era possível sim estender linhas de crédito, ter o mesmo papel nos setores sociais básicos, porque o banco tinha historicamente, com infra-estrutura, com indústria e por aí a fora. Havia uma certeza. E essa certeza pavimentou um caminho, que eu diria, um caminho longo. A gente está falando desde 96, e essa área só começa a ter estatísticas no sentido ‘benedense’ da palavra: desembolsos, cifras, números, efetivamente em 98. Então é fundamental dizer isso. Tem alguns elementos determinantes, eu acho que de um caminho que foi trilhado. Um era a cabeça e a convicção desses técnicos do banco que se dispuseram a ir trabalhar nessa área e: “Vamos organizar essa área social”. Vamos organizar o que? Linhas, produtos, programas novos e tal. E havia uma disposição da alta administração da casa, do presidente do BNDES principalmente, de dar tempo para essa área maturar, para ela crescer. Isso é muito importante. Seria impossível dizer em 96, dizer que a área social do banco desembolsou não sei quanto, porque não dá. O que era o nosso desafio em 96? Era fazer o banco chegar em clientes onde a gente nunca tinha antes chegado. Como começar a conversar com pessoas que nunca conversaram com o banco antes, como desenhar produtos financeiros pra essa clientela não tradicional. Então, isso não é automático. Não é estender linhas de financiamento, é criar novas linhas. Essa era uma dificuldade. A segunda dificuldade é que o tal do social – que a gente fala de social como se fosse uma coisa simples, é um mundo. A pobreza no país, ela é feita de várias faces. Ela tem uma complexidade muito grande. A desigualdade social no país, ela tem várias faces. Pensar em serviços sociais básicos são vários serviços. Então você pensa em água, esgoto, saneamento, habitação, saúde, educação...
P/2 – Sem pensar nas regiões distintas.
R – Sem pensar nas diferenças regionais. O tal de social, ele é muito complexo. São vários setores, várias regiões. Tem um outro fator: pensar no social não é só pensar em saúde, educação e infraestrutura. É pensar em renda também. A questão do desemprego no país e no mundo inteiro a questão do baixo dinamismo do mercado de trabalho que se instala no nosso sistema produtivo mundial, desde a década de oitenta, mostra que a gente tem desafios muito complexos que são as políticas públicas. Não basta mais você dar saúde e educação se aquela população não tem renda, isso aí gera um impasse, um desafio pras políticas setoriais muito grande. Tudo isso pra dizer que você tem uma área social que teve todo tempo do mundo dado pela presidência do banco, da diretoria, mas muito na figura dos presidentes do banco, que tiveram a paciência de esperar essa área técnica definir novos produtos. Quer dizer, conhecer a saúde, conhecer a educação, conhecer a questão trabalho e renda. E o que orientava esse conhecer pra nós era uma dupla pergunta. Era conhecer, por exemplo, aquele segmento de saúde, conhecer os problemas de saúde no país e responder a seguinte pergunta: qual é o papel do banco, sem deixar de ser banco - a gente era perseguido por esse princípio. A gente não tem recurso orçamentário, a gente tem crédito. Então, o banco, sem deixar de ser banco, como ele pode contribuir para melhorar a saúde no país? E aí como é um banco público, a gente não poderia se dar ao luxo de dizer: “Bom, eu financio um hospital privado”. E cumprirmos o papel financeiro em saúde. Não é isso. Como é que você financia saúde que dá acesso à população de baixa renda. Também tem essa dificuldade. Bom, eu acho que, pensando na origem dessa área, o produto que marcou, o programa que marcou a origem dessa área foi o microcrédito. Esse foi o primeiro programa que nós lançamos, em junho de 96. Portanto a área começou em fevereiro, a grande encomenda que foi dada pra essa área foi... O microcrédito naquele momento ele estava sendo muito rebatido no país, a Comunidade Solidária adotou isso como um dos temas de trabalho, e então a pergunta: O que o BNDES tem a ver com o microcrédito? Nós estudamos isso no primeiro semestre e lançamos um programa. Eu acho que esse programa é emblemático pro BNDES, porque ele vai para um outro extremo. Se a gente imaginar que o banco hoje empresta com o seu dinheiro, não diretamente, através de instituições especializadas, crédito para um empreendedor informal que mora numa favela, de quinhentos reais, é um salto, uma super novidade. Quer dizer, o grande banco dos grandes financiamentos que só faz operação direta acima de sete milhões – as operações que a gente leva para a diretoria são acima de sete milhões – de repente o banco faz uma operação, e está lá o nome do banco – de quinhentos reais para um empreendedor que mora numa favela informal.
P/2 – Que não tem conta no banco.
R – Que não tem conta no banco, ele não tem garantia real e ele sobrevive a partir daquilo que ele sabe fazer. Então esse empreendedor informal tem acesso ao crédito do BNDES. Quer dizer, ele é simbólico, esse programa pro BNDES, é um saldo muito grande – você sai lá de uma empresa muito grande e vai lá pro tal do empreendedor informal... Pra nós, naquele momento, era um desafio de como fazer chegar esse dinheiro nesse empreendedor informal. O banco não pode fazer isso diretamente. A gente não tem agências e fica no Rio de Janeiro. Então quando nós lançamos o programa: O BNDES vai dar funding, vai dar recursos para instituições que queiram trabalhar com essa clientela. A gente lançou um programa com grande pompa e circunstância, e a gente descobriu que tinha pouquíssimas instituições no país que poderiam fazer isso. Tinha na época duas ou três e a gente rapidamente fez contrato com essas duas ou três. Está aqui funding pra vocês emprestarem pro microcrédito, pro micro empreendedor. Bom, qual era a questão? Era como estender o número de instituições com essa característica.
P/1– Quais eram essas instituições?
R – Na época você tinha a rede CEAPE,Centro de Apoio a Empreendedores, que é uma instituição antiga que existia no país. Então fizemos logo com essa rede CEAPE. Fizemos com a Portosol em Porto Alegre, que era uma ONG criada há coisa de dois anos, e fizemos com a Vivacred, na Rocinha, era uma ONG criada há poucos meses, com apoio do BID. Mas então a gente descobriu isso: E agora? Como criar outras instituições? Então a gente descobriu que a grande questão do microcrédito é a metodologia com que se trabalha com o micro empreendedor. Toda a mídia em torno do microcrédito fala assim: A inadimplência é zero porque pobre paga. Não é verdade. A inadimplência é zero porque se trabalha com a metodologia adequada a esse empreendedor informal. Não é porque ele é bom, é mau, o rico é mau. Não é isso. A metodologia é adequada. Então a gente descobriu que a gente deveria desenvolver e sistematizar essa metodologia de treinamento de agentes de crédito que pudessem trabalhar em instituições pra atender a essa clientela. Então eu acho que aí vem a marca que apareceu em outros produtos da área social. Quer dizer, o BNDES, como ele está tratando de desbravar caminhos, trabalhar com clientes nunca antes trabalhados, a gente tem que sair do papel tradicional que é dar o crédito, e quase que construir junto aquela possibilidade. Então a gente fez uma metodologia, a gente sistematizou - não é financiou - a gente sistematizou a metodologia de capacitação dos agentes de crédito… Acho que isso devia entrar na exposição. É uma bela caixa de sete volumes – está em CD também. Com essa metodologia, a gente organizou junto ao Ministério do Trabalho, não sei quantas oficinas de capacitação de agentes de crédito em todo o país, e, portanto, várias instituições que estavam em fase de crescimento se beneficiaram desse treinamento. Então, com isso, hoje a gente opera - naquele momento eram com duas - com 31 instituições, em dezesseis Estados e quase trezentos municípios. Então você tem noventa mil créditos concedidos para empreendedores no ano passado. O banco conseguiu ajudar a estruturar uma rede de instituições capazes de trabalhar com essa clientela. E isso é muito importante. Essa metodologia treina o agente de crédito que concede o crédito na ausência de qualquer mecanismo tradicional de concessão de crédito. Não é à toa que os bancos comerciais não dão crédito ao cara que não tem garantia real, não tem sequer formalização do negócio. O risco é muito alto pra ele, e ele não tem metodologia pra trabalhar com esse cliente. Então essa metodologia que a gente tem treina o agente de crédito, ele não vai fazer política social, ele vai conceder crédito, ele é um bancário como outro qualquer.
P/1- Um business?
R - Aquilo ali tem que dar retorno, tem que ter baixa inadimplência. Ele tem que cobrar daquele sujeito. Tudo bem? Só pra encerrar essa questão do microcrédito que é emblemático pra esse BNDES social, esse agente de crédito é capaz de subir uma favela, andar num bar da periferia, sentar numa sala lá do empreendedor, porque muitas vezes o negócio é desenvolvido ali dentro, e ele, na ausência de qualquer papel, porque esses pequenos negócios não tem papel, não tem balanço, não tem relatório, não tem dado nenhum. O negócio está na cabeça do empreendedor. Esse agente de crédito é treinado com essa metodologia pra tirar o negócio da cabeça do empreendedor... Tirar mesmo, entender os números e entender se é viável ou não o negócio, e quanto ele pode dar de crédito. Então se cria ali uma relação de confiança com aquele empreendedor. Ele vai dizer: “Olha, você não precisa agora comprar uma máquina nova, você precisa de capital de giro, você está pagando muito custo do fornecedor embutido”. Quer dizer, esse empreendedor muitas vezes ou ele tem acesso a crédito de um agiota ou ele paga uns juros embutidos no fornecedor quando ele compra a prazo, que é altíssimo. E ele nem sabe calcular isso. Então o agente de crédito vai dizer: “De repente você pega esse dinheiro aqui, trezentos reais só pra giro, só pra você fazer estoque de matéria prima… Como é que você recebe s amentos? É semanal? Quinzenal? Mensal? Então você vai pagar quinzenal, em quatro meses. E aí dá aquele dinheiro e ele faz um estoque. Daqui a quatro meses ele volta. Quitou o crédito, ele dá um segundo crédito. “Ah, então tá”. Ele dá mais um pouquinho de giro e quem sabe uma máquina usada. Como é que você vai pagar?
P/2 – É um trabalho de orientação também.
R – Um trabalho de orientação, você cria a idéia de uma linha de crédito...
P/1 – E de uma orientação real de acordo com aquilo que está nele.
R - Isso, então é uma coisa muito delicada. Outra coisa. Esse empreendedor, o dinheiro dele é todo junto. Fica no mesmo bolso, a gente costuma dizer, o da casa e o do negócio. Então como é que você separa isso, como é que esse agente de crédito é capaz de entender? Esse dinheiro, quanto é gerado, qual é o faturamento, qual é a capacidade de pagamento daquele empreendimento. E aí tem umas coisas super engraçadas. Conversando com quem entende de microcrédito aqui na ponta, de um modo geral, o empreendedor, o homem, não mente na frente do filho. A entrevista, quando tem criança perto eles tendem a não mentir, a não esconder, e dizer a verdade. Tem umas brincadeiras quando pedem o aval da sogra eles pagam rapidinho (risos). Enfim... Mas isso aí é folclore.
P/1 – Tem umas histórias?
R - Tem histórias maravilhosas.
P/1 – Então conta uma pra gente.
R – Porque não tem garantia real. Então às vezes pega o aval da sogra, aval do vizinho.Tem histórias de sucesso, de vendedores ambulantes que pegam, um dois três... No décimo crédito aí tem lá a foto da lojinha, na mesma rua em que tinha uma...Tem histórias fantásticas, têm um taxista, um ex-taxista que organizou uma luteria, coisa de fazer violão. Trabalhava ele e dois filhos jovens. E pegou crédito pra comprar equipamento, matéria prima pra fazer violão.Também isso é um dado legal. O mundo informal, a gente tem que pensar em costureira, doceira...
P/1 – Tem milhares.
R – É um mundo, um mundo diversificado de iniciativas produtivas. Aí tem o jovem que faz prancha de surf, tem o outro que faz voo duplo de asa delta e pega um crédito pra comprar a segunda asa delta. Tem o famoso pizzaiolo da Rocinha que compra moto pra fazer entrega a domicilio... E por aí vai. Eu acho que o resumo é o BNDES conseguindo entender que tem um papel fundamental na chamada geração de emprego formal: quando o BNDES financia uma indústria ele está financiando geração de emprego de qualidade, emprego com carteira assinada e por aí a fora. Mas simultaneamente o BNDES reconhecendo que tem um enorme contingente da força de trabalho, mais da metade que está no mercado informal.
P/2 – E que existe uma economia informal que movimenta também.
R – Uma economia informal poderosa, que as pessoas tiram...
P/2 – Cada vez mais forte.
R - É recurso pra sua sobrevivência dessa economia informal, com todas as suas dificuldades, não? Então eu acho que é o BNDES chegando também nesse mercado informal e chegando, portanto, nesse empreendedor, que em algum momento, até vai pro mercado formal. Ele acaba se formalizando.
P/2 – Formalizando, com todo o treinamento.
R – A história de sucesso desses créditos – vários – é que eles vão renovando, renovando, renovando e em algum momento eles pegam crédito só pra papelada de formalização, que é caro. Uma vez eu vi uma lá em Curitiba, que até era uma doceira. Ela tinha pego mil reais só pra formalização, pra toda a papelada. Mas enfim, é uma história de sucesso. Em algum momento deixou de ser informal. Então eu acho que esse programa é o primeiro da área social de 96. Ele é emblemático, porque de repente o bando dos grandes empreendimentos... O valor médio desse crédito é mil e cem reais, 90% desses créditos vai para capital de giro, que é a grande necessidade desse empreendedor, 70% é com empreendedores informais. Então realmente está se conseguindo fazer chegar o dinheiro de crédito... O nosso discurso é assim: todo empreendedor seja de baixa renda, formal ou de grande empresa, ou de baixa renda, ele tem que ter direito ao crédito, que é fundamental para o crescimento e consolidação do seu negócio.
Então, o grande esforço é escoar recursos de crédito pra esse empreendedor. Bom, eu acho então, que saindo de 96, quer dizer, hoje, quando a gente olha a área social do BNDES, a gente olha uma gama variada de produtos de áreas de atuação.
P/2 – Eu queria que você desse uma pincelada mesmo desses setores da área que está abrangendo...
R - Em primeiro lugar eu diria que nesse meio do caminho, até como produto do próprio desempenho dessa área social, o plano estratégico do BNDES para 2000 a 2005, a gente discutiu e desenhou um conceito de social. E ampliamos esse conceito social, a contribuição do BNDES ao desenvolvimento social é todo aquele projeto que tem impacto direto na melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Então nosso conceito de social inclui: saneamento, transporte, saúde, educação, modernização das prefeituras, do setor público e trabalho e renda. Então o leque é amplo e tem desde infraestrutura – mas aquela infraestrutura que tem impacto direto na qualidade de vida. Não é infraestrutura global, é saneamento e transporte.
P/2 – Infraestrutura básica.
R - Básica. Saneamento tem diretamente a ver com saúde. Saneamento, transporte, saúde e educação são os setores sociais básicos. E a questão do trabalho e renda. Por exemplo, em saúde, a gente tem uma linha de financiamento pra hospitais, tem uma linha especial pra filantrópicas, as chamadas Santas Casas, que prestam serviços ao SUS. A nossa grande aposta é: É possível ter um serviço hospitalar de qualidade, também pra população de baixa renda pra que tem acesso ao SUS, e que não tem plano de seguro privado. Então todo o esforço nosso é dar linhas de financiamento, não só pra obras e equipamentos, mas pra modernização e gestão. Esse é um viés interessante na área social. Como são clientes não tradicionais, que historicamente as Santas Casas que não estão acostumadas com banco, mais com doações e a lidar com orçamento... Então o grande esforço é dizer: “Olha, você pode ter acesso à linha do BNDES desde que se modernize, que profissionalize a gestão, que tenha capacidade de gerar receita, que tenha capacidade de prestar serviços ao SUS e simultaneamente vender serviços para o seguro privado, para ter um equilíbrio financeiro. Então tem um enorme esforço nosso, que financiamos cerca de sessenta Santas Casas de 99 pra cá, mas um esforço de modernização desse segmento, que é fundamental pro SUS.
P/2 – É legal porque as Santas Casas são também históricas.
R – Seculares.
P/1- E tem uma representação social muito grande, além do hospital.
R - E elas significam cerca de 30% da oferta de leitos pro SUS, pro Sistema Único de Saúde. É muito, é muita coisa. É estratégico. Em qualquer gestão estadual ou municipal do serviço de saúde, elas ocupam um papel importante. Então, olha só. Nesse caso de saúde, em 96 não bastava… “Então tá. Vamos dar linhas de financiamento pra saúde.” O que é entender a necessidade de uma Santa Casa, que nunca lidou com crédito de longo prazo. Então nós financiamos, agora está acabando a ENSP, Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, que é ligada ao Ministério da Saúde, um estudo sobre as filantrópicas. Então pela primeira vez no país - vai ser feito... Acabou já. Nós vamos começar a divulgar este ano – o censo das filantrópicas pra saber quantas são? Qual é o perfil? Qual é o padrão de gestão? Eu acho que é bem o perfil do banco de atuar. Quer dizer, o banco atua conhecendo seus clientes, suas necessidades pra adequar as linhas de financiamento. Aí não é a característica da área social. O banco tem como traço característico o grande conhecimento dos setores onde atua. Ele acaba se tornando referência naquele setor, e não onde atua: em siderurgia, papel e celulose em infraestrutura. Então o que eu quero dizer é que na área social, mais recentemente, porque essa área é uma área mais nova, também o banco vem desempenhando esse papel. De repente o BNDES financia o primeiro censo das filantrópicas. A gente vai ter uma análise pra amostragem, por tamanho de instituição. Vai ter uma amostra de hospitais mais complexos, como é que eles operam. Enfim, uma radiografia do setor, até pra gente saber onde vai poder contribuir melhor. Então saúde é esse exemplo.
P/2 - E as parcerias com as prefeituras nesse projeto?
R – Olha, eu costumo dizer assim, sem erro de exagerar que o Pmat, Programa de Modernização Tributária das Prefeituras é o programa mais importante da área social. Por que isso? Porque quando a gente fala em área social, em provisão de serviços sociais básicos pra população de baixa renda, isso é, sobretudo, eu diria, 90% um esforço fiscal permanente das prefeituras, Estado e governo federal, de custear serviços. Está certo? Saúde é falar em custeio de postos de saúde, de hospitais, de medicamentos, vacinas, programas. Educação é custeio de escolas, professores... Quer dizer, política social é isso. É um esforço insano. Eu diria, um esforço fiscal de você permanentemente estar desembolsando recursos pra sustentar a provisão de serviços sociais básicos. O BNDES não tem recursos fiscais. De modo que, eu acho que a grande contribuição que a gente pode dar pra isso é indiretamente ajudar, fortalecer financeiramente a prefeitura, que é a principal responsável pela entrega da provisão dos serviços sociais básicos. É por isso que eu digo que é o mais importante. Quando a gente fala em área social, como é que vai melhorar o acesso à saúde, à educação? Essa capacidade de gasto com qualidade, do setor público.
P/1- E na verdade, esse programa acaba sendo meio que a base de outros.
R – Sem dúvida.
P/1– E agiliza também pra população o acesso a esse equipamento, e modernização de equipamento. Não é isso?
R - Equipamento e capacidade de gasto.
P/1- E capacitação de saber o que está fazendo.
R - Isso.
P/2- Quando começou esse programa?
R – Esse programa em 97 foi criado.. É legal registrar essa parceria com a Secretaria de Assuntos Fiscais do BNDES, onde o superintendente é José Roberto Afonso, que também trabalhou lá atrás na Constituinte, na constituição do artigo 239. Essa equipe coordenada pelo José Roberto formulou esse programa. Pmate passou a ser operado pela área social. Então foi uma parceria, e tem a ver também com a própria Constituição de 88. A Constituição amplia as competências tributárias próprias dos municípios. Quer dizer, antes disso, antes de 88, o Sistema Tributário Brasileiro era basicamente calcado em transferências. Governo federal e Estados arrecadam diretamente e passam essa arrecadação por meio de transferências constitucionais ou negociadas para o município. Uma das grandes mudanças feitas nesse Sistema Tributário na Constituição de 88, é que se ampliou a capacidade de municípios cobrarem diretamente alguns tributos. Essa capacidade de geração de recursos próprios do município. Agora, só pra você ter um padrão histórico cultural político _____ dos municípios não cobrarem tributos. Até cobrar diretamente é super antipático. É caro, é difícil e é super antipático. É melhor receber o recurso lá do governo federal e só gastar naquela comunidade. Eu estou evidentemente caricaturando, mas é isso. Então a aposta, o conceito desse programa, era como ajudar as prefeituras a se prepararem para exercerem esse papel, historicamente não exercido, de cobrar tributos da população e aí melhorar a qualidade do gasto, porque é uma via de mão dupla. Você tem que cobrar e mostrar onde está aplicando. Esse programa é muito simples. Por exemplo, ele financia revisão de cadastro pra cobrar IPTU, cadastro de contribuintes do ISS. Esses são os dois tributos principais das prefeituras. Então, muitas vezes chega na prefeitura que o cadastro de contribuintes do IPTU tem dez anos. Por aí você vê a defasagem...
P/2 - É um jogo de organização mesmo, escoar recursos.
R – É, você tem um potencial de arrecadação, mas a prefeitura não está preparada, não tem equipamento, não tem pessoal capacitado, não tem soft, não tem cadastro atualizado daquela cidade.
P/1 – Mesmo porque historicamente não tem essa relação de cobrança mesmo.
R – Não tinha essa relação de cobrança.
P/1 – É engraçado você falar isso, eu fico imaginando a figura dos agentes da prefeitura ir de casa em casa arrecadando (risos).
P/2 - Melhorou mesmo.
R – É, esse programa é um enorme aprendizado pra gente. A gente fez uma primeira avaliação no ano passado, então as prefeituras de Belém, São Luiz, lá da região Norte e Nordeste, que passam a ter um atendimento ao contribuinte. Não é só a cobrança. Se cria também uma relação de transparência com o contribuinte. Um exemplo que eu gosto de dizer é que algumas prefeituras, depois desse programa, colocam todo o planejamento da fiscalização tributária na Internet. Então um comerciante, por exemplo, se bate na porta dele algum fiscal da prefeitura, ele entra na Internet e vê se estava previsto chegar aquele fiscal aquele dia. Tem essa coisa de organizar as relações com o contribuinte. Quer dizer, você protege o cidadão contribuinte e também garante arrecadação pra prefeitura. Essa coisa da transparência da prestação de contas. A gente tem fotos de antes e depois. Aquela fila de contribuintes querendo saber quanto está devendo de IPTU atrasados - que a gente conhece muito bem. E uma outra já depois do investimento, já com aquelas cadeirinhas em posto de atendimento ao contribuinte. Essa coisa de melhorar a relação mesmo.
P/1 – Ser mais próximo do contribuinte.
R – De poder atender o contribuinte, ser mais próximo.
P/2 – Agora com vocês? Como é estabelecida essa parceria? As prefeituras vão ao BNDES, procuram, ou vocês vão...
R – As duas coisas.
P/2 - Ou vocês vão _____ fazem um diagnóstico? Como é que é?
P/1 – Fazem um diagnóstico... Saber qual… Como é que é?
R – Desde 97 a gente saiu em campo pra divulgar o programa, anunciando, chamando... A gente começou com os municípios das capitais, chamando no BNDES, apresentando o programa, indo em fóruns de municípios, indo em cidades e dizendo: “Olha, temos um programa pra isso. É um empréstimo, com sempre. É um empréstimo só que esse empréstimo gera capacidade de pagamento, gera aumento de arrecadação. Então, a gente costuma dizer que é o primeiro passo da prefeitura dentro do BNDES. Antes de falar em qualquer outro programa, vamos falar no Pmate, que é o chamado “arrumação de casa”. Aí a prefeitura vai se organizar, vai se fortalecer financeiramente, e pode até pensar num empréstimo lá na frente.
P/2 - Aquele outro projeto de junto com as prefeituras, de resgate da cidadania, os multissetoriais. Pode falar pra gente?
R – Posso. Isso aí é um segundo passo, eu diria, com a prefeitura. Eu acho que essa questão da prefeitura é importante, porque muitas vezes – lá no início... Hoje a gente já superou bastante isso. Às vezes o prefeito chega e diz: “Cadê o ‘S’ do social? Cadê o dinheiro do social?” Um pouco naquela linha mais antiga de verba, de uma doação...
P/2 –Assistencialista.
R – É, então o nosso grande exercício era ordenar essa interlocução como as prefeituras. Como organizar isso? O banco tem que atender as prefeituras. Como ordenar esse diálogo. Então, a gente ordenou da seguinte maneira: “Olha, está bom. Quer trabalhar com o BNDES, a primeira coisa é fazer um Pmate, como é que está a sua arrecadação, de quanto é, quando é o seu cadastro. Então vamos fazer um programa de modernização tributária. Fez o programa, quer fazer algum programa de investimento que é o que a prefeitura quer fazer? Então o nosso conceito é multissetorial integrado. A gente não financia saúde ou educação. Ele não financia uma rua ali asfaltada. Uma creche aqui, uma escola acolá e um posto de saúde no meio. A gente financia uma intervenção integral da prefeitura nas suas áreas mais degradadas, e essa intervenção é multissetorial. Quando você pensa numa favela, não dá pra fazer só saneamento, ou só habitação ou só posto de saúde. Então a gente devolve pra prefeitura um dever de casa em ordem, que é assim: “Então tá. Quer fazer um investimento na sua área social, na sua cidade? Faz um diagnóstico, um perfil sócio econômico, escolhe quais são as regiões mais complicadas, bairros da periferia ou favelas ou morros? Faz um diagnóstico e concebe um programa integrado, que dê conta desse diagnóstico. Aí nasceu o Projeto Multissetorial Integrado. Eu diria, esse exercício com a prefeitura, de construir uma intervenção estruturante em áreas de baixa renda nos grandes centros urbanos.
P/1- Aí só passa a prefeitura que já passou pelo Pmate?
R – Essa é a regra. Esse é o conceito. E eu diria que a gente trabalha com um conceito novo, renovado, de política pública, que não é um corte setorial. Ou saúde, ou educação. É tudo junto, o social tem que ter essa concepção mais abrangente, e não é só o conceito de obra. Não adianta eu chegar numa favela e melhorar aquela favela, se não tem ações permanentes pública, aquilo ali se esvai. Manutenção, postos de saúde, creches, trabalho e renda para aquela comunidade, senão aquela família tem a casa melhorada, tem que pagar taxas, não tem emprego, ela vai vender a casa e vai ser miserável em outro lugar. Como é que você olha o conjunto e atua naquele bairro.
P/2 – Em quais prefeituras vocês já realizaram esse trabalho?
R – Olha, lá no início, porque esse programa também é de 97 – você vê quanta coisa foi gestada junto e agora está maturando – lá no início a gente fez três projetos exemplares. Um em Curitiba. Aí vocês vão dizer: “Curitiba não tem graça, é modelo”. É verdade, mas a gente fez um em Curitiba, um em Vitória e fez um terceiro, naquela época, que muito nos orgulha, que foi em Teresina. Quer dizer, a capital mais pobre do Nordeste, cuja prefeitura escolhe, tem a ousadia de escolher todos os bairros da periferia pra fazer uma intervenção integrada, multissetorial, que é o chamado vila-bairro em Teresina - é vila porque lá eles chamam favela de vila. Todo plano, meio bucólico. Porquinho, criança, lama, mulher grávida, menino pelado… Aquilo é um visual diferente do nosso, mas é uma miséria muito grande. Então é o chamado vila-bairro. São os três primeiros.
P/2 – São umas quinze favelas? É isso?
R - Não, são 150 favelas. Vilas, eles chamam de vilas, para se tornarem 55 bairros. Esse é o projeto que a gente financia até hoje. Já estamos na segunda rodada. Eu acho que mais uma vez, nesse caso –fizemos só três em 97, hoje a gente tem mais dois, que é Campo Grande no Mato Grosso, Petrolina, e temos mais uns dezesseis em análise. Quer dizer, é um processo de aprendizado. A prefeitura agora já chega e diz: “Eu quero fazer um PMI”. Então, é o resultado que a gente já está colhendo. Hoje a gente já está com dificuldade de analisar PMI porque todas as prefeituras fazem o Pmate e querem no segundo momento fazer o PMI. Então, só pra recuperar. Essa aflição que a gente tinha: “Poxa, lá vem os prefeitos, às vezes, equivocadamente perguntar pelo dinheiro do social...” “Ah, cadê o dinheiro do social?” Pensando em recurso orçamentário, no mínimo recurso não reembolsável. Hoje a gente tem uma resposta muito ordenada. A gente meio que devolve essa pergunta pra eles, ou então: “Como está sua administração orçamentária municipal?” E aí faz um programa, aí quando ele falar: ‘Mas eu quero fazer um projeto de investimento”. “Quais são as áreas prioritárias? Quais são as áreas mais carentes? Que tipo de investimento essas áreas necessitam?” Então isso dá muito conforto pro banco. Isso dá muita transparência na forma do banco agir. Então porque o banco financiou Teresina, e não financiou a outra prefeitura? Porque Teresina tem capacidade de pagamento, ela fez um Pmate e ela concebeu um projeto multissetorial integrado.
P/1 – E deve ir mudando a própria mentalidade das pessoas que procuram, dos políticos. Eu fico imaginando: na cidade “Tiririca da Serra” não tem recursos só tem recurso a fundo perdido. Será que o BNDES vai financiar? Eu acho que a partir do momento em que vocês devolvem: “Qual é o seu programa?” Você está mudando a mentalidade dessa cidade, a personalidade.
R - Eu diria: “Muda a qualidade desse diálogo, muda a qualidade do diálogo com o banco, e a gente tem achado que também muda, lá na ponta, a cultura, a mentalidade. Porque as prefeituras querem acertar. Você tem uma mudança acontecendo também nas prefeituras. Experiências renovadoras, exemplares de municípios, querem acertar, encontrar um parceiro que está querendo contribuir, como é o caso do BNDES. Maravilha. A gente está ajudando a mudar esse padrão de gestão pública no país.
P/1- Não sei se eu pergunto agora. Esse programa de apoio a crianças e jovens em situações de risco.
R - Pois é. Eu estava aqui me perguntando se vale a pena, se eu entraria numa agenda – eu estou falando tudo de reembolsável. 97% dos recursos da área social são reembolsáveis. E aí você tem 3% que é um fundo social que foi criado com parcela do lucro do BNDES. Aí o grande desafio era: como aplicar da melhor maneira possível esses recursos, e de forma funcional a essas linhas de financiamento de crédito, de empréstimo. Aí tem um mundo nessa história. Não sei como é que a gente faz.
P/2- É que o nosso tempo é muito pouco _______. Eu queria também perguntar... Tem um milhão de perguntas – dentro desse trabalho - a interface das outras áreas do banco também. Como é que é?
R – Senão a gente marca outro dia, porque é muita coisa. Senão vai virar uma pasta. Eu já estou aflita que eu estou...
P/1- Porque é super importante deixar isso registrado. Você é que está falando disso.
R - Eu acho legal também. É uma história tão recente, que eu acho legal estar registrada.
P/1 – Nossa. É um mundo.
R - É um mundo. O Fundo Social, você abre tudo de novo. Aí você abre trabalho e renda. Tudo com não reembolsável em outra escala, com metodologias novas. Trabalho e renda, saúde, educação, desenvolvimento local… E tem uma coisa legal aí – eu falo nesse outro dia – de quando a gente começa a operar o Fundo Social, um pouco a gente resgata a memória da primeira área social do banco. Vários conceitos e princípios que foram trabalhados naquele momento são recuperados. Aquela coisa, o banco fez um trabalho muito bom na década de oitenta, numa escala menor, mas agora com o Fundo Social, vários conceitos de exemplaridade de disseminação, de inovações, novas tecnologias sociais, a gente vê esses conceitos… (pausa) É um outro universo.Tem uma escala muito pequena em relação aos números do banco. Quando você começa a falar deles, você tem uma escala muito interessante de inovações, de metodologia, de política social no Brasil. Então eu acho que a gente vai ter que fazer isso em outro dia.
P/1- Vamos deixar isso já agendado.
P/2 – Pela gente, a gente adoraria.
R – Pois é. É só questão de ver a minha agenda. Amanhã a gente vê porque eu não tenho a minha agenda aqui. É aqui mesmo?
P/1- É, a gente pode ir lá.
R – Não, pra mim não é _
P/1 – Tem um dia que a gente vai estar lá no banco.
R - Qual é o dia?
P/1 e P/2 – Acho que é sexta feira. Vamos ver como está o horário?
P/2 – Seria interessante continuar eu e você (risos).
R – Sexta feira, talvez eu possa.
P/1- A gente podia agendar já, porque segunda feira eu não vou estar aqui.
Continuação da entrevista com Beatriz Azeredo no dia 14 /05/2002
R – Eu queria retomar um pouquinho 96, 97, só pra lembrar. Na década de oitenta aconteceu, tinha uma área social no banco, quando o banco ganhou o ‘S’. Isso foi descontinuado, e essa área recriada em 96. Eu fui chamada para ser superintendente e organizar essa área, que naquele momento estava partindo do zero. Em 97 foi convidado pra ser diretor dessa área social, Paulo Artur hoje senador pelo Espírito Santo. Acho que é interessante registrar porque esses momentos, a evolução dessa área, como de qualquer outro assunto, ela tem a ver com as pessoas que chegam, o perfil. Quer dizer, a área tinha uma enorme força. Antes do Paulo Artur chegar de todo à casa, como eu mencionei, o presidente do banco, a diretoria e tal… Mas de repente vem uma pessoa de fora e vem o olhar de fora. Então a chegada do Paulo Artur foi uma chegada muito importante de valorização, eu diria assim, pro público externo. Naquele momento a gente estava ainda muito pra dentro, sem divulgar resultados porque ainda eram poucos… De repente vem uma pessoa com olhar de fora: “Mas tem coisas fantásticas o que vocês estão fazendo. Vamos divulgar, vamos falar.” E ele assumiu muito essa posição de divulgação num momento importante do trabalho. E aí quando ele saiu, o Paulo Artur saiu, eu assumi como diretora da área social, no lugar dele. Mas foi muito interessante essa energia que veio de fora naquele momento, essa força e impulso. Chegando rapidamente em 2000, 2001, nosso plano estratégico, as metas… Eu me lembro na época, eu estava responsável... Além da área social eu também estava responsável pela área de Planejamento, onde eu estava organizando todo o processo de planejamento estratégico. E nós organizamos – foram várias rodadas em hotel, fora do banco e tal, a diretoria toda e os superintendentes, e logo na primeira rodada, que a gente foi pra esse hotel em Teresópolis, a gente tinha a apresentação de cenários macro econômicos, que era uma idéia de dar um pano de fundo: pra onde estamos indo, quais são os cenários macro econômicos e políticos, pra discutir então como é que o banco vai se posicionar frente a esses cenários. Isso estava sendo organizado e já montado, as pessoas convidadas, e eu fiz uma reunião na área social, com a equipe da área social, e contei a programação. E teve uma pessoa, Cláudia Costa, que era gerente da área social que falou: “Mas vem cá, e os cenários sociais?“ Mais uma vez uma pessoa, ali naquele momento faz um comentário absolutamente pertinente. A gente tinha cenários econômicos, políticos, metas, crescimento do PIB e tal, e o cenário social da situação social do país? E aquilo, aquela obviedade, esquecemos. Corremos atrás, eu liguei na época, conversei com o (Gruner?), presidente do banco. Então não vai dar pra ser lá no hotel. Vamos fazer aqui no BNDES, antes de ir pra lá. Ele topou e eu liguei pro presidente do IPEA que é atualmente, ainda, o Roberto Martins e falei: “Olha, eu queria uma apresentação sobre a questão social no país. Eu quero uma apresentação que mostre efetivamente qual é o cenário, onde a gente está transitando, a desigualdade e por aí a fora”. E mais ou menos disse pra ele qual era o objetivo. Essa apresentação foi feita na sala de reunião da diretoria, com toda a diretoria e superintendentes, e foi um impacto, foi um choque, porque todo mundo sabe que o país é muito desigual, todo mundo sabe que a gente é campeão no mundo, de desigualdade, mas ver os números, é absolutamente chocante. E o Roberto Martins fez uma excelente apresentação com todos os dados, um pouco assim com o argumento. Primeiro ele jogou os dados. “Olha, o país não é um país pobre, é um país rico”. E aí compara toda a questão de renda per capita, nível de PIB com o resto do mundo. Mas apesar de não ser um país pobre, é um país muito desigual. E aí a gente vai lá pra último lugar em termos de desigualdade, e tem uma coisa que choca que é um gráfico que pega da década de setenta pra cá, a evolução da distribuição de renda no país.
P/1- Você tem esse gráfico?
R – Tenho. A gente tem esse gráfico. E aí o Roberto Martins na apresentação falou: “Olha, esse gráfico que mostra a evolução da desigualdade no país, ele parece o eletrocardiograma de um morto. Ele não se mexe”. Então o que fica a nua e crua constatação. Quer dizer que apesar de toda a modernização dos setores produtivos, toda a industrialização...
P/2 – Do crescimento.
R - Do crescimento, dos anos do milagre, cenários políticos diferenciados: ditadura, democratização, eleições diretas, tudo, o gráfico de distribuição de renda ele é uma linha praticamente reta. Ela atravessou incólume todas essas mudanças políticas e econômicas. Eu me lembro que a apresentação impactou todo mundo, muito. Naquele momento, quando foi feita a apresentação pelo diretor do IPEA pra toda a diretoria do banco, superintendentes, eu estava sentada do lado do (Bru?)_ do presidente, e ele no meio da apresentação, ele olhou pra mim e falou assim: “Parece filme de terror”. Foi a expressão dele. E absolutamente impactado por uma constatação que no fundo todos nós sabemos, mas que quando você vê uma apresentação muito bem inequívoca, os dados são inequívocos. Eu estou querendo registrar isso, porque essa apresentação aconteceu numa quarta feira, e na sexta a gente foi lá pra primeira rodada do plano estratégico. E essa primeira rodada era exatamente discutir os cenários e discutir a missão do banco. Pela primeira vez na história do BNDES, - está fazendo cinquenta anos este ano – a missão do banco explicita como compromisso, contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais. Quer dizer, pela primeira vez, lado a lado a questão da modernização dos setores produtivos, do aumento da competitividade da economia brasileira, entra explicitamente, não como uma decorrência do crescimento, da industrialização, mas como um objetivo em si: contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais. E eu tenho clareza que essa apresentação foi muito importante nesse momento, pra sensibilizar todos nós. Do banco, enquanto um banco de desenvolvimento, assumir isso de forma explícita na sua missão. Não dá pra ignorar e não dá pra gente achar que vai ser uma decorrência natural de um processo de crescimento econômico, como em alguns momentos na história do país se pensou. A despeito da importância disso. Mas lado a lado a isso, a crescimento, modernização, industrialização, a questão de se atacar de frente um problema tão arraigado na nossa história. Eu diria, aí voltando à área social do banco, além de ter colocado isso na missão, também ficava a pergunta para os superintendentes de todas as outras áreas: “Mas o que o banco pode fazer efetivamente pra contribuir para reduzir desigualdade?” E aí, nesse momento, ajudou muito você ter uma área social que vinha trabalhando desde 96 definindo produtos. Então ajudou muito você ter uma equipe preparada que dizia: “Bom, tem gente que não tem acesso a crédito porque é um micro empreendedor informal, tem aqui um microcrédito e a metodologia pra trabalhar com isso. O acesso a serviços de saúde é muito baixo. Tem um programa pra modernizar as instituições hospitalares”. Então você tinha saneamento, todo mapeamento, um conhecimento setorial. Eu acho que ajudou muito o avanço que o banco tinha feito em conhecer os setores sociais básicos, entender seus problemas e definir: “Bom, aqui o banco pode atuar”. Eu acho que isso é um pouco a história do porque a missão do banco tem uma coisa inovadora pra própria história do BNDES, que é mencionar a desigualdade social e porque uma das sete dimensões é desenvolvimento social.
P/2 – Beatriz, a gente já tinha conversado sobre o Pmate, sobre os projetos multissetoriais. Deixa eu te perguntar também: e as redes de atenção? Como é esse programa?
R – Aí eu estou falando de recursos não reembolsáveis. É um capítulo à parte. Agora, só pra vocês terem uma idéia, hoje, por exemplo, 2002, a gente tem uma carteira de projetos dentro do banco, de Desenvolvimento Social e Urbano, de cerca de oito bilhões e meio. Desse total, 3% significa não reembolsável. Então, só pra ter uma idéia de ordem de grandeza, mais uma vez, o banco é banco e faz empréstimo também na área social. E a gente começou em 96, só que em 87, ainda com o presidente Luiz Carlos Mendonça de Barros, se imaginou que se poderia criar um fundo social com recursos provenientes do núcleo do BNDES, onde se pudesse apoiar alguns projetos estratégicos, mas que seria difícil falar em empréstimo nesse caso. Então, a gente ganhou, que dizer, a área social ganhou esse instrumento, eu diria, de atuação, mais uma vez é um recurso pequeno em relação ao nosso orçamento, mas que – eu vou dar alguns exemplos – fazem uma enorme diferença. Então todo nosso desafio nesse momento, era como aproveitar essa oportunidade, apesar de pouco recurso não reembolsável, e que isso pudesse ser funcional às nossas linhas de financiamento. A gente trabalha com saúde, educação, trabalho e renda. O fundo social também segue essa linha, trabalhando de forma não reembolsável ou seria impossível falar em empréstimo. Bom, esse programa, esse fundo, foi criado no meio de 97, naquela diretoria do BNDES, mudou-se inclusive o estatuto do banco pra permitir essas aplicações não reembolsáveis. A grande questão era: Quais são os critérios de aplicação? Pra recursos não reembolsáveis a demanda é infinita… Eu me lembro que mais de uma vez eu perguntei pro Luiz Carlos, o presidente do banco: “Bom, se você tivesse que escolher uma clientela pra priorizar, por onde você entraria?” E ele falou: “Meninos de rua”. Eu estou falando isso porque acabou que a gente não ficou em “meninos de rua”, ficou com “criança e jovem em situação de risco” lato sensu.
P/2- População de risco você define como?
R – Como população de criança e jovem de família de baixíssima renda que mora em bolsões de miséria nos grandes centros urbanos, que tem uma situação muitas vezes de violência dentro de uma favela, ou de abandono, numa situação familiar, é família desestruturada. É o conceito de situação de risco social. Quer dizer, aquela criança, aquele jovem em algum momento pode estar indo pro tráfico. Por exemplo, se ele não tiver políticas específicas de atenção. Então a gente criou um programa de apoio à criança e jovem em situação de risco, com várias linhas de atuação. Então a rede que você me perguntou é uma delas. Esse país - isso já é conhecido - é uma característica nossa, a gente avança muito nas leis, e a prática, às vezes, um pouquinho atrás. A gente tem o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, que fez dez anos em 2000, ou 2001, acho que 2001. O ECA é absolutamente moderno, em termos de política de atenção à criança e jovem. Ele prevê antes de mais nada… Quer dizer, ele não tem aquele enfoque de punição do jovem, ele tem um enfoque de atenção à criança e jovem de garantia de direitos. Não é aquela política assistencial de recolher jovens na rua com problemas e botar em algum lugar, aquela coisa punitiva ou de depósito. É um conceito moderníssimo, avançado de educação, de garantia de direito e de proteção integral a esses direitos. Então esse estatuto é extremamente avançado e muito bem feito, ele preconiza que essa atenção a essas crianças e jovens seja feita através de redes. É de responsabilidade do poder público sim, mas em articulação com as ONGs, com conselho de direitos de criança e adolescente, com conselhos tutelares e por aí a fora. Quer dizer, a idéia de você unir esforços. Eu diria que o principal objetivo desse programa na época foi, porque não convidar as prefeituras que chegavam aqui: “Cadê o dinheiro da creche, o não reembolsável pra reformar uma creche”. “Olha prefeito, creche a gente não tem, mas se quiser organizar um programa de rede de atenção à criança e jovem na sua cidade, tem um recurso não reembolsável que é o único recurso não reembolsável que a gente tem pra prefeitura”. E aí era mais uma vez que nem o PMI e do Pmate devolver o dever de casa pra prefeitura porque eles também chegavam: “Não, porque menino de rua precisa de uma abrigo, de uma creche de um não sei o que.”, “Prefeito, quantas crianças tem em situação de risco na sua cidade? Onde elas estão espalhadas pela cidade? Onde estão os equipamentos sociais? Estão aqui, aqui. Esses equipamentos são públicos, privados, ONGs, religiosos, filantrópicos? Como organizar esse risco? Como organizar o fundo municipal?” Enfim, é um super dever de casa de planejamento, diagnóstico, famílias, perfil sócio econômico, e a gente aprendeu muito com essas prefeituras, e elas aprenderam muito também. Quer dizer, um pouco muda a postura. Eu não quero recolher menino da rua, eu quero olhar a minha cidade, olhar essa população de criança e jovem, e traçar uma política de atenção a elas. Então a gente financiou várias redes, pelo menos mais de dez na primeira rodada, e continuamos a financiar. Eu diria que essa é uma bela aplicação de recursos do núcleo do BNDES. A gente está contribuindo pra implementar uma política pública, em atenção à infância e à adolescência. Eu vou dar mais dois exemplos que fecham bem essa estratégia nossa.
P/2 – Essa vem a ser...
R –Do fundo social.
P/2- É um dos projetos mais legais, em parceria, ONGs...
R - E aí a gente entra pro terceiro setor. O banco então descobre, os técnicos do banco aprendem a lidar com o terceiro setor que tem um mundo país afora, diversificado, que trabalha na área social. Por exemplo saúde. A gente descobriu o Renascer, é um projeto premiado, conhecido no Parque Lage, criado por uma médica, Vera Cordeiro, que tem por objetivo fazer com que o serviço hospitalar tenha bom resultado. A Vera era médica do Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, e eles tinham a constatação de que a criança, às vezes deixava de ser tratada por falta de renda. Quer dizer, ela passa por uma super UTI, uma internação, um tratamento médico da melhor qualidade, e após a internação ela não tem dinheiro pra comprar comida, pra pagar a passagem pra voltar pra fazer o acompanhamento e pra comprar remédio. Então muitas vezes eles começaram a enfrentar reinternação, a criança volta, volta, volta. Pneumonia, fora as doenças graves. E muitas vezes a morte. Então, esse projeto foi criado justamente pra atuar em complementação ao hospital público. É uma ONG que fica ali no Parque Lage, perto do hospital. Então a criança, após a alta hospitalar, é adotada aquela família durante o tratamento, pelo projeto. Num conceito de atenção integral não só à criança, como à família. Vê a questão de renda, condições de moradia, remédio, roupa... Enfim... Nesse caso a gente apoiou não só o Renascer, mas a gente está apoiando vários outros REIS, como se chama, que são instituições da mesma natureza. Elas crescem coladas aos hospitais públicos pra garantir a eficácia daquele tratamento. Eu acho que esse projeto que a gente chama de Saúde Complementar, é um bom exemplo de como o banco imagina utilizar os recursos do fundo social. Ainda a gente está colocando os recursos no terceiro setor, numa ONG, contribuindo pra aperfeiçoar uma política pública de saúde. Quer dizer, muitas vezes para a miséria da população e a pobreza, não basta um hospital de primeiro mundo, porque a criança não volta, ou volta repetidas vezes e tem seu tratamento comprometido. Então esses são casos muito específicos. Eu daria um terceiro exemplo do fundo social que a gente descobriu no meio do caminho, que é a força, eu diria assim, de sedução com esses jovens, principalmente de… Que moram nas favelas dos grandes centros urbanos, os projetos chamados de Arte e Educação. Muitas vezes, pra esses jovens que até já saiu da escola, não adianta você ter uma política de botar ele sentado dentro da sala de aula. Como atrair esse jovem, como chamar esse adolescente para um projeto de atenção e de educação? A gente percebeu que existem vários projetos no país que utilizam dança, música, artes plásticas pra trabalhar com essa população. Temos aí uma linha de Arte e Educação, como a gente chama, são projetos belíssimos. A Edisca, com a Dora Andrade, a _____ a Ashoka também, ela criou uma bailarina, que criou a Edisca. Qual é a proposta? A proposta é trabalhar com crianças, meninos das três piores favelas de Fortaleza, numa escola de dança. Uma escola de dança em que além de você aprender a dançar, você aprende a escovar os dentes, você aprende higiene básica, aprende a comer com talher...Tem toda assistência à saúde, a mãe também é... Enfim, tem todo um programa de assistência àquela criança e àquela família, e, além disso, é um projeto de dança. Então o banco quando foi visitar a Edisca em Fortaleza, era uma casa assim, vertical, de três andares, pequenininha, toda alagada quando chovia, e o grande sonho deles era a construção da sede. Nós financiamos a construção da sede, e por coincidência, quinze dias atrás, fomos todos lá, porque teve uma reunião da diretoria do banco em Fortaleza e foram todos os diretores e o presidente, e a reação do Eleazar, do presidente: “Puxa, eu queria uma escola dessas pra botar o meu filho”. É uma escola lindíssima, do maior bom gosto, instalações maravilhosas, não é luxuosa...
R – Estava falando em mãe canguru e encerraria como fundo social. Então projetos. No terceiro setor de ONGs de Arte e Educação, são projetos prioritários na aplicação dos recursos sociais. Pela força que tem essa linguagem artística pra trabalhar com essa clientela. Então você tem compositores, corinho na Baixada Fluminense, tem o afore em Vigário Geral, tem o maracatu na favela do Cardeal. Em Salvador, que é um projeto do Carlinhos Brown, criado pelo Carlinhos Brown, o projeto Axé, tem o age olê, que é dança afro, em Pernambuco, numa favela, num antigo matadouro que eles desocuparam lá. Enfim, tem coisas que também mostram a força da nossa cultura, e dessas manifestações culturais regionais e apropriação disso tudo em projetos que, além de tudo, tem um conteúdo social muito importante que visa apoiar essa população de baixíssima renda.
P/2- Nesses projetos eles estão aprendendo também como trabalhar, os dois lados, o fundo do banco poder apoiar, ver que esses projetos estão crescendo e olhar pro lado.
R – Claro. A gente encontrou tanta beleza, tanta força, que a gente acabou criando uma amostra. Já está no seu terceiro ano, é “Mostra do BNDES, Arte e Ação Social”. É a idéia de reunir esses projetos uma semana no Teatro Carlos Gomes, é aqui pertinho. E pro banco um grande palco, num grande teatro para um grande público. E essa experiência tem sido maravilhosa. Já fizemos duas mostras, 2000 e 2001, este ano é a terceira. E é fantástico, é tudo. Em vez de esse pessoal, esses meninos pegarem um avião, virem pro Rio de Janeiro, se apresentarem num palco onde nunca se apresentaram, poderem assistir a outros projetos... Então é um negócio… Qual foi? Acho que foi o ballet da Carmem Luz, aqui no Rio de Janeiro, em favela, no Morro do Andaraí. Também é um morro complicadíssimo em termos de violência. E quando acabou a apresentação no primeiro dia, a gente perguntou pra um menino pequeno: “O que achou?” E aí ele falou assim: “É que nem comer bolo de chocolate”. Aquela coisa de subir num palco. E depois, um outro jovem mais velho falou assim: “Puxa, eu nunca me apresentei pra uma platéia assim, silenciosa, porque eles estão acostumados a dançar em comunidades, em praça pública, nunca num palco. E essa mostra do BNDES, a gente faz o maior esforço pra ter um melhor padrão de excelência técnica, com equipe técnica de som, de luz. Por exemplo, este ano foi a equipe do Municipal. O cara lá da mesa do som, pena eu não saber o sobrenome dele – é o Dudu, o cara que faz a mesa de som do Municipal. Então, é também a oportunidade de ter acesso a esse serviço técnico num show, da maior qualidade. E também pra esse profissional que fica lá dentro do Municipal, de botar o pé no Brasil real. Esse ano também, na mostra – agora me lembrei e acho que vale a pena registrar, é pra poder entender a importância desses projetos. A gente fez aqui um seminário durante o dia. À noite era a apresentação dos diferentes projetos. Resolvemos fazer uma mesa só com jovens. Então, era um jovem de cada projeto, Bate Lata, é uma banda de lata de Campinas, Chorinho da Baixada, o Afroreggae de Vigário Geral, Edisca, Bahia, Fracatu, pros jovens falando. Eu destacaria um relato, do Júnior do Afroreggae, contando que onde ele mora, os jovens vão pro tráfego, primos, tios… Por essa proximidade o tráfego é o caminho natural, eles são líderes ali, e ele, naquela coisa de jovem, olhando aquilo tudo... Uma vez ele pediu um tênis, um Nike pra mãe dele, e a mãe dele fez lá uma prestação e deu um Nike pra ele. E quando ele ganhou o Nike o pai brigou muito com a mãe dele, e ele ouviu. Porque o pai reclamava: “Puxa, mas a gente vai ficar sem comer por causa do tênis do garoto?” E ela disse: “Mas se eu não der um tênis pra ele, os traficantes vão dar”. E ele contou isso de uma forma muito simples, pra dizer que ele encontrou um outro caminho. Aquilo marcou muito pra ele, pra ele não entrar no tráfico, ele acabou procurando esse projeto, o Afroreggae, pra dançar capoeira, e hoje ele é um grande cantor do projeto. Enfim, fazem shows e ganham dinheiro com isso. É nisso que esses projetos atuam. Nesse viés muito, nesse limite muito tênue entre a marginalidade, a violência, o tráfico, e uma vida digna, por exemplo, num palco.
P/2 – Você fala também na mãe canguru, que é um projeto do BNDES?
R – Eu acho que é um belo exemplo também. É na área de saúde, mas é o seguinte: a gente descobriu – estando aqui no Rio de Janeiro, é difícil perceber a grandeza desse projeto pelo Brasil a fora. Então, uma forma de a gente conhecer, é apoiar premiações. Tem um belíssimo prêmio que se chama Gestão Pública e Cidadania, organizada pela Fundação Ford Getúlio Vargas, que busca pelo país inteiro por projetos bem sucedidos na área social, na área pública em geral. Então a gente, com o fundo social, a gente apóia essa premiação. Hoje, somos um parceiro desse prêmio, é anual, e a primeira vez que a gente apoiou esse prêmio, um dos premiados – são vinte projetos selecionados e dos 25 que são os destaques daquele ano. Um dos projetos selecionados foi o Mãe Canguru IMIP, do Instituto Materno Infantil de Pernambuco, que era simples. Quer dizer, o hospital público que presta serviço ao SUS, em que se implementa aquele método em que o bebê prematuro, ao invés de ficar na incubadora, ele fica amarrado pele a pele, junto ao peito da mãe, full time, quer dizer, de manhã, de tarde, de noite. A mãe dorme com o bebê ali, e é uma técnica de atendimento ao prematuro, que significa muito menos tempo de internação, muito menos gasto enquanto hospital público, uma humanização do atendimento e um fortalecimento do vínculo com aquele bebê. Então, em grandes números, em média um bebê fica três meses em uma incubadora, no Mãe Canguru ele fica dezesseis dias. Aí a mãe e o bebê vão pra casa. A recuperação do bebê é muito rápida. Tem estatística e textos médicos que mostram que no bebê, é questão de batimento cardíaco muito irregular. Junto ao peito da mãe, o batimento dele fica estabilizado, várias coisas. A mãe do prematuro, em geral, tem medo de se apegar àquela criança. Ela tem medo porque ela acha que ela vai morre. Até que ela volta pra casa e aquela criança ficou na incubadora. Com o bebê aqui, ela quase que é a responsável, ela ajuda na recuperação daquele bebê, e o vínculo materno infantil, ele se forma ali. A mãe do prematuro...
P/1 – Você estava falando na mãe canguru.
R – Então é isso, a gente descobriu esse potencial fantástico nesse projeto. Ele tem uma característica de melhorar uma política pública, ele tem uma característica de dar um atendimento onde, às vezes, é impossível agir num lugar onde não tem incubadora, ou tem pouca incubadora, a simplicidade desse método: é a mãe e aquele bebê, com atenção médica,enfermaria e por aí a fora. A redução de custo no hospital, porque a internação baixa de três meses pra quinze dias. A questão da amamentação. Muitas vezes o prematuro, freqüentemente, ele não é amamentado porque ele fica numa incubadora e a mãe não é estimulada. Então tem todo um processo de ensinar a mãe a amamentar, com aquele bebezinho ali. Ele fica literalmente atado. Tem assim um pano ligado no peito. Então o que a gente fez? A gente foi atrás do INPE, financiou a ampliação daquele espaço que atendia as mães. Era uma salinha pequena, uma enfermaria. Virou um andar só pra essas mães, com solário, com uma sala de convivência, com uma sala pra receber visitas. Quer dizer, o pai vai visitar? Ele também faz canguru enquanto a mãe descansa. A avó vai visitar, faz um pouquinho de canguru. Os irmãos. Então criou-se um espaço, e a partir daí a gente começou a discutir com o Ministério da Saúde, a questão da disseminação dessa metodologia. Resumindo: virou um programa nacional de disseminação dessa metodologia, ela foi reconhecida pelo SUS como um procedimento. Portanto ela pode ser cobrada ao SUS, ao Ministério da Saúde. Você cobra o custo desse atendimento, e hoje são mais de 250 hospitais em todo país, que já adotaram esse método. Eu diria assim, que é um belíssimo exemplo de como é que um banco público pode atuar na área social. Contribuindo pra disseminar boas práticas e melhorar a política pública de saúde. Toda vez que eu chego… A gente faz seminários regionais pra disseminação do Mãe Canguru, junto com o Ministério da Saúde, a Fundação (Orca?) também entrou, e eu sempre falo, eu sempre tento explicar o que um banco tem a ver com Mãe Canguru, porque fica uma coisa meio assim... Mas é isso. Uma boa política pública que a gente está conhecendo.
P/2 - Vocês estão desenvolvendo algum projeto novo? Quais são as perspectivas pra frente?
R – Essa pergunta é perigosíssima, porque a gente está sempre desenvolvendo um projeto novo, o fundo social também nos permite essa flexibilidade, pra te dar um exemplo com o fundo social é o programa Desenvolvimento Local, é chegar em populações de baixíssima renda, em geral Norte e Nordeste, e trabalhar toda uma estratégia de fortalecimento do capital social naquela região, criação de pequenas unidades produtivas fortalecimento da cabeça nativa local, e geração de riqueza. Aí já é uma outra agenda, é a questão de geração de trabalho e renda. O que fazer em lugares onde não tem a figura da grande empresa? Onde não tem a figura do mercado formal de trabalho? Onde, às vezes, o banco sequer consegue chegar. Então a gente tem aí uma metodologia. São três metodologias diferentes, com três instituições diferentes, (Inude?), (Ilica?), Instituto Aliança, esse junto com a Fundação Ayrton Senna, Fundação Kellogs e Fundação Odebrecht, que é a idéia exatamente de como trabalhar com uma população muito pobre, numa região economicamente deprimida. É uma agenda de trabalho de três ou quatro anos. A gente entra com o Fundo Social, com todo um plano de trabalho: capacitação, identificação de potencialidades, vocações econômicas, motivação das pessoas, formação de cooperativa… E aí, quem sabe daqui a três ou quatro anos a gente pode falar em crédito, empréstimo, pra essa população, pra essas cooperativas. Esse é um exemplo de projeto novo que a gente está nesse momento.
P/2- Beatriz, dentro do próprio banco, a área social proporcionalmente foi a que mais cresceu. E tem uma expectativa de um crescimento ainda maior. Qual é a meta pra alcançar?
R - Olha, a gente partiu, no plano estratégico, de um bi, pra chegar em 2005 desembolsando cinco bi, cinco bilhões de reais de desembolso, o que é muita coisa. Significa crescer 17,5% ao ano, é uma taxa de crescimento grande, até porque como é uma área nova, ela tem que crescer muito. Eu diria que hoje são duas áreas: a área de infraestrutura urbana e a área de desenvolvimento social estão absolutamente comprometidas com essa meta. Quer dizer, a gente tem que fomentar projetos, buscar projetos, construir projetos de investimento nessas áreas de saneamento, transporte, saúde, educação, trabalho e renda, modernização das prefeituras, urbanização das favelas, que é o (PMI?) de tal modo que esse conjunto de projetos gerem um desembolso anual de cinco bilhões. Então a gente está falando aí num grande esforço, mais uma vez, com clientes não tradicionais do banco que a gente está aprendendo a lidar… Então no desenvolvimento local. Você chega num município que o banco nunca antes chegou com nenhum produto. São desafios grandes, mas eu acho que a história do banco é de certa forma a história de responder a esses desafios.
P/2- O que é o BNDES pra você?
R – Pessoalmente? Aí é uma pergunta pessoal?
P/2 – Pessoal.
R - Olha, eu tenho uma sensação de enorme privilégio. Privilégio por ter podido participar desse trabalho desde 96, quer dizer, um privilégio ter podido junto com uma equipe – como eu falei no outro dia – que acreditava nisso, que acredita nisso, construir uma agenda que a gente saiu do zero, de uma folha em branco, e ter efetivamente realizado essa certeza que a gente tinha lá atrás. É possível o banco, enquanto banco, sem deixar de ser banco, contribuir pra redução de desigualdades sociais no país, com desenvolvimento social. Eu falo privilégio não só por conta dessa trajetória, eu diria bem sucedida da área social, mas também porque o banco representa um posto de observação e de atuação privilegiados. Quer dizer, o banco tem recursos, tem capacidade técnica, ele consegue alavancar parceiros... Eu diria assim: pra mim, anos de muito conhecimento. É como se estivesse com o meu horizonte profissional, o instrumental que eu tinha na cabeça, o conhecimento que eu tinha anteriormente, abriu, e eu diria assim, imprimiu essa minha experiência, imprimiu um rumo quase irreversível em minha vida profissional. Eu acho que marcou e vai marcar. Os próximos lugares, os próximos passos que eu der na minha vida profissional serão muito marcados por isso. Não uma marca específica, essa marca da abertura, de poder olhar pro Brasil, olhar pra vários setores, olhar pra vários segmentos, pra várias regiões e entender esse enorme potencial e a quantidade de coisas que tem pra ser feitas. É um privilégio.
P/1- Nós vamos alterar aquele gráfico?
R – Eu acredito que sim, mas eu acho que a gente precisa ter consciência de que é uma agenda de longo prazo. Eu acho que o grande aprendizado em política social no país, é o aprendizado da paciência. A gente tem que lidar com situações muito complexas, muito arraigadas, muito enraizadas. Não há solução fácil, não há (ciclismo?) possível, e não há resultados de curto prazo. A gente precisa ter clareza de que, ou se internaliza isso por dentro de políticas públicas consistente, permanentes e crescentes, ou o gráfico não muda. A gente está falando em mudanças radicais e está falando em construir um futuro certamente pras próximas gerações.
P/1 e P/2 – Obrigada.
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