P/1 – Senhor Jacob, o senhor me fala o seu nome inteiro, a data de nascimento e o local?
R – Meu nome em português, Jacob Pomerancblum. Nasci na Polônia, dia 12… nasci em 1914, dia 12 de setembro.
P/1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R – O meu pai chamava Moisés e minha mãe chama...Continuar leitura
P/1 – Senhor Jacob, o senhor me fala o seu nome inteiro, a data de nascimento e o local?
R – Meu nome em português, Jacob Pomerancblum. Nasci na Polônia, dia 12… nasci em 1914, dia 12 de setembro.
P/1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R – O meu pai chamava Moisés e minha mãe chamava Brandola.
P/1 – Eles nasceram na Polônia?
R – Nasceram na Polônia.
P/1 – Em que ano eles nasceram, o senhor podia dizer?
R – Eu não sei, difícil de responder.
P/1 – Tá certo. O senhor sabe porque o seu nome é Jacob?
R – Deve ser de algum antepassado, porque os hábitos judaicos sempre se dão nomes de antepassados falecidos.
P/1 – Você sabe como que os seus pais se conheceram?
R – Não. Não posso dizer porque era outra época, não é que nem hoje, não se namorava. A minha mãe… a família da minha mãe morava numa aldeia e a família do meu pai morava numa cidadezinha chamada Staszów, então sempre foi com um intermediário. Chamava chacham, o rapaz que ia casar ou a moça que queria casar tinha o chacham, ele procurava e apresentava. Se o negócio saía, ele ganhava comissão, se não…
P/1 – O senhor nasceu nessa cidade Staszów?
R – Staszów.
P/1 – Como era essa cidade?
R – A cidade, minha filha, não sei quem ficou. Parentes que estiveram em Staszów tiraram fotografias e me mandaram, alguém pegou e eu não sei onde foi parar. Era uma cidade pequena, praticamente, uma cidade planejada. Esse era o centro de Staszów, aqui tinha uma construção de armazéns e as ruas saíam assim, para cá, para cá, para cá e para cá. Eu morava numa rua que tinha… esse era o centro, as ruas saíam do centro, lá tinha o mercado, lá tinha reunião…
P/1 – Então, a cidade começava do centro…
R – Era uma praça.
P/1 – Quais são os costumes da sua família? Quais são as origens da sua família, os costumes?
R – Somos, como se diz, judeus, meu pai era judeu, meu avô era judeu, meu bisavô era judeu, meu tataravô era judeu, todos judeus. Qual é a diferença entre o judeu e o não judeu? Pergunto eu. Vocês não sabem? Por que tem poucos judeus e tem de outras religiões tem muitas? Sabem qual é o erro dos judeus? A circuncisão. Porque não sei se vocês leram a… na Bíblia consta que Deus apareceu para Abrahão e disse… e mandou ele fazer a circuncisão e ele falou… isso está no primeiro livro, Pentateuco, são cinco livros, “Esse será elo entre mim e vocês”. Assim está escrito.
P/1 – E como é que foi a sua infância nessa cidade?
R – Minha infância foi ótima! Tinham dois rios, em vez de ir na escola, minha mãe… eu deixava o livro atrás da porta e ia brincar no rio, tanto no verão, ia brincar no rio e no inverno ia deslizar no gelo.
P/1 – E que outras brincadeiras o senhor fazia?
R – Eu não me lembro mais. Tudo brincadeira que moleque faz, chuta bola, só que não me lembro, porque não tinha bola, mesmo aqui, quando eu cheguei no Brasil, então no segundo dia que eu saí, eu fui na… meus pais moravam na rua Prates, sai na Rua Prates, na Rua Prates tem vilas e eu fui na esquina da Vila Minerva, lá a molecada estava chutando bola e lá me deram apelido Piola. Alias, era Piolim primeiro, depois de Piolim passou para Piola.
P/1 – E o que significa Piola? O que é? É um apelido apenas?
R – É um apelido. Piola se eu não me engano, era um jogador de futebol, não me lembro de que seleção. Era um jogador de futebol, Piola.
P/1 – Vocês gostavam muito de futebol, então na época?
R – Ah sim, eu logo me liguei a um time chamado Centenário do Bom Retiro. A minha função era levar o… bom, vocês não conhecem, naquela época tinha várzeas, naquele tempo no Bom Retiro, no fim da Rua Nestor Prado, hoje chama Nestor Prado, antigamente, era Capitão Matarazzo, tinham quatro, cinco campos de futebol, tinha o meu time que era o Centenário, tinha o Nacional, tinha Corinthians do bom Retiro, tinha Saúde Pública, tinha Anhanguera.
P/1 – O senhor pode dizer para gente como que era a casa do senhor em Staszów?
R – Era um quarto.
P/1 – Era um quarto?
R – Me empresta isso aqui. Faz de conta que esse aqui é o quarto. Então… não, melhor assim, aqui tinha a porta, abria… não me lembro se abria para dentro, eu acho que abria para fora. Entrava no quarto, logo no começo, tinha um aguadeiro, onde o aguadeiro trazia… porque não tinha água, o aguadeiro trazia, ele recebia… ele trazia dois baldes de água, essa água que tinha… ele não trazia duas vezes, da minha casa até o rio era mais ou menos uns quinhentos metros e ele tinha a freguesia, ele ia para o rio, enchia os dois baldes, entregava para nós, entregava para o outro e assim funcionava. Banho a gente tomava só na sexta-feira. Na sexta, tinha uma tina, minha mãe esquentava… isso aqui no inverno, eu estou falando. Esquentava a água e primeiro, o mais novo, depois o segundo, depois o terceiro, depois o quarto. Eu era o quarto.
P/1 – Era muito frio lá, então?
R – Muito frio. Tinha noites de inverno que a temperatura caía de 15 a 20 graus abaixo de zero. Tinha quase um metro de neve, mas ninguém lidava, quando conseguia arrumar pedaços de madeira que a gente fazia um pequeno trenó, a gente ia… até em cima, até o rio era declive, a gente então sentava um no meio, um na ponta aqui, outro na ponta aqui e o outro de pé, a ponta só, porque não cabia mais e a gente deslizava, no meio da descida, rolava… quem ligava subia de novo e assim a gente brincava. Isso no inverno.
P/1 – E no verão, jogava futebol? Fazia essas coisas…
R – Não me… não, não. Eu assisti, porque Staszów tinha caverna, em Staszów passavam dois rios, então as cavernas eram… então, a gente… os rios atravessavam… eram rasos, não eram fundos e a gente ficava assistindo de longe.
P/1 – E como é que era a escola lá, o senhor chegou a estudar em Staszów?
R – Eu não sei, eu não fui na escola lá em Staszów. Eu sei que… eu tinha um tio que morava pegado, o ofício dele, ele… como se diz? Quando a pedra tubular que faz as letras, ele fazia o serviço dele era esse aqui, alguém falecia, precisava pôr a pedra, então davam para ele o que ele tinha que gravar e ele também era professor, professor de Religião, a, b, c, d, compreende? Mais tarde… bom… é assim.
P/1 – Entendi. E como é que era? Você tinha irmãos, era isso?
R – Se eu tinha irmãos?
P/1 – É.
R – Tinha! O meu irmão era três anos mais novo do que eu. Mas ele era diferente de mim, ele era acomodado, quietinho. O pai da Thea.
P/1 – O senhor tinha esse irmão, só?
R – Não, tinha esse irmão. Depois, tinha uma irmã que ainda está viva, que está no lar e tinha mais uma irmã que eu mostrei a fotografia, que faleceu com 38 anos e tinha o irmão caçula que faleceu em Israel.
P/1 – Quais são os nomes deles?
R – O mais novo Samuel, estou falando de trás para… a segunda que faleceu jovem chamava Esther, a terceira que está viva ainda chama Sarah, o quarto era Isaac e eu sou o último da linhagem, você sabe o meu nome, né? O meu nome é Jacob, em ídiche e o nome que me deram Yaacov.
P/1 – E quando o senhor veio para o Brasil virou Jacob?
R – Sim.
P/1 – Você e os seus irmãos moravam todos na mesma casa?
R – Na mesma casa. Quando eu cheguei aqui, meus pais foram me buscar em Santos, a mim e meu irmão. Naquela época, morava numa casa na Vila Renascença, chamava. Hoje já não existe mais, derrubaram, construíram um prédio. Até hoje eu não sei onde que eu dormia, porque nem sei quantos quartos tinham, não tinha grande coisa, porque o quarto da frente, o meu pai alugou para três rapazes conterrâneos da mesma cidade. Não me lembro da primeira casa, não me lembro nada, nada, nada.
P/1 – Mas só ficando um pouquinho em Staszów, o seu pai fazia o quê? E a sua mãe, naquela época?
R – Lá em Staszów, ele era filho, o único homem, tinha quatro irmãs, era passeado, como se diz, negociava com casimira, porque a minha avó negociava com coisas para alfaiate e ele ia para Lote, Lote era uma cidade industrial da Polônia. As tecelagens de Lote concorriam com a casimira inglesa, era tão boa como a casimira inglesa que tinha nome. Até hoje eu pergunto para mim: “Por que o meu pai tinha que ir toda semana para Lote?”
P/1 – Vocês viajavam muito?
R – Quem?
P/1 – A sua família.
R – Que nada. Só o meu pai, ele viajava para Lote.
P/1 – E por que o senhor veio para o Brasil, então, depois? Com quantos anos o senhor veio? O que aconteceu?
R – Bom, por que nós viemos para o Brasil, você quer dizer.
P/1 – Sim.
R – O antissemitismo na Polônia… na Polônia tinham três milhões de judeus, vê quantos judeus têm na Polônia hoje. Na Polônia, o antissemitismo era muito grande, o padre na igreja, antes de começar a reza, então eles vinham: “Os judeus mataram Cristo”, se eu estivesse hoje lá, eu dizia: “Mas Cristo também era judeu”, para você ter uma ideia. Na Polônia, se tem 100 judeus, é muito.
P/1 – Então, por causa disso vocês vieram para o Brasil, então?
R – Sim. A imigração veio da Polônia, da Lituânia, da Rússia, todo leste europeu. Um vinha para o Brasil, outro ia para a Argentina, outro ia para Chile… as minhas tias foram inteligentes, foram para Israel.
P/1 – A sua família inteira veio para cá então?
R – Quem?
P/1 – A sua família inteira saiu da Polônia, foi isso?
R – Só o meu pai e minha mãe e nós cinco, filhos.
P/1 – Quem veio primeiro para cá? Vieram todos juntos para cá?
R – Não, que todos juntos! Você é otimista. Primeiro, veio meu pai. Vou contar. Em 1924. Em 1925, meu pai mandou passagem para a família toda, por azar, caiu pra gente viajar na época da Páscoa judaica, os judeus na Páscoa judaica têm certos hábitos, tem que ter louça diferente, não diferente, purificada, a palavra certa é purificada. Aí, a minha avó disse: “Escuta, você vai viajar na Páscoa? Vai comer comida impura? Deixa passar, você viaja na próxima…”, e a minha mãe ouviu e nesse ínterim, a companhia que vendeu as passagens aqui no Brasil foi para falência, nós perdemos as passagens. Por causa disso que viemos parcelados. Isso foi em 1925. Em 26, meu pai mandou um pouco de dinheiro, minha mãe andou vendendo algumas coisas e ela veio com os três menores. Então, eu fiquei na casa de uma avó em outra cidade e o meu irmão ficou na cidade onde nós nascemos, chamada Staszów.
P/1 – E como é que foi a viagem, então?
R – A viagem?
P/1 – Sim.
R – Tinham mais ou menos… vou começar do começo. O trem nos deixou em Gdansk. Lá, pegamos um navio, esse navio nos levou até Amsterdam, levou três dias. Lá, nesse navio, tanto eu como o meu irmão enjoamos, mas depois passou. Em Amsterdam, nós ficamos na Companhia, depois de três dias, embarcamos num navio chamado Zelândia, tinham mais ou menos, mais de dois mil imigrantes que iam no… então, esse era o salão onde iam comer muito. Então era assim, aqui tinha uma porta, tinham nuns quatro degraus e aqui tinha tudo beliche, tudo cheio, embaixo e em cima. A primeira noite, nós dormimos lá, mas quem podia dormir? Porque aqui é a entrada e no fundo, tinha a parede, atrás da parede tinha a máquina que era dia e noite: boom, boom, boom… ninguém podia dormir. Praticamente, a viagem toda, a gente passou no deck. Então, no segundo dia, eu peguei um colchão, nós tínhamos dois colchões e eu disse: “Isaac, não vamos dormir aqui”, subimos lá em cima no deck e como eu, o deck ficou cheio, gente que não tem nada o que fazer, começaram… primeiro, começaram a cantar e tal e até que começaram a jogar travesseiros. Não tinha clareado o… veio um oficial com dois marinheiros e jogou tudo no mar, todos os colchões, travesseiros, sorte minha é que nós tínhamos dois colchões, porque tinha o meu e o do meu irmão, essa é uma parte, você quer saber como foi a viagem. Comida tinha-se… essa era a mesa, tinha um banco aqui e um banco aqui. Cada banco sentavam cinco. O banco não tinha apoio. O primeiro dia, quando colocaram a comida, nem eu e nem o meu irmão conseguimos, mas à tarde, cada mesa colocava dois pães, cada pão era cortado em dez pedaços, dois pães dava para cada um dois pedaços. Quando eu dei por mim, tinha sobrado a ponta de um, eu disse: “Assim…”, no dia seguinte, almoço, enjoava. No dia seguinte, quando o garçom foi pôr os dois pães na mesa, eu fiquei com… um ficou com a ponta, mas eu fiquei com nove pedaços, estou te contando como eu precisava cuidar do meu irmão, meu irmão era três anos mais novo, era muito acanhado. Então, enquanto eu tinha três dólares, tinha uma barata que vendia latinha de sardinha, então eu comprava uma latinha de sardinha, com o pão e assim a gente… chá, tinha café, chafé para se ter uma ideia…
P/1 – Quanto tempo durou a viagem?
R – Vinte e dois dias, de Amsterdam até Santos.
P/1 – E como foi chegar no Brasil?
R – Foi bom, foi ótimo. Descemos no Rio, o navio parou e descemos. Tiveram mais duas paradas, mas não descemos. Pode ser que alguém tenha descido, mas eu com o meu irmão, não. Chegamos aqui, meus pais estavam esperando em Santos, naquela época, a gente ia de trem, não tinha ainda ônibus, não tinha estrada para…
P/1 – Como foi essa chegada? O que o senhor sentiu? O que o senhor sentiu quando chegou aqui, o senhor viu o seu pai?
R – Sei lá o que eu senti (risos), eu senti… não senti nada, um menino de 13 anos e um mês, o que pode…? Muda de ambiente, muda de lugar que ele não sabe a língua, não conhece ninguém… mas a gente se adapta. Eu logo me adaptei, logo fiz amizade, fiz amizade com… tinham dois rapazes, um chamado Henrique Schockman, ele já estava aqui ha um certo tempo, então nós fizemos amizade, esse Henrique Schockman foi meu amigo até ele falecer e mais tarde, eu fui pai dele, mãe dele, eu cuidava dele, eu fazia tudo para ele, comprei dois apartamentos para ele, quer dizer, quem pagava era a firma, mas quem comprava os apartamentos era eu, em meu nome, mas quando ele faleceu, ele tinha duas filhas, elas vieram para vender o apartamento, estava no meu nome.
P/1 – Como o senhor conheceu o Henrique?
R – Na vila, jogando futebol.
P/1 – Vocês vieram de Santos para São Paulo, foi isso?
R – Não entendo.
P/1 – Vocês saíram de Santos…?
R – Ah, viemos para São Paulo, é!
P/1 – Onde vocês moravam?
R – Morávamos na Rua Prates. Na Vila Renascença, Renascença é essa que não tem mais, depois, fomos morar na Vila Minerva, da Vila Minerva fomos para a Vila Aníbal, o dono da vila chamava Aníbal. Em 32, nós estávamos morando na Vila Aníbal. Vou contar um fato de 32. Em 32, tinha a Revolução Constitucionalista, m orava na Rua Prates um indivíduo, ele era chefe de um sindicato dos motoristas, então o que fizeram? Era getulista, entraram na casa dele, puseram todos os móveis na rua e botaram fogo. Então, esse é um fato que pouca gente sabe, na época da Revolução Constitucionalista. Isso aconteceu lá na Rua Prates, agora, outro não…
P/1 – E como é que era a Rua Prates?
R – A Rua Prates, passa hoje, uma rua bonita. A única diferença daquela época até hoje… a Rua Prates começa aqui, aqui começa a Rua José Paulino, e a Rua Prates desce. Antigamente, só tinha uma via, hoje tem… roubaram… todo o comprimento do Jardim da Luz, roubaram um pedaço e fizeram uma outra via. É uma rua bonita. Pode passar lá que… não é arborizada que nem os bairros aqui, mas… na minha opinião, Bom Retiro é o melhor bairro de São Paulo, na minha opinião.
P/1 – Por que o senhor acha isso?
R – O Bom Retiro… Olha, você vai no jardim Europa, Jardim América, todos
esses, chega às seis horas, é a mesma coisa que o cemitério. Você encontra alguém no cemitério quando você vai? Não encontra ninguém, a mesma coisa aqui, nem cachorro não tem. Vai no Bom Retiro, às sete, às oito, às nove, às dez tem os bares, porque o Bom Retiro… vou começar do começo. Quando chegamos, o Bom Retiro era um bairro italiano, 99% era italiano, devagar e devagar, os judeus foram chegando e se instalando no Bom Retiro e os italianos… quando eu cheguei, os meus amigos eram todos… tudo filho de italiano, Mario Maffei, Helio Ramonda, outros que não me lembro o nome, e depois, virou um bairro judeu. Hoje, os italianos… hoje, é um bairro coreano. Tem muito pouco judeu. A sinagoga que fizeram lá não tem… porque judeu para rezar tem que terá dez pessoas com mais de 13 anos, se não tem, tem sinagoga, mas não funciona, porque não tem quem reze.
P/1 – E o que o seu pai fazia aqui?
R – Meu pai, quando eu cheguei, meu pai tinha um brechó, do tamanho dessa… na Rua Mauá, bem em frente a estação da Luz, conhece a Rua Mauá?
P/1 – Acho que sim.
R – Então, de um lado tem o Jardim da Luz, e a Rua Mauá é do outro lado da estação. A lojinha dele era mais ou menos, era mais estreito que isso aqui e assim, e vendia roupa… brechó, vendia roupa velha e não dava para vender, ele não… ele veio com um pouco de dinheiro, os dois amigos que vieram junto com ele vieram, como diz em português, com uma mão na frente e outra atrás, mas progrediram na vida e ele não conseguiu progredir na vida. A situação em casa o melhorou quando os primos, em 1942, vieram da Bélgica e abriram uma lapidação de diamantes, na Barão de Itapetininga, aí ele foi trabalhar com os primos, aí a situação financeira melhorou. A situação estava muito ruim, a minha mãe ficou doente… é melhor não falar.
P/1 – E como era São Paulo naquela época?
R – Era uma cidade boa para morar, só para dar uma ideia para você, eu conheci uma garota que ela vinha em casa, nós morávamos na Vila Aurea e a família dela morava na Rua Prates, a Vila Aurea é na Rua Prates. Em casa, era ponto de reunião das garotas, amanhã eu vou sair com essa… não precisa explicar, não é? Qual foi a pergunta?
P/1 – Como era São Paulo na época…
R – Ah, eu conheci… vou até mostrar a foto para você ter ideia (pausa). Tá lá atrás. Mas isso aqui já é anos depois, compreende?
P/1 – Quem é ela?
R – E convidei ela para sair. Saímos e perguntei se ela queria namorar comigo. Ela disse: “Não”, depois fiquei sabendo. Ela tinha namorado um rapaz dois anos, naquela época que eu convidei ela para sair, ela tinha 20 anos. Ela namorou um rapaz dos 18 aos 20 anos e não sei porque… eu imagino porque. Eu convidei ela numa época ruim, uma época que ela tinha levado um pontapé, tanto um homem quanto uma mulher quando leva um pontapé não está em boa. Então, mas acontece e eu sabia que ela saía, saía todo sábado, praticamente, e eu ficava com ciúmes. Esse aqui faz parte, que ele queria saber como era São Paulo, eu ficava com ciúmes e não conseguia dormir. Eu saía e andava a noite toda. Uma vez fui parar às quatro horas da manhã no Museu do Ipiranga, morava na Rua Prates, e você pode ver, da Rua Prates até o Museu do Ipiranga é uma caminhada e durante a noite toda… assim foi mais ou menos uns dois anos, mas cada vez, como se diz, o ciúmes ficou um pouquinho menos e assim passaram os anos. Passaram dez anos e vocês vão pensar que eu não saía com garotas? Saía com garotas que gostavam, eram loucas para casar comigo, só que não… não grudava. E um dia, assim por acaso, encontro ela na rua, digo: “Helena, onde você vai?” “Eu estou estudando Inglês agora, vou na Cultura Inglesa. Você não quer me acompanhar?”, foi a minha desgraça e comecei a acompanhá-la, larguei os amigos, larguei o pôquer, larguei corrida de cavalo (risos) e começamos a namorar. Dois anos depois, eu tinha 38 anos, aí casamos. Eu tinha 38 e ela tinha 32. A diferença nossa de idade era seis anos.
P/1 – O nome dela era Helena, é isso?
R – Helena. Aliás, chamam ela de Sacha, eu chamo ela de Helena. Em ídiche é Haya.
P/1 – E onde você levava essas meninas?
R – Ah, depois que… ah, vou lhe explicar. Eu era viciado em corrida de cavalo, sábado e domingo eu ia no Jóquei e de noite, jogava pôquer.
P/1 – Isso com quantos anos?
R – Mais ou menos, nas corridas joguei 19 anos. Comecei a jogar nas corridas quando o Jóquei Clube ainda era na Mooca. Acho que você não tinha nascido ainda. E depois, em 42, o Jóquei Clube abriu na Cidade jardim. No sábado… O Jóquei Clube abriu na Cidade Jardim num sábado, sábado eu não fui, mas domingo eu fui. Então, toda semana eu ia no Jóquei. Eu consegui e de noite jogava pôquer, era um bom jogador, eu posso me gabar, era um bom jogador de pôquer, sabe por quê? Você conhece alguém que consegue juntar 38 contos… sabe o que é um conto? É mil réis, chamava antigamente, juntei em três anos, 38 mil réis.
P/1 – No pôquer?
R – No pôquer e em corrida. Em corrida, eu era o… como se diz? O rabino, eu que dava palpite, onde chegava na sexta-feira, a turma começava a procurar: “Onde está o Piola? O Piola não veio ainda? Aquele desgraçado!”(risos).
P/1 – Quando é que você começou a jogar com os cavalos, no pôquer? Alguém te chamou?
R – O pôquer, meu pai era viciado. Em casa, sempre tinha um baralho, só que não jogava… não sei, então eu estava… vamos dizer, eu conhecia o baralho, a gente jogava, a molecada jogava quando conseguia, arrancava o botão da camisa pra jogar, para te dar uma ideia…
P/1 – As fichas, né? Para usar como fichas, é isso?
R – É como dinheiro. Como eu falei, no Jóquei, comecei a jogar quando ainda era na Mooca e pôquer, comecei acho que devia ter… sei lá, na Polônia, eu não conhecia. O pôquer, eu aprendi aqui.
P/1 – Você fez amigos por lá?
R – Onde, aqui?
P/1 – No pôquer…
R – O que não me faltava era amigos. Amigos e amigas. Eu entrei de sócio no Clube de Regatas Tietê, no Clube de Regatas Tietê, naquela época não tinha piscina ainda, então… mas a divisa mesmo era o Rio Tietê, então fizeram um cocho e eu aprendi a nadar no cocho. Sabe o que é cocho? Faz de conta que esse aqui é o rio, então põe um barril cheio de peso, fazia um cercado e aqui a gente nadava…
P/1 – No próprio rio?
R – É, no rio, chamava de cocho. Aliás, você pega o dicionário, você vê cocho, ele te explica melhor do que eu. E lá, eu nadei. Aí, fizeram piscina, eu nadava… saía do serviço, ia nadar, ia para o Tietê, mais tarde, quando parei de trabalhar, eu ia cinco, seis vezes por semana, eu ia… eu fui a último pessoa que usou a piscina do Macabi, porque o Macabi veio em 53, Macabi veio na Nova Cantareira, aliás, Macabi ainda tem, mas não funciona. Macabi perdeu os sócios, não tem…
P/1 – Macabi era um clube?
R – Clube de… Macabi era um clube da comunidade judaica.
P/1 – Ah, entendi!
R – Macabi tinha outro clube que Macabi absorveu e depois, fundou a Hebraica e aí, Macabi começou… mas a Hebraica cresceu.
P/1 – E onde mais você saía em São Paulo?
R – Onde mais?
P/1 – É, para se divertir, para… com os amigos…
R – Para isso, eu tenho que voltar.
P/1 – Fica à vontade.
R – Eu vou só chegar a… um dia, porque é uma história comprida, não… um dia, eu recebo um telefonema, Isaac Sverner, o filho do Isaac Sverner casou com a prima, dessas que vieram da Bélgica. Naquela época, eu já trabalhava no almoxarifado de um desses primos. Esse primo importava bugiganga, geladeira… uma vez, importou chaveiro de bala de fuzil, era um chaveiro, alguém teve a ideia, furou, fez uma correntinha e virou um chaveiro. Deve ter custado, três, quatro cents lá nos Estados Unidos, porque tinha bilhões de balas que não… tinha acabado a Guerra… o que é que você perguntou? Esqueci!
P/1 – Eu perguntei para onde você saía em São Paulo para se divertir.
R – Ah! Por onde? Bom, eu fui para o Rio, porque eu cheguei… bom, a firma começou com o Neopan, depois de uns dois anos, fechou Neopan e abriu Neotron. Depois, mais uns dois anos, fechou Neotron, abriu Açometa, depois fechou Açometa, as três eram limitadas, aí que abriu o Comércio de Componentes Eletrônicos, CCE…
P/1 – Essa era a firma de quem?
R – Era… no começo, eu tinha 10%, o dono da firma chama Isaac Sverner, vocês vão assustar. Isaac Sverner faz dois anos ou três que eu ouvi a noticia que ele vendeu a firma sabe por quanto? Chutem! Por três bilhões. Ele vendeu a firma para um grupo chinês. Eu não sei, mas eu… eu fiquei na firma até 75. Em 75, eu vendi a minha parte. Eu queria me ver livre, eu já estava… bom deixa, não vou falar palavrão (risos).
P/1 – Então, você começou com essa firma lá atrás com o…
R – Não, eu não comecei naquela firma. Você quer que eu conto? Bom, vou resumir, senão fica muito comprido. Primeiro, eu fui aprendiz de bolsas para senhoras. Depois, eu fui aprendiz de fotógrafo, depois fui tecelão, fazia malha, olha, essa aqui. Trabalhei muitos anos, trabalhei no mínimo uns 15 anos fazendo toda a malharia que tinha no Bom Retiro e no Brás. Depois, vieram os primos da Bélgica e abriram uma lapidação de diamantes. Aí, eu fui trabalhar na lapidação. Então, na lapidação, a minha função era roundador, eu fazia a pedra redonda, mas não era pedra desse tamanho, eram pedrinhas, é difícil explicar quando alguém que não conhece… compreende? Enquanto durou a Guerra, durou a lapidação. A Guerra acabou, a lapidação fechou porque abriram lapidações em Israel, abriram lapidações na Holanda e lá, a mão de obra era qualificada, aqui tudo era aprendiz, porque eram novatos, então aqui está a resposta.
P/1 – Isso nessa época em que o senhor conheceu a Helena?
R – Sim.
P/1 – Esses trabalhos, isso foi na época em que o senhor conheceu a Helena?
R – Sim.
P/1 – Vocês tinham acabado de chegar?
R – Com licença. Quando eu conheci a Helena eu tinha 26 anos. Naquela época, eu já era tecelão. Trabalhava na retilínea, porque era manual, tinha retilínea de 80 centímetros, tinha retilínea de um metro de comprimento e tinha retilínea de um metro e vinte. Então, tinha retilínea com ziguezague, puxava com uma mão, com a outra mão você fazia para sair os tecidos, sair o ziguezague.
P/1 – E os seus irmãos, faziam o que na época?
R – Quem?
P/1 – Os seus irmãos.
R – Meu irmão também foi trabalhar… quando os primos vieram, a família toda foi trabalhar… a situação do meu… o melhor de tudo foi a situação do meu pai, meu pai foi trabalhar com os primos. Hoje, eu posso contar, ele se transformou em pombo correio, isso não vai cair na mão da polícia (risos).
P/1 – Não. Fica à vontade, pode falar.
R – Ele levava matéria-prima, diamante bruto para Nova York.
P/1 – Isso para os seus…?
R – Para os primos.
P/1 – Para os primos?
R – É.
P/1 – E a família inteira estava trabalhando lá, com os primos?
R – A família trabalhava na oficina, na lapidação, ele não, ele tinha a sua pasta, a pasta tinha um fundo falso para o diamante pequeno, não vai pensar que é diamante paralelepípedo, um diamante do tamanho da unha é grande já, é bem menor.
P/1 – E de lá, o senhor foi trabalhar onde? Depois da lapidação?
R – Bom, quando acabou a lapidação, esse primo começou a importar. Ele importava geladeiras, discos, toca discos, como eu te falei também, aquele chaveiro, então tudo que era bugigangas, então eu trabalhei com ele. Eu trabalhei com ele até eu começar a namorar. Quando eu trabalhei com ele, eu ganhava mil e quinhentos reais, aí comecei… aí ele foi o meu… aquele que leva o noivo embaixo do quipá, como é?
P/1 – Como um padrinho, é isso?
R – Não. O sujeito que casa tem alguém que… a noiva tem que levar na igreja, eu tive na sinagoga e o noivo também tem alguém…
P/1 – Que leva.
R – Então, ele me aumentou de mil e quinhentos para dois mil e ele me deu de presente de casamento, cinco contos, cinco mil reais. Aí eu fui morar… voltando atrás, quando comecei a namorar, eu larguei os amigos, larguei o jogo…
P/1 – Namorar a Helena?
R – É. E comecei a economizar. Consegui… eu tinha trinta e poucos contos, economizei em dois anos, até 45. Aí comprei uma casinha, aliás, 45 não, 48. Comprei uma casinha na Rua Guaporé com 45 de entrada e o resto em tabela price em 20 anos, tabela price, fixa, dois reais por mês, fixo. Hoje não existe isso aqui. O que mais você quer saber? Primeiro, quando o primo mudou para o Rio e eu casei, quando eu casei, fui morar com a minha sogra. Minha sogra me deu um quarto, um quartinho pequeno, bem menor que esse aqui e eu pagava um e setecentos, eu ganhava dois, me sobrava trezentos reais, mas dava para ir ao cinema e tal, no teatro também. Depois, ela ficou logo grávida e eu tinha dois amigos vendedores na firma e eu tinha economizado um dinheiro para o parto. Um deles conheceu um sujeito e disse: “Ele pode comprar mercadoria no Rio que foi aprendida pelo Fisco e dá para comprar por um bom preço. Você não quer entrar?”, eu digo: “Tá bom”, o que eu tinha eu dei, eu tinha 40 contos, eu dei para ele. Eles foram para o Rio e era conto do vigário, levaram eles no bico, o camarada levou eles para cá, levou eles para lá, depois levou num depósito… era um edifício do governo, num corredor, disse: “Espera aqui”, tinha uma porta, ele abriu, disse: “Vocês esperam, eu vou entrar, eu pago e com o recibo nós vamos buscar a mercadoria”, e eles ficaram esperando dois minutos, três minutos, cinco minutos e nada dele voltar. Aí um pegou e abriu a porta, era um corredor, ele entrou e foi embora e deixou eles… aí eles voltaram num sábado à tarde que eu me lembro como se fosse hoje, voltaram, o meu quartinho dava a janela para a rua, eu olho para fora, lá estão os dois. Eu desço, aí um deles chamava Michael: “Jacob, mercadoria…”, eu disse: “Você não podia esperar até segunda-feira para me contar essa novidade? Precisava vir em um sábado à tarde para me contar isso?”, Quer que conte uma história para vocês? Como cada pessoa reage de uma forma diferente. Eu assisti um filme, o filme era assim, mãe viúva, filho queria ganhar dinheiro, queria fazer negócio e tinha a filha também. Bom, o filho… a mãe recebeu… o marido que morreu deixou uma… como chama? Um seguro, então ela foi receber o seguro e com metade do seguro, ela comprou uma casinha e a outra metade do seguro, ela chegou em casa, deu para o filho: “Olha, agora você é dono da casa”. Ele tinha um amigo e ele também entrou no conto do vigário. Quando o amigo disse: “O dinheiro está perdido”, ele quase matou ele. Eu digo a diferença, eu simplesmente disse: “Por que vocês não vieram na segunda?”, então como cada pessoa age na mesma situação de uma forma diferente, porque ele perdeu o dinheiro e eu também perdi, ainda mais que eu era casado, a minha mulher estava grávida e tal. Vamos em frente.
P/1 – E aí, o que aconteceu depois?
R – Não aconteceu nada! Um deles, esse chamado Michael disse assim: “Jacob, por que você não fala para o seu primo para em vez de ele te pagar o ordenado, ele te dá comissão?”, porque eu tinha… eu atendia freguês… eu tinha fregueses que eu atendia, aí fui falar com o meu primo e ele aceitou a sugestão, aí comecei a ganhar dinheiro. Ganhei dinheiro. Depois, comecei a vender para pessoas que traziam mercadoria, ganhei muito dinheiro.
P/1 – Isso em São Paulo?
R – Lógico! Só para dar uma ideia, eu nunca pedi um centavo para ninguém, mas os outros pediam para mim. Primeiro, eu construí uma casa, um palácio para a minha mulher, para ela não poder se queixar. Olha, até hoje, eu estou como se diz? Com remorso de perder… quando eu sai de lá, porque a minha mulher não quis… o que ela pedia não foi muita coisa, os únicos pedidos dela mesmo foi que ela queria morar no Bom Retiro, porque nós estávamos morando quase 19 anos lá em Tremembé, era longe, ela não guiava, do ponto do ônibus até em casa era mais ou menos uns 500, 600 metros, era subida. Então, para ela era difícil. Ai, bom eu dizia para ela: “Escuta Helena, a gente vive bem, tem uma casa bonita, vem visita”, toda sexta-feira eu fazia um churrasco. Sexta-feira eram os amigos: “Jacob, quando vai ser o meu dia?”, eu tinha muitos amigos. Bom, o que eu fiz? Eu vendi 3% da minha participação na firma e comprei um apartamento na Rua Guarani. Acontece que o apartamento era novo em folha, faltava tudo. Faltava armários e dinheiro. Então, essa é outra história, porque as minhas histórias não são assim… vou voltar atrás. Eu comprava… eu conhecia todas as grandes firmas daquela época, as grandes firmas que montavam rádios, que montavam televisores, eu tinha a porta aberta. Eu comprava coisas que para eles eram refugos, eu comprava e vendia, ganhei muito dinheiro com isso. Nós estávamos… eu tinha uma firma em Santana chamada Oxford, eu vendia para ele miudezas. Um dia, eu disse para ele, o dono chamava Carlos Restelli, ele era italiano: “Escuta Carlos, você aceitaria eu como sócio?” Bom, eu entrei de sócio com 10%. Minha função era comprar material, o que tinha que fazer. Passaram uns quatro ou cinco meses, eu recebo um telefonema, desse Isaac Sverner, ele tinha casado com uma prima minha, dessas que vieram da Bélgica. Ele tinha um irmão mais novo, ele tinha mais irmãos, “Pergunta para o Carlos se ele não venderia a metade”, o Carlos disse: “Tá bom”, então ele entrou com a metade e botou o irmão mais novo dele. O irmão mais novo dele era um bon vivant, o pai era milionário, ele vai se meter num porão lá em Santana porque a oficina… como chama a rua principal de Santana, que sobe da Voluntários da Pátria, quem sobe a voluntários da Pátria, entra a esquerda, antes da subida, você não conhece?
P/1 – Não. Você sabe?
P/2 – Não.
R – Bom, aí eles foram… resolveram… deixa eu ver onde que eu parei.
P/1 – Estava falando da firma…
R – É. Eles resolveram produzir uma peça chamada seletor de canais, hoje não se usa mais na televisão. Aí, eles foram para a Itália e fizeram contato com a firma italiana que produzia essa peça e perguntaram… isso eu fiquei sabendo posterior, perguntaram para ele: “Quantos sócios tem?” “Tem quatro” “São muitos sócios”, bom, eles voltaram e me botaram para fora, eu e o técnico e eu tinha 10%, me deram 10% em dez promissórias e para o técnico, a mesma coisa. Eu não tinha problema, voltei ao meu mètier antigo: comprava, vendia, não tinha… casa boa eu tinha, aluguel não pagava, mas o técnico coitado, estava… se perdeu e eu ia para casa, eu parava, eu dizia: “Giovanni, faz isso, faz aquilo”, ele quis fazer uma firma. Ai, como que faz? Acontece… é tão enrolado que eu mesmo me enrolo. Bom, quando o Isaac me convidou, me convidou também o Charlie, esse Charlie era negociante de diamantes, e tinha uma fábrica, ele fornecia pólvora para o Exército. Ele precisava de alguém para cuidar da fábrica, ele tinha dois filhos, mas eram pequenos e eu fiquei indeciso, bom, no fim, eu aceitei desse Isaac Sverner e o meu capital era três contos, eu entrei com 10%. A firma chamava Neopan. Começou a funcionar, depois passou… Neopan fechou, abriu Neotron, depois fechou Neotron, abriu a Açometa e depois fechou Açometa e aí que abriu o Comércio Componente de Eletrônicos. Aí já era. Nesse começo, Componentes Eletrônicos, eu era diretor comercial. Agora, eu vou voltar atrás. Quando esse meu primo, que eu trabalhei com ele morava no Rio, um dia, ele chega em casa, eu já era casado, morava na Rua Guaporé e: “Jacob assina aqui”
e : “Helena, assina aqui”, nós assinamos. “Jacob, vê se você consegue arrumar uma casinha aqui na sua redondeza”, o que era? Ele fez uma… ele abriu uma firma chamada Benolux, em meu nome e o nome da minha mulher e ele fez uma importação. Eu tinha arrumado como ele me pediu um lugar, quando a mercadoria chegou, eu abri: refugo, válvulas com soquete solto, sem marca, sem nada. O que foi? O que ele fez? Ele ganhou uma fortuna nisso aqui, me deixou uma dor de cabeça que você não imagina, mas essa dor de cabeça veio 18 anos depois. Bom, veio um fiscal e olhava, olhava, porque ele tinha comprado licença de mercadoria europeia, que era mais barato e a mercadoria que ele importou era americana, só que não dava para saber a marca, era tudo refugo. Bom, fiscal veio uma vez, veio duas, veio três, até que cansou de vim, era fim do ano e eu fui visitar um freguês que eu tinha na Santa Efigênia. Cheguei lá, o nome dele era Davi Sertório, tinha a maior loja da Rua Santa Efigênia daquela época, “Jacob, você tem alguma coisa?” “Tenho um refugo” “E o preço?”
“O preço é bom” “É meu”, ele não quis saber o que é o que não é, aí eu vendi para ele, fiz as promissórias e essa parte… anos depois eu fiquei sabendo porquê que ele comprou. Ele tinha um processo, ele precisava dar uma garantia, ele comprou esse refugo porque o governo não examina se é… se a válvula é… se o soquete é… tá entendendo? Então, ele comprou assim, como ele comprou assim… eu entreguei embalado, assim ele deu para o governo. Essa é uma fase. Onde mais eu estou?
P/1 – Eu queria voltar um pouco, você explicou essa parte da sua profissão, da sua vida profissional. Eu queria…
R – A minha vida profissional morreu. Aprendiz disso, aprendiz daquilo, tecelão, roundedor de diamantes trabalhei… foi o último que… trabalhei na época que tinha a Guerra, a Guerra acabou, a lapidação fechou, compreende?
P/1 – Sim. Mas eu queria voltar para o casamento com a Helena.
R – Ah, a parte amorosa?
P/1 – Sim. (risos) A Helena, a primeira coisa, a Sheila queria perguntar para o senhor se a Helena também era judia.
R – Ah sim, era judia. Até morrer.
P/1 – E como é que foi o dia do casamento?
R – Bom, quer que eu digo para vocês? Vocês não vão contar para ninguém!
P/1 – Não.
R – Não sei se… quando eu falei a primeira vez com ela, ela tinha 20 anos. Vocês viram a fotografia e ela disse: “Não”, aí passou dez anos, acontece que nesses dez anos, ela não ficou em casa chorando as mágoas, ela saía toda semana. A mãe dizia: “Escuta…”, eu vou falar em ídiche: “Até duas horas da manhã”, não preciso traduzir, mas não consegui. Ela tinha três defeitos, aliás, tinha dois defeitos e um mérito, o mérito é que ela era bonita, o demérito era que o pai era sapateiro e dinheiro era manga de colete, sabe o que é colete? Colete não tem manga, antigamente se usava colete, acho que o moço deve lembrar. O que mais você quer saber da Helena?
P/1 –
Eu ia perguntar como é que foi seu casamento? O dia do…
R – O dia do casamento?
P/1 – Isso.
R – Bom, no sábado, casei no civil, na Rua Três Rios, o cartório, naquela época, estava na Rua Três Rios. Hoje o mesmo cartório está na Rua Amazonas e no domingo, eu fui no meu clube, como se diz, não fiz diferença como qualquer outro, fiz a minha natação, tomei o meu sol e de noite, me vesti com o meu… o meu sogro se dava bem com o sacristão… tinha a Sinagoga, sabe a rua Augusta? Antes de chegar a Rua Augusta, tem aquela rua que faz uma meia-lua bem no meio tem a Sinagoga que o fundo daquela Sinagoga dá na Avenida Nove de Julho. O meu sogro era amigo do sacristão e ele arrumou para casar lá, chique! E lá nós casamos e voltamos para a casa da minha sogra, tinham umas 12, 13, 15 pessoas, minha sogra fez uma… e aí, eu peguei um táxi, convidei a… já era minha mulher, quer dizer, era oficial e fomos para o hotel (risos), não vou contar (risos). Já faz tantos anos, vou contar. O hotel era relativamente novo, na esquina da Rua Timbiras com Conselheiro… eu sei lá que esquina, o hotel existe até hoje, não é chique, mas o hotel é de meio termo. Ela entrou no quarto, não deu três ou quatro passos, virou: “Não gostei do quarto”, eu fiquei com aquilo. Passou mais um pouquinho: “Eu estou cansada”, passou mais um pouco: “Eu estou com dor de cabeça”, pronto, acabou o meu casamento! Isso foi a noite de núpcias, então…
P/1 – E como que você descreveria a Helena? Como ela era?
R – Como eu descrevi ela?
P/1 – Como você descreveria ela.
R – Ela era uma moça bonita, eu gostava dela, eu gosto até hoje, já morreu faz quase nove anos! Mas levou muito pontapé na vida, o mal dela é que a família era pobre, quem praticamente sustentava a família era a mãe, a mãe saía e vendia, tinha freguesia, vendia coisas à prestação. E sapateiro na colônia judaica é como se diz… era… sabe, tem classes, então sapateiro é da classe… como se diz? Não era… vamos dizer, filha de barão, nem de lorde, não. Ela devia sentir isso, porque se ela saía com um, se ela não conseguia arrumar ninguém, é porque a família… entende? Ela não tinha dote, o único dote que ela tinha era a beleza.
P/1 – E o seu pai estava vivo nessa época?
R – Sim.
P/1 – Sua mãe também?
R – Minha mãe, não.
P/1 – Eu queria perguntar para o senhor porque eu acabei não perguntando como era o seu pai e a sua mãe? O gênio deles…
R – Meu pai era um homem… é uma pena que eu não trouxe a fotografia, ele era de altura, ele era baixo, mas ele tinha cultura, mas a cultura não ganha dinheiro. Ele começou… era shlimazldik, sabe o que quer dizer shlimazldik? Azarado. Ele levava diamante bruto para Nova York, para os primos, não era para ele, ele era pombo correio e de lá, ele despachava baús com canetas de marca Sheaffer, duas marcas, caneta de ouro, no mínimo umas seis ou sete o baú veio na alfandega… o chefe da alfandega já foi… compreende? E estava tudo certo. E ele quis fazer por conta própria, o baú desapareceu, ele era shlimazldik, azarado. Se tivesse dado certo, teria sido bem… a vida seria bem melhor. Já passou.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe, a situação estava ruim, estava péssima. Em casa, não tinha… quando eu tinha 18, 19, 20 anos, sabe qual era o meu café da manhã? Um copo de água, umas gotas de vinagre, uma colher de açúcar e um pedaço de pão. E assim eu saía para trabalhar e no almoço, eu comia um sortido, custava 70 centavos, era feijão, arroz, um pouco de batatinha, mas tinha bucho, o português… três anos, eu comi o mesmo… até hoje eu gosto de bucho (risos). Tinha um prato, custava 70 centavos.
P/1 – E os seus irmãos, como que eles eram?
R – Eu não tinha assim, convivência com o meu irmão. Minha irmã, aquela que faleceu com 18 anos que o filho dela que eu mostrei na fotografia, ela casou jovem. Casou com 17 anos, morreu com 38 anos, teve dois filhos, esse que foi o coiso e uma moça que não casou.
P/1 – E os seus outros irmãos?
R – O meu irmão caçula casou… quando ele estava em Israel, ele conheceu uma moça, uma carioca e casou com ela. Depois, ele voltou para cá.
P/1 – Queria perguntar para o senhor como é que foi ser pai pela primeira vez, quando você já estava com a Helena.
R – Quando a minha mulher estava na maternidade, você fez uma boa pergunta, eu estava sentado aqui é a cama e eu estava sentado aqui na cadeira, aí minha mulher pegou a minha mão e pôs na barriga… essa é a resposta da sua pergunta, nasceu a minha filha, até hoje é bonitona, só que é muito mandona…
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Rosie. Ela começou a namorar jovem com um rapaz… ela estudava lá na faculdade… hoje é museu, no Jardim da Luz, antes tinha uma faculdade, naquele prédio que hoje é… tinha a faculdade, lá ela conheceu um rapaz do Bom Retiro, a família não era judia, eram filhos de italianos, portugueses, eram muito religiosos. Bom, eu fiz um casamento só no civil, minha mulher foi no hotel na Avenida Ipiranga, tinha um hotel de luxo, esqueci o nome do hotel e acertou e lá fizemos o oficial veio lá, arrumou a mesa e tal e nós fizemos o casamento, só o casamento civil.
P/1 – E você teve outros filhos depois?
R – Sim, depois teve o Isaías, o filho. Isso foi a pedido (risos), ele dá risada, verdade! Minha mulher disse: “Jacob, um filho só não dá, precisa fazer mais um” “Tá bom”, quando a mulher pede a gente obedece.
P/1 – E ele nasceu quando?
R – Ele nasceu três anos depois da filha.
P/1 – Em que ano ele nasceu?
R – Isso já é querer muito (risos), espera! A filha vai fazer 52 anos e ele tem 49, aliás 59, não, 49, é.
P/1 – Nasceu em 64, 66, por ai…
R – Não sei, cálculos assim, eu sabia os meus cálculos, mas…
P/1 – Vocês se mudaram depois daquela primeira casa?
R – Como é?
P/1 – Depois da primeira casa que você morou com a Helena, vocês se mudaram?
R – Depois, quando eu comecei a ganhar dinheiro porque comecei a receber pessoas que traziam mercadoria que me davam para vender, sabiam que na mão do Jacob… nunca tive… vamos dizer, uma dorzinha de… me dava mercadoria, eu vendia, a minha obrigação era vender, entregar, acertar a promissória, porque era tudo contrabando e eu ganhava 3%. Depois disso que eu entrei de sócio na… aliás, eu fiz outra firma com o técnico, depois que nos colocaram para fora, eu fiz… ele me encheu as medidas e eu fiz com ele uma firma, começamos a fabricar rádio para automóvel, progrediu, depois eu vendi a minha parte quando eu comprei apartamento, apartamento era… não tinha nada, era novo e o dinheiro que eu vendi os 3% era para comprar apartamento, mas não tinha para pôr armário, etc., então eu vendi a minha parte para esse italiano, mas ele não teve proveito nenhum. Quer que eu conte?
P/1 – Sim.
R – É uma história interessante, porque ele… nós tínhamos construído… onde saem hoje os ônibus da rodoviária lá de Santana, não tem aquele… onde fica o controle, o ônibus para e o camarada que fica dentro da cabine, ele controla… lá, eu tinha construído, então tinha assim, era embaixo, a fábrica e em cima, morava esse italiano. Ele tinha a mulher, ele vivia, mas não se dava bem com a mulher e ele trouxe um sobrinho da mulher da Itália. Um dia, ele levanta de manhã… isso me contaram, toma o café, começa a se sentir mal, levam lá no pronto socorro, lá em Santana que era perto e morre. Morreu, todo mundo morre, um antes, outro depois. Como ele não se dava com a mulher, ela não tinha o segredo do cofre, ela tinha a chave, mas no tinha o segredo. Então, chamou… isso me contaram, porque já estava fora há mais de dois anos, chamaram o serralheiro, o serralheiro furou e abriu o cofre. Olhou o cofre, não tinha nada fora do… aí, o cofre tem uma tampa, porque tem um vácuo dentro, ele abriu aquela chapa, tinham dólares, tinha… tudo aquilo que ele desviou de mim, que ele… estava lá. Vai ter confiança, é ai que está. Isso me contaram e eu não…
P/1 – E o senhor trabalhou até que ano, mais ou menos?
R – Até… isso eu posso dizer a data certa, vendi a minha parte em dezembro de 1975. Depois, não quis mais trabalhar, não precisava. O que tinha já dava para os filhos, então…
P/1 – E em 75, o senhor morava onde? Em Santana?
R – Não, em 75 eu morava na Rua Guarani, aquele apartamento que eu comprei. Morei 42 anos na Rua Guarani, no mesmo apartamento. Apartamento bom, grande, três dormitórios grandes, três banheiros, uma sala… a sala dava acho que umas seis, sete dessa aqui. Meus filhos resolveram vender. Vou lhe dizer uma coisa, se aquele apartamento estivesse lá perto da avenida Paulista, valia no mínimo três milhões, sabe por quanto venderam? Quatrocentos e quarenta e poucos mil.
P/1 – E o que os seus filhos foram fazer?
R – O que os meus filhos fazem?
P/1 – Sim.
R – O que eles fazem eu não sei, eles não me contam (risos). A minha filha foi professora, foi diretora, foi supervisora,. Depois se aposentou do estado. A minha nora também foi a mesma coisa, mas era da prefeitura. Minha nora ganha mais de duas vezes do que ganha a minha filha, na prefeitura. As duas têm quase a mesma idade e tinham o mesmo… mas a minha filha ainda tem utilidade, ela cuida de uma escola não remunerada…
P/1 – E o seu filho?
R – Ela está sempre ocupada, não para o pai, para os outros.
P/1 – E o seu filho?
R – Meu filho já fez várias… ele tem uma estamparia. Ele construiu um prédio lá na Rua Javaré, e lá… só que o ramo de estamparia está meio fraco. É moda. Hoje a moda é bordado, em vez de coisa estampada, é bordado, mas depois volta novamente, como tudo na vida, altos e baixos. Que mais você quer saber? Eu estou bom para falar hoje (risos)!
P/1 – Eu queria saber do senhor, o que você acha que mudou na sua vida depois de aposentar.
R – O que mudou na minha vida, porque Jacob foi burro, burro é apelido, mas burro. Eu tinha todas as condições, vou dizer, olha aqui, primeiro, eu comprei a casinha, isso foi com o suor, depois construí a casa lá em Tremembé, depois construí uma casa pra quando a minha filha começou a namorar, ia casar, construí para ela uma casa lá na Vila Rosa. Deixa eu ver… construí uma casa na praia, comprei quando as minhas netas foram para a Europa, quem sustentou elas foi o papai aqui. Depois, comprei… a neta mais velha voltou, se fixou em Salvador, eu comprei apartamento para ela em Salvador, depois ela veio para São Paulo, comprei apartamento para ela em São Paulo, em Santana… como se diz, pintei, bordei, fiz crochê e pronto!
P/1 – E o senhor me disse lá fora que o senhor hoje é ateu, é isso?
R – Eu sou! Coimo diz o ateu, com muita honra (risos).
P/1 – Mas não teve um problema com a comunidade?
R – Sou racional. Um homem que é racional não pode acreditar numa coisa que ele nunca viu, ninguém viu, ninguém sabe, dizem… sabe para quem serve Deus? Para o papa, para os cardeais, para os bispos, para os padres. Me diga uma coisa, alguma vez vocês viram um padre na rua? Que alguém pedisse um centavo para o padre e ele dava? Não, ele dava: “Que Deus te…”, como diz, padre não põe a mão no bolso. É simples, eu não estou só falando… em todas as religiões é a mesma coisa. Sabe qual é a diferença por que a religião judaica não progrediu? Não tem muitos adeptos? A circuncisão. Se não fosse a circuncisão, a religião… tinham milhões e milhões de judeus. A circuncisão que estraga o judeu, ninguém gosta de fazer uma circuncisão, então… simples.
P/1 – E essa sua posição não deu algum problema com a sua família ou…?
R – Por quê? Eu não tenho nada com o outro, o outro não tem nada! Ué, com os meus amigos, às vezes, eu discutia, mas não… eu vou na sinagoga às vezes, mas eu vou com… a minha mulher ia na sinagoga, minha mulher faleceu na sinagoga. No Yom Kipur, Yom Kipur é a festa mais religiosa, o judeu vai na sinagoga, ele reza o dia inteiro e jejua. Vieram em casa, era depois do almoço, veio a família toda e ela se vestiu, se arrumou e foi com eles… eu não, eu fiquei em casa. Depois, me contaram que chegou lá na sinagoga… porque lá ficam homens de um lado e as mulheres do outro lado, ela sentou perto de uma amiga, começou a conversar, passou uns dez, 15 minutos, ela teve um derrame. Eu já tinha salvado ela de dois, esse foi o terceiro, eu não estava e nem conseguiria, ficou quatro dias… como se diz? Fora de si e faleceu. Vai fazer acho que oito, nove anos.
P/1 – E os seus netos? Quem eles são?
R – Um neto é casado, quer dizer, casado ainda não casou, mas vive junto. Ele é técnico, é personal trainner.
P/1 – Ginástica?
R – Só que em vez de ser na coisa, ele vai na casa do freguês, você sabe… entendeu o que eu quis dizer?
P/1 – Sim, entendi.
R – E o outro, por enquanto não faz nada, tem 29 anos, que eu saiba, não faz. Ele não tem necessidade, o pão de cada dia o pai dá, então…
P/1 – O que o senhor gosta de fazer hoje?
R – Essa pergunta está errada. O que você gostaria de fazer? Não o que você gosta de fazer.
P/1 – Pode ser.
R – Eu tinha todas as condições, se tivesse… eu teria… eu tinha dinheiro, eu gostava… seis anos na firma, seis anos eu andei no mato, eu saía na segunda, ia no mato, foi para Mato Grosso, fui para Goiás, fui para o diabo a quatro, saía na… isso foi uma das piores coisas que eu fiz, saía na segunda, voltava na sexta. Não sabia o que estava se passando na firma, não sabia o que se passava em casa. Então, essa foi a pior coisa que eu fiz, mas eu gostava, eu gostava, pegava o rio, tomava sol (risos). Uma vez, peguei, olhei e tinha um rio bem largo, mas era na época de seca e no meio, tinha uma ilhota, eu viajava com o vendedor, eu dizia: “Eu vou tomar sol” “Ih, Jacob, tem piranha” “Que piranha!”, fui até o sol, fiquei lá uns dez, quinze minutos e depois, voltei. Uma vez, pesquei um peixe elétrico, dava choque (risos). Um vez, peguei um filhote de jacaré, era desse tamanico, amarrei… viajava de… como chama? E carregava o estrado, só o estrado e eu como era patrão, eu dormia no estrado. Amarrei com o barbante na cabeça do jacarezinho e amarrei embaixo do estrado. Paramos uma vez, eu acho que era Goiás, uma casa abandonada, uma casa feita de terra, as paredes eram mais ou menos grossas assim, então fomos dormir lá. Olha, o que tinha de morcego não está escrito, tinha milhares de morcegos.
P/1 – O senhor viajou muito pelo Brasil?
R – Se viajo muito?
P/1 – Se o senhor viajou muito?
R – Primeira viagem que eu fiz com a minha mulher foi para Israel em 66, na volta, fomos para a Espanha, paramos em Madrid e fomos ver… naquela época tinha tourada ainda, hoje não existe mais, é proibido. Fomos ver a tourada, eu vi só… coitado do; o touro entra, entram dois e judiam do touro, o touro fica… ai eles saem, ai entra o bonitão, isso no esporte. Peguei isso aí, a minha mulher ficou até o fim, ela gostou do torneio. De Madrid, fomos para Lisboa, fiquei em Lisboa um dia, dois dias, eu sei que eu tinha, quando eu entrei… peguei o hotel Marquês de Pombal na Praça Marquês de Pombal, hotel deve existir até hoje. Eu não vi direito, perdi o preço, agora quando eu sai, fomos passear, visitar não sei o que, quando voltei, perguntei de novo, isso no dia seguinte, quando ele me disse o preço, eu digo: “Me faz um favor, veja se liga para a Varig, se tem um avião de volta”, em duas horas tinha e quando voltei, voltei com 16 dólares ainda me tinha sobrado. Se eu não tivesse perguntado, eu tinha deixado a minha mulher como garantia (risos). Depois, viajei em 76. Em 76, fui para Nova York, fui para Paris, depois fui para Copenhagen, depois viajei em 82. Em 82, eu fui para Londres, depois fui para Nova York de novo, fui para Toronto no Canadá, eu viajei bastante e depois, viajei sozinho que foi para Israel. Era para ficar um mês, fiquei sete, oito dias, um pouco mais. Já tem quase 99 da história.
P/1 – No Brasil o senhor viajou muito também?
R – Viajei, por exemplo, conhece Gurupi?
P/1 – Não.
R – Sabe onde fica Gurupi? Se você disse que não conhece, você não sabe onde fica (risos). Gurupi, eu acho que é Goiás, eu fui duas vezes para Gurupi. Conhece Rondonópolis? Também não conhece…
P/2 – Eu conheço. É no Mato Grosso, né?
R – É. Por que eu conheço Rondonópolis? Eu fiz um negócio, me entrou 600 alqueires na região de Rondonópolis, eu peguei e fui lá, deixei a escritura para ser registrada e fui embora. Um mês depois, eu digo: “Bom, eu vou lá, já deve estar registrada”, eu chego lá: “A escritura tá registrada?” “Não” “O oficial de justiça onde está?” “Está pescando” “Quando ele vai voltar?” (risos) “Eu sei lá quando ele vai voltar”, eu sei que tirei a escritura, não deixei… e voltei para São Paulo, isso… esses dois lugares… agora, para o Rio eu fui umas 20 vezes. Eu tinha uma cunhada… meu irmão morava no Rio, esse que casou em Israel. Tinha uma firma muito… a maior firma do ramo que montava televisão do Rio, esqueci o nome dele, ele estava devendo dinheiro e ninguém conseguia cobrar. O big boss já tinha mandado todos os compinchas dele, mas não conseguiram nada, ai ele disse: “Jacob, vai lá, quem sabe você consegue”, era na época dos milhões, eu fui lá, vou contar como. O escritório era um salão comprido, de um lado tinha umas sete, oito escrivaninhas, no fundo tinha… como é? Separação para… e no sala em frente tinha para a gente sentar, as visitas. Cheguei lá, cumprimentei o pessoal e sentei, passou uns cinco minutos, saiu daquele… porque eu apresentei da firma Comércio de Componentes Eletrônicos e começamos a conversar, moral da história, eu peguei o cheque, era na época dos milhões, eu vendi uns dois milhões e peguei um cheque de quatro. Depois, foi três ou quatro vezes assim, ele pagava no mínimo 20% mais caro, eu sempre pegava um cheque, o cheque dele nunca voltou e mandava mercadoria para ele. Então, por aí você pode analisar mais ou menos, eu era como se diz, não era para me gabar, nunca tive problema nenhum, nunca encrenquei com nenhum… emprestei dinheiro, amigo emprestava… uma vez, um amigo: “Me empresta…”, vou voltar. Esse era vendedor, ele disse que ele ia viajar com a mulher para Foz do Iguaçu, ele me convida: “Jacob, você não gostaria?”, eu perguntei para a minha mulher: “Você gostaria de ir para Foz do Iguaçu?” “Tá bom, ótimo”, fomos para Foz do Iguaçu, na volta, passou um dia, ele disse: “Jacob, empresta 20 mil dólares?”
“Vinte mil?” “É, 20 mil dólares”, eu peguei 20 mil dólares e emprestei. Cheguei em casa e contei para a minha mulher: “Emprestei 20 mil dólares para o Aguinaldo”, o nome dele era Aguinaldo Correa Lemos, “E ele te deu algum comprovante?”, eu digo: “Eu não pedi” “Você é burro!” (risos) “Como você fez isso? Empresta 20 mil dólares e não pega o comprovante?” No dia seguinte, encontrei ele e disse: “Minha mulher acha que você tem que dar um comprovante”, ele tirou um cartão: “Devo mil dólares para o Jacob”, assinou… ele pagou, mas levou dois anos para pagar, para te dar uma ideia de como…
P/1 –
Eu vou perguntar para elas se elas têm alguma pergunta. Tem alguma coisa?
P/2 – Não.
R – Eu tive… dá licença? Eu tinha amigos fiscais, me dava bem com eles. Um dia, um deles chega perto de mim e diz: “Escuta Jacob, eu fui visitar a firma X… e me ofereceram dinheiro”, aí eu disse: “Você pergunta para mim? Pergunta para eles porquê que eles…”, eu sabia porque. Estou te dando uma ideia. Eu me dava bem… tinha um ou dois fiscais que me dava bem, não vamos dizer que eles fizessem… não, eles nem sabiam como se diz, quando recebia mercadoria, eu vendia. Normalmente, eram miudezas e miudezas era fácil de transportar, se eu dizer para vocês, sabe para quem que eu vendi uma vez? Hoje ele é ministro, já foi, como é o nome dele? Puxa vida! Eu vendi um lote de miudeza para toca-discos…
P/1 – Para o ministro na época?
R – Naquela época, isso faz quase 50 anos atrás. Hoje já foi ministro, agora é outro do governo, não vou falar nome, porque não fica bem.
P/2 – Depois de compartilhar todas essas experiências de vida do senhor, né, qual o aprendizado mais bonito que o senhor tem para contar para alguém assim?
R – A senhora não quer vir aqui?
P/2
– Depois que o senhor contou todas essas histórias bonitas pra gente, eu fiquei curiosa por saber qual o aprendizado mais bonito que você teve ao longo da sua vida, que se você pudesse contar para alguém…
R – Aprendizado eu não tive nenhum, vou explicar porque. Primeiro ofício, aprendiz de fazer bolsas para senhoras, o segundo ofício, arrumei sozinho, aprendiz num ateliê de fotógrafo. Terceiro ofício, tecelão, trabalhei muito tempo. Quarto ofício, roundedor de diamantes. Isso foi como escravidão. Depois trabalhei no almoxarifado, aí fiquei inteligente porque comecei a atender freguês, depois eu… eu era um bom vendedor, todos para quem eu vendi viraram meus amigos. Eu chegava: “Jacob, o que você tem?” “Eu tenho isso”, não falava se era bom, se era bonito, “Preço?”, eu digo: “Preço não é ruim, não”, eu dava o preço, “Dá para dar desconto?” “Isso não dá”, ou ele comprava ou não comprava. Normalmente, a mercadoria que eu vendia, as pessoas precisavam, aquele que trazia mercadoria, ele sabia que eu ia… eu não ia trazer mercadoria que estava sobrando, ele trazia mercadoria que estava faltando na praça, quer que eu digo para vocês? A maior venda que eu fiz foi mil e vinte tubos de imagem, naquela época, o tubo de imagem para televisão era de 20 polegadas, deu sete caminhões, se vocês são fiscais, eu não vou dizer quem porque os donos já morreram, a firma já morreu, tudo morreu. Eu vendi… com a comissão daquela venda eu consegui construir a minha casa.
P/1 – Acho que ela quis dizer se o senhor teria algum conselho ou alguma coisa…
R – Ah, se eu queria conselho?
P/1 – Não, se o senhor teria alguma coisa a dizer…
P/2 – Depois de viver tudo isso, se puder falar alguma…
R – Quer um conselho? Tem filhos?
P/1 –Não.
P/2 – Não, ainda não.
R – Não tem? Então, se você tivesse filhos e ficasse velho, não vão morar com os filhos, more sozinha, tenha a sua vida autônoma, porque eu sou assim, eu sou que nem a bolinha de pingue-pongue, quando a minha filha viaja, me joga para a casa do meu filho, o meu filho viaja, ele me joga de volta para a minha filha, ainda mais eu que sempre fui como se diz? Autossuficiente e como se diz, eu dei a base para os meus filhos e não eles para mim, então…
P/2 – E qual é hoje, qual é a sua maior alegria? O que te faz muito feliz?
R – Sabe qual é a minha maior alegria hoje? Eu tenho uma… eu tenho dois amigos, um deles, eu fiz amizade… eu tinha um amigo chamado… poxa vida, já esqueci. Ele faleceu e no enterro dele, eu fiz amizade porque a pessoa não tem um amigo só, o outro amigo do vamos dizer, os amigos daqui e os amigos daqui e tem o outro amigo. Então, esse aqui é vendedor, então o divertimento nosso é jogar dominó, quando tem quatro parceiros. Então, domingo de manhã, ele vem me buscar e vamos jogar dominó. Tenho que me contentar com isso.
P/1 – Queria perguntar para o senhor se tem alguma coisa que você acha que a gente não perguntou e que você queria falar para nós.
R – Não, normalmente… eu fui sócio de… o primeiro, fizeram-me sócio, como diz, me fizeram a firma para mim, mas era fajuto. Os outros não têm… fui sócio de Oxford, fui sócio com esse Giovanni, esqueci já o nome da firma que fabricava rádios para automóveis e fui sócio da CCE, só que a CCE começou com outro nome, depois de três que… chamou Neopan, depois Neotron, depois Açometa e depois que… o resto é resto. Mais alguma coisa?
P/1 – Só mais duas perguntas finais que a gente sempre fecha.
R – Faça as perguntas, ora, estou aqui para responder.
P/1 – Quais são os seus sonhos hoje?
R – Um homem da minha idade, eu estou falando por mim, não estou falando pelos outros velhos. Se eu encontrasse belzebu, eu pagava para ele um uísque de boa qualidade. Pronto, não precisa mais nada. Que mais você quer?
P/1 – A última pergunta é como que foi contar a sua história hoje pra gente?
R – Gostei, gostei porque não tenho ninguém para falar, quando encontro alguém para falar, eu… (risos). Foi ótimo, não é que foi bom, foi ótimo.
P/1 – Então, a gente agradece o senhor pela…
R – Se precisar mais, posso contar mais algumas histórias.
P/1 – Tá certo. Foi ótimo. Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTARecolher