O Marco foi um ídolo pra mim. Ele é irmão de um amigo e, na época, passou na Escola Politécnica da USP. Isso era distante de todas as pessoas da minha Garça (SP), cidade onde nasci. Poucas pessoas passavam na prova, então eu acabei meio que tentando acompanhar a mesma linha que ele tinha segu...Continuar leitura
O Marco foi um ídolo pra mim. Ele é irmão de um amigo e, na época, passou na Escola Politécnica da USP. Isso era distante de todas as pessoas da minha Garça (SP), cidade onde nasci. Poucas pessoas passavam na prova, então eu acabei meio que tentando acompanhar a mesma linha que ele tinha seguido pra ver se dava certo entrar em medicina. Do primeiro para o segundo ano do ensino médio, abriu um colégio na cidade que tinha um sistema de ensino desses já prontos, que chamava Equipe Vestibulares. Até então eu estudava num colégio público. A gente conseguiu um desconto, eu e mais alguns amigos, e formamos uma classe minúscula!
Prestei só a Fuvest e passei. Ir pra São Paulo teve dois impactos grandes: primeiro, a cidade. Tinha ido poucas vezes para lá e nunca tinha andado sozinho. Era uma coisa que me assustava um pouco, bastante talvez. Comprei um guia que o Marco falou pra eu comprar. Realmente eu segui à risca o que o cara fez! Ele foi como um guru pra mim, né? Eu saía com aquele guia na mão e ficava andando nas ruas de São Paulo, pegava o metrô, ia até um determinado bairro, andava, ia ao museu, shopping, parque, qualquer lugar. Eu ficava sozinho durante muito tempo. Segundo: a graduação em si era muito assustadora. “Você foi mal na prova! Você vai pegar exame!” Mas tudo foi se acalmando. Você vai conhecendo mais as pessoas, sai daquela fase que você é calouro e começa a circular melhor pela faculdade e os seus vínculos de amizade vão se tornando mais fortes.
No começo, a minha visão de medicina era a visão de uma cidade minúscula, de 40 mil habitantes. Eu brinco que, quando eu era pequeno, Garça tinha 40 mil habitantes. Hoje, eu chego lá e falo que tem 40 mil habitantes, ou seja, nunca teve 40 mil habitantes, não é possível! É uma cidade muito pequena. A minha visão de Medicina era uma visão extremamente míope, totalmente pequena, muito restrita. Como eu tinha uma vocação mais cirúrgica, comecei a acompanhar cirurgiões em outros hospitais. Entrava em campo, ajudava alguma coisinha, aprendia a dar ponto. A primeira cirurgia que eu vi, estava no primeiro ano. Descobri onde era o centro cirúrgico do hospital - no quinto andar - e subi com um amigo. Não tinha noção de nada. Encontrei com um conterrâneo na porta. “O que vocês estão fazendo aqui?” Ele estava terminando a graduação. Eu falei: “Queria assistir uma cirurgia”, ele falou: “Tá bom, entra aqui comigo”, entrei com ele, totalmente maluco também. Era o fechamento de uma colostomia em uma criança. Foi a primeira vez que eu vi uma cirurgia, primeira vez que eu me vi dentro de um centro cirúrgico, isso foi muito marcante! “É isso mesmo, eu tenho que fazer Cirurgia”, talvez tenha sido uma das coisas mais marcantes de decisão. Já na residência, a especialização em urologia me chamou atenção por ter uma diversidade de possibilidades.
Eu acho que o mais importante na relação médico e paciente é saber ouvir. Ouvir não só no sentido escuta: pode ser por palavras, gestos, comentários paralelos. Se você consegue ouvir, facilita muito o diagnóstico, além de te aproximar dessa pessoa. O médico tem que ganhar confiança do paciente. Você se abre com um namorado, marido, esposa, pais, mas você se abrir para uma pessoa estranha que de repente é a primeira, segunda vez ou poucas as vezes que você a viu na vida, é difícil. Se você não conquista a confiança, é muito ruim. E pra você conquistar a confiança, tem que saber ouvir, mais do que usar recursos tecnológicos. A tecnologia é fantástica, mas eu acho que ouvir é a parte crítica. Sem isso, você perde. Fica muito mecanizado.
Acho que sou um médico respeitado pelos meus pacientes, pares e familiares. Meu sonho é continuar tendo esse mesmo perfil. Quando meu pai faleceu, eu estava em São Paulo. Minha mãe ligou e foi um caos. Fui correndo para o interior. Mas uma coisa que me chamou a atenção: meu pai morava numa cidade pequena, mas foi um número tão grande de pessoas no velório dele, mas tão grande, tão grande! Eu lembro de estar indo para o cemitério, aquele clima, aquela situação horrível e eu olhei para o retrovisor do carro e vi a fila enorme, gigantesca. Percebi como meu pai era respeitado. Ele nunca se impôs para absolutamente nada para medir força. Meu pai era extremamente político na essência da palavra, de relacionamento, bem relacionado. Sempre muito bem respeitado. Então, como médico, acho que o meu sonho é continuar sendo respeitado. Respeito no sentido de estar fazendo as coisas corretas. Esse é meu desejo.Recolher